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Dissertação Biblioteca Bruno

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO


INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

REESTRUTURAÇÃO ESPACIAL NA ZONA PORTUÁRIA


DO RIO DE JANEIRO: GENTRIFICAÇÃO E COESÃO
ESPACIAL

BRUNO PEREIRA DO NASCIMENTO

Orientador: William Ribeiro da Silva

Rio de Janeiro,
2017

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REESTRUTURAÇÃO ESPACIAL NA ZONA PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO:


GENTRIFICAÇÃO E COESÃO ESPACIAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Geografia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como requisito para
obtenção do grau de Mestre em Geografia.

Aprovada em ___/___/_____

____________________________________________

Prof. Dr. William Ribeiro da Silva (orientador)


(PPGG/IGEO/UFRJ)

____________________________________________

Prof. Dr. Marcelo Lopes de Souza


(PPGG/IGEO/UFRJ)

____________________________________________

Prof. Dr. Floriano Godinho de Oliveira


(PPGEO/IGEOG/UERJ)

Rio de Janeiro,
2017

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CIP- Catalogação na Publicação

Pereira do Nascimento, Bruno


P244r Reestruturação espacial na Zona Portuária
do Rio de Janeiro: gentrificação e coesão
espacial /
Bruno Pereira do Nascimento. -- Rio de
Janeiro, 2017.
210 f.

Orientador: William Ribeiro da Silva.


Dissertação (mestrado) - Universidade
Federal do
Rio de Janeiro, Instituto de Geociências,
Departamento de Geografia, Programa de Pós-
Graduação em Geografia, 2017.

1. Porto Maravilha. 2. Gentrificação. 3.


Coesão Espacial. I. Ribeiro da Silva,
William, orient. II. Título.

Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da


UFRJ com os dados fornecidos pelo autor.

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AGRADECIMENTOS

São muitas as pessoas que se constituíram como verdadeiras bases de auxílio e


força nessa prazerosa, intensa e desafiadora caminhada de dois anos como estudante do
conceituado Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRJ.
No campo espiritual, agradeço a meus guias espirituais, amigos desencarnados e
a Deus. Tenho convicção que eles estiveram ao meu lado e me ajudaram a seguir no
caminho que melhor se adéqüe a minha missão e aprendizado. A eles, meu muito
obrigado!
Com relação a minha família, são muitos os agradecimentos! Sem vocês não
teria, sequer, conquistado uma vaga na graduação em Geografia pela UFRJ. Dentro de
casa, minha mãe Denise e meu irmão Thiago são fundamentais. Muitas brincadeiras,
conversas, cumplicidade e também discussões. Ingredientes combinados e temperados
com muita união! Mãe, obrigado por ter me apoiado até aqui. Busco sempre te dar cada
vez mais orgulho e te agradeço por ter me dado base e proteção, em diversas esferas da
vida. Thiago (vulgo “TH”), o que dizer de você, cara? Meu melhor amigo! Muitas
conversas, brincadeiras, segredos e desabafos. Você é essencial na minha vida e me deu
muita força para conseguir concluir mais esse ciclo na minha vida. Até coisas pequenas,
como uma partida de CrossFire, foram (e são!) indispensáveis! Não posso deixar de
mencionar meu avô Dimas e minha avó Sula. Vocês são maravilhosos! Meus velhinhos
que muito amo. Este senhor, flamenguista convicto, bancou meus estudos e os do meu
irmão. Toda a semana me dava importantes “semanadas”, muitos conselhos e me
brinda, sempre, com boas “resenhas” sobre futebol. Já minha avó Sula é uma das
pessoas mais meigas que tive e tenho o prazer de conhecer e conviver. Pessoa que
acorda a mim e meu irmão com um copo de café com leite na mão; faz seus famosos
bolos “de bolo” com cobertura de chocolate; brinca muito e nos cativa com seu jeito de
ser. Claro que não poderia me esquecer do carinhoso apelido de “rato branco” (risos!).
Não posso deixar de mencionar meu tio Junior nos agradecimentos. Esse cara nota 10
me recebeu de braços abertos na sua casa em um momento difícil e as nossas conversas,
além de ajudarem a organizar meus sentimentos e inquietações, me motivaram a
ingressar no curso de mestrado em Geografia. Ao meu pai Ronaldo, sou grato por todas
as palavras de apoio nos momentos em que estava cansado, seu incentivo e nossas
conversas foram muito importantes para mim! Agradeço, também, a Papai do Céu por

iv
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Ele ter colocado na minha vida uma pessoa tão maravilhosa quanto a Vanessa. Amiga,
confidente, companheira, pessoa que adoro morder, fazer cosquinhas (risos!) e minha
noiva. Não teria chegado até este momento sem o seu abraço e nossas conversas, sou
muito grato por tudo, e para não perder a viagem, EU TE AMO MUITO!
No ambiente acadêmico, agradeço por todo o apoio, conversas e orientações
feitas pelo professor William Ribeiro da Silva. Boa pessoa e bom profissional. Foi um
enorme prazer trabalhar com você na graduação e no mestrado. Tenha certeza que
anseio prolongar essa parceria (iniciada em 2010) no doutorado! Outro geógrafo que me
ajudou imensamente durante o mestrado foi o prof. Roberto Lobato Corrêa. Além da
relação professor/aluno que tivemos em 2015, conversávamos muito sobre minha
pesquisa. O professor Lobato me indicou textos, fez ponderações (sempre coerentes)
sobre minhas assertivas e sempre ouviu/respondeu minhas perguntas e inquietações com
sobriedade e imensa capacidade de articular teorias e autores como poucas vezes
presenciei. Nossas conversas auxiliaram em saltos qualitativos nas páginas que seguem.
Agradeço, também, aos meus amigos e companheiros de GRUCE e PET por todo o
apoio e ajuda em (muitos!) trabalhos de campo realizados na Zona Portuária. Sem ajuda
de vocês a presente pesquisa dificilmente teria saído do forno. Muito obrigado, Lucas
Barreta, Renan Martins, Luana Lessa, Marcelo Elyas, Gabriel de Sousa, João
Victor Sanches e Cindy Rodrigues! Não posso deixar de mencionar a grande ajuda da
colega de laboratório Lívia Maria pelas boas conversas sobre o Porto Maravilha – em
razão de ser um objeto de estudo comum aos dois – e por ela ter me ajudado bastante na
tradução de trechos em inglês citados de modo direto, no decorrer da dissertação, e
também na confecção do abstract, tal qual o amigo de trabalho e também professor de
Geografia, Marcos Santos.

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Resumo:

REESTRUTURAÇÃO ESPACIAL NA ZONA PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO:


GENTRIFICAÇÃO E COESÃO ESPACIAL

O presente estudo analisou a reestruturação espacial em curso na Zona portuária do Rio


de Janeiro, empreendida pela Operação Urbana Consorciada (OUC) Porto Maravilha.
Procurou-se, ao longo da pesquisa, destacar as contradições sociais atreladas à
renovação espacial da localidade, como remoções compulsórias de pobres urbanos e
elevado aumento no preço da terra. Está-se refletindo sobre tal dinâmica a partir do
conceito de gentrificação. A fim de identificar as especificidades da mencionada
reestruturação, observou-se os atores sociais envolvidos, o aumento do preço da terra na
área abrangida pela OUC Porto Maravilha e as maneiras pelas quais ele afeta os
residentes menos abastados. A antiga função portuária e de moradia em ocupações de
sem-teto está sendo substituída por outros usos, como os corporativos, fazendo com que
essa área alcance status de um novo centro de gestão empresarial e territorial. A
reflexão ganha sustentação em face dos novos empreendimentos corporativos que estão
sendo construídos na área, a saber: Vista Guanabara, sede da L’Óréal Brasil, Pátio
Marítima, Porto Atlântico Central Business etc; destacam-se ainda os suntuosos
empreendimentos hoteleiros (AC Hotel Porto Maravilha e Holiday In Porto Maravilha)
e de uso cultural (Museu do Amanhã, Museu MAR e AquaRio). Há também o Veículo
Leve sobre Trilhos, que é encarado neste estudo como uma forma simbólica espacial, já
que além de ser um novo modal de transporte à disposição na área reestruturada,
conecta material e simbolicamente o Centro à área portuária. Este complexo conjunto de
dinâmicas e processos espaciais está sendo promovido, ainda, por intensa operação de
city marketing, visando maior aceitação da população acerca da reestruturação da área.
Isso gera importante ressignificação espacial, pois a área antes estigmatizada como
perigosa, escura e sem atrativos passou a ser descrita como bonita, segura e cheia de
opções de usos. Por conta disso, novos públicos passaram a frequentar a Zona Portuária.
Assim sendo, gentrificacão, coesão espacial e as novas práticas espaciais orquestradas
pelos frequentadores são três facetas que, embora distintas, são todas ligadas ao
(mesmo) processo de reestruturação espacial em curso na Zona Portuária do Rio de
Janeiro.

Palavras-chave: Porto Maravilha; Gentrificação; Coesão Espacial.

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Abstract:

SPATIAL RESTRUCTURING IN THE PORT ZONE OF RIO DE JANEIRO:


GENTRIFICATION AND SPACE COHESION

The present study analyzed the ongoing spatial restructuring in the Rio de Janeiro Port
Zone, undertaken by the Porto Maravilha Consortium Urban Operation (Porto
Maravilha CUO). Is was sought out, during the process of the research, to detach the
social contradictions linked with the spatial renewal of the locality, such as compulsory
removals of the poor urban people and high increase in the price of land. The reflection
about this dynamics is being done from the concept of gentrification. In order to identify
the specificities of the aforementioned restructuring, it was observed the social actors
involved, the increase in the price of land in the area covered by CUO Porto Maravilha
and the ways in which it affects less wealthy residents. The old port function and the old
function of housing in homeless occupations are being replaced by other uses, such as
corporatives, which is causing the fact that this area reaches the status of a new business
and territorial center. The reflection gains sustenance in the face of the new corporate
enterprises that have been constructed in the area, such as: (Vista Guanabara,
headquarters of L'Oréal Brasil, Pátio Marítima, Porto Atlântico Central Business, etc.);
sumptuous hotel ventures (AC Hotel Porto Maravilha and Holiday In Porto Maravilha)
and of cultural use (Museu do Amanhã, Museum MAR and AquaRio) stand out too.
There is also the Light Rail Vehicle (VLT-Veículo Leve sobre Trilhos), which is faced
in this study as a spatial symbolic form since, besides being a new transportation modal
at the disposal of the restructured area, it connects material and symbolically the centre
to the Port Zone. This complex set of dynamic and spatial processes is being promoted,
still, by an intense operation of city marketing, aiming at greater acceptance of the
population on the restructuring of the area. It results in important spatial re-
signification, since the area, before stigmatized as dangerous, dark and unattractive,
became being described as beautiful, safe and full of options of uses. Because of this,
new publics started attending the Port Zone. Thus, gentrification, spatial cohesion and
the new spatial practices orchestrated by the visitors are three facets that, although
distinct, are all linked to (the same) process of spatial restructuring prevailing in the Port
Zone of Rio de Janeiro.

Key words: Porto Maravilha; Gentrification; Espatial cohesion.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 18

2. ZONA PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO: BUSCA POR UM


REFERENCIAL TEÓRICO.................................................................................... 34
2.1 (Re) discutindo a teoria: Modelos gerais e a Zona Portuária do Rio de
Janeiro......................................................................................................................... 36
2.1.1 Repensando a Zona em Transição.............................................................. 37
2.1.2 Da Zona em Transição à Zona Periférica do Centro: virtudes e
problemas.................................................................................................................... 42
2.2 Zona Portuária do Rio de Janeiro: da marginalização espacial ao Porto
Maravilha..................................................................................................................... 46
2.2.1 Da transferência da Capital Federal ao 1º Plano Estratégico (T1): de
1960 até 1996.............................................................................................................. 53
2.2.2 Das tentativas frustradas de reestruturação da Zona Portuária ao Porto
Maravilha (T2): de 1996 até 2009............................................................................... 57

3. GENTRIFICAÇÃO NA ZONA PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO......... 63


3.1 Porto Maravilha e o Direito à Cidade............................................................... 89
3.2 Rent Gap como norteador teórico para compreender a gentrificação na Zona
Portuária...................................................................................................................... 97

4. COESÃO ESPACIAL ENTRE A ZONA PORTUÁRIA E O NÚCLEO


CENTRAL DO RIO DE JANEIRO........................................................................ 111

4.1 Agentes econômicos e o Porto Maravilha......................................................... 126


4.1.1 Agentes estatais.......................................................................................... 130
4.1.2 Agentes empresariais.................................................................................. 132
4.1.3 Parceria Público-Privada Porto Maravilha................................................. 145
5. ATUAIS FREQUENTADORES E SUAS PRÁTICAS ESPACIAIS............... 149

5.1 Tratamento dos dados obtidos através dos questionários aplicados................ 161

5.2 Unidade na diversidade: Identificando padrões nas práticas espaciais dos


entrevistados na Zona Portuária............................................................................. 186

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 195

7. REFERÊNCIAS.................................................................................................... 200

8. ANEXOS................................................................................................................ 209

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LISTA DE ABREVIAÇÕES

AEIU - Área de Especial Interesse Urbanístico

CBD - Central Business District

CDURP - Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de


Janeiro

CEPAC - Certificados do Potencial Adicional de Construção

CMP - Central de Movimentos Populares

COMLURB - Companhia Municipal de Limpeza Urbana da Cidade do Rio de Janeiro

FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

IAPETEC - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e


Cargas

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia Estatística

MCMV - Minha Casa Minha Vida

OUC - Operação Urbana Consorciada

PAC - Programa de Aceleração do Crescimento

PPP - Parceria público-privada

VLT - Veículo Leve sobre Trilhos

ZPC - Zona Periférica do Centro

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INDICE DE QUADROS, TABELAS, FIGURAS, FOTOS, MAPAS, ESQUEMAS,


GRÁFICOS E BOXES

QUADROS

Quadro 1: Aumento percentual no metro quadrado da área de estudo, entre os anos de


2002 e 2012, pelas zonas de elevada variação nos preços, segundo estudo da Sérgio
Castro Imóveis........................................................................................................................ 103
Quadro 2: Empreendedores residenciais que estão atuando na AEIU do Porto Maravilha,
2016........................................................................................................................................ 117

Quadro 3: Empreendedores comerciais que estão atuando na AEIU do Porto Maravilha,


2016........................................................................................................................................ 119

Quadro 4: Empreendedores hoteleiros que estão atuando na AEIU do Porto Maravilha,


2016........................................................................................................................................ 121

Quadro 5: Empreendedores culturais que estão atuando na AEIU do Porto Maravilha,


2016........................................................................................................................................ 121

Quadro 6: Empreendedores institucionais que estão atuando na AEIU do Porto


Maravilha, 2016...................................................................................................................... 122

Quadro 7: Empreendedores diversos que estão atuando na AEIU do Porto Maravilha,


2016........................................................................................................................................ 122

Quadro 8: Total de entrevistas realizadas junto aos frequentadores, por bairro. Dias e
turnos semanais - 2016........................................................................................................... 152

TABELAS

Tabela 1: Domicílios particulares permanentes por classes de rendimento nominal mensal


domiciliar per capita, segundo a Região Administrativa “I Portuária” e os bairros a ela
correspondentes...................................................................................................................... 64
Tabela 2: Relação entre data de publicação, título da matéria e diagnóstico sobre a
retórica da redação. Edições dominicais do Jornal O Globo (2009-2016)............................. 86

Tabela 3: Principais empreendimentos que estão se materializando na Zona Portuária, por


bairro – 2016........................................................................................................................... 143

FIGURAS

Figura 1: AEIU da Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha.................................... 32

Figura 2: Saúde, Gamboa e Santo Cristo: destaque para área aterrada e não aterrada.......... 51

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Figura 3: Áreas utilizadas para construções pontuais na Zona Portuária na “era César
Maia”. Fase anterior às obras (2000)...................................................................................... 60

Figura 4: Áreas utilizadas para construções pontuais na Zona Portuária na “era César
Maia”. Obras finalizadas (2005)............................................................................................. 60

Figura 5: Site oficial do empreendimento “Porto Vida” Residencial (já fora de ar)............. 73

Figura 6: Museu do Amanhã em destaque no carnê do IPTU 2016 para o Rio de


Janeiro..................................................................................................................................... 79

Figura 7: reportagem publicada na edição de 29 de setembro de 2013 do Jornal O Globo,


no caderno “Projetos de Marketing”...................................................................................... 79

Figura 8: Pedro Paulo (PMDB), então candidato à prefeitura do Rio de Janeiro, em 2016,
fazendo campanha (pela sua página oficial no Facebook) utilizando como objeto de
propaganda as transformações espaciais realizadas na Zona Portuária do Rio de Janeiro.
Publicação datada em 26/09/2016.......................................................................................... 81

Figura 9: O então prefeito Eduardo Paes (PMDB) fazendo propaganda do AquaRio em


sua página oficial Facebook. Publicação datada em 11/11/2016............................................ 82

Figura 10: O então prefeito Eduardo Paes (PMDB) fazendo propaganda da “Nova” Praça
Mauá em sua página oficial Facebook. Publicação datada em 06/09/2016............................ 83

Figura 11: Página oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro fazendo propaganda acerca da
demolição da Perimetral. Publicação datada em 16/11/2016................................................. 84

Figura 12: Página oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro fazendo propaganda acerca do
Porto Maravilha. Publicação datada em 16/11/2016.............................................................. 85

Figura 13: Traçado do VLT: Maior integração entre a Zona Portuária e o centro da
cidade...................................................................................................................................... 113

Figura 14: Pontos de parada do VLT referente à etapa 1. Etapas 2 e 3 ainda em


construção............................................................................................................................... 114

Figura 15: Novo sistema de transporte na Zona Portuária do Rio de Janeiro....................... 115

Figura 16: Novos empreendimentos na Zona Portuária do Rio de Janeiro........................... 117

Figura 17: armazéns da zona portuária.................................................................................. 123

Figura 18: Ilustração presente no site oficial do Vista Guanabara em que mostra a
distância aproximada do empreendimento para vias e terminais de transporte...................... 134

Figura 19: Ilustração oficial das Trump Towers Rio............................................................. 139

xi
xii

Figura 20: Localização do Porto Atlântico Leste (direita) e Porto Atlântico Oeste
(esquerda)................................................................................................................................ 140

Figura 21: Esquema detalhado dos tipos de usos presentes no Porto Atlântico Leste.......... 141

Figura 22: Diferentes usos prognosticados para o “Novo” Moinho Fluminense.................. 142

Figura 23: Rua Sacadura Cabral, destacando em azul o trecho na Gamboa e em amarelo o
trecho na Saúde. Diferentes funções e usos
espaciais.................................................................................................................................. 154

FOTOS

Foto 1: Obras na Av. Rodrigues Alves. Modificação de formas e de funções espaciais....... 20

Foto 2: Obras na Praça Mauá. Modificação de formas e de funções espaciais..................... 20

Foto 3: Prédios que compõem o Museu MAR, na Praça Mauá (antes)................................. 22

Foto 4: Prédios que compõem o Museu MAR, na Praça Mauá (depois)............................... 22

Foto 5: Lançamento das obras do Porto Maravilha, 2009..................................................... 62


Foto 6: Pequenas empreendedoras locais vendendo alimentos num evento patrocinado
pela Prefeitura do Rio de Janeiro e pela Concessionária Porto Novo na “Nova” Praça
Mauá....................................................................................................................................... 69
Foto 7: Propaganda das obras realizadas em exposição na “Nova” Praça Mauá e intitulada
Quem te viu, quem te vê.......................................................................................................... 80

Foto 8: Moradia marcada para ser removida no Morro da Providência................................ 94

Foto 9: Entradas do antigo prédio do IAPETEC cimentadas e com as marquises


quebradas................................................................................................................................ 95

Foto 10: Pessoas passeando na “Nova” Praça Mauá. Novos consumos espaciais................. 112

Foto 11: VLT Carioca alvo de manifestantes, no Centro....................................................... 114

Foto 12: Agentes da operação "Centro Presente" patrulhando no Boulevard Olímpico, na


altura do Armazém Utopia, em Santo Cristo.......................................................................... 116

Foto 13: Em primeiro plano, o Cais do Valongo. Ao fundo, a direita, o prédio da L’Óreal
Brasil e a esquerda o imponente Vista Guanabara................................................................. 135

Foto 14: Empreendimento AquaRio, localizado na Praça Muhammad Ali........................... 136

Foto 15: Museu do Amanhã................................................................................................... 137

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Foto 16: fachada do ainda em construção Pátio Marítima..................................................... 138

Foto 17: Rua Sacadura Cabral. Calçada repadronizada e novas árvores plantadas............... 155

Foto 18: Rua Sacadura Cabral. Trecho do Largo da Prainha após as obras de melhoria
infraetrutural........................................................................................................................... 155

Foto 19: Rua Sacadura Cabral. Instalação da sede da CDURP............................................. 156

Foto 20: Rua Sacadura Cabral. Novos empreendimentos de diversão noturna..................... 156

Foto 21: Rua Sacadura Cabral. Altura do Hospital dos Servidores....................................... 157

Foto 22: Rua Sacadura Cabral. Estacionamento em antigo posto de combustível fora de
operação..................................................................................................................................
157

Foto 23: Rua Sacadura Cabral. Oficina mecânica................................................................. 158

Foto 24: Rua Sacadura Cabral. Super mercado..................................................................... 158

Foto 25: Rua Sacadura Cabral. Depósito............................................................................... 159

Foto 26: Uma das excursões escolares presenciadas na “Nova” Praça Mauá....................... 187

Foto 27: Instalações da operação de segurança Centro Presente na Praça Mauá.................. 188

Foto 28: Presença de forças policiais em frente ao prédio da Polícia Federal....................... 188

Foto 29: Cais do Valongo em primeiro plano e, ao fundo, praça sem bancos e vazia........... 189

Foto 30: Trecho da Rua Pedro Ernesto territorializada pelos operários das obras do VLT,
em horário de descanso. Ao fundo encontra-se a fachada do Moinho
Fluminense............................................................................................................................. 190
Foto 31: Trecho da Rua Pedro Ernesto (altura da Cidade do Samba) territorializada por
moradores em situação de rua. Em primeiro plano, objetos oriundos das
obras........................................................................................................................................ 191

MAPAS

Mapa 1: Recorte espacial selecionado para a pesquisa......................................................... 31

Mapa 2: Zoneamento da Zona Portuária por áreas com diferentes dinâmicas imobiliárias
entre 2002 e 2012.................................................................................................................... 102

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ESQUEMAS

Esquema 1: Escalas de apreensão do real.............................................................................. 35

Esquema 2: Modelo das zonas concêntricas de Burgess....................................................... 40

Esquema 3: Esquema do conceito de Zona Periférica ao Centro.......................................... 43

Esquema 4: Setorização proposta por Griffin e Preston para “Zona em Transição


Contemporânea”..................................................................................................................... 45

Esquema 5: Processo de centralização e a Área Central....................................................... 48

Esquema 6: convergência de transportes e a área central...................................................... 125

Esquema 7: Subdivisões possíveis dos frequentadores da área de estudos........................... 153

GRÁFICOS

Gráfico 1: Gamboa - percentual de domicílios por faixas de renda mensal per capita,
2010........................................................................................................................................ 65

Gráfico 2: Santo Cristo - percentual de domicílios por faixas de renda mensal per capita,
2010........................................................................................................................................ 66

Gráfico 3: Saúde - percentual de domicílios por faixas de renda mensal per capita, 2010... 66

Gráfico 4: Bairros de estudo - Número absoluto de domicílios alugados com renda


familiar total de até 1.600 reais, 2016..................................................................................... 75

Gráfico 5: Percentual dos três tipos de retórica analisados nas reportagens dominicias do
Jornal O Globo (entre 2009 e 2016) sobre assuntos relativos ao Porto Maravilha................ 88

Gráfico 6: Modelo gráfico simplificado da teoria do RENT GAP........................................ 99

Gráfico 7: Saúde - Variação do preço médio do metro quadrado envolvendo prédios


novos e antigos, 2002; 2012 e 2016........................................................................................ 106

Gráfico 8: Gamboa - Variação do preço médio do metro quadrado envolvendo prédios


novos e antigos, 2002; 2012 e 2016........................................................................................ 107

Gráfico 9: Santo Cristo - Variação do preço médio do metro quadrado envolvendo


prédios novos e antigos, 2002; 2012 e 2016........................................................................... 108

Gráfico 10: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Saúde e “Nova” Praça
Mauá (todos os turnos)........................................................................................................... 161

xiv
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Gráfico 11: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Gamboa (todos os turnos). 161

Gráfico 12: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Santo Cristo (todos os
turnos)..................................................................................................................................... 162

Gráfico 13: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Saúde (manhã).................. 163

Gráfico 14: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Saúde (tarde)..................... 163

Gráfico 15: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Saúde (noite)..................... 164

Gráfico 16: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Gamboa (manhã).............. 164

Gráfico 17: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Gamboa (tarde)................. 165

Gráfico 18: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Gamboa (noite)................. 165

Gráfico 19: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Santo Cristo (manhã)........ 166

Gráfico 20: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Santo Cristo (tarde)........... 166

Gráfico 21: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Santo Cristo (noite)........... 167

Gráfico 22: Escolaridades levantadas Saúde (todos os turnos)............................................. 168

Gráfico 23: Escolaridades levantadas Gamboa (todos os turnos)......................................... 168

Gráfico 24: Escolaridades levantadas Santo Cristo (todos os turnos)................................... 169

Gráfico 25: Faixas de escolaridade levantadas Saúde (manhã)............................................. 170

Gráfico 26: Faixas de escolaridade levantadas Saúde (tarde)............................................... 170

Gráfico 27: Faixas de escolaridade levantadas Saúde (noite)............................................... 171

Gráfico 28: Faixas de escolaridade levantadas Gamboa (manhã)......................................... 171

Gráfico 29: Faixas de escolaridade levantadas Gamboa (tarde)............................................ 172

Gráfico 30: Faixas de escolaridade levantadas Gamboa (noite)............................................ 172

Gráfico 31: Faixas de escolaridade levantadas Santo Cristo (manhã)................................... 173

Gráfico 32: Faixas de escolaridade levantadas Santo Cristo (tarde)..................................... 173

Gráfico 33: Faixas de escolaridade levantadas Santo Cristo (noite)..................................... 174

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Gráfico 34: Percentual dos locais de origem dos frequentadores da Saúde entrevistados
[todos os turnos]..................................................................................................................... 174

Gráfico 35: Percentual dos locais de origem dos frequentadores da Gamboa entrevistados
[todos os turnos]...................................................................................................................... 175

Gráfico 36: Percentual dos locais de origem dos frequentadores de Santo Cristo
entrevistados [todos os turnos]............................................................................................... 175

Gráfico 37: Percentual de pessoas que frequentavam ou não a Saúde antes de 2009 (mais
justificativas)........................................................................................................................... 176

Gráfico 38: Percentual de pessoas que frequentavam ou não a Gamboa, antes de 2009
(mais justificativas)................................................................................................................. 177

Gráfico 39: Percentual de pessoas que frequentavam ou não Santo Cristo, antes de 2009
(mais justificativas)................................................................................................................. 177

Gráfico 40: Motivos da visita dos entrevistados na Saúde no dia da execução dos
questionários [todos os turnos]............................................................................................... 178

Gráfico 41: Motivos da visita dos entrevistados na Gamboa no dia da execução dos
questionários [todos os turnos]............................................................................................... 179

Gráfico 42: Motivos da visita dos entrevistados em Santo Cristo no dia da execução dos
questionários [todos os turnos]............................................................................................... 179

Gráfico 43: Motivos das visitas dos entrevistados na Saúde no dia da execução dos
questionários [manhã]............................................................................................................. 180

Gráfico 44: Motivos das visitas dos entrevistados na Saúde no dia da execução dos
questionários [tarde]............................................................................................................... 181

Gráfico 45: Motivos das visitas dos entrevistados na Saúde no dia da execução dos
questionários [noite]............................................................................................................... 181

Gráfico 46: Motivos da visita dos entrevistados na Gamboa no dia da execução dos
questionários [manhã]............................................................................................................. 182

Gráfico 47: Motivos da visita dos entrevistados na Gamboa no dia da execução dos
questionários [tarde]............................................................................................................... 183

Gráfico 48: Motivos da visita dos entrevistados na Gamboa no dia da execução dos
questionários [noite]............................................................................................................... 183

Gráfico 49: Motivos da visita dos entrevistados a Santo Cristo no dia da execução dos
questionários [manhã]............................................................................................................. 184

Gráfico 50: Motivos da visita dos entrevistados a Santo Cristo no dia da execução dos
questionários [tarde]............................................................................................................... 185

xvi
xvii

Gráfico 51: Motivos da visita dos entrevistados a Santo Cristo no dia da execução dos
questionários [noite]............................................................................................................... 185

BOXES

Box 1: Discussão sobre a compreensão do termo classe média............................................. 23

Box 2: Dinâmicas espaciais na Zona Portuária do Rio de Janeiro entre a segunda metade
do Século XIX e a primeira metade do XX............................................................................ 47
Box 3: Lefebvre, Harvey e o direito à cidade: similaridades e distanciamentos de
perspectivas............................................................................................................................. 91

xvii
1. INTRODUÇÃO1

O presente estudo propõe analisar os atuais processos espaciais da Zona


Portuária do Rio de Janeiro associados à Operação Urbana Consorciada (OUC2) Porto
Maravilha. Em meio às temáticas que serão versadas, destaca-se a coesão espacial que
se acredita ocorrer entre a área e o distrito central de negócios, e a atuação dos
frequentadores cotidianos na (re)modelação espacial em curso em sua faceta simbólica.
Também se discute o modo heterônomo como o projeto de requalificação do espaço
analisado está sendo gerido pelos seus executores em diferentes esferas. Remoções
compulsórias e interesses imobiliários na área de interesse urbanístico do projeto são
alguns dos impactos socialmente negativos desta OUC.
Considera-se prudente advertir ao leitor que, por opções teórico-ideológicas, as
transformações espaciais da Zona Portuária do Rio de Janeiro serão analisadas tendo-se
como apoio teórico os conceitos de gentrificação e reestruturação espacial, o que
implica, por conseguinte, a discussão dos termos revitalização ou reurbanização, cuja
adoção é criticável e será discutida nas páginas que seguem. O conceito de gentrificação
é eficaz para analisar alguns aspectos negativos e obscurecidos pelos executores do
projeto na reestruturação da Zona Portuária do Rio de Janeiro, tal como “higienismo
social”. Teixeira (2015, p. 34) afirma que o grande mérito do conceito de gentrificação
é valorizar justamente as questões que os demais conceitos relativos à reestruturação de
espaço urbano, como reabilitação, revitalização e requalificação urbanas
negligenciam. Estes valorizam antes o substrato material do espaço como produto, e não
como uma relação social a ser problematizada.
Neil Smith, geógrafo que desde os anos 1970 pesquisa sobre gentrificação,
propõe aprofundamentos teóricos e afirma em texto publicado no ano de 2006 que o
termo regeneração substitui o vocábulo gentrificação. De acordo com Smith (2006),

1
O estudo sobre as novas espacialidades da Zona Portuária do Rio de Janeiro vem sendo desenvolvido
desde a graduação em Geografia (2010 – 2014), com o projeto de iniciação científica, à época vinculado
ao Programa de Educação Tutorial em Geografia da UFRJ. Naquele momento da pesquisa, foi dedicada
atenção às novas territorialidades dos diferentes grupos sociais que frequentam a área, culminando no
trabalho de conclusão de curso. Já para o projeto de mestrado daremos maior atenção a outros processos
espaciais que se acredita estarem ocorrendo na área e que julgamos importantes, a saber os processos
considerados como gentrificação e coesão espacial entre a Zona Portuária e o núcleo central de negócios e
ainda a atuação dos frequentadores no processo de reestruturação da área de estudo.
2
Sobre este instrumento, Souza (2003b, p. 276) relata que “permite a ‘parceria’ entre a iniciativa
privada e o poder público para a realização de obras de infra-estrutura que permitam a renovação de
áreas ‘degradadas’ [...] esse instrumento pode ser útil ao capital imobiliário, ao mesmo tempo que
presta tão poucos serviços à população de baixa renda.” Contudo, o autor defende que as OUC poderiam
ter caminhos e objetivos diferentes. (para mais, ler em SOUZA, 2003 b).

18
isso ocorre porque este diz a verdade sobre a mudança social implicada na
“regeneração” das cidades. Ainda segundo ele, a termologia “regeneração urbana”
possui capacidade de anestesiar análises mais críticas sobre o processo. Em última
instância, representa uma vitória ideológica às correntes de pensamento neoliberais de
(re)produção citadina.
Com relação à utilização do conceito de reestruturação, destaca-se que há
artigos e pesquisas empíricas que tratam do processo em curso na área de estudo como
refuncionalização, outros como reestruturação e ainda há autores que, de maneira
indiscriminada, utilizam as duas definições. Devido a isso, é importante que
dialoguemos com esta questão, uma vez que se faz necessária maior clareza
terminológica, a fim de sustentar os estudos. Recorremos a Souza (2006) para
apresentar um referencial que discorre sobre a diferenciação entre os processos
mencionados. Segundo ele, refuncionalizar significa conceber novos usos para formas
espaciais preexistentes, já reestruturar implica modificar as formas espaciais e suas
funções. No caso da Zona Portuária do Rio de Janeiro ambos os processos estão em
curso, sendo a refuncionalização de antigas construções uma das características do
processo mais abrangente de reestruturação espacial. Nesta investigação, por estarmos
interessados em analisar o processo de modo mais totalizante, necessitamos lidar com
escalas mais amplas das necessárias para observar os casos específicos de
refuncionalização. Em razão disso, nesta pesquisa está-se considerando como
reestruturação as transformações espaciais na localidade de estudo. As fotos 1 e 2
ilustram a assertiva.

19
Foto 1: Obras na Av. Rodrigues Alves. Modificação de formas e de funções espaciais.

FONTE: http://oglobo.globo.com/rio/a-cidade-do-rio-em-obras-14818980

Foto 2: Obras na Praça Mauá. Modificação de formas e de funções espaciais

FONTE: https://cariocadorio.files.wordpress.com/2014/04/140422-transfer-043.jpg

Mudando-se as escalas de apreensão, os fenômenos observados são modificados,


adquirindo novas particularidades. Essa é uma prerrogativa para escalas geográficas.
Concordamos com Souza (2013), quando o autor defende que para compreender-se a
escala geográfica em sua complexidade é necessária a sua subdivisão em escala do

20
fenômeno3, escala de análise4 e escala de ação5. Nesta pesquisa, estamos utilizando
como escala de análise a escala local (SOUZA, 2013). Esta, de acordo com o autor, se
subdivide em três: escala microlocal; escala mesolocal e escala macrolocal. De modo
mais específico, estamos dialogando com a escala microlocal, por destacar processos
que vão desde um quarteirão até ao conjunto dos bairros de análise. Tal ponderação se
faz necessária para justificar escalarmente a assertiva de que o processo em questão, na
área de estudo, é o de reestruturação espacial.
Se a escala de análise escolhida para este estudo fosse menor, como a escala do
domicílio, por exemplo, ou, utilizando a expressão de Souza (2013), escala dos
“nanoterritórios”, encontraríamos predominantemente formas espaciais que passaram
por refuncionalização, como armazéns e prédios que tiveram suas estruturas mantidas,
mas suas funções alteradas. A refuncionalização significa, portanto, o reaproveitamento
de formas criadas por processos pretéritos, já esgotados, mas modificando suas funções.
As Fotos 3 e 4 exemplificam o caso de refuncionalização dos dois prédios que
atualmente comportam o Museu MAR: o tombado Palacete Dom João VI, cuja função
original era sediar a Inspetoria de Portos e canais do Ministério da Marinha e o outro
edifício, situado à esquerda, teve como função original ser um terminal rodoviário.
Após isso, ele ainda funcionou como Hospital da Polícia Civil.

3
A escala do fenômeno diz respeito à extensão espacial do objeto estudado. Para Souza (2013), ela se
refere à abrangência física de um suposto objeto real pelo mundo. É frequentemente encontrada em textos
de Geografia Humana através de expressões semelhantes às utilizadas na cartografia, a saber, grande
escala ou pequena escala. Dois exemplos de situações são: (1) “o docinho caseiro do meu vizinho é
vendido em pequena escala” e (2) “a Nike faz transações comerciais em grande escala”.
4
A escala de análise representa o trabalho intelectual de selecionar partes do real, visando à sua posterior
interpretação e análise. Ela não existe na realidade ou é dada pela natureza, mas é uma ferramenta de
pesquisa para dar maior inteligibilidade aos estudos geográficos. Esta escala não fragmenta o real, e sim
permite a sua apreensão. A escala de análise é, pois, um atributo do conhecimento e, com seu auxílio,
pesquisadores sócio-espaciais buscam investigar objetos (de pesquisa) a partir de questões ou de
problemáticas que tenham formulado.
5
A escala de ação, por sua vez, encontra-se relacionada muito mais com a prática do que com um
aspecto propriamente teórico. Ela se dá a partir das ações dos agentes sociais no mundo e possui,
portanto, um conteúdo político que lhe é característico. É expressa pela abrangência da ação política e
estratégica dos agentes sociais (SOUZA, 2013). Por estar intrinsecamente ligada à prática, a escala de
ação não pode ser considerada somente como um conceito de análise, ela é resultante de fatos reais, isto é,
onde se dá a vida social.

21
Foto 3: Prédios que compõem o Museu MAR, na Praça Mauá (antes)

FONTE: http://www.estadao.com.br/infograficos/obra-em-forma-de-onda,cultura,196214

Foto 4: Prédios que compõem o Museu MAR, na Praça Mauá (depois)

FONTE: Trabalho de campo, 2015.


Autoria própria.

Há, também, que se destacar o processo de ressignificação espacial em curso na


localidade. Tal processo, atrelado à propaganda ideológica do “Porto Maravilha”, se
traduz na “reinvenção” dos estereótipos que qualificam a área de estudo. De localidade
“deteriorada”, “cinzenta”, “perigosa” e “insalubre”, a Zona Portuária do Rio de Janeiro
se transforma em uma área “renovada”. A respeito disso, é fundamental ter em mente
22
que a ressignificação espacial vivenciada pela área não é inocente, mas atende a
pretensões econômicas e políticas, de cunho eleitoral para ser mais preciso.
Em decorrência da associação entre os processos de reestruturação (mudança de
formas e funções) e de ressignificação (mudança nos estereótipos), a área de estudo
passou a representar crescente centralidade para pessoas oriundas de segmentos
considerados bem abastados. Atualmente, pessoas de classe média já voltaram a
frequentar a área reestruturada, principalmente no entorno da “Nova” Praça Mauá e na
Saúde, e há interesse por parte dos promotores do Porto Maravilha de que também
voltem a residi-la6, em razão de novos empreendimentos residenciais de luxo que estão
previstos para a localidade.
De acordo com Ferreira (2013), o projeto Porto Maravilha é fruto de uma
política de gestão estratégica pautada no empreendedorismo que induz à elitização da
área onde está inserido. Em outros termos, ocorre um movimento de penetração de
segmentos da classe média, em meio a um processo de saída forçada de pessoas
pertencentes às camadas mais populares, em condição de rua, em ocupações de sem teto
e em favelas. Para acessar o que consideramos por classe média, remeter-se-á o leitor ao
Box 1.

Box 1: Discussão sobre a compreensão do termo classe média

Antes de iniciar especificamente a discussão sobre classe média, vale


frisar que consideramos o emprego do termo “classe”, neste caso, como
problemático, visto que uma classe social se define na esfera da produção e não
na do consumo. Já o termo classe média remete-se, em contrapartida, a um
universo de indivíduos vinculados a um estrato de renda (esfera do consumo e
não da produção) e que, em geral, possuem escolaridade completa, viajam
anualmente e frequentam museus, teatros e outros serviços culturais.
Tendo em vista essas oscilações, é relevante considerar que o conceito de
classe média, importante para este estudo, é bastante disputado por diferentes
correntes teóricas. Há, por exemplo, intensos debates a respeito da definição de
classe média no Brasil, entre analistas de perspectiva sociológica com outros de
matriz econômica. De modo geral, os sociólogos buscam delimitar o que é a
classe média segundo critérios estruturais da sociedade. Já os economistas têm
como principal critério o rendimento. Dentre os principais estudiosos

6
A dinâmica residencial na Zona Portuária será mais bem explorada no Capítulo 3.

23
contemporâneos sobre classe média, oriundos da economia, apresentam-se
Marcio Pochmann e Marcelo Neri. Os economistas, através de diferentes
trabalhos e com visões distintas, contribuem ao avanço da discussão sobre a
delimitação teórica do que é a classe média.
Para Pochmann (2013), o critério de utilização do termo “classe média”
se pauta na renda média familiar associada a questões culturais como instrumento
de sua mensuração. Conforme mensuração sugerida por este autor, a classe média
possui rendimento médio familiar per capita entre 10 e 100 dólares diários e
também está inserida no contexto de consumo de bens e serviços, incluindo
questões culturais e educacionais. Marcelo Neri, em estudo publicado pela
Fundação Getúlio Vargas em 2008, contribuiu com a temática ao defender o
surgimento de uma “classe média emergente7”, composta por pessoas
enquadradas, no que ele define como camada intermediária de renda ou “Classe
C8”. Embora tal estudo tenha seus méritos, apresentando dados a respeito do
aumento do poder de consumo do brasileiro, consideramos que se comete grave
equívoco metodológico, uma vez que o único critério utilizado para delimitar a
“classe média” foi a renda. A respeito disso, Neri (2008) recebeu inúmeras
críticas advindas da Sociologia e até mesmo de outros economistas. A esse
respeito, Salata (2016) argumenta que:

Essas críticas, que em geral partiram do campo da sociologia, tinham


como principal alvo os critérios utilizados por NERI (2008) para
definir a Classe Média – ou seja, somente renda –, argumentando que
de acordo com outras características, como categorias ocupacionais
(POCHMANN, 2012; SOBRINHO, 2011) e/ou capital cultural
(SOUZA, 2010), aquele contingente de pessoas não poderia ser
considerado Classe Média (SALATA, 2016, p. 22).

Tendo em vista a discussão sobre a validade da tese em que a “Classe C”


brasileira seja considerada “Nova Classe Média”, concordamos com Pochmann
(2012) e Souza (2010), quando os autores defendem ser um equívoco teórico tal
associação.
De acordo com Pochmann (2012), não houve expansão da classe média
brasileira, mas sim um fortalecimento, entre 2003 e 2008, das classes populares.
Mesmo com aumento da oferta de empregos formais, a inegável ascensão social
de pessoas pouco abastadas não poderia ser confundida com inclusão na classe
média, visto que as configurações de classe trabalhadora não se alteraram. Para o

7
Pessoas que antes dos avanços socioeconômicos ocorridos entre os anos de 2003 e 2008 estavam na
faixa de pobreza, mas que com eles, conquistaram maiores rendimentos poder de consumo.
8
De acordo com Neri (2008), esta é composta por pessoas com intervalos de renda que variam de
R$1064,00 a R$ 4491,00. Critério de mensuração apenas associado à renda.

24
autor, defender que estas pessoas tenham ingressado à classe média é uma
retórica desprovida de qualquer sentido estrutural.
Souza (2010) argumenta que delimitar uma classe apenas através da
renda empobrece a análise e faz com que o pesquisador perca a capacidade de
perceber a gênese sociocultural da classe social estudada. O autor defende que os
indivíduos possuem distintas culturas de classes e compreender esta dimensão é
imprescindível neste tipo de estudo. Partindo desse pressuposto, a hipótese de que
os indivíduos “emergentes” compõem uma “Nova Classe Média” é equivocada.
Embora tenham adquirido mais renda, não houve modificações estruturais nas
culturas de classe.
Salata (2016), ao analisar a questão posta em debate, afirma que Neri
(2008) está correto quando afirma que as pessoas com intervalo de renda “C”
fazem parte da Classe Média brasileira no sentido estatístico do termo, ou seja, o
estrato de renda que mais possui membros, atualmente no Brasil, é o “C”. No
entanto, utilizando a identidade de classes, na condução de sua análise, Salata
(2016) dialoga com a hipótese de que os indivíduos do intervalo de renda “C” não
seriam aqueles que tipicamente se identificam como Classe Média no Brasil, e
sim as pessoas inseridas no intervalo de renda “AB9”.

Pertencer à Classe Média no Brasil era um privilégio que apenas uma


pequena parcela da população podia desfrutar. Dessa forma, apesar de
estatisticamente intermediários, é plausível a hipótese de que, dada
essa origem da noção de Classe Média no Brasil, os indivíduos
agregados pelo intervalo de renda “C” não sejam aqueles que mais
tipicamente se identifiquem, e sejam identificados por outros, como
membros desta classe. O pertencimento a esta coletividade, é possível,
pode estar reservado aos que formam a camada mais abastada da
população – que contam com educação superior, renda alta etc – ,
agregados pelo intervalo de renda “AB” [...] (SALATA, 2016, p. 27).

De acordo com os resultados apresentados por Salata (2016), as pessoas


que mais tipicamente se identificam com a Classe Média no Brasil são aquelas
alocadas no nível de renda “AB”, as que fazem viagens internacionais, vão a
concertos e teatros, colocam os filhos em escolas particulares, frequentam clubes,
além de que possuem poupança e plano de saúde. Já as pessoas inseridas na
“Classe C”, possuem pouca definição sobre a identidade de classe, variando muito.
Há quem se inclua na Classe Média, mas a maior proporção dos entrevistados,
conforme o autor, se identifica como Classe Trabalhadora ou Classe Média Baixa.

9
Segundo os critérios utilizados por Neri (2008), as pessoas agregadas na faixa de renda “AB” possuem
renda a partir de 4.591 reais.

25
Através de uma metodologia que dialoga com dados subjetivos, a
identidade de classe, Salata (2016) levantou características objetivas das pessoas
que se incluem na Classe Média Brasileira. Essas características (escolaridade,
faixa de renda, ocupação etc) estão sendo utilizadas, na presente pesquisa, para
identificar a classe social das pessoas que estão utilizando a Zona Portuária do Rio
de Janeiro, além de averiguar se as pessoas inseridas no perfil de Classe Média
(segundo os métodos de Salata, 2016) já frequentavam a área antes do início das
obras de renovação espacial.

O Consórcio Porto Maravilha está sendo utilizado como marketing político ao


produzir o ideário de oportunidade em utilizar a Zona Portuária para, supostamente,
atender a fins como a redução da deficiência habitacional no município do Rio de
Janeiro, promover maior acesso à moradia e criar canais efetivos de participação social,
desperdiçada diante da lógica de apropriação e gestão privada do espaço público.
Discorrendo sobre city-marketing, Souza (2003 b) defende que a sua principal
função é atrair investimentos e turistas para a cidade que se utiliza deste instrumento. O
marketing urbano pode ter dois caminhos, sendo um manipulador e deformador, ou
outro que não omita as mazelas da cidade retratada. No caso desta pesquisa, a operação
de city-marketing não problematiza nenhum processo provocado pela reestruturação
urbana em curso na Zona Portuária e forja a interpretação de que todos sairão ganhando,
inclusive os pobres da localidade - os grandes prejudicados, segundo nossa hipótese
interpretativa. Este marketing urbano “deformado”
Deve ser considerado como o resultado de uma tentativa de influenciar
não apenas investidores e turistas em potencial, mas toda uma opinião
pública, formando uma imagem de cidade conforme aos interesses e à
visão de mundo dos grupos dominantes (SOUZA, 2003 b, p. 303).

A toponímia escolhida para a OUC que está operacionalizando a reestruturação


espacial nos bairros analisados, Porto Maravilha, também faz parte do pacote de city
marketing supramencionado. Tal nomenclatura adquiriu caráter de uma forma simbólica
espacial10 eminentemente positiva aos interesses dos gestores do empreendimento. A
afirmação se justifica por este nome ser carregado de forte conteúdo ideológico e
simbólico pró-“revitalização”.

10
Conceito cunhado por Roberto Lobato Corrêa. O geógrafo, em artigo publicado na obra Olhares
Geográficos, argumenta que tais formas simbólicas podem ser materiais ou não materiais e expressam
significados (estes, por sua vez, são instáveis e possuem como característica a polivocalidade).

26
De acordo com Arantes (2012), o gerenciamento assumidamente empresarial das
cidades, surgido na década de 1970 nos Estados Unidos e atualmente disseminado por
todo o mundo capitalista, é resultado de um plano estratégico que objetiva gerar
respostas competitivas aos desafios da globalização. Para tal, as cidades necessitam ser
gerenciadas como empresas e os interesses da iniciativa privada passam a ganhar cada
vez mais espaço e importância nas decisões políticas. A materialização dessa tendência
são as parcerias público-privadas.
Tendo em vista a discussão apresentada, julgamos ser um reducionismo teórico
imaginar que as transformações que estão ocorrendo na Zona Portuária do Rio de
Janeiro são simplesmente consequências diretas dos megaeventos esportivos que estão
presentes no calendário da cidade11 (Copa das Confederações 2013; Copa do Mundo
2014; Olimpíadas 2016). Este processo está atrelado ao denominado, por Arantes
(2012), novo paradigma de gestão urbanística.
O processo estudado conduz a uma revalorização econômica dos espaços
modificados. Ocorrem, estrategicamente, transformações de velhas formas e funções
criando novas paisagens, a fim de que atendam às necessidades emergentes, em que são
vendidos, além do espaço propriamente dito, também o que ele representa. Conforme
afirmação de Santos (1996, p. 78), trata-se de uma racionalidade sem outra razão que a
do lucro, ainda que não se manifeste exclusivamente de forma mercantil. O simbólico se
torna um coadjuvante precioso do mercadológico (ALVES, 2011).
Além das modificações infraestruturais, o plano social também é transformado
principalmente por meio de ações do Estado que promove a remoção das pessoas de
menor poder aquisitivo. O conjunto de intervenções urbanísticas e de melhorias
infraestruturais na área estudada, na medida em que a torna atrativa aos investimentos
privados, (re) dinamiza sua economia. Assim, ao mesmo tempo em que há valorização
imobiliária e fundiária, tem expulsão de moradores de baixa renda, ainda que para tais
pessoas, morar próximo ao centro seja essencial para a redução dos custos,
especialmente de transportes, bem como para se ter acesso a serviços que se fazem
presentes na localidade.
Através da associação entre propaganda e a monumentalidade de suas
construções (como museus, mergulhões e prédios de grande porte) se edifica um

11
Contudo, Ferreira (2013) disserta que não se pode vulgarizar o fato de que tais megaeventos, que estão
ocorrendo no Rio de Janeiro, servem como justificativa para o aprofundamento das parcerias público-
privadas e da especulação imobiliária.

27
imaginário social positivo acerca da OUC Porto Maravilha. Isto é importante para seus
promotores, já que camufla as contradições do consórcio, facilitando a penetração de
capitais e diminuindo a pressão popular por maior justiça social.
Souza & Teixeira (2009) acrescentam à discussão, defendendo que os domínios
do poder e do simbolismo – representações sócio-espaciais – devem ser tão estudados
quanto a produção material do espaço, já que tal prática interfere na significação política
e simbólica dos espaços.
Embora a maior parcela das intervenções do Porto Maravilha seja em áreas
públicas, dezenas de imóveis estão sendo desapropriados12 para serem entregues à
iniciativa privada. Sob o argumento de promover melhores condições de habitabilidade
e mobilidade – através do programa Morar Carioca – os executores do projeto estão
ameaçando e despejando pessoas de suas moradias. Além destas remoções, há pessoas
que não conseguem se manter na área onde moram devido à valorização imobiliária na
qual a Zona Portuária está passando.
Os executores do projeto Porto Maravilha, visando criar meios para coordenar
seu processo de implantação, criaram a Companhia de Desenvolvimento Urbano da
Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP). Esta empresa é controlada pela prefeitura
do Rio de Janeiro, possui economia mista e tem como funções implementar e gerir a
concessão de obras e serviços públicos na Área de Especial Interesse Urbanístico
(AEIU), além de administrar os recursos patrimoniais e financeiros referentes ao
projeto. Vale destacar, também, a parceria público-privada (PPP) Porto Novo, formada
pelas empresas Odebrecht; OAS e Carioca Engenharia, que administrará a área de
interesse do Porto Maravilha durante quinze anos.
Essa reestruturação espacial que está ocorrendo na Zona Portuária do Rio de
Janeiro pode ser compreendida segundo o conceito de renovação urbana. Teixeira
(2015) e Maricato (2013) tecem críticas sobre este processo. O primeiro afirma que o
protagonista na “renovação urbana” é a valorização do patrimônio “cultural” e

12
Dentre os decretos que autorizam as desapropriações na área de estudo, têm-se: Decreto nº 35.468, de
20 de abril de 2012; Decreto nº 35.060, de 23 de janeiro de 2012; Decreto nº 34.212, de 03 de agosto de
2011; Decreto nº 33.730, de 02 de maio de 2011; Decreto nº 33.734, de 03 de maio de 2011; Decreto nº
31.942, de 04 de março de 2010; Decreto nº 33.925, de 06 de junho de 2011; Decreto nº 31.413, de 27 de
novembro de 2009; Decreto nº 34.085, de 06 de julho de 2011; Decreto nº 32.469, de 1º de julho de 2010;
Decreto nº 33.932, de 09 de junho de 2011; Decreto nº 33. 935, de 09 de junho de 2011; Decreto nº
32.465, de 1º de julho de 2010; Decreto nº 32.468, de 1º de julho de 2010; Decreto nº 35.466, de 20 de
abril de 2012; Decreto nº 35.465, de 20 de abril de2012; Decreto nº 35.467, de 20 de abril de 2012;
Decreto nº32.029, de 23 de março de 2010; Decreto nº 31.943, de 04 de março de 2010; Decreto nº
31.941, de 04 de março de 2010; Decreto nº 32.594, de 29 de julho de 2010; Decreto nº 34.565, de 06 de
outubro de 2011; Decreto nº 35.600, de 08 de maio de 2012; Decreto nº 30.815, de 23 de junho de 2009.

28
“funcional” e não a população enraizada no espaço (deixando-se a justiça social para
segundo plano). A segunda comenta que, juntamente ao deslocamento de pequenos
negócios de características tradicionais, a população moradora também é expulsa.
Bataller (2012) expõe a importância do estudo acerca dos agentes modeladores
do espaço, associando-os ao processo de gentrificação. De acordo com a autora,
gentrificação está profundamente enraizada na dinâmica social e econômica das cidades
e, em grande parte, é influenciada pelo contexto local13: bairros, agentes e atores
urbanos, funções e usos e governança local. Logo, seguindo essa linha de raciocínio, ao
compreender-se a atuação dos atores envolvidos interpretar-se-á de modo mais
abrangente o processo como um todo.
Acredita-se, por fim, estar havendo um processo de coesão espacial em curso,
envolvendo o centro do Rio de Janeiro e a Zona Portuária. Na prática cotidiana, este
processo é responsável pela ampliação do raio de interesse de frequentadores com e em
busca de consumo cultural do espaço, que antes limitavam o uso espacial a outras
porções da área central, mas com a reestruturação da Zona Portuária, já passaram a
frequentar a localidade visando ao mesmo fim.

1.1 Justificativa

O recorte espacial da presente pesquisa tem sido bastante escolhido para


pesquisas acadêmicas, especificamente no campo da Geografia Urbana, por estar
passando por amplo processo de reestruturação espacial. Através da modificação de
formas, conteúdos, usos e funções, os operacionalizadores de tal reestruturação estão
visando a melhorias na infraestrutura local, ao (re) aquecimento do mercado imobiliário
da área, enobrecimento paisagístico e à atração de pessoas com poder de consumo –
como os turistas nacionais e internacionais que atracam, na área, em imponentes
transatlânticos.
Em estudo superficial, preocupado em analisar apenas as modificações
infraestruturais da localidade, vulgarizando a relação dialética entre formas e processos,
não se teria condições teóricas para identificar e refletir acerca das crescentes
contradições sociais que estão em andamento na Zona Portuária. A reestruturação em

13
Vale ressaltar que gentrificação também está atrelada a macroescalas.

29
curso não possui como finalidade, segundo nossas interpretações, a justiça social, mas
sim, a inserção de uma área, antes fora dos planos da lógica de mercado, numa posição
de destaque e atração de capitais (imobiliário, cultural, turístico, empresarial).
O Consórcio Porto Maravilha possui um recorte de ação muito amplo que
abrange mais de cinco milhões de metros quadrados, englobando os bairros Saúde,
Gamboa e Santo Cristo, além de parcela do centro da cidade e dos bairros Cidade Nova,
São Cristóvão e Caju. Para este estudo, estamos considerando o recorte dos bairros de
Santo Cristo, Gamboa, Saúde e parcela do centro, mais especificamente, o entorno da
“Nova” Praça Mauá. Esta escolha se justifica por considerar-se que estas localidades
terão as dinâmicas espaciais mais modificadas, em decorrência da reestruturação
espacial e padronização urbana. Além disso, tendo-se como base os dados do Censo de
2010, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), e utilizando como
variável condição de ocupação dos domicílios particulares permanentes cuja renda
mensal ia até R$ 1.600,0014, a população de Saúde, Gamboa e Santo Cristo que,
somada, corresponde a 94% da total encontrada na AIEU da OUC Porto Maravilha.

14
A escolha desse valor justifica-se pelo enquadramento de domicílios com renda total menor ou igual a
R$ 1.600,00, na Faixa 1 do Programa Federal Minha Casa Minha Vida.

30
Mapa 1: Recorte espacial selecionado para a pesquisa

Organização: Bruno Pereira do Nascimento


Base cartográfica: IBGE/2010.

31
Figura 1: AEIU da Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha

Fonte: Site oficial do “Porto Maravilha”.


Disponível em: http://www.portomaravilha.com.br/portomaravilha

Os principais questionamentos que estão sendo propostos para serem


respondidos como prosseguimento da presente pesquisa são: I. Quais os perfis
socioeconômicos dos atuais frequentadores na área de estudo? II. Há um padrão
espacial na variação do perfil socioeconômico dos frequentadores? III. Pode-se
considerar que as obras em curso resultarão em um processo de coesão espacial entre o
centro e a Zona Portuária? IV. Como a gentrificação em curso está afetando a
espacialidade da área afetada e quais atores sociais a estão produzindo?

1.2 Objetivos

1.2.1 Objetivo geral

Estudar as configurações espaciais apresentadas pela “Nova” Praça Mauá,


Saúde, Gamboa e Santo Cristo, discutindo os processos de coesão espacial e de
gentrificação, diante do recente decurso de reestruturação espacial.

32
1.2.2 Objetivos específicos

Dentre os objetivos almejados neste estudo, destacam-se: I. Refletir sobre as


possibilidades teóricas originadas das modificações espaciais em andamento na Zona
Portuária do Rio de Janeiro; II. Identificar as especificidades do processo de
gentrificação observando os atores sociais envolvidos, o aumento do preço da terra na
AEIU do Porto Maravilha e as maneiras pelas quais este processo afeta os residentes
menos abastados; III. Compreender os desdobramentos do processo de coesão espacial
em curso, a partir da substituição parcial da função portuária e da presença de
ocupações de sem-teto nos bairros analisados, por usos corporativos e culturais.

33
2. ZONA PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO: BUSCA POR UM
REFERENCIAL TEÓRICO

A Zona Portuária do Rio de Janeiro, conceitualmente enquadrada como Zona


Periférica ao Centro (CORRÊA, 1989), possui grande diversidade de tendências
espaciais, comprovando o tamanho de sua complexidade. Sendo assim, pode ser
improdutivo utilizar apenas modelos e generalizações acerca de seu conteúdo espacial,
por não se levar em consideração exclusividades inerentes à localidade.
A apropriação de uma leitura teórica fundamentada somente em modelos pré-
concebidos para se compreender a organização interna da nossa área de estudo pode ser
temerária, por vulgarizar suas condições históricas e singulares na (re)produção
espacial. Contudo, há que se deixar claro que tais referenciais teóricos não serão
omitidos da análise, mas com intuito de revisá-los criticamente. Os modelos que serão
discutidos, por terem grande relevância em estudos urbanos, são: (1) Zonas
Concêntricas (BURGUESS, 1925), (2) Zona Periférica ao Centro (HORWOOD &
BOYCE, 1959) e (3) Zona em Transição Contemporânea (GRIFFIN & PRESTON,
1966).
Como se construir teoricamente um entendimento acerca da Zona Portuária?
Uma solução proposta por Abreu (2011 [1998]) é a reconstrução histórica e espacial da
localidade estudada. Rabha (1984)15 caminha nesta direção e representa um importante
esforço de construção de um entendimento teórico sobre os bairros da Saúde, da
Gamboa e do Santo Cristo. A autora mostra-se contrária à utilização de modelos
ecológicos (como os propostos por Burgess e Griffin & Preston) e, também, de modelos
com determinações econômicas (teorias Neoclássicas e Marxistas) para compreensão do
urbano. Ela conduz sua pesquisa explorando os processos espaciais destes bairros no
decorrer de diferentes períodos históricos.
No presente estudo, estamos dialogando com a teoria das escalas de apreensão
do real16 para construção de sólido referencial teórico para o recorte analítico.
Associado à dialética marxista, este modelo de pensamento defende que todas as formas
e processos são, ao mesmo tempo, universais e singulares. A conexão entre essas

15
Dissertação de mestrado em Geografia, cuja orientação foi feita pelo professor Maurício de Almeida
Abreu.
16
Para maior aproximação dessa matriz filosófica de pensamento, sugere-se como leituras: I. 3ª parte da
obra Introdução a uma Estética Marxista (Georg Lukács); II. Capítulos 5 e 6 da obra A Dialética
Materialista (Alexander Cheptulin) e III. Filosofia e Geografia (Horacio Capel).

34
escalas é possível graças às particularidades17 que se repetem em diferentes casos
empíricos, possibilitando generalizações. Estamos considerando a Zona Portuária do
Rio de Janeiro como singular18, o quer dizer que a área possui, ao mesmo tempo,
características exclusivas e outras que se repetem em diferentes recortes que margeiam
distritos centrais de negócios.

Esquema 1: Escalas de apreensão do real

UNIVERSAL PARTICULAR SINGULAR


Fonte: Corrêa (201519)

Tânia Marques Strohaecker (1989), em sua dissertação de mestrado20, argumenta


sobre as virtudes teóricas da elaboração da pesquisa tomando-se o recorte empírico
como “singular” e os perigos de considerá-lo “único”, isolado e independente de um
contexto maior e mais amplo.

O estudo do tipo ‘memória de bairro’ pode se tornar primário e pobre quando


se privilegia as características únicas, tanto físicas quanto sociais, do bairro:
neste caso ele não é tratado como algo singular, isto é, como uma
especificação do universal, de fenômenos gerais que transcendem ao bairro,
mas que se realizam nele. O bairro é considerado como único. Deve-se tomar
o cuidado para não se incorrer neste tipo de erro, de transformar o bairro em
‘unidades irredutíveis da cidade empírica’ (STROHAECKER, 1989, p. 49).

Os modelos teóricos generalizantes, enquadrados na escala “universal”, nunca


darão conta de todas as peculiaridades do “singular” (área de estudo). Isso ocorre
porque o “singular”, embora contenha características generalizáveis, possui unicidades
que não podem figurar em modelos teóricos abstratos por não se repetirem em outras
áreas. Contudo, tais modelos servem como guias (e não quadros normativos fechados)
para uma compreensão mais ampla da realidade estudada. Devido a isso buscaremos um
meio termo entre a exclusiva adoção de modelos e a exclusiva reconstrução histórico-
geográfica da área de estudo.

17
O “particular” não possui expressão fenomênica. Ele é a categoria de análise que conecta o “singular”
ao “universal”.
18
O “singular” é a expressão fenomênica do “universal” acrescida de peculiaridades inerentes à
localidade estudada. Os pesquisadores que norteiam suas análises a partir desse mote, refutam a
proposição de que uma determinada área ou processo sejam exclusivamente únicos. Isso ocorre porque o
“único” resulta de uma combinação exclusiva de fatores, sem outras ocorrências, quebrando a noção de
unidade dialética entre as escalas de apreensão do real.
19
Esquema produzido em notas de aula da disciplina “REDE URBANA E ORGANIZAÇÃO DO
TERRITÓRIO”, ministrada pelo professor Roberto Lobato Corrêa, para turmas de pós-graduação em
Geografia, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, no primeiro semestre de 2015.
20
Pesquisa orientada pelo professor Roberto Lobato Corrêa.

35
2.1 (Re) discutindo a teoria: Modelos gerais e a Zona Portuária do Rio de Janeiro

Os modelos propostos por Burguess (1925); Horwood & Boyce (1959) e Griffin
& Preston (1966) não dão mais conta de auxiliar teoricamente na construção de uma
representação sistemática das dinâmicas espaciais vivenciadas na Zona periférica do
Centro, no Século XXI. As áreas enquadradas e descritas por essas teorias estão (em
diversos casos empíricos21) sob a égide do processo de renovação urbana,
ideologicamente chamado de “revitalização22”. A caracterização de área “obsoleta”,
usada ao longo do Século XX, cede lugar à área “revitalizada”, entre o final do Século
XX e início do XXI.
Na década de 1980, geógrafos brasileiros se dedicaram a repensar a produção
acadêmica estadunidense sobre a zona imediata ao distrito central de negócios, estando
ou não atrelada às proposições da Escola de Chicago23, já que a realidade brasileira é
diferente. Roberto Lobato Corrêa e Maurício de Almeida Abreu são dois exemplos de
pesquisadores que se esforçaram na tentativa de superação de tal incompatibilidade
entre teoria e realidade. Além de escreverem sobre o assunto, orientaram dissertações e
teses nas quais discutiam o tema. Strohaecker (1989)24 e Rabha (1984)25 são dois
exemplos dessas pesquisas orientadas que contribuem para essa discussão .
Souza (1985), na esteira da mencionada discussão, alerta seus leitores para as
distinções organizacionais entre os espaços obsoletos26 de países com capitalismo
avançado e de países com capitalismo tardio. De acordo com o autor, as localidades
ditas deterioradas no primeiro grupo de países apresentado permaneceram como
enclaves étnicos, ou seja, guetos. Já nos países de capitalismo tardio, os imigrantes
foram, de modo gradual, se disseminando no tecido urbano.
Em publicação mais recente, Souza (2013) alerta seus leitores sobre a alta
frequência de teorias importadas e transpostas sem a reflexão necessária, principalmente

21
Tanto cidades pertencentes a países de capitalismo avançado quanto capitalismo tardio, como Nova
Iorque; Londres; Dublin; Baltimore; Filadélfia; Buenos Aires; Recife; Barcelona etc. passaram por
operações urbanísticas similares ao “Porto Maravilha”, no Rio de Janeiro.
22
Esta tendência foi exposta por Rabha (1984), Strohaecker (1988; 1989) e Corrêa (1989).
23
Segundo Coulon (1995, p. 7), “por ‘Escola de Chicago’ costuma-se designar um conjunto de trabalhos
de pesquisa sociológica realizados, entre 1915 e 1940, por professores e estudantes da Universidade de
Chicago. A expressão foi utilizada pela primeira vez muito tempo depois do começo desse movimento,
mais precisamente em 1930, quando Luther Bernard apresentou as diferentes escolas de sociologia
existentes”.
24
Dissertação de Mestrado em Geografia orientada por Roberto Lobato Corrêa.
25
Dissertação de Mestrado em Geografia orientada por Maurício de Almeida Abreu.
26
Strohaecker (1989, p.45) defende que o termo espaço obsoleto, presente em Souza (1985), pode ser lido
como Zona Periférica ao Centro.

36
em centros de pesquisa de países “(semi) periféricos”, o que acarreta em estudos frágeis
e com equívocos teóricos e metodológicos. Em contrapartida, o autor admite haver
muitos casos em que termos são “importados” ou adaptados com sucesso, o que não
seria uma questão, “desde que haja um investimento reflexivo ponderável”.
Strohaecker (1989) também acrescenta à discussão sobre importação de modelos
para auxiliar na decodificação teórica da realidade brasileira. Segundo a geógrafa:

O fato de se considerar modelos importados não deve visto, em si, e sempre,


como uma limitação. Alguns deles, na medida em que dão conta de processos
gerais, referindo-se às características espaciais do capitalismo, tanto atuais
como em termos dinâmicos, podem ser úteis para a compreensão da
organização sócio-espacial e de sua transformação em um contexto
particular. Pelo menos temporariamente (STROHAECKER, 1989, pp. 50-51)
(Grifos nossos).

Em nossa contribuição à discussão entendemos as citadas teorias como


ultrapassadas (por terem temporalidades definidas e dinâmicas espaciais de análise já
esgotadas), mas não de maneira pejorativa. Tal ultrapassagem é bem vinda, cara e
necessária ao âmbito científico, mas a reflexão proposta e as contribuições ficam
presentes, mesmo que parcialmente e em nível de revisão crítica, nas atuais produções
intelectuais sobre a “Zona Periférica do Centro”. Seus trabalhos inserem-se no processo
de acumulação dialética de saberes científicos. O conhecimento se acumula e nega em
parte o conhecimento anterior, mas ao mesmo tempo incorpora parte dele.

2.1.1 Repensando a Zona em Transição

Este subitem tem como finalidade problematizar a associação direta entre a zona
em transição com a Zona Portuária do Rio de Janeiro. Por meio da discussão que se
segue, buscou-se desconstruir a criticável e indiscriminada correlação entre qualquer
cinturão de pobreza que margeie o Distrito Central de Negócios com o segundo anel
concêntrico da teoria de Ernest Burguess. Embora ela tenha resultado em avanços para
estudos de Sociologia Urbana e, posteriormente, de Geografia Urbana, contém
historicidade e espacialidade definidas (a Chicago do início do Século XX) e carga de
preconceitos que são maléficos à análise proposta para este estudo.
Nas palavras de Castells (1983), é impossível abordar a análise da organização
do espaço sem uma discussão, mesmo que rápida, da tradição de pesquisa da Escola de

37
Chicago. Analisar o modelo das zonas concêntricas de Burgess, encarando-o com
reservas pela "sua ingenuidade etnocêntrica" e pela "forte crítica exigente de uma
especificação das condições históricas" é relevante porque, nas palavras de Castells
(1983, p. 184), a Escola de Chicago “domina ainda a apreensão da organização urbana,
na literatura e na prática, seja através da retomada de seus de seus temas clássicos ou
através das críticas e reações suscitadas”.
Strohaecker (1988) expõe a relevância do conceito de zona em transição, para
muitos, equiparável à Zona Portuária do Rio de Janeiro, ao afirmar que faz parte do
mais conhecido modelo emergido dos estudos da Escola de Chicago, o das zonas
concêntricas. Proposto por Burguess em 1925, o estudo tinha como preocupação
analisar a expansão urbana, através de anéis concêntricos, e tinha como cidade objeto
das observações, a Chicago do início do século XX. O modelo baseia-se na expansão
dos serviços oferecidos pelo núcleo central de negócios, o Central Business District
(CBD).
Há que se destacar o pioneirismo e a importância da Escola de Sociologia
Urbana para os estudos sobre transformações espaciais nas cidades e na busca do
estabelecimento de conceitos, metodologias e modelos de forma particular e inovadora,
valorizando a visão de conjunto, a interrelação dos aspectos econômicos, demográficos
e espaciais para explicar a complexidade do espaço urbano. O próprio Burguess (1967
[1925], p. 50) ponderou que nenhum estudo de expansão urbana como processo já havia
sido feito. Ainda segundo o sociólogo urbano:

The typical processes of the expansion of the city can best be illustrated,
perhaps, by a series of concentric circles, which may be numbered to
designate both the successive zones of urban extension and the types of areas
differentiated in the process of expansion (BURGESS, 1967 [1925], p. 50)27.

Antes de adentrarmos no modelo das zonas concêntricas, vale salientar que, em


decorrência de influências dos estudos positivistas em que ocorre a transposição para
dinâmicas sociais de lógicas da dinâmica da natureza, a Escola de Chicago adotou
perspectiva pautada na analogia entre processos da natureza com processos sociais. Esta
corrente do pensamento denominou-se Ecologia Humana.

27
Livre tradução: Os processos típicos da expansão da cidade podem ser melhor ilustrados,
possivelmente, por uma série de círculos concêntricos, os quais podem ser numerados para designar
tanto as zonas sucessivas de extensão urbana quanto os tipos de áreas diferenciadas no processo de
expansão.

38
Em discussão a respeito das concepções presentes na Ecologia Humana,
Gottdiener (1993, p. 36) destaca que foi Spencer o “primeiro a articular a relação direta
entre forma social e função social através de seu conceito de competição das espécies.”
Ainda de acordo com o autor, os expoentes da Ecologia Humana utilizaram-se da teoria
da evolução de Darwin para explicar o papel funcional desempenhado pela competição
das espécies na produção de organizações sociais dotadas de crescente complexidade.
Rabha (1984) acrescenta à temática argumentando que, para os partidários da
Ecologia Humana, a construção teórica da forma da cidade resulta de analogias entre
sociedades humanas e leis da natureza, especialmente com a teoria de Darwin sobre a
seleção natural, e é regida pelo princípio básico da luta pela existência, em que somente
os mais fortes poderiam evoluir e sair dos guetos.
Burgess teve a tarefa de estruturar o quadro teórico acerca do espaço defendido
pela Escola de Chicago (GOTTDIENER, 1993). Nesse sentido, o referido sociólogo
urbano preocupou-se em articular uma explicação geral da mudança dos padrões de uso
da terra na cidade, relacionando-a ao processo de crescimento urbano. Para Burgess,
segundo Gottdiener (1993):

À medida que a população da cidade aumentava, a competição e a divisão


social do trabalho cada vez mais especializada disparariam dois processos
ecológicos adicionais, chamados centralização e descentralização, que eram
uma versão funcional do ciclo invasão-sucessão (GOTTDIENER, 1993, p.
40).

Pensando a cidade como organismo vivo, Ernest Burgess interpretou-a por meio
dos processos de invasão, dominação e sucessão no seu interior a partir do bairro
comercial para a zona adjacente de forma concêntrica, de onde advém a Teoria das
Zonas Concêntricas. A partir deste modelo, Burgess, nas palavras de VILLAÇA (2001,
p. 13), “tinha ambições teóricas e pretendia, inclusive, dar conta dos movimentos da
estrutura urbana”.

39
Esquema 2: Modelo das zonas concêntricas de Burgess

Fonte: Adaptado de Burguess (1967 [1925]).

Segundo anel no modelo das zonas concêntricas, o denominado, por Burgess,


zona em transição, de acordo com Strohaecker (1988, 1989), tem como característica
marcante usos estigmatizados de sujos tal como indústrias, pátios de armazenagens e
manobras, oficinas, depósitos do comércio atacadista, um complexo residencial
decadente, e seu conteúdo social é de, majoritariamente, pessoas pouco abastadas.
Famosos guetos estadunidenses, como o Bairro Chinês, a Pequena Sicília, a Cidade
Grega, o Bairro Latino, dentre outros, marcam a chamada área de transição, que pode
ser definida como:
[...] o segundo anel do modelo zonal de E. W. Burgess de expansão urbana:
uma área mista com indústria, comércio e residências superlotadas,
subdivididas e degradadas. A proximidade com o centro torna a área atrativa

40
para a invasão comercial e de serviços e a redução do uso residencial devido
à afluência de grupos sociais inferiores como minorias étnicas e atividades de
jogo e prostituição. Essa zona é um fenômeno norte- americano particular e
seus problemas foram criados a partir de um dinâmico Distrito Central de
Negócios e de uma infra-estrutura antiga (THE DICTIONARY28 apud
STROHAECKER 1988, p. 173).

A expansão citadina descrita no modelo das zonas concêntricas baseia-se num


crescimento radial, no qual a tendência é de cada zona interna estender sua área até a
zona posterior imediata, ocasionando o processo espacial de invasão. De acordo com
Burgess (1925), essa dinâmica ocorre sob-regia de um processo evolutivo, característica
marcante da Ecologia Humana.
Crítica da utilização indiscriminada do modelo de Ernest Burgess, Rabha (1984)
defende que ele se coloca muito distante da realidade das pessoas nos diferentes recortes
empíricos, visto que seus pressupostos dizem respeito à década de 1920, num momento
de maciça fluência de imigrantes aos Estados Unidos, que não pode ser
descontextualizada. A autora ainda defende que:
O confronto entre o lugar, objeto de pesquisa, e o discurso teórico que o
explica como zona de transição, revela-se bastante contraditório. Ver, ouvir e
sentir a vida e a aparência do Santo Cristo, da Gamboa e da Saúde é
sobretudo não aceitar a caracterização que lhes é dada pelo modelo ecológico
de mácula moral, de lugar de pobreza e marginalidade, de “purgatório de
almas perdidas” marcado pela ideologia da ascensão social no espaço da
cidade (RABHA, 1984, p. 43).

Continuando sua extensa crítica ao modelo ecológico, Nina Rabha (1984) afirma
que a real utilidade da sua adoção é a justificativa teórica e racional para futuras ações
de renovação urbana, já que se criou associação direta entre qualquer cinturão antigo
que envolva qualquer área central de qualquer cidade do mundo como área de transição,
dando-lhes adjetivos como áreas de deterioração, cinzenta e obsoleta29. Estudiosos de
viés socioculturalista e marxistas também questionam o modelo. Os primeiros o fazem
devido à subestimação da cultura na construção teórica acerca do processo de
estruturação do espaço urbano30. Já os marxistas reclamam da não abordagem dos
conflitos e contradições sobre as diferentes classes sociais no urbano; estas sendo
mencionadas, mas de modo a naturalizá-las, sem grandes problematizações.

28
The Dictionary of human geography. R. J. Johnston, Ed. 2nd Ed., 1986.
29
Less et. al. (2008) afirma que a política urbana é majoritariamente dominada por teorias Neoclássicas.
30
Gottdiener (1993) acrescenta ao assunto relatando que a Escola de Chicago tinha grande dependência da
competição econômica como critério predominante em interação social. Paralelamente, seus estudiosos
relutavam em reconhecer o importante papel que valores culturais desempenhavam na determinação de
decisões (individuais e coletivas) sobre localização.

41
Os processos de descentralização e de verticalização da área central
transformaram a antiga zona em transição numa área de estrutura cristalizada, revelando
a impropriedade do termo transição. Além disso, a gentrificação, em curso na Zona
Portuária do Rio de Janeiro, é outro desafio para a teoria de Burgess, pois ela sustenta
que as classes mais abastadas emigram do centro para a periferia e raramente regressam
às áreas centrais previamente abandonadas.
Strohaecker (1988; 1989), ao defender que E. W. Burgess, não procurou
desenvolver um modelo baseado no processo geral de todas as sociedades, mas a partir
da sociedade norte-americana, impactada pelo advento da fase industrial do capitalismo,
enriquece a corrente que critica a incorporação de seu modelo para entendimento de
toda e qualquer área desvalorizada que margeie um distrito central de negócios.
Apesar das críticas quanto ao caráter ideológico de seu trabalho, Ernest Burgess
foi o primeiro pesquisador a tentar esquematizar o processo de expansão citadina, não
de maneira aleatória, mas, através de uma lógica de ordenamento dos variados usos da
terra urbana. A sua grande inovação foi lançar a hipótese de que há ligações entre
aspectos aparentemente não relacionados com a cidade, como é o caso das patologias
sociais. Nas palavras de Gottdiener (1993, p. 42), “Burgess revelava que a diferenciação
interna da terra urbana representava um gradiente de patologia social do centro para a
periferia.”
Conforme apontado no conjunto de fatores até aqui discutidos, não
consideramos prudente classificar a Zona Portuária do Rio de Janeiro como Área em
Transição. Generalizações como “lugar de marginalidade” e “purgatório de almas
perdidas”, características da Área de Transição (BURGESS, 1967 [1925]), não
representam a área pesquisada – tampouco qualquer outra localidade – e não auxiliam
nas pretensões do presente estudo.

2.1.2 Da Zona em Transição à Zona Periférica do Centro: virtudes e problemas

Horwood & Boyce (1959), em estudo sobre relações espaciais que ocorrem entre
a Área Central da cidade e sua hinterlândia, introduziram o conceito de Núcleo Central
(core) e Zona Periférica ao Centro (frame). De acordo com os autores, a localização da
Zona Periférica ao Centro, contígua ao core, é fundamental para articular as relações do
centro da cidade com áreas mais afastadas. Neste esforço teórico, é defendida a

42
existência de forte complementaridade de atividades e funções espaciais entre core e
frame, além das diferenças espaciais entre ambas. Horwood & Boyce (1959), através do
Esquema 3, ilustram a complexa relação de complementaridade entre o Distrito Central
de Negócios e a Zona Periférica ao Centro:

Esquema 3: Esquema do conceito de Zona Periférica ao Centro

Fonte: Horwood & Boyce (1959) apud Strohaecker (1989)

43
Embora o conceito de Zona Periférica do Centro, proposto por Horwood &
Boyce (1959) represente um avanço na discussão acerca das áreas contíguas ao distrito
central de negócios, por não rotulá-las de modo anacrônico, não se distancia tanto das
teorias oriundas da Escola de Chicago. De acordo com Strohaecker (1989), o frame
engloba e sobrepõe-se aos conceitos de ‘Zona em Transição’, ‘área cinzenta’ e ‘zona de
obsolescência’. Ainda segundo a autora:

A zona periférica ao centro, conforme Horwood e Boyce, caracteriza-se pelo


uso da terra semi-intensivo e heterogêneo (comércio atacadista, indústrias
leves, parques de estacionamento, depósitos, residências multifamiliares),
extensa escala horizontal, subdivisão em sub-regiões funcionais com fortes
relações espaciais com o núcleo central e a periferia urbana, pelo caráter geral
decadente e obsoleto e pela limitação física condicionada a barreiras naturais
ou áreas homogêneas (STROHAECKER, 1989, p. 28).

Posteriormente às noções apresentadas por Horwood e Boyce, Griffin e Preston


(1966), em proposição acerca da “Zona em Transição Contemporânea”, defendem a
existência de três setores distintos: (1) Setor de Assimilição Ativa, (2) Setor de
Assimilição Passiva e (3) Setor de Inatividade Geral. Essa teoria representa significativo
avanço na discussão sobre a temática e superação parcial de modelos predecessores. Ao
invés de tomar como pressuposto a noção de obsolescência, Griffin e Preston (1966)
complexificam a análise setorizando a área e partindo da hipótese de que há
descontinuidades nos seus padrões espaciais.

44
Esquema 4: Setorização proposta por Griffin e Preston para “Zona em Transição Contemporânea”

Fonte: Griffin & Preston (1966) apud Stroaeker (1989)

Interpretar a atual dinâmica de reestruturação da Zona Portuária do Rio de


Janeiro à luz da proposição de Griffin e Preston requer cuidados, portanto adaptações se
fazem necessárias. Ter-se-ia como hipótese que a área passou a ser, ao longo do Século
XX e de maneira geral, enquadrada no que os autores nomearam de Setor de Inatividade
Geral (período caracterizado pela marginalização espacial enfrentada pela área). Este
quadro perdurou até o início da consecução do Porto Maravilha, em 2009.
Há pesquisadores que poderiam supor que o atual momento experienciado pela
área de estudo, se associado à teoria de Griffin e Preston, estaria enquadrado no Setor de
Assimilação Ativa, mas, do nosso ponto de vista, isso é um equívoco. A teoria original
alega que os três setores surgem de maneira espontânea, em decorrência da complexa
atuação de diferentes agentes modeladores do espaço, mas sem que tais atuações
estejam sendo guiadas por um planejamento prévio mais articulado, como é o caso de
um Plano Estratégico. Visto isso e utilizando como fonte de inspiração a discutida

45
teoria, teríamos que avançar e propor o surgimento de um novo setor para situar o atual
momento da área estudada em um contexto teórico mais amplo sobre Zonas Periféricas
do Centro. Talvez, a proposição Setor de Transformação Induzida seja uma solução
preliminar interessante.
A proposta da ascensão do Setor de Transformação Induzida, para auxiliar em
análises sobre as Zonas Periféricas do Centro (última década do Século XX e início do
Século XXI) dialoga com a tendência de gestão dos espaços relatada por Rabha (1984),
Strohaecker (1988-1989) e Corrêa (1989) ao destacarem o recebimento de projetos de
“renovação urbana” atrelados a uma política de empreendedorismo urbano. Tal
estratégia de gestão destes espaços está se difundindo por diversas cidades31, inseridas
em países de capitalismo central e capitalismo tardio. Em decorrência da repetição de
ocorrências, acreditamos que a generalização proposta se torna viável.
A respeito dos três setores presentes na teoria original, acrescidos deste quarto,
percebe-se que todos podem coexistir na Zona Periférica do Centro da mesma cidade,
uma vez que um não anula o outro. A área enquadrada no frame é complexa e
heterogênea em suas dinâmicas espaciais e os projetos de “revitalização” não são
arquitetados para transformar espacialmente sua totalidade, mas (via de regra e de modo
não rígido) os lotes de terra enquadrados no setor de inatividade geral. Dentre as
justificativas para tal, destaca-se o intenso potencial de retorno e valorização econômica
que o setor de inatividade geral pode gerar aos possíveis investidores imobiliários, por
localizar-se espacialmente próximo ao CBD.

2.2 Zona portuária do Rio de Janeiro: da marginalização espacial ao Porto


Maravilha

Neste subcapítulo, para fins didáticos, apontamos o período entre 1960 e 2009
como recorte temporal a ser abordado, por compor o momento em que o processo de
marginalização espacial da Zona Portuária32 mais intensamente se desenrolou. Refere-se
ao momento de mais aguda falta de investimentos na área, que perdeu a atividade
técnica portuária e, ainda, sofreu com a transferência da Capital Federal e com a
intensificação da cristalização de formas e conteúdos.

31
Alguns exemplos de cidades são: Nova Iorque; Londres; Dublin; Baltimore; Filadélfia; Buenos Aires;
Barcelona; Rio de Janeiro; Recife etc.
32
Processo iniciado na segunda metade do Século XIX.

46
Antes de iniciar a discussão sobre os padrões espaciais e acontecimentos
presentes no período selecionado para análise (1960 até 2009) sugere-se ao leitor,
acessar o Box 2. Nele, há referência a destacados acontecimentos empíricos ocorridos
na Zona Portuária do Rio de Janeiro, desde a segunda metade do Século XIX (início da
marginalização espacial na área) até o fim da primeira metade do Século XX. Somando-
se à teoria que sustenta nossa análise, essa breve exposição busca contextualizar de
modo mais abrangente as razões que levaram a área passar por acentuada
desvalorização da terra urbana a partir de 1960.

Box 2: Dinâmicas espaciais na Zona Portuária do Rio de Janeiro entre a segunda metade
do Século XIX e a primeira metade do XX

Concordamos com Corrêa (1989) quando, influenciado pela proposição de


Colby (1933), afirma que o processo de centralização espacial, associado a forças
centrípetas, estabeleceu a Área Central, que pode ser segmentada em dois setores:
(1) CBD (também intitulado como core) e (2) Zona Periférica do Centro (também
intitulada como frame, zone in transition e zona em obsolescência). O autor
salienta que core e frame são produtos do capitalismo industrial - mais
especificamente da revolução industrial - e suas origens datam da segunda metade
do Século XIX. O ano específico do aparecimento da Área Central33, em cada
cidade, varia de acordo com as singularidades locais. O esquema abaixo auxiliará
os argumentos que seguem sobre a gênese da Zona Periférica do Centro e os
processos que caracterizam esta localidade.

33
A Área Central é compreendida como a forma espacial decorrente do processo de centralização
associado ao Capitalismo Industrial. Antes do aparecimento da Área Central já existia a figura do Centro,
mas com características diferentes e ainda pré-capitalistas. Para o caso do Rio de Janeiro, Abreu (2008
[1987]) e Motta (2001) são importantes referenciais.

47
Esquema 5: Processo de centralização e a Área Central

Fonte: Adaptado de Corrêa (201534).

Em decorrência do processo de centralização espacial, houve profunda


transformação na economia e no espaço urbano. Passam-se a se desenvolver, em
um dos segmentos da Área Central, duas atividades conectadas: concentração de
transporte inter-regional (ferroviário) e indústria pesada (além de atividades
complementares). Antes disso, a cidade era menor e seu centro comportava
apenas a catedral, o palácio do governo, o comércio atacadista de luxo e era área
de moradia da população de alto status. Em resumo, o resultado desse processo,
de acordo com a literatura e respeitando as singularidades de cada cidade,
resultou na transformação do antigo e idealizado Centro (nobre, com parques e
jardins, bem conservado, aprazível e bonito) em duas áreas distintas: o CBD e a
Zona Periférica do Centro (ZPC).
No caso da área de estudo, no período predecessor à consolidação do
processo de centralização espacial e de suas formas associadas, havia mistura
entre residentes de diferentes estratos sociais e a área não era estigmatizada de
maneiras tão negativas. Como exemplo de situação, tem-se os bairros Gamboa e
Saúde, na virada do Século XVIII para o XIX, que embora comportassem casas

34
Notas de aula da disciplina “REDE URBANA E ORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO”, ministrada
pelo professor Roberto Lobato Corrêa, para turmas de pós-graduação em Geografia pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro, no primeiro semestre de 2015.

48
de pessoas pobres, também abrigavam casarões coloniais e a classe média.
De acordo com Rabha (1984), as moradias de classe abastada, na área de
estudo, representavam verdadeiro exemplo de conforto e elemento de salubridade
numa infestada cidade colonial. Já no Século XIX, a Saúde recebe palácios (como
o Itamaraty) e a Gamboa foi um dos primeiros distritos da cidade a ser
beneficiado com o serviço de esgotos, luz e água encanada.
Nesse período, a Zona Portuária do Rio de Janeiro ainda não havia
começado a vivenciar o prolongado período caracterizado por “usos sujos” e
“deterioração” de suas formas. A quase instalação da “Família Real” na
localidade, em virtude da bonita paisagem que apresentava, ilustra a situação. A
respeito disso, Rabha (1984, p. 89) afirma que:

[...] embora a belíssima paisagem admirada por D. João VI do Palácio


Episcopal, no alto do Morro da Conceição, tenha induzido o monarca
a tomá-lo como residência. Porém a oferta da Quinta da Boa Vista
revelou-se como alternativa mais adequada, inviabilizando o
desenrolar de uma história que seria, com certeza, bastante diferente
para a área, caso a escolha real tivesse sido outra. (RABHA, 1984, p.
89).

Aos poucos, no decorrer do Século XIX, trapiches se instalam no litoral da


Saúde e da Gamboa, muito em função da exportação do café e de outros gêneros
vindos de Minas Gerais e do Médio Vale do Paraíba. Também, em virtude da
proximidade com o porto, apareceram indústrias (que utilizavam matérias primas
importadas), terminais de exportação, fundições, galpões, depósitos, fábricas
atacadistas, ferrovias - intensificando o transporte de cargas sobre a área etc.
A lei Áurea, de 1888, também auxiliou na intensificação de novos
moradores com pouca renda para a área de estudo, que oferecia trabalhos manuais
não qualificados no porto, pequenas atividades e serviços de industriais. Eles
participaram da formação de favelas, como a da Providência, e ocuparam muitos
cortiços.
O conjunto dos fatores acima expostos justificou o abandono, por parte das
elites e da alta classe média (que não era numerosa, mas havia), dos bairros
objetos deste estudo. Essas pessoas se mudaram, gradualmente, para novos
bairros de status como Glória, Catete, Laranjeiras, Flamengo e Botafogo. E, na
virada do século, para Copacabana (ABREU, 2008 [1987]). As pessoas saíram da
Zona Portuária por ter se iniciado a rotulação de “degradada”. Os belos casarões
do século XIX onde essas famílias habitavam passaram a ser subdivididos e
alugados. Começam a proliferar-se pela Área Central os cortiços e as habitações
multifamiliares.

49
Entrando no Século XX, a classe média e a elite se recusavam a morar em
áreas ditas “deterioradas”. Essas pessoas passaram a ser atraídas por recentes e
estimadas inovações habitacionais sendo seduzidas pelo que se valorizou muito
na virada do século XIX para o XX: morar junto ao mar. Ao mar fora do porto,
aquele com brisa marinha e glamour. Esses grupos foram, então, se deslocando
para Ipanema (1920-1930), depois para o Leblon (1930-1940). Após um salto no
tempo e associado a políticas públicas, para a Barra da Tijuca e para o Recreio
dos Bandeirantes (ABREU, 2008).
Retornando ao final do Século XIX, o então porto do Rio de Janeiro, nas
palavras de Rabha (1984, p. 100), era o “ponto focal de escoamento da produção
de café e do recebimento das importações”. Porém, ele começa a ficar defasado
materialmente, em razão da dinamização do comércio externo e do aumento no
volume de cargas por lá movimentadas. A crescente inadequação física, associada
ao simbolismo de “modernidade republicana”, impulsionou a consecução de
obras para ampliar e modernizar o porto do Rio de Janeiro.

As obras consistiram na construção de um cais, com 3.500 metros de


extensão por 10 metros de altura na maré média, entre o Arsenal da
Marinha e o prolongamento da Rua de São Cristóvão. Entre a linha do
litoral antigo e o novo cais, os aterros abrangiam uma superfície
coberta de água de 20 hectares, em distâncias variáveis entre mínimos
de 25 metros até 300 metros na altura da Praia de São Cristóvão
(RABHA, 1984, p. 102).

O espaço artificialmente produzido e inaugurado em 20 de julho de


1910, logo recebe destinações em sua linha costeira. São as zonas das
vias férreas e guindastes, os armazéns e a nova “Avenida do Cais”,
atual Rodrigues Alves (RABHA, 1984, p. 103).

Devido ao aterramento que foi realizado, a ligação direta entre os bairros


de estudo e a orla foi rompida. O novo espaço, artificialmente produzido,
distanciou a população local do litoral e isso representou problemas para essas
pessoas, afinal muitas de suas atividades tinham como essência tal proximidade.
Rabha (1984) retrata muito bem este processo, ao defender que o novo contorno
do litoral criou um vazio entre as atividades portuárias e seus eventuais
trabalhadores, “rompendo laços e fabricando distâncias”.

50
Figura 2: Saúde, Gamboa e Santo Cristo: destaque para área aterrada e não aterrada

Fonte: Adaptado de Rabha (1984).

Se, por um lado, as obras da área portuária representaram um momento de


apogeu econômico da localidade, com intensificação de exportações, importações
e incentivo à chegada de mais atividades complementares, por outro, também
gerou problemas. Muitos lotes de terra artificialmente produzida não foram
ocupados após serem inauguradas, ficando em grande parte ociosos, aguardando
destinação e interesse de empreendedores. Essa situação desencadeou
qualificações negativas para a localidade, como “terra de ninguém” e “área (cada
vez mais) perigosa”.
Nina Rabha argumenta que devido a singularidades presentes nos bairros
que compõem a área deste estudo, eles não se adequam funcionalmente a outra
área ou zona do município, fato este que auxiliou a tornar a área uma “grande
sobra”, uma localidade com pouca captação de investimentos e pouco interesse
de setores públicos e privados. Segundo a autora:

[Gamboa, Saúde e Santo Cristo] não são adequada(s) ao uso


específico da área central por uma série de considerações que vão
desde os próprios processos espaciais de centralização a particular
característica de sítio [...] Também não pode ser explorada com os
aspectos da zona sul, pois embora nela exista a proximidade do mar,
está no interior da baía, poluída, e grava-se com seus usos
incompatíveis à “moradia zona sul” [...] Como zona industrial, o custo
da terra e a localização quase central na cidade praticamente a
inviabilizam [...] Comparando-a com outros bairros e outros trechos
da cidade, o parâmetro torna-se ainda mais claro. A atividade de
construção é aí tão baixa, que oferece a impressão de que no total,

51
nada é construído ou renovado na área (RABHA, 1984, p. 139) (grifos
nossos).

A retratada conjuntura de fatores desencadeou gradual perda de função


urbana específica, pela Zona Portuária. Isso auxiliou o declínio progressivo no
preço da terra e intensificou o processo de marginalização iniciado na segunda
metade do Século XIX. As formas espaciais também foram impactadas,
tornando-se cristalizadas e sem função. Armazéns, depósitos e prédios foram
abandonados pelos proprietários. Por fim, a transferência da capital da república
para Brasília coroou o ápice do processo de marginalização espacial vivenciado
pela Zona Portuária do Rio de Janeiro (RABHA, 1984 e 2006).

Acredita-se que uma maneira interessante de esmiuçar o intervalo temporal entre


os anos de 1960 e 2009 seja através da confecção de uma periodização 35. Esta
ferramenta intelectual é eficaz na procura por padrões espaço-temporais em pesquisas
cujo objeto analítico é permeado por dinâmicas diacrônicas. Vale frisar, ainda, que cada
intervalo dessa fragmentação temporal tem relativa homogeneidade e não possui
critérios de mensuração rigidamente definidos  eles variam de acordo com os objetivos
de cada estudo. Sendo assim, segmentamos a temporalidade da Zona Portuária, segundo
nossos critérios, em dois tempos distintos: T1 (1960 até 1996) e T2 (1996 até 2009). Os
anos em destaque (1960, 1996 e 2009) figuram como marcos definidores da finalização
de um período e início de outro. Isso ocorre porque há rompimento de padrões e
modificação substancial na lógica de (re) produção espacial na Zona Portuária do Rio de
Janeiro. O ano de 1960 é marcado pela transferência da capital da República para
Brasília; 1996 é o ano de elaboração do 1º Plano Estratégico do Rio de Janeiro,
intitulado “Rio Sempre Rio”, dando início à gestão urbana calcada no
empreendedorismo; Já o ano de 2009, dentre outros fatores, representa o marco inicial
da consecução da OUC Porto Maravilha.

35
A delimitação de datas como marcos para períodos históricos é sempre uma questão temerária, pois não
é incomum incorrer em equívocos, ou ainda, em não consenso. Isso ocorre porque a periodização é uma
operação intelectual calcada na organização / fragmentação da temporalidade, em uma dada área, que
varia de acordo com os critérios e questionamentos que figuram como objetivos de estudo. Nesse sentido,
não há apenas uma periodização para uma mesma localidade, afinal ela variará de acordo com atributos,
processos, formas e dinâmicas selecionados para análise.

52
2.2.1 Da transferência da Capital Federal ao 1º Plano Estratégico (T1): de 1960 até
1996

No intervalo de tempo T1, compreendido entre os anos de 1960 e 1996, a Zona


Portuária do Rio de Janeiro passa por um período de intensa redução de preço do metro
quadrado e de desvalorização fundiária. Ilustrando tal situação, há cristalização e
gradual “degradação” das formas urbanas presentes na localidade realçada pela escassez
de novos empreendimentos residenciais ou corporativos por grandes empresas ligadas
ao mercado fundiário e imobiliário.
Dentre os principais fatos que impactaram a área de estudo, ocorridos entre 1960
e 1996, destacam-se a transferência da capital da República para Brasília, o incremento
da periferização, a chegada da técnica da conteinerização e, por fim, e de modo
contrastante, a ideia de revalorizar a Área Central (década de 1990).
Com a transferência da capital da República para Brasília, na década de 1960, a
Área Central do Rio de Janeiro perdeu parcela da centralidade e de recursos. Isso
ocorreu em virtude do esvaziamento das atividades administrativas, até então, em
grande parte lá alocadas. No que diz respeito às formas espaciais, esse processo
culminou em fechamentos e posterior abandono de prédios, por perderem suas funções
originais. No seio deste processo, houve desvalorização fundiária e perdas
demográficas36.
Na segunda metade do Século XX intensificou-se o processo (já em curso) de
descentralização residencial, acarretando nas supramencionadas perdas demográficas
pela área Central. Rabha (2006) afirma que isso ocorreu em virtude de fatores como a
consolidação de novas áreas de expansão, a direção sul da orla oceânica e a crescente
sensação de insegurança na Área Central.
Com esta situação se estendendo pelo tempo, não só as formas ficaram
congeladas, mas também, as condições precárias de conservação de vários prédios
corroboraram para o estigma de “deteriorado”, fortalecido por usos da terra
considerados de baixo status e pela presença marcante de substratos sociais
estigmatizados e pré-julgados de modos negativos. O mercado imobiliário, nesse
momento, volta suas atenções para a produção em outras áreas, como a Barra da Tijuca.
De acordo com Corrêa (1991a), embora esse processo resulte prioritariamente de

36
De acordo com Rabha (2006), entre 1970 e 2000, a Área Central do Rio de Janeiro teve o número de
habitantes reduzido de 62.595 para 39.135.

53
interesses de proprietários fundiários e promotores imobiliários (extraindo renda da terra
e ampliando seus negócios), conjuntamente há que se destacar a expansão de certas
atividades do setor terciário. O vetor de expansão para a Barra da Tijuca, durante as
décadas de 1970 e 1980, contou com investimentos infraestruturais, por parte do poder
público, que valorizaram as áreas a serem ocupadas por grupos de alta renda e elevado
status social.
Outrossim, esse período é caracterizado pela criação e valorização de novas
áreas residenciais, com destaque para o caso da Zona Oeste. Desse modo, essas novas
frentes urbanas representaram um crescente e lucrativo mercado para empresas de
construção e para grandes empreendedores imobiliários. Paradoxalmente, esse processo
esteve atrelado a um contexto de “abandono”, do mercado fundiário pela Área Central,
que pode ser interpretado à luz do que Neil Smith (1979) nomeou de rent gap37.
A Área Central como um todo e, especificamente, a Zona Portuária sofreram os
impactos oriundos do elevado crescimento na direção da Barra da Tijuca, iniciado na
década de 1970, que ditaram reestruturações na organização espacial das atividades
consideradas de melhor padrão da cidade. Destacam-se perdas econômicas
impulsionadas pelo acelerado deslocamento de atividades econômicas para São Paulo
(em contexto de ascensão econômica) e interior do estado e pelas mudanças nos
endereços de importantes empresas do Centro para a orla marítima ou para a Barra da
Tijuca. Também começou a sentir-se, na mesma época, os efeitos da mudança da
Capital Federal para Brasília, contabilizando perdas substanciais no status e na
representação do poder nacional, localizado no Rio de Janeiro por aproximadamente
200 anos.

Vale dizer que tudo conspirou contra o Centro do Rio. Antigo, decadente,
envelhecido, esvaziado, abandonado numa cidade e num país que construía o
novo como imagem espelhada de sua modernidade. Brasília e a Barra da
Tijuca se ergueram como antíteses de tudo que o centro e o velho Rio
representavam. Confirmadas no espaço por símbolos arquitetônicos arrojados
e modernistas, foram estas imagens que impregnaram o ideário dos
brasileiros sobre as possibilidades de inserção num mundo desenvolvido de
riquezas e igualdade de oportunidades. Infelizmente, ilusórias, como são as
imagens (RABHA, 2006, p. 409) (grifos nossos).

37
Esta teoria será mais amplamente discutida no capítulo 3, quando o processo de reestruturação da Zona
Portuária será analisado segundo perspectiva teórica da gentrificação. Mas, de modo introdutório, o rent
gap diz respeito ao aumento da distância entre renda capitalizada pela terra, na Área Central, e o seu
potencial de retorno financeiro. A principal justificativa para esta dinâmica é o movimento de saída do
capital imobiliário na (re) produção das formas urbanas do centro para áreas suburbanas. Isso gera, em
última análise, condições para a consecução de projetos de “revitalização”, após período de
desinvestimentos, dos centros antigos, cujas formas espaciais entram em “degradação” e o preço do metro
quadrado despenca.

54
Com relação à Zona Portuária, a marginalização espacial em curso se agravou
com a chegada da técnica da conteinerização a partir dos anos sessenta. Já na década de
1980, a estrutura espacial montada para abastecer de modo complementar as atividades
portuárias entrou em progressivo declínio com o trânsito de mercadorias, não mais em
cargas a granel38, mas em contêineres. A partir disso, o guindaste tira o produto do
navio, coloca-o em um caminhão e este vai ao seu destino. Corrêa (1991a) evidencia tal
dinâmica ao defender que:

As transformações recentes, derivadas da nova modernização dos meios de


manipulação das mercadorias exportadas e importadas, a “conteinerização”,
levaram à esterilização das formas criadas anteriormente, criando-se espaços
abandonados, ruas sem movimento, vazias e perigosas. Neste sentido, a
expressão zona de obsolescência adquire novo significado (CORRÊA, 1991a,
p.16).

Os armazéns e depósitos começam a perder a antiga importância e a


funcionalidade. Além disso, tem-se a realocação das exportações de café e de minério
de ferro que foram, em grande parte, transferidas para Vitória. O restante dos royalties
de minério foi para a Baía de Sepetiba, onde é possível se ter um sistema portuário
exclusivo para a atividade. Há, ainda, atividade portuária no Porto do Rio de Janeiro,
com destaque para exportação de veículos, na cabeceira da Ponte Rio- Niterói, no
entanto, a antiga estrutura de atividades complementares ligadas ao porto não se faz
mais necessária39.
Na década de 1990 deu-se inicio à retórica de “renascimento” da área central do
Rio de Janeiro, através do empreendedorismo urbano. Em virtude de experiências
internacionais, a requalificação espacial de localidades ociosas, tendo-se como método a
criação de incentivos ao uso residencial e ao reaquecimento de atividades turísticas,
transformou-se em paradigma para contenção do esvaziamento econômico nas antigas
localizações centrais. Num contexto mais externo, a crise sofrida por Estados Unidos e
Europa nos anos setenta está associada ao surgimento do discurso empresarial na gestão
das cidades, moldes que se percebem sendo usados no contexto da retórica do
“renascimento” da área central do Rio de Janeiro ao longo dos anos 1990.

38
O tráfego de granéis foi transferido, na década de 1980, para o porto indústria às margens da Baia de
Sepetiba (MONIÉ e SILVA, 2014).
39
De acordo com Monié e Silva (2014, p. 115), “a movimentação de cargas foi deslocada em direção aos
terminais de contêineres e roll on roll off da Ponta do Caju cujo dinamismo se mantém até hoje.”

55
Em 1993, César Maia é eleito prefeito do Rio de Janeiro e, a partir daí, o
“modelo de Barcelona” torna-se inspiração para sua plataforma política, pautada no
empreendedorismo que gerou, em 1996, o 1º Plano Estratégico do município. Em seu
discurso, havia clara referência à ideia de crise urbana. César Maia se posicionava como
um reformador da cidade. À época, seu secretário de urbanismo era Luiz Paulo Conde,
conhecedor e admirador do “modelo” de Barcelona, fato este que não pode ser
vulgarizado num contexto de adoção de tal concepção de cidade pelo poder municipal
da época.
Embora, na década de 1990, a discussão sobre a retomada de investimentos e
paralela requalificação da Área Central tenha entrado em pauta, vale salientar que
poucas ideias foram executadas na prática. O mercado fundiário passava por boom
imobiliário na Barra da Tijuca, dentre outras razões, pela criação de vias que
aumentavam a acessibilidade para este novo subcentro, como a inauguração da Linha
Amarela (em 24 de novembro 1997). Aliado a isso, a década de noventa trouxe
expressiva expansão demográfica na Barra da Tijuca, tal qual a criação de novos
empreendimentos residenciais e de serviços.
Dentre os complexos de salas comerciais e de escritórios, destacamos o
lançamento do Downtown, em 1995, com dois terços de suas quase 1500 unidades
vendidas na semana do lançamento, além da anexação de centros de serviços e
escritórios ao complexo Barrashopping. Como exemplo de empreendimento
residencial, pode-se citar o Rio 2, lançado em novembro de 1994, que vendeu 1.200
unidades em duas semanas (RABHA, 2006).
Finalizando a exposição sobre o período T1, é necessário frisar que houve
substancial modificação na maneira como se concebe a (re) produção da cidade segundo
a ótica político-administrativa municipal. Antes da “era César Maia” a lógica esteve
sendo guiada pela formação de novos sub-centros, já com sua eleição, em 1993, passa-
se a se propor a produção citadina a partir do discurso de resgate à Área Central.
Embora não tenha havido grandes impactos no momento inicial sobre o mercado
fundiário da área de estudo, este modo de pensar a cidade ganhou forma no Plano
Estratégico de 1996 e passou a guiar importantes e graduais modificações espaciais na
Zona Portuária, até a consecução, em 2009, da OUC Porto Maravilha.

56
2.2.2 Das tentativas frustradas de reestruturação da Zona Portuária ao Porto
Maravilha (T2): de 1996 até 2009

A estrutura espacial da Zona Portuária do Rio de Janeiro teve como primeiro


marco de alteração o ano de 1996, quando a administração municipal, apoiada no
discurso da necessidade de superação da crise urbana, engajou-se na adoção de um
modelo de planejamento urbano baseado no empreendedorismo e oficializado com a
criação do primeiro Plano Estratégico do Rio de Janeiro.
Inspirado na reestruturação de Barcelona para as Olimpíadas de 199240, este
formalizou o empreendedorismo como orientação para a administração pública do
município. Considera-se a elaboração do primeiro plano estratégico um marco que
consagrou a alteração dos padrões de produção do espaço da área de estudo,
representando, novamente, atração de grandes capitais e tornando-se foco de políticas
públicas.
Após a primeira etapa do processo de elaboração do Plano Estratégico I – Rio
Sempre Rio, “foi posto em prática uma série de estudos e levantamentos de dados e de
informações com o objetivo de identificar tendências e apontar os pontos fortes e fracos
no setor econômico, político e social da metrópole carioca” (MACHADO, 2004, p. 81
e 82), que resultou na segunda etapa denominada ‘Diagnóstico da Cidade do Rio de
Janeiro’, que avaliou o grau de competitividade do Rio de Janeiro e a sua inserção no
contexto nacional e internacional.
Conforme a análise elaborada por Harvey (2005), abrem-se possibilidades de
encontrar particularidades entre casos predecessores de empreendedorismo em cidades
estadunidenses41 e o sugerido pelo Plano Estratégico de 1996 para o município do Rio
de Janeiro, materializado através do Porto Maravilha, em 2009. Ao iniciar sua
discussão, David Harvey (2005) considera que houve ruptura no modelo de gestão
urbana em países de capitalismo avançado. A abordagem de governança urbana
“administrativa”, tão característica da década de 1960, cedeu terreno para emergentes
formas de ação “empreendedoras” nas décadas de 1970 e 1980. Essa transformação na
governança urbana chega a países de capitalismo tardio, caso do Brasil, e de modo

40
Como ilustração à assertiva, tem-se o fato do então prefeito César Maia – sob indicação de Luiz Paulo
Conde – ter contratado a empresa catalã Tecnologies Urbanas Barcelona S.A.– TUBSA, liderada por
Oriól Bohigas e Jordi Borja para elaborar o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro – ‘Rio Sempre
Rio’, de 1996.
41
David Harvey (2005) fundamentou suas amplas assertivas e formulações teóricas sobre essa forma de
gestão urbana a partir, principalmente, de estudo de caso tendo como objeto analítico a cidade de
Baltimore. Para maiores informações, consultar o capítulo VI da obra Produção Capitalista do Espaço.

57
específico o Rio de Janeiro, na década de 1990.
Há um consenso na literatura especializada de que o quadro de gradual
modificação na governança urbana no capitalismo avançado (do administrativismo ao
empreendedorismo) tem relação com as dificuldades enfrentadas pelas economias
capitalistas a partir da recessão de 1973. A respeito disso, David Harvey (2005) defende
que uma solução temporária para esse problema é a mudança do fluxo de capital de um
circuito de acumulação42 para outro. No caso específico da crise de 1973, a resposta
dada por atores políticos, planejadores e empresários (unidos por parcerias público-
privadas) foi a de se investir de modo pesado no circuito secundário de acumulação, ou
seja, na produção do ambiente construído.
O empreendedorismo urbano tem como principal elemento a noção de parceria
público-privada. Vale destacar que tais parcerias entre poder público e iniciativa privada
configuram-se como atividades, de fato, empreendedoras. Isso ocorre porque na busca
por otimização dos lucros, este modelo de gestão urbana prioriza a reestruturação de
ambientes construídos desvalorizados economicamente – via de regra as Áreas Centrais
–. Em outros termos, a lucratividade destas operações é majoritariamente especulativa.
Souza (2003 b) contribui com a discussão ao defender que os planejamentos
estratégicos são tentativas de transposição do corporate strategic planning, surgido no
meio empresarial, para o planejamento urbano. Sobre o plano estratégico do Rio de
Janeiro, especificamente, o geógrafo defende que:

[...] o documento constitui-se em uma peça de city marketing, destinada a


vender uma imagem favorável do município [...] A decisão de preparar plano
foi selada com a assinatura de um acordo de cooperação em dezembro de
1993 entre a Prefeitura, a Associação Comercial do Rio de Janeiro/ACRJ e a
Federação das Indústrias do Rio de Janeiro/FIRJAN. Ademais, é sintomático
que, dos 305 membros do Conselho da Cidade, cuja função seria a de
supervisionar a implementação do plano e o qual reúne instituições e algumas
personalidades individuais, a esmagadora maioria seja formada por empresas
e órgãos da administração municipal [...] com exceção de algumas poucas
entidades (FAMERJ, FAFERJ e uma ou outra ONG), a sociedade civil
organizada não vinculada ao setor empresarial acha-se ausente (SOUZA,
2003 b, p. 138).

42
D. Harvey identifica três circuitos distintos de acumulação de capital. Circuito primário, que se refere
à organização do próprio processo produtivo; Circuito secundário, que implica investimento no
ambiente construído; Circuito terciário, que diz respeito ao investimento em ciência e tecnologia e em
elevada gama de despesas sociais relacionadas.

58
No ano de 2001, com a segunda eleição de César Maia à prefeitura do Rio de
Janeiro (2001-2004) o objetivo de reestruturação da Zona Portuária volta a ganhar
destaque na administração municipal. Este projeto esteve relacionado às preparações
para os Jogos Panamericanos de 2007. Já havia interesse, por exemplo, em instalar um
museu futurista no Píer Mauá – o Museu Guggenheim – como parte integrante da
“revitalização” da área Portuária.
De acordo com Ribeiro (2009), as duas principais justificativas oficiais para a
construção do Museu Guggenheim43 se referem à “democratização” da cultura na
cidade e à confiança na capacidade desse empreendimento de grife internacional servir
de catalisador ao desenvolvimento econômico da Zona Portuária e de estímulo à
elaboração de outros projetos arquitetônicos e urbanos voltados à cultura, à alta
tecnologia, à habitação, ao esporte, ao turismo e, ainda, auxiliar na integração dessa área
à dinâmica do núcleo central de negócios.
Segundo Rabha (2006), passados cinco anos da formulação do projeto de
“revitalização” da Zona Portuária e do início das negociações entre as esferas municipal
e federal, maior proprietária de terras na área, o ambicioso plano de reestruturação
urbana tornou-se algo pontual. As únicas realizações aconteceram no imóvel comprado
pela Prefeitura para construção da Cidade do Samba (finalizada em 2005) e para a
implantação da Vila Olímpica da Gamboa (finalizada em 2004). As Figuras 3 e 4
apresentam o terreno em agosto de 2000 e o mesmo em 2005, já com as pontuais obras
concluídas.

43
O projeto da construção do Museu Guggenheim não se concretizou, dentre outras razões, pela
necessidade de elevadíssimo investimento de US$ 2,8 milhões de dólares, em sua totalidade dinheiro
público, apenas no projeto inicial.

59
Figura 3: Áreas utilizadas para construções pontuais na Zona Portuária na “era César Maia”. Fase
anterior às obras (figura datada de 2000)

Fonte: Google Earth, 2016. Organização própria.

Figura 4: Áreas utilizadas para construções pontuais na Zona Portuária na “era César Maia”. Obras
finalizadas (figura datada de 2005).

Fonte: Google Earth, 2016. Organização própria.

60
Os ambiciosos planos da administração César Maia de reestruturar
espacialmente a Zona Portuária, visando ao atendimento das demandas do Plano
Estratégico de 1996, e também em virtude dos Jogos Panamericanos de 2007,
configuraram-se, na prática, em poucas e pontuais modificações no substrato material
da localidade. A falta de articulação entre as esferas de administração pública
(municipal, estadual e federal) figura como principal razão para a não concretização do
projeto pelo então prefeito. Apenas em 2009, com a ascensão de Eduardo Paes (PMDB)
à prefeitura do Rio de Janeiro, com discurso de união entre as três esferas de poder da
administração pública, a “revitalização” da localidade saiu do papel.
Smith (1996) e Souza (2011) tecem críticas a respeito da utilização do termo
“revitalização” em operações de renovação urbana. De acordo com suas análises,
linguagens como “revitalização” adotam como pressuposto que a localidade (antes da
gentrificação) não possuía vida, vulgarizando as populações pobres preexistentes e
associando “vivacidade” de uma localidade à existência de atividades econômicas de
elevado status e presença de residências para as camadas populacionais mais abastadas.
De acordo com Teixeira (2009) e Ferreira (2013), uma das principais razões para
a consecução do projeto ter saído do papel, mais de uma década após o planejamento ter
sido elaborado, no ano de 2009, foi a coligação político-partidária entre as esferas de
administração pública44 municipal, estadual e federal, além do apoio de vários setores
da iniciativa privada. Com intenção de expor a futuros investidores a relação harmônica
entre Município, Estado e União, estiveram presentes no lançamento das obras do Porto
Maravilha, no Píer Mauá, Eduardo Paes, Sérgio Cabral e Luiz Inácio Lula da Silva.
Dava-se início à OUC Porto Maravilha.

44
Representadas por Eduardo Paes (então prefeito do Rio de Janeiro, PMDB), Sérgio Cabral (então
governador do Rio de Janeiro, PMDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (então presidente da República, PT).

61
Foto 5: Lançamento das obras do Porto Maravilha, 2009.

Fonte: Gazeta do Povo / Acesso: novembro de 2016.


Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/economia/para-lula-dar-dinheiro-a-pobres-da-
mais-resultado-bmquaumivvaeiiah29trjaqfi

O ano de 2009 marcou o início das obras do Porto Maravilha, e ainda, a


emergência do ideário político marcado pela criação de consensos45 no cenário político
e econômico do Rio de Janeiro. Isso permitiu a execução de projetos que já haviam sido
pensados há décadas, mas que, devido à pouca articulação partidária entre as diferentes
esferas políticas e a iniciativa privada, não eram executadas.

45
Fato este materializado pela supercoligação partidária intitulada “Somos um Rio”, que em muito
influenciou na reeleição do prefeito Eduardo Paes (PMDB), além de ilustrar a importância da criação de
consensos para o projeto de cidade fundamentado no plano estratégico. Vainer (2012), afirma, sobre isso,
que o plano estratégico depende de que a cidade esteja unificada, toda, sem brechas, em torno do projeto.

62
3. GENTRIFICAÇÃO NA ZONA PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO

O dilema é claro para a população local [em nossa área de estudo]: o


esquecimento do setor público amplia a deteriorização e melhoria da
infraestrutura substitui o conteúdo social original. [...] A área não quer ser
mais o “quintal da cidade”, mas também não deseja ser transformada numa
“ante-sala pomposa”, porque só será possível com a expulsão da população
local (RABHA, 1984, p. 183) (grifos nossos).

O estudo sobre o processo de gentrificação na área de estudo é perpassado pela


seguinte indagação: Será que as pessoas de elevado poder aquisitivo e situadas nas
classes média e alta vão aderir ao ideário de “porto maravilha” e trocar suas
residências, via de regra em áreas nobres da cidade, pela Zona Portuária? Esse
questionamento é importante, pois o conceito de gentrificação diz respeito à mudança
no perfil socioeconômico de frequentadores e moradores da área impactada, associada à
crescente especulação imobiliária e à ampliação do preço da terra.
A indagação levantada também representa preocupação de parcela da classe
política carioca interessada na operacionalização do Porto Maravilha. Em transcrição
oficial da Audiência Pública da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e
Comércio, Nº 1304/1146, realizada na Câmara dos Deputados, em 31 de agosto de 2011,
o então deputado Alfredo Sirkis (PSB/RJ) afirmou que

[...] nós temos de garantir que a classe média do Rio de Janeiro aceite a área
[Zona Portuária] como um lugar susceptível de morar. E isso é muito difícil
porque existe todo um histórico no imaginário da classe média carioca, um
imaginário anterior em relação à área portuária: uma área industrial, não
residencial, uma área de porto, uma área suja, uma área degradada, uma área
pobre, uma área que não é de natureza a atrair uma pessoa de classe
média (Alfredo Sirkis, p. 30) (grifos nossos).

Com relação aos moradores da área, embora existam exceções, o perfil


socioeconômico predominante pertence ao precariado urbano. Marcelo Neri, em
reportagem publicada no site O Globo47, afirma que 18,2% dos residentes da Zona
Portuária vivem com até R$206,00 de renda domiciliar per capita, segundo dados

46
Disponível em
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:7bG7gYYEVu4J:www2.camara.leg.br/atividade
-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdeic/apresentacoes-e-arquivos-audiencias-e-
seminarios/notas-taquigraficas-cdeic-2013/rio-de-janeiro-porto-maravilha/view+&cd=1&hl=pt-
BR&ct=clnk&gl=br
47
Para maiores informações, acessar: http://oglobo.globo.com/economia/pobreza-cronica-zona-portuaria-
tem-182-dos-moradores-vivendo-com-ate-206-20175516. Acesso em outubro de 2016.

63
obtidos no Censo de 2010 pelo IBGE. A Tabela 1 apresenta de modo detalhado a
relação entre número de domicílios e os rendimentos nominais mensais per capita
correspondentes.

Tabela 1: Domicílios particulares permanentes¹ por classes de rendimento nominal mensal


domiciliar per capita, segundo a Região Administrativa “I Portuária” e os bairros a ela
correspondentes:

Região Total4 Sem


Salário mínimo2
rendimento3
Administrativa e
Mais Mais Mais Mais Mais
bairros
Até de ¼ a de ½ a Mais de de 2 a de 3 de 5 Mais
Até 1/8 ¼ ½ 1 1a2 3 a5 a 10 de 10
I Portuária 15 667 1 048 104 813 2 764 5 607 3 817 929 495 170 22
Caju 6 481 535 33 376 1 354 2 411 1 367 270 120 43 5
Gamboa 4 170 292 45 267 715 1 403 1 001 275 160 54 3
Santo Cristo 4 070 182 24 141 594 1 441 1 183 313 159 47 9
Saúde 946 39 2 29 101 352 266 71 56 26 5

FONTE: Adaptado de IBGE – Censo demográfico 2010

NOTAS:

(1) É o domicílio que foi construído a fim de servir exclusivamente para habitação e, na data de referência,
tinha a finalidade de servir de moradia a uma ou mais pessoas.
(2) Salário mínimo utilizado: R$ 510,00.
(3) A categoria Sem rendimento inclui as pessoas com rendimento domiciliar per capita nominal mensal
somente em benefícios.
(4) A categoria Total inclui os domicílios particulares permanentes sem declaração de rendimento nominal
domiciliar per capita.
(5) O bairro do Caju encontra-se em vermelho porque, embora faça parte da Região Administrativa
selecionada, não figura como objeto de análise neste estudo.

Antes de desenvolver a leitura dos dados presentes na tabela acima, vale


explicitar que como eles datam de 2010, análises feitas a partir deles não incorporam os
efeitos do processo de reestruturação da Zona Portuária sobre a população local.
Todavia, os números expressos auxiliam na identificação do padrão de renda dos
moradores da área. Como novos empreendimentos residenciais (voltados para classe
média) ainda não se materializaram no espaço, acredita-se que o padrão existente em
2010 possa ser um importante parâmetro para a compreensão do atual perfil dos
moradores na Zona Portuária do Rio de Janeiro.
Ao comparar os padrões de renda dos moradores da Gamboa, da Saúde e do
Santo Cristo, é possível visualizar situações, que se podem julgar interessantes.
Proporcionalmente, por exemplo, a Gamboa é o bairro que possui mais residentes com
até um salário de rendimento nominal mensal per capita. Dos 4.170 domicílios

64
documentados, 2.722 encontram-se nesta situação. Em outros termos, 65% dos
domicílios situados na Gamboa comportam pessoas com rendimento per capita mensal
de até R$ 510,00. O gráfico a seguir detalha, de modo percentual, o número de
domicílios que comportam pessoas de diferentes faixas de renda mensal per capita no
referido bairro. Em números absolutos, 2.722 residências comportam moradores com
renda mensal per capita de 1 salário mínimo, 1.436 residências comportam pessoas com
renda per capita entre 1 e 5 salários mínimos e 57 comportam pessoas com renda per
capita acima de 5 salários mínimos48.

Gráfico 1: Gamboa - percentual de domicílios por


faixas de renda mensal per capita, 2010.

1%

Até 1 salário mínimo


34%
Entre 1 e 5 salários mínimos

Acima de 5 salários mínimos


65%

FONTE: Adaptado de IBGE - Censo demográfico 2010

No que diz respeito às características econômicas dos residentes de Santo Cristo,


vê-se que o padrão de pobreza se mantém constante. De acordo com os números
levantados pelo Censo de 2010 do IBGE, do total de 4.070 domicílios, quinhentos e
noventa e quatro abrigavam residentes com renda mensal per capita variando entre R$
127,50 e R$ 255,00. O elevado número relatado contrasta com o pequeno quantitativo
de residências com renda mensal per capita acima de R$ 5.100,00  nove domicílios.
Com relação ao Gráfico 2, os números absolutos de residências por faixa de renda
percentual são 2.382, 1.655 e 56, respectivamente.

48
O salário mínimo de 2010, de acordo com a Lei 12.255/2010, valia R$510,00.

65
Gráfico 2: Santo Cristo - percentual de domicílios
por faixas de renda mensal per capita, 2010.
1%

Até 1 salário mínimo

41% Entre 1 e 5 salários mínimos

Acima de 5 salários mínimos


58%

FONTE: Adaptado de IBGE - Censo demográfico 2010

A respeito da Saúde, há contrastes e semelhanças com Gamboa e Santo Cristo.


Como principal diferença, destaca-se o total de domicílios existentes naquele bairro:
946. Este número é considerado baixo se comparado aos 4.170 na Gamboa e aos 4.070
existentes em Santo Cristo. Dentre as semelhanças, observa-se que o padrão de renda
dos residentes da Saúde é baixo e o intervalo de renda nominal per capita que mais
aparece situa-se entre R$ 255,00 e R$ 510,00. Com relação ao Gráfico 3, o número
absoluto de residências por faixa de renda percentual são de 523, 393 e 31,
respectivamente.

Gráfico 3: Saúde - percentual de domicílios por


faixas de renda mensal per capita, 2010.
3%

Até 1 salário mínimo

42% Entre 1 e 5 salários mínimos


55%
Acima de 5 salários mínimos

FONTE: Adaptado de IBGE - Censo demográfico 2010

66
A mensuração da pobreza, na área de análise, também pode ser aferida no que se
refere ao enquadramento das residências por faixa de rendimento nominal domiciliar no
Programa Federal Minha Casa Minha Vida (MCMV). 67,3% dos domicílios na
localidade, por exemplo, estão em situação de enquadramento na Faixa 1 (renda de até
R$ 1.600,00), enquanto 23,1% se enquadram na Faixa 2 (R$1.600,01 até R$3.275,00) e,
6,3%, na Faixa 3 (R$3.275,01 e R$5.000,00)49.
Como foi constatado, segundo análise dos dados obtidos através do Censo de
2010, IBGE, o conteúdo social predominante nos bairros destacados em nossa pesquisa
configura-se como de baixa renda. Nesse sentido, as intenções dos planejadores da OUC
Porto Maravilha – atração de moradores pertencentes à classe média e otimização da
capitação de renda pela terra urbana da localidade, usando-se como ferramenta a
especulação imobiliária – tornam-se temerárias.
Complementando o exercício de dar maior visibilidade às características sociais
e econômicas dos residentes na área de estudo, evocamos um estudo publicado em 2016
e feito em parceria entre o INCT50 Observatório das Metrópoles e a Central de
Movimentos Populares (CMP). O projeto é intitulado Prata Preta e seus objetivos são o
de demonstrar que ainda há muitos cortiços na Zona portuária e o de chamar a atenção
para a necessidade de se efetivarem políticas habitacionais sérias na localidade,
levando-se em conta esta forma de moradia – ignorada no diagnóstico habitacional da
AEIU do Porto Maravilha, além de ausente nas propostas do Plano de Habitação de
Interesse Social da Área Portuária. Provavelmente esse desprezo se relaciona ao fato de
os cortiços não serem reconhecidos e legalizados pela Prefeitura, o que reforça seu
funcionamento informal e sua invisibilidade administrativa. Como resultados, foram
encontrados 54 cortiços na Zona Portuária, distribuídos nos bairros Santo Cristo,
Gamboa e Saúde, englobando aproximadamente 712 quartos onde habitam cerca de
1.120 pessoas.
Paralelo às obras de “revitalização”, o preço médio do metro quadrado da Zona
Portuária, em 2016, esteve próximo de R$12 mil51. Isso acarreta sérias contradições
sociais, uma vez que os moradores da área, em sua maioria, figuram no intervalo de
renda entre ½ e 1 salário mínimo. Parcela dessas pessoas não tem renda mensal

49
Os valores indicados são referentes ao ano de 2010.
50
A sigla significa “Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia”.
51
Informação cedida pelo presidente da corretora Patrimóvel, Rubem Vasconcelos, em reportagem
publicada no site oficial do jornal O Globo, em 11 de agosto de 2016. Para maiores detalhes, acessar em:
http://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/porto-do-rio-movimenta-economia.html. Acesso em 13
de agosto de 2016.

67
suficiente para arcar com o aumento da cobrança de tributos associados – direta ou
indiretamente – à OUC Porto Maravilha, como, por exemplo, a alta taxa referente aos
valores dos aluguéis residenciais. Há, ainda, pessoas que estão enfrentando remoções
compulsórias empreendidas pelo aparelho do Estado, com intencionalidade de
desapropriar terrenos que voltaram a figurar como economicamente viáveis. Em outros
termos, a Zona Portuária do Rio de Janeiro está sendo gentrificada.
Apesar da situação supramencionada, é importante salientar que embora a Zona
Portuária seja predominantemente um espaço vinculado aos pobres urbanos do Rio de
Janeiro, observa-se grande complexidade e contradições em seu conteúdo social52, pois,
ao mesmo tempo em que há pessoas impactadas de modo negativo com a
“revitalização” da área, há aquelas que se beneficiam dela. Em razão, por exemplo, da
extensa agenda de eventos (principalmente na “Nova” Praça Mauá e no Boulevard
Olímpico) que a localidade passou a receber, abriram-se oportunidades para pequenos
empreendedores locais (Foto 6). Esse novo cenário está intimamente relacionado à OUC
Porto Maravilha, e muitos dos eventos lá ocorridos são patrocinados pela Prefeitura do
Rio de Janeiro. Muitos dos trabalhadores que ficam nas barracas de comida e de
artesanato são da área, em particular do Morro da Providência, e eles são extremamente
favoráveis às transformações espaciais em andamento. Os discursos apresentados pelos
moradores da área com relação ao projeto não seguem um pensamento único, havendo
pessoas descontentes e também as satisfeitas com ele.
Outro argumento favorável ao Porto Maravilha diz respeito aos baixos preços
dos ingressos relativos à entrada nos novos museus53 localizados na Praça Mauá: Museu
MAR e Museu do Amanhã. Em ambos, a inteira custa R$20,00 e, a meia-entrada,
R$10,00, sendo que, às terças-feiras, a entrada para o Museu MAR é gratuita, além de
existir o bilhete único dos museus destinado àqueles que desejam ir em ambos. Neste
último caso, o ingresso (Museu MAR + Museu do Amanhã) custa R$32,00, se for
inteira, e a meia-entrada custa a metade deste valor. Realizam-se também eventos de
entrada franca nos Armazéns já refuncionalizados. Apesar de concordarmos que hajam
benesses atreladas ao Porto Maravilha, isso não exclui a necessidade de analisá-lo
criticamente em razão das pressões imobiliárias a ele relacionadas e pelas remoções de

52
Um exemplo da heterogeneidade social da localidade se percebe pela comparação entre o perfil
socioeconômico dos moradores do Morro da Conceição e do Morro da Providência, respectivamente
localizados na Saúde e na Gamboa.
53
A consulta dos preços foi feita junto aos sites: https://ingressos.museudoamanha.org.br/#!/home e
http://www.museudeartedorio.org.br/pt-br/visite/horarios-e-ingressos.

68
ocupações de sem-teto, moradores em situação de rua (Praça Mauá, Av. Rodrigues
Alves e conjunto da Saúde) e de moradores das favelas do Pinto e da Providência.

Foto 6: Pequenas empreendedoras locais vendendo alimentos num evento patrocinado pela Prefeitura do
Rio de Janeiro e pela Concessionária Porto Novo na “Nova” Praça Mauá

Fonte: Trabalho de campo, 2016.


Autoria própria.

Neil Smith (1996, 2001, 2002, 2006) auxilia no aprofundamento teórico sobre os
impactos provocados pela execução de projetos de “regeneração” urbana sobre os
residentes mais pobres das áreas contempladas tendo como recorte de seus estudos, de
modo geral, cidades dos Estados Unidos. Na visão do autor, esses empreendimentos
sustentam a promoção ideológica da gentrificação e alimentam equívocos no que diz
respeito às supostas intenções iniciais de reabilitação habitacional e integração (a maior
segurança e oferta de serviços) da população de menor estrato socioeconômico já
residente nos bairros alvos da intervenção.

69
Delimitar teórica e espacialmente o processo de gentrificação é um exercício
fundamental. Isso se justifica pelo fato de, em muitos estudos, o uso desse conceito
ocorrer de modo indiscriminado para fazer referência a qualquer experiência de
transformação intraurbana de caráter socialmente excludente, ofuscando suas
especificidades e podendo provocar seu esvaziamento como categoria de análise. Zukin
(1987), por exemplo, chegou a qualificar o conceito de gentrificação como “caótico” em
virtude da pluralidade de sentidos com que veio a ser empregado.
Cunhado por Ruth Glass (1964), o conceito de gentrificação diz respeito ao
fenômeno de modificação no perfil socioeconômico54 das pessoas residentes em espaços
que passam por processos de reestruturação urbana e que outrora eram estigmatizados.
Através do reinvestimento nessas localidades, visa-se, em última análise, a ampliar a
circulação de capitais nos bairros impactados, mesmo que a elevados custos sociais.
Os bairros que podem ser gentrificados localizam-se nas áreas centrais das
cidades, como é o caso da área de estudo, e isso possui uma razão. Estas localidades,
embora geralmente sejam estigmatizadas como insalubres, violentas e feias – devido a
décadas de falta de investimentos tanto por parte do setor público quanto do privado –
possuem potencial de retorno econômico muito alto, por estarem no entorno imediato
dos CBD e, portanto, se beneficiarem de forte centralidade que inclui concentração de
escritórios, bancos, comércio, serviços e convergência de meios de transporte e vias de
circulação. A maneira encontrada para explorar esse potencial nos bairros em estudo foi
a reestruturação empreendida pela OUC Porto Maravilha.
Smith (1996) define preliminarmente a gentrificação como sendo consequência
da entrada de capitais públicos e privados e de moradores de classes média e alta em
bairros populares, localizados em antigos centros que passaram por períodos
prolongados de carência de investimentos. Esse movimento do capital seria guiado
fundamentalmente pelo que o autor, influenciado por Harvey (1973), chama de
diferencial de renda. Junto com os investimentos, essas localidades passam a receber os
públicos nos quais a abandonaram em virtude de sua alegada “degradação”. O retorno
do capital e dos segmentos sociais de maior poder aquisitivo aos bairros alocados na
área central, por sua vez, resulta numa paulatina substituição de parcela de seus antigos
moradores que dificilmente conseguem resistir às pressões decorrentes das mudanças a
que essas localidades são submetidas no bojo de seu enobrecimento.

54
Apropriação espacial de pessoas de classe média em detrimento da saída de pessoas pouco abastadas.

70
Para Neil Smith (1996 e 2002), a gentrificação é um processo de reestruturação
urbana e de luta de classes, um produto social de um modo específico de produção
marcado pela reestruturação econômica que é característica do capitalismo tardio e do
avançado, particularmente condicionado por um regime de acumulação de capital mais
flexível.
A gestão político-partidária do Rio de Janeiro, comandada pelo então prefeito
Eduardo Paes (PMDB), dialogava com o modelo de governança urbana denominado por
Harvey (1989) como empreendedorismo55. Esta modalidade de gerenciamento não visa
a atender às demandas do “bem comum”, mas sim, a atender às necessidades de grupos
hegemônicos atuantes no capital imobiliário e em setores empresariais. Os governos
locais precisam de discursos que legitimem esse modelo de gestão perante a população.
De acordo com Smith (1996, 2001, 2002, 2006), a principal justificativa para a
promoção da gentrificação é a modernização e a regeneração – multissetorial – urbana.
No caso específico da Zona Portuária, o discurso que legitima a operação consorciada é
que, ao final, todos os envolvidos serão beneficiados. O governo conseguirá
"revitalizar" uma área degradada sem gastar seus recursos graças às parcerias público-
privadas; os moradores dos bairros afetados passarão a viver em lugares mais seguros e
com mais opções de atividades e serviços; os investidores do mercado imobiliário,
embora gastem cifras elevadas num primeiro momento, terão garantia de retornos
financeiros graças ao aumento do potencial construtivo e ainda pela valorização
especulativa da terra.
O sucesso comercial do Porto Maravilha, em última instância, impede que
parcela dos moradores56 de baixa renda permaneça na área requalificada. Embora a
prefeitura do Rio de Janeiro tenha demonstrado em seu discurso oficial preocupações
com a criação de residências para pessoas pouco abastadas, apenas 68 unidades
habitacionais sociais foram licenciadas até o fim de 2016, com construções em atraso57,
indicando que o aumento da população esperada pelas autoridades (das atuais 28 mil
para aproximadamente 100 mil pessoas) deve estruturar-se sob a mudança no perfil

55
Esse tipo de governança urbana necessita da criação de parcerias público-privadas e prega o
desenvolvimento econômico local e a competição intraurbana para atrair cada vez mais investimentos.
56
Em razão da elevação no preço dos aluguéis residenciais e, também, pelos decretos de desapropriação
executados, entre os anos de 2009 e 2012, tendo como foco principal de atuação a favela do Morro da
Providência e as já extintas ocupações de sem-teto.
57
Destas, apenas um conjunto, na Rua Nabuco de Freitas, foi entregue.

71
socioeconômico da população local58.
Apesar do prognóstico de modificação no perfil socioeconômico dos moradores
da área estudada, não há nenhum empreendimento residencial59 atrelado à iniciativa
privada em construção na área de estudo, contrariando interesses de atores atrelados ao
mercado imobiliário, a saber, o CDURP, a Prefeitura do Rio de Janeiro e o Consórcio
Porto Novo. Até o momento, o único já licenciado, mas com as obras paralisadas, é o
suntuoso “Porto Vida” Residencial. A respeito desse quadro, o presidente da ADEMI-
RJ, João Paulo Matos, acredita que possa demorar um pouco para se modificar. De
acordo com ele, em reportagem publicada no Jornal O Globo60, “É difícil definir quando
haverá ocupação residencial, pois com esse cenário econômico, alguns lançamentos
serão postergados [caso do “Porto Vida”]. Acredito que em 2018 ou 2019 ela será mais
significativa” (O Globo, 2015) (grifos nossos).
Em entrevista não estruturada realizada em 04 de Julho de 2016, por telefone, o
corretor da Odebrecht, Ricardo Gubna, relatou que dentre as razões que justificam a não
operacionalização de novos empreendimentos residenciais, na AEIU da OUC Porto
Maravilha, destacam-se o elevadíssimo preço do metro quadrado e, ainda, a perda de
capacidade de competir, por parte dos investidores do mercado residencial junto a
grandes empresas e a outros serviços com maior capacidade financeira. De acordo com
o corretor, no ano de 2015, o preço médio do metro quadrado na área estava em torno
de 9.000 reais.

58
Há de se destacar, no entanto, que o Plano de Habitação de Interesse Social prevê, para a área, a
construção de pelo menos dez mil unidades nesse segmento da Zona Portuária num prazo de dez anos.
59
Para maiores informações sobre a atual dinâmica imobiliária da Zona Portuária do Rio de Janeiro, no
que diz respeito ao uso residencial, consultar o estudo que está sendo executado pela geógrafa Lívia
Maria de Souza Magalhães, junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRJ.
60
Edição publicada em 8 de novembro de 2015. Caderno Morar Bem, página 01.

72
Figura 5: Site oficial do empreendimento “Porto Vida” Residencial (já fora de ar)

Fonte: Site http://www.portovida-residencial.com/ (Acesso: 02/07/2016).

Embora o mercado residencial para prédios novos esteja (ainda) desacelerado, o


padrão não se repete para o caso de sobrados e de apartamentos antigos. Só a
Imobiliária Sérgio Castro Imóveis, que abriu uma filial na localidade em 2009, vendeu,
até abril de 2012, cento e vinte e sete sobrados usados; alguns, para investidores e

73
outros, para futuros moradores. De acordo com Sérgio Castro61, os preços na Zona
Portuária estão subindo a cada ano. Em 2009, por exemplo, os sobrados eram vendidos
por preços que variavam de 160 mil a 180 mil reais. Em 2011, as vendas médias
variaram entre 350 mil e 400 mil reais. E, em 2012, houve vendas com o preço de 730
mil reais. Os sobrados mencionados por Sérgio Castro na reportagem têm, em média,
cerca de 400 metros quadrados nos dois pavimentos. Com relação aos apartamentos
antigos, Sérgio Castro disse que também valorizaram muito. Segundo ele, apartamentos
que eram vendidos por 140 mil reais em 2009, passaram a ser vendidos por 300 mil
reais em 2011.
A retratada dinâmica de hipervalorização imobiliária está se tornando perversa
com moradores não proprietários da localidade, ou seja, os inquilinos. Os preços dos
aluguéis, na área de estudo, estão em curva ascendente, impulsionados pela valorização
fundiária da localidade. Uma moradora da Gamboa, em entrevista não-estruturada62,
realizada em 12 de outubro de 2016, relatou que:

O aluguel lá de casa aumentou de 450 reais para 1.050 reais [entre 2011 e
2016]. Temos esperança de que as obras do porto vão pra frente, nossa área
tá voltando a ser respeitada pelas pessoas. Pra quem é dono, é ótimo, mas
pra quem não é, o aluguel tá ficando mais complicado de pagar (Entrevista
de campo / Moradora da Rua do Livramento / 12 de Outubro de 2016) (grifos
nossos).

A assertiva ganha maior sustentação através da leitura do “DIAGNÓSTICO


PARA O PLANO DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL / PHIS DO PORTO
DO RIO63”, publicado em abril de 2016, pelo Instituto Pereira Passos, quando o
documento afirma que locatários de domicílios alugados cuja renda domiciliar mensal
fosse de até R$ 1.600,00 (equivalente, em 2010, a Faixa 1 do MCMV), na Zona
Portuária, estariam mais vulneráveis à possível elevação dos preços de aluguel em
função da valorização imobiliária da área (p. 75). Em números absolutos, segundo o
documento, o bairro Saúde possui 239 domicílios nesta situação, enquanto Gamboa tem
963 e Santo Cristo, 844.

61
Em entrevista publicada pelo Jornal O Globo no dia 08 de abril de 2012, no Caderno “Morar Bem”.
62
As entrevistas não estruturadas junto aos moradores foram operacionalizadas de modo informal e em
conversas que duravam entre cinco e dez minutos. O principal objetivo em realizá-las era observar as
opiniões dos residentes da área estudada sobre o Porto Maravilha, perguntando-lhes quais pontos
positivos e negativos eles identificavam. Destaca-se, ainda, que a realização delas ocorreu entre os meses
de outubro e novembro de 2016 e que a entrevista destacada no corpo do texto foi cedida por moradora da
Rua do Livramento (Gamboa) durante a tarde de uma quarta feira, no dia 12 de outubro de 2016.
63
Documento disponível em:
http://www.portomaravilha.com.br/conteudo/outros/Diagnostico_PHIS%20Porto%20rev%20abr2016.pdf

74
Gráfico 4: Bairros de estudo - Número absoluto de domicílios
alugados com renda familiar total de até 1.600 reais, 2016.
1200

1000

800

600

400

200

0
Saúde Gamboa Santo Cristo

FONTE: Instituto Pereira Passos, 2016.

Documento disponível em:


http://www.portomaravilha.com.br/conteudo/outros/Diagnostico_PHIS%20Porto%20rev%20
abr2016.pdf

A pressão relativa ao deslocamento residencial dos mais pobres, na Zona


Portuária do Rio de Janeiro, não acontece apenas nos casos em que as pessoas não
conseguem arcar com os ônus tributários decorrentes das obras de reestruturação local.
Há casos de remoções compulsórias e de desapropriações. Os grupos mais impactados
são moradores do Morro da Providência e da Pedra Lisa (áreas favelizadas) e moradores
de ocupações para sem-teto. Através de entrevistas não estruturadas com moradores da
Rua do Livramento, constatou-se que parcela dos moradores em situação de rua que
estão presentes na Rua Pedro Ernesto (altura da Cidade do Samba) são ex-moradores de
tais ocupações.
Uma questão que perpassa o campo de disputa teórica em torno do conceito de
gentrificação é a de se identificar pontos de vista que defendem efeitos positivos e
negativos da mudança espacial relativa a esse fenômeno. Neil Smith (1996) elabora uma
questão que representa bem esse embate teórico:

As new frontier, the gentrifying city since the 1980´s has been oozing with
optimism. Hostile landscapes are regererated, cleansed, reinfused, with
middle-class sensibility; real estate values soar; yuppies consume; elite
gentility is democratized in mass-produced styles of distinction. So what´s
not to like? (SMITH, 1996, p. 13)64.

64
Livre tradução: Como nova fronteira, a cidade gentrificada desde os anos 1980 vem jorrando
otimismo. Paisagens hostis são regeneradas, purificadas, reinfundidas, com a sensibilidade da classe

75
Dentre os muitos teóricos que vislumbram a gentrificação de maneira negativa,
os principais argumentos são a expulsão de moradores pobres em decorrência da
elevação dos tributos (devido à especulação imobiliária), as desapropriações, as
pressões psicológicas sobre os mais pobres, o acirramento do conflito de classes etc,
sendo, toda essa lista, em nome do progresso econômico da localidade, ou recorrendo a
Smith (1996, 2002 a; 2002 b), em nome do avanço da fronteira de acumulação
capitalista.
Byrne (2003), teórico que pensa a gentrificação de maneira positiva, defende que
o processo pode, dentre outras coisas, melhorar as oportunidades de emprego aos pobres
(pela expansão da oferta de serviços em áreas anteriormente “degradadas”), amenizar o
isolamento social de pessoas pouco abastadas, reduzir a criminalidade nas áreas
gentrificadas e elevar as realizações educacionais dos pobres. De acordo com suas
assertivas, esse processo promove, em última instância, uma positiva “mistura social”.
Lees (et. al, 2008), em resposta ao argumento da “mistura social” como ponto
positivo da gentrificação, afirma que esse tipo de retórica serve para desviar o foco da
real natureza da gentrificação, assim diminuindo movimentos críticos e de resistência ao
processo. A autora ainda defende que as classes médias tendem a se autossegregar e que
os processos de gentrificação fazem parte de uma ideologia revanchista, pautada na
retomada das áreas centrais pela classe média.
John Betancur (2002) analisa a questão da “mistura social” de modo similar ao
de Loretta Lees (2008). Para o autor, a gentrificação não gera mistura social ou aumento
da tolerância, mas trata-se de um processo que gera abandono, deslocamento dos mais
pobres, especulação imobiliária, abusos e intensifica os conflitos de classes.
Também imerso na discussão, Souza (2016) defende que argumentos favoráveis
à gentrificação – incentivo para que os proprietários melhorem a moradia; estabilização
da destruição urbana; reabilitação da propriedade; melhoria da infraestrutura; beneficia
toda a cidade – “are nothing but excuses or in the best of cases half-truths for the
benefit of capital, affluent residents and the state apparatus.” (SOUZA, 2016, p. 5)65.
De acordo com o autor, sua abordagem sobre o processo de gentrificação é
“intransigente” com o tipo de retórica mencionada.
Atkinson (2002), em estudo que revisou a literatura de língua inglesa que discute

média; valores imobiliários sobem; yuppies consomem; a gentileza da elite é democratizada em estilos de
distinção produzidos em massa. Então, o que não gostar?
65
Livre tradução: não são mais do que desculpas ou, na melhor das hipóteses, meias-verdades em
benefício do capital, dos ricos residentes e do aparato estatal.

76
o conceito de gentrificação, apresenta algumas conclusões consideradas relevantes. O
número de pesquisas que destacam os efeitos negativos da gentrificação é
substancialmente maior às que ressaltam tal processo como positivo66. Contudo, vê-se
que processos de gentrificação têm sido cada vez mais frequentes, ou seja, há um
descompasso entre a (atual) produção acadêmica e o discurso político. Lees et. al (2008)
auxilia na compreensão desta questão ao destacar que as teorias neoclássicas continuam
dominantes na política urbana, ao passo que as correntes críticas ainda ocupam posições
marginais.
Dissertando acerca do processo de gentrificação, Smith (2002 b) faz referência
ao conceito de fronteira para ilustrar suas assertivas. De acordo com ele, enquanto a
fronteira do século XIX representou a realização de uma expansão geográfica absoluta
como a principal expressão espacial da acumulação de capital, a gentrificação e a
renovação urbana representam o exemplo mais desenvolvido da rediferenciação do
espaço geográfico com vistas ao mesmo resultado. A gentrificação, de acordo com o
autor, é uma fronteira na qual fortunas são criadas.
A nosso ver, a proposição na qual Neil Smith (2002 b) sugere que o processo de
gentrificação seja uma nova fronteira de acumulação capitalista possui uma questão
espacial intrínseca muito interessante. As expansões fronteiriças, normalmente, seguem
como lógica a descentralização espacial de fenômenos e processos. Já a expansão
fronteira de acumulação capitalista associada à gentrificação segue uma lógica
diferente. Há um processo de retorno do foco de interesse dos investimentos ao centro
da cidade.
Assim sendo, acreditamos que a teoria do avanço da fronteira de acumulação
capitalista proposta por Smith para auxiliar na explicação da gentrificação possui
vinculação com o que David Harvey (1973) denominou circuito secundário de
acumulação do capital. Souza (2013, p. 133) qualifica este circuito como sendo “aquele
que se vincula não à produção de bens móveis, mas sim, à produção de bens imóveis,
vale dizer, do próprio ambiente construído [...]”. Nesse sentido, “revitalizar” espaços
centrais tidos como deteriorados é uma estratégia lucrativa ao capital imobiliário –
vinculado ao circuito secundário de acumulação do capital – e está se generalizando

66
De acordo com Teixeira (2015, p. 41), o interesse acadêmico em estudar a gentrificação como processo
negativo é recente. Num primeiro momento, o fenômeno era tratado como algo positivo, em sintonia com
o discurso político e acadêmico sobre “revitalização” e “reabilitação” urbanas. Apenas na década de
1980, com o advento do paradigma crítico, o processo citado passou a ser interpretado de maneira
negativa pela maioria dos pesquisadores.

77
tanto por países de capitalismo avançado quanto por países de capitalismo tardio.
Um dos pressupostos (de matriz marxista) que marca transversalmente o estudo
de Neil Smith diz respeito à articulação dialética entre relações espaciais e capitalistas.
Essa corrente de pensamento defende que se as necessidades de capital se materializam
no espaço, as mudanças espaciais manifestam-se nas necessidades do capital e vice
versa. A partir dessa perspectiva, teóricos da acumulação de capital – destaque para
David Harvey – explicam que os processos de (re) produção citadina são a manifestação
espacial do processo de acumulação (MENDES, 2010).
Ainda que autores conceituados (como David Harvey) venham se empenhando
em demonstrar os vínculos entre as necessidades de superação das contradições do
capital e as intervenções do espaço urbano, grandes reformas urbanísticas empreendidas
sob a autoridade do Estado – em parceria ou não com grupos empresariais privados –
também contêm explícitas finalidades políticas, vulgarizadas por teorias pautadas na
ótica das condições de reprodução do capital. No caso específico da OUC Porto
Maravilha, vê-se clara utilização de marketing político pelo grupo político em exercício
na Prefeitura do Rio de Janeiro sobre tal operação urbana. A Foto 7 e as Figuras 6, 7, 8,
9, 10, 11 e 12 exemplificam como a reestruturação da Zona Portuária foi utilizada para
fins de propaganda política através de instrumentos oficiais, como, por exemplo, através
do carnê do IPTU, por meio de placas espalhadas pela “Nova” Praça Mauá (e também
pelo Boulevard Olímpico) e através das redes sociais.

78
Figura 6: Museu do Amanhã em destaque no carnê do IPTU 2016 para o Rio de Janeiro

Fonte: http://www.rio.rj.gov.br/web/smf

Figura 7: reportagem publicada na edição de 29 de setembro


de 2013 do Jornal O Globo, no caderno “Projetos de
Marketing”

FONTE: Acervo digital do Jornal O Globo


Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.com/

79
Foto 7: Propaganda das obras realizadas em exposição na “Nova” Praça Mauá e intitulada Quem
te viu, quem te vê

FONTE: Trabalho de campo, 2016.


Autoria própria.

A operação de marketing político também esteve presente nas redes sociais. Os


perfis oficiais no Facebook relativos à Prefeitura do Rio de Janeiro, sob o comando do
prefeito Eduardo Paes (2009-2016) e do então candidato à prefeitura (derrotado) nas
eleições municipais ocorridas em 2016, Pedro Paulo (PMDB) são exemplos desse jogo
de marketing que evidenciamos. Considera-se que este fato, por sinal, torna explícito o
interesse do grupo político que alavancou a reestruturação na Zona Portuária em utilizar
tal operação como justificativa para angariar votos.

80
Figura 8: Pedro Paulo (PMDB), então candidato à prefeitura do Rio de Janeiro, em 2016, fazendo campanha (pela
sua página oficial no Facebook) utilizando como objeto de propaganda as transformações espaciais realizadas na
Zona Portuária do Rio de Janeiro. Publicação datada em 26/09/2016.

Acesso em 22/11/2016
Fonte: https://www.facebook.com/rio.pedropaulo/?fref=ts

81
Figura 9: O então prefeito Eduardo Paes (PMDB) fazendo propaganda do AquaRio em sua página
oficial Facebook. Publicação datada em 11/11/2016.

Acesso: 22/11/2016
Fonte: https://www.facebook.com/eduardopaesRJ/?fref=ts

82
Figura 10: O então prefeito Eduardo Paes (PMDB) fazendo propaganda da “Nova” Praça Mauá em sua página
oficial Facebook. Publicação datada em 06/09/2016.

Acesso: 22/11/2016
Fonte: https://www.facebook.com/eduardopaesRJ/?fref=ts

83
Figura 11: Página oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro fazendo propaganda acerca da demolição da
Perimetral. Publicação datada em 16/11/2016.

Acesso: 22/11/2016
Fonte: https://www.facebook.com/PrefeituradoRio/?fref=ts

84
Figura 12: Página oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro fazendo propaganda acerca do Porto
Maravilha. Publicação datada em 16/11/2016.

Acesso: 22/11/2016
Fonte: https://www.facebook.com/PrefeituradoRio/?fref=ts

Há também que se destacar o discurso midiático, por ser formador de muitas


opiniões. A respeito do Porto Maravilha, vê-se que jornais de ampla circulação –
impressos, online ou televisionados em canais abertos – ao abordarem a reestruturação
espacial em questão, o fazem para elogiar os novos rumos da Zona Portuária, fomentar

85
propaganda dos novos eventos culturais disponíveis e para falar dos achados históricos
nas escavações para a construção do VLT ou quando desterraram o Cais do Valongo.
Dentre as críticas, geralmente superficiais, fala-se nos transtornos temporários causados
pelas obras para moradores e ao trânsito local.
Buscando ilustrar o papel da mídia, também inserido na operação de city
marketing, optou-se por analisar as matérias que abordavam algo relativo à
reestruturação espacial da Zona Portuária do Rio de Janeiro, presentes em edições
dominicais do Jornal O Globo67, publicadas entre 2009 e 2016. O jornal foi escolhido
por ser de ampla circulação no município. Após a leitura de cada matéria (todas
inseridas na Tabela 2), foi feito um diagnóstico acerca do “tipo de retórica” apresentado
que se distinguiram em três tipos ideais68: favorável; neutra ou contrária. A partir desse
exercício, o argumento de que a mídia é um instrumento de promoção do ideário de
“porto maravilha” adquire maior sustentação (Tabela 2).

Tabela 2: Relação entre data de publicação, título da matéria e diagnóstico sobre a retórica da redação.
Edições dominicais do Jornal O Globo (2009-2016)
DATA TÍTULO DAS MATÉRIAS DOMINICAIS SOBRE O PORTO MARAVILHA TIPO DE
JORNAL ‘O GLOBO’ (2009 – 2016) RETÓRICA
21/06/2009 O Porto a um passo da revitalização FAVORÁVEL
18/04/2010 Porto inseguro: moradores da zona portuária se dividem sobre projeto de NEUTRA
revitalização proposto pela prefeitura para a área
02/05/2010 Rio defende Porto Olímpico em 2016: a prefeitura vai propor ao COI a NEUTRA
transferência, da Barra para o Porto, de instalações esportivas e de apoio aos
jogos de 2016
30/05/2010 MAR à vista: O Museu de Arte do Rio, que vai ocupar dois edifícios da Praça Mauá, FAVORÁVEL
é o primeiro projeto de revitalização da zona portuária a sair do papel
06/06/2010 O Museu do Amanhã: Santiago Calatrava apresenta no dia 21 o projeto do museu NEUTRA
que será levantado no Píer Mauá
20/06/2010 Museu de água e luz no Píer Mauá: O Museu do Amanhã, que começa a ser FAVORÁVEL
construído no Píer da Praça Mauá em janeiro de 2011, vai usar água da Baía e
energia solar
07/08/2011 Miolo Olímpico: projeto para o Porto retoma proposta urbanística que Rio deixou FAVORÁVEL
de lado

67
A varredura dessas reportagens foi realizada através do acervo digital do jornal O Globo. Observaram-
se todas as edições dominicais do referido jornal entre os anos de 2009 e 2016, buscando por temas
relativos ao Porto Maravilha. A partir disso, as reportagens foram lidas e posteriormente as classificamos
no que denominamos como “tipo de retórica”, dividindo em favorável (redações que destacam pontos
positivos do Porto Maravilha); neutra (redações em que não foi observada tendência de enaltecimento ou
crítica negativa ao Porto Maravilha) e contrária (redações em que foi observada retórica crítica a
questões relativas à reestruturação da Zona Portuária). A partir deste exercício, foi possível averiguar a
proporção de reportagens “neutras”, “positivas” e “contrárias”, do Jornal O Globo, junto ao processo
analisado no presente estudo.
68
Destaca-se que a construção do “tipo de retórica” (neutra, favorável ou crítica) presente em cada
matéria é algo subjetivo. Análises futuras a respeito das mesmas reportagens podem apresentar
diagnósticos distintos dos realizados nesta pesquisa.

86
08/04/2012 No Porto... À espreita: venda de sobrados e apartamentos antigos agita mercado NEUTRA
da região
22/04/2012 Jardim suspenso na Zona Portuária: tombado como patrimônio histórico, o Jardim FAVORÁVEL
do Valongo, na encosta do Morro da Conceição, será reinaugurado em junho, após
passar por revitalização
14/10/2012 Maravilha de cenário: Região do Porto vai abrir espaço para 50 mil oportunidades FAVORÁVEL
de negócio
04/11/2012 Zona Portuária já é: com revitalização, armazéns e sobrados passam a receber FAVORÁVEL
novos moradores
11/11/2012 UMA NOVA AVENIDA PARA O RIO: as obras da Avenida Binário, na Zona FAVORÁVEL
Portuária, estão adiantadas
02/12/2012 Rio contemporâneo: Num misto de sotaque gringo e ginga carioca, cidade ganha FAVORÁVEL
novo estilo arquitetônico
06/01/2013 VLT no centro: uma economia de R$ 410 milhões FAVORÁVEL
13/01/2013 BELEZA POR UM FIO: concluídas em julho passado, as obras de revitalização do CONTRÁRIA
Porto Maravilha não incluíram a troca da fiação aérea pela subterrânea
27/01/2013 Obras no centro: mais mudanças no trânsito CONTRÁRIA
03/02/2013 OS PEÕES DO NOVO RIO: funcionário das obras do novo Porto, Wellington Luciano NEUTRA
faz parte do exército de 35 mil operários hoje envolvidos na preparação do Rio
para a Copa e Olimpíadas
24/02/2013 MAR ADENTRO: Museu de Arte do Rio abre as portas na próxima sexta-feira com FAVORÁVEL
quatro exposições em complexo de R$76 milhões na Praça Mauá
26/05/2013 Para além dos tapumes: obras alteram rotina dos cariocas, mas já criam novo FAVORÁVEL
clima na cidade, traduzido pela revitalização de regiões abandonadas e
perspectivas concretas de melhoria na qualidade de vida
04/08/2013 Coletivo do Porto: cinco empresas da indústria criativa se unem em polo que NEUTRA
começa a nascer
29/09/2013 Um Porto para chamar de seu: com avanço nas obras da região portuária, FAVORÁVEL
prefeitura devolve aos cariocas mais que um patrimônio histórico e cultural: o
bairro está sendo preparado para ser referência (...)
13/10/2013 O VELHO E O NOVO: a via Binário entra em operação no próximo sábado, quando NEUTRA
o Elevado da Perimetral será fechado para ser demolido. O entulho levará 3 meses
para ser removido
03/11/2013 Perimetral: Projeto original não previa o elevado que está prestes a ser demolido NEUTRA
15/06/2014 Vagas no aquário: AquaRio, que será inaugurado no fim de 2015, começa a FAVORÁVEL
contratar
10/08/2014 Foco no centro: com aluguel e rentabilidade em alta, bairro atrai investidores à NEUTRA
região
05/10/2014 Centros de Rio e SP em mutação: possível revitalização do minhocão já atrai NEUTRA
investimentos, enquanto Porto do Rio espera 2015 chegar
14/12/2014 Ritmo acelerado: projetos de R$ 36 bilhões para mudar o Rio NEUTRA
28/12/2014 Porto e centro poderão ter IPTU progressivo: Objetivos da prefeitura são NEUTRA
combater imóveis ociosos ou subaproveitados e incentivar moradias na região
26/07/2015 O passeio do VLT pela história FAVORÁVEL
23/08/2015 Prefeitura muda regras para uso de imóveis NEUTRA
06/09/2015 Paredão diante da Baía: galpões, a maioria mal conservados, ainda impedem que CONTRÁRIA
público tenha acesso à beira-mar
08/11/2015 De volta às origens: revitalização da Zona Portuária transforma o mercado FAVORÁVEL
imobiliário do entorno, e resgata a essência cultural e habitacional do bairro onde
a cidade começou
20/12/2015 DIA DE FESTA NO MUSEU: cariocas e turistas lotam o Amanhã no dia de sua FAVORÁVEL
abertura ao público
13/03/2016 Túnel da via expressa: escavações estão a 5 metros do fim NEUTRA

87
10/04/2016 PASSEIO LIVRE À BEIRA DO CAIS FAVORÁVEL
24/04/2016 O poeta do ar Santos Dumont desembarca no Amanhã NEUTRA
05/06/2016 Passeio pela história: VLT do Rio entra hoje nos trilhos NEUTRA
12/06/2016 No Porto, a noite do Rio ganha um novo "baixo": Rua Sacadura Cabral e seu NEUTRA
entorno atraem público com boates, casas de festas e bares
03/07/2016 Uma Avenida que sai das sombras: em processo de revitalização, Rodrigues Alves FAVORÁVEL
recebe novas atrações e novos investimentos
10/07/2016 Ensaio para os Jogos: fuzileiros patrulham a renovada Praça Mauá durante um NEUTRA
teste feito ontem de manhã para a segurança da Olimpíada no Rio
14/08/2016 Turistas e cariocas lotam a Ora do Conde, e o VLT teve até seu percurso NEUTRA
interrompido porque os trilhos foram tomados pela multidão
FONTE: Acervo digital do Jornal O Globo.
Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.com/

No período de publicações dominicais analisado69, temas relativos à Zona


Portuária aparecem 41 vezes. Destas, três matérias apresentam retórica crítica a alguma
dinâmica relativa às obras de revitalização (seguindo os termos do jornal); 19
apresentam retórica neutra e outras 19, retórica favorável. Isso revela uma inclinação do
editorial do jornal analisado em destacar pontos positivos e dar pouco espaço para
pontos negativos das obras urbanísticas na Zona Portuária. O gráfico a seguir apresenta
o percentual de incidência de cada tipo de retórica (Gráfico 5):

Gráfico 5: Percentual dos três tipos de retórica analisados


nas reportagens dominicias do Jornal O Globo (entre 2009
e 2016) sobre assuntos relativos ao Porto Maravilha

7,32%

retórica contrária
46,34% retórica neutra
46,34% retórica favorável

FONTE: Acervo O Globo digital.

69
O exame das reportagens foi operacionalizado no mês de novembro de 2016. Há que se destacar, ainda,
que o acervo digital do Jornal O Globo, até o momento deste exercício, tinha arquivos digitalizados
disponíveis de até o mês de agosto de 2016. Isso justifica a não inclusão de uma possível matéria
dominical que aborde a reestruturação espacial vivida pela Zona Portuária após agosto.

88
Retomando a discussão mais abrangente, é necessário, de acordo com Mendes
(2010), refletir acerca dos princípios marxistas que orientam o estudo da gentrificação.
Uma dissertação que visa à verticalização teórica sobre o tema não pode menosprezar
reflexões caras aos geógrafos críticos, como a produção social do espaço e o direito à
cidade - conceito cunhado por Lefebvre (1968).

3.1 Porto Maravilha e o Direito à Cidade

O que significa a concepção ‘direito à cidade’? Como tal teoria se enquadra no


recorte analítico do presente estudo? Para iniciar a discussão, julgamos interessante
dialogar com Carlos (2013)70, pelo fato de a autora, utilizando-se da dialética Marxista,
refletir sobre o ‘direito à cidade’ e a eclosão de movimentos sociais urbanos como sendo
consequências oriundas das contradições entre valor de troca71 e valor de uso72 na (re)
produção espacial.
O espaço urbano, conforme Carlos (2013), é produzido sob a égide do valor de
troca da terra, atendendo a interesses de agentes públicos e privados que lucram com a
especulação imobiliária. Esta conjuntura auxilia na intensificação da segregação
espacial, que pode ser teorizada através da relação diretamente proporcional entre valor
de troca da terra e o status social médio das pessoas que residem na área social73. Além
disso, a segregação espacial pode ser experienciada, no cotidiano, por diferenças no
acesso à moradia e a dificuldades em acessar determinadas áreas da cidade 
distribuição desigual do transporte intraurbano.
Na esteira da dinâmica relatada, desigualdades espaciais são ampliadas e a
justiça social, mais atrelada ao valor de uso da terra, não é a protagonista na (re)
produção do espaço. Tais fatores foram gerando insatisfação em grupos de citadinos e
reivindicações começaram a ser feitas. O direito à cidade, para Carlos (2013), vem
como uma necessidade prática na busca pela superação do quadro apresentado.
A noção de direito à cidade foi cunhada por Lefebvre (2008 [1968]) e diz
respeito ao habitar a cidade. Na perspectiva do autor, a teoria tem como premissa

70
Artigo intitulado “A prática espacial urbana como segregação e o ‘direito à cidade’ como horizonte
utópico” publicado por Vasconcelos et. al. (2013).
71
Carlos (2013, p. 97) qualifica valor de troca como sendo mercadoria cujo uso está submetido ao
mercado imobiliário visando à produção do valor.
72
Carlos (2013, p. 97) qualifica valor de uso como sendo condição necessária à realização da vida.
73
De acordo com Corrêa (2013), as áreas sociais são manifestações espaciais do processo de segregação
espacial.

89
fundamental garantir ao citadino uma vida urbana plena e utópica, entendida como o
viver a cidade, contemplando-a. Porém, devido ao cotidiano afogante motivado, por
exemplo, por longas jornadas de trabalho e elevado tempo gasto nos deslocamentos
diários, esse direito à reflexão e à contemplação fica cada vez mais reduzido.

Basta abrir os olhos para compreender a vida cotidiana daquele que corre de
sua moradia para a estação próxima ou distante, para o metrô superlotado,
para o escritório ou para a fábrica, para retornar à tarde o mesmo caminho e
voltar para casa a fim de recuperar as forças para recomeçar tudo no dia
seguinte (FEFEBVRE, 2008 [1968], p.118).

Na perspectiva de Lefebvre (2008 [1968]) é a reprodução das relações sociais de


produção que constitui o processo central da sociedade capitalista. Sua retórica rompe
com o Marxismo mais ortodoxo ao defender que a produção das relações sociais de
produção não ocorre somente na fábrica, mas no espaço socialmente produzido. De
acordo com HARVEY (2014), o direito à cidade para Henri Lefebvre era, ao mesmo
tempo, uma queixa e uma exigência.

A queixa era uma resposta à dor existencial de uma crise devastadora da vida
cotidiana da cidade. A exigência era, na verdade, uma ordem para encarar a
crise nos olhos e criar uma vida urbana alternativa que fosse menos alienada,
mais significativa e divertida, porém, como sempre em Lefebvre, conflitante
e dialética, aberta ao futuro, aos embates (tanto temíveis como prazerosos), e
à eterna busca de uma novidade incognoscível (HARVEY, 2014, p. 11).

No presente trabalho, utilizamos o debate do direito à cidade na perspectiva de


Harvey (2013; 2014), na qual percebe-se uma reflexão um pouco diferente da
desenvolvida por Lefebvre. Para Harvey, o direito à cidade significa o direito de mudar
e de reinventar a cidade. Segundo o geógrafo, reivindicar o direito à cidade equivale a
reivindicar algum tipo de poder configurador sobre os processos de urbanização e sobre
o modo como as cidades são feitas e refeitas.

O direito à cidade [...] não é apenas um direito condicional de acesso àquilo


que já existe, mas sim um direito ativo de fazer a cidade diferente, de formá-
la mais de acordo com nossas necessidades coletivas (por assim dizer),
definir uma maneira alternativa de simplesmente ser humano. Se nosso
mundo urbano foi imaginado e feito, então ele pode ser reimaginado e refeito
(HARVEY, 2013, p. 58).

90
Ao leitor interessado em vislumbrar similaridades e distanciamentos nas
perspectivas de H. Lefebvre e D. Harvey sobre a concepção de direito à cidade, é
interessante remeter-se ao Box 3.

Box 3: Lefebvre, Harvey e o direito à cidade: similaridades e distanciamentos de


perspectivas

Embora as perspectivas de David Harvey e Henri Lefebvre tenham


contribuições diferentes acerca da concepção de direito à cidade, elas não
podem ser consideradas antagônicas. Para ambos, esse direito só pode ser
alcançado por meio da revolução urbana, entendida por Lefbvre (1970)74 apud
Harvey (1980 [1973]) como:

[...] o conjunto total de transformações que ocorrem em toda a


sociedade contemporânea, e que serve para caracterizar a mudança de
um período em que as questões de crescimento econômico e
industrialização predominam, para o período em que a problemática
urbana se torna decisiva, quando a pesquisa de soluções e formas
apropriadas à sociedade urbana toma dianteira [...] (HARVEY, 1980
[1973], p. 264).

Ao analisar o legado intelectual de ambos, defendemos que o debate de


D. Harvey com a obra de Lefebvre possui ambiguidade. Harvey (1980 [1973]),
em suas últimas páginas, escreve que Lefebvre aborda assuntos instigantes, mas
que talvez tenha ido longe demais. Daí em diante, a relação dele com a obra de
Lefebvre foi marcada por duas características: admiração e certa desconfiança.
Afinal, David Harvey é um marxista mais ortodoxo que Henri Lefebvre. Muitas
assertivas de Lefebvre não foram bem aceitas nem por Harvey e nem por
parcela dos intelectuais marxistas.

Quase tudo que foi bastante discutido é consistente com a tese de


Lefebvre. Então, em que residem as diferenças? Lefebvre assegura
que o urbanismo domina agora a sociedade industrial. Ele chega a essa
posição através da construção pela negação. O uso de tal artifício
dialético fornece uma hipótese. Ela não constitui uma prova. E não
acredito que a hipótese possa a esta altura da história ser provada
(HARVEY, 1980 [1973], p. 268) (grifos nossos).

A produção, apropriação e circulação de mais-valia não se tornaram


subordinadas à dinâmica interna do urbanismo, mas continuam a ser
reguladas pelas condições derivadas da sociedade industrial. No
capítulo 6, a relação entre urbanismo e a circulação de mais-valia é

74
David Harvey, quando escreveu a obra Justiça Social e a Cidade, ainda não tinha lido a obra de
Lefebvre Revolução Urbana (1970), fato que gerou lamentações de Harvey (1980 [1973], p. 261), em seu
posfácio: “Infelizmente, os ensaios deste volume estavam terminados antes que eu tivesse oportunidade
de ler, de Lefebvre, O Pensamento Marxista e a Cidade (1972) e A Revolução Urbana (1970)”.

91
explorada. O urbanismo é visto ali como produto da circulação de
mais-valia. Esse é um assunto crítico e importante, e é,
provavelmente, a mais importante fonte de desacordo entre Lefebvre e
eu. (…) Então, onde ficamos a respeito da tese de Lefebvre? Dizer
que a tese não é verdadeira nesta conjuntura da história não é
dizer que não esteja em processo de tornar-se verdadeira ou que
não possa tornar-se verdadeira no futuro (HARVEY, 1980 [1973],
pp. 269-270) (grifos nossos).

Com relação à desconfiança de Harvey, ela é motivada pelo fato de


Lefebvre (2008 [1967]) entrar em polêmica com o marxismo ortodoxo, por
sugerir que o palco privilegiado de movimentos revolucionários é a cidade e
não o interior das fábricas. O autor constrói esse pensamento ao invocar a classe
trabalhadora como principal agente de transformação revolucionária. O
“precariado” urbano substitui o “proletariado” fabril como vanguarda
revolucionária, na obra de Henri Lefebvre. Já em relação à admiração, Harvey
se apoia na prosa filosófica de Lefebvre e a rediscute segundo a perspectiva
geográfica. Um exemplo de caso é a teoria dos Circuitos de Acumulação do
Capital. Há ainda como perceber tal admiração através do título de obras, como
Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana, por aglutinar e fazer
clara referência a obras escritas por Lefebvre. Anos mais tarde, em 2006, Neil
Smith (discípulo de D. Harvey) defendeu que a proclamação de Henri Lefebvre
não foi desmentida pelo tempo.
Souza (2015) acrescenta à discussão um importante ingrediente. De
acordo com o autor, a teoria do direito à cidade vem passando, sobretudo após a
virada do século, por um processo de redescobrimento acadêmico e também por
banalização.

Then at the beginning of the 21st century occurred an explosion of


interest (and the wave of co-optation and trivialisation that has
followed it). Various movements and protests— fighting for more and
better public spaces, and against gentrification, real estate
developments that are damaging to the public interest, sporting mega-
events and their consequences in terms of residential segregation and
waste of public resources—initially in Europe and the USA, and soon
spreading to other countries and continents, have adopted the phrase
‘right to the city’ as a slogan that seems to fit their spirit perfectly.
Inevitably, it renewed academic curiosity (SOUZA, 2015, pp. 409-
410)75.

75
Livre tradução: Em seguida, no início do século XXI, ocorreu uma explosão de interesse (e a onda de
cooptação e banalização que a seguiu). Vários movimentos e protestos - que lutavam por mais e
melhores espaços públicos e contra a gentrificação, empreendimentos imobiliários que são prejudiciais
ao interesse público, mega-eventos esportivos e as suas consequências em termos de segregação
residencial e desperdício de recursos públicos - inicialmente na Europa e EUA, e em breve se espalhando
para outros países e continentes. Adotaram a frase “direito à cidade" como um slogan que parece se
encaixar perfeitamente em seu espírito. Inevitavelmente, isso renovou curiosidade acadêmica.

92
Está claro que a termologia direito à cidade vem sendo apropriada e
transformada por vários atores da sociedade, desde movimentos sociais urbanos
a governantes que justificam obras de renovação urbana como sendo a
devolução do direito à cidade aos grupos sociais que vivem na área a ser
reestruturada. Desse modo, o direito à cidade, com esta banalização de usos e
pouca preocupação com as questões teóricas que estão a ele imbricadas, pode se
tornar um slogan vazio.

O direito à cidade, aqui enunciado, caminha junto à democratização das decisões


sobre intervenções espaciais, que no caso empírico deste estudo estão nas mãos,
principalmente, das grandes empresas que compõem a PPP Porto Novo e do Estado (em
suas três esferas político-administrativas, mas prioritariamente, a municipal, gestora da
CDURP), em contraste com a sociedade civil, impossibilitada de participar ativamente
dos processos decisórios e rumos a serem tomados pela OUC Porto Maravilha.
No Morro da Providência, por exemplo, a prefeitura realizou obras pelo Projeto
Morar Carioca, tais como abertura de vias, implantação de um teleférico, plano
inclinado e abertura de espaços para visitação turística, sob o argumento de promover
melhores condições de habitabilidade e mobilidade aos seus residentes. Contudo, há
ausência de informações e de oportunidades de envolvimento, aos moradores da
localidade nas tomadas de decisões; some-se isto às remoções executadas. De acordo
com reportagem do Jornal O Dia76 (publicada em 21 de maio de 2012), a Secretaria
Municipal de Habitação informou que 832 residências seriam removidas para dar lugar
às obras de “revitalização” da Zona Portuária como parte integrante do Programa Morar
Carioca. Os moradores que estão sendo removidos de suas casas tomam conhecimento
da alegada arbitrária decisão através da marcação em suas residências, em tinta spray,
com a sigla da Secretaria Municipal de Habitação (SMH) e a numeração da residência.
Tal ato de intimidação da prefeitura, sem explicação prévia ou autorização dos
residentes, foi apelidado pelos moradores da área como “saia do morro hoje” (Foto 8).

76
Disponível em: http://odia.ig.com.br/portal/rio/prefeitura-marca-com-tinta-casas-que-ser%C3%A3o-
demolidas-1.444020

93
Foto 8: Moradia marcada para ser removida no Morro da Providência

Fonte: Jornal O Dia, 2012.


Autor da foto: João Laet

O quadro de arbitrariedade nas tomadas de decisões foi amenizado após


movimentos de resistência e manifestações contra as remoções ter conquistado a
proibição de demolições por decisão liminar concedida pela defensoria pública. A
prefeitura anunciou abertura de diálogo com os moradores, contudo esses canais de
participação são limitados e os moradores não possuem voz ativa nas deliberações.
A situação acima retratada, do embate entre a prefeitura do Rio de Janeiro e
parcela dos moradores do Morro da Providência, evidencia uma disputa por poder
decisório, logo, configurador do espaço urbano, em audiências públicas. Utilizando o
debate de Harvey (2013, 2014), aqueles moradores estão lutando pelo direito de ter voz
ativa em decisões que interferem de maneira direta em suas vidas cotidianas e pelo
direito de continuar a viver na área onde residem. Eles estão lutando pelo direito à
cidade.
Outra situação que dialoga com a disputa pelo direito à cidade é a interrupção da
ocorrência de ocupações de grupos sem teto na área de interesse do Porto Maravilha. A
extinta Ocupação Zumbi dos Palmares, alocada no prédio do antigo IAPETEC77, bairro

77
Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas. O prédio foi
abandonado nos anos 1970 e permaneceu vazio durante décadas, até que no ano de 2005 foi ocupado –
tornado-se a sede da Ocupação Zumbi dos Palmares – mas no ano de 2011 a ocupação foi extinta em
razão da remoção compulsória dos moradores.

94
da Saúde, ilustra a afirmação. Quando a OUC entrou em consecução, o INSS
(proprietário do imóvel) voltou suas atenções para ele – motivado por interesses
imobiliários – e entrou com uma ação na justiça solicitando despejo dos ocupantes do
local. No ano de 2011, em operação conjunta entre a guarda municipal e a polícia
militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ), todos os residentes foram removidos e as
entradas do imóvel lacradas com cimento e concreto. Suas marquises também foram
retiradas, assim, evitando que pessoas em condição de rua ficassem dormindo onde era
projetada sua sombra ou se protegessem da chuva.
Enquanto estas páginas são escritas, em até março de 2017, o imóvel continua
abandonado, com blocos de concreto se desprendendo, sem qualquer função social, e o
INSS buscando acordos com a prefeitura do Rio de Janeiro para quitar as dívidas do
prédio (avaliado em R$ 7,7 milhões pela Caixa Econômica Federal). A Ocupação
Zumbi dos Palmares foi derrotada pelas investidas do Estado e dos interesses
imobiliários envolvidos na “revitalização” da zona portuária do Rio de Janeiro.

Foto 9: Entradas do antigo prédio do IAPETEC cimentadas e com as marquises quebradas

Fonte: Street View (Google Earth, 2015).

Há outros casos de ocupações que foram extintas na Zona Portuária da cidade do


Rio de Janeiro. Além da Ocupação Zumbi dos Palmares, também se situavam na

95
localidade as seguintes Ocupações, a saber: Boa Vista, Flor do Asfalto, Machado de
Assis, Casarão Azul, Guerreiros do 234, Guerreiros do 510 e Quilombo das Guerreiras.
De acordo com Ramos (2012), a forma encontrada pelos membros das
ocupações para alcançar a posição de desfrutar dos espaços centrais da cidade, diante de
uma condição de renda que não lhes permite esse acesso, são as ocupações de edifícios
públicos ou privados que estejam fechados e desocupados há um longo tempo. Eles
ocupavam imóveis que não estavam cumprindo qualquer função social. Apesar disso,
tais ocupações, embora protegidas pela lei através do artigo 182 da Constituição
Federal, foram removidas para liberar os prédios para a iniciativa privada.
É importante que se frise a diferença entre ocupação e invasão, termos para
muitas pessoas, inclusive na esfera pública e na mídia, equivocadamente tradados como
sinônimos. Nas palavras de Ramos (2012):

Aqueles que, por convicção política apoiam, ou aqueles que simplesmente


são “mais simpáticos” (por uma questão de solidariedade, vamos dizer) às
ações dos sem-teto, diante do problema da habitação no país e da
subutilidade de muitos imóveis nas cidades, assumem o termo ‘ocupação’
como forma de apropriação, de dar utilidade, dar vida a algo que estava
desocupado, sem utilidade social, sem vida. [...] O termo “invasão” exprime
uma violação, uma agressão, no limite, um crime, que não se adéqua ao tipo
de ação desse movimento. A invasão ocorreria quando um imóvel ocupado,
utilizado, fosse tomado por um grupo, expulsando seus antigos
proprietário/ocupantes. Nesse caso, o imóvel já teria sua função social e esta
função estaria sendo violada (RAMOS, 2012, p.206-207).

Em sua tese de doutorado, Tatiana Tramontani Ramos (2012) esclarece aos seus
leitores que as pessoas sem teto, na área deste estudo, não simplesmente ocupavam o
prédio desocupado, mas passavam por todo um processo político e organizacional até a
ocupação, de fato, do imóvel. Eram realizadas pesquisas e levantamentos da situação
jurídica dos imóveis, reuniões de planejamento, definição de estratégias de ação coletiva
e individuais, cadastramento das famílias interessadas e necessitadas, reuniões de
formação política e, somente após essa organização, meses depois, se efetivava o
processo com a ocupação definitiva do imóvel.
Ainda com relação às ocupações, Ramos (2012) afirma que elas representam, em
última análise, o verdadeiro sentido do termo “revitalização”, tão esvaziado e tão
desgastado na atualidade, pelo fato de as ocupações darem vivacidade e dinamismo a
um lugar que estava, há anos, sem nenhuma função social. Além disso, as ocupações
materializam espacialmente a luta de pessoas, que moram em áreas periféricas, pelo

96
direito de acesso a espaços nobres do urbano com ampla variedade de serviços,
transportes e ofertas de emprego.

3.2 Rent Gap como norteador teórico para compreender a gentrificação na Zona
Portuária

A dinâmica dos ciclos de investimento e desinvestimento do capitalismo auxilia


na explicação da lógica que rege estruturalmente a (re) construção do ambiente
construído. Neil Smith, no final dos anos 1970, aplicou este princípio ao caso da
gentrificação, dando um significativo salto teórico no estudo sobre esse processo. Até
aquele momento, a literatura se limitava a indicar e a analisar os efeitos da
gentrificação. A respeito disto, Luís Mendes (2010) afirma que:

Pouco esforço tinha sido feito para construir uma explicação histórico-
política e comprometida com os então emergentes princípios da geografia
crítica e marxista, incidindo nas causas estruturais, em detrimento dos efeitos
(MENDES, 2010, p. 25).

Estudar os efeitos da política de gentrificação no limite do bairro é importante


por esta ser a escala que substancialmente sofre seus efeitos (WYLY and HAMMEL,
2005). Contudo, é necessário que haja articulação entre escalas distintas para maior
compreensão e aprofundamento teórico do processo em pauta e, para isso, considera-se
a teoria do rent gap78, guardadas as especificidades do movimento de gentrificação da
localidade em estudo.
Neil Smith, em artigo publicado em 197979, formula a teoria do rent gap para
auxiliar na explicação teórica da gentrificação. É defendido que os grandes lucros
adquiridos, pelos seus executores, são decorrentes da apropriação da renda potencial de
localidades economicamente desvalorizadas e próximas aos CBD. A renda potencial
diz respeito ao potencial de retorno financeiro do capital investido.
Gentrification occurs when the gap is wide enough that developers can
purchase shells cheaply, can pay the builders costs and profit for
rehabilitation, can pay interest on mortgage and construction loans, and can

78
Embora a teoria do rent gap seja importante ferramenta intelectual para aproximação teórica do
processo estudado na Zona Portuária, há limitações de natureza escalar, não permitindo que a teoria dê
conta de todas as especificidades da gentrificação na área. Trabalhos de campo e aproximação das
dinâmicas ocorridas no empírico são tentativas metodológicas empreendidas para atenuar, ao máximo, as
distorções (escalarmente explicáveis) entre a teoria e o objeto de estudo.
79
SMITH, N. Toward a theory of gentrification: A back to the city movement by capital, not people.
Journal of the American Planning Association, n.45, p. 538 – 548.

97
then sell the end product for a sale price that leaves a satisfactory return to
the developer (SMITH, 1979, p. 545)80.

Smith (2002 b) argumenta que é o deslocamento do capital para a construção de


paisagens suburbanas e o posterior surgimento do rent gap que cria a oportunidade
econômica para a reestruturação das áreas urbanas centrais. Nesse sentido, é possível
avaliar que a desvalorização da área central cria a oportunidade para a revalorização da
parte menos abastada do espaço urbano. Ainda segundo o autor, em um nível mais
abstrato, o rent gap resulta da dialética dos padrões espaciais e temporais do
investimento de capital; mais concretamente, é o produto espacial dos processos
complementares de valorização e desvalorização.
Desse modo, a teoria do rent gap explica gentrificação como um produto do
investimento seguido por desinvestimento. Este processo gera tensão entre a renda
potencial da área, que passa por período de falta de investimentos, e a renda
capitalizada, que poderia ser maior. Com a gap entre a renda atual e a renda potencial se
ampliando, caminhos são pensados para diminuir este quadro, como é o caso da
gentrificação. Mendes (2010) contribui ao tema afirmando que do ponto de vista da
circulação do capital, os boons imobiliários aliados à gentrificação coincidem com a
transferência do capital do circuito primário de acumulação (esfera produtiva) para o
circuito secundário (produção do ambiente construído). O gráfico a seguir ilustra o
processo retratado pela teoria do rent gap (Gráfico 6).

80
Livre tradução: A gentrificação ocorre quando a diferença entre renda atual e renda potencial da terra
é grande o suficiente para que os desenvolvedores possam comprar reservatórios de modo mais barato,
possam pagar pelos custos de construtores e de lucro para a reabilitação, podem pagar pelo interesse
nos financiamentos de hipotecas e construção, e podem, então, vender o produto final por um preço de
venda que deixa um retorno satisfatório para o desenvolvedor.

98
Gráfico 6: Modelo gráfico simplificado da teoria do RENT GAP

Fonte: Adaptado de SMITH (1979 p. 544).

No Gráfico 6, a diferença (representada pela cor verde) entre a renda potencial e


a renda capitalizada, num hipotético entorno imediato à área central, amplia-se com o
passar do tempo. Esse período pode ser interpretado como aquele em que o mercado
imobiliário deixou de investir na área e, de modo paralelo e gradual, ela foi sendo
estigmatizada, distanciando ainda mais as chances de surgirem potenciais investidores.
Contudo, a partir da “renovação urbana” (círculo vermelho), o número de investidores
aumenta e, por conseguinte, o de novos empreendimentos. Na etapa seguinte à
renovação urbana, vigora a renda especulativa da terra e a reaproximação entre a renda
capitalizada pela localidade e a renda potencial. Dentre as consequências deste processo
há elevada valorização imobiliária, retorno de investimentos de atores ligados ao grande
capital, enquanto os residentes mais pobres são os mais impactados negativamente.
Assim sendo, apesar de ser importante ferramenta para a compreensão da
gentrificação, há algumas controvérsias na teoria do rent gap e Lees et. al (2008, p.61)
expõem duas explicações para tal. A primeira é a hipótese de ligação direta entre os
casos empíricos e o desenvolvimento desigual do capitalismo, gerando dualismos entre

99
o singular e o universal81. A segunda diz respeito à extrema dificuldade em fornecer
testes empíricos para comprovar as hipóteses da teoria. O próprio N. Smith (1979)
reconhece as dificuldades em demonstrar empiricamente a validade da teoria do rent
gap. A solução encontrada pelo autor e por outros estudiosos que realizam estudos
empíricos sobre o rent gap tem sido recorrer ao preço do metro quadrado da terra.
Zukin (1987), em crítica direcionada à perspectiva teórica de Smith, afirma que
embora a noção de diferencial de renda seja uma construção intelectual útil para estudar
a ocorrência do processo de gentrificação, é preciso relativizar seu poder explicativo.
Para a autora, a teoria do diferencial de renda apresenta uma retórica mecanicista e faz
com que se considere a gentrificação como uma consequência automática da diferença
entre a renda potencial e a renda efetiva, tratando todos os outros fatores como questões
secundárias e de pouca relevância. A autora justifica tais críticas afirmando que a
gentrificação nem sempre ocorre em bairros pobres imediatos ao CBD, com ocorrência
de significativo diferencial de renda.
Neil Smith (1982) rebate as objeções de que o modelo do diferencial de renda
ofusca as especificidades das experiências concretas questionando a relevância dessa
indagação. De acordo com ele, mais importante do que refletir sobre tais processos
perguntando-se "quem", "quando" e "onde", a principal questão a ser feita deve ser "por
quê?" (SMITH, 1982). Enquanto autores críticos82 à teoria do diferencial de renda se
preocupam, prioritariamente, em descrever singularidades de casos específicos, Smith
afirma ter como principal propósito tratar o tema da gentrificação a partir de uma
perspectiva teórica mais ampla, com um nível de abstração mais elevado do que aquele
que seus críticos achariam desejável (PEREIRA, 2014).
Contrapondo a teoria discutida com as dinâmicas imobiliárias do caso empírico
estudado, vê-se que há similaridades e repetição de particularidades. Em reportagem
publicada no Jornal O Globo83, denominada Por dentro do mercado: O centro das
transformações, o expressivo aumento do preço do metro quadrado na área de estudo
fica claro através das assertivas proferidas por Cláudio André de Castro84.

Em 2008, um investidor adquiriu conosco um sobrado na Rua Sacadura


Cabral por sessenta mil reais, bem pertinho do Cais do Valongo. Confesso

81
A explicação da gentrificação repousaria, portanto, no desenvolvimento desigual do capitalismo que, ao
investir ou não investir em lugares diferentes, cria condições para obtenção de novos lucros a cada
momento.
82
Alguns destes autores são: Ley (1986); Lipton (1977); Laska e Spain (1980).
83
Edição publicada em 8 de novembro de 2015. Caderno Morar Bem, página 02.
84
Cláudio André de Castro é advogado, corretor de imóveis e diretor da Sérgio Castro Imóveis.

100
que fizemos um grande esforço para ele fechar o negócio - ele achava que era
incerta a realização das obras de infraestrutura próximas ao seu imóvel.
Agora, anos depois da prefeitura terminar completamente as reformas
logo em frente, fechamos nova venda do imóvel por oitocentos mil reais.
Se você achou que a valorização foi muito expressiva, melhor nem contar a
história do cliente que comprou, relutante, um galpão na Zona Portuária
por 700 mil reais em 2002 e já recusou proposta de 50 milhões de reais
este ano! História de pescador, ou de corretor, vão dizer [...] (O Globo, 2015)
(grifos nossos).

Há determinadas áreas em que o preço do metro quadrado subiu, entre os anos


de 2002 e 2012, em até 500%, o que seria 170,68% acima da inflação no período (2002
– 2012). Este dado, somado ao conjunto de fatores discutidos ao longo do capítulo,
corrobora para a confirmação da hipótese de que a Zona Portuária do Rio de Janeiro
está imersa num processo, em curso, de hipervalorização no preço da terra e de
gentrificação, segundo as diretrizes da teoria do rent gap.
A aquisição dos dados imobiliários referentes aos bairros pesquisados, tendo
como comparativo os anos de 2002 e de 2012, foi feita através de leituras de estudos de
empresas ligadas ao mercado imobiliário e publicados, sob encomenda, no site do
Jornal O Globo; a atualização dos preços do metro quadrado, para o ano de 2016,
realizou-se por meio de entrevistas com corretores de imóveis e, fundamentalmente,
com Cláudio André P. R. de Castro85.
A empresa imobiliária Sergio Castro Imóveis produziu, sob encomenda do
Jornal O Globo86, um estudo comparativo do preço do metro quadrado (2002 – 2012)
em Santo Cristo, Gamboa e Saúde. Perguntados se poderiam disponibilizar tal
documento, representantes da imobiliária afirmaram não haver possibilidade, visto que
“a mesma foi encomendada por um cliente que pagou por ela”. Contudo, prontificaram-
se em responder a algumas perguntas a respeito do mercado imobiliário na localidade.
Os três bairros contemplados pelo estudo foram divididos em zonas. Esse procedimento
justificou-se, segundo eles, para dar maior precisão aos dados apresentados e teve como
critério as áreas que mais tiveram os preços do metro quadrado alteradas no período
contemplado pelo estudo. São elas:

85
Diretor comercial da empresa imobiliária Sergio Castro Imóveis. As entrevistas ocorreram em outubro
de 2016.
86
Para acessar a matéria referente ao estudo, produzido pela imobiliária, acessar:
http://oglobo.globo.com/rio/revitalizacao-da-zona-portuaria-impulsiona-mercado-imobiliario-5090451

101
A) SAÚDE

1. Imediações Da Praça Mauá;


2. Av. Venezuela / Av. Barão De Tefé / R. Sacadura Cabral;
3. Morro Da Conceição E Imediações;

B) GAMBOA

4. Entorno Do Morro Da Providência / Fundos Da Central Do Brasil;


5. R. Do Livramento E Imediações / R. Da Gamboa E Imediações;

C) SANTO CRISTO

6. Morro Do Pinto e Imediações


7. R. Equador e Imediações.

Mapa 2: Zoneamento da Zona Portuária por áreas com diferentes dinâmicas imobiliárias entre 2002 e 2012.

FONTE: Elaboração própria, 2017.

102
De modo específico, o estudo apresentou o preço do metro quadrado nas seis
zonas destacadas, tanto em 2002 quanto em 2012, dividindo as informações em: I.
Metro quadrado para prédios antigos e II. Metro quadrado para prédios novos. A
respeito disso, é interessante observar que, no ano de 2002, Santo Cristo e Gamboa não
tinham cotação de metro quadrado médio para prédios novos e, na Saúde, Av.
Venezuela, Av. Barão de Tefé e Rua Sacadura Cabral também não apresentavam tal
informação. Em conversa com o diretor comercial da empresa Sérgio Castro Imóveis, a
não inclusão destas informações justifica-se pelo mercado imobiliário, na época, estar
praticamente congelado na área. Não havia interesse, por parte dos empreendedores
residenciais, em construir novos prédios na área.
A partir disso, utilizou-se a calculadora deflacionária87 do site do Banco Central
do Brasil para calcular a inflação no período e, assim, vislumbrar se o preço do metro
quadrado na área, em 2012, de fato foi associado à explosão imobiliária ou se teve seu
preço aumentado devido, fundamentalmente, à correção dos preços inflacionários. As
datas escolhidas (mês/ano) para comparação foram Junho de 2002 e Junho de 2012.
Neste período, o índice de correção foi de 2,2165815 e o percentual correspondente foi
de 121,6581500%. Com essas informações, pode-se calcular o (fictício) preço do metro
quadrado nas áreas destacadas, conforme estudo da imobiliária Sérgio Castro Imóveis,
contando apenas com as modificações inflacionais do período selecionado (2002 até
2012).

Quadro 1: Aumento percentual no metro quadrado da área de estudo, entre os anos de 2002 e 2012, pelas
zonas de elevada variação nos preços, segundo estudo da Sérgio Castro Imóveis.

Localidades Preço Preço Percentual de Preço que seria Percentual de


aproximado aproximado m² aumento praticado apenas aumento total,
m² em 2002 em 2012 (em total com a variação entre 2002 e
(em Reais) Reais) (2002-2012) inflacionária entre 2012, acima da
2002 e 2012 (em inflação
Reais)
SÁUDE
*Imediações *Prédios *Prédios antigos: *Prédios *Prédios antigos: *Prédios antigos:
da Praça antigos: 4.750,00 antigos: 375% 2.216,58 114,29%
Mauá 1.000,00

* Prédios *Prédios novos: *Prédios *Prédios novos: *Prédios novos:


novos: 14.000,00 novos: 300% 7.758,04 80,45%
3.500,00
*Imediações *Prédios *Prédios antigos: *Prédios *Prédios antigos: *Prédios antigos:
do Morro da antigos: 4.750,00 antigos: 375% 2.216,58 114,29%
Conceição 1.000,00

87
Esta ferramenta pode ser encontrada e manuseada através do seguinte link:
https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirFormC
orrecaoValores&aba=1. Acesso em outubro de 2016.

103
*Prédios *Prédios novos: *Prédios *Prédios novos: *Prédios novos:
novos: 14.000,00 novos: 300% 7.758,04 80,45%
3.500,00
*Av. *Prédios *Prédios antigos: *Prédios *Prédios antigos: *Prédios antigos:
Venezuela antigos: 3.000,00 antigos: 500% 1.108,29 170,68%
500,00
*Av. Barão
de Tefé * Prédios *Prédios novos: *Prédios *Prédios novos: não *Prédios novos:
novos: não há 11.000,00 novos: Não há há não há
*Rua
Sacadura
Cabral
GAMBOA
*Entorno do *Prédios *Prédios antigos: *Prédios *Prédios antigos: *Prédios antigos:
Morro da antigos: 1.200,00 antigos: 140% 1.108,29 08,27%
Providencia 500,00
*Prédios novos: não *Prédios novos:
*Fundos da *Prédios *Prédios novos: *Prédios há não há
Central do novos: não há 6.000,00 novos: não há
Brasil
*Rua do *Prédios *Prédios antigos: *Prédios *Prédios antigos: *Prédios antigos:
Livramento e antigos: 1.500,00 a antigos: 200% 1.108,29 de 35,34% a
imediações 500,00 2.500,00 a 400% 125,57%
*Prédios novos: não
*Rua da *Prédios *Prédios novos: *Prédios há *Prédios novos:
Gamboa e novos: não há 10.000,00 novos: não há X
imediações
SANTO
CRISTO
*Entorno do *Prédios *Prédios antigos: *Prédios *Prédios antigos: *Prédios antigos:
Morro do antigos: 1.500,00 a antigos: 200% 1.108,29 de 35,34% a
Pinto 500,00 2.500,00 a 400% 125,57%

*Imediações *Prédios *Prédios novos: *Prédios *Prédios novos: não *Prédios novos:
da Rua novos: não há 10.000,00 novos: não há há não há
Equador
FONTE: Adaptado de estudo elaborado pela Imobiliária Sérgio Castro Imóveis e divulgado pelo site
do Jornal O Globo, em publicação de 2012.

Através do Quadro 1, vê-se que houve áreas da Zona Portuária nas quais
aconteceu aumento de valores significativamente acima da inflação. O trecho na Saúde,
representado pelas Av. Venezuela, Av. Barão de Tefé e Rua Sacadura Cabral, foi o que
mais teve valorização entre 2002 e 2012. Não por acaso, há grandes empreendimentos
corporativos que lá estão sendo erguidos, a exemplo da sede nacional da L’oréal Brasil
(Av. Barão de Tefé) e do imponente Vista Guanabara (Av. Barão de Tefé). Há também
que se assinalar uma considerável modificação de usos. A rua Sacadura Cabral, por
exemplo, deixou de ser caracterizada pela predominância de botequins e prostituição,
passando a centralizar boates, casas de festas e bares. Até uma champanheria, a Jazz
In’88, já está em funcionamento no logradouro. Com funcionamento de terça a sábado,

88
Para maiores informações sobre o empreendimento, visitar o site: http://jazzin.com.br/. Acesso em
outubro de 2016.

104
os preços para entrada neste último estabelecimento são diferenciados: entre terças-
feiras e sextas-feiras custam R$30,00 e, aos sábados, o valor varia de acordo com a
atração.
Com relação à dinâmica imobiliária do ano de 2016, conseguimos as
informações também através da Sérgio Castro Imóveis, em entrevistas realizadas tanto
por telefone89 quanto por e-mails. Segundo os corretores entrevistados, há, atualmente,
maior homogeneidade de preços pelos três bairros (contrastando com as informações
relativas a 2002 e 2012). De modo objetivo, o preço médio do metro quadrado, em
2016, podendo variar em até R$ 2.000,00 para mais ou para menos, está discriminado
da seguinte forma: prédios antigos de uso residencial, R$ 7.000,00 / prédios antigos de
uso corporativo, R$ 9.000,00 / prédios novos de uso corporativo, R$ 12.000,00. Cabe
ressaltar que a variante “prédios novos de uso residencial” não foi empregada em razão
de, conforme os corretores entrevistados, ainda não haver novos empreendimentos nessa
modalidade.
O preço médio nos anos de 2002 e 2012 foi obtido através da média aritmética
dos preços90 encontrados no estudo da Sérgio Castro Imóveis, publicado pelo Jornal O
Globo. Cabe ainda ressaltar que a variável prédios antigos, para os anos de 2002 e
2012, engloba usos residenciais e corporativos. Já a variável prédios novos engloba
apenas o uso corporativo. O mesmo padrão segue para o ano de 2016, mas com a
diferença de que o preço médio do metro quadrado para prédios antigos de uso
corporativo difere do para fins residenciais. Enquanto os prédios antigos de uso
corporativo estão na faixa de R$9.000,00, os de uso residencial estão na faixa de
R$7.000,00.
A elevação do preço médio do metro quadrado nos três bairros de análise é, pois,
evidente. No caso específico da Saúde, com relação aos prédios antigos, em 2002 o
preço do metro quadrado estava em torno de R$ 833,00. Em 2012, este preço salta para
R$4.167,00 e, no ano de 2016, o metro quadrado para prédios antigos residenciais
esteve na faixa de R$ 7.000,00 e, o relativo a prédios corporativos, em torno de R$

89
As entrevistas por telefone foram realizadas em outubro de 2016 com corretores do “setor de vendas”
da empresa Sérgio Castro Imóveis.
90
A confecção deste método para obter os preços do metro quadrado na área de estudo, em 2002 e 2012,
justifica-se pela impossibilidade de fornecer os referentes dados, segundo corretores de empresas como
Sérgio Castro Imóveis; Patrimóvel e Secovi-RJ. De acordo com os entrevistados das duas primeiras
empresas citadas, eles não poderiam disponibilizar tal informação por não trabalharem, na época
solicitada, no ramo. Já na empresa Secovi-RJ, os corretores entrevistados argumentaram que a imobiliária
não estava comercializando empreendimentos na Zona Portuária e que, devido a isso, não tinham acesso
às informações que se buscava.

105
9.000,00. Com relação ao preço do metro quadrado para prédios novos, o ano de 2002
apresentou variação média de R$ 3.500,00 (nas áreas onde havia algum interesse
construtivo). Chegando em 2012, o preço médio do metro quadrado saltou para R$
13.000,00 e, já em 2016, esteve na casa dos R$ 12.000,0091 (Gráfico 792).

Gráfico 7: Saúde - Variação do preço médio do metro quadrado


envolvendo prédios novos e antigos, 2002; 2012 e 2016.

14,000
12,000
Preço médio do m²

10,000
8,000
6,000
4,000
2,000
0
ano 2002 ano 2012 ano 2016
Prédios novos (m² R$) 3,500 13,000 12000
Prédios antigos (m² R$) 833 4167 9000

FONTE: Entrevista com corretores da Imobiliária “Sérgio Castro Imóveis” e Jornal O Globo
(2012).

A dinâmica imobiliária, na Gamboa, também apresenta curva com elevada


ascendência no preço do metro quadrado. No que concerne aos prédios antigos, o ano
de 2002 apresentou um preço médio do metro quadrado de R$500,00. Em 2012, o
preço mais que dobrou, chegando a aproximadamente R$1.733,00. Já em 2016, o
metro quadrado para prédios antigos residenciais esteve na faixa de R$7.000,00 e o
relativo a prédios corporativos em torno de R$9.000,00. Nos preços relativos aos
prédios novos, o ano de 2002 não apresenta indicadores de preço93, o ano de 2012

91
Valor este referente apenas para prédios com finalidade de uso corporativo. Como ainda não foram
construídos novos prédios com função residencial, as empresas que dialogam com o mercado imobiliário
ainda não têm dados amostrais para indicar o valor médio do metro quadrado.
92
Tendo-se como referência a média dos preços do metro quadrado para prédios novos e antigos na
Saúde, em 2002 (respectivamente R$3.500,00 e R$833,00), os preços do metro quadrado para os anos de
2012 e 2016, levando-se em consideração apenas o aumento da inflação: Prédios novos em 2012 teriam o
metro quadrado orçado em R$7.758,04 e no ano de 2016, R$10.382,78 . Já o metro quadrado para prédios
antigos no ano de 2012 custariam R$1.846,41 e em 2016, R$2.451,10.
93
Isso se justifica pela não intenção de atores ligados ao mercado imobiliário em investir em novas
construções, na área, em 2002. A mesma ocorrência acontece no bairro Santo Cristo também em 2002.

106
possui preço médio de R$8.000,00 e o de 2016, já chegou ao patamar de R$12.000,00
(Gráfico 894).

Gráfico 8: Gamboa - Variação do preço médio do metro quadrado


envolvendo prédios novos e antigos, 2002; 2012 e 2016

14000
12000
Preço médio do m²

10000
8000
6000
4000
2000
0
ano 2002* ano 2012 ano 2016
Prédios novos (m² R$) 8000 12000
Prédios antigos (m² R$) 500 1733 9000

FONTE: Entrevista com corretores da Imobiliária “Sérgio Castro Imóveis” e Jornal O Globo
(2012).

* Em 2002 não havia indicador de preços para prédios novos na Gamboa.

A evolução do preço médio do metro quadrado em Santo Cristo também


apresenta padrão de intensa ascendência. Com relação aos prédios antigos, o ano de
2002 apresentava uma faixa de preço de aproximadamente R$ 500,00. Já em 2012, o
preço quadriplicou, chegando ao total de R$2.000,00. Já em 2016, o metro quadrado
para prédios antigos residenciais esteve na faixa de R$ 7.000,00 e o relativo aos prédios
corporativos, em torno de R$ 9.000,00. No que se refere aos prédios novos, Santo Cristo
não tinha indicadores de preço para o ano de 2002. Já o ano de 2012 apresenta preço do
metro quadrado em torno de R$ 10.000,00. Entrando em 2016, esse valor subiu ainda

Devido a isso, não há marcação no campo destinado ao preço médio, em 2002, nos gráficos relativos a
Gamboa e a Santo Cristo, para prédios novos.
94
Tendo-se como referência a média dos preços do metro quadrado para prédios novos no ano de 2012,
levando-se em consideração apenas o aumento da inflação, o ano de 2016 teria como preço médio do
metro quadrado R$10.777, 27. Já os preços médios para prédios antigos, em 2012 e 2016, contando
apenas com a inflação do período e tendo-se como base o preço de 2002: em 2012, o preço médio do
metro quadrado estaria orçado em R$1.108,29. Já no ano de 2016, o preço seria de R$1.483,25 .

107
mais, chegando a R$ 12.000,00, sobretudo para empreendimentos corporativos (Gráfico
995).

Gráfico 9: Santo Cristo - Variação do preço médio do metro


quadrado envolvendo prédios novos e antigos, 2002; 2012 e 2016

14000
12000
Preço médio do m²

10000
8000
6000
4000
2000
0
ano 2002* ano 2012 ano 2016
Prédios novos (m² R$) 8000 12000
Prédios antigos (m² R$) 500 1733 9000

FONTE: Entrevista com corretores da Imobiliária “Sérgio Castro Imóveis” e Jornal O Globo
(2012).

* Em 2002 não havia indicador de preços para prédios novos em Santo Cristo.

No seio deste processo de encarecimento fundiário, há intensa produção de


paisagens urbanas para que as classes médias e médias altas possam consumir. Há que
se acrescentar que esta etapa é posterior à expulsão de grupos relacionados a
movimentos sociais de sem-teto e também de moradores em situação de rua. No recorte
analítico deste estudo, o bairro da Saúde e a Praça Mauá são os que estão mais
adiantados nessa lógica de (re) produção espacial. Smith (2006) alerta que apesar das
novas paisagens serem aparentemente democráticas, há elevadíssima desigualdade no
consumo.
A gentrificação em curso no Rio de Janeiro dialoga com o que Neil Smith
denominou “gentrificação generalizada” ou, simplesmente, a “terceira onda” do

95
Tendo-se como referência a média dos preços do metro quadrado para prédios novos o ano de 2012,
levando-se em consideração apenas o aumento da inflação, o ano de 2016 teria como preço médio do
metro quadrado R$10.777, 27. Já os preços médios para prédios antigos em 2012 e 2016, contando
apenas com a inflação do período e tendo-se como base o preço de 2002: em 2012 estaria orçado em
R$1.108,29. Já no ano de 2016, o preço seria de R$1.483,25.

108
processo de gentrificação. Sobre isso é importante explicitar que o geógrafo, ao utilizar
o termo “generalizada”, não faz alusão apenas à difusão do processo pelo globo. Há
modificações na estruturação do processo que variam de acordo com a “onda”. Sua
abstração teórica deriva de estudo feito em Nova Iorque96, no qual foram identificadas
três fases distintas do processo analisado. Sobre a característica central da gentrificação
em cada onda, Smith (2006) afirma que:

[...] cada uma das três ondas apresenta uma particularidade: a primeira
poderia ser chamada de gentrificação esporádica; a segunda seria a
consolidação do processo; enquanto que na terceira frente a uma
gentrificação generalizada (SMITH, 2006, p. 63).

Não estamos defendendo, no presente estudo, que o Rio de Janeiro tenha


passado pelas três ondas de gentrificação verificadas por Neil Smith em Nova Iorque,
mas que o caso verificado na Zona Portuária possui muitas particularidades próximas às
características do que o autor chamou de gentrificação generalizada.
De acordo com SMITH (2006), a gentrificação na terceira onda não representa
mais simplesmente uma estratégia residencial. A gentrificação passou a abranger mais
do que edifícios reabilitados e apartamentos reformados. O componente residencial vem
acompanhado, de modo intenso, de transformação das paisagens, de usos, de funções e
de frequentadores das áreas gentrificadas. Ressalte-se que essas transformações na Zona
Portuária serão melhor esmiuçadas no Capítulo 4.
Com relação à temporalidade da terceira onda da gentrificação, seguindo a
retórica de Smith (2006), ela data dos anos 1990. As reestruturações espaciais de
Barcelona e do Puerto Madeiro são casos que ilustram a gentrificação generalizada. No
Rio de janeiro, o processo se iniciou de modo tardio, já no final da primeira década do
Século XXI. Dentre as razões para tal “atraso” (já discutidas no Capítulo 2), destaca-se
a falta de articulação político partidária entre as esferas de administração pública
municipal, estadual e federal, nos anos 1990 e início dos anos 2000.
Chegando ao final deste capítulo, vale fazer duas poderações. A primeira – sob
influência de Souza (2016) – é que procurou-se tomar cuidados para utilizar o conceito
de gentrificação de modo criterioso. Isso é importante porque ele foi originalmente
desenvolvido fora do contexto geográfico e social do recorte empírico analisado
96
Smith (2006, p. 73) justifica sua escolha por tomar Nova Iorque como “laboratório” porque em quase
quatro décadas essa cidade viu evoluir sua gentrificação de uma anomalia local para uma estratégia
urbana articulada. O autor também explicita que sua teoria não se aplica a todos os casos empíricos de
cidades impactadas pelo processo de gentrificação, citando como exemplo a Cidade do México.

109
(sobretudo nos EUA e na Europa). Embora a maioria das fontes teóricas apresentadas
sejam estrangeiras, este autor buscou elos e aproximações diversas com a Zona
Portuária do Rio de Janeiro. Esse caminho justifíca-se pela tentativa de evitar uma
análise na qual se privilegiem abordagens teóricas não enquadráveis ao recorte espacial
analisado, além de paralelo surgimento de contradições explicativas e, ainda, dicotomias
entre o objeto de pesquisa e sua respectiva reflexão teórica. Já a segunda diz respeito a
duas características-chave do processo de gentrificação: deslocamento e exclusão
simbólica (SOUZA, 2016). Embora a gentrificação não se reduza a essas duas palavras-
chave, elas têm capacidade de apontar duas de suas principais consequências, quais
sejam, o deslocamento de pessoas e a exclusão simbólica. O deslocamento (de pessoas
pouco abastadas) pode ser direto ou indireto, ou seja, através de remoções compulsórias
ou pela perda de capacidade financeira do residente em se manter na localidade; já a
exclusão simbólica é mais ampla, uma vez que ela diz respeito tanto a atividades
estigmatizadas como “sujas”, quanto a determinados grupos sociais.

110
4. COESÃO ESPACIAL ENTRE A ZONA PORTUÁRIA E O NÚCLEO
CENTRAL DO RIO DE JANEIRO

A Zona Portuária está passando por intenso processo de reestruturação pautado


na substituição de usos considerados de baixo status por funções “mais nobres”, o que
envolve o comércio cultural, o lazer e empreendimentos corporativos e hoteleiros de
elevado padrão. Essa roupagem está se materializando no espaço devido à atuação de
atores sociais ligados ao Estado e à esfera privada e, com isso, está desencadeando um
movimento de coesão espacial entre a Zona Portuária e o distrito central de negócios.
Esse processo se traduz na cada vez maior articulação entre a Zona Portuária e o
Núcleo Central, perfazendo-se empiricamente através da “costura” física e junção
funcional do tecido urbano97. Dentre as características do processo de coesão espacial
discutidas por Corrêa (1989), destacamos para o objeto desta análise: a) criação de
economia de escala a partir da aglomeração de várias firmas com o intuito de atrair mais
atividades relacionadas e b) necessidade de contatos pessoais, sendo a acessibilidade
essencial, como nas sedes empresariais.
Pode-se vislumbrar a primeira característica exposta por Corrêa (1989), com
relação à coesão, quando se observa as principais justificativas para realocação
empresarial na área de estudo. De acordo com a Tishman Speyer, empresa que investira
na Zona Portuária, em seu site oficial:

A localização do empreendimento é privilegiada, na Av. Rio de Janeiro nº


555. Erguido em um terreno de 13.000² de frente para o mar, a torre é
acessível a partir de todas as regiões da cidade, sendo atendida pelos
principais eixos viários disponíveis. [...] Nesta localização outros projetos
comerciais de escritórios, serviços, restaurantes e lojas estão sendo
desenvolvidos tornado esta área a primeira a ser consolidada na região do
Porto Maravilha (TISHMAN SPEYER, 2015)98.

A coesão espacial entre a Zona Portuária e o Centro da cidade do Rio de Janeiro


pode ser interpretada como a superação parcial de suas descontinuidades funcionais.
Dentre as consequências deste processo espacial tem-se a ampliação do raio de
circulação de pessoas interessadas em negócios e consumos de bens e serviços na área.

97
A “costura” física e a junção funcional entre a Zona Portuária e Centro da cidade pode ser observada
através da materialização do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), além da repadronização na infraestrutura
urbana e instalação de empreendimentos corporativos e culturais, como o Museu do Amanhã e o Museu
de Arte do Rio na AEIU do consórcio Porto Maravilha.
98
Disponível em http://www.tishmanspeyer.com.br/comercial-porto-localizacao.php

111
De acordo com Pires do Rio (2012), as descontinuidades intraurbanas podem ser
traduzidas nas diferenças de nível de renda entre bairros ou entre áreas de um mesmo
bairro. Em virtude da requalificação espacial e da atração de capitais de diferentes
naturezas, na área de estudo, percebe-se a diminuição da diferença entre Zona Portuária
e Núcleo Central, no que diz respeito aos preços fundiários e ao valor agregado às
atividades recentemente instaladas. Os frequentadores da área estão vislumbrando novas
opções de consumo espacial, em razão da reestruturação.

Foto 10: Pessoas passeando na “Nova” Praça Mauá. Novos consumos espaciais

Fonte: Pesquisa de campo, 2015.


Autoria própria.

Outro ponto importante neste processo de coesão espacial entre a Zona Portuária
e o Núcleo Central é a materialização do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), que as
conecta paisagisticamente e auxilia no aumento da fluidez de pessoas entre as
localidades, o que é considerado significativo, pois eleva ainda mais o preço da terra e
se torna mais um fator de atração empresarial para a área e, ainda, marca
simbolicamente a (re)inserção funcional destes dois segmentos da Área Central. Através
da Figura 13, pode-se ver como o traçado do VLT integrara as áreas anteriormente
separadas com relação a usos e funções, dentre outras razões, pelo desenho de grandes
avenidas.
112
Figura 13: Traçado do VLT: Maior integração entre a Zona Portuária e o centro da cidade

Fonte: PORTO MARAVILHA, 2015.

Inaugurada em junho de 2016, a primeira etapa do VLT teve custo de R$1,157


bilhão, sendo R$532 milhões adquiridos por meio de recursos federais oriundos do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Mobilidade e outros R$625 milhões
viabilizados por meio de uma parceria público-privada, envolvendo a Prefeitura do Rio
de Janeiro. De acordo com o site oficial do VLT Carioca99, o consórcio que gerencia o
empreendimento é formado pelas seguintes empresas: 1. CCR (por meio da CCR
Actua); 2. Odebrecht Transport; 3. Invepar; 4. Riopar Participações; 5. BRt e 6. RATP
do Brasil Operações. Ressalte-se que o contrato desta PPP possui durabilidade de 25
anos.
O VLT Carioca é uma forma simbólica espacial e há uma dimensão imaterial em
seu torno que não pode ser vulgarizada. Ele simboliza um marco materialmente
projetado por um grupo político (PMDB-RJ) e, também, a interligação da Zona
Portuária ao Centro financeiro da cidade. Essa constatação pode ser empiricamente
apreendida pela contemplação de atos contra o governo municipal na Área Central, em
que o VLT foi alvo dos manifestantes.

99
Disponível em http://vltrio.rio/transparencia/

113
Foto 11: VLT Carioca alvo de manifestantes, no Centro

FONTE: http://meiahora.ig.com.br/policia/2016-06-22/

O esquema a seguir ilustra os pontos de parada referentes à primeira etapa do


VLT Carioca, revelando a intensificação da conexão envolvendo núcleo central e Zona
Portuária100. Sua velocidade máxima é de 50 km/h e a demanda média estimada de
passageiros, por dia útil, é de 250 mil. O elevado número de usuários se justifica,
segundo o projeto original, pelo novo modal integrar todos os meios de transporte do
Centro e da Região Portuária (barcas, metrô, trem, ônibus, aeroporto, teleférico,
terminal de cruzeiros marítimos e, futuramente, o BRT Transbrasil). Com a ampliação
do acesso aos bairros da Zona Portuária, novos empreendimentos serão atraídos e seus
modernos estabelecimentos poderão ter a lucratividade impulsionada.

Figura 14: Pontos de parada do VLT referente à etapa 1. Etapas 2 e 3 ainda em construção

FONTE: http://www.vltrio.com.br/

100
O segundo trecho, com obras em andamento, conectará a Central do Brasil com a Praça XV.

114
Além do VLT Carioca, que conecta fisicamente o núcleo central à Zona
Portuária, outra questão importante para a efetivação do processo de coesão espacial é a
variedade de modais de transporte disponíveis, com vistas a aumentar ainda mais a
acessibilidade e a fluidez na circulação das pessoas. Na figura abaixo, estão os traçados
do novo sistema de transporte em operação na Zona Portuária do Rio de Janeiro.

Figura 15: Novo sistema de transporte na Zona Portuária do Rio de Janeiro

Fonte: PORTO MARAVILHA, 2015.

Saliente-se que a coesão espacial entre a Zona Portuária e o Núcleo Central se


trata de uma intencionalidade do Consórcio Porto Maravilha. Ao incentivar a chegada
de empresas, de investidores e de empreendimentos e ao fomentar tipos específicos de
usos, os executores do projeto estão impactando diretamente na aproximação funcional
dessa área com o Distrito Central de Negócios, sendo a maximização do aproveitamento
econômico da área reestruturada, um dos principais efeitos almejados.
Dentre as projeções no espaço do referido processo de coesão espacial tem-se a
presença de agentes da operação Centro Presente101 pela área reestruturada da Zona
Portuária. Embora os agentes de segurança se concentrem na "Nova" Praça Mauá,
trecho do Centro, eles também patrulham a Gamboa e o Santo Cristo  principalmente

101
Essa operação é fruto de parceria entre o Governo do Estado do Rio de Janeiro e o Sistema
Fecomércio RJ.

115
no Boulevard Olímpico. Esse dado é relevante por mostrar que a Zona Portuária está
passando a ser reconhecida como parte integrante do Centro. A Foto 12 expõe a
situação retratada.

Foto 12: Agentes da operação "Centro Presente" patrulhando no Boulevard Olímpico, na altura
do Armazém Utopia, em Santo Cristo.

Fonte: Trabalho de campo, 2016.


Autoria própria.

A Figura 16, extraída do site oficial da OUC Porto Maravilha, expõe os novos
empreendimentos que estão previstos para se alocarem na área reestruturada. No total,
aparecem 46 novos empreendimentos residenciais (que ainda não saíram do papel); 45
novos empreendimentos comerciais; nove novos empreendimentos hoteleiros; oito
novos empreendimentos de uso cultural; seis novos empreendimentos de uso
institucional e 12 novos empreendimentos enquadram-se no item “outros usos”. Os
bairros com prognóstico de receberem a maioria dos novos empreendimentos são
Saúde, Gamboa e Santo Cristo.

116
Figura 16: Novos empreendimentos na Zona Portuária do Rio de Janeiro

Os Quadros 2, 3, 4, 5, 6 e 7 detalham os novos empreendimentos que estão


sendo prognosticados e especulados para serem erguidos na Zona Portuária do Rio de
Janeiro. Os dados que as abastecem foram coletados no site oficial do Porto Maravilha e
dizem respeito, respectivamente, aos novos empreendimentos de uso residencial,
comercial, hoteleiro, cultural, institucional e outros. Destaca-se que, neste momento,
para fins de análise, não estamos considerando a esfera de atuação dos empreendedores
(estatal ou privada), mas a sua identificação, tais quais algumas características de seus
empreendimentos.

Quadro 2: Empreendedores residenciais que estão atuando na AEIU do Porto Maravilha, 2016.

EMPREENDEDOR RESIDENCIAL ENDEREÇO EMPREENDIMENTO OBSERVAÇÕES DESCRIÇÃO


IOTA Empreendimentos Rua Gal. Luiz Mendes de 1333 Unidades Residenciais; Construção
Imobiliários Moraes, 65 33 Lojas
Cidade de Lima SPE Av. Cidade de Lima, 340 / 350 550 Unidades Residenciais; 11 Construção
Empreendimentos Imobiliários Lojas; 208 Salas Comerciais
S/A
Secretaria Municipal de Rua Nabuco de Freitas, 95 118 Unidades Residenciais Construção
Habitação
Secretaria Municipal de Rua Cardoso Marinho, 68 100 Unidades Residenciais Construção

117
Habitação
SMH - Fundação Bento Rubião Rua da Gamboa, 345 / 365 / 116 Unidades Residenciais Construção
367
Movimento Nacional de Luta Rua da Gamboa, 120 / 122 * Construção
pela Moradia
CDURP Rua da Gamboa, 111 230 Unidades Residenciais Reforma com
acréscimo
Secretaria Municipal de Rua do Livramento, 186 10 Unidades Residenciais; 01 Reforma
Habitação Unidade Comercial
Secretaria Municipal de Rua do Livramento, 170 04 Unidades Residenciais; 01 Reforma
Habitação Unidade Comercial
Secretaria Municipal de Rua do Livramento, 169 / 171 14 Unidades Residenciais; 01 Reforma
Habitação Unidade Comercial
Secretaria Municipal de Rua do Livramento, 165 / 167 15 Unidades Residenciais Construção
Habitação
Secretaria Municipal de Rua do Livramento, 146 08 Unidades Residenciais Reforma
Habitação
Secretaria Municipal de Rua Pedro Ernesto, 57 07 Unidades Residenciais; 01 Reforma
Habitação Unidade Comercial
Secretaria Municipal de Rua do Livramento, 141 / 143 22 Unidades Residenciais Reforma
Habitação
Secretaria Municipal de Rua Cunha Barbosa, 39 06 Unidades Residenciais; 01 Reforma
Habitação Unidade Comercial
Secretaria Municipal de Rua do Livramento, 111 07 Unidades Residenciais; 01 Reforma
Habitação Unidade Comercial
Secretaria Municipal de Rua do Livramento, 97 / 99 10 Unidades Residenciais; 01 Reforma
Habitação Unidade Comercial
Secretaria Municipal de Rua do Livramento, 93 / 95 08 Unidades Residenciais; 02 Reforma
Habitação Unidades Comerciais
Secretaria Municipal de Rua do Livramento, 94 05 Unidades Residenciais; 01 Reforma
Habitação Unidade Comercial
Secretaria Municipal de Rua do Livramento, 72 / 74 / 76 18 Unidades Residenciais; 02 Reforma
Habitação Unidades Comerciais
Secretaria Municipal de Rua do Livramento, 73 / 75 / 77 15 Unidades Residenciais; 02 Reforma
Habitação Unidades Comerciais
Secretaria Municipal de Rua do Livramento, 67 / 69 13 Unidade Residenciais; 01 Reforma
Habitação Unidade Comercial
Secretaria Municipal de Rua do Livramento, 65 05 Unidades Residenciais; 01 Reforma
Habitação Unidade Comercial
Secretaria Municipal de Rua do Monte, 59 06 Unidades Residenciais Reforma
Habitação
CDURP Rua Silvino Montenegro, 5 75 Unidades Residenciais Construção
TS 16 Participações Ltda Av. Venezuela, 232 - 264 720 Unidades Residenciais; 05 Construção
Lojas
TS 16 Participações Ltda Av. Venezuela, 194 - 224 720 Unidades Residenciais; 05 Construção
Lojas
Secretaria Municipal de Rua Sacadura Cabral, 167 09 Unidades Residenciais; 01 Reforma
Habitação Unidade Comercial
Secretaria Municipal de Rua Sacadura Cabral, 143 14 Unidades Residenciais; 01 Reforma
Habitação Unidade Comercial
Secretaria Municipal de Ladeira João Homem, 64 / 66 12 Unidades Habitacionais Reforma
Habitação
Secretaria Municipal de Ladeira do João Homem, 41 10 Unidades Residenciais Construção
Habitação
Secretaria Municipal de Ladeira do Faria, 91 49 Unidades Residenciais Construção
Habitação
Secretaria Municipal de Rua Barão de São Félix, 140 27 Unidades Residenciais Reforma
Habitação

118
Instituto de Terras e Cartografia Rua Barão de São Félix, 110 59 Unidades Residenciais Retrofit
do Estado do RJ – ITERJ
Secretaria Municipal de Rua Barão de São Félix, 108 13 Unidades Residenciais; 01 Reforma
Habitação Unidade Comercial
Secretaria Municipal de Rua Costa Ferreira, 86 10 Unidades Residenciais Reforma
Habitação
Secretaria Municipal de Rua Costa Ferreira, 22 / 24 / 26 22 Unidades Residenciais; 02 Reforma
Habitação Unidades Comerciais
Peckson Engenharia Ltda Rua Senador Pompeu, 134 22 Unidades Residenciais; 01 Reforma com
Unidade Comercial acréscimo
Secretaria Municipal de Rua Senador Pompeu, 133 11 Unidades Residenciais; 01 Reforma
Habitação Unidade Comercial
Secretaria Municipal de Av. Marechal Floriano, 209 05 Unidades Residenciais; 01 Reforma
Habitação Unidade Comercial
Secretaria Municipal de Rua Alexandre Mackenzie, 64 09 Unidades Residenciais Construção
Habitação
Secretaria Municipal de Ladeira Pedro Antônio, 31 16 Unidades Residenciais Reforma
Habitação
Secretaria Municipal de Rua Leandro Martins, 90 / 92 22 Unidades Residenciais; 01 Reforma
Habitação Unidade Comercial
Secretaria Municipal de Rua da Conceição, 151 10 Unidades Residenciais; 01 Reforma
Habitação Unidade Comercial
Bruno Fernandes Gibin e outros Rua da Conceição, 179 9 Unidades Residenciais Residencial
Secretaria Municipal de Rua Leandro Martins, 48 / 50 / 08 Unidades Residenciais; 02 Reforma
Habitação 52 Unidades Comerciais
Fonte: Adaptado de http://www.portomaravilha.com.br/mapa_empreendimentos. Acesso em abril de
2016.

Quadro 3: Empreendedores comerciais que estão atuando na AEIU do Porto Maravilha, 2016.

EMPREENDEDOR COMERCIAL ENDEREÇO EMPREENDIMENTO OBSERVAÇÕES DESCRIÇÃO


Landmark Properties Participações
Ltda. Av. Francisco Bicalho, 49, Lt. 1 39 Lojas; 57 Lajes Comerciais Construção
Landmark Properties Participações
Ltda. Av. Francisco Bicalho, 49, Lt. 2 23 Lojas; 38 Lajes Comerciais Construção
Ribeira Empreendimentos
Imobiliários Ltda Rua Com. Garcia Pires, 46 10 Lojas; 80 Salas Comerciais Construção
Partifib Projetos Imobiliários F55
Ltda. Rua Equador, 580 / 580A 6 Lojas; 158 Salas Comerciais Construção
Uirapuru Participações Ltda Av. Rodrigues Alves, 809 - 819 6 Lojas; 22 Lajes Comerciais Construção
JPL - Porto Maravilha
Empreendimentos Imobiliários e
Participações Ltda. Av. Rodrigues Alves, 791 - 807 08 Lojas; 26 Salas Comerciais Construção
Partifib Projetos Imobiliários F55
Ltda. Rua Equador, 580 / 580A 6 Lojas; 158 Salas Comerciais Construção
Saíra Diamante Empreendimentos Av. Cidade de Lima, 153 / 185 e
Imobiliários Ltda Rua Santo Cristo, 226 / 260 / 272 6 Lojas; 14 Salas Comerciais Construção
Edifício Odebrecht S/A Av. Cidade de Lima, 86 9 Lojas; 22 Salas Comerciais Construção
Askella Empreendimentos
Imobiliários S/A Av. Cidade de Lima, 86 13 Lojas; 76 Salas Comerciais Construção
Arrakis Empreendimentos 50 Lojas; 54 Lajes Comerciais;
Imobiliários S/A Rua Equador, 47 330 Salas Comerciais Construção
Erlanio Carlos de Oliveira Rua Santo Cristo, 83 * Construção
TS 19 Participações Ltda Av. Rodrigues Alves, 541 / 543 18 Lojas; 42 Lajes Comerciais Construção
Porto 130 Emprendimento Rua do Propósito, 130 * Retrofit

119
Imobiliário Ltda.
SBA Participações e
Empreendimentos Ltda Rua Pedro Ernesto, 120 * Retrofit
Reforma com
TJLP Incorporadora Ltda Rua do Livramento, 204 * acréscimo
RioUrbe Rua Bento Ribeiro, 104 * Construção
Reforma com
AFV Imóveis e Participações Ltda. Rua Barão de São Félix, 147 * acréscimo
Construção;
VINCI Real Estate Gestora de Reforma com
Recursos Ltda Rua Sacadura Cabral 23 Lojas; 33 Salas Comerciais acréscimo
Construção;
VINCI Real Estate Gestora de Reforma com
Recursos Ltda Av. Venezuela 11 Lojas; 52 Salas Comerciais acréscimo
VINCI Real Estate Gestora de Reforma sem
Recursos Ltda Av. Venezuela 3 Lojas; 6 Salas Comerciais acréscimo
VINCI Real Estate Gestora de Reforma sem
Recursos Ltda Av. Rodrigues Alves, 295 3 Lojas; 10 Salas Comerciais acréscimo
Av. Rodrigues Alves, 261 / 269 /
SubSea 7 275 1 Sede Retrofit
Reforma com
Píer Mauá S/A Av. Rodrigues Alves, 241 31 Lojas; 9 Salas Comerciais acréscimo
Autonomy | GTIS Barão de Tefé
Empreendimentos Imobiliários Av. Barão de Tefé, 34 e Av.
Ltda Venezuela, 174 1 Loja; 34 Salas Comerciais Construção
Organizações Farinha Pura Ltda Av. Barão de Tefé, 74 7 Lojas; 44 Salas Comerciais Construção
Tradex Consultoria, Participações
e Investimentos S/A Av. Venezuela, 159 6 Salas Comerciais Retrofit
Av. Venezuela, 154 / 156 e Av.
JPL Comercial e Agrícola Ltda Barão de Tefé, 27 * Construção
The Week Rua Sacadura Cabral, 152 / 154 * Reforma
Reforma com
João Luiz Gomez Barbosa e outro Rua Sacadura Cabral, 149 * decréscimo
Rua Sacadura Cabral, 135 / 137 / Reforma com
Carlos E. da Rocha / The Week 139 * acréscimo
Reforma com
Lojas Americanas S/A Rua Sacadura Cabral, 122 - 130 * acréscimo
B2W - Companhia Global de
Varejo Rua Sacadura Cabral, 108 1 Loja; 1 Sede Construção
Reforma sem
Lojas Americanas S/A Rua Sacadura Cabral, 102 * acréscimo
São Carlos Empreendimentos e
Participações S/A Av. Venezuela, 43 * Retrofit
Opportunity Fundo de Avenida Presidente Vargas, 1106
Investimento Imobiliário – 1146 06 Lojas; 120 Salas Comerciais Construção
Reforma com
Maria Amélia Machado Guimarães Av. Marechal Floriano, 106 a 110 * acréscimo
Performance Passos
Empreendimentos Imobiliários
Ltda. Av. Passos, 111 1 Loja; 17 Salas Comerciais Construção
BRPR Desenvolvimentos
Imobiliários Ltda Av. Pres. Vargas, 824 / 844 * Retrofit
Opportunity Fundo de Rua Miguel Couto, 98 a 104 / Reforma com
Investimento Imobiliário Rua Teófilo Otoni, 101 * acréscimo
Pelicano Empreendimentos
Imobiliários Ltda Rua Almirante Mariath, 01 2 Lojas; 32 Salas Comerciais Construção
SPE STX 07 Desenvolvimento Av. Rio de Janeiro, 407 - 555 36 Salas Comerciais; 562 Vagas Construção

120
Imobiliário S/A (Comercial)
Reforma com
CEG - Companhia Estadual de Gás Rua São Cristóvão, 1200 * acréscimo
COFABAM Indústria e Comércio Rua Idalina Senra, 32 / 34 / 36 / 6 Lojas; 26 Lajes Comerciais;
Ltda 46 / 50 896 Salas Comerciais Construção
Vigo Empreendimentos Av. Francisco Bicalho, 234 e Rua
Imobiliários S/A Idalina Senra, 29 / 35 8 Lojas; 101 Salas Comerciais Construção
Fonte: Adaptado de http://www.portomaravilha.com.br/mapa_empreendimentos. Acesso em abril de
2016.

Quadro 4: Empreendedores hoteleiros que estão atuando na AEIU do Porto Maravilha, 2016.

EMPREENDEDOR HOTELEIRO ENDEREÇO EMPREENDIMENTO OBSERVAÇÃO DESCRIÇÃO


IOTA Empreendimentos
Imobiliários S/A Rua Projetada D1, s/n 594 Unidades de Hotel Construção
Kallas Porto Maravilha
Empreendimentos Imobiliários
Ltda. Rua Equador, 506 168 Unidades Hotel; 05 Lojas Construção
Arrakis Empreendimentos
Imobiliários S/A Rua Equador, 47 450 Unidades de Hotel Construção
Reforma com
Rua do Propósito, 36 e Rua Cons. acréscimo
Astri Ingrid Sweet Zacharias * (Albergue)
Supervia Concessionária de
Transporte S/A Praça Cristiano Otoni, s/n 240 Unidades de Hotel Construção
Reforma com
José Espanzandin Vilarino Rua Senador Pompeu, 190 - 194 * acréscimo
Rua Barão de São Félix, 34 e Rua
Hotel Amazonas Ltda Alexandre Mackenzie, 122 * Reforma
PIB Desenvolvimentos Imobiliários Reforma com
Ltda Av. Barão de Tefé, 91 - 109 74 Unidades de Hotel acréscimo
VINCI Real Estate Gestora de Reforma com
Recursos Ltda Av. Venezuela, 209 218 Unidades de Hotel acréscimo
Fonte: Adaptado de http://www.portomaravilha.com.br/mapa_empreendimentos. Acesso em abril de
2016.

Quadro 5: Empreendedores culturais que estão atuando na AEIU do Porto Maravilha, 2016.

EMPREENDEDOR CULTURAL ENDEREÇO EMPREENDIMENTO OBSERVAÇÕES DESCRIÇÃO


Restauração (Galpões da
CDURP Rua da Gamboa, s/n * Gamboa)
Reforma (Centro Cultural José
CDURP
Rua Pedro Ernesto, 80 * Bonifácio)
Ligia Veiga da Cunha / Cia.
Mystérios e Novidades Rua Pedro Ernesto, 21 / 23 * Reforma
Reconstrução (Filhos de
CDURP Rua do Propósito, 18 / 20 * Thalma)
Instituto Museu Aquário – Av. Rodrigues Alves, 379 / 431 /
AquaRio 433 / 435 * Reforma
Reforma sem
Fundação Teatro Municipal do Rio acréscimo (Fábrica de
de Janeiro Av. Rodrigues Alves, 303 * Espetáculos)
CDURP - Fundação Roberto Reforma com decréscimo
Marinho Praça Mauá, 10 * (Museu de Arte do Rio)

121
CDURP - Fundação Roberto Construção (Museu do
Marinho Av. Rodrigues Alves, 02 * Amanhã)
Fonte: Adaptado de http://www.portomaravilha.com.br/mapa_empreendimentos. Acesso em 2016.

Quadro 6: Empreendedores institucionais que estão atuando na AEIU do Porto Maravilha, 2016.

EMPREENDIMENTO INSTITUCIONAL ENDEREÇO EMPREENDIMENTO OBSERVAÇÕES DESCRIÇÃO


CDURP Rua Professor Pereira Reis, 119 * Retrofit
Banco Central do Brasil Rua Rivadávia Correa, 45 * Construção
CDURP Rua Sacadura Cabral, 127 / 133 * Construção
Instituto Estadual do Ambiente –
INEA Av. Venezuela, 57 * Construção
Instituto Nacional de Tecnologia –
INT Av. Venezuela, 82 * Reforma
Superintendência da Polícia Federal
do RJ Av. Rodrigues Alves, 01 * Reforma
Fonte: Adaptado de http://www.portomaravilha.com.br/mapa_empreendimentos. Acesso em 2016.

Quadro 7: Empreendedores diversos que estão atuando na AEIU do Porto Maravilha, 2016.

EMPREENDEDORES VARIADOS ENDEREÇO EMPREENDIMENTO OBSERVAÇÕES DESCRIÇÃO


Transformação de
Píer Mauá S/A Av. Rodrigues Alves, 10 * Uso
Reforma com
Google Brasil Internet Ltda Av. Rodrigues Alves, 10 - Armazém 1 * acréscimo
Av. Rodrigues Alves, 10 - Armazéns 1 a Reforma com
Píer Mauá S/A 4 * acréscimo
Concessionária VLT Carioca S/A Rua da Gamboa, s/n * Construção
Secretaria Municipal de Habitação Rua da Gamboa, 153 / 157 / 159 * Construção
Secretaria Municipal de Habitação Rua da América, 81 * Construção
Ladeira do Barroso, 235 / 237 - Praça
Secretaria Municipal de Habitação Américo Brum * Construção
COMLURB Rua Aldomaro Costa, 235 * Construção
CODERTE - Cia. de Desenvolvimento
Rodoviário e Terminais do Rio de
Janeiro Rua Barão de São Félix, 165 * Construção
Projeto Maravilha Reforma sem
Empreendimentos Imobiliários Ltda Rua Antônio Lage, 38 * acréscimo
Marcelo Pontes Crespo - VLT Rua da União s/n * Construção
Supervia Concessionária de Reforma com
Transporte S/A Praça Cristiano Otoni, s/n * acréscimo
Fonte: Adaptado de http://www.portomaravilha.com.br/mapa_empreendimentos. Acesso em 2016.

Contemplando-se os novos empreendimentos que estão previstos para a Zona


portuária e os que já estão se materializando, observa-se uma forte tendência que aponta

122
para a modificação funcional da área. A função portuária está sendo substituída102 por
outros usos, como os corporativos (intitulados, na Figura 16, de comerciais). Esse
processo é caro ao presente estudo, pois dá sustentação mais sólida ao argumento de que
está havendo uma coesão espacial, ainda em curso, com o Núcleo Central. Dentre os
casos que exemplificam a afirmativa, tem-se a Empresa Píer Mauá que pretende retirar
o status de alfândega dos armazéns 1, 2 e 3 e liberá-los para a instalação de bares,
restaurantes, livrarias ou em outros estabelecimentos de lazer e cultura. Isso já ocorreu
em outras zonas portuárias reestruturadas espacialmente, sob a égide da gentrificação,
como o Puerto Madero (Argentina). A Figura 17 ilustra os usos dos armazéns presentes
na Zona Portuária do Rio de Janeiro.

Figura 17: armazéns da zona portuária103

Fonte: Jornal O Globo / 6 de setembro de 2015.

O supramencionado processo de modificação nas funções espaciais na área de


estudo, caracterizada pela diminuição das atividades portuárias e pelo gradual
incremento de usos e funções mais atrelados ao Núcleo Central, ganha potencialidade
de ser assimilado à luz da relação dialética entre “fragmentação” e “articulação” do
espaço urbano. Corrêa (1991b, p. 101), em texto que aborda a temática, defende que “o
espaço urbano não é apenas fragmentado. É simultaneamente articulado. Fragmentação
e articulação são características complementares”.
De acordo com Corrêa (1991b), o espaço urbano aparece, no primeiro momento

102
Não acreditamos que a função portuária deixe de figurar na Zona Portuária do Rio de Janeiro. Mas
destacamos que ela está perdendo o status de principal atividade na área. As formas espaciais que são
relacionadas a este uso, que antes podiam ser apreciadas nos três bairros de análise, incluindo-se o Caju,
estão sendo refuncionalizadas na Saúde e na Gamboa (bairros aonde a função portuária mais vem
perdendo força). Já Santo Cristo e (principalmente) Caju são os bairros em que a função portuária
predomina com maior força, mas com a ressalva de que, agora, divide terreno com usos mais
diversificados.
103
O armazém 9 não existe. Os armazéns 7 a 18 fazem parte do Porto do Rio, administrado pela
Companhia Docas.

123
de sua apreensão, como um espaço fragmentado, caracterizado pela justaposição de
diferentes paisagens e usos da terra. Já a articulação espacial significa que cada uma das
partes da cidade mantém relações com as demais, ainda que tais relações sejam de
natureza e intensidade variáveis. Através da articulação, o espaço urbano adquire
unidade, originando um mosaico espacial ao mesmo tempo articulado e fragmentado.
Partimos da premissa de que a Zona Portuária – teoricamente enquadrada no que
a literatura nomeou Zona Periférica do Centro – possui histórica descontinuidade de
usos e funções se comparada ao Núcleo Central. Assim sendo, embora já fossem
espaços articulados pela complementaridade funcional, havia, dialeticamente, clara
fragmentação no que diz respeito às formas espaciais e tipos de centralidades (que, por
sua vez, atraíam públicos frequentadores distintos). Com a reestruturação da área,
vulgarmente chamada de “revitalização” por idealizadores e simpatizantes, iniciou-se
uma reaproximação funcional entre estes dois segmentos da área central e, com isso, as
articulações espaciais ganharam maior intensidade.
Atualmente, embora a área de estudo continue tendo usos e funções
característicos da Zona Periférica do Centro, observados a partir da presença de
terminais de transporte (diferentes modais), de oficinas mecânicas, de residências de
baixo status social etc, ao mesmo tempo, em razão do aumento da coesão com o Núcleo
Central, está atraindo sedes empresariais e prédios corporativos. Além disso, ainda há
incremento de usos culturais e de lazer.
Não consideramos que a Zona Portuária chegará a se tornar um prolongamento
do Núcleo Central, com usos e funções espaciais idênticos, mas que está em curso um
processo de diminuição das descontinuidades espaciais. O Esquema 6 ilustra a relação
dialética entre articulação e fragmentação envolvendo o núcleo central e a Zona
Portuária. Enquanto o primeiro diz respeito à complementaridade funcional no setor de
transportes, a fragmentação se revela nas diferenças de usos, funções e paisagens.

124
Esquema 6: convergência de transportes e a área central

FONTE: Adaptado de Corrêa (1989).

A coesão espacial em curso entre a Zona Portuária e o Núcleo Central não está
ocorrendo em razão, simplesmente, de interesses do “capital” ou em razão da “mão
invisível do mercado”, tendo um Estado neutro e ideal para regular tais intervenções. Há
agentes modeladores do espaço concretos que estão atuando na localidade. Segundo
CORRÊA (1991b, p.101),

a ação dos agentes modeladores gera mudanças de conteúdo e/ou das formas
das diversas áreas, de modo que novos padrões de fragmentação (e de
articulação) do espaço urbano emergem, desfazendo total ou parcialmente os
antigos, e criando novos padrões no que diz respeito à forma e ao conteúdo
(CORRÊA, 1991b, p. 101).

Compreender quais são os agentes sociais que estão (re)modelando


espacialmente a Zona Portuária é importante, pois a partir daí teremos condições de

125
construir um entendimento sobre quais os reais interesses por trás da reforma
urbanística “Porto Maravilha”.

4.1 Agentes econômicos e o Porto Maravilha

Compreender as lógicas que regem a atuação dos agentes modeladores do


espaço, tal qual quem são eles, é uma tarefa fundamental em um estudo inserido da
Geografia Urbana. Eles materializam os processos sociais na forma de um ambiente
construído que, por sua vez, influencia nos mencionados processos. O caso das
transformações espaciais que estão atingindo a Zona Portuária do Rio de Janeiro não
foge a isso. Contudo, antes de expandir esta abordagem, é necessário contextualizar a
temática dos agentes modeladores do espaço com a (densa) literatura já existente.
Como ponto de partida, recorre-se a Corrêa (2011, p. 43), considerando o fato de o autor
argumentar que a produção do espaço urbano:

[...] não é resultado da “mão invisível do mercado”, nem de um Estado


hegeliano, visto como entidade supraorgânica, ou de um capital abstrato que
emerge de fora das relações sociais. É consequência da ação de agentes
sociais concretos, históricos, dotados de interesses, estratégias e práticas
espaciais próprias, portadores de contradições e geradores de conflitos entre
eles mesmos e com outros segmentos da sociedade (CORRÊA, 2011, p. 43).

De acordo com Corrêa (2015104), a cidade, até a segunda metade da década de


1950, já era objeto de estudos, mas não havia produção acadêmica que discutisse a
atuação de sujeitos sociais concretos na sua (re)produção. Tanto representantes da
Escola de Chicago, como da Geografia Urbana e da Economia urbana não discutiam o
assunto. Os agentes sociais da produção do espaço eram deixados de lado. Discutia-se a
temática da produção das cidades com teses que já foram refutadas na Geografia e
criticadas por Roberto Lobato Corrêa (2011). A saber, defendia-se que a cidade era
produzida: (1) pela “mão invisível do mercado”; (2) por um Estado hegeliano ou (3)
pelo Capital.
A primeira proposição, feita por economistas, defendia que a cidade era
produzida pela “mão invisível do mercado”. Nesta perspectiva, a cidade é regulada
pelas leis do mercado inseridas no âmbito da oferta e da procura. A produção do espaço
urbano advém de um equilíbrio composto pela minimização de custos e pela
maximização de lucros. Essa expressão ideológica – “mão invisível do mercado” –

104
Notas de aula da disciplina “REDE URBANA E ORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO”, ministrada
pelo professor Roberto Lobato Corrêa, para turmas de pós-graduação em Geografia pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro, no primeiro semestre de 2015.

126
camufla os reais e concretos agentes modeladores do espaço urbano.
A segunda proposição defende que a produção do espaço fica a cargo do
Estado. Essa teoria teve muita força entre alguns geógrafos, sociólogos e cientistas
políticos. O pressuposto de que o Estado é o único produtor do espaço urbano corrobora
com a tese de neutralidade estatal, tal qual o concebido pelo filósofo Hegel. Seguindo
este raciocínio, o Estado possui leis e regras próprias, além de ter como representante
um monarca justo, onisciente, onipotente e que sabe criar e governar cidades. Tal qual a
tese da “mão invisível do mercado”, a concepção de Estado como entidade neutra,
supraorgânica e que produz exclusivamente o espaço omite os sujeitos sociais
concretos.
A terceira proposição que Corrêa (2011) ressalta como problemática é a que
considera o capital como (re)produtor do espaço. Essa visão está majoritariamente
presente em determinados grupos marxistas e também não auxilia na resolução do
problema sobre quem são os atores sociais que (re)modelam o espaço. O capital jamais
será transformado em agente social concreto. A proposição de que é o capital que
produz o urbano livra o analista de aprofundar a temática, afinal “já encontrou o vilão”,
que é o próprio capital. Do ponto de vista acadêmico, isso cria uma cortina de fumaça
sobre os sujeitos sociais que atuam na (re)produção espacial. O pesquisador deve, pois,
evitar responder a questões complexas, difíceis e cheias de meandros com respostas
simplistas como “o capital”.
Na segunda metade da década de 1950, começam a surgir estudos defendendo a
existência de agentes sociais concretos na produção do espaço. Aos poucos, as noções
abstratas de Estado Hegeliano, Capital e “mão invisível do mercado” vão perdendo
força na Geografia. A primeira metade da década de 1970 serve como marco na
transição de proposições sobre a (re)produção espacial, muito em função do texto
Agentes Modeladores do Espaço na Espanha de Horácio Capel, por nele conter a
primeira sistematização real dos agentes modeladores do espaço. É necessário, ainda,
fazer-se referencia a Henry Lefebvre e David Harvey, já que ambos estavam produzindo
obras seminais sobre o urbano. O livro de Lefebvre, The Production of Space (1974), e
o trabalho de Harvey, Social Justice in the City (1973), também tiveram destaque no
tange ao assunto. Na literatura geográfica brasileira, destaca-se o artigo de Luís
Bahiana, de 1978, intitulado Agentes Modeladores e uso do solo urbano.
Capel (1972) apresenta, dentro de uma perspectiva bastante crítica, problemas
da produção do espaço urbano e de seus agentes, considerando a Espanha como lócus

127
de seu estudo. Nesse texto, é apontado que o espaço urbano tem alguns agentes
principais, sendo eles enumerados e analisados. Capel também considera as estratégias e
as contradições entre eles, ponderando que esses agentes competem ou formam
coalizões entre si.
Os agentes modeladores do espaço, para Capel, são regulados por normas,
regras e leis presentes na esfera política do Estado. Portanto, a atuação desses agentes
não é livre, solta ou desarticulada, mas enquadrada em regras, normas, planos diretores
e posturas municipais, tendo como pano de fundo a legislação. Contudo, o autor
também chama atenção para que tal marco jurídico possa ser meramente retórico. Em
outros termos, pode ser algo escrito e anunciado, mas que não é, necessariamente, pra
ser cumprido. Tal prática tem a função de escamotear muitos interesses por trás de um
discurso.
Embora o trabalho de Capel esteja voltado para a Espanha, a possibilidade de
transposição da sua teoria para outras realidades é enorme por haver elementos em
comum  essa característica deu muita força à sua proposição. Passados 45 anos, Capel
(1972) serve como referência fundamental dispersora de novas tipologias que podem ser
criadas a partir de sua formulação. Considera-se, neste estudo, que seu texto pertença à
história do pensamento geográfico sobre o urbano. Tendo como base seu trabalho,
houve intensa produção acadêmica e avanços teóricos foram feitos, possibilitando a
ampliação de sua tipologia original (mas não a abandonando).
A proposição de Corrêa (1989), considerando cinco agentes modeladores do
espaço, é em grande parte inspirada por Capel (1972). O geógrafo brasileiro avança na
discussão ao trabalhar com uma categoria de agente modelador do espaço que os
autores predecessores não expuseram: os grupos sociais excluídos. Tal grupo, na área de
estudo, é compreendido pela parcela populacional que está tendo dificuldades em arcar
com o ônus tributário decorrente da reestruturação da localidade e, também, por estarem
sendo pressionadas a trocar de moradias em função da valorização de seus imóveis no
mercado (SOUZA, 2003).
Os cinco agentes modeladores do espaço urbano, de acordo com Corrêa (1989)
são: proprietários dos meios de produção; proprietários fundiários; promotores
imobiliários; Estado105 e grupos sociais excluídos. Já para Capel (1972) os agentes são:
proprietários dos meios de produção; proprietários do solo; proprietários imobiliários e

105
O estado para Corrêa (1989), tal qual para Capel (1972), não é neutro ou Hegeliano, mas controlado
pelos diferentes grupos sociais, sobretudo pelas grandes empresas.

128
as empresas de construção e organismos públicos (o Estado). Vale destacar que o
geógrafo Roberto Lobato Corrêa defende que, embora tais tipologias sejam ainda
válidas, elas não encerram a temática. Existem outros agentes modeladores com outras
estratégias e práticas espaciais.
O breve estado da arte apresentado, preocupado em contextualizar a inserção de
pesquisas esmeradas em estudar as atuações de agentes modeladores do espaço
concretos no âmbito do pensamento geográfico se faz importante. Dentre as principais
questões levantadas, caras a este estudo, tem-se a importância de assimilar teoricamente
o Estado e o mercado como entidades não abstratas, mas moldadas por atores sociais
concretos, com interesses diversos e que possuem atuações contraditórias.
A partir de agora, considerando-se como tipologia a proposição de Corrêa
(1989) e com a intenção de interpretar a atuação dos agentes modeladores na Zona
Portuária de modo mais integrado, eles serão organizados em três grandes grupos: (1)
esfera estatal; (2) esfera empresarial e privada e (3) Parceira público-privada106. Esta
divisão procura agrupar os agentes segundo suas esferas institucionais, que não são
rígidas, a fim de expor de modo mais claro a complexidade das suas contraditórias
atuações, ora cooperando ora competindo, uns com os outros.
Concordamos com Bahiana (1978) quando é afirmado que se por um lado é
possível identificar as organizações que competem entre si no processo de gestão do
espaço urbano, por outro lado difícil se torna estruturar um corpo teórico em torno
dessas idéias. Uma das razões apontadas para isso é a dificuldade de se juntar, num
quadro de referência coerente, as ações contraditórias dos atores sociais.
Um agente modelador do espaço que merece atenção especial é o proprietário de
terras107, considerado como membro de um grupo que tem uma peculiaridade
interessante, pois devido à sua heterogeneidade, ora age de acordo com os interesses da
OUC Porto Maravilha, ora age contrariando-a. Para ilustrar, apresentam-se dois casos
em que essa oscilação se torna visível: (1) A União Federal, detentora de vários lotes de
terra na Zona Portuária, tem atuado de modo abertamente conivente a fim de facilitar a
operacionalização da requalificação espacial do recorte analítico de estudo. (2) Donos

106
Hibridização da esfera estatal com a esfera empresarial e privada. Como a gestão administrativa da
área estudada está configurada sob a estrutura de uma parceria público-privada, a PPP Porto Novo,
interpreta-se como necessária a criação deste subitem.
107
Não podemos cair na armadilha de homogeneizar os grupos enquadrados como proprietários
fundiários. Há aqueles que possuem grande poder político e financeiro e, devido a isso, são detentores
elevada capacidade de barganha junto a outros agentes, como órgãos da União Federal, e há aqueles que
são detentores de pequenas porções de terras e não têm grandes possibilidades de barganha.

129
de residências, pequenos comércios e até empresas instaladas na área em lógicas
urbanas pretéritas que estão se configurando como empecilhos aos interesses dos grupos
hegemônicos que visam reestruturar a localidade.

4.1.1 Agentes estatais

O Estado está sendo fundamental para a operacionalização do Consórcio Porto


Maravilha. Dentre as ações por ele empreendidas, destacam-se: (1) modificações na
legislação vigente, alterando parâmetros de ordenamento urbano, visando atender aos
interesses dos empreendimentos imobiliários, na AEIU da operação urbana; (2)
Realização de parcerias com agentes privados, criando condições de maximização de
suas margens de lucratividade108 para, em resposta, tais grupos privados financiarem as
obras de melhoria infraestrutural na área; (3) Articulação entre as três esferas de
governo (municipal, estadual e federal), objetivando superar dificuldades burocráticas e
legais à execução da renovação urbana, por meio de alterações pontuais na legislação
vigente.
O engajamento do governo federal nesta Operação Urbana Consorciada tem sido
fundamental, haja vista o fato de grande parte dos terrenos alocados na Zona Portuária
pertencer à União109. Teixeira (2015) defende que isso foi decisivo por tornar possível a
transferência de numerosos imóveis e terrenos públicos para o setor privado, pois, caso
contrário, o interesse imobiliário do empreendimento “estaria fatalmente
comprometido”. Outra ação da esfera federal de grande relevância foi o arremate, em
2011, de todos os CEPAC pelo Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha,
controlado pela Caixa Econômica Federal e com recursos do FGTS. Com isso, o
referido fundo imobiliário se comprometeu a financiar os investimentos para a
reestruturação da Zona Portuária do Rio de Janeiro por 15 anos, através de um valor
estimado em até oito bilhões de reais (PORTO MARAVILHA, 2013).
Ao relacionar a compra de todos os Certificados do Potencial Adicional de
Construção (CEPAC) pelo FGTS110 com formulações teóricas produzidas por David
Harvey sobre experiências regressas de “requalificação” urbana, pautadas no
empreendedorismo, vê-se que o padrão envolvendo os riscos assumidos pelo setor

108
Negociação de subsídios, isenção de impostos, transferência de terrenos públicos, alteração em
parâmetros urbanísticos etc.
109
Os terrenos da União correspondem a 60% das áreas com potencial construtivo da região. (PORTO
MARAVILHA, 2011, p. 02).
110
A sigla significa Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

130
público, em prol do projeto e de interesses de atores privados, mantém-se operante. Nas
palavras de Harvey (2005):

Em muitos casos, isso significou que o setor público assumiu o risco, e o


setor privado ficou com os benefícios, ainda que haja exemplos onde isso não
ocorreu (...), tornando arriscada qualquer generalização absoluta. No entanto,
presumo que seja essa característica de assunção de risco pelo setor público
[...] (HAVEY, 2005, p. 173).

O governo do estado também está inserido na (re)organização espacial na Zona


Portuária. Por meio de confecção de parcerias com entidades privadas, repasse de
verbas para o governo municipal do Rio de Janeiro e poder de barganha para criação de
leis complementares – favoráveis ao projeto – o governo estadual se torna um dos
promotores da reestruturação da Zona Portuária do Rio de Janeiro.
A esfera municipal – na figura do então prefeito Eduardo Paes (PMDB) – é a
escala político-administrativa que mais tem atuado na renovação urbana da área.
Embora os municípios tenham pouca influência na regulação do financiamento
imobiliário, a prefeitura do Rio de Janeiro a tem muito em função de gerenciar a
CDURP. Tal articulação (CDURP e Prefeitura do Rio de Janeiro) foi responsável pela
criação do Plano de Habitação de Interesse Social do Porto Maravilha e atuou como
promotor imobiliário, ao realizar empreendimentos residenciais, institucionais e
culturais na área estudada.
O governo municipal do Rio de Janeiro traduz sua importância para a
operacionalização do Consórcio Porto Maravilha através de modificações na legislação
vigente111, criação e gestão unitária da CDURP, criação da Operação Urbana
Consorciada, intensificação no controle social (através da realocação de elevado efetivo
de agentes de segurança pública), intensificação da segregação residencial por meio de
remoções compulsórias em decorrência da construção do teleférico do Morro da
Providência etc.

111
Criação de leis complementares (nº101/2009; nº102/2009; nº105/2009; nº111/2011; nº125/2013;
143/2014), leis ordinárias (nº5128/2009; nº5546/2012; nº5780/2014; nº5781/2014), decretos
(nº32666/2010; nº33364/2011; nº34044/2011; nº39680/2014; nº340803/2011) e resoluções (SMF 2974;
SMF 2675; SMF 2676; SMF 2677; SMF 2835).

131
4.1.2 Agentes empresariais

[...] é importante especificar quem é o empreendedor e a respeito de quê.


Desejo insistir aqui que “governança” urbana significa muito mais do que
“governo” urbano. É desastroso que grande parte da literatura se concentre
tanto na questão do “governo” urbano, quando o poder real de reorganização
da vida urbana muitas vezes está em outra parte, ou, pelo menos, numa
coalizão de forças mais ampla, em que o governo e a administração urbana
desempenham apenas papel de facilitador e coordenador. O poder de
organizar o espaço se origina em um conjunto complexo de forças
mobilizado por diversos agentes sociais (HARVEY, 2005, p. 171).

Alocados inclusive no gerenciamento do empreendimento, os atores


empresariais privados são fundamentais para a consecução da reestruturação espacial da
Zona Portuária do Rio de Janeiro. No caso das empresas privadas que estão
participando de forma direta dos processos decisórios, têm-se as três empresas que
compõem a PPP Porto Novo – Odebrecht Infraestrutura; OAS e Carioca Cristiani
Nielsen Engenharia – as quais irão executar obras e prestar os serviços urbanos por
quinze anos (PORTO MARAVILHA, 2015).
Empresas que não estão na gestão do Porto Maravilha também podem estar
atuando como modeladoras do espaço na Zona Portuária por estarem (1) construindo
e/ou reformando infraestruturas “deterioradas”; (2) se deslocando para a localidade,
devido à nova dinâmica espacial associada à proximidade com o núcleo central e/ou (3)
participando de processos decisórios concernentes ao Porto Maravilha112. Algumas
delas são: TishmanSpeyer; Vinci Partners; as construtoras CHL, Sandria e João Fontes;
GVT; L'Oréal Brasil, Coca-Cola; Fundação Roberto Marinho; Banco Santander.
A TishmanSpeyer é uma empresa especializada em dialogar com fundos
imobiliários de luxo pelo mundo. No caso da Zona Portuária do Rio de Janeiro ela não
se instalou na localidade, mas está sendo responsável pela construção do Port
Corporate Tower113, do empreendimento residencial Lumina Rio114 e está sendo

112
Majoritariamente formadas por concessionárias de transporte, esse grupo de empresas teve voz ativa
em processos decisórios sem estarem participando da PPP Porto Novo ou da CDURP. Suas atuações
ocorrem em reuniões junto a órgãos públicos (majoritariamente da esfera municipal), visando a
elaboração do Plano de Mitigação para substituição do Elevado da Perimetral. As propostas foram
discutidas pelos seguintes atores jurídicos: Rio Ônibus, Fetranspor, Supervia, CCR Barcas, Metrô, Ponte
SA, Rodoviária Novo Rio, Companhia de Desenvolvimento Rodoviário de Terminais do Estado do Rio
de Janeiro (Coderte-RJ), Companhia de Engenharia de Tráfego do Rio de Janeiro (CET-Rio), Secretaria
Estadual de Transporte, Secretaria Municipal de Transportes e Departamento de Transportes Rodoviários
do Rio de Janeiro (Detro-RJ). (CDURP, 2013).
113
Primeiro empreendimento corporativo privado a ser erguido pelo Porto Maravilha e primeiro triple A
da Zona Portuária. Embora este empreendimento esteja alocado fora do recorte analítico deste estudo
(Saúde, Gamboa e Santo Cristo), por estar localizado no bairro do Caju, consideramos necessária a sua

132
parceira do complexo comercial que será erguido no Pátio da Marítima115.
A Vinci Partners é uma plataforma de investimentos alternativos, especializada
em gestão de recursos, de patrimônio e em assessoria financeira. Ela está agindo na
(re)modelação do espaço na Zona Portuária do Rio de Janeiro através de investimentos
na refuncionalização do Moinho Fluminense116, em parceira com a Carioca Engenharia.
As construtoras CHL e Sandria Projetos e Construções estão investindo,
respectivamente, R$100 milhões e R$150 milhões, em edifícios comerciais (PORTO
MARAVILHA, 2011). Já a construtora João Fontes está fazendo um luxuoso
empreendimento com finalidade comercial, chamado Porto 1 Rio Corporate, com
previsão de entrega para 2016, na rua Almirante Mariah, São Cristóvão117.
A GVT, operadora de telefonia fixa e banda larga de atuação nacional, foi a
primeira empresa a migrar e a se instalar na Zona Portuária, em função do ganho de
centralidade e dos incentivos fiscais dados pela prefeitura do Rio de Janeiro, atendendo
a lógica de (re)valorização imobiliária do Consórcio Porto Maravilha. A empresa está
ocupando um galpão de 4.700 metros quadrados na Av. Rodrigues Alves, após
investimento de R$5 milhões na reforma do espaço.
A empresa L’Óréal Brasil118 está construindo sua nova sede nacional na Zona
Portuária do Rio de Janeiro. O empreendimento tem 22 andares e mais de 20.000
metros quadrados de área edificada. Proprietária do terreno e incorporadora do projeto,
a JPL Incorporadora (empreendedora imobiliária) é a responsável pelas obras e sua
acessoria de imprensa afirma que a previsão de conclusão para as obras seja no final de
2016 (prazo não cumprido). Esse empreendimento ilustra o processo de coesão, em
curso. Até poucos anos atrás, nenhuma grande empresa havia instalado sua sede
nacional na Zona Portuária, preferindo localidades como a Barra da Tijuca ou o distrito
central de negócios. Porém, com o aumento da acessibilidade – em razão da abertura de
novas vias de tráfego e novos modais de transporte –, o aumento do patrulhamento por

inserção neste estudo por ele ser suntuoso, ser o primeiro privado da Zona Portuária e influenciar nas
dinâmicas espaciais da área no seu entorno.
114
Atualmente está em fase de aprovação e deverá ser constituído por quatro torres. Planejado para ser
construído na Av. Venezuela, o empreendimento Lumina Rio lançará 1440 unidades residenciais de alto
luxo na Zona Portuária do Rio de Janeiro, entre a futura sede da L’Oréal e o Moinho Fluminense.
115
Terreno com 23.809 metros quadrados, alocado na Av. Rodrigues Alves.
116
Alocado na Gamboa, o Moinho Fluminense é um imóvel da tradicional fábrica de farinha operada pela
empresa Bunge.
117
Embora esteja fora do recorte analítico deste estudo, julgamos importante a sua inserção.
118
A L’Oreal não é a primeira empresa estrangeira a se instalar na localidade. Já estão por lá a Nissan,
empresa japonesa fabricante de automóveis, e a inglesa Subsea 7, fornecedora do setor de petróleo.

133
forças de segurança e a chegada de empresas e instituições bancárias, tal cenário urbano
está em transformação.
Em frente à nova sede da L´Óréal Brasil, também na Avenida Barão de Tefé,
está sendo levantado o empreendimento Vista Guanabara. Realização das empresas
GTIS Partners e AUTONOMY Investimentos, o Vista Guanabara é um prédio
espelhado de 17 andares, cujo uso será corporativo. Tanto ele quanto a nova sede da
L´Óreal estão sendo construídos em uma das áreas mais valorizadas, até o momento, da
reestruturada Zona Portuária. No site oficial do empreendimento119, há referência à sua
localização estratégica, estando perto de vários pontos de transporte coletivo
(destacando o VLT) e por estar perto de tudo.

Figura 18: Ilustração presente no site oficial do Vista Guanabara em que mostra a distância aproximada
do empreendimento para vias e terminais de transporte

Fonte: http://vistaguanabara.com.br/vista-guanabara.html

119
Disponível através do link: http://vistaguanabara.com.br/vista-guanabara.html. Acesso em: dezembro
de 2016.

134
Foto 13: Em primeiro plano, o Cais do Valongo. Ao fundo, a direita, o prédio da L’Óreal Brasil e a
esquerda o imponente Vista Guanabara

Fonte: Trabalho de campo, 2016.


Autoria própria.

A Coca-Cola também está participando da reestruturação na zona portuária por


ser uma das empresas patrocinadoras do AquaRio, empreendimento erguido no antigo
prédio da Companhia Brasileira de Armazenamento (Cibrazem), na Av. Rodrigues
Alves. Maior tanque de peixes e outros animais marinhos da América Latina, o
AquaRio foi orçado em 90 milhões de reais e é uma realização do Instituto Museu
Aquário Marinho do Rio de Janeiro; Cataratas SA; EsfecoLtda e Bel-Tour Ltda.

135
Foto 14: Empreendimento AquaRio, localizado na Praça Muhammad Ali

Fonte: Trabalho de campo, 2016.


Autoria própria.

A Fundação Roberto Marinho e o Banco Santander atuaram em parceria na


reestruturação da zona portuária do Rio de Janeiro, através da construção do Museu do
Amanhã (alocado sobre o Píer Mauá). Enquanto o Banco Santander patrocina o
empreendimento, a Fundação Roberto Marinho – em parceria com o município do Rio
de Janeiro – foi uma das idealizadoras do museu. Destaca-se, ainda, que ele é um dos
principais marcos simbólicos na reestruturação espacial da localidade.

136
Foto 15: Museu do Amanhã

Fonte: http://www.portomaravilha.com.br/museu_amanha
Acesso: dezembro de 2016

O suntuoso Pátio Marítima, empreendimento em construção e de uso comercial


e corporativo, localiza-se na Gamboa, entre a Cidade do Samba e a Avenida Rodrigues
Alves. Trata-se de mais um projeto da incorporadora TISHMAN SPEYER na Zona
Portuária. Ela também assina outros empreendimentos, como o Port Corporate Tower e,
de acordo com o site do Porto Maravilha120, deu entrada no pedido de licenciamento
para erguer dois grandes empreendimentos residenciais vizinhos, com obras ainda não
iniciadas, totalizando 1.440 unidades voltadas para classe média. A Foto 15, feita em
trabalho de campo, mostra como está ficando o novo empreendimento.

120
Disponível através do link: http://portomaravilha.com.br/imprensadetalhe/cod/102

137
Foto 16: fachada do ainda em construção Pátio Marítima

FONTE: Trabalho de campo, 2016.


Autoria própria.

Um empreendimento que merece destaque é o suntuoso Trump Towers Rio121


que, de acordo com o site oficial do empreendimento122, contará com cinco torres AAA
de 150 metros de altura, com 38 andares, 322.400 metros quadrados de área computável
de escritórios corporativos e área total construída incluindo espaços comerciais e
subsolos cerca de 450.000 metros quadrados. O empreendimento está sendo
prognosticado para ser construído em terreno localizado entre a Avenida Francisco
Bicalho e a Rua General Luis Mendes de Morais.

121
O consórcio das TRUMP TOWERS é formado seis construtoras e imobiliárias, com destaque para a
búlgara MRP, a espanhola Salamanca e a brasileira Even. Essas companhias compraram da Trump
Organization (presidida pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump) os direitos para o uso
da marca do empresário/político, esperando com isso atrair mais clientes.
122
Disponível no link: http://www.trumptowersrio.com/pt-br/o-projeto/

138
Figura 19: Ilustração oficial das Trump Towers Rio

FONTE: Site do empreendimento / Disponível em http://www.trumptowersrio.com/pt-br/


Acesso: Novembro de 2016.

Apesar do frisson provocado pelo anúncio do maior empreendimento imobiliário


anunciado recentemente no Brasil, passados quatro anos do seu lançamento, as obras
sequer começaram. Não há tapumes ou operários trabalhando. De acordo com
reportagem publicada pela BBC Brasil123 em 2016, a Trump Organization não
comentou o atraso nas obras após tentativas de entrevista. Mesmo com o
empreendimento ainda parado, é relevante considerá-lo no presente estudo por dar
maior sustentação à tese de que está em curso um processo de coesão espacial. Em seu
site oficial, há presença de retórica que, somada a fatores já discutidos, colabora com as
hipóteses iniciais de pesquisa:

Porto Maravilha é o novo centro empresarial do Rio de Janeiro que está


sendo construído com investimentos em infraestrutura de mais de 8 bilhões
de reais (cerca de 4 bilhões de dólares) até os Jogos Olímpicos de 2016.
TRUMP TOWERS RIO será o núcleo desse novo centro empresarial com
seu padrão AAA nível internacional, a sua escala e localização na zona com
os prédios mais altos do Porto Maravilha. O terreno do empreendimento se
beneficia da melhor conectividade através da Av. Francisco Bicalho e outras
artérias da cidade com os dois aeroportos, o atual centro empresarial, os
túneis para a Zona Sul, a ponte Rio-Niterói, etc. A futura estação do TAV

123
Reportagem disponível através do link: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36901182. Acesso em:
dezembro de 2016.

139
(trem bala), as estações do novo VLT (veículo leve sobre trilhos) e do metrô,
bem como a rodoviária Novo Rio estão ao lado do complexo (Site oficial do
TRUMP TOWERS RIO, acesso em novembro de 2016).

Outro imponente empreendimento de destaque é o Porto Atlântico Business


Square, neste caso com a obras de construção em andamento na Zona Portuária. De
acordo com a corretora da Lopes Rio, Alexandra Lemos 124, o empreendimento foi
dividido em duas fases a saber, Porto Atlântico Leste (1ª fase) e Porto Atlântico Oeste
(2ª fase). Até o final de 2016, as obras da primeira fase estavam adiantadas e, a partir do
seu término, a programação é de que se iniciariam as obras do Porto Atlântico Oeste. Os
empreendimentos estão sendo construídos no terreno situado entre a Av. Cidade de
Lima e a Rua Equador, sendo separados pela Av. Professor Pereira Reis.

Figura 20: Localização do Porto Atlântico Leste (direita) e Porto Atlântico Oeste (esquerda)

Fonte: Apresentação oficial do empreendimento Porto Atlântico Business Square, elaborado pela
Odebrecht, adquirido junto à corretora da empresa Lopes Rio.

O Porto Atlântico Leste será composto por uma torre corporativa, uma torre
comercial, duas torres hoteleiras (Alas A e B) e um mall. A Figura 21, retirada do
documento oficial de apresentação do projeto, ilustra os diferentes usos que estarão
presentes no complexo, detalhando número total de unidades e a metragem mínima e
máxima.

124
As informações foram cedidas por email, em outubro de 2016.

140
Figura 21: Esquema detalhado dos tipos de usos presentes no Porto Atlântico Leste

Fonte: Fonte: Apresentação oficial do empreendimento Porto Atlântico Business Square, elaborado pela
Odebrecht, adquirido junto à corretora da empresa Lopes Rio.

Já o Porto Atlântico Oeste será composto por três torres corporativas com
aproximadamente 66 mil metros quadrados de área privativa. Até o momento da
pesquisa as obras não haviam sido iniciadas e consultores imobiliários não tinham
muitas informações específicas sobre ele, priorizando suas atenções para o já adiantado
Porto Atlântico Leste. Destaca-se que a Odebrecht é proprietária deste mega
empreendimento que modificará substancialmente as funções e paisagens da área.
Por fim, tratar-se-á da refuncionalização do tombado Moinho Fluminense como
parte dos grandes empreendimentos que estão ganhando forma na Zona Portuária. O
projeto orçado em mais de 1 bilhão de reais e prognosticado para ser entregue em 2018
está sendo desenvolvido pelas empresas Carioca Engenharia e Vinci Partners, que
compraram a área da Bunge do Brasil125, atual controladora do Moinho Fluminense. A
iniciativa contará com complexo empresarial, residencial, hoteleiro, centro médico,

125
De acordo com reportagem do O Globo (2015), a Bunge decidiu negociar a área em que estava
instalado na Zona Portuária, em 2013, porque planejava transferir as operações do Moinho Fluminense
para a Baixada Fluminense, no fim de 2016, quando se iniciariam as reformas de adaptação. A nova
fábrica está sendo construída em Duque de Caxias e terá capacidade para processar 600 mil toneladas de
cereal por ano — o dobro do que é fabricado hoje.

141
salas comerciais para aluguel, além de quatro a cinco salas de cinema e praça de
alimentação. Haverá, ainda, uma estação do Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT) no
complexo. O conjunto de prédios tombados e o terreno, que ocupam uma área de 100
mil metros quadrados, ocuparão quatro quadras. Em um terreno vazio, será construído
um novo prédio com mais de 20 andares com salas comerciais. O site oficial do
empreendimento apresenta ilustração do mixed-use que o complexo passará a ter:

Figura 22: Diferentes usos prognosticados para o “Novo” Moinho Fluminense

FONTE: http://www.moinhoportomaravilha.com.br/
Acesso: Dezembro de 2016.

São muitos os novos empreendimentos que estão sendo especulados e os que


estão, de fato, sendo erguidos na Zona Portuária. Em razão disso, elaboramos uma
tabela (Tabela 3) com os principais126 deles que estão sendo erguidos, especificando
tipos de usos, localização, proprietário e tamanho. A partir deles, a assertiva de que a
área está passando por intensa modificação de usos e funções adquire maior
sustentação. No conjunto dos três bairros selecionados para estudo, além da “Nova
Praça Mauá”, há novos empreendimentos (de usos diversos) que modificarão
radicalmente não apenas a histórica destinação a “usos sujos” pela localidade, mas
também o modo como citadinos a interpretam simbolicamente. Como comprovação
empírica para a assertiva trazemos à cena os trabalhos de campo realizados. É relevante

126
Vale salientar que omitiremos vários novos empreendimentos, como os atuais bares na Rua Sacadura
Cabral e outros pequenos negócios. Selecionamos aqueles que julgamos marcar material e
simbolicamente o espaço, em razão da monumentalidade das construções e do potencial de
redirecionamento de fluxos (pessoas e capitais diversos) quando eles estiverem finalizados e em pleno
funcionamento.

142
destacar desses trabalhos que a maioria dos (novos) frequentadores afirmaram que
passaram a visitar a localidade após sua “revitalização”; outro destaque trata-se da
justificativa padrão de considerarem o fato de a área estar mais segura, limpa e, agora,
com atrativos.

Tabela 3: Principais empreendimentos que estão se materializando na Zona Portuária, por bairro – 2016.

ZONA ENDEREÇO USO


PORTUÁRIA TAMANHO PROPRIETÁRIO
Saúde
Nova sede da Rua Barão de Tefé, 27 Corporativo
L'Oréal (esquina com Av. Terreno: 2.550 m² / área
Venezuela) edificada: 20.000m² JPL
Gamboa
Pátio da Marítima Via Binário do Porto , s/n Corporaivo
- Torre 2 (em frente à Cidade do Área construída: 118.000
Samba) m² Tishman Speyer
AquaRio Praça Muhammad Ali Lazer/cultural Área construída: 26.000 Grupo Cataratas;
m² Bel-Tour e Esfeco
Vista Guanabara Rua Barão de Tefé, 34 Corporativo GTIS Partners /
(esquina com a Av. Autonomy
Venezuela) Terreno: 3.887,50 m² Investimentos
“Novo” Moinho Rua Sacadura Cabral, 280 / Mixed-use
Fluminense 290 (hoteleiro; O complexo tem VINCI Partners e
corporativo; aproximadamente 85 mil Carioca
comercial) m² Engenharia
Santo Cristo
Holiday Inn Porto Rua Cordeiro de Garca, Hoteleiro Terreno: 4.000 m² / 594
Maravilha 506 unidades Odebrecht
Porto Atlântico Av. Prof. Pereira Reis *
Business Square (acesso principal) * Odebrecht
Porto Atlântico Av. Prof. Pereira Reis Corporativo/hotel Terreno: 16.681m² / 880
Leste (acesso principal) eiro/comercial unidades (830 já
vendidas) "
Porto Atlântico Av. Prof. Pereira Reis Corporativo
Oeste (acesso principal) Terreno: 11.851m² "
AC Hotel Porto Rua do Equador, 506 Hoteleiro AC Hotels by
Maravilha Marriott
Entorno da
"Nova" Praça
Mauá
Museu MAR Praça Mauá, 5 Lazer/cultural Área construída: 7,2 mil
m² ODEON Instituto
Museu do Praça Mauá, 1 Lazer/cultural Instituto de
Amanhã Área construída: 12,5 mil Desenvolvimento
m² e Gestão
FONTE: Sites dos empreendimentos e reportagens publicadas em jornais impressos e online.

143
Com relação a distribuição espacial dos empreendimentos destacados, vê-se que
dois estão na “Nova” Praça Mauá (ambos de uso cultural); um está na Saúde (uso
corporativo); quatro estão na Gamboa (dois com uso corporativo; um com uso de lazer e
um com uso misto) e três estão chegando a Santo Cristo (dois com uso hoteleiro e um
com uso misto). O mapa 3 ilustra a disposição espacial deles.

Mapa 3: Principais empreendimentos em execução / sendo erguidos na Zona Portuária do Rio de Janeiro
após o início da OUC Porto Maravilha

Fonte: Elaboração própria, 2017.

Vislumbrar a transformação funcional da Zona portuária, tendo como referência


a materialização dos empreendimentos mapeados, abre possibilidades analíticas para se
pensar na organização espacial das formas que derivam deste processo. Os bairros
Saúde, Gamboa e Santo Cristo estão recebendo prédios de uso corporativo que, após

144
estarem todos em pleno funcionamento, terão capacidade de (re)configurar a
intensidade e os tipos de fluxos que circulam na localidade. Além disso, novos serviços
complementares e caros à função corporativa – como agências bancárias e órgãos
institucionais – far-se-ão mais presentes nesses lugares. Faz-se mister frisar que os
novos prédios corporativos estão sendo construídos para terem capacidade de vender ou
de alugar centenas de escritórios para empresas interessadas em se instalar na área. Um
bom exemplo desse modelo de construção é o Porto Atlântico Leste que, além da torre
hoteleira (450 quartos), terá uma torre comercial (330 unidades) e uma torre corporativa
(54 unidades corporativas).

4.1.3 Parceria público-privada Porto Maravilha

Antes de iniciar a discussão, destaca-se a assertiva de Smith (2006), em que o


autor afirma que o Estado mudou seus modos de atuação em operações de gentrificação,
entre os anos 1980 e 1990. Segundo ele, a ausência da participação significativa do
Estado foi paulatinamente substituída pela intensificação da parceria entre o capital
privado e os governos locais. Esta articulação entre poder público e setor privado,
ancorada no empreendedorismo urbano, está regendo a reestruturação estudada.
Criada a partir da Lei Municipal Complementar nº101/2009, a Operação Urbana
Consorciada Porto Maravilha tem como finalidade promover a reestruturação local,
por meio de ampliação, articulação e requalificação dos espaços públicos (CDURP,
2013). A referida lei ainda instituiu a OUC para AEIU, a qual compreende o espaço
onde se localiza a Zona Portuária do Rio de Janeiro. O interesse urbanístico do projeto
abrange uma área de cinco milhões de metros quadrados.
Os executores do projeto Porto Maravilha, visando criar meios para coordenar
sua implantação, conceberam e formaram a CDURP (Companhia de Desenvolvimento
Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro). Esta empresa é controlada pela
prefeitura do Rio de Janeiro127 e tem como funções implementar e gerir a concessão de
obras e serviços públicos na AEIU, além de administrar os recursos patrimoniais e
financeiros referentes ao projeto. A CDURP foi criada a partir da Lei Municipal
Complementar nº 102/2009. De acordo com seu Art. 1º, parágrafo II, a CDURP tem
como papel:

127
O município do Rio de Janeiro é o único acionista da CDURP.

145
Coordenar, colaborar, viabilizar ou executar, no âmbito de competência do
Município do Rio de Janeiro, a implementação de concessões [...] ou outras
formas de associação, parcerias, ações e regimes legais que contribuam ao
desenvolvimento da AEIU, em conformidade com os estudos de viabilidade
técnica, legal, ambiental e urbanística aprovados pela CDURP e pelos demais
órgãos e autoridades públicas competentes (Rio de Janeiro, 2009).

O projeto Porto Maravilha foi dividido em duas fases. Na primeira, iniciada em


2009 e finalizada em 2011, teve um orçamento previsto em torno de R$350 milhões.
Tal valor foi desembolsado pela prefeitura do Rio de Janeiro e pelo Ministério do
Turismo (Rio de Janeiro, 2010). Já a segunda fase do empreendimento, iniciada em
julho de 2012 e com previsão de término em 2016, foi sendo operacionalizada pela
Concessionária Porto Novo128, composta pelas empresas: Odebrecht Infraestrutura;
OAS e Carioca Cristiani Nielsen Engenharia. A Concessionária planejava ter um gasto
total projetado em 7,6 bilhões de reais e foi vencedora da concorrência pública nº
001/2010, relativa à Parceria Público Privada com o município do Rio de Janeiro.
A 1ª fase teve como áreas de atuação o bairro da Saúde, o morro da Conceição, a
Praça Mauá e o Píer Mauá. Dentre as suas obras destacam-se iluminação pública,
pavimentação, calçamento, drenagens, arborização, construção do Museu do Amanhã e
do Museu Arte do Rio de Janeiro (respectivamente no Píer Mauá e na Praça Mauá),
construção da Pinacoteca Escola do Olhar (através de um convênio entre a Fundação
Roberto Marinho e a Prefeitura do Rio de Janeiro) desaterro do Cais da Imperatriz e
reestruturação dos Jardins Suspensos do Valongo.
A 2ª fase foi a etapa da consecução do projeto em que mais intervenções feitas,
dentre as quais se destacam a demolição da perimetral129, a implantação de novas vias, a
construção de mergulhões obras de pavimentação de drenagem, de sinalização, de
iluminação, de arborização de calçadas e canteiros, de recuperação do sistema de águas
e esgoto e a construção de ciclovias.
Com o objetivo de atrair mais investimentos e concomitantemente aquecer o
mercado imobiliário na AEIU, a prefeitura do Rio de Janeiro autorizou, através da Lei
Municipal Complementar nº 101/2009 (para a segunda fase do projeto) o aumento no
seu potencial construtivo. Dessa maneira, passou-se a permitir construções de

128
A Concessionária Porto Novo é responsável pela execução das obras e prestação dos serviços da
Operação Urbana Porto Maravilha. Ler mais através do link http://www.portonovosa.com/pt-br,
consultado no dia 20/03/2015.
129
No trecho que vai da Praça Mauá até a Avenida São Francisco Bicalho.

146
empreendimentos além dos limites até então em vigor130. Para explorar este novo (e em
expansão) potencial construtivo e imobiliário, os investidores interessados tiveram que
comprar os CEPAC131 (Certificados de Potencial Adicional Construtivo).
O início das intervenções, em setembro de 2011, só foi possível por conta da
aquisição da totalidade dos CEPACS pela Caixa Econômica Federal e pela negociação
de terrenos públicos. A monumentalidade das novas construções está diretamente
associada à ampliação do potencial construtivo e também a facilitações fiscais
(organizadas pelo Estado) na área de ação da OUC Porto Maravilha. Após isto, muitos
empreendimentos de grande porte passaram a ser projetados para a localidade.
Controladora do Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha, a Caixa
Econômica Federal utilizou R$3,5 bilhões do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS) para adquirir os títulos. Esse recurso foi repassado do fundo criado ao consórcio
para grandes construtoras, pela CDURP.
Visando recuperar o investimento, a Caixa Econômica Federal oferece os títulos
ao mercado. Em sua primeira tentativa de venda, em outubro de 2012, foram oferecidos
100 mil títulos, mas apenas 26 mil foram negociados. De acordo com dados oficiais do
Porto Maravilha, até o final de 2013, apenas 7,12% do total de CEPAC foi consumido,
restando 92,88% ou 5.978.596 de CEPAC.
Apesar do discurso de financiamento privado no Porto Maravilha, através dos
CEPACs, foram os recursos do FGTS que sustentaram a segunda fase do projeto. Os
riscos foram assumidos pelo poder público, e não pelos investidores privados.
Além dos CEPAC, imóveis públicos da Zona Portuária estão sendo privatizados
para financiar a operação urbana consorciada. Os imóveis públicos são transferidos à
CDURP que, através do fundo de investimento imobiliário da OUC, realiza operações
financeiras para o pagamento de obras e serviços prestados pelo consórcio. As
transações envolvendo a CDURP e a Caixa Econômica Federal, através dos fundos de
investimentos citados, disponibilizaram R$1 bilhão para a segunda fase das obras.
Como último ponto a destacar, vale lembrar que a Lei no 10.257, de 10 de julho
de 2001, que trata do Estatuto da cidade, prevê a participação da sociedade como forma

130
Com exceção das áreas de preservação ambiental, de patrimônio cultural ou arquitetônico e dos
prédios destinados ao serviço público.
131
De acordo com o Art. 37 da Lei Complementar nº 101/2009, o Poder Executivo ficou autorizado a
emitir 6.436.722 CEPAC, a serem vendidos em leilões públicos, sendo o valor mínimo para cada emissão
de CEPAC igual a R$400,00, contudo, o mesmo foi alterado em 19 de janeiro de 2011, por meio do
decreto nº 33.364, que deixou seu valor unitário em R$545,00.

147
de controle das OUC, contudo, essa dinâmica não está acontecendo efetivamente no
caso da OUC Porto Maravilha. Moradores e frequentadores permanentes foram
deixados de fora dos processos decisórios. Apesar da realização de algumas audiências
públicas e de reuniões informativas, não há espaços de efetiva participação social. As
decisões fundamentais sobre os caminhos a serem tomados pelo Consórcio são, em
geral, deliberadas unilateralmente por autoridades do poder público municipal.

148
5. ATUAIS FREQUENTADORES E SUAS PRÁTICAS ESPACIAIS

Após exame a respeito da reestruturação espacial em curso desencadeando


processos (também em andamento) de coesão espacial e gentrificação na Zona Portuária
do Rio de Janeiro, dedicaremos a presente seção para analisar o perfil social e
econômico dos atuais frequentadores do recorte estudado. Além disso, busca-se
vislumbrar a ocorrência de padrões espaciais no que diz respeito a suas práticas e suas
faixas de escolaridade e renda familiar. A escolha de verticalizar o estudo sobre esse
grupo se justifica pela hipótese de ele ter capacidade de modificar o espaço em seu
substrato imaterial, influenciando nas transformações dos usos e nas atratividades
simbólicas.
Certeau (1996, p. 170), em uma passagem da obra, afirma que “as pessoas
citadinas, os transeuntes, são atores e/ou espectadores”. As pessoas que frequentam um
determinado lugar possuem capacidade de, ao mesmo tempo, contemplá-lo e
transformá-lo (tanto no seu substrato material quanto no imaterial). No caso específico
deste estudo, as modificações funcionais, arquitetônicas e infraestruturais, somadas à
intensa operação de marketing urbano, estão auxiliando na ressignificação que as
pessoas estão dando à Zona Portuária. Os antigos rótulos negativos (como área perigosa
e sem atrativos) estão dando lugar a representações espaciais mais bucólicas. Quem o
faz são, de modo geral, as pessoas que frequentam a localidade. Isso implica, dentre
outros fatores, na readequação de usos e na edificação de novas centralidades,
implicando, por conseguinte, na atração de públicos que antes não iam ou evitavam a
área.
Campos (1999) elabora uma discussão cara a este estudo ao refletir sobre como a
[para utilizar os termos da autora] identidade simbólica de uma localidade contém
potencialidades explicativas para auxiliar na interpretação da disposição espacial de
grupos com diferentes perfis sociais. Acreditamos que ao abordar as identidades
simbólicas de uma dada localidade, mutáveis e inconstantes, que variam de acordo com
o dia da semana, horário e grupo social132 que a exerce, não há condições de vislumbrá-
las isoladamente, mas associadas às funções espaciais da localidade. Sendo assim, as

132
Vale destacar que não há homogeneidade dentro dos grupos sociais. Smith (1990) lembra que esses
grupos são, em sua própria estrutura, heterogêneos. Campos (1999) complementa as palavras do autor
afirmando que fatores como comportamento e os modos de uso e transformação espacial são individuais,
tornando-se, assim, fatores de diferenciação.

149
representações sociais estão intimamente associadas às funções espaciais da localidade
apreciada, embora não se confundam e reduza uma à outra. Do mesmo modo que a
função urbana gera atratividade por grupos que anseiam pelo serviço associado, as
representações espaciais (base subjetiva para a definição das territorialidades) também
promovem condições de atratibilidade.
No estudo realizado e exposto nesta seção, buscamos apoio nas complementares
proposições de identidade simbólica e função urbana para identificar as lógicas por trás
dos padrões de disposição espacial dos frequentadores – com diferentes perfis
socioeconômicos e diferentes objetivos de usos – nos bairros analisados da Zona
portuária.
No que concerne à aquisição de dados, optou-se pela realização de trabalhos de
campo em dias e horários diferentes133, tendo como apoio a discussão sobre o uso
diferenciado do tempo – rotina – no cotidiano, conforme Lefebvre (2004). Os ritmos
cotidianos são mutáveis e processuais. Desta forma, para contemplá-los de modo menos
fragmentado, há de ser feita uma rotina de trabalhos de campo. A nossa, foi dividida em
duas etapas: (A) trabalhos de campo exploratórios e (B) trabalhos de campo para
levantamento de dados qualitativos.
A dinâmica do trabalho foi empreendida em dias úteis, nos três períodos do dia.
Nesse intervalo de tempo, observamos e analisamos diferentes ritmos e variações no
perfil socioeconômico dos frequentadores. Além de variação temporal, foi constatada
uma variação espacial no perfil dos frequentadores e tipos de usos, por bairro. Dentre as
possíveis respostas para tal diferenciação espacial observada nesses perfis, tem-se a
diferenciação de funções e usos envolvendo “Nova” Praça Mauá, Saúde, Gamboa e
Santo Cristo, tal qual a (heterogênea) representação simbólica associada a estes lugares.
Vale ressaltar que não fomos a campo no mês de Julho nem tampouco durante as
Olimpíadas134, período em que o município do Rio de Janeiro estava passando por
efervescência de turistas, brasileiros e de outras nacionalidades, fato que modificou
substancialmente os ritmos cotidianos e o perfil dos frequentadores nos bairros de
estudo.

133
Discriminando os períodos do dia em que ocorreram (manhã, tarde e noite). Destaca-se, ainda, que os
trabalhos de campo foram operacionalizados de segunda a sexta em dias úteis e sem precipitação
atmosférica (evitando alterações no número de pessoas na área e também nos tipos de usos executados).
134
Os Jogos Olímpicos ocorreram entre os dias 5 e 21 de agosto de 2016, majoritariamente no município
do Rio de Janeiro.

150
Apresentamos, a seguir, o detalhamento das fases do trabalho em módulos
separados a fim de propor uma organização didática dos registros feitos.

A. Trabalhos de campo exploratórios

A primeira etapa dos trabalhos de campo foi feita em dias úteis (de segunda a
sexta feira) e teve objetivo de observar as áreas com maiores e menores incidências de
frequentadores, as localidades onde as forças de segurança pública se instalam e os
principais usos das diferentes áreas inseridas na Zona Portuária. De maneira sintética,
buscou-se uma aproximação das espacialidades e ritmos cotidianos presentes na “Nova”
Praça Mauá e no conjunto dos bairros Saúde, Gamboa e Santo Cristo.

B. Trabalhos de campo para levantamento de dados qualitativos

A segunda etapa dos trabalhos de campo teve como objetivos principais a


identificação do perfil socioeconômico de frequentadores e as áreas onde os diferentes
grupos realizam suas práticas espaciais. Para tal, a aquisição de dados ocorreu durante
os cinco dias úteis da semana, nos três bairros de análise e durante os três turnos do dia.
Realizamos um total de 675 entrevistas estruturadas135 com frequentadores – total de
225 entrevistas estruturadas para cada um dos três bairros estudados. O Quadro 8 ilustra
a disposição de entrevistas por turno diário e por dia da semana. A operação retratada
ocorreu na Saúde (englobando a “Nova” Praça Mauá), Gamboa e Santo Cristo.

135
A CDURP foi contactada para sabermos se há algum estudo a respeito do número aproximado de
frequentadores na área de estudo, mas seus representantes informaram que não há. Caso houvesse,
entrevistaríamos 0,5% deste total. Como esta opção metodológica não foi possível, optou-se em realizar,
diariamente, 45 entrevistas por bairro, distribuindo-as em 15 no período matutino, 15 no período
vespertino e 15 no noturno.

151
Quadro 8136: Total de entrevistas realizadas junto aos frequentadores, por bairro. Dias e turnos semanais
- 2016.

2ª feira 3ª feira 4ª feira 5ª feira 6ª feira

Manhã 15 entrevistas 15 entrevistas 15 entrevistas 15 entrevistas 15 entrevistas


Tarde 15 entrevistas 15 entrevistas 15 entrevistas 15 entrevistas 15 entrevistas
Noite 15 entrevistas 15 entrevistas 15 entrevistas 15 entrevistas 15 entrevistas
Fonte: Elaboração própria.

Em razão dos trabalhos de campo exploratórios, quando operacionalizamos a 2ª


etapa, caracterizada pela obtenção de dados qualitativos, já tínhamos conhecimento
prévio das áreas dos bairros com maiores incidências de frequentadores cotidianos,
permitindo que zoneássemos os lugares com maiores densidades populacionais para a
operacionalização das entrevistas. Além da “Nova” Praça Mauá e do Boulevard
Olímpico (antiga Avenida Rodrigues Alves), selecionamos para entrevistar: a) na
Saúde Avenida Venezuela; Rua Sacadura Cabral (até a altura do Cais do Valongo) e
Avenida Barão de Tefé; b) na Gamboa trecho da Avenida Sacadura Cabral depois do
Cais do Valongo, Praça da Harmonia, Rua Pedro Ernesto e Rua do Livramento, e c) em
Santo Cristo Avenida Binário do Porto; entorno da Rodoviária Novo Rio; Avenida
Cidade de Lima; Rua Santo Cristo e Praça Santo Cristo.
Como os frequentadores compõem um complexo arranjo de atores, práticas
espaciais e ações discursivas, elaboramos o organograma abaixo para auxiliar os leitores
na decodificação (ainda inicial) deste amplo grupo. De modo geral, pode-se dividi-los
em dois subgrupos (tendo como critério o local de moradia): residentes locais e
residentes de outras áreas.

136
Vale frisar que se trata de uma pesquisa qualitativa, sem pretensões quantitativas de amostragem
estatística. Embora tenhamos efetuado uma tabulação e elaboração porcentual para análise dos resultados,
o interesse é estritamente qualitativo para aproximação com o objeto de investigação. A íntegra do
questionário utilizado nas entrevistas está disponível nos anexos da dissertação.

152
Esquema 7: Subdivisões possíveis dos frequentadores da área de estudos

FREQUENTADORES

residentes locais residentes de


outras áreas

novos e antigos
Frequentam a área Passaram a frequentar
desde antes do a partir do
“Porto Maravilha “Porto Maravilha”

Diferentes práticas espaciais


e espacialidades
(não rigidamente definidas)

Fonte: Organização própria.


Pesquisa de campo, 2016.

Propomos uma subdivisão entre os residentes locais para fazer uma


diferenciação por tempo de moradia na localidade (pessoas que passaram a morar na
área após 2009 e mais antigos), o nos que possibilita refletir se suas práticas espaciais
são as mesmas ou não. Com relação aos residentes em outras zonas da cidade, a
subdivisão foi organizada levando-se em consideração a quantidade de tempo em que
visitam a área (antes de 2009 e após 2009). Essas premissas nos permitem, ainda,
indagar se esses dois grupos de pessoas mantêm práticas espaciais diferentes, ou não,
podendo variar de acordo com perfis de escolaridade e renda. Essa indagação se
sustenta na modificação de funções urbanas da área, no período retratado (antes de 2009
e depois de 2009) e também na sua ressignificação espacial.
Em relação aos tipos de práticas espaciais que os distintos grupos exercem na
área de estudos, além da questão simbólica relacionada às representações espaciais,
entendemos que as funções de cada localidade são fundamentais. Como exemplo de
situação tem-se a Rua Sacadura Cabral, via que corta os bairros Saúde e Gamboa, com
extensão que vai desde a altura do Museu MAR até a Praça da Harmonia. O limite que
divide a via entre os bairros Saúde e Gamboa é a Avenida Barão de Tefé, na altura do
Cais do Valongo. A Rua Sacadura Cabral é um exemplo interessante de ser mencionado

153
já que as funções e os usos espaciais nela presentes são extremamente contrastantes, se
comparadas as porções inseridas na Saúde e na Gamboa. Na Figura 24, a mencionada
rua está destacada pelas cores azul claro (trecho da via na Gamboa) e amarelo (trecho da
via na Saúde).

Figura 23: Rua Sacadura Cabral, destacando em azul o trecho na Gamboa e em amarelo o trecho na
Saúde. Diferentes funções e usos espaciais

Fonte: Google Earth.

Em razão da operacionalização da primeira etapa das obras visando reestruturar


a Zona Portuária, iniciou-se um processo de ampliação das diferenças entre os trechos
da Rua Sacadura Cabral na Saúde e na Gamboa. Como o primeiro bairro mencionado
foi o que teve as obras prontas no primeiro momento, atualmente suas ruas estão
padronizadas e com novas árvores plantadas. Além disso, novos serviços chegaram e
intensificaram a modificação funcional da Saúde. No caso específico da Rua Sacadura
Cabral (trecho da Saúde), novas lojas e bares surgiram. Empreendimentos como a
champanheria JAZZ INN e a sede da CDURP também foram para o trecho da via.
Abaixo seguem algumas imagens do trecho da rua, na Saúde.

154
Foto 17: Rua Sacadura Cabral. Calçada repadronizada, novas árvores e fiação enterrada

Fonte: Trabalho de campo, 2016.


Autoria própria.

Foto 18: Rua Sacadura Cabral. Trecho do Largo da Prainha após as obras de melhoria infraetrutural

Fonte: Trabalho de campo, 2016.


Autoria própria.

155
Foto 19: Rua Sacadura Cabral. Instalação da sede da CDURP

Fonte: http://conen.com.br/projetos/instalacoes-prediais-sustentaveis-da-cdurp/

Foto 20: Rua Sacadura Cabral. Novos empreendimentos de diversão noturna

Fonte: http://www.boadiversao.com.br/guia/rio-de-janeiro/noite/local/id/248/sacadura_154

Já o trecho da Rua Sacadura Cabral situado na Gamboa possui usos e paisagens


diferentes. Lá, as obras de padronização do calçamento ainda não foram realizadas e são
comuns as atividades consideradas de menor status, como oficina mecânica,
estacionamento, depósito e mercado. Além disso, há forte presença de ambulantes e

156
camelôs. Este trecho não possui casas de diversão noturna, mas é marcante a presença
de moradores em situação de rua, tanto durante o dia quando à noite, sendo mais intensa
a presença neste horário. As fotos abaixo ilustram o trecho da Rua Sacadura Cabral no
bairro Gamboa.

Foto 21: Rua Sacadura Cabral. Altura do Hospital dos Servidores

Fonte: trabalho de campo, 2016.


Autoria própria.

Foto 22: Rua Sacadura Cabral. Estacionamento em antigo posto de combustível fora de operação

Fonte: Trabalho de campo, 2016.


Autoria própria.

157
Foto 23: Rua Sacadura Cabral. Oficina mecânica

Fonte: Trabalho de campo, 2016.


Autoria própria.

Foto 24: Rua Sacadura Cabral. mercado

Fonte: Trabalho de campo, 2016.


Autoria própria.

158
Foto 25: Rua Sacadura Cabral. Depósito

Fonte: Trabalho de campo, 2016.


Autoria própria.

Por meio da aplicação de questionários nesta etapa dos trabalhos de campo, foi
possível averiguar que as diferenças entre os trechos assinalados da Rua Sacadura
Cabral transcendem à materialidade, funções e usos espaciais. O perfil dos usuários é
também distinto. No trecho correspondente ao bairro Saúde, a maioria dos entrevistados
foi de pessoas que moram em outras zonas do município do Rio de Janeiro, mas que lá
estavam principalmente a trabalho e/ou lazer. Já no trecho correspondente à Gamboa, a
maioria dos entrevistados mora na área objeto de pesquisa e os que vêm de outras áreas,
o faziam principalmente por trabalho ou necessidades médicas  centralidade exercida
pelo Hospital dos Servidores.
O exemplo da Rua Sacadura Cabral reforça a proposição de que as funções de
dada localidade, associadas à identidade simbólica que os diferentes grupos sociais têm
por ela, mantêm relações com as práticas espaciais lá exercidas e os grupos sociais nela
presentes. No trecho “nobre” da Sacadura Cabral há a presença constante de agentes do
Centro Presente e da Guarda Municipal; no segundo trecho, eles vão geralmente de
passagem, dentro de viaturas e de modo esporádico. No trecho “nobre” da Sacadura
159
Cabral encontram-se muitas pessoas que alegaram estar conhecendo os espaços
reestruturados da “revitalizada” Zona portuária; no segundo trecho, há moradores com
medo de que as obras de melhoria infraestrutural não cheguem até lá. Embora os dois
trechos sejam separados apenas por uma via, a Avenida Barão de Tefé, elas apresentam
contrastes nas formas, padrões de calçamento, funções, no público e nas práticas
espaciais nelas executadas.
Considerando que essa leitura apresentada sumariamente pode ser aprimorada,
apresentamos, daqui em diante, os resultados obtidos através dos questionários
aplicados na área de estudos. Ao final deste capítulo, ansiamos identificar o perfil
socioeconômico dos atuais frequentadores, seus locais de residência e se há padrões nas
práticas espaciais desempenhadas pelos diferentes grupos que utilizam a Zona Portuária
para realização de atividades diversas. Para tanto, organizamos a seguinte estrutura: (1)
Intervalo de renda mensal familiar dos entrevistados, tendo como recorte amostral todos
os turnos dos três bairros analisados; (2) Intervalo de renda mensal familiar por período
do dia, em cada bairro; (3) Grau de escolaridade englobando todos os turnos de cada
bairro, esmiuçando-se, também, o grau de escolaridade por período analisado por bairro;
(4) Local de moradia dos entrevistados, englobando todos os períodos analisados por
bairro; (5) Percentual de pessoas entrevistadas, por bairro, que já frequentava a Zona
Portuária antes de 2009 (ou não) e as justificativas para tal (englobando todos os turnos
por bairro) e (6) Motivos que levaram aos entrevistados a visitar a Zona Portuária no dia
da entrevista, por bairro, aglutinando e depois separando tal informação por período do
dia.

160
5.1 Tratamento dos dados obtidos através dos questionários aplicados

I. Intervalo de renda mensal familiar [comparativo dos bairros englobando todos os


turnos]

Gráfico 10: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Saúde e “Nova”


Praça Mauá (todos os turnos)

1%
>10.000
7%
4.000 - 10.000
22%
3.000 - 4.000
20%
2.200 - 3.000
4% 1.500 - 2.200
880 - 1.500
14% 10%
até 880

12% não informou


10%
sem renda

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Gráfico 11: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Gamboa (todos os turnos)

2% 3%
>10.000
5% 4.000 - 10.000
10% 19% 3.000 - 4.000
2.200 - 3.000

17% 1.500 - 2.200


12%
880 - 1.500
até 880
18% 14%
não informou
sem renda

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

161
Gráfico 12: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Santo Cristo (todos os turnos)

1% 0%

5% >10.000
19% 12% 4.000 - 10.000

3.000 - 4.000

13% 2.200 - 3.000

20% 1.500 - 2.200

880 - 1.500
18%
12% até 880

não informou

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Para cada um dos gráficos acima foi necessária a utilização de 225 questionários
(15 matutinos, 15 vespertinos e 15 noturnos, durante cinco dias, de segunda a sexta).
Através deles, pode-se constatar que os frequentadores com renda mensal familiar
superior a 10 mil reais e entre 4 mil e 10 mil reais estavam na “Nova” Praça Mauá e na
Saúde. Também figura nesta localidade o maior percentual de pessoas que não informou
a renda mensal familiar (22%). A recusa em informar este dado se intensificava durante
as noites. A Gamboa teve destaque dentre os entrevistados que afirmaram ter renda
familiar mensal entre 1.500 reais e 2.200 reais. Já Santo Cristo apresentou o maior
número de pessoas entrevistadas com renda mensal familiar entre 3 mil e 4 mil reais;
2.200 e 3 mil reais; 880 e 1.500 reais e, principalmente, pessoas com até 880 reais. O
bairro que menos pessoas afirmaram pertencer a este intervalo de renda foi a Saúde.
Com o objetivo de observar se há modificações no padrão total do intervalo da
renda mensal familiar nos três bairros analisados, tendo-se como variável os três
períodos do dia, apresentaremos um total de nove gráficos – três por bairro – para
podermos apreciar se há, ou não, modificações no padrão acima apresentado.

162
II. Intervalos de renda na Saúde [envolvendo os três turnos do dia]

Gráfico 13: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Saúde (manhã)

1%

9% >10.000
14%
4.000 - 10.000
3.000 - 4.000
6% 20%
2.200 - 3.000
1.500 - 2.200

16% 880 - 1.500

9% até 880
não informou
12% 13% sem renda

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Gráfico 14: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Saúde (tarde)

7% 8% >10.000
5%
4.000 - 10.000
3.000 - 4.000
17%
27% 2.200 - 3.000
1.500 - 2.200
880 - 1.500
10%
até 880
13% não informou
13%

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

163
Gráfico 15: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Saúde (noite)

9%
4.000 - 10.000
3.000 - 4.000
14%
2.200 - 3.000
3% 1.500 - 2.200
53%
880 - 1.500
12%
Até 880

6% não informou
3%

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Interpretados os gráficos sobre os intervalos de renda presentes nos três períodos


do dia na Saúde, torna-se possível averiguar se há variações temporais desse indicador
no bairro. O intervalo de renda mensal familiar que mais figura no turno da manhã e
durante as tardes situa-se entre 4.000 e 10.000 reais. Durante a noite, por questões
relacionadas à insegurança, a resposta mais frequente foi negar-se a responder a
pergunta, totalizando 53% dos entrevistados nesse período.

III. Intervalos de renda na Gamboa [envolvendo os três turnos do dia]

Gráfico 16: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Gamboa (manhã)

3%
>10.000
4%
4% 4.000 - 10.000
10% 3.000 - 4.000
24%
2.200 - 3.000
1.500 - 2.200
20%
7% 880 - 1.500
até 880
15% não informou
13%
sem renda

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

164
Gráfico 17: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Gamboa (tarde)

4% 6% >10.000
13% 4.000 - 10.000
15%
3.000 - 4.000
2.200 - 3.000
15%
13% 1.500 - 2.200
880 - 1.500

9% até 880
25% não informou

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Gráfico 18: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Gamboa (noite)

8%
4.000 - 10.000
5%
27% 3.000 - 4.000

14% 2.200 - 3.000


1.500 - 2.200
880 - 1.500
14%
até 880
24%
8% não informou

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Comparando-se os intervalos de renda que mais figuraram na Gamboa por


período do dia, vê-se que há diferença com relação à Saúde apenas no turno da tarde.
Durante a manhã, 24% dos entrevistados alegam enquadrar-se no intervalo entre 4 mil e
10 mil reais; durante a tarde, a maioria diz pertencer à faixa entre 1.500 e 2.200 reais.
Com relação aos entrevistados no período noturno, mais uma vez a maioria preferiu não
informar a renda mensal familiar.

165
IV. Intervalos de renda em Santo Cristo [envolvendo os três turnos do dia]

Gráfico 19: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Santo Cristo (manhã)

1% 3%

>10.000
10%
17%
4.000 - 10.000
3.000 - 4.000
16%
2.200 - 3.000
16% 1.500 - 2.200
880 - 1.500

20% até 880


17% não informou

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Gráfico 20: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Santo Cristo (tarde)

5%
20% >10.000
12%
4.000 - 10.000
3.000 - 4.000
12% 2.200 - 3.000
1.500 - 2.200
26%
880 - 1.500
18%
até 880
7%

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

166
Gráfico 21: Intervalos de renda, em reais, levantados no bairro Santo Cristo (noite)

10% 8% >10.000
4.000 - 10.000
14%
18% 3.000 - 4.000
2.200 - 3.000
8% 1.500 - 2.200
880 - 1.500
16% até 880
16%
não informou
10%

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Santo Cristo apresenta o padrão mais contrastante se comparado aos outros dois
bairros de análise. Além disso, segundo os dados adquiridos pelos questionários, é o
lugar em que a maioria dos frequentadores possui renda familiar mensal mais baixa.
Durante a manhã, grande parte dos entrevistados situa-se no intervalo de renda familiar
entre 2.200 e 3.000 reais; durante a tarde, entre 880 e 1.500 reais e, durante a noite, o
intervalo de renda mais mencionado foi até 880 reais, sendo que apenas 10% dos
entrevistados se recusaram a responder (menor percentual se comparar os três bairros no
período noturno).

V. Grau de escolaridade [comparativo dos bairros englobando todos os turnos]137

Com o propósito de desvendar o perfil social dos atuais frequentadores da área


de pesquisa, levantamos as faixas de escolaridade dos entrevistados buscando saber se
há padrões de distribuição espacial. A partir dos dados coletados, obtivemos acesso aos
cenários expressos nos gráficos a seguir, em cada um dos bairros.

137
Os gráficos referentes ao item “Grau de escolaridade” apresentam abreviaturas. Elas significam: SUP
= ensino superior / EM = ensino médio / FUND = ensino fundamental.

167
Gráfico 22: Escolaridades levantadas Saúde (todos os turnos)

2%
Pós graduação
1% 6% 7%
2% Graduação
3%
SUP andamento
SUP incompleto
EM técnico
33%
EM

30% EM andamento
EM incompleto
Fundamental
FUND andamento
8%
7% FUND incompleto
1%

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Gráfico 23: Escolaridades levantadas Gamboa (todos os turnos)

1% 4%
11% Pós graduação
Graduação
18%
SUP andamento
11%
SUP incompleto
1%
4% EM técnico
6%
3% EM
1% EM andamento
EM incompleto
Fundamental
40%
FUND andamento
FUND incompleto
Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

168
Gráfico 24: Escolaridades levantadas Santo Cristo (todos os turnos)

7%
Graduação
23%
SUP andamento
19%
SUP incompleto

3% EM técnico
3% 2% EM
8% EM andamento
Fundamental

35% FUND incompleto

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

O padrão dos dois níveis de escolaridade que mais aparecem nos três bairros de
análise é similar, contendo pessoas com graduação completa e ensino médio finalizado.
Na Saúde, a escolaridade mais mencionada é graduação completa, seguida por ensino
médio. Já na Gamboa e em Santo Cristo, a escolaridade mais respondida foi ensino
médio completo e, em seguida, graduação. A Saúde também destoa de Gamboa e Santo
Cristo no terceiro campo de escolaridade mais assinalada. Enquanto lá se tem a
graduação em andamento, na Gamboa empatam ensino fundamental completo e
incompleto e em Santo Cristo, ensino fundamental completo. Vale ressaltar, também,
que Santo Cristo foi o único bairro onde nenhum dos 225 entrevistados afirmou possuir
curso de pós-graduação.

169
VI. Graus de escolaridade levantados na Saúde [envolvendo os três turnos do dia]

Gráfico 25: Faixas de escolaridade levantadas Saúde (manhã)

7% 6%
Pós graduação
6%
Graduação
SUP andamento
29%
SUP incompleto
EM técnico

38% EM

4% Fundamental

9% FUND incompleto

1%

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Gráfico 26: Faixas de escolaridade levantadas Saúde (tarde)

2% 5% 7% Pós graduação
2% 5%
Graduação
5% SUP andamento
SUP incompleto
EM técnico
38%
18% EM
EM andamento
EM incompleto

5% Fundamental
2%
11% FUND andamento
FUND incompleto

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

170
Gráfico 27: Faixas de escolaridade levantadas Saúde (noite)

3% 10%
10%
Pós graduação
Graduação
SUP andamento
30%
SUP incompleto
33% EM
Fundamental
7% FUND incompleto
7%

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

As faixas de escolaridade mais encontradas no bairro Saúde, separando os dados


do período do dia, foram ensino médio completo e graduação completa. Durante as
manhãs e as noites, o Ensino Médio ficou em primeiro lugar e a graduação em segundo.
Já durante as tardes a ordem se inverteu. Além das escolaridades já mencionadas,
destaca-se a presença de pessoas com pós-graduação, graduação incompleta e em
andamento e, também, frequentadores com apenas o ensino fundamental.

VII. Graus de escolaridade levantados na Gamboa [envolvendo os três turnos do dia]

Gráfico 28: Faixas de escolaridade levantadas Gamboa (manhã)

Pós graduação
4%
1% 12%
Graduação
15%
SUP andamento
9%
SUP incompleto
4%
EM técnico
6% 4%
EM
1% 3% EM andamento
EM incompleto
Fundamental
41%
FUND andamento
FUND incompleto

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

171
Gráfico 29: Faixas de escolaridade levantadas Gamboa (tarde)

8% 4% Pós graduação
Graduação
14% 21% SUP andamento
SUP incompleto
2%
2% EM técnico
4%
EM
4%
EM andamento
4%
EM incompleto
37%
Fundamental
FUND incompleto

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Gráfico 30: Faixas de escolaridade levantadas Gamboa (noite)

4%
13%
17% Pós graduação

Graduação
13%
SUP andamento
8%
EM
12% EM incompleto

Fundamental

33% FUND incompleto

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

O bairro da Gamboa mantém o padrão em todos os turnos dos dias analisados.


Tanto de manhã quanto à tarde e à noite, o grau de escolaridade que mais se faz presente
é o ensino médio completo seguido de pessoas com graduação. Como faixas de
escolaridade que vêm em terceiro lugar, destacam-se o ensino fundamental incompleto
(durante as manhãs e as noites) e o fundamental completo, durante as tardes e as noites.

172
VIII. Graus de escolaridade levantados em Santo Cristo [envolvendo os três turnos do
dia]

Gráfico 31: Faixas de escolaridade levantadas Santo Cristo (manhã)

9%
16% Graduação
SUP andamento
17% 4% 1% SUP incompleto
EM técnico
9% EM
3%
EM andamento
Fundamental
FUND incompleto
41%

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Gráfico 32: Faixas de escolaridade levantadas Santo Cristo (tarde)

5%
Graduação
23%
16% SUP andamento
SUP incompleto
1%
3% EM técnico
1% EM
8% EM andamento
Fundamental

43% FUND incompleto

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

173
Gráfico 33: Faixas de escolaridade levantadas Santo Cristo (noite)

4%

27% Graduação
20%
SUP incompleto
EM técnico
5% EM
2%
EM andamento
9%
Fundamental
FUND incompleto
33%

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Em Santo Cristo, durante os três períodos do dia analisados (de segunda a sexta),
verificou-se que o grau de escolaridade majoritário em ambos é o ensino médio
completo. Além disso, destaca-se durante tardes e noites a presença de pessoas com
graduação e, durante as manhãs, pessoas com ensino fundamental completo.

IX. Locais de moradia dos frequentadores entrevistados [comparativo dos bairros


englobando todos os turnos]

Gráfico 34: Percentual dos locais de origem dos frequentadores da Saúde entrevistados
[todos os turnos]

1% Centro e Zona Port.


2% 11%
18% Zona Oeste

6% Zona Sul
Zona Norte
11% Baixada Fluminense
18% Niterói / S. Gonçalo
6% Norte Fluminense
Sul Fluminense

27% Outros estados

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

174
Gráfico 35: Percentual dos locais de origem dos frequentadores da Gamboa entrevistados
[todos os turnos]

3% 1%
4%
3% Centro e Zona Port.

7% Zona Oeste
Zona Sul
Zona Norte
50% Baixada Fluminense
22% Niterói / S. Gonçalo
Norte Fluminense
Região serrana
Outros estados
8%
2%

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Gráfico 36: Percentual dos locais de origem dos frequentadores de Santo Cristo
entrevistados [todos os turnos]

2%
2% 4% Centro e Zona Port.
3% 4%
Zona Oeste
Zona Sul
Zona Norte

21% Baixada Fluminense


55% Niterói / S. Gonçalo
Norte Fluminense

5% Sul Fluminense
4% Outros estados

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

De acordo com os gráficos expostos, vê-se que o Centro juntamente com a Zona
Portuária e a Zona Norte são as localidades de onde há mais moradores indo frequentar
a área do recorte territorial desta pesquisa. Na Saúde, a maioria dos entrevistados

175
afirmou morar em bairros que compõem a Zona Norte, seguidos por Baixada
Fluminense e Centro juntamente com a Zona Portuária. Já Gamboa e Santo Cristo
apresentam como maior foco de seus frequentadores pessoas que moram no Centro e na
própria Zona Portuária, seguidos por pessoas que moram na Zona Norte. Visto isso, o
próximo item explicitará se o conjunto dos entrevistados já frequentava, ou não, a Zona
Portuária antes das obras de reestruturação espacial. Esse detalhamento é importante
para sabermos se os frequentadores que lá transitam o fazem há muito ou pouco tempo.

X. Pessoas que já frequentavam a Zona Portuária antes de 2009 e as que só o fizeram


após essa data [comparativo dos bairros englobando todos os turnos]

Gráfico 37: Percentual de pessoas que frequentavam ou não a Saúde antes de 2009 (mais
justificativas)

6%
8% 19% NÃO (s/ justificativa)
NÃO (violência)
NÃO (moradia distante)
14% NÃO (sem atrativos)
7%
SIM (s/ justificativa)
3% SIM (local de trab)
SIM (mora[va] na área)
14% SIM (lazer)
24% SIM (de passagem)
5%

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

176
Gráfico 38: Percentual de pessoas que frequentavam ou não a Gamboa antes de 2009
(mais justificativas)

2% 2%
NÃO (s/ justificativa)
5% 10%
NÃO (violência)
6% NÃO (moradia distante)

5% NÃO (sem atrativos)


SIM (s/ justificativa)

33% 8% SIM (ida ao Hospital)


SIM (local de trab)
4% SIM (mora[va] na área)
6% SIM (lazer)
SIM (visitar família)
19%
SIM (de passagem)

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Gráfico 39: Percentual de pessoas que frequentavam ou não Santo Cristo antes de 2009 (mais
justificativas)

2% 1%
3% NÃO (ñ trabalhava lá)
5%
6% 3%
NÃO (violência)
5%
NÃO (moradia distante)

NÃO (sem atrativos)

SIM (local de trab)


32%
SIM (mora[va] na área)

SIM (lazer)
43%
SIM (rodoviária)

SIM (estudos/pesquisa)

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Os gráficos apresentam uma situação na qual em nenhum dos três bairros


analisados as pessoas que não frequentavam os bairros ficaram quantitativamente acima
177
das que já os frequentavam antes de 2009. Na Saúde e na Gamboa, os resultados foram
muito próximos. Enquanto apenas 29% dos entrevistados (em cada um dos dois bairros)
afirmaram que não visitavam o lugar, 71%, disseram que já frequentavam. Dentre os
que responderam sim, a justificativa mais apresentada relacionava-se à moradia. Já os
que afirmaram não, a maioria (omitindo os que não justificaram as causas) argumentou
que não frequentava por falta de atrativos. Em Santo Cristo, a diferença entre os
entrevistados que já frequentavam a área e os que não, foi ainda maior: 14% afirmaram
que não iam e 86% disseram que sim. Deste quantitativo, a maioria dos que já ia o fazia
por trabalhar lá e os que não iam, destacaram como fatores determinantes para tal
opção, as questões de violência e a falta de atrativos.

XI. Motivos que levaram os entrevistados à Zona Portuária no dia da entrevista


[comparativo dos bairros englobando todos os turnos]138

Gráfico 40: Motivos da visita dos entrevistados na Saúde no dia da execução dos questionários [todos os
turnos]

3%
Trabalho
6% conhecer esps reest
Outros (hospital)
12% 30%
2% Ida a museus
1% Outros (moradia)

6% encontro amigos
Estudo/ pesquisa
2% Super mercado
Outros (lazer)
17% 20%
Outros (diversos)
Outros (caminhada)
1%

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

138
Os gráficos referentes a este item apresentam a abreviatura esps reest, que significa espaços
reestruturados.

178
Gráfico 41: Motivos da visita dos entrevistados na Gamboa no dia da execução dos questionários [todos
os turnos]

3% 2%
7%
1% Trabalho
3%
conhecer esps reest
35% Outros (hospital)
Ida a museus
Outros (moradia)

27% encontro amigos


Estudo/ pesquisa
7% Super mercado

6% 9% Outros (ver família)


Outros (diversos)

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Gráfico 42: Motivos da visita dos entrevistados em Santo Cristo no dia da execução dos questionários
[todos os turnos]

1%
3%

4% Trabalho
9% conhecer esps reest
Outros (rodoviária)
42% Ida a museus
Outros (moradia)
encontro amigos
25%
Estudo/ pesquisa
Super mercado
Outros (diversos)
7% 7%

2%

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

A análise feita neste item é importante à pesquisa por explicitar algumas das
principais centralidades existentes em cada um dos bairros de análise. Na Saúde, por

179
exemplo, o principal fator de atração do público são as ofertas de trabalho. Em seguida
aparecem os espaços reestruturados e, em terceiro lugar, os novos museus. Na Gamboa,
o trabalho também figura como principal fator de atração de frequentadores, seguido
por moradia e os serviços médicos do Hospital dos Servidores. Em Santo Cristo, o
padrão existente é parecido com o da Gamboa. As vagas de trabalho são o principal
foco de centralidade; em segundo lugar vêm as moradias e, em terceiro, encontro com
amigos. Destaca-se que, apenas na Saúde, conhecer os espaços reestruturados e ir aos
museus figuraram entre as três principais motivações de visita pelos entrevistados.

XII. Motivos que levaram os entrevistados à Saúde no dia da entrevista [envolvendo


os três turnos do dia]

Gráfico 43: Motivos das visitas dos entrevistados na Saúde no dia da execução dos questionários
[manhã]

1%
Trabalho
3% 9%
conhecer esps reest
26% Outros (hospital)
Ida a museus
13%
Outros (moradia)
1%
encontro amigos
1%
2% Estudo/ pesquisa
1%
Super mercado
Outros (lazer)
23%
18%
Outros (VLT)
Outros (caminhada)
2%
Outros (diversos)

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

180
Gráfico 44: Motivos das visitas dos entrevistados na Saúde no dia da execução dos questionários [tarde]

3% 3% Trabalho
1% 7% conhecer esps reest
2%
30% Outros (hospital)

Ida a museus
11%
Outros (moradia)

encontro amigos
3%
Estudo/ pesquisa

Super mercado
20% 19%
Outros (lazer)

Outros (caminhada)
1%
Outros (diversos)
Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Gráfico 45: Motivos das visitas dos entrevistados na Saúde no dia da execução dos questionários [noite]

5%

Trabalho
22% 33%
conhecer esps reest
Ida a museus
Outros (moradia)
encontro amigos
4%
Outros (lazer)
Outros (diversos)
16% 13%

7%

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

181
Analisando as motivações que induziram as pessoas a visitar a Saúde, tendo-se
como universo amostral os três turnos do dia, de segunda a sexta-feira, vemos que o que
mais gera atração (em todos os períodos do dia), são as vagas de trabalho lá presentes.
Outras duas razões que se destacam nos turnos da manhã e da tarde são visitar os
espaços reestruturados e ir aos museus. Já no turno da noite há modificação neste
padrão. Embora a principal razão continue sendo relacionada ao trabalho, ela é
precedida de lazer139 e moradia.

XIII. Motivos que levaram os entrevistados à Gamboa no dia da entrevista


[envolvendo os três turnos do dia]

Gráfico 46: Motivos da visita dos entrevistados na Gamboa no dia da execução dos questionários
[manhã]

7%
4%
4%
Trabalho
3%
Outros (moradia)
encontro amigos
Outros (caminhada)
24% 58% Outros (ver família)
Outros (diversos)

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

139
O termo lazer é utilizado para aglutinar atividades como eventos, festas, bares e afins.

182
Gráfico 47: Motivos da visita dos entrevistados na Gamboa no dia da execução dos questionários [tarde]

6%
2% Trabalho
6%
conhecer esps reest
4% 32%
Outros (hospital)
Ida a museus
Outros (moradia)

23% encontro amigos


Estudo/ pesquisa
Super mercado
13%
Outros (diversos)
10% 4%

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Gráfico 48: Motivos da visita dos entrevistados na Gamboa no dia da execução dos questionários [noite]

10%
21%
7%
Trabalho
7% Outros (moradia)
encontro amigos
Outros (lazer)
Outros (diversos)

55%

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Na Gamboa, nos três turnos do dia, moradia e trabalho figuram como os


principais fatores de tração aos bairros. Durante as manhãs e as tardes analisadas, a
maioria das pessoas disse estar lá pelo trabalho, seguida por questões relativas à
moradia. Já à noite, houve uma inversão, ou seja, a maioria revelou estar lá por ser a

183
área de suas residências (55% dos entrevistados) e, em seguida, com 21% do total de
entrevistas, o trabalho voltou a figurar como fator de atração. Destaca-se que as pessoas
preferem caminhar pelas vias da Gamboa durante a manhã.

XIV. Motivos que levaram os entrevistados a Santo Cristo no dia da entrevista


[envolvendo os três turnos do dia]

Gráfico 49: Motivos da visita dos entrevistados a Santo Cristo no dia da execução dos questionários
[manhã]

5%
Trabalho
10%
2%
conhecer esps reest
34% Outros (rodoviária)
4%
Ida a museus
Outros (moradia)
Estudo/ pesquisa
21%
Super mercado
Outros (amigos)
11%
Outros (diversos)
10% 3%

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

184
Gráfico 50: Motivos da visita dos entrevistados a Santo Cristo no dia da execução dos questionários
[tarde]

2% 1%
4%
Trabalho
7%
conhecer esps reest
Outros (rodoviária)
44% Ida a museus
Outros (moradia)

30% encontro amigos


Estudo/ pesquisa
Super mercado
Outros (diversos)
3% 6% 3%

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

Gráfico 51: Motivos da visita dos entrevistados a Santo Cristo no dia da execução dos questionários
[noite]

2% 7%
4% Trabalho
conhecer esps reest

11% Outros (rodoviária)


40%
Ida a museus
Outros (moradia)
encontro amigos
Estudo/ pesquisa
23%
Super mercado
3% Outros (diversos)
3% 7%

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.

185
Em Santo Cristo, o item “trabalho” segue como principal fator de atração de
pessoas, em todos os turnos dos dias analisados, seguido, também em todos os turnos,
pela opção “moradia”. Em relação à função turística, que vem ganhando força na
localidade em virtude da reestruturação espacial em curso, somente durante as manhãs
constatou-se que mais de 10% dos entrevistados estavam lá para ir a museus ou visitar
os espaços “revitalizados”. Durante as tardes e noites, o número percentual caiu para
3% cada.

5.2 Unidade na diversidade: identificando padrões nas práticas espaciais dos


entrevistados na Zona Portuária

Antes de iniciar um comparativo entre Saúde, Gamboa e Santo Cristo, no que


diz respeito aos diferentes perfis dos públicos que transitam em cada bairro, tal qual
vislumbrar as principais e atuais atividades que geram centralidade, entende-se como
necessário reduzir temporariamente a escala de análise para destacar singularidades
presentes em alguns pontos da área total analisada. As áreas selecionadas foram: A)
“Nova” Praça Mauá; B) Cais do Valongo e C) Rua Pedro Ernesto.

A) “Nova” Praça Mauá

Durante os dias de semana analisados, os públicos que iam até lá com a


finalidade de visitar os museus e conhecer os espaços reestruturados, embora
significativo, era inferior ao número de pessoas que lá estavam devido ao trabalho140.
Esse dado, possivelmente difere de sábados e, principalmente, domingos e feriados.
Durante as manhãs, destaca-se o elevado número de excursões escolares para a área e
turistas vindos de outros estados. A Foto 26 mostra uma das excursões presenciadas.
Por dia, eram vistas uma média de três, seja de escolas públicas seja de privadas.

140
Muitos dos entrevistados eram servidores da Marinha, ou que trabalhavam nos museus e, ainda, havia
pessoas que trabalhavam em ruas próximas, mas que lá estavam por sentirem-se seguras de ficarem por
ali esperando dar o horário de iniciar o serviço.

186
Foto 26: Uma das excursões escolares presenciadas na “Nova” Praça Mauá

Fonte: Trabalho de campo, 2016.


Autoria própria.

Após as entrevistas, em conversas informais com as pessoas no local, a questão


do sentimento de segurança mostrou-se presente na retórica da maioria. Isso se deve,
principalmente, à presença constante de guardas da Operação Centro Presente (no meio
da Praça Mauá), de guardas municipais (em frente ao Museu MAR) e de policiais
militares (em frente ao prédio da Polícia Federal, no início da Via Boulevard Olímpico).
Esses atores da segurança estavam presentes em todos os dias e turnos analisados. As
fotos abaixo mostram a presença das forças de segurança.

187
Foto 27: Instalações da operação de segurança Centro Presente na Praça Mauá

Fonte: trabalhos de campo, 2016.


Autoria própria.

Foto 28: Presença de forças policiais em frente ao prédio da Polícia Federal

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.


Autoria própria.

Em relação aos ritmos cotidianos, a Praça Mauá apresenta no turno da tarde o


maior número de frequentadores e durante as noites, o menor. A mesma situação ocorre

188
no Boulevard Olímpico (antiga Avenida Rodrigues Alves). Nesta via, durante as
manhãs analisadas, o maior número de entrevistados era morador da Zona Portuária e
estava praticando caminhada ou indo resolver algum problema em um dos prédios ruas
adentro, mas que preferiram usar este trajeto por ser “mais bonito”.

B) Cais do Valongo

O Cais do Valongo, localizado na Avenida Barão de Tefé (ao lado do Hospital


dos Servidores), apresentou pouca frequência turística durante os dias de semana
analisados. A maioria das pessoas que por lá transitava o utilizava como local de
passagem. Área contendo praça sem bancos ou presença de agentes de segurança
pública, o maior instrumento de centralidade, encontrado nas respostas dadas pelos
entrevistados, foi o ponto de ônibus lá alocado.

Foto 29: Cais do Valongo em primeiro plano e, ao fundo, praça sem bancos e vazia

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.


Autoria própria.

189
C) Rua Pedro Ernesto

A Rua Pedro Ernesto, via situada entre a altura do Moinho Fluminense e a


Cidade do Samba, destacou-se pela concentração de dois grupos sociais distintos, quais
sejam, moradores em situação de rua (na altura da Cidade do Samba) e operários de
obras (na altura do Centro Cemitério dos Pretos Novos). Durante manhãs e tardes, estes
dois grupos se apropriam espacialmente da via, mas durante a noite lá figuram,
principalmente, as pessoas em situação de rua. Dentre as razões para este grupo
territorializar a via, duas delas são consideradas principais: a falta de efetivo de forças
de segurança e não realização de operações de “choque de ordem” e a presença de
materiais que sobram das obras, como metais, que são pegos por eles para serem
vendidos. Segundo moradores da via, parte da população que está em situação de rua
naquela área pertencia a ocupações de sem teto que foram desapropriadas pelas forças
do Estado. Seguem duas fotos com os grupos que territorializam a Rua Pedro Ernesto
durante manhãs e tardes.

Foto 30: Trecho da Rua Pedro Ernesto territorializada pelos operários das obras do VLT, em horário de
descanso. Ao fundo encontra-se a fachada do Moinho Fluminense.

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.


Autoria própria.

190
Foto 31: Trecho da Rua Pedro Ernesto (altura da Cidade do Samba) territorializada por moradores em
situação de rua. Em primeiro plano, objetos oriundos das obras

Fonte: Trabalhos de campo, 2016.


Autoria própria.

Retomando a análise na escala do bairro, no que diz respeito à ocorrência de um


padrão espacial tendo-se como critério o intervalo de renda mensal familiar dos
entrevistados, viu-se que Santo Cristo foi o bairro investigado com os menores
indicadores. Durante as manhãs, a faixa de renda que mais apareceu foi a entre R$ 2
200,00 e R$ 3000,00. Durante as tardes, o valor decaiu para o intervalo entre R$880,00
e R$1500,00. Já durante as noites, os entrevistados, em sua maioria, afirmaram ter renda
mensal familiar de até R$880,00. Já o bairro investigado que apresentou maiores índices
de renda mensal familiar foi a Saúde. Durantes as manhãs, o intervalo de renda que

191
mais apareceu foi entre R$4000,00 e R$10000,00 (tal qual a Gamboa). No período da
tarde, a Saúde foi o bairro analisado com o maior intervalo de renda apresentado pelos
entrevistados, variando, assim como o período matiturno, entre R$4000,00 e
R$10000,00. No período noturno, a maioria dos entrevistados da Saúde e da Gamboa
não informou suas rendas, mas, dentre os que informaram na Saúde, o intervalo de
renda mensal familiar variava entre R$3000,00 e R$4000,00. Já na Gamboa, tal qual
Santo Cristo, o intervalo de renda declarado que mais figurou foi o de até R$880,00. Em
resumo, a listagem dos três bairros estudados em ordem decrescente de renda mensal
familiar dos frequentadores entrevistados foi: Saúde, Gamboa e Santo Cristo.
No que diz respeito ao grau de escolaridade dos frequentadores da área de
estudo, tendo como referencial as entrevistas realizadas, o que mais se encontra em
todos os bairros e em todos os turnos (exceção da Saúde no turno da tarde) são pessoas
com ensino médio completo. No período matutino, a segunda escolaridade mais relatada
nas entrevistas, tanto na Saúde quanto na Gamboa, foi graduação completa. Em Santo
Cristo, a segunda que mais apareceu no mencionado turno foi fundamental completo.
No turno da tarde, a Saúde foi o único bairro que teve como escolaridade mais
mencionada a graduação, seguida por ensino médio. Gamboa e Santo Cristo tiveram
como ordem ensino médio e depois graduação. Já no período noturno, o padrão repetiu-
se nos três bairros. A escolaridade que mais apareceu foi ensino médio e a segunda,
graduação completa.
Com relação aos motivos que levaram as pessoas a estarem na Zona Portuária
no dia das entrevistas, a resposta padrão foi por lá ser o local de trabalho. Apenas na
Gamboa, no período noturno, a razão mais apresentada foi diferente: moradia. No turno
matutino, além do trabalho, Gamboa e Santo Cristo tiveram muitas respostas
relacionadas à moradia e, na Saúde, muitas pessoas afirmaram estar visitando os
espaços reestruturados. No turno da tarde, mais uma vez Gamboa e Santo Cristo tiveram
moradia como segunda resposta mais apresentada (atrás de trabalho) e os entrevistados
na Saúde destacaram que a razão da sua estada ali foi para visitar os museus. No
período noturno, Saúde e Santo Cristo apresentam como resposta que mais aparece
trabalho, já a Gamboa, moradia. Nas respostas que aparecem com a segunda maior
contagem, por bairro, os entrevistados na Saúde afirmaram lá estar por lazer, na
Gamboa, por trabalho, e em Santo Cristo, por moradia. Tendo como parâmetro de
mensuração as entrevistas realizadas, destaca-se que o bairro que mais possui função e
centralidade relacionada a turismo e lazer é a Saúde. Gamboa e Santo Cristo, além do

192
trabalho (comum aos três bairros), têm como segunda maior razão de atração dos seus
frequentadores a oferta de moradias.
Um ponto importante e complementar às informações do parágrafo anterior diz
respeito às centralidades pretéritas ao ano de 2009 e também à já presença (ou não) dos
entrevistados na Zona Portuária desde antes da consecução do Porto Maravilha. No
bairro Saúde, 43% dos entrevistados afirmaram não frequentar o bairro antes de 2009,
tendo como principal motivação justificada a violência, e 57% dos entrevistados
afirmaram já visitar, tendo o trabalho como principal motivação. Na Gamboa, apenas
29% dos entrevistados afirmaram não visitar o bairro antes de 2009, tendo como
principal motivação justificada a falta de atrativos, e 71% afirmaram já frequentar,
principalmente por razões relacionadas à moradia. Em Santo Cristo, a diferença entre o
percentual dos que não frequentavam para os que já visitavam o bairro aumentou ainda
mais, comparando os dados coletados na Saúde e na Gamboa. Somente 14% dos
entrevistados, em Santo Cristo, afirmou não visitar a localidade (violência e falta de
atrativos foram as justificativas mais comuns) e 86% afirmou já visitar, tendo destaque
para a justificativa do trabalho. Em resumo, do maior para o menor, a ordem dos bairros
que mais tiveram entrevistados afirmando que não o frequentavam antes de 2009 é
Saúde, Gamboa e Santo Cristo.
Um dado relevante e que também foi levantado trata-se da origem dos
frequentadores entrevistados. Neste quesito, há evidente padrão. Na Gamboa e em Santo
Cristo, o maior número de pessoas vem do Centro, da (própria) Zona Portuária e
também da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Na Saúde, a maior parte do público
entrevistado também vem destas localidades, mas com ordem invertida: a maior parte
dos frequentadores entrevistados vem da Zona Norte e o segundo maior grupo vem do
Centro e da Zona Portuária.
Finalizando este capítulo, dedicado a encontrar padrões espaciais no que diz
respeito ao perfil socioeconômico dos frequentadores da área de estudos e também os
principais usos de cada bairro, vemos que a Saúde é o bairro em que mais há presença
de pessoas com os maiores índices de renda mensal familiar e também com os maiores
níveis de escolaridade. Com relação aos usos, a Saúde foi o único bairro em que as
opções “conhecer os espaços reestruturados, ida a museus e lazer” figuraram nas duas
respostas que mais apareceram, por período do dia, nas entrevistas (ficando atrás da
opção “trabalho”). Este é o bairro onde as transformações infraestruturais e funcionais
mais avançaram e, também, onde mais intensamente ocorreram propagandas positivas e

193
ressignificação espacial. Não por acaso, é o bairro (somado à “Nova” Praça Mauá)
aonde o maior número de pessoas vai por diversão e buscando lazer, cultura,
aproveitando para fazer o registro de suas visitas, tirando fotos em família e entre
amigos.

194
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa dedicou-se a analisar a reestruturação espacial empreendida na


Zona Portuária do Rio de Janeiro, sustentada por conceitos como o de gentrificação e
coesão espacial. Dialogamos, também, acerca do “direito à cidade” e rediscutimos a
inserção da Zona Portuária no que a literatura acadêmica intitula “Zona Periférica do
Centro”, propondo readequações na teoria de Griffin & Preston (1966). Entendemos que
a rediscussão se fez necessária, pois o modelo mostrou-se ultrapassado, não no sentido
pejorativo do termo, mas frente às intensas transformações espaciais induzidas pelos
agentes (re)modeladores da localidade. Após a realização das discussões e análises
mencionadas, como modificação das funções espaciais, representações simbólicas e
feições infraestruturais da área, dedicamos esforços para vislumbrar o perfil dos atuais
frequentadores e a possibilidade, confirmada, de haver padrões espaciais na dispersão
destes frequentadores no que se refere aos perfis de renda, de escolaridade e de prática
espacial realizada.
A Zona portuária vinha passando por um processo de marginalização espacial
desde a segunda metade do Século XIX e teve seu momento de maior intensidade
iniciado na década de 1960, com a transferência da capital da República para Brasília, e
finalizado em 2009, com o início das obras oriundas da OUC Porto Maravilha. O
período prolongado de falta de investimentos na localidade e o fomento de estereótipos
negativos teve seu primeiro marco de modificação no ano de 1996, com a criação do 1º
Plano Estratégico do Rio de Janeiro, marcando a apropriação do empreendedorismo
como ferramenta de governar o município. Embora tenha sido um passo importante para
a reestruturação da Zona Portuária, poucas modificações nas formas espaciais da área
foram feitas, visto que as esferas de administração pública municipal, estadual e federal
não tinham o diálogo necessário para pôr os planos em ação.
O segundo marco ocorreu em 2009, quando o então prefeito Eduardo Paes
(PMDB), eleito nas eleições de 2008, assumiu ao cargo. Ele, através do slogan “Somos
Todos um Rio”, montou uma hipercoligação partidária, nutrindo boas relações com o
então governador Sergio Cabral (PMDB) e com o então presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT). As antigas barreiras políticas geradas pelo pouco diálogo entre município,
estado e União foram derrubadas e a “revitalização” da Zona Portuária pôde, enfim, sair
do papel.

195
Em razão das dinâmicas espaciais da Zona Portuária estarem sendo intensamente
modificadas, julgou-se necessário refletir sobre readequações no que diz respeito à sua
codificação teórica. Tendo como base o modelo da “Zona Periférica do Centro”, de
Griffin & Preston (1966), a localidade de estudo, durante o Século XX, podia ser
compreendida como o “setor de inatividade geral”. Ele é caracterizado por relativa
inércia das formas espaciais, por não ser foco de investimentos de grandes
empreendedores e pelo fato de ter o mercado imobiliário “congelado”. Contudo, após o
início da reestruturação espacial da localidade, diversos executivos interessaram-se em
investir na área, o mercado imobiliário agitou-se e elevado número de eventos e pessoas
à procura de lazer passou a frequentar a área. Em suma, a área não pode mais ser
vislumbrada como “setor de inatividade geral”. A grande questão é que os dois outros
setores, presentes na proposição de Griffin e Preston, também não são enquadráveis
para a Zona Portuária no atual momento. Em razão disto, verificou-se a necessidade de,
utilizando como base a teoria mencionada, propor o surgimento de um novo setor: setor
de transformação induzida.
Iniciadas as obras de reestruturação espacial, verificou-se o surgimento do
processo espacial denominado gentrificação. Dentre suas causas, destaca-se que a
“revitalização” foi pensada e está sendo operacionalizada tendo a classe média como
público-alvo. Isto torna-se explícito na fala do então deputado Alfredo Sirkis (PSB/RJ),
em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, em 31 de agosto de 2011. De
acordo com ele, a classe política do Rio de Janeiro teria que garantir a aceitação da
classe média pela Zona Portuária (seja para morar, seja para frequentar). Isso é uma
contradição, visto que a maioria dos domicílios na área de estudo possui faixa mensal de
renda per capita de até 01 salário mínimo, ou seja, a maioria dos moradores da área
impactada pelo Porto Maravilha é pobre, mas as modificações espaciais foram
projetadas para atrair e beneficiar a classe média. Tal ocorrência desencadeou uma
sequência de dinâmicas socialmente excludentes.
No decorrer da pesquisa, averiguamos a existência de dezenas de decretos
autorizando a desapropriação de moradores no Morro da Providência, por razões
contestadas até mesmo por técnicos; observamos todas as ocupações de pessoas do
movimento dos sem teto, na localidade, serem extintas; verificamos (por meio de
entrevistas com guardas municipais) a frequente operação de “choque de ordem” na
Saúde e na Praça Mauá, onde moradores em situação de rua eram removidos para outras
áreas da cidade e também constatamos, por meio de entrevistas com atores do mercado

196
imobiliário e leitura de reportagens, intensa especulação imobiliária, materializada no
elevadíssimo aumento do preço do metro quadrado (todos acima de inflação) na Zona
Portuária do Rio de Janeiro. Isso gerou pressões sobre os mais pobres e há casos de
pessoas, principalmente as que vivem de aluguel, que não conseguiram manter-se na
área por não conseguir arcar com os ônus tributários associados às obras de melhoria
infraestrutural.
Em paralelo à dinâmica de remoções compulsórias – provocadas pelo
fechamento das Ocupações de Sem Teto até então presentes na Zona Portuária e pela
demolição de 832 residências na favela da Providência – e aos casos de pessoas que
precisam sair da área por não terem condições financeiras de se manter, há também
moradores da localidade que foram beneficiados pela consecução da OUC Porto
Maravilha. Um exemplo desse grupo, são moradores do Morro da Providência que estão
trabalhando em barracas de artesanato e de alimentos em dias de evento, geralmente aos
domingos. Essa multiplicidade de situações faz com que não haja, entre os moradores
da localidade, um “pensamento único” positivo ou negativo com relação à
reestruturação local.
Os executores da OUC Porto Maravilha, por meio da operação de marketing
urbano por eles orquestrada, insistem em nomear o processo em curso de revitalização.
Somos opositores desta nomenclatura para designar o que está havendo na Zona
Portuária e, por esse motivo, quando fazemos menção ao termo, o colocamos entre
aspas, preferindo, portanto, utilizar, no lugar, reestruturação espacial ou gentrificação.
Geógrafos como Roberto Lobato Corrêa, Marcelo Lopes de Souza e Neil Smith
engrossam o arcabouço de críticas a respeito da nomenclatura “revitalização”. Enquanto
Corrêa afirma que o termo é ideológico, Souza e Smith afirmam que ele deixa a
entender que uma localidade só passa a ter vivacidade com a presença da classe média.
Para uma área ser “revitalizada”, significa que ela estava anteriormente “morta”, o que
não é o caso, já que havia pessoas e relações sociais circulando nela. Uma situação de
uso adequado do termo revitalização seria o caso de quando grupos passam a ocupar
prédios antigos, abandonados e sem função. Aí sim o termo se faz verdadeiro, visto que
antes de tal ocupação, não havia relações sociais no lugar141.
Ao analisar o processo teoricamente, utilizamos a teoria do rent gap cunhada por
Neil Smith, por a considerarmos capaz de auxiliar na explicação das razões que

141
Para maiores detalhes, remeter-se-á o leitor à tese de doutorado de Tatiana Tramontani Ramos,
publicada em 2012, junto ao Programa de Pós Graduação em Geografia da UFRJ.

197
desencadearam o aumento do preço da terra na Zona Portuária, assim como valer-se
dela pelo fato de ela dialogar com processos oriundos de outras escalas analíticas.
Resultante da dialética onda de investimentos seguidos de desinvestimentos, essa teoria
defende que as operações de “revitalização” em áreas desvalorizadas que ficam
próximas dos CBD (as “Zonas Periféricas do Centro”) possuem o objetivo principal de
diminuir a diferença entre a renda capitalizada pela terra e a sua renda potencial, que é
elevada por estar próxima ao centro nervoso da cidade. Para elevar a capitação de renda,
via de regra, são feitas operações de renovação urbana e, após isso, o preço da terra
local é elevado principalmente por renda especulativa. Tais operações têm como
característica preocupar-se com a infraestrutura urbana e atração da classe média, por
modificação das funções espaciais combinada por city marketing. A questão relativa à
diminuição de contradições sociais não figura dentre os objetivos de tais operações, e
não por acaso há tantos exemplos de heteronomia e aumento da pressão imobiliária
sobre os mais pobres, principalmente os que vivem de aluguel e em favelas.
Além da gentrificação em curso, outro processo iniciado junto à reestruturação
da Zona Portuária é uma crescente coesão espacial junto ao Distrito Central de
Negócios. Tal processo pode ser apreciado espacialmente pela aproximação funcional
entre as duas localidades, além da crescente presença de investidores ligados ao setor
corporativo, preferindo investir na Zona Portuária ao invés do Centro da Cidade, da
presença de frequentadores que passaram a ir à Zona Portuária a fim de utilizá-la
culturalmente (antes do Porto Maravilha, públicos com esse objetivo limitavam-se ao
Centro da Cidade) e, por fim, devido à aproximação funcional entre Centro e Zona
Portuária, cimentada e marcada no substrato material do espaço pelo traçado do VLT.
Identificado como uma forma simbólica espacial, o Veículo Leve sobre Trilhos possui
dupla função: (1) facilitar a circulação do fluxo de pessoas pelo Centro e a Zona
Portuária e (2) marcar simbolicamente a diminuição das descontinuidades espaciais
entre as duas localidades.
Como já mencionado, as intensas modificações funcionais e infraestruturais,
somadas à ressignificação espacial da área de estudo, desencadearam o movimento de
“redescoberta” da Zona Portuária por pessoas interessadas em usos culturais, de modo
geral, e pela classe média, especificamente. Através dos trabalhos de campo, verificou-
se que o bairro da Saúde e a “Nova” Praça Mauá são as localidades em que o maior
percentual dos entrevistados foi em razão dos novos espaços reestruturados e pelos
museus. Não por acaso, essas são as áreas com obras em estágio mais adiantado na

198
AEIU do Porto Maravilha. Essas duas localidades também registram o maior
quantitativo de pessoas com graduação e renda mensal familiar, se comparado à
Gamboa e a Santo Cristo.
Fazemos, mais uma vez, referência a Alves (2011), quando a autora defende que
o Porto Maravilha foi uma ótima chance de diminuição desperdiçada do déficit
habitacional no Rio de Janeiro. Em entrevistas com atores do mercado imobiliário,
vimos que o preço do metro quadrado está tão elevado que nem empreendimentos
residenciais voltados para a classe média estão conseguindo competir junto a
investidores do ramo corporativo (com maior capacidade financeira). Novos
empreendimentos do Programa MCMV, embora já licenciados, também não estão indo
para frente. O plano inicial de aumentar a população residente de 28 mil para 100 mil
pessoas, sob a égide de mistura social142, até o momento está fracassando.
As intenções que guiaram a “revitalização” empreendida pela OUC Porto
Maravilha mostraram-se contraditórias desde o início. O projeto foi confeccionado
tendo como público-alvo a classe média e não os moradores da localidade, em sua
maioria pouco abastados. A elevação do preço da terra – acima da inflação – gerou
pressões sobre os residentes mais pobres, destacando-se os inquilinos, em razão dos
preços dos aluguéis terem aumentado vertiginosamente. Antigos moradores de
ocupações de sem teto foram despejados, moradores em situação de rua foram
removidos e centenas de pessoas que moravam no Morro da Providência, despejadas.
Embora a monumentalidade das formas espaciais e o sucesso ideológico do
“Porto Maravilha” sejam inegáveis, tal qual a produção de empregos e benefício de
parte dos moradores locais que viram seus imóveis valorizarem-se junto ao mercado
imobiliário, as contradições estruturais e os casos de injustiças sociais derivadas deste
mesmo “Porto Maravilha” são muitas e precisam ser estudadas pela produção
acadêmica de modo crítico.

142
Leia-se incremento de empreendimentos residenciais voltados para classes bem abastadas.

199
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7.1 Decretos, leis e resoluções

RIO DE JANEIRO. DECRETO nº 30.815 de 23 de junho de 2009. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 31.413 de 27 de novembro de 2009. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 31.943 de 04 de março de 2010. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 31.941 de 04 de março de 2010. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 31.942 de 04 de março de 2010. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 32.029 de 23 de março de 2010. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 32.469 de 1º de julho de 2010. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 32.465 de 1º de julho de 2010. Poder Executivo.

206
_______. DECRETO nº 32.468 de 1º de julho de 2010. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 32.594 de 29 de julho de 2010. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 32.666 de 11 de agosto de 2010. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 33.730 de 02 de maio de 2011. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 33.734 de 03 de maio de 2011. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 33.925 de 06 de junho de 2011. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 33.932 de 09 de junho de 2011. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 33. 935 de 09 de junho de 2011. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 34.044 de 22 de junho de 2011. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 34.085 de 06 de julho de 2011. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 34.212, de 03 de agosto de 2011. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 34.565 de 06 de outubro de 2011. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 33364 de 28 de novembro de 2011. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 340.803 de 29 de novembro de 2011. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 35.060 de 23 de janeiro de 2012. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 35.468 de 20 de abril de 2012. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 35.466 de 20 de abril de 2012. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 35.465 de 20 de abril de 2012. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 35.467 de 20 de abril de 2012. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 35.600 de 08 de maio de 2012. Poder Executivo.

_______. DECRETO nº 39.680 de 23 de dezembro de 2014. Poder Executivo.

_______. LEI COMPLEMENTAR n.° 101 de 23 de novembro de 2009. Poder


Executivo.

_______. LEI COMPLEMENTAR n.° 102 de 23 de novembro de 2009. Poder


Executivo.

_______. LEI COMPLEMENTAR n.° 105 de 22 de dezembro de 2009. Poder Executivo.

207
_______. LEI COMPLEMENTAR n.° 111 de 01 de fevereiro de 2011. Poder Executivo.

_______. LEI COMPLEMENTAR n.° 125 de 14 de janeiro de 2013. Poder Executivo.

_______. LEI COMPLEMENTAR n.° 143 de 04 de agosto de 2014. Poder Executivo.


_______. LEI ORDINÁRIA nº 5128 de 16 de dezembro de 2009. Poder Executivo.

_______. LEI ORDINÁRIA nº 5546 de 27 de setembro de 2012. Poder Executivo.

_______. LEI ORDINÁRIA nº 5780 de 28 de julho de 2014. Poder Executivo.

_______. LEI ORDINÁRIA nº 5781 de 01 de julho de 2010. Poder Executivo.

_______. RESOLUÇÃO SMF nº 2974 de 20 de julho de 2011. Poder Executivo.

_______. RESOLUÇÃO SMF nº 2675 de 20 de julho de 2011. Poder Executivo.

_______. RESOLUÇÃO SMF nº 2676 de 20 de julho de 2011. Poder Executivo.

_______. RESOLUÇÃO SMF nº 2677 de 20 de julho de 2011. Poder Executivo.

_______. RESOLUÇÃO SMF nº 2835 de 05 de fevereiro de 2015. Poder Executivo.

208
8. ANEXOS

ROTEIROS DE ENTREVISTAS

ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM FREQUENTADORES

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
Entrevistador: Bruno Pereira do Nascimento
Data da entrevista: ___/___/___
Horário_________________
Local: _____________________________________

[ATENÇÃO! Esta pesquisa é exclusivamente para fins acadêmicos. A identidade do


entrevistado será preservada. O entrevistado tem a liberdade de deixar de responder qualquer
pergunta.]

1. O (a) senhor (a) reside em qual estado/município/bairro?

2. Qual a faixa de idade?

De 00 até 18 anos ( ) De 40 até 44 anos ( ) De 60 até 64 anos ( )


De 19 até 24 anos ( ) De 45 até 49 anos ( ) De 65 até 69 anos ( )
De 25 até 29 anos ( ) De 50 até 54 anos ( ) De 70 até 75 anos ( )
De 30 até 34 anos ( ) De 50 até 54 anos ( ) De 76 até 80 anos ( )
De 35 até 39 anos ( ) De 55 até 59 anos ( ) Mais de 80 anos ( )

3. Qual a profissão exercida pelo (a) senhor (a)?

4. Qual a sua faixa de escolaridade?

5. Qual a renda média familiar?

Até R$ 880 ( ) Entre R$ 2.200 e R$ 3.000 ( ) Acima de R$ 10.000 ( )


Entre R$ 880 e R$ 1.500 ( ) Entre R$ 3.000 e R$ 4.000 ( )
Entre R$ 1.500 e R$ 2.200 ( ) Entre R$ 4.000 e R$ 10.000 ( )

6. O (a) senhor (a) já frequentava a Zona Portuária antes das obras de melhoria
infraestruturais?
SIM ( )
NÃO ( )
MOTIVO(S) _________________________________________________________

7. Por qual razão veio para a Zona Portuária? [pode marcar mais de uma resposta]
Trabalho ( )
Estudo / pesquisa ( )
Conhecer os espaços reestruturados ( )
Ida a museus ( )
Encontro com amigos ( )
Fazer compras ( )
Outros ( ) ___________________________________________________________

209
8. O (a) senhor (a) visita a Zona Portuária, geralmente:
Finais de semana ( )
Dias de semana ( )
Ambos ( )

210

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