O Papel Do Psicólogo Pediátrico
O Papel Do Psicólogo Pediátrico
O Papel Do Psicólogo Pediátrico
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mais o seu objectivo centra-se no campo da cional (crianças com problemas de desenvolvi-
prevenção (modificação dos comportamentos mento, crianças de famílias desfavorecidas, ...),
eiou situações) e na intervenção precoce e rápida através da identificação dos factores físicos,
na resolução de problemas de índole psicológica comportamentais e do meio que podem levar ao
ou psicossocial que surgem em contexto pediá- aparecimento de doenças ou problemas psico-
trico, focalizando a sua acção na criança, família lógicos, favorecendo um desenvolvimento fami-
e equipa médica. liar saudável e minimizando desarmonias emo-
cionais graves.
2.1. Níveis de intervenção do psicólogo pediá- Mas, como referem Viana e Almeida (1 987),
trico dado que os problemas de saúde infantil são in-
dissociáveis das atitudes e comportamentos dos
Na opinião de Rodriguez e Hermida (1995), pais, é necessário que as acções de prevenção se
cada vez mais se torna necessário o apoio de um façam também junto dos pais de forma a tornar
especialista do comportamento humano no siste- mais eficaz qualquer intervenção com os filhos,
ma geral de saúde. No actual conceito de saúde procurando utilizá-los como agentes de modifi-
são contemplados elementos causais das doen- cacão do comportamento dos filhos em relação a
ças, factores tanto do próprio sujeito como do saúde. Assim, é necessario proporcionar-lhes
seu meio, e, por isso, as variáveis sociais e do acções pedagógicas (educação parenta1 e treino
meio vão tendo cada vez maior peso nos pro- de competências) com o objectivo de desenvol-
gramas de saúde, ao mesmo tempo que muitas ver neles padrões apropriados para um clima
das variáveis biológicas se analisam em função adequado a um bom desenvolvimento cognitivo,
do comportamento do sujeito. afectivo e social (L. Wright, 1993), prevenindo a
Assim, a intervenção do psicólogo pediátrico saúde mental ou ensinando-os a lidar com os
deverá ser exercida fundamentalmente no âmbito efeitos de determinada doença física no desen-
multidisciplinar e dirigida a criança, a faniilia e volvimento do filho.
também aos outos técnicos de saúde e visa fun- A prevenção também se deve voltar para os
damentalmente a promoção da saúde actuando técnicos de saúde para Ihes transmitir as noções
nos 3 níveis de prevenção. de desenvolvimento psicológico normal e de
adaptação psicossocial a doença física e seus
2.1.1. Intervenção no 1.O nível: Prevenção Pri-, efeitos no funcionamento da criança e da família,
mária e Promoção da Saúde sensibilizando-os para a importância da relação e
comunicação com a criança doente e com os
Do ponto de vista preventivo, uma das tarefas pais, implementando, se necessário, modificação
do psicólogo pediátrico é transmitir a população de atitudes (formação) (A. Pires, & A. Pires,
(comunidade e não só as crianças) conhecimen- 1995).
tos de modo a promover comportamentos sau-
dáveis e intervir nos factores e estilos de vida 2.1.2. Intervenção nos 2." e 3." níveis: Abor-
que incidem nas condutas de risco (I. Rodriguez, dagem da criança doente e Reabilitação
& J. Hermida, 1995) -hábitos alimentares, cui-
dados físicos de higiene, exercício físico, medi- Para que a abordagem da criança doente seja
das de segurança nos transportes e em casa, eficaz tem de ser realizada globalmente e, exis-
prevenção do alcoolismo, tabagismo e toxicode- tindo uma relação estreita entre factores compor-
pendência nos jovens, etc. - para a conservação tamentais e saúde, é necessário a inclusão do
da saúde e prevenção da doença. psicólogo nas equipas interdisciplinares por este
Para Roberts (1 993), a prevençãoipromoção ser um elemento-chave no tratamento e reabili-
junto da criança tem 2 objectivos: melhorar 3 tação dos problemas quando estes j á existem.
seu bem-estar enquanto criança e melhorar o seu A intervenção no 2." nível tem a ver com a
futuro estatuto de saúde enquanto adulto. As actuação sobre os indivíduos em que j á existem
acções de prevenção vão, então, basear-se na factores de risco. A interdisciplinaridade vai
avaliação e intervenção precoce em crianças de permitir a equipa intervir em várias frentes de
risco para o desenvolvimento cognitivo e emo- forma a que os tratamentos médicos se comple-
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mentem com os psicológicos, potenciando os exemplo), faz uma análise funcional do seu
seus efeitos. Um dos objectivos fundamentais do comportamento de modo a chegar a um diagnós-
psicólogo pediátrico, neste nível, é intervir sobre tico que irá transmitir, juntamente com algumas
comportamentos que propiciam os factores de recomendações terapêuticas, a quem fez o pedi-
risco (I. Rodriguez, & J. Hermida, 1995). do.
Num 3." nível, o objectivo é ultrapassar, no Esta consulta de avaliação da criança é muitas
possível, os efeitos dos transtornos de determina- vezes insuficiente se o problema fôr complexo,
da doença, evitando as possíveis recaídas e efei- sendo então necessário mais contactos com a
tos secundários não desejados. criança, numa perspectiva de intervenção/apoio
Uma parte importante do trabalho do psicólo- breve.
go nestas equipas multidisciplinares é a de trocar - Nas consultas de subespecialidades pediá-
informações e colaborar estreitamente com os tricas (consultas em colaboração), o psicólogo
pediatras de modo a ((ajudá-los a tolerar a espera procura contribuir para um melhor planeamento
e a entrar num tempo psicológico muito diferen- de intervenções terapêuticas que tomem em
te do timing pediátrico habitual)) (G. Mesibov, atenção, também, os factores psicológicos e a
1991), ser um facilitador da comunicação entre adaptação da criança e família a nova e desesta-
os diversos protagonistas, isto é, ajudar as equi- bilizante situação de doença.
pas a comunicar com a família e a desenvolver - O apoio psicológico a crianca doente e fa-
um contrato entre eles de modo a clarificar ex- mília é feito numa perspectiva de intervenção
pectativas futuras. breve e com fases distintas que têm a ver com a
Para Olson et al. (1994) o psicólogo pediátri- evolução da doença: crise emocional aquando do
co tem, portanto, um papel importante no seio da diagnóstico, preparação para o internamento,
equipa na identificação e intervenção precoce de hospitalização e reabilitação.
potenciais problemas de desenvolvimento e de Numa I. fase, a acção do psicólogo centra-se
comportamento nas crianças doentes. A sua no apoio aos pais cujo filho foi diagnosticado
acção faz-se tanto ao nível do internamento co- com doença grave ou crónica, procurando ajudá-
mo no ambulatório e centra-se nas áreas de con- 10s a ultrapassar a crise emocional desencadeada
sultadoria, consultas directas (avaliação, consul- pelo conhecimento do diagnóstico e a adapta-
tas de subespecialidades) e apoio 6 criança doen- rem-se a nova situação, se necessário alterando
te e sua família. os padrões de comportamento desajustados e au-
- Consultadoria: é uma consulta psicológica mentando as suas competências em situações
indirecta em que o psicólogo não trabalha di- frustrantes. Esta intervenção precoce com os
rectamente com a criança mas com o pediatra ou pais é muito importante porque permite cons-
outro técnico, fornecendo a este informações ciencializá-los das implicações da sua actuação
acerca de aspectos psicológicos específicos do no bem-estar do filho: a criança está comporta-
paciente ou da sua doença. As informações do mental, cognitiva e emocionalmente dependente
psicólogo vão servir para identificar/clarificar do seu meio familiar, pelo que a sua reacção vai
problemas (aspectos psicossociais da doença) e também depender em grande parte (além da sua
considerar opções para a resolução do problema. capacidade para compreender e dar significado a
Huszti e Walker (1991) chamam, no entanto, a doença e para utilizar processos de confronto
atenção para o facto de este tipo de consulta po- adequados) dos processos de construção de
der não ter sucesso se a informação dada pelo significações e de confronto utilizados pelos
pediatra acerca do paciente estiver incompleta ou pais e outros adultos próximos (L. Barros,
enviesada, sendo então necessária uma consulta 1996).Junto da criança, a intervenção centra-se,
directa (independente ou de subespecialidade) como referem Viana e Almeida (1 987), no ajus-
para uma melhor observação/avaliação da crian- tamento que deve ser feito nas explicações sobre
ça. as causas e consequências da sua patologia as ca-
- Consulta independente: a pedido do pedia- racterísticas cognitivas da fase de desenvolvi-
tra, o psicólogo observa a criança e avalia alguns mento em que se encontra. Procura-se, assim,
aspectos específicos do seu funcionamento (de- evitar o aparecimento de angústia motivada por
senvolvimento psicomotor e cognitivo, por justificações incompreensíveis e a formação de
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concepções deturpadas sobre a origem da doença - estudo sobre o impacto das vivências da
(por exemplo, doença como punição de maus hospitalização, da separação do meio fami-
comportamentos). liar e da doença crónica no processo global
Seguidamente, numa 2. ' f a s e , a intervenção de desenvolvimento da criança e da família;
volta-se para a preparação psicológica da crian- investigação sobre os factores psicossociais
ça e família para o internamento (e cirurgia). associados a ocorrência de algumas doenças
Após uma explicação compreensível para a (etiologia) e sobre a interacção dos meca-
criança da sua doença, o psicólogo deve tentar nismos fisiológicos e psicológicos (influên-
dotar a criança de um conjunto de atitudes apro- cia recíproca dos processos somáticos e
priadas que possibilitem a implementação de es- psicológicos) que visa o desenvolvimento e
tratégias de tratamento (prevenir a não-adesão implementação de métodos e procedimentos
aos tratamentos). que possam contribuir para a prevenção da
Durante o intevnamento da criança, o objecti- doença e atenuar as consequências das dis-
vo é fornecer apoio a criança e aos pais de modo funções crónicas e levar a criação de instru-
a prevenir ou reduzir situações de ruptura emo- mentos adequados aos grupos em causa (V.
cional, acompanhar casos de dificuldades de Viana, & J. P. Almeida, no prelo).
adaptação a doenca e prevenir problemas psico- - noção de doença nas crianças, papéis paren-
lógicos e de desenvolvimento inerentes a doen- tais, eficácia dos tratamentos e problema da
ça, controlar a ansiedade e dor provocadas pela adesãolnão-adesão ao tratamento.
hospitalização ou por tratamentos invasivos. O - identificação dos factores que contribuem
apoio a família é importante porque esta pode ter para que o doente e família lidem eficaz-
um papel de moderador dos efeitos da doença na mente com a doença de modo a ser facilita-
criança. Para Viana e Almeida (1 987), também da a sua adaptação e reabilitação (reacções a
devem ser ouvidas as opiniões e atitudes desta doença), tendo para isso que identificar os
em relação ao serviço e as condições da sua per- estádios de desenvolvimento em que as
manência e das possibilidades de comunicacão crianças, adolescentes e famílias estão mais
com a equipa médica. Estes aspectos são deter- expostos ao risco de desenvolverem proble-
rninantes para a criação de um ambiente físico e mas psicológicos específicos.
emocional de apoio a criança no internamento - relação técnicos de saúde-família, etc.
que permita atenuar a angústia sentida face èL
separação do meio familiar, da escola e face A
dor e a imobilidade causadas pela doença. 3 . CONCLLJSÃO
Numa ÚZtimafase, o papel do psicólogo será CI
de apoiar a criança e família na sua recuperação Tendo em conta que, como sublinharam Viana
para a retomada do seu projecto de vida, possi- e Almeida (1987), a doença surge na criança
bilitando a prevenção dos desajustamentos psi- numa determinada idade, numa detenninada fase
cológicos paralelos ou subsequentes a estadia/ do seu desenvolvimento cognitivo e psicosse-
/tratamento na unidade de saúde, criando alterna- xual, este vai ser influenciado pelo curso da
tivas de reorganização (apoio psicoterapeutico doença e vai determinar a forma como o doente
individual ou familiar, envolvimento com servi- vê a sua doença e influenciar a própria doença
ços sociais, etc.) e reforçando as capacidades da pela interacção de diversos factores (família,
criança e da família para lidarem com os vários adaptação escolar, factores ambientais e soci-
aspectos da sua doença e com futuras adversida- ais, ...) num sistema de causalidade circular.
des. Assim, cada criança, de acordo com a sua idade,
necessita de uma abordagem específica mas que
2.2. Investigação deverá considerar e envolver os adultos mais
significativos do seu meio social. A integração
As áreas de investigação da Psicologia Pediá- de psicólogos nas equipas pluridisciplinares em
trica são muito variadas e têm a ver com as pró- pediatria tornou possível um conhecimento mais
prias áreas de intervenção do psicólogo pediátri- vasto da interacção destes aspectos com a doen-
co. Alguns exemplos são: ça e tem contribuído para o planeamento de
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medidas preventivas das suas implicações. A Pires, A., & Pires, A. (1995). Psicologia pediátrica.
Psicologia nos serviços de saúde também trouxe Analise Psicológica, 13 (I-2),123-130.
Roberts, M. (1993). Health promotion and problem
um elemento muito importante - um espaço de prevention in Pediatric Psychology. In M. Roberts,
escuta para os doentes, suas famílias e equipas D. Routh, G. Koocher et al. (Eds.), Readings in
médicas. Pediatric Psychology (pp. 347-362).New York:
Portanto, o psicólogo pediátrico tem um papel Plenum Press.
determinante como agente de modificação de Rodriguez, I., & Hermida, .I. (1995).E1 perfil profesio-
comportamentos individuais e sociais. A sua na1 de1 psicologo clinico y de ia salud. Papeles Psi-
cologo, 63, 49-52.
acção não se pode, então, limitar ao funciona- Viana, V., & Almeida, J. P. (1987). Psicologia Pediá-
mento como consultor de outros técnicos, mas trica. Intervenção psicológica em pediatria. Jornal
deverá ser ele a conduzir o processo terapêutico; de Psicologia, 6 (2), 10-13.
não se pode limitar ao diagnóstico da situação, Viana, V., & Almeida, J. P. (1 990). Psicologia Pediá-
mas deverá ser ele o principal técnico interve- trica no Hospital S. João: Análise retrospectiva. In
I. Botelho et al. (Eds.), A psicologia nos Serviços
niente na ajuda a elaboração de um projecto pes-
de Saúde (pp. 69-73).Lisboa: APPORT.
soal tendo em vista a mudança no indivíduo Viana, V., & Almeida. J. P. (no prelo). Psicologia pe-
(criança) e nos grupos em que se insere (família, diátrica. Do comportamento a saúde infantil. Aná-
escola,...). Contribui para uma melhor compreen- lise Psicológica (presente número temático sobre
são do comportamento das crianças em circuns- psicologia pediátrica).
tâncias específicas (doença) e a vários níveis (in- Wright, L. (1993).The Pediatric Psychologist. A role
model. In M. Roberts, D. Routh, G. Koocher et al.
dividual, familiar, escolar e social). (Eds.), Readings in Pediatric Psychology (pp. 27-
Enfim, a sua intervenção específica permitirá -3 i ). New York: Plenum Press
diagnosticar melhor a situação, procurar res-
postas, delinear métodos de acção e avaliar os
resultados. RESUMO
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