Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

FINALcorrigido-MIOLO - Dal Maso-PRINT-19-40

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 22

INTRODUÇÃO

Com o objetivo de facilitar a compreensão dos problemas teóri-


cos abordados neste trabalho pelo leitor não iniciado no pensamen-
to de Gramsci, oferecemos primeiro um breve esboço biográfico
e político da sua trajetória, da sua infância até seus anos na pri-
são e sua morte. Esta introdução não pretende ser uma recapitu-
lação exaustiva da vida de Gramsci, para a qual recomendamos
a biografia de Angelo d’Orsi1 e o livro sobre a história da família
Schucht de Antonio Gramsci Jr. (neto de Gramsci)2.

De Alles a Turim
Antonio Gramsci nasceu em Ales, Sardenha, no dia 22 de janei-
ro de 1891. Filho de Francesco e de Giuseppina (chamada Peppina)
Marcias, foi o quarto de sete irmãos. A família de sua mãe tinha
descendência hispânica e a de seu pai, albanesa. Durante muitos
anos acreditava-se, com base em uma versão de sua mãe, que entre
1894 e 1896 tinha sofrido uma queda dos braços de uma emprega-
da doméstica de sua família, que teve como consequência uma má-
-formação de sua coluna. Angelo d’Orsi assinala, na sua biografia
de Gramsci publicada em 2017, que esta versão é um mito e que,
como demonstram outras investigações, Gramsci padecia do cha-
mado “mal de Pott” (ou tuberculose vertebral)3.

1  Angelo d’Orsi, Gramsci. Uma nova biografia, Milano, Feltrinelli, 2017.


2  Antonio Gramsci Jr., La história de una família revolucionária, Madrid, Hoja
de Lata, 2017.
3  A. d’Orsi, op. cit., p. 24.
20 JUAN DAL MASO

Ainda que tenha sido considerado habitualmente como o pen-


sador do marxismo “no Ocidente”, Gramsci é de uma zona perifé-
rica da Itália (Sardenha) e essa circunstância incide enormemente
em seu desenvolvimento pessoal e político. A ilha era considerada
pela classe dominante italiana como um ninho de delinquentes e
pessoas incultas, exercendo uma discriminação diretamente racis-
ta contra os sardos. Gramsci não foi influenciado de maneira sig-
nificativa pelas temáticas independentistas sardas, manteria uma
sensibilidade com a realidade do sul e das ilhas, com a questão
camponesa e o povo do sul em geral, que mais tarde implicaria em
suas reflexões sobre a “questão meridional”.
Seu pai trabalhava na administração pública. Foi acusado de
desvio de verbas, demitido do seu emprego e condenado em 1898
a cinco anos e oito meses de prisão, os quais passou no presídio
de Gaeta até 1904. Como consequência, a família viveu uma situa-
ção econômica muito difícil, enfrentada por sua mãe Peppina com
grande esforço.
Aos oito anos, Gramsci iniciou seus estudos na escola elemen-
tar em Ghilarza e aos onze começou a trabalhar com seu irmão
mais velho, Gennaro, tendo que abandonar a escola durante dois
anos. Retomou os estudos em 1905, quando seu pai recuperou a
liberdade. Nesse ano fez suas primeiras leituras do jornal socialista
Avanti! [Adiante!], que seu irmão Gennaro lhe enviava de Turim,
onde cumpria o serviço militar obrigatório.
Em 1908 se formou e se mudou para Cagliari com Gennaro,
que trabalhava como contador em uma fábrica de gelo e como cai-
xa na Câmara do Trabalho. Gennaro seria logo nomeado como
secretário no Partido Socialista Italiano (PSI) de Cagliari. Nesses
anos, Gramsci escreveu o ensaio “Oprimidos e opressores” e reali-
zou seus primeiros trabalhos jornalísticos com um professor da es-
cola que era membro da União Sarda.
No último ano de escola, conseguiu uma bolsa para estudar em
Turim, cidade para a qual viajou em agosto de 1911. Matriculou-se
em Filologia Moderna, ministrada na Faculdade de Letras, passan-
do por grandes privações, em função do baixo valor recebido pela
O MARXISMO DE GRAMSCI 21

bolsa, para poder garantir os gastos diários. Nesses anos, desen-


volveu um grande interesse pela linguística e conheceu Umberto
Terracini, Angelo Tasca e Palmiro Togliatti, com os quais fundaria
anos depois o semanário L’Ordine Nuovo [A nova ordem].
Em 1913, de férias em Ghilarza, Gramsci assistiu às primeiras
eleições por sufrágio universal, com a participação massiva dos
camponeses sardos, e se filiou provavelmente à regional de Turim
do PSI. No dia 9 de junho de 1914, participou com operários e es-
tudantes da grande manifestação que ocorreu em Turim durante a
chamada “Semana Vermelha”.
Após o início da Guerra Mundial, seu artigo “Neutralidade ati-
va e operante” foi publicado no Il Grido del Popolo [O grito do povo] no
dia 31 de outubro de 1914. Nesse artigo, Gramsci faz uma inter-
pretação de esquerda da posição de Mussolini. Esse jovem dirigen-
te do Partido Socialista opõe uma “neutralidade ativa e operante”
à “neutralidade absoluta” proposta pela direção do partido.
O texto de Gramsci não fala abertamente de apoio à guerra,
mas aponta que o proletariado deve se preparar para sua própria
luta de classes durante a guerra. Dessa forma, sinaliza que não
questiona a posição de neutralidade, mas “o modo” por meio do
qual ela deve ser levada adiante.
No entanto, a ênfase na questão italiana bem como a defesa de
uma interpretação pela esquerda da posição de Mussolini eram
muito confusas. Em resumo, ainda que não seja um texto aber-
tamente intervencionista, tampouco poderia ser qualificado como
internacionalista. Esse artigo criaria a ideia de que Gramsci havia
assumido uma posição “intervencionista”, e a consequência teria
sido um autoisolamento de Gramsci no partido por um período.

No caminho da Revolução Russa


Logo após uma crise pessoal derivada das suas dificuldades eco-
nômicas, seus problemas de saúde e dos contratempos para susten-
tar seus estudos universitários, Gramsci abandona definitivamente
os estudos em 1915. No dia 10 de dezembro do mesmo ano, ingressa
22 JUAN DAL MASO

na redação de Avanti!, para a qual escreve a coluna “Sotto la Mole”


[Sob a toupeira] e também colabora como redator de Il Grido del
Popolo, destacando-se pelo seu estilo literário polêmico e contrário à
ideia de que a literatura para operários não deveria ser teórica.
Em fevereiro de 1917, publica o único número de La Città Futura
[A cidade futura], organismo da Federação de Juventude Socialista
de Piamonte. Em agosto de 1917, Gramsci colabora nos preparati-
vos para receber um grupo de delegados dos sovietes russos pela
seção socialista de Turim, visita que é concluída com uma manifes-
tação operária massiva no dia 1o de agosto em apoio à Revolução
Russa e a Lênin. Após a detenção de quase todos os dirigentes so-
cialistas turinenses, Gramsci passa a ocupar a secretaria da comis-
são executiva provisória da seção socialista de Turim e a direção do
Il Grido del Popolo. Plenamente identificado com a Revolução Russa,
em novembro, participa de uma reunião clandestina da “fração in-
transigente revolucionária” que acontece em Florença, com a pre-
sença de, entre outros, Amadeo Bordiga. Em dezembro de 1917,
publica no Avanti! o célebre artigo “A revolução contra O capital”,
no qual destaca a ação dos bolcheviques como argumento contra
a interpretação social-democrata do marxismo e inclusive do pró-
prio Marx e de suas “incrustações positivistas e naturalistas”. Esse
texto se tornaria um exemplo de “voluntarismo” “crociano e sore-
liano” do jovem Gramsci. Durante 1918, dedica-se a diferentes tra-
balhos de apoio e difusão da Revolução Russa. A partir do dia 5
de dezembro daquele ano, começa a trabalhar exclusivamente no
Avanti!, já que Il Grido del Popolo deixa de ser publicado.
No contexto do ascenso de lutas operárias que ocorre na Europa
Ocidental logo após o fim da Primeira Guerra Mundial e o início
da Revolução Russa, o movimento operário italiano, e em especial
o de Turim, começou a viver um clima de agitação social e política.
A situação dos trabalhadores era muito difícil. O poder aquisi-
tivo do salário havia diminuído 35% e não se conseguiam produ-
tos básicos como o pão.
Em 1919, se generalizaram as greves por aumentos salariais.
Mais de um milhão de operários industriais participaram de 1.663
O MARXISMO DE GRAMSCI 23

greves. Na agricultura, mais de 500 mil operários pararam. As


perdas para as patronais somavam milhões de horas de trabalho.
Durante 1920, as greves na indústria superaram as do ano ante-
rior. Nesse contexto, se produziu um crescimento vertiginoso da
Central Operária Italiana (CGIL), dirigida pelo PSI.
Após dois anos do fim da guerra, as conquistas operárias, fruto
das greves, eram importantes: aumento dos salários reais, jornada
de 8 horas, férias pagas, convênios coletivos de trabalho e reconhe-
cimento das comissões internas, que eram chapas de candidatos
do sindicato em cada fábrica. Dessas comissões internas, surgiram
os conselhos de fábrica, que organizavam cada fábrica por delega-
dos de cada setor eleito nas bases, os quais se reuniam em assem-
bleia de delegados que votavam um conselho de fábrica, que por
sua vez designava um comitê executivo que se coordenava com as
outras fábricas. Suas funções abarcavam desde a luta pelas necessi-
dades mais elementares até o controle operário da produção e das
operações financeiras das fábricas.

L’Ordine Nuovo e os conselhos de fábrica


É nesse contexto que o grupo conformado por Gramsci,
Togliatti, Terracini e Tasca estruturaram o semanário L’Ordine
Nuovo, cuja primeira edição foi publicada no dia 1° de maio de
1919, financiada pessoalmente por Tasca. Em 1919, somava 3 mil
leitores e 300 assinantes, e amentou para 5 mil exemplares e 1.100
assinantes no ano seguinte.
L’Ordine Nuovo era o jornal dos comunistas turinenses (embora
ainda fizessem parte do PSI) e também da experiência dos conse-
lhos de fábrica. Mostrava a afinidade entre a instituição do conse-
lho de fábrica e a do soviete e sua importância como organismo de
base de um futuro Estado operário. O semanário incorporou tam-
bém os debates do movimento comunista internacional e da inte-
lectualidade sobre as relações entre revolução e cultura.
Simultaneamente com a redação do semanário, Gramsci par-
ticipou intensamente da organização das alas de esquerda do PSI
24 JUAN DAL MASO

e em ações de solidariedade internacionalista. Durante julho de


1919, foi detido durante a greve geral em apoio às repúblicas co-
munistas da Rússia e Hungria.
Entretanto, durante os meses de novembro e dezembro, a ação
dos conselhos e do grupo L’Ordine Nuovo gradativamente ganharam
legitimidade: o 1º de novembro, a assembleia da seção turinense
da Federação Metalúrgica (FIOM) aprovou a formação de conse-
lhos de fábrica, discussão que se repetiu no dia 6 de dezembro na
seção socialista de Turim.
De 15 a 17 de dezembro, a Câmara de Trabalho de Turim apro-
vou a conformação dos conselhos de fábrica, os quais, por sua vez,
deram impulso ao debate entre distintas publicações da ala esquer-
da do PSI e o movimento operário: Il Soviet (Bordiga), Comunismo
(Serrati), Battaglie Sindacali (CGIL), Avanti!, entre outras.
A organização dos conselhos teve um alcance massivo. No dia
3 de dezembro de 1919, por exemplo, os conselhos de fábrica or-
ganizaram, em apenas uma hora, uma mobilização de 120 mil ope-
rários. Era uma força muito poderosa dentro e fora das fábricas.
Em março de 1920, as patronais realizaram um locaute para de-
sarticular os conselhos de fábrica; no dia 13 de abril, foi proclama-
da uma greve geral que durou até o dia 24 do mesmo mês e, ao fim,
conquistou o reconhecimento das comissões internas, mas não con-
seguiu o mesmo para os conselhos. Perante a atuação da direção so-
cialista, que deixou a luta isolada, L’Ordine Nuovo publicou em maio o
texto “Por uma renovação do Partido Socialista”. Gramsci participou
como observador da conferência da fração comunista abstencionista
de Bordiga nos dias 8 e 9 de maio. Durante junho e julho, desenvol-
veu um debate com a posição de Tasca, a favor da autonomia dos
conselhos de fábrica, que foi sintetizado no texto publicado em agos-
to sob o título “O programa de L’Ordine Nuovo”. Entre 19 de julho e 7
de agosto, ocorreu o II Congresso da Internacional Comunista, no
qual se votou as “21 condições” e propôs ao PSI a ruptura com os
reformistas. Lênin sinalizou que as propostas de Gramsci expressas
em “Por uma renovação do Partido Socialista” correspondiam ple-
namente às posições da Terceira Internacional. A posição do L’Ordine
O MARXISMO DE GRAMSCI 25

Nuovo havia sido expressa por Bordiga, já que não existiam mem-
bros do grupo na delegação italiana.
A FIOM lançou em maio um plano de luta por ajustes salariais e
outras demandas. Este sofreu resistência pelas patronais, que decidi-
ram empregar novamente o locaute. No dia 29 de agosto, 280 ofici-
nas foram ocupadas em Milão contra o locaute em Alfa Romeo. No
dia 31, foi declarado o locaute em Turim, e no dia 1° de setembro, a
Confindustria (organização patronal da indústria) o generalizou em
todo o país. De 1o a 4 de setembro, os operários responderam ocu-
pando as fábricas. 500 mil trabalhadores metalúrgicos participaram
da greve e colocaram as fábricas em funcionamento sob seu contro-
le. Milícias de operários armados formaram as Guardas Vermelhas,
cuja missão era defender as fábricas ocupadas.
O exército rodeou as cidades. Os membros do L’Ordine Nuovo se
organizaram com os operários para resistir à repressão até que os
socialistas do restante do país os ajudassem. Essa ajuda nunca che-
gou. Os operários de Turim sofreram o isolamento por parte da di-
reção conciliadora do partido.
No dia 22 de setembro, foi assinado um acordo no qual os operá-
rios conquistaram aumentos salariais, pagamento dos dias em greve,
maior poder para as comissões internas e uma promessa de legali-
zação do controle operário da indústria. Mas, apesar das conquis-
tas, um sentimento de derrota tomou conta da classe trabalhadora.
Durante o mês de outubro, foram realizadas negociações para
unificar os diferentes grupos da ala esquerda do PSI, que confor-
mavam a “fração comunista” em uma reunião realizada nos dias
28 e 29 de novembro de 1920. No dia 1º de janeiro de 1921, foi
publicado pela primeira vez o L’Ordine Nuovo com tiragem diária.

Os primeiros passos do Partido Comunista da Itália


O Partido Comunista da Itália surge em janeiro de 1921, pro-
duto de uma dissidência que se revela no XVII Congresso do
PSI, na cidade de Livorno do dia 15 ao dia 21 daquele mês. A
ala de centro de Serrati, chamada “Fração Comunista Unitária”,
26 JUAN DAL MASO

obtém a maioria com 98.028 votos e a ala esquerda dos comunis-


tas “puros” obtém 58.783 votos, enquanto os reformistas ficam
em minoria com 14.695 votos. A fração comunista “pura” decide
compor o Partido Comunista da Itália (PCd’I), seção da Terceira
Internacional, no dia 21 de janeiro de 1921. A direção do novo par-
tido é composta majoritariamente pelo setor de Amadeo Bordiga, e
Gramsci integra o Comitê Central.
Entre os dias 22 de junho e 12 de julho de 1921, ocorre em Moscou
o III Congresso da Internacional Comunista. Diante do retrocesso da
onda revolucionária na Europa Ocidental, verificado a partir da der-
rota do movimento dos conselhos de fábrica italianos e os erros ultra-
esquerdistas da “Ação de Março” na Alemanha, o congresso aprova
como resolução central a tática da frente única proletária. Essa tática,
que já havia sido defendida por Paul Levi na Alemanha, consistia em
impulsionar a luta comum entre os comunistas e a social-democracia
por demandas elementares e batalhas defensivas.
Durante os primeiros anos de sua existência, o partido italia-
no se opôs a essa tática, ao que se somou o problema de que a
ala de Serrati se manteve dentro do PSI, mas aderiu à Terceira
Internacional. Os dirigentes russos fizeram duras discussões para
modificar a política dos comunistas italianos em relação a essa ala.
O grupo do L’Ordine Nuovo, além de ter mantido diferenças com
Bordiga a respeito da experiência com os conselhos de fábrica e o
controle operário da produção (ver Capítulo VI deste volume), não
questionou abertamente esta orientação, que foi revertida definitiva-
mente em 1925-1926, quando o grupo de Bordiga foi expulso da di-
reção, em outro contexto político e com as contradições próprias do
crescente processo de burocratização da Internacional Comunista.
De 20 a 24 de março de 1922, ocorre em Roma o Segundo
Congresso do Partido Comunista da Itália (PCd’I), que aprova por
31.089 votos contra 4.151 as teses que foram conhecidas como “Teses
de Roma”. Tais teses limitam a frente única ao terreno sindical e ex-
cluem sua extensão ao terreno político. Gramsci é nomeado em
Moscou representante do partido na Internacional Comunista.
O MARXISMO DE GRAMSCI 27

De Moscou à Câmara de Deputados


No dia 23 de junho de 1922, Gramsci chegou a Moscou. O tem-
po passado na capital da revolução internacional foi rico em apren-
dizagens e eventos pessoais que marcaram sua vida para sempre.
Entre os dias 7 e 11 de junho, participou da Segunda Conferência
do Comitê Executivo ampliado da Internacional Comunista.
Depois adoeceu e conheceu aquela que seria a mãe de seus filhos,
Giulia Schucht, no hospital Serebryani Bor, onde Giulia visitava sua
irmã Eugenia. O pai dela Apollon, ligado durante a juventude aos
sociais-revolucionários e depois, em sua maturidade, aos bolche-
viques, era um emigrado antitsarista russo que havia se mudado
para a Itália em 1908. Durante a guerra voltou à Rússia, deixan-
do na Itália Tatiana, a terceira das irmãs Schucht, que seria funda-
mental para Gramsci durante seus anos na prisão.
Durante sua estadia em Moscou, Gramsci participou de muitos
debates sobre a política que os comunistas italianos deveriam reali-
zar, tanto no que diz respeito à frente única com os socialistas como
a questão da unificação política com o setor de Serrati. Gramsci
gradualmente se convenceu da política, tanto pela autoridade dos
seus interlocutores (como Trótski ou Zinóviev), como também
pelo desenvolvimento dos acontecimentos políticos italianos.
Em setembro, Gramsci escreve a pedido de Trótski uma car-
ta sobre o futurismo italiano, que aparece no apêndice do livro
Literatura e revolução em 1923.
De 1o a 4 de outubro de 1922, o PSI reúne seu XIX Congresso,
que decide expulsar a corrente reformista e ratificar sua adesão à
Internacional Comunista.
No dia 28 de outubro, ocorre a “Marcha sobre Roma”, e os fas-
cistas tomam o poder. O novo gabinete formado por Mussolini de-
clara a ilegalidade do PCd’I e emite a ordem de prisão de Gramsci
e de outros dirigentes comunistas.
Entre os dias 5 de novembro e 5 de dezembro de 1922, o IV
Congresso da Internacional Comunista se reúne em Moscou. O
congresso ratifica a tática da frente única proletária para os paí-
ses metropolitanos e incorpora a consigna do “governo operário”
28 JUAN DAL MASO

como consequência lógica da frente única e como tática para de-


senvolver a luta pelo poder como parte da estratégia insurrecio-
nal. Dessa forma, são votadas as “Teses gerais sobre a questão do
Oriente” nas quais se defende a frente única anti-imperialista, con-
signa que foi superada pelo posterior desenvolvimento do movi-
mento operário no Oriente.
O IV Congresso dedica parte de suas atividades à “questão
italiana”, ou seja, a fusão entre o PCd’I e o PSI. Gramsci, Tasca
e Scoccimarro, pelos comunistas, e Serrati, Tonetti e Maffi, pelos
socialistas, integram a “comissão de fusão”. A fusão fracassa pela
posterior prisão de Serrati na Itália e o predomínio no PSI de uma
ala à direita resistente à unificação com os comunistas. Durante
esse Congresso, Trótski faz seu conhecido discurso “Informe so-
bre a NEP soviética e as perspectivas da revolução mundial”, que
Gramsci assume como referência (com certas críticas) para tratar
das diferenças entre “Oriente” e “Ocidente” nos Cadernos do cárcere.
Em fevereiro de 1923, Amadeo Bordiga é detido com Grieco e
outros dirigentes do PCd’I. Conforma-se um novo Comitê Central
do partido composto por Scoccimarro, Tasca, Graziadei e Ravera.
Scoccimarro e Togliatti fazem parte do Comitê Executivo.
Entre abril e maio, Bordiga lança um chamado aos companheiros
do partido no qual rechaça a política de unificação com os socialistas, e
Gramsci se recusa a assiná-lo. De 12 a 23 de junho de 1923, Gramsci
participa com Scoccimarro, Tasca, Vota e Terracini da terceira conferên-
cia do executivo ampliado da Internacional Comunista. O Executivo
da IC conforma um novo comitê executivo do PCd’I sem Bordiga. Em
agosto, ele e Grieco renunciam ao Comitê Central do PCd’I.
No fim de 1923 e começo de 1924, Gramsci já estava convencido
a modificar a política do Partido Comunista da Itália e passar a dar
luta política com Bordiga, o qual considerava autor de uma orienta-
ção que havia transformado o partido em um grupo estéril e afasta-
do da classe trabalhadora. Com esse objetivo, começou uma troca
de cartas com os demais membros da direção do partido.
No dia 3 de dezembro, após a detenção dos membros do novo
Comitê Executivo do PCd’I em setembro e a absolvição de Bordiga
O MARXISMO DE GRAMSCI 29

e Grieco em outubro, Gramsci chegou a Viena para acompanhar


mais de perto o desenvolvimento do PCd’I, que havia ficado sob
a responsabilidade de Togliatti (com Terracini como representan-
te em Moscou).
Em fevereiro, foi lançado o L’Unità [A unidade] como o novo
jornal de “operários e camponeses” e depois como “o jornal do
PCd’I”. Em março, apareceu novamente o L’Ordine Nuovo como pu-
blicação quinzenal de política e cultura.
No dia 6 de abril de 1924, Gramsci foi eleito, mesmo ausen-
te, deputado pelo distrito de Vêneto, com 1.856 votos de 32.383.
Deixou a URSS em maio rumo à Itália, aproveitando a imunidade
diplomática que o cargo conquistado lhe conferira. Chegou à Itália
no dia 12 de maio daquele ano.
No dia 10 de junho de 1924, o avanço repressivo estatal e para-
estatal contra os opositores e a esquerda aumentou, o que levou ao
assassinato do dirigente socialista Giacomo Matteotti. Gramsci in-
terveio na ampla frente única que se originou a partir disso.
A situação aberta por esse crime político criou condições para
um maior desenvolvimento do Partido Comunista, que sustentava
uma política que combinava a necessidade da frente única com a
agitação de demandas democráticas. No ápice da crise política, em
função do assassinato de Matteotti, L’Unità foi impresso com tira-
gem de cerca de 70 mil exemplares, sendo que sua publicação ha-
bitual era de 20 mil a 30 mil.
Nesse contexto, o PCd’I começou a delinear as políticas que carac-
terizaram uma orientação “de centro”, em relação ao período anterior
“ultraesquerdista”: agitação pela assembleia constituinte, pela neces-
sidade da aliança operário-camponesa e luta pelo desenvolvimento
de uma política classista nos sindicatos destruídos pelos fascistas.
Entre 18 de junho e 8 de julho, realizou-se em Moscou o V
Congresso da Internacional Comunista, que promoveu a “bolche-
vização”. Togliatti e Bordiga se incorporaram ao Comitê Executivo
da Internacional Comunista. Tal política de incorporação teve o ob-
jetivo de subordinar o partido ao giro em curso. A “bolchevização”
consistiu na destituição dos setores “dissidentes” das direções dos
30 JUAN DAL MASO

partidos nacionais ou que não se disciplinavam suficientemente pelo


Comitê Executivo da Internacional Comunista (fossem de “direita”
como Brandler do Partido Social-Democrata Alemão – KPD – ou
“ultraesquerdistas” como Bordiga); também gerou a imposição de
um sistema de organização “celular”, que limitava os vínculos en-
tre os integrantes do partido sob a bandeira do “monolitismo”, e
uma interpretação oportunista da aliança operário-camponesa. Esta
consistia em considerar os partidos burgueses com bases popula-
res, como o chinês Kuomitang e outros, como “partidos operários e
camponeses”, com os quais deveriam ser promovidas alianças, com
base na caracterização da “radicalização dos camponeses”.
Em agosto, a fração “terzinternacionalista” de Serrati se integrou
ao PCd’I. Gramsci interveio ativamente como secretário geral do
partido na elaboração de uma orientação diante da situação políti-
ca italiana. Em setembro, nasceu seu filho Delio, em Moscou.
Durante setembro e outubro, participou dos debates internos
do PCd’I sobre a nova orientação política, entre eles o Congresso
de Nápoles, no qual Gramsci e Bordiga polemizaram durante ho-
ras. No dia 20 de outubro de 1924, o PCd’I propôs aos partidos
antifascistas a formação do “Antiparlamento” ou “Parlamento das
Oposições”, que não teve apoio dos outros partidos, e assim os co-
munistas seguiram intervindo no parlamento oficial. Em feverei-
ro desse ano, conheceu sua cunhada, Tatiana Schucht, em Roma.
Em março e abril de 1925, Gramsci participou da preparação
e do desenvolvimento da quinta sessão do Comitê Executivo am-
pliado da Internacional Comunista. No fim do ano, a Internacional
Camponesa (criada a partir da orientação do V Congresso) publicou
um manifesto dirigido ao Partido d’Ação sardo, chamando à unida-
de entre operários e camponeses. Gramsci influenciou na redação.
No dia 16 de maio de 1925, Gramsci pronunciou na Câmara
dos Deputados seu memorável discurso contra a lei de proibição
da maçonaria, que era uma manobra para proibir comunistas e de-
mais organizações antifascistas.
Durante junho, Bordiga tentou impulsionar um comitê para
unificar toda a esquerda do partido. A Internacional Comunista
O MARXISMO DE GRAMSCI 31

decidiu dissolvê-lo, organizando em agosto uma longa reunião


em Nápoles, na qual Gramsci, Bordiga e o delegado da Terceira
Internacional Jules Humbert-Droz intervieram.
Entre agosto e setembro, realizou junto com Togliatti os traba-
lhos de preparação do III Congresso do partido. Encontra-se com
Giulia e Delio em Roma.

A “refundação” do partido
Entre 23 e 26 de janeiro de 1926, realizou-se na cidade france-
sa de Lion o III Congresso do Partido Comunista da Itália. Nele,
a maioria encabeçada por Gramsci e Togliatti defendeu a orien-
tação sintetizada nas Teses Políticas, mais conhecidas como Teses de
Lyon: assembleia republicana baseada em comitês operários e cam-
poneses, controle operário e divisão da terra para camponeses, luta
pelo desenvolvimento de correntes comunistas nos sindicatos, en-
tre outros pontos (ver no Capítulo III deste livro, sobre as “Teses
Sindicais”). Essa política partiu de uma identificação das forças
motrizes da revolução italiana: o proletariado industrial e agrícola
e os camponeses do Mezzogiorno e das ilhas; e a maioria propôs
apoio à política da direção soviética de “socialismo em um só país”,
entre outros debates (ver Capítulo VI sobre a questão do partido e
as diferenças internas).
Tanto as Teses de Lyon como o texto sobre a questão meridional,
escrito em outubro de 1926 mas publicado em Paris em Lo Stato
Operaio [O Estado Operário] em 1930, adiantaram certas ideias que ti-
veram continuidade nos Cadernos do cárcere, ainda que com notáveis
modificações: o problema da aliança operário-camponesa, entendi-
da nos termos da hegemonia e mediada pela questão do papel dos
intelectuais, a relação entre o papel policial e político dos sindicatos e
dos partidos reformistas, e o papel do fascismo na sociedade italiana.
No dia 14 de maio, Serrati faleceu. Giulia, grávida novamen-
te, voltou a Moscou em agosto. Ali nasceu Giuliano. Desde 1927,
Giulia, que desde 1924 trabalhava na GPU (serviço secreto soviéti-
co), teve crescentes problemas de saúde, especialmente psicológicos
32 JUAN DAL MASO

e neurológicos (desenvolveu epilepsia), que incidiram, somados à


distância, na deterioração da relação pessoal com Gramsci desde
1929, quando interromperam as trocas epistolares.

A carta ao Comitê Executivo do Partido Comunista da


União Soviética e o debate sobre a Oposição na URSS
Em outubro de 1926, os consensos entre Gramsci e Togliatti foram
abalados pelos debates no interior do Partido Comunista da União
Soviética (PCUS), no qual se intensificava a “luta contra o trotskis-
mo”. Nesse momento, Trótski havia formado a Oposição Conjunta
com Zinóviev e Kámenev e se enfrentava com o bloco encabeçado por
Bukhárin e Stálin, que sustentavam a política do “socialismo em um só
país”. A política para que as direções dos diferentes partidos nacionais
emitissem condenações à Oposição de Esquerda vinha de Moscou.
Mas o partido italiano respondeu de maneira muito peculiar à
proposta, que na verdade era uma ordem.
No dia 14 de outubro de 1926, o Comitê Executivo do PCd’I
enviou, por proposta de Gramsci, uma carta ao Comitê Executivo
do PCUS. Nela sinalizou sua solidariedade com a política da maio-
ria e sua condenação política à Oposição, mas reivindicou seus
dirigentes como “mestres” em suas atuações no passado e manifes-
tou preocupação com os métodos utilizados pela maioria na luta
política com a Oposição. Somado a isso, a carta pedia unidade do
grupo dirigente como tarefa de primeira ordem.
Togliatti, nesse momento representante do comunismo italiano
perante a Internacional Comunista, mostrou a carta a Bukhárin,
mas não a apresentou formalmente por não concordar com seus
termos, em especial o “chamado à ordem” que colocava no mes-
mo nível a Oposição e os representantes da posição oficial. Iniciou-
se uma troca epistolar intensa na qual Gramsci assinalou a Togliatti
que seu pensamento estava afetado pelo “burocratismo” e que a
principal tarefa do partido soviético era demonstrar que o socialis-
mo podia ser construído, para a qual a unidade do grupo dirigen-
te era absolutamente necessária.
O MARXISMO DE GRAMSCI 33

Do dia 1o a 3 de novembro, ocorreu em Valpolcevera, nas pro-


ximidades de Gênova, uma reunião clandestina na qual Humbert-
Droz (partidário de Bukhárin) buscou homogeneizar o Comitê
Executivo do PCd’I a respeito da luta da maioria do PCUS
(Stálin, Bukhárin) contra a Oposição Conjunta (Trótski, Zinóviev
e Kámenev). Gramsci não chegou à reunião porque foi detido pela
polícia, que o obrigou a voltar a Roma.
No dia 8 de novembro de 1926, um grupo de policiais deteve
novamente Gramsci. No dia 19 de novembro, comunicaram-lhe
que, pelo artigo 184 da lei de segurança pública, permaneceria por
cinco anos sob controle da polícia. No dia 7 de dezembro, chegou
à ilha de Ústica, na qual ficou preso com Bordiga. Ambos organi-
zaram uma escola para os presos.
Em fevereiro de 1928, quando foi detido na prisão de San
Vittore, chegou uma carta de Ruggiero Grieco cujo conteúdo des-
perteu suspeitas em Gramsci e sobre o qual muitas especulações
foram abertas4.
O processo contra os presos comunistas italianos, conhecido
como “Il Processone”, ocorreu entre os dias 24 de maio e 4 de junho
de 1928. A estratégia de defesa dos comunistas não foi negar as
acusações que receberam (em especial por declarações sobre obje-
tivos políticos revolucionários expressas em materiais públicos), ao
contrário, sua estratégia foi expor que não são delitos e denunciar
que o Tribunal tinha objetivos políticos e não penais. Quem falou
na declaração final em nome dos presos comunistas foi Terracini,
condenado a 22 anos, nove meses e cinco dias de prisão. Gramsci
foi condenado a 20 anos, quatro meses e cinco dias de prisão, e
uma multa de 6.200 liras. Por razões de saúde, foi mantido na pri-
são de Turi, a 37 km da cidade portuária de Bari. Iniciou-se uma
nova etapa da vida de Antonio Gramsci, detento n° 7047 da pri-
são de Turi.

4  Cf. Guido Liguori, Gramsci conteso. Interpretazioni, dibattiti e polemiche 1922-


2012. Nuova edizione riveduta e ampliata, Roma, Editori Riuniti-University Press,
2012, p. 456-457. Também A. d’Orsi, op. cit., p. 238 e p. 244-245.
34 JUAN DAL MASO

Gramsci na prisão e o “terceiro período”


da Internacional Comunista
O período de detenção de Gramsci, da sua condenação até sua
morte, coincidiu quase em sua totalidade (mais precisamente, até
1935) com a orientação da Internacional Comunista conhecida
como “terceiro período”, caracterizada por uma política ultraes-
querdista que orientava as massas a “tomar as ruas” e definia a
social-democracia como “social-fascista” ou como “a ala mais mo-
derada do fascismo”. As consequências desastrosas dessa política
foram vistas na Alemanha, onde o KPD não apenas concentrou
mais energias em combater a social-democracia que o nazismo em
ascenso, mas chegou a estabelecer o infeliz prognóstico de que o
triunfo de Hitler seria a antessala do triunfo dos comunistas.
Para o partido italiano, essa orientação implicava o abandono
das ideias sintetizadas nas Teses de Lyon e sua sectária impotência
diante da consolidação do regime fascista, somado ao aprofunda-
mento da burocratização e do autoritarismo interno da organização.
Contra essa série de medidas, se conformou em 1930 a “Nova
Oposição Italiana” (que se autodenominava como nova para di-
ferenciar-se do setor de Bordiga), encabeçada por Pietro Tresso,
Leonetti e Ravazzoli e identificada como aliada de Trótski e da
Oposição de Esquerda. A sua expulsão do partido foi comunica-
da a Gramsci em uma visita de seu irmão Gennaro em junho de
1930. Segundo Gennaro, Gramsci se manifestou contra as expul-
sões, mas comunicou ao centro do partido, que estava exilado em
Paris, que Gramsci concordava integralmente com a política ofi-
cial, inclusive com as expulsões, pensando que o contrário levaria
a um isolamento do seu irmão no partido.
Os testemunhos dos militantes comunistas que compartilharam
a prisão com Gramsci em Turi evidenciaram os desacordos dele
com a orientação do “terceiro período”. Um dos mais conhecidos
é a carta de Athos Lisa (ver Capítulo VI deste volume), na qual
sintetiza a ênfase que Gramsci dava para a questão da Assembleia
Constituinte, o problema da hegemonia e os intelectuais e a or-
ganização político-militar de partido. Essas conversas ocorreram
O MARXISMO DE GRAMSCI 35

durante novembro e dezembro de 1930.


Com base nesses desacordos concretos, foi criado todo tipo de
especulação ao redor da posição política de Gramsci. Alguns au-
tores leem suas diferenças como uma posição crescentemente an-
tistalinista e inclusive destacam convergência com Leon Trótski a
respeito da Assembleia Constituinte; enquanto outros leem como
a antessala da política de “frentes populares”, adotada pelo VII
Congresso da Internacional Comunista de 1935. É uma proble-
mática que excede o espaço da introdução e que, em realidade, é
abordada nos oito capítulos que compõem este trabalho. Contudo,
com o objetivo de apresentar ao leitor um panorama, podemos
afirmar que Gramsci não foi abertamente antistalinista, tampouco
foi um partidário entusiasta do stalinismo, fenômeno que não pôde
conhecer em toda sua amplitude, já que sua última viagem para a
URSS foi em 1925.
Em agosto de 1931, teve sua primeira grave crise de saúde. Seu
irmão Carlo o visita. Piero Sraffa, brilhante economista italiano
radicado no Reino Unido e amigo pessoal de Gramsci, viaja até
Turi, mas não consegue a autorização de visita.
Durante 1932, surgiu a possibilidade de realizar uma troca de
prisioneiros entre a URSS e a Itália fascista. Gramsci concordou,
mas a tentativa não se concretizou. Sempre se negou a pedir o in-
dulto ao Estado. Por meio de Tatiana, um médico de confiança o
visita na prisão, logo após realizar múltiplos trâmites perante a bu-
rocracia fascista. Em novembro, o Estado reduziu a condenação de
Gramsci para 12 anos e 4 meses em anistia concedida aos presos
em “celebração” pela primeira década do fascismo no poder. Piero
Sraffa toma medidas para que lhe deem liberdade condicional, mas
o regime fascista exige que Gramsci peça indulto pessoalmente, pe-
dido que ele não estava disposto a fazer por óbvias razões políticas.
No dia 30 de dezembro, sua mãe morreu em Ghilarza.
Em janeiro de 1933, se consumou o ascenso de Hitler na
Alemanha. Tatiana se muda a Turi para acompanhar Gramsci de
modo mais permanente. No dia 7 de março, ele tem sua segun-
da grave crise de saúde e é assistido por outros militantes detidos;
36 JUAN DAL MASO

um deles, Gustavo Trombetti, se instala em sua cela para ajudá-lo.


Entre maio e junho de 1933, a partir das declarações do pro-
fessor Arcangeli que o havia visitado na prisão e constatado seu
péssimo estado de saúde, se constituiu em Paris um comitê pela
liberdade de Gramsci e das vítimas do fascismo, integrado por
Romain Rolland e Henri Barbusse.
Em outubro, logo após fazer um pedido por motivos de saúde,
foi transferido para a clínica de Giuseppe Cusumano, em Fórmia. O
Tribunal Especial rechaçou o pedido de liberdade condicional, em
uma clara tentativa de forçar Gramsci a pedir de indulto a seus car-
rascos. A campanha pela sua liberdade ganha força internacional.
No dia 25 de outubro de 1934, foi concedida por decreto a li-
berdade condicional, que havia reivindicado por meio do artigo
1976 do Código Penal e 191 do Regulamento carcerário, através
do qual, no dia 27 de outubro, acompanhado por Tatiana, saiu
pela primeira vez da clínica Cusumano.
No dia 24 de agosto de 1935, deixou a clínica Cusumano para
ser transferido para a Clínica Quisisana de Roma. Recebeu as vi-
sitas do seu irmão Carlo e Piero Sraffa e os cuidados permanen-
tes de Tatiana.
Durante 1936, retomou as correspondências com Giulia e
seus filhos.
Em abril de 1937, recuperou a liberdade. No dia 25, tem uma
hemorragia cerebral e morre no dia 27 de abril de 1937. A prisão
quebrou sua saúde, mas não sua vontade. Os carrascos fascistas
nunca obtiveram seu pedido de indulto, que queriam para mostrar
que o principal dirigente dos comunistas italianos havia se rendi-
do a Mussolini

Os Cadernos do cárcere
Em janeiro de 1929, Gramsci obteve autorização para escrever.
O resultado do seu trabalho, somado a um importante compêndio
de correspondências, tornou-se uma das obras mais comentadas e
debatidas do marxismo do século XX.
O MARXISMO DE GRAMSCI 37

Em 33 cadernos de tipo escolar, Gramsci fez mais de 2 mil ano-


tações, geralmente precedidas do símbolo §, além de traduções ao
italiano de textos em russo, alemão e exercícios de inglês.
Quando abandonou Turi em 1935, levou os cadernos em um
“pequeno baú inglês”, após distrair um dos vigilantes com con-
versas em sardo. Logo após sua morte, Togliatti, já transforma-
do no principal dirigente do Partido Comunista da Itália, levou-os
à URSS onde iniciaria seus estudos. Em 1948, iniciou a publica-
ção das “edições temáticas” dos Cadernos, organizados pelo próprio
Togliatti e por Felice Platone com a obra O materialismo histórico e a fi-
losofia de Benedetto Croce. Em seguida, publicaram Os intelectuais e a or-
ganização da cultura e Notas sobre Maquiavel, a política e o Estado moderno
em 1949, O Risorgimento e Literatura e vida nacional em 1950 e Passado
e Presente em 1951.
Em carta a Dimitrov do dia 25 de abril de 1941, Togliatti ha-
via expressado seu interesse pelo trabalho de Gramsci, assim como
suas apreensões políticas:

Os cadernos de Gramsci – estudei quase todos cuidadosamente –


contêm materiais que podem ser utilizados apenas após uma cui-
dadosa elaboração. Sem tal tratamento, o material não pode ser
utilizado e inclusive algumas partes, se fossem utilizadas na forma
em que se encontram atualmente, poderiam ser inúteis ao partido5.

Efetivamente, a publicação da obra de Gramsci e suas poste-


riores interpretações estiveram intimamente relacionadas com as
responsabilidades políticas do Partido Comunista Italiano (PCI)
durante os anos do segundo pós-guerra. Isso gerou diferentes lei-
turas ou interpretações do legado de Gramsci segundo as diferen-
tes conjunturas: um Gramsci “grande intelectual, patrimônio de
todos os italianos”, outro como antecessor da “via italiana ao socia-
lismo”; um Gramsci teórico do Estado, do poder e da hegemonia
e outro do “pluralismo”, etc.

5  G. Liguori, op. cit., p. 93-94.


38 JUAN DAL MASO

Apesar desse quadro geral de utilização pragmática de seu pen-


samento, foi das próprias fileiras dos intelectuais do PCI que sur-
giu a edição crítica publicada por uma equipe encabeçada por
Valentino Gerratana em 1975. Ele reproduziu o texto dos Cadernos
tal como eram, com exceção das notas do Caderno 10, as quais re-
organizou, e uma reprodução parcial dos cadernos de traduções.
Gerratana classificou os textos com letras: A para aqueles de pri-
meira redação, B para os de escrita única e C para aqueles de se-
gunda redação, baseados nos textos A. A edição foi completada
com um impressionante aparato crítico.
A publicação da edição crítica inaugurou uma nova etapa para
o desenvolvimento dos estudos sobre Gramsci em nível interna-
cional, inclusive durante o período no qual impuseram à Itália
– produto da derrota do “longo 1968”, do fracasso do “euroco-
munismo” e da dissolução do PCI – o que Guido Liguori chamou
de “uma década de luzes apagadas”. Tudo isso no cenário de um
amplo espectro de correntes influenciadas ou inspiradas pelo pen-
samento de Gramsci, dos estudos culturais até os teóricos do “sis-
tema-mundo”, passando pelos “estudos subalternos”, sem contar o
variado itinerário gramsciano na América Latina.
A questão da “gênese e estrutura” dos Cadernos do cárcere é ex-
tremamente complexa. Ao passo que Gramsci trabalhava simulta-
neamente em notas escritas em diferentes cadernos, em cada um
deles existem notas ou grupos de notas redigidas em diferentes da-
tas. Por essa razão, notas que são parte de Cadernos diferentes se
mostram correlativas, sem respeitar a ordem formal do texto. Esse
fato costuma estar na base de certas polêmicas sobre os “usos” de
Gramsci, ou seja, sobre o modo de apresentar “sincronicamente”
posições que na realidade são parte de diferentes etapas de desen-
volvimento dos argumentos expostos em Cadernos do cárcere.
Posteriormente à edição de Gerratana, o trabalho de Gianni
Francioni L’officina gramsciana. Ipotesi sulla struttura dei “Quaderni del car-
cere” (1984) [A oficina gramsciana. Hipótese sobre a estrutura dos “Cadernos
do cárcere”] apresentou novas hipóteses sobre diferentes questões re-
lativas às datas e ao modo de redação dos Cadernos, que diferem em
O MARXISMO DE GRAMSCI 39

alguns aspectos, tanto no que se refere às datas de redação de algu-


mas passagens quanto ao caráter de alguns cadernos. O trabalho
de Francioni continua com a edição anastática dos Cadernos do cár-
cere, a publicação dos cadernos de traduções e do primeiro volume
de “Cadernos miscelâneos” (1929-1935) como parte da nova edição
crítica em preparação, na qual trabalhou uma equipe integrada por
Francioni, Giuseppe Cospito e Fabio Frosini, que sem dúvida terá
um grande impacto no desenvolvimento dos estudos gramscianos.
Como assinala Guido Liguori em um ensaio sobre o desenvol-
vimento dos estudos gramscianos6,

o espectro do conhecimento e, mais ainda, dos usos de Gramsci


no mundo de hoje é tão amplo que não pode ser abordado de
modo exaustivo em apenas uma exposição, seria necessário ao
menos um colóquio.

O tema é quase inabarcável. Como explica o próprio Liguori,


o conjunto de trabalhos que assume Gramsci como referência po-
deria ser classificado em linhas gerais em três tipos de leituras:
culturalistas (associadas ao mundo anglófono), políticas (associa-
das com a América Latina) e filológicas (se realizam essencialmen-
te nas universidades italianas e orientados pela International Gramsci
Society). Logicamente, estas três categorias não são estáticas, mui-
tas vezes os três registros se sobrepõem, assim como as áreas ge-
ográficas e linguísticas nas quais cada um predominaria segundo
essa classificação.
Em linhas gerais, podemos considerar, de maneira um tanto
esquemática, que o desenvolvimento dos estudos gramscianos se
orientou nas últimas décadas por uma predominância dos méto-
dos “instrumentais” (variados usos e interpretações, incluídos cer-
tos “abusos”), que em termos de interpretação buscam se sustentar

6  G. Liguori, “Los estudios gramscianos hoy”, em Massimo Modonesi


(organizador), Horizontes Gramscianos. Estudios en torno al pensamiento de Gramsci,
Facultad de Ciencias Sociales y Políticas, UNAM, 2013, p. 13-39.
40 JUAN DAL MASO

mais solidamente do ponto de vista filológico, ainda que não este-


jam isentos de outros focos ou ângulos de interpretação.
Há 82 anos de sua morte, Gramsci é uma referência obrigatória
para a reflexão sobre a potencialidade e as perspectivas da teoria mar-
xista, assim como um exemplo de intelectual revolucionário. Seu tem-
peramento pode ser sintetizado nessas palavras dirigidas ao seu irmão
Carlo em uma carta escrita no dia 12 de setembro de 1927:

Estou convencido de que ainda quando tudo parece perdido é


necessário retomar tranquilamente o trabalho, começando ou-
tra vez do começo. Estou convencido de que é necessário contar
sempre apenas consigo mesmo e com as próprias forças, não es-
perar nada de ninguém e ao final não procurar desilusões. Que é
necessário colocar-se a fazer apenas o que se sabe e que se pode
fazer e andar seu próprio caminho. Minha posição moral é ótima:
alguns acreditam que sou o satanás, outros me veem quase como
santo. Eu não quero me fazer um mártir, nem um herói. Acredito
que sou apenas um homem médio, que tem suas profundas con-
vicções e que não as troca por nada no mundo.7

7  Antonio Gramsci, Cartas do Cárcere, Estaleiro Editora, 2011, p. 128.

Você também pode gostar