Amare
Amare
Amare
Eu não sei o que é isto de amor. Acho que você tampouco sabe. O amor verdadeiro, quero
dizer, e não o amor de ego. Quando eu acho que eu sou a minha amada, eu acho, eu
realmente a amo. Eu acho, Beatriz, que te amo, mas disto nem posso ter certezas, porque ter
certezas é sempre acrescentado. Por que eu acho que te amo? Não sei tampouco. Só acho
que acho. Estou aqui e você aí. Mas, metafisicamente, somos um. Eu canto sem cantar um
canto que te encanta, mas acho, te encanta menos o meu canto em ti que o teu em mim. Tu
me encantas sem nada cantares. Porque o canto que a mim chega é canto sem canto, é canto
de encanto, é canto tanto mais tanto. Beatriz, saudades. Queria escutar-te as melodias.
Queria sentir-te o calor, o calor de vosso coração, de vosso coração que é nosso. Somos
um? Quero acreditar que somos um. Quero acreditar que as nossas melodias se afinaram em
toada amável e tíbia. Quero acreditar que a unificação de nossas almas é uma unificação no
divino, que o nosso amor não é ego. O ego é mimado e quer tudo dominar. O ego quer
apagar as velas ao redor em prol de si mesmo. O ego não sabe existir sem anular os outros.
Beatriz, minha menina de Deus, você me encanta porque não há ego em ti, senão apenas,
música suave, toada canora ao divino. De ti longe, sinto tanta falta de escutar esta música!
Minha menina, onde está você na espiritualidade de meus dias? Eu posso sem ti existir,
porque nada não importa neste mundo a nós alheio. Mas, pessoas há, nos curam a alma só
no volver-nos o olhar. Há pessoas que nos curam com a sua simples presença. Beatriz,
minha menina, você me cura de doenças que desconheço. É tão bom estar contigo, porque
contigo me esqueço de mim mesmo, porque contigo escuto uma música triste e serena de
sabedoria. Relembro que a sabedoria não dita o destino dos homens, e que tampouco é
visível à multidão. Beatriz, uma música tão bela como a tua não afasta os males do destino,
e tampouco pode ser vista pela multidão. A multidão nunca sabe distinguir o sábio do
insábio, e só encontra sabedoria em coisa que muito lhes agrada o ego. Mas, Beatriz, me
encanta escutá-la, me encanta contemplá-la, me encanta vê-la e compartilhar-lhe afagos e
carinhos. Os momentos mais felizes de minha vida são os momentos em que não penso, são
são os que não pensam! Bem-aventurados são os que não sabem que existem! Beatriz, te
extraño. É estranha a sensação de te extrañar. Parece, tiraram uma parte de meu corpo,
tornaram-me surdo e cego ao universo. O amor é isto? O que é o amor? As pessoas acham
que sabem o que é o amor. Mal percebem que o amor é muito mais raro do que parece.
Porque o amor prescinde de ego, e a maioria amar sem ego não sabe. Amor, para mim,
sempre foi um mistério irrespondível, inefável, e, semelhante aos ateus, negava a existência
do amor, porque negava a existência de algo que compreendido ser não pode. Ora, só
porque eu não entendo uma coisa, nem isto significa que ela não tenha valor, nem isto
significa que ela não exista. Para mim, exatamente porque eu não entendo, exatamente
porque eu sou de algo ignorante, é que o indecifrável tem mais valor e mais ser. O amor,
Beatriz, um mero apaixonar-se ser não pode, uma mera atração física ser não pode, uma
mera atração espiritual ser não pode, um mero cálculo ser não pode. Em outras palavras,
Beatriz, o amor, decifrado ser não pode, explicado ser não pode, apontado ser não pode,
descrito ser não pode. E todas as palavras do universo são inúteis para eu dizer-te como eu
te quiero. Como amar sem ego? Beatriz, você é sábia e não sabe que é sábia, porque o
verdadeiro sábio, para sábio ser, precisa dessaberse sábio. Beatriz, queria ter-te em meus
braços, queria beijar-te os pombinhos, queria ser contigo. Ser-com, metaser, não é ser para,
não é ser por, não é ser a favor de. Ser-com, metaser, é se fazer um para cima, é estar ao
lado, é explodir com, é cantar com. Beatriz, minha menina, te extraño... Quero você comigo
para musicarmos juntos a melodia do amor... Beatriz, escuto músicas mantras budistas.
Manhã linda e ensolarada. E penso sobre o amor. O amor não nunca pode ser algo tão-tão
eternidade medida ser não pode. Nada qualitativo pode quantitativamente medido ser. O
físico o metafísico não é. O ôntigo o ontológico não é. Não se mede a eternidade com uma
régua. Não se mede a eternidade com um cronômetro. Por isto, o amor medido ser não
pode, nem mesmo com o auxílio de nossa linguagem. Mas, se com a linguagem sobre o
amor falar não posso, para que escrevo eu este livro, minha menina? Bem, eu escrevo para
de meu espírito. Quem sabe assim, possa eu encontrar-te em mim mesmo, minha menina, e
Virgílio era muito lida, e hoje mais não é. Significa isto, a eternidade de Virgílio se desfez?
Quantos amores verdadeiros não há, não houve, não haverá, sobre que ninguém ficará
sabendo? As coisas não mostradas, Beatriz, são mais belas. Quando eu morrer, quero ser
esquecido, porque presente que o olvido maior não há. Beatriz, se o acaso do destino a nos
separar vier, seja pela morte, seja pela contenda, seja pela indiferença, significa isto, o que
vivemos não nada significa? Não! Porque tudo explode enquanto-agora. Porque além do
agora não há nada. Porque o nosso amor é imensurável por réguas e cronômetros. Porque o
que vivemos é nosso, unicamente nosso, e desmentido ser não nunca pode. Nem o hoje
desmente o ontem, nem o ontem o amanhã, nem o amanhã o hoje. Tudo o que explode,
explode equivalentemente, sem hierarquia entre as partes. Beatriz, colhamos o amor neste
enquanto-agora mesmo. Porque o amanhã não é. Porque o ontem não é. Sintamos os afagos
dos deuses nos cintilando a mudez gritante do amor, amor este que desconhecemos.
Exatamente porque o amor não sei, tenho fé de que ele exista. Os ateus não sabem que tão
absurdo quanto acreditar em Deus, é acreditar no amor. Os ateus acham que o amor a ego
se resume, mas isto amor não é, senão ego. Os ateus não sabem que para amar
verdadeiramente é preciso antes se desfazer do ego. Por isto, amam os ateus quais
adolescentes ingênuos. Beatriz, não poderia eu amar-te sem antes me desprezar, não
poderia eu amar-te sem antes percorrer o estado do não-eu, o estado supremo do não-ego.
Felizes os pobres de espírito, porque em não-ego são sem rancor, porque em não-eu são
sem ressentimento. Beatriz, minha menina, que fazes enquanto escrevo? Te extraño e
escrever agora mais não posso... Quem ama ignora. Quem ama não eksplica. Eksplicar é
um ato de cirurgia. Não se eksplica sem antes cortar um objeto. Não há amor no capire, não
incógnito. Amar não posso, se capire quiero. Quem ama ignora. Quem conhece sangra o
outrem com a sua eksplicação. Plicar alguém é um ato de violência, é um ato obsceno. É
preciso amar como quem ignora. Porque de outra forma, não há senão violência bruta. É
preciso amar sem passado. É preciso amar sem futuro. É preciso amar sem ego. Amar em
Deus. Amar para Deus. Amar sem se ver. Amar sem se aperceber. Amar enquanto-agora,
desconhecido, no abismo. Amar sem julgar. Só não julga quem se esquece. Só não julga
quem se não sabe existente. Só não julga quem não existe. Para não julgar, preciso é de por-
muito, se suicidar-se a si mesmo. Só não julga quem de por-já se matou. Os mortos não
julgam, porque mortos mortos são. Os vivos julgam, porque vivos vivos são. O ódio existe
para o bem de todos. Vida não há, se ódio não há. Vida e ódio se interligam. Mas.
Tampouco vida não há, se ódio ao ódio não há. Tudo necessário é, porque tudo criatura é, e
amor não há, amor nunca houve. Amor, uma forma mascarada de ódio? Tudo se interliga
no kósmos, no 道. Para o homem homem ser, precisa violentar o obscuro para se erguer no
vazio. Cria mitos e nos mitos acredita. Finge e acredita no próprio fingimento. Depois,
descoberta a mentira, chora. Chora porque não eksplica. Só encontramos o que presente de
nem tampouco da palavra ódio, porque carregam sentimento em algo que no fundo nos
ultrapassa. Ou seja, transpassa não somente, mas também ultrapassa. Tudo o que a nós
concerne, a nós outrossim ultrapassa. Beatriz, quando eu digo que te amo, digo, em
vidas. Eu não te amo, mas, eu sou-a. Eu sou-a bem assim como és-me. Amor nem ódio não
existem, porque somos Um. Amor carece de um sujeito que ama. Amor carece de um
objeto que é amado. Ser, nem de sujeito, nem de objeto, carece. O Ser, em verdade, se
interliga intrinsecamente com a partícula は. Nós somos. Eu sou-a. Tu és-me. Sem grandes
do verbo ser. Tendo-o, carecemos de mais nada. Mas. O verbo ser é obscuro e, ao dizer
tudo, não diz senão nada. Amor é nada, é sensação de vazio, é sensação de completo
estivemos a não ser na linguagem, nunca fomos senão um, ou seja, kósmos, 道. Eu kósmos
no 道 de tudo. Beatriz, o amor é o que nos transcende em torno do kósmos, é o que tudo
ordena, é o que faz do kósmos kósmos. Amor é ser. Amor é uma palavra prenhe de
sentimentalismo para algo como o ser. O amor é ôntico demais para algo como o ser. Mas
não se é senão no amor. O amor preenche-nos de sentido, porque amor ser é. Quando triste
e ressentido estou, lembro logo-logo, tudo isto me faz conectar o ser ao ser. A tristeza nos
dá sabedoria porque nos faz conhecer os outros por nós mesmos. Só reconhecemos no outro
o que de por-já presente esteja em nosso espírito. Tristeza é uma palavra prenhe de
sentimentalismo para algo como o ser. A tristeza é ôntica demais para algo como o ser. Mas
não se é senão na tristeza, porque tristeza ser é. As únicas pessoas que me ensinam algo, são
aquelas que me fazem tristes. Beatriz, eu só tenho amor porque sou triste, porque careço de
atenção, porque careço de carinho. Eu só tenho amor em mim porque sofro, e porque não
sou e nunca serei independente. Quem me estupra, mostra-me a morte de perto. Sem a
morte, penso, eu não nunca seria capaz de amá-la, Beatriz. Tudo isto, palavras, palavras,
palavras. Tudo isto, convenções, convenções, convenções. Nada disto não interessa, porque
o não-saber permanecerá tão intacto como antes. A morte não chega às mostras de todos,
porque desta forma, a vida de todos correria perigo. Beatriz, precisamos de um refúgio de
todos tão sofredores e miseráveis, não obstante isto não nunca mostrem gratuitamente.
Onde está o refúgio de tudo isto? Os homens em suas próprias palavras e convenções vazias
aprisionados estão. Não conseguem se salvar porque se salvar não podem. A prisão é uma
mal sorrindo. Matam e se não dão com isto. Acham-se santos e diabos são. Não percebem a
própria maldade porque não a conseguem visualizar. Mas sempre querem atenção, quais
crianças. Não sabem viver sem ferir os outros. E depois, depois querem ser redimidos,
querem ser especiais, porque de outra forma viver não aguentam. Quem sofre, sofre porque
sim. Quem ganha, ganha porque sim. Tudo é assim porque sim. Onde há refúgio de tudo
isto, de todo este inferno, de toda esta amargura? Tudo isto é inútil porque sim. O amor de
tudo isto escapa? Seria o amor o refúgio da objetivação extrema, da quantificação extrema,
da geometrização extrema? Tudo o que é metafísico o homem mede com réguas. Não sabe
o homem viver sem réguas, sem padrões, sem convenções. Coitado do homem, esta criança
mísera que foi esquecida pelos Pais, este sozinho que planta respostas para colhê-las e
depois se esquece que as plantou. Eu não posso ficar magoado por estas criaturinhas. Eu
não consigo odiá-las. Porque elas todas têm razão não obstante. Eu queria, Beatriz, beijá-la
agora mesmo, porque este mundo é miserável, e tão miserável é, tenta esconder em vão a
própria miserabilidade. Parece a mulher feia que se maquia e bonita fica, que o dia inteiro e
todos os dias se maquia, mas que, não obstante, sabe que é feia e que a morte se aproxima.
Beatriz, és sábia, eu sinto que és sábia. Seu espírito me transborda. Quando eu a vejo, sinto
que a humanidade foi totalmente perdoada. Beatriz, a tua tranquilidade triste me orvalha os
olhos. A tranquilidade é sempre triste porque a sabedoria é sempre triste. Mas. Tudo isto,
esquecidos. O nosso amor, o nosso ego, o nosso ódio, o nosso desprezo, tudo esquecido,
tudo isto para nada. Nietzsche, meu caro, razão para o ressentimento não há, porque tudo
inútil é. Nada disto serve para coisa nenhuma. Beatriz, a tua tranquilidade isto me mostra.
Eu vejo-a e sou-a, e no ser perdoamos tudo, tudo aquilo que é. Recebemos facadas e as
facas nos sangram e nós deixamos as facadas nos sangrar. Por quê? Porque se nem razão
para a vida encontramos, tampouco razão para fazer qualquer coisa não há. Não há motivo
para odiar porque não há motivo para viver. Beatriz, te quiero e te extraño. Amare significa,
estar longe do mar, pousar em terra firme, em que as facadas sangram até a morte. Sangrar,
sangrar, até morrer. Sangrar para nada. Morrer para nada. E o mar agitado, furioso,
impetuoso, incestuoso. Tudo isto para quê? Para nada. Amare, um lugar de repouso, de
refúgio. O refúgio da turbulência marítima da sociedade. O amor pode parar a cadeia causal
desde que soframos para nada. Não sofremos para sermos melhores. Não sofremos para
sermos salvos. Não sofremos para nada. Sofremos porque sim. Porque de nada adianta fazer
nada. O homem nasce, vive, se reproduz, e morre. Por quê? Porque sim. Sim é como a
palavra ser. Não há senão sim em todo o kósmos. Beatriz, recebamos as facadas e
ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. Se Deus mais não há, fica
apenas: perdoamos a quem nos tem ofendido porque sim, porque de outra forma,
continuaremos a inutilidade de tudo isto. Amare, se esconder do mar, pousar em terra firme
e morrer no nada, com a graça de Deus esquecido para sempre. Qual é a vantagem de ser
lembrado por todas estas crianças órfãs? Que diferença faz, ser amado ou ser odiado por
elas? Elas, assim como eu criança, assim como eu órfão, seremos esquecidos e morreremos
ainda bem. Beatriz, te amo. Te amo porque o que eu sinto por você é verdadeiro, e
maculado pela sociedade não é. A sociedade se enforca em suas falsidades para sobreviver.
Amor na sociedade não existe. Beatriz, a sociedade é doente, mas precisa doente ser para
homens. Não importa vivam os homens em uma mentira, o que importa é que sobrevivam.
sociedade. Beatriz, não sabem as pessoas. Não sabem as pessoas que ser esquecido é muito
melhor. Não sabem as pessoas que a indiferença é muito melhor que a afecção. Chamam
aos filósofos torre-de-marfim, mas não sabem que também torre-de-marfim são os
mendigos, são os pobres, são os desajustados, são os loucos. Beatriz, este ciclope que é a
há, deve estar somente se divertindo na poltrona com a sua pipoca e com o seu refrigerante.
Deve ser engraçada a visão que se tem do homem quem o criou. Quem tem a chave do
kósmos deve se divertir com a comédia que inventou. Merece um prêmio. Já os homens, os
homens não merecem prêmio nenhum. Não fazem os homens nada demais. Criar mentiras e
nelas acreditar não é nenhuma coisa impressionante. É uma coisa tonta, necessária à
tudo. Quando sou ferido em facadas, lembro da morte e fico tíbio. Quando venço em algo,
lembro da morte e fico tíbio. Não nunca viver consigo sem a morte ao meu lado. Lembro
constantemente que eu vou morrer. Lembro constantemente que todos irão morrer.
Qualquer pessoa que se me apareça, não passa de uma ilusão. Beatriz, iremos morrer, e por
isto, de uma forma ou de outra, já estamos mortos, e por isto, de uma forma ou de outra,
vivemos em uma ilusão, vivemos no nada, no vazio, no vácuo. Ganhar, perder na vida, qual
do mar, se parece com o nada, é o nada, é a morte. Amar é sublime porque nos faz ser. O
cogito é um estado doente, que sofre ao tentar extirpar o movimento. O amar é um amare
que nos faz sair do movimento sofrente do cogito, e que nos faz chegar ao movimento
sendo do ser, é enquanto-agorar, é se deixar ir, é se deixar levar. Apagar o cogito, apagar o
Beatriz, definir o meu amor, sem correr o risco de estirpá-lo. Eu não posso, Beatriz, saber o
amor, porque sabê-lo é estuprá-lo. Beatriz, amare é uma palavra misteriosa, porque todas as
palavras são misteriosas. Damos nomes a coisas que desconhecemos, e achamos que, no
nomeá-las, conseguimos sabê-las. Mas tudo isto não passa de um artifício de linguagem. O
explica-se somente o que ali se põe. Tudo o que se pensa seja o amor, não o é
necessariamente. Está tudo em nossa cabeça. Amare... Por que a nossa cabeça produz tudo
isto? Seria unicamente para sobreviver? Por que a nossa cabeça, acesso a outras cabeças
não alcança sem sofrer? Por que a sabedoria exige tanto o sofrimento, sem o qual se não sai
santo que santo é, é santo sendo santo porque está morto, porque já morreu, e já não
consegue se adoecer da sociedade. Quem da sociedade se cura não mais pode viver na
sociedade, porque dela doente se não mais está. O amor sobre o qual fala Jesus é tão raro
não mais vive, porque desconhece dela a doença. Curar-se efetivamente demanda o
ostracismo. Quem conseguiu sair da fúria do mar, quem conseguiu abrir as portas do amor e
nele se refugiar, não mais conseguiu voltar à sociedade, ficando para sempre em
ostracismo, olhando este mar esquipático com uma indiferença dos deuses. Amare, tanto
mais a sociedade conhece esta palavra, quanto mais dela é ignorante. Para amar, preciso é
de por-muito, dentro do amor viver, dentro do amor habitar, é preciso ser o amor em si
mesmo, e não nunca mais sair conseguir, sendo algo como uma prisão. Quem perdoa, não
consegue senão perdoar. Quem ama, não consegue senão amar. Pode ser crucificado, morto
e sepultado, não conseguirá senão amar e perdoar. Por quê? Porque uma vez morto, vivo
não nunca mais se é. Ninguém Jesus Cristo matou, porque nem vivo ele estava. Ninguém
Sócrates matou, porque nem vivo ele estava. Só consegue amar, quem aniquila o ego em
louvor do tu. Só aniquila o ego quem o ego de fato deveras matou em si mesmo. Uma
pessoa que louva o tu, não consegue senão louvar o tu, e nada mais. É impossível para
alguém que perdoa guardar rancor, porque ela o perdão já é. Beatriz, o que é o amor, senão
a morte, senão o vazio, senão o nada? A consolação da morte é-nos o único caminho da
ética. Me esvazio para ver o outro. Me suicido para ver o outro. Não dou mais espaço para
mim mesmo, para o outro prevalecer, me matar, e acabarmos todos esquecidos. Deus mais
não há. Paraíso mais não há. Inferno mais não há. Mesmo assim, deixo o outro prevalecer.
Sabe por quê? Porque o outro prevalecer ou não, não faz qualquer diferença. Pourquoi y a-
t-il quelque chose plutôt que rien? Pourquoi y a-t-il rien plutôt que quelque chose? Para quê
tudo isto? Para quê tanta luta? Para quê tanto rancor? Para quê tanto ódio? Isto tudo levará a
quê? A nada. Tudo morto e esquecido estará daqui a breves segundos, e a raiva minha que
poderia eu descontar no outro, viraria pó e nada, porque sim. Tudo é assim porque sim, ou
seja, para nada. Nascemos para nada. Vivemos para nada. Morremos para nada. Mas.
Morrer antes de morrer, qual Jesus Cristo, isto é para poucos, isto é um dom divino, o único
dom que eu aprecio de verdade. Beatriz, eu acho que você possui este dom mas não sabe.
Os que possuem este dom, na verdade nem se dão com isto, porque são iludidos, acham que
só valor tem o que preza a sociedade. Mas, a sociedade é um veneno para a ética. Os que
Deus possuem em si, nem sabem que possuem Deus em si. Desprezam-se porque a
sociedade os despreza, mas são ingênuos e iludidos com isto. Por isto, sim, sim, sim, bem-
aventurados são os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus! A santidade não
nunca estar na sociedade pode. A santidade possui o dever de estar de todos eternamente
mim, para você, para todos nós. Beatriz, eu sei que você possui capacidade para amar,
porque o seu ego foi tão forçosamente ferido, que se arrefeceu e ganhou iluminação. Estar
iluminado sem sofrer não ocorre. Poucos são os que sabem amar. Poucos são os que sabem
o que é o amor. Porque a maioria não ama senão a si próprio, sendo para cá e para lá
levados como fossem um brinquedo que não sabe o que está fazendo. Por isto digo, para
saber o amor, desaprender tudo, pensar sozinho, refletir, e amar o amor, e amar Deus, e
amar o kósmos, e amar o outro, e se matar. Se matar antes de morrer. Enfim, o nirvana... O
nirvana, aliás, é o caminho mais simples. O nirvana é a não crença em nada. Nada é, senão
agora. Por que é impossível guardar rancor? Porque rancor só se tem de algo passado. Mas
o passado não é. Não faz sentido rancor guardar porque o passado já não é. O passado
morreu no presente, e o presente morre no futuro. O que contam sobre o passado, o passado
não é. O que contam sobre o passado, a linguagem é. O que explode em êxtase o passado
não é, mas somente a linguagem. A linguagem enfeitiça os homens. O que está explodindo
perdoar algo que não é? Se se perdoa, se perdoa algo do passado, mas, o passado não é.
Então, o que acontece? Apenas, a linguagem engendra o homem para o perdão e para o
bem, ou, a linguagem engendra o homem para o ressentimento e para o mal. Por que o
nirvana é o caminho mais simples? Porque, em nirvana, futuro não há, passado não há,
presente não há, sentido não há. Possível o ressentimento não é, porque só se ressente de
fantasma, vive em função de uma ilusão. Ninguém me fez mal no passado, porque o
passado não é senão na linguagem. Os ateus dizem não acreditar em Deus. Mas, talvez, tão
ilusório quanto Deus seja o passado, seja o futuro, seja o ego, seja tudo aquilo que é. Se não
há senão o enquanto-agora movimentacional, tudo o que eu acho sou, não é, eu não existo,
ninguém existe, nada é senão enquantando. Eu enquanto. Tu enquantas. Ele enquanta. Nós
pecado não é. Uma ação virtuosa uma ação virtuosa não é. A linguagem não gosta de
enquantar as coisas. A linguagem carece de certezas. Às vezes, tais certezas não foram mais
que um enquanto. Mas o homem, pela própria linguagem enfeitiçado, vive o enquanto
entende. O fluxo do rio tão-só se sente. Se deixar levar pelo rio é habitá-lo, é intrabitá-lo. O
nirvana é a morada dos deuses, porque intrabita o kósmos no deixar-se levar enquanto-
agoramente. Não nunca sei de nada. Não nunca cogito nada. Apenas intrabito o kósmos de
religião. Amare, repouso, terra firme de nada, por meio do qual abismos se interlaçam. O
único repouso, o repouso do movimento que não quer ser mais que um enquanto. O repouso
do movimento que se contenta em só ser um breve instante de nada. O repouso sem οὐσία,
sem substância. O repouso do movimento é o nirvana. Não reconhece senão a mudança e a
preparado para amar não estava antes, porque queria domar o tempo. Hoje, o tempo não
mais é o meu escravo. Hoje, eu sou o escravo do tempo. Escravizando-me ao tempo, abro
espaço para a entrada do amor, crio em mim um vácuo, um vazio, um silêncio. Só hoje
posso entender melhor as pessoas, porque entender entender não é, porque melhor que
Kósmos. Amar não é amar, amar é ser. Amar Deus, é sê-lo. Sê-lo, não é senão sê-lo. Sê-lo,
dentro de Deus, nunca mais fora. Ser Deus é não conseguir viver senão em oração. Ser
Deus é intrabitá-lo e não mais sair conseguir. Viver em Deus é um misticismo. Falar sobre
isto é acrescentado, basta a Vida. A Vida deve ser a Bíblia de tudo, Bíblia para a qual não
fazem os homens senão comentários. Cada livro é um comentário à parte. Nenhum livro é o
todo, porque livro livro é. A Bíblia verdadeira é esta dentro da qual moramos, é esta sobre a
qual não sabemos nada. Se se ama a parte pelo todo, ama-se em Deus. Se se ama a parte
pela parte, ama-se em ego. Amar em Deus é amar de por-música. Música, Harmonia,
Racionalizar a música não é senão quantificá-la. Quantificar uma música sentido não faz. A
possui racionalizado ser não pode. A razão se ludibria no domar qualidades, no espacializar
matemática. Por isto, por que tentar entender o que entendido ser não pode? Se não se pode
entender, deixar sem entender. Ficar sem entender porque sim. Viver sem nada entender
porque sim. Abrir-se ao abismo do espanto de parte a parte. E morrer maravilhado de tudo
isto sobre que nada entendemos. É tudo maravilhoso porque não nada entendemos. O
homem quer entender, mas só sabe se enganar a si mesmo. A árvore entender não quer, e
nunca se engana. O homem, narrando histórias a si mesmo, se assusta com o que ele mesmo
conta. Não sabe o que ele mesmo criou, não separa as coisas. Engraçado, o homem se
autoflagela. E ainda, só porque coisas não entende, tenta negá-las, ou tenta explicá-las. Para
que negá-las? Para que explicá-las? Nem se precisa negar. Nem se precisa explicar. É só
ficar parado, quieto, como a árvore, como a parede... Sim. Nada é mais estranho do que
Eu me espanto com o amor, porque tal palavra conhecida, não obstante conhecida, aponta
para algo misterioso e desconhecido. Não podemos trocar a palavra amor pelo amor em si
mesmo. A palavra amor amor não é. As palavras nos enfeitiçam. Difícil é viver no
nirvana é o estado em que o espírito despreza toda a linguagem dos homens em favor de
tudo aquilo que é. A linguagem dos homens é. Die Sprache spricht. O falar não é mais
importante que o comer, nem o comer que o escrever, nem o escrever que o transar.
Ninguém não nunca pergunta se o comer daquele homem é mais verdadeiro que o comer
deste. Mas ficam a hierarquizar as falas dos homens, como se a fala de um mais οὐσία
tivesse que a fala de outrem. Tudo é, e o ser não pode não-ser. O homem não pode entender
nada, mas gosta de competir metafísica, talvez para se sentir especial, je sais pas. Se eu
entendo mais, eu sou mais poderoso, algo assim. Se eu tomar as falas dos homens como ser,
e não mais como verdades nem mentiras, percebo quão maravilhoso é tudo isto, a
linguagem. Beatriz, eu te amo. O que isto quer dizer? Não faço a mínima ideia. Alguma
coisa deve ser, não obstante. Para mim, a literatura deveria nos ensinar a desprezar a
próprio texto não está, senão fora, no Kósmos, na Vida, no 道. Ler um texto de filosofia é
uma oração, é preciso ter fé no filósofo, bem assim como é preciso ter fé na ciência. No
fundo, o que importa na literatura a literatura não é, o que importa na literatura está dela
fora. Palavras são só palavras, em nada não importam. Quem sabe prescindi-las se ilumina.
confunde com a total escuridão. Quando se pergunta pelo amor, não se pergunta pelo amor
em claridade, mas se pergunta, antes, pelo amor em misticismo. A pergunta não se serve
para dar uma resposta. A pergunta se serve, antes, para ficarmos sem qualquer resposta, e
para permanecermos calados, contemplando o que entendido ser não pode. O que é o amor?
O amor não existe senão em palavra. Esta palavra no entanto aponta para alguma coisa
fluida. O fluxo das palavras é concorrente ao fluxo do ser. Ou seja, o fluxo das palavras é
fluxo da indiferença. Quando a palavra aponta para o amor, a palavra a si mesma explode
com o amor ao lado. A palavra não nunca doma, por assim dizer, o amor. A palavra
concorre com o amor ao mesmo tempo, porque os dois não são senão um. A palavra, por
isto, não nunca nada entende, mas ela mesma é, no sendo de si mesma. A palavra é com. O
homem é com. Tudo o que é, é com, porque tudo é Um. O amor nunca sobre o ódio
prevalece, nem o ódio sobre o amor, porque os dois concorrentes são em unidade
pretende. A palavra amor o amor não sabe. A literatura não passa de um passatempo. Se se
acha que ela diz a verdade, não se está errado. Porque tudo o que é, é no dizer a verdade. E
tudo o que é, é, e não pode não-ser. A literatura diz a verdade, e a filosofia também, porque
não há senão a verdade no Kósmos. Beatriz, se eu te digo que te amo, significa, eu já sou-a.
tal é tão-somente uma palavra, e as palavras todas elas são desimportantes. A vivência do
amor sem a linguagem é como a manifestação amorosa dos cachorros. O amor se faz de
por-música, e nunca de por-palavras. Percebemos então tão logo, as palavras amorosas não
passam de músicas, de sonatas, de melodias. As palavras são, concorrentemente ao amor, e
são um no ser para cima. Tudo concorre para cima equivalentemente. Tudo é no ser para
cima. O que se faz é se deixar, no ser para cima, pelo amor levar. O fluxo do nada intrabita
o amor, porque o amor desconsidera qualquer tipo de objetivação, e neste ato mesmo
despreza a linguagem dos homens. Para amor amor ser, precisa, antes, desprezar a
temporalmente próximo a mim. O kósmos se estanca perto de nós enquanto fluxo. Tudo
sobre o que a sociedade coloca realidade precisa ser desprezado em louvor ao que está
próximo. Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. Dai, pois, à
doente, mas precisa mecânica e doente ser para sociedade ser. Sociedade sem robotização
dos homens não há. Mas, o reino do amor dela se desvia, e encontra o seu foco em Deus. O
Tejo não é o rio que passa pela minha aldeia. É o rio que passa pela minha aldeia que é o
Tejo. Meu quintal é maior do que o mundo porque o mundo não existe, mas o meu quintal,
sim. O meu quintal sempre estará longe de César, mas César não existe senão em
Kósmos. Em Deus não existe senão aquilo mesmo que escapa ao domínio da linguagem e
Quando o cogito não mais cogita nem pensa nada, entra ele dentro do Amare, abandona
tudo aquilo que está longe, tudo aquilo que é de César, e se prostra somente ao
desconhecido abismo que nos suga a ponto de esquecermos de nós mesmos. O ego se
aniquila na falta de objetivação do kósmos. Porque quando não mais se objetiva, se não
mais uma coisa da outra distingue, e tudo se transforma de inopino em vácuo e vazio. O
vazio estonteante do amor que conflagra a total perda de sentido e de realidade da vida. O
outro passa, pela primeira vez, a ser objeto de profunda veneração, unicamente pela música
canora que nos faz ouvir. O refúgio do amor, é um refúgio contra os dilaceramentos de
César, é um refúgio contra a sociedade diabólica e maquiavélica que nos oprime. O amor é
um fármaco contra as dores que a sociedade nos imprime no estupro que ela nos faz ao seu
bel-prazer. Hora ou outra, precisamos nos refugiar em algum outro país, saindo desta
repouso encontrar tentam na sociedade! Pensando estarem sendo amados, só estão sendo
tautológico, mais causa dor e sofrimento que eudaimonia. Não há coisa mais bizarra do que
apostar toda a vida em César, chamando a César Deus. Confundir o físico com o metafísico,
confundir César com Deus. Não há repouso no estado de consciência, porque a consciência,
ávida por capire, não nunca consegue domar o que domar quer, e pois, ao tentar responder
ao irrespondível, guarda rancor e ressentimento no se ver violada. Vitam regit fortuna, non
sapientia. Nem tampouco a sabedoria, nem tampouco a riqueza, domar consegue a fortuna.
O sofrimento é uma realidade exorbitante que nos transpassa de lado a lado quando de
inopino irrompe. Não nada consegue faná-lo senão o próprio tempo. O tempo é a incógnita
mais misteriosa da literatura. O tempo respondido ser não pode. Melhor seria, nunca
estar de por-já respondido, escrutinado, resolvido. Mas nada respondido não está,
simplesmente está interpretado. Os ateus acham absurda a existência de Deus, mas tão
espaço, não nada resolve nada. Nunca resolveremos este problema, porque intrabitamos o
tempo, porque intrabitamos o espaço, e não temos de tais coisas senão uma visão muito
Também não nada entendi. E a musicalidade que a tudo atravessa, podemos muito bem
ouvi-la, estonteados, pasmos, espantados, tontos, se bem acurados os nossos ouvidos ao
Ser. O Ser se escuta quando no Amare nos refugiamos, quando todo o nosso espírito se
polariza, não mais em torno de César, mas sim, em torno de Deus e da Eternidade. A
sociedade inteira é varrida para muito longe, e o que nos resta, pois, é somente o próximo-
ao-redor e o enquanto-agora. Tudo o que é longe, tanto temporal quanto espacialmente, não
existe, some para sempre de nossa vista, e não mais escutamos nada senão a música de
Deus. Para Deus aparecer, precisa a sociedade desaparecer por completo. Não há senão o
imediatamente, todo o sentido de nossa vida, e mais não sabemos por que diabos estamos
vivendo. Porque a música de Deus extingue todo interesse egocêntrico. A perda total de
realidade objetiva acarreta uma hipertrofia do amor, e a janela, que outrora fechada estava
por causa da consciência, se abre e desvela para nós um Kósmos tão infinito de detalhes
palpitação do kósmos se faz ouvir. A pulsação vibratória do tempo. A aura flutuante aos
meus cabelos. O som sonido vácuo percorrente. A natureza se desnuda diante de nós. E é
toda uma sensação religiosa e mística que nos confere a nossa maior libertação do ego.
Vivemos porque sim. Nascemos porque sim. E morremos porque sim. Muito bom sendo
participar de tamanha orquestra sinfônica a que chamamos Universo, regida sabe-se lá por
quem, mas a quem chamamos Deus, por convenção. O amor desprovido de ego nos advém
da total falta de sentido no mundo, nos advém de nossa perda de realidade e de identidade
própria. Não possuímos mais nenhuma identidade. Não somos mais sujeitos. Não somos
mais objetos. Não somos mais individualidades. Não somos mais ego. O que passamos a
ser é somente um fluxo de nada, que se movimenta para cima juntamente com tudo aquilo
que é. Ich bin, weil wir sind. Amare, é também se fazer Um com o Ser. Para subir, abaixar-
se a nível de nada. Metaser-se juntamente com todas as pessoas. Metaser-se juntamente
conjuntamente de parte a parte, porque parte em parte não é, senão apenas, parte não é
senão em todo. Mas. Não apreendemos coisa nenhuma a nível de ideia, senão apenas,
metasomos, ou seja, metafluxamos de por tudo aquilo que é. Somos bem assim como a
ser humildes qual a árvore. A árvore cortar se deixa porque sim. Tanto mais a árvore aceita-
se coisa, quanto mais quer ser o homem Deus. E o homem sofre com o não ser Deus. Não
se contenta o homem em apenas ser, quer também saber, quer apreender tudo, quer se fazer
melhor que tudo. Sofre o homem por causa de si próprio. O inferno, é ele próprio. O
caminho da cura da doença que nos inocula a sociedade, é um caminho que à sociedade
parece loucura. Curar-se, para César, é enlouquecer-se. Curar-se de tudo isto é um suicídio
que não leva a nada. Por isto, a cisão tão necessária: dai, pois, a César o que é de César, e a
Deus o que é de Deus. Nunca esquecer de dar a César aquilo que lhe contenta, pois, de tal
forma, a segunda morte, a mais decisiva, virá muito mais rápida, muito mais violenta, e
Reino de Deus de tudo isto prescinde. Nele, não há sentido, não há substâncias, não há
biologicamente, e por isto tantas coisas ruins são necessárias. Mas, no Reino de Deus, basta
ser. Não sabem as pessoas que todas estão de por-já no Reino de Deus, mas que, porque
esquecer. Tudo o que é, já é no Reino de Deus, e mais que ser não é preciso. Eu sou. Tu és.
Ele é. Nós somos. Vós sois. Eles são. Porque já somos, já estamos salvos, mas disto
esquecemos, porque confundimos César com Deus. Achamos que para ser em Deus,
precisamos chamar a atenção da sociedade, mas, nem isto é bom, nem isto é necessário.
Talvez não haja maior eudaimonia do que se iluminar longe, bem longe da sociedade, e da
Amar as guerras, amar as conquistas, amar as fomes, amar as felicidades, amar tudo aquilo
que é. Ver todo o fluxo inesgotável do rio tempo, nele intrabitar, nele morar, e partir na
hora da morte. Da vida não levamos senão a morte. Da vida não levamos senão a morte e o
esquecimento. Tudo flui e nada permanece. Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
tempo. Sim. Mas. Amar tudo aquilo que é, me faz amar inclusive o sofrimento do outro, o
sofrimento que, aliás, eu mesmo ao outro causo. Eu vejo o outro sofrer, mas fazer nada não
posso. O outro precisa aprender a intrabitar o fluxo. O outro precisa aprender a dessaber-se
importante. O outro precisa saber-se miserável. Somente sabendo-se miserável, uma pobre
e desprezível criatura que somos, é que pode o outro compartilhar conosco do mesmo fluxo
perpétuo do vácuo estarrecedor. Nos enlaçamos as mãos, nos consideramos irmãos, nos
amamos, pelo simples motivo de que sabemos que somos iguais na morte, no sofrimento, e
Mas, o tempo foi passando, e eu fui percebendo, aos poucos, que toda e qualquer vitória na
sociedade é vã, é vazia, é frágil. Vã-glória em César. Eu-glória em Deus. Eu queria ser um
grande escritor. Mas, percebi tão-logo, Beatriz, minha menina, que toda esta história de
fama literária não serve de nada, pode ser jogada no lixo, não está senão na cabeça infantil
das pessoas. O que faz a fama de um escritor é somente a cabeça infantil das pessoas.
Beatriz, eu poderia ganhar todos os prêmios literários do mundo, mas, sem ti, de nada
serviria nada disto. Todos estes prêmios estúpidos para mim não existem. Beatriz, te
extraño tanto, que em mim não mais caibo. Não tenho mais onde me refugiar desta
sociedade doente que não vive sem julgar e sem hierarquizar uns e outros, uns a outros, uns
contra outros. Onde estás, minha menina, onde estás? Estou cansado de só pensar em mim
mesmo. Quero esquecer-me, e quero escutá-la em silêncio. A melhor forma que eu tenho de
escutá-la é ficando nós dois a sós em silêncio, por durante séculos e séculos que duram
segundos. O tempo objetivo não existe em face do amor, ele somente opera na sociedade,
encontros. O simples fato, eu estar em sua presença, traz-me uma energia tão boa e tão
agradável, tão alegre e viva, sinto o meu ego desaparecer, sinto toda a minha existência
completo, estou vivendo em Van Gogh. Vidas passadas houve, Beatriz, em que nos
absolutamente tudo o que eu aprendi em vida não serviu de nada. Por quê? Porque, pela
primeira vez em minha vida, o nome deu lugar à coisa nomeada. As palavras decidiram
abandonar o espaço em que ocupas, e o que eu vi, o que eu vi foi um abismo indecifrável,
interminável. Pela primeira vez em minha vida, eu consegui ver alguém, eu consegui
escutar alguém, eu consegui dar espaço a alguém mais em meus sonhos em que vivo neste
Kósmos. Uma vez percebido isto, Beatriz, voltei a ser criança novamente, porque passei a
desprezar a linguagem. O sol nos convida a sermos com ele. Nós metasomos o sol. A lua
nos convida a sermos com ela. Nós metasomos a lua. O sol me faz acordar. A lua me faz
dormir. Eu sou com a lua e com o sol. Se eu me movimento, ora para a lua, ora para o sol,
isto não significa eu esteja indo a direções opostas. Ao contrário, a lua é Um com o sol. A
lua metaé o sol. O sol metaé a lua. A lua me faz dormir. O sol me faz acordar. Eu durmo e
depois acordo. Eu acordo e depois durmo. Mas. Eu não estou indo para a direita e depois
para a esquerda, nem para cima e depois para baixo. A lua e o sol, Um sendo, me fazem
no ser de toda parte. Eu-dáimon somos no ser de toda parte. Amém. Beatriz, eu te amo
porque metasou-a. Os seus átomos e moléculas e órgãos e tecidos, tornaram-se para mim,
energia pura e vital, fluxo perpétuo de eternidade. Talvez, só no amor conseguimos metaser
o outro no Amare para escutá-lo verdadeiramente. Não obstante não podemos domar o
outro idealmente, podemos muito bem metasê-lo. Mas, só se é com por vias do amor. Só se
me estico fora da linguagem, casa dentro da qual moro, para me dar de cara com o outro em
vácuo, porque tal campo não se preenche com a linguagem. Não nunca se conhece algo
Nada no mundo tem nome, mas podemos escutá-lo em sinfonia, nos abrindo à sua Energia
e ao Kósmos. Beatriz, no momento em que não mais a julgo, deixas de ser em César, e
passas a ser em Deus. Mas, eu não posso metaser todas as pessoas ao mesmo tempo, porque
de tal forma eu não sobreviverei, literalmente. César é tão necessário quanto Deus, pelo
simples motivo de que César e Deus são Um, não obstante os distingua a nossa percepção, a
nossa linguagem. Tudo sobre que aqui se fala, se fala na verdade a nível de percepção.
Mudar não nada é possível, mas é possível mudar a nossa percepção. O meu amor por ti,
Beatriz, é algo tão pessoal, ninguém a não ser eu o entende. Porque os outros, outros sendo,
isto não veem senão com olhos de linguagem. A linguagem a isto confere uma
essencialização fictícia, sobre que se não nada entende quando com o lógos se entende. O
lógos joga sobre o mistério um manto de entendimento que enfeitiça o homem em prol de si
espanta, porque descobre, porque desvela, porque a camada de lógos se desfaz, e é toda
uma abertura epifânica ao fantástico que lhe consome e que lhe assombra o espírito. Tudo o
que é átomo, energia se torna. Tudo o que é espaço, eternidade se torna. Tudo o que é
de olhos, porque sentido, nem ratio, nem lógos, não há, senão apenas, Êxtase e Reino de
Deus. O homem consegue finalmente Ser, se se é no amor, porque ele não mais existe para,
nem a fim de, nem por, nem em prol de, mas existe ele porque sim. Quando o homem se
esgota e se suicida, está ele pronto para amar, porque ego mais não há, senão apenas, vazio,
vácuo, angústia, não-sentido, anatman, nirvana, satori, um espaço de nada que serve de
quando se não vive mais para sobreviver tão-somente, mas também se vive para
contemplar. A contemplação de Deus, todavia, demanda por vezes uma conversão a ele
completa. Se se ainda esforça para Deus, significa, a conversão não está feita. Se se é em
Deus, não se é senão nele, e nunca disto se sairá. Beatriz, o meu amor por ti é expressão
clara do meu rompimento para com a sociedade. O amor verdadeiro demanda o verdadeiro
rompimento com a sociedade, e toda a literatura mais psicológica sentido mais não faz,
porque a sociedade permanece agora em segundo plano diante de Deus. Só se tem angústia
se se coloca a sociedade no lugar de Deus, porque assume-se que todo o poder temporal é
literalmente o poder espiritual eterno. Ora, a sociedade não tem o poder para ditar nada a
nível espiritual porque ela só opera a nível de lógos, ou seja, tudo nela é mecânico, material,
tudo similar com as religiões. Não há ninguém ateu no mundo, porque acreditar na
sociedade e no dinheiro também é uma religião. Nunca o homem deixa de ser religioso,
porque carece ele de sentido em sua existência temporal. A religião do homem está
interlaçada com o seu sentido existencial temporal. Em verdade, o que tornaria um homem
ateu é na verdade o verdadeiro religioso. Não há religião mais forte que o ateísmo, porque
homens, para todas as coisas, para todas as culturas, para todas as linguagens, para tudo
aquilo que é. Mas, o ateísmo aqui é somente uma religião do dinheiro, ou seja, uma crença
no poder temporal e na sociedade doente. Tudo sobre que escrevo aqui pode ser resumido
na seguinte frase, cogito ergo non sum. Penso eu, só se é no caminho do 道, no caminho do
verdade o mais simples, o que atrapalha é o lógos, a ratio, a sociedade. Sein ist eigentlich
como me rendo ao mistério e à aporia. Preciso ser bem assim como a água. Me enformo eu
diferentemente a cada enquanto-agora, e a vida, Beatriz, não é mais que um enquanto. Tudo
o que é, é neste enquanto-agora mesmo, e ser do que isto mais é acrescentado... Eu preciso
focar neste enquanto. Eu preciso focar neste aqui. Não há mais nada além deste enquanto.
Não há mais nada além deste aqui. A medida de que me utilizo para medir este enquanto, é
este enquanto mesmo. A medida de que me utilizo para medir este aqui, é este aqui mesmo.
substância pela palavra domado ser não pode. A palavra é concorrente com a substância.
sentido como modo de existência. O não-sentido não é para ser um objetivo a ser
Nietzsche, assim como para entender Agostinho, é preciso não entendê-los, mas somente
religiosa. O homem da metafísica não se esquiva porque é Dasein. Beatriz, amá-la é sê-la,
sê-la, é intrabitá-la. Amar é uma disposição espiritual. Saímos do ego, entramos no não-eu
de por-mistério. Não se sabe o que é o amor por causa disto. Amor nem ideia não é, muito
menos resumido ser pode em uma palavra. A palavra amor encobre um mistério profundo e
inesgotável que somente pode ser intrabitado, mas nunca entendido de por-longe, de por-
ratio. Por isto, a palavra amor nos dá uma certeza ilusória de que sabemos o que isto seja.
No fundo desta palavra, existem coisas que nos não podem ser acessíveis racionalmente,
sobre as quais o homem, de por orgulho ferido, tenta negá-las, simplesmente porque as não
entende. O acesso a tais coisas misteriosas só nos chegarão por meio do intrabitar o amor. E
mesmo assim, não as entenderemos, não obstante sabemos de por-inire. A metafísica não se
entende, mas se vive no intrabitar por amor. A linguagem, no fornecer-nos o seu léxico, nos
faz organizar o mundo para podermos viver bem e sobreviver. Mas. Para deveras entender o
que entendido há de ser em vida, precisamos, antes, atravessar a vida em todos os seus
mistérios mais herméticos e inomináveis. O mundo pode ser apreendido pelo lógos, o
Kósmos não. Os átomos podem ser apreendidos pelo lógos, as Energias não. As essências
podem ser apreendidas pelo lógos, as Músicas não. Enquanto o mundo, os átomos e as
essências podem ser objeto de ciência, o Kósmos, as Energias e as Músicas não se revelam
senão pelo Mistério. O que revelado ser pode somente pelo mistério, entendido não nunca
é, mas vive-se, mas sabe-se. Sabemos sem saber. Entendemos sem entender. Vivemos e
morte. Religio, religare. A natureza é perfeição. Beatriz, te extraño e acho que por ti estou
apaixonado. Falam o amor é cego. Eu concordo. Mas discordo seja isto uma frase
pejorativa. Por que o amor é cego? Simplesmente porque o amor não estupra. Quando se
ama de verdade, se intrabita a pessoa amada a ponto de sê-la. Intrabitar uma pessoa é
percorrê-la por dentro inteiramente, somente pela música que ela solta e que nos enfeitiça.
Ficamos cegos diante desta pessoa amada porque estamos habitando nela adentro. Não
conseguimos muita vez criticá-las porque estamos nelas dentro. Cristo perdoa os seus
detratores e por isto deles não guarda rancor. Não guarda rancor porque os compreende de
por-dentro, ou seja, Cristo consegue amá-los simplesmente porque consegue sê-los. Sendo-
os, não consegue senão perdoar. Quem perdoa não consegue senão perdoar, porque tal
consegue metaser toda a humanidade em si. A própria pessoa a própria pessoa não se
abstrai, a não ser no caso extremo de Cristo, que consegue metaser toda a humanidade em
si. Se somos todas as pessoas, amamos todas as pessoas, e perdoamos todas as pessoas. Por
que o amor é cego? Porque o amor nos dá acesso a um tipo de conhecimento místico, o qual
o outro não nunca estupra, pelo contrário, o outro habita a ponto de sê-lo. O amor é cego do
ponto de vista do lógos, mas cego não nunca é do ponto de vista do 道. O que é dizer, o
amor na verdade cego não é, mas é o mais lúcido e claro conhecimento que podemos ter,
exatamente porque o mais obscuro e misterioso... Beatriz, se lhe for dada a possibilidade de
escolher entre duas opções, a eu-daimonia ou a vã-glória, escolha sempre a eudaimonia,
porque esta é plena no vazio, enquanto a outra, vazia na plenitude. A plenitude é muita vez
vazia. O vazio é muita vez pleno. Saber distinguir entre uma coisa e outra, o desafio mais
importante do homem, o qual, na maioria das vezes, irrompe somente com os pés à morte.
A relação entre vazio e plenitude, entre claro e escuro, entre yin e yang, um mistério
irrespondível. A vida interior, não visível aos homens, é o que faz toda a diferença. A
conversão ao Amare exige uma vida interior rica, plena, fértil. Por isto o Amare é tão raro.
A maior parte dos homens se estanca no quantificável, e nisto apostam a vida inteira. Tão
raro quanto o Amare, é o dom do Amare. Sim. Os filósofos, atacando os cristãos, atacando
é tão raro quanto invisível. Não nunca se é cristão em sociedade, isto é um segredo dos
poucos que para isto possuem dom. O 道 irrompe em minhas veias. Posso sentir Hitler em
meus neurônios. Sinto a árvore em meu coração. E em toda a minha vida eu não nunca
existi. Em toda a minha vida quem existiu foi apenas Deus, foi apenas Kósmos. E não sou
dele mais que um escravo, assim como tudo aquilo que é. Por isto, se Deus me tirar a vida
neste instante, nada se perderá, porque quem existiu foi apenas Deus, e não eu, que sou
ilusório. Quem se explode em êxtase de eternidade, não são as partes, mas o todo. O todo é
uniforme e concorrente, plano e esférico, e mais não podemos senão nos deixar levar. Ser
fluido como a água, leve como a chuva, branco como a neve, negro como o abismo, e
invisível como o ar. Tudo isto passará. Tudo isto esquecido será. O Amare perdoa porque
sabe a morte que a vida, e porque sabe o todo que a parte. O fluxo do nada nos faz levitar o
espírito. Não há senão o aqui. Não há senão o agora. O fluxo do movimento nos leva ora
para lá, ora para cá, e nada disto não é importante, porque tudo aquilo que é, é leve, é
acharem importantes ou não, não importa: o vento balanceia as folhagens dos ramos
vagarosamente, calmamente, no fluxo eterno do desconhecido e do mistério. Todo discurso
possui cada qual os seus pressupostos energéticos. Quando alguém amamos, estamos
outro. Amando, descosturamos o tecido de lógos que pesa sobre a tal pessoa, e nos nutrimos
de sua energia, de sua verdadeira música que prescinde de toda lógica. Ouvindo a música,
no entanto, somos como sugados para dentro da pessoa por um efeito de enfeitiçamento. Só
se intrabita alguém por vias do amor, o qual de toda lógica prescinde. O nosso movimentar
nós mesmos, vemos movimentar o kósmos inteiro conosco. Tudo muda quando mudamos
interiormente. Tudo o que achávamos era verdade, em mentira se transforma. E tanto mais
tínhamos a convicção de que aquilo era verdade, quanto mais hoje temos a certeza de que
aquilo é mentira. A verdadeira abertura ao outro nos faz ficarmos instáveis dentro de nós
mesmos. Porque percebemos não sabemos nada. Porque percebemos está tudo em nossa
cabeça. Privando-nos de nossas certezas, no outro entrando por vias do amor, nos
sabemos não sabemos nada, a janela se abre, o nosso chão desaparece, despencamos enfim
no abismo, Van Gogh irrompe, Mozart nos surrupia. A maravilha do viver começa neste
momento em que sabemos não sabemos nada. Um pequeno colapso no sistema em uma
parte é capaz de afetar o sistema inteiro. A abertura ao outro pelo amor suscita uma quebra
generalizada em tudo o que pensamos ser verdade. Uma pequena faísca gera um enorme
Deus capaz de amar não é, porque nele não há vazio. O que é independente prescinde do
outro. A busca pelo outro só se faz mediante o contato prévio com a morte. A humildade
não é uma ideia. A humildade é um modo de ser. Dentro das ideias habitamos. Dentro das
ideias moramos. As ideias são a nossa casa, a nossa morada. Quando nos deparamos com o
cada qual em si mesma se torna o centro imutável do Kósmos. Tudo para que olhamos é
Centro. Cada parte é Centro. Não há senão Centro no Kósmos. Todas as pessoas, cada qual
em si mesma, é Centro do Universo. Mas, tanto quanto as pessoas, são centro também as
árvores, as lagartixas, os animais, as pedras, as águas, os fogos. Nada do todo está fora, nem
nós mesmos. Nos rendemos ao todo. Somos abismos. Somos mistérios. Fluxamos amor de
parte a parte, e o pouco que nos cabe é viver... Por que se diz, no entanto, preciso é amar a
si mesmo antes que ao outro, como se independentes fôssemos? Pensando-nos ego, ficamos
ao outro contrapostos. Ou somos dele superiores, ou somos dele inferiores. Para resolver
este dilema, dizemos, precisamos amar a nós mesmos antes. Mas, tal dilema se dissolveria
se abandonássemos a ideia de ego. Quando amamos o todo, somos um com o todo, não
amor é o ser, todos amamos todos involuntariamente, porque a conexão mística reverbera
de parte a parte. Mas, para sobreviver, precisamos ignorar Deus em louvor de César. E nos
conectamos pelo ódio, mas ódio não passa de uma forma velada de amor, ou seja, de Ser.