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Escritos de Linguística Geral

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FERDINAND DE SAUSSU Hfs

Escritos de
Lingüística
Geral

Organizados e editados por


Simón Bouquet e Rudolf Engler

Cultrix
A descoberta, em 1996, num anexo da residência de Saussure,
em Genebra, dos manuscritos de um “livro sobre a lingüística
geral” que se julgava detinitivamente perdido, lança uma nova
luz sobre o pensamento do reformulador moderno das ciências
da linguagem. Publicadas pela primeira vez na presente edição,
essas páginas estão reunidas com o conjunto dos escritos de
Saussure a respeito da lingüística geral conservados na Biblio-
teca Pública e Universitária de Genebra.

Graças a esses textos, uma nova leitura do pensamento saussu-


riano pode tomar forma, permitindo que se quebre uma espessa
camada de preconceitos. Eles obrigam a rever a imagem assen­
tada sobre a fé na reconstrução do pensamento do mestre por seus
alunos, efetuada no Curso de Lingüísüca Geral, publicado em 191 6.
I
0

O lingüista genebrino mostra-se hoje, em seus escritos (.iriginais, ao 0
mesmo tempo como um epistemólogo de sua disciplina e. como
um filósofo, preocupado em denunciar ilusões de todo tipo que
w
têm como motivo a linguagem, para repensar os fundamentos de
seu estudo.
0
Na aurora do século XXI, a descoberta desse |.iensamento, em­
bora com atraso, entra em ressonância, de maneira admiravel­
o
mente atual, com os questionamentos das ciência.s da hnguagem,
das ciências humanas e das filosofias da linguagem. A maneira
H
saussuriana de se questionar sobre a natureza do seu,tido da
linguagem continua, mais do que nunca, ¡¡enurbadora.
0
W

E D IT O R A C U L T R IX
FERDINAND DE SAU SSU RE (1857-
1913) nasceu em Genebra numa família
de origem francesa, que contava entre seus
membros com geólogos, gramáticos e na­
turalistas, como seu avô materno Henri de
Saussure. Nesse ambiente de alta cultura,
o jovem Ferdinand logo aprendeu o latim,
o alemão, o inglês, o grego, e foi iniciado na
grande tradição da filosofia alemã do sé­
culo XIX e no idealismo romântico em
particular.
Aos 15 anos, tenta constituir um sis­
tema geral da linguagem, tentação que
será a de toda a sua vida, primeiro no
Ginásio de Genebra, depois na Universi­
dade de Leipzig, enquanto mandava seus
trabalhos para a Sociedade Lingüística de
Paris e aprendia o sánscrito quase que
sozinho. A Escola dos Altos Estudos de
Paris lhe ofereceu uma cátedra de gramá­
tica comparada, que ele ocupou de 1881
até 1891. De 1901 a 1907, foi professor de
línguas indo-européias e, de 1907 em
diante, foi professor de lingüística geral
na Universidade de Genebra, cidade onde
morreu em fevereiro de 1913.
Com exceção de sua Mémoire sur le
système primitif des voyelles dons les langues
indo^européennes, escrita quando tinha 22
anos, Saussure não publicou quase nada.
O Curso de Lingüística Geral, publicado
pela Editora Cultrix, em tradução do pro­
fessor Isaac Nicolau Salum, texto funda­
dor das ciências humanas no século XX,
foi redigido por seus discípulos - Charles
Bally e Alhert Sechehaye —que, por sua
vez, serviram-se das anotações de outro
estudante, três anos depois da morte do
professor genebrino.

(contintia na outra orelha)


Escritos de
Lingüística Geral
Ferdinand de Saussure

Escritos de
Lingüística Geral
Organizados e editados por
Simón Bouquet e Rudolf Engler
com a colaboração de Antoinette Weil

Tradução
CARLOS AUGUSTO LEUBA SALUM
ANA LUCIA FRANCO

EDITORA CULTRIX
São Paulo
Título do original: Ecrits de Linguistique Générale.

Copyright © 2002 Éditions Gallimard.

Esta edição foi realizada sob a égide dos arquivos de Ferdinand de Saussure.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida olí usa-
da de qualtiuer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive fotocó­
pias, gravações ou sistema de armazenamento em banco de dados, sem permissão por
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Este livro não pode ser exportado para Portugal.

O primeiro número à esquerda indica a edição, ou reedição, desta obra. A primeira dezena
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Direitos de tradução para o Brasil


adquiridos com exclusividade pela
EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA.
Rua Dr. Mário Vicente, 368 — 04270-000 — São Paulo, SP
Fone; 6166-9000 — Fax: 6166-9008
E-mail: pensamento@cultrix.com.br
http://www.pensamento-cultrix.com.br
que se reserva a propriedade literária desta tradução.
Impresso em nossas oficinas gráficas.
SUMARIO

Prefácio dos E ditores................................................................................... 11

I. — SO B R E A E S S Ê N C IA D U P L A D A LIN G U A G EM
(A cervo BPU 1 9 9 6 ) ................................. 19

1 Prefácio................................................................................................ 21
2a [Da essência dupla: Principio “primeiro e último” da dualidade] ... 21
2b Posição das identidades....................................................................... 23
2c Natureza do objeto em lingüística................... 23
2d [Principio de dualismo]....................................................................... 24
2e [Quatro pontos de v ista].................................................................... 24
3a [Abordar o objeto] .............................................................................. 25
3b [Lingüística e fonética].................................................. 26
3c [Presença e correlação de sons] ........................................................ 27
3d [Dominio fisiológico-acústico da figura vocal]............................... 28
3e Observações sobre as guturais palatais do ponto de vista
fisiológico e acústico........................................................................... 29
3f [Valor, sentido, significação...]........................................................... 30
3g [Valor e formas] ................................................................................... 30
4a [Fonética e morfología, 1 ] .................................................................. 31
4b [Fonética e morfología, 2 ] .................................................................. 32
5a [Som e sentido].................................................................................... 32
5b [Identidade — Entidades].................................................................. 33
5c [Identidade — Marcha das idéias] .................................. 34
6a [Reflexão sobre as operações do lingüista]...................................... 35
6b [Morfología — Estado de língua]............................... 35
6c [Forma] ................................................................................................. 36
6d [Indiferença e Diferença].................................................................... 37
6e [Forma — Figura vocal] ...................................................................... 37
Sumario

7 [Mudança fonética e mudança semântica]....................................... 40


8 [Semiologia]......................................................................................... 43
9 [Aviso ao leitor].................................................................................... 44
10a Da essência, etc. [Perspectiva instantánea e fonética. Estado] .... 46
10b Regra: n cacuminal............................................................................... 49
11 [Diversidade do sign o]....................................................................... 49
12 [Vida da linguagem]............................................................................ 51
13 [Gramática : categorias]..................................................................... 53
14 [Gramática : regras] ............................................................................ 53
15 [Regras de fonética instantánea]....................................................... 54
16 Características da regra de fonética instantánea............................. 57
17 [Pala efetiva e fala potencial].............................................................. 58
18 [Parallélie] ............................................................................................. 58
19 [Alternância]........................................................................................ 59
20a [Negatividade e diferença, 1 ].............................................................. 60
20b [Negatividade e diferença, 2 ] .............................................................. 61
21 [Identificação; Valores relativos. Ponto de v ista ]............................ 62
22a [Fonética e morfología]...................................................................... 63
22b [Principio fundamental da semiologia] ............................................ 65
23 [Sentido próprio e sentido figurado]................................................. 67
24 [Signos e negatividade]..................................................................... 67
25 [Sobre a negatividade da sinonimia]................................................. 68
26 [Questão de sinonimia (continuação)]............................................ 69
27 Da essência........................................................................................... 71
28 índice..................................................................................................... 74
29a [Sistema de urna língua]..................................................................... 75
29b [Diferença e entidades]........................................................................ 75
29c Situação relativa dos dominios interior e exterior............................. 77
29d Parte sintética....................................................................................... 77
29e Identidade etimológica........................................................................ 77
29f [Sintaxe histórica]............................................................................... 78
29g [Mudança analógica]........................................................................... 78
29h [Objeto central da lingüística] ........................................................... 79
29i [Novação morfológica]........................................................................ 79
29] [Integração ou pós-meditação-reflexão] ................. 80

II. — IT EM E A F O R IS M O S ........................ 81

I. — NOVOS ITEM (Acervo BPU 1996)................................................ 83

1 [Kénóme]............................................................................................... 85
2 [Questão de origem — Riacho] ......................................................... 85
Sumário

3 [Elementos fundamentais — Som como tal — Frase-Rito


— Unidade lingüística (Signo-Som-Significação)]............................... 86
4 [O discursivo, lugar de modificações — Divisões deste livro]...... 86
5 [Situação da lingüística — Unidade lingüística] ............................. 87
6 [Signo e significação — Realidades semiológicas].......................... 87

II. — ANTIGOS ITEM (Edição Engler 1968—1974) ............................. 89

III. — AFORISMOS (Edição Engler 1968— 1974) ................................. 107

III. — O U T R O S E S C R IT O S D E L IN G Ü ÍST IC A G E R A L 111

I. — NOVOS DOCUMENTOS (Acervo BPU 199 6 )............................... 113

1 [Linguagem — Língua — Fala].......................................................... 115


2 [Sign o]................................................................................................... 117
3 [Adivinhação — Indução]................................................................... 117
4 [Sobre os compostos latinos do tipo agrícola].................................. 118
5 [faber — Faure (Favre, Fèvre, Lefevre, Lefébure)]................................ 119

II. — ANTIGOS DOCUMENTOS (Edição Engler 1968—1974).......... 121

1 [Fonología, 1] ....................................................................................... 123


2a [Primeira conferência na Universidade de Genebra
(novembro de 1891)]........................................................................... 126
2b [Segunda conferência na Universidade de Genebra
(novembro de 189 1 )........................ 136
2c [Terceira conferência na Universidade de Genebra
(novembro de 1891)]........................................................................... 142
3 a [Nota sobre a história das línguas; crítica da expressão gramática
comparada, 1] ......................................................................................... 150
3b [Crítica da expressão gramática comparada, 2 ] .................................. 151
4 [Distinção entre literatura, filologia, lingüística]............................ 152
5 [O fato fonético supõe duas épocas] ................................................. 153
6a [Fonología, 2 ] ........................................................................................ 153
6 b [Fonología, 3] .................................................................................... 153
7 [Características da linguagem].......................................................... 154
8 Morfología....................................................................... 155
9 [Crítica das divisões em uso nas gramáticas científicas]................ 169
10a [Notas para um livro sobre a lingüística geral, 1]
(1893—1894) ....................................................................................... 170
8 Sumário

10b [Notas para um livro sobre a lingüística geral, 2 ] ........................... 172


10c [Notas para um livro sobre a lingüística geral, 3] ........................... 174
11 [Notas para um artigo sobre Whitney] ............................................ 175
12a [Status e motus. Notas para um livro de lingüística geral, 1 ] ...... 191
12b [Status e motus. Notas para um livro de lingüística geral, 2 ] ..... 193
13a [Sobre as dificuldades da terminologia em lingüística
(“Chega de figuras!”)] ......................................................................... 200
13b [Sobre as dificuldades da terminologia em lingüística
(a expressão sim ples)]......................................................................... 202
14a [Da articulação] .................................................................................... 202
14b [Implosão + im plosão]........................................................................ 203
14c [Teoria da sílaba (1897?)]................................................................... 204
14d [Notas de fonología; abertura; teoria da sílaba (1897?)] .............. 209
15a [Que tipo de entidades tem-se diante de si em lingüística?] ........ 219
15b [Reflexões sobre as entidades] .......................................................... 219
16 [Anatomia e Fisiología]....................................................................... 220
17 [Notas sobre Programa e métodos da lingüística teórica de Albert
Sechehaye, 19 0 8 ]................................................................................. 220
18 [Notas diversas não classificáveis] .................................................... 223
19 [Semiología].......................................................................................... 223
20 [Acontecimento, estado, analogia].................................................... 227
21 [Famílias de línguas] ........................................................................... 228
22 [Prefixos ou preposições] ................................................................... 229
23 [Alternâncias]....................................................................................... 230
24 [Parecer sobre a criação de uma cadeira de estilística]................... 231

III. — NOTA SOBRE O DISCURSO (Acervo BPU 1996) ..................... 235

IV. — UNDE EXORIAR (Acervo BPU 1996) .......................................... 239

IV. — N O T A S P R EPA R A TÓ R IA S PA RA O S C U R S O S
D E L IN G Ü ÍST IC A G E R A L .......................... 243

I. _ NOVOS DOCUMENTOS (Acervo BPU 1 9 9 6 )............................. 245

1 [Natureza incorpórea das unidades da língua]................................ 247


2 [Indiferença do instrumento]............................................................. 247
3 [Língua]................................................................................................. 247
4 [Semiología] ......................................................................................... 248
5 [Sistema de signos — Coletividade].................................................. 248
6 [Valor — Coletividade]...................................................................... 249
Sumário

7 [Descontinuidade geográfica]............................................................. 250


8 [Intercurso]............................................................................................ 253

II. — ANTIGOS DOCUMENTOS (Edição Engler 1968—1974)........ 255

1 [Notas para o curso I (1907)]............................................................. 257


2a [Notas para o curso II (1908—1909) : Dualidades]....................... 258
2b [Notas para o curso II (1908—1909) : Whitney]............................ 259
2c [Notas para o curso II (1908— 1909) : As línguas celtas]............. 263
3a [Notas para o curso III (1910— 1911) : Divisão do curso e
lingüística geográfica].......................................................................... 264
3b [Notas para o curso III (1910— 1911) : Análise da cadeia
acústica................................... 280
3c [Notas para o curso III (1910—1911) : Nomenclatura]................. 282
3d [Notas para o curso III (1910—1911) : Entidades e seções] ........ 282
3e [Notas para o curso III (1910—^1911) : Arbitrariedade
do signo e noção de termo] ............................................................... 282
3f [Notas para o curso III (1910— 1911) : Necessidade da
alteração dos signos; sincronia e diacronia] ..................................... 284
3g [Notas para o curso III (1910—1911) : O valor lingüístico]......... 288

Index rerum..................................................................................................... 290


PREFACIO DOS EDITORES

A reflexão saussuriana, que pode ser chamada de lingüística geral, remete


a três Corpus de textos: 1“ os escritos de Ferdinand de Saussure; 1- as notas de
seus alunos, por ocasião de três séries de cursos ministrados em Genebra,
entre 1907 e 1911; 3“ o livro escrito, depois de sua morte, por Charles Bally e
Albert Sechehaye e publicado em 1916 com o título Cours de linguistiquegenérale^
e baseado, principalmente, nessas notas dos alunos.
A expressão lingüística geral, nesse título, retomava o nome adminis­
trativo dos cursos genebrinos. Se essa expressão, influenciada pela A íígemcine
Sprachwissenschaft alemã, era corrente no francés do inicio do século XX, ela
não se referia, na época, a um conteúdo conceituai unificado. Sylvain Auroux
demonstrou, a partir de um exame das obras produzidas em alemão, inglês
e francês, entre 1870 e 1930, que ela denotava cinco objetos que, às vezes,
se sobrepunham: 1- apresentações da lingüística e de seus resultados; 2°
tratados sobre a linguagem, mais ou menos voltados para a divulgação; 3®
enciclopédias concernentes ao conjunto de línguas; 4- discussões meto­
dológicas específicas; 5- monografias sobre as categorias usadas pela disci­
plina.^ Saussure, por sua vez, parece que jamais se preocupou em justificar
o nome administrativo escolhido para o seu curso: ele descrevia a aborda­
gem de seu ensinamento como “uma filosofia da lingüística”.
Como o livro de 1916 rotulou de lingüística geral o pensamento saus-
suriano, esse rótulo foi conservado no título da presente edição (assim como
nas Lições de lingüística geral, que a sucederão) por ser apropriado, não como
referência aos múltiplos empregos dessa expressão no início do outro sécu-

1. F. de Saussure, Cours de linguistique générale, publicado por C. Bally e A. Sechehaye


com a colaboração de A. Riedlinger, Payot, Lausanne-Paris, 1916. [Curso de Linguística
Geral, publicado pela Editora Cultrix, São Paulo, 1969.]
2. "La notion de linguistique générale”, Antoine Meillet et la linguistique de son temps,
Histoire, Epistémologie, Langage, 8 lO-II, 1988.
12 Prefácio dos Editores

lo, mas para designar um conjunto de reflexões específicas no seio da pro­


dução intelectual do lingüista de Genebra.
O conjunto das reflexões saussurianas, que consideramos como lingüís­
tica geral, cobre, de fato, três campos do saber — que nao devem ser con­
fundidos com os três corpus textuais mencionados.
O primeiro campo é urna epistemologia (entendida aqui no sentido es­
trito de crítica de urna ciência). Essa epistemologia se inscreve nas condi­
ções de possibilidade de uma prática científica em que Saussure era um
especialista: a gramática comparada, incluindo, principalmente, o que se
chamava de fonética histórica.
O segundo campo de saber é o de uma especulação analítica (no sentido
das Analíticas aristotélicas) sobre a linguagem — estendendo-se, às vezes, à
questão mais geral dos sistemas de significação humanos —, especulação
que o próprio Saussure qualificou, diversas vezes, de filosófica: pode-se falar,
também, como ele mesmo chegou a fazer, de filosofia da linguagem.
O terceiro campo é o de uma reflexão prospectiva sobre uma disciplina.
Trata-se, no caso, de uma “epistemologia programática”, na medida em que
não é a análise das condições de possibilidade de uma ciência existente que
está em jogo, mas a aposta numa ciência futura. Este terceiro campo do
pensamento saussuriano é o que Bally e Sechehaye quiseram divulgar: é ele
que, depois do Cours, passou a ser, muitas vezes, associado exclusivamente
ao nome de Saussure.^
Mesmo que um tal destino não tivesse sido nefasto, cabe hoje, ao com­
parar os manuscritos e as anotações dos alunos com a vulgata consagrada
do Cours, apontar o maior alcance das meditações do genebrino — e de
observar, também, que seu programa científico é, ao mesmo tempo, menos
categórico que a sua tradução de 1916 e estabelecido sobre fundamentos
mais minuciosamente explicitados.
De seu caráter menos categórico, é testemunha uma observação como
esta: “A dificuldade que experimentamos para determinar o que é geral na
língua, nos signos de fala que constituem a língua, é a sensação de que esses
signos remetem a uma ciência muito mais vasta do que a ‘ciência da lingua­
gem’. Falou-se, um pouco prematuramente, de uma ciência da linguagem.”*
Ou, ainda, de uma maneira mais radical: “Há realidades psicológicas, há
realidades fonológicas, mas nenhuma das duas séries separadas seria capaz
de gerar o menor fato lingüístico. — Um fato lingüístico exige a união das

3. Sobre os três campos de saber da lingüística geral saussuriana, ver S. Bouquet,


Introduction à la lecture de Saussure, Payot, Paris, 1997. [Introdução à Leitura de Saussure,
Publicado pela Editora Cultrix, São Paulo, 1998.]
4. Cf. infra, p. 226.
Prefácio dos Editores 13

duas séries, mas uma união de um tipo particular — da qual seria absoluta­
mente inútil querer explorar, por um único instante, as características, ou
dizer, de antemão, o que ela será.” ^
Quanto à minuciosa fundamentação — epistemológica e filosófica — da
reflexão do mestre genebrino, ela corresponde precisamente aos dois estra­
tos de seu pensamento bastante negligenciados por seus “editores” (é as­
sim que se denominam, curiosamente, Bally e Sechehaye no prefácio do
livro que redigiram de ponta a ponta): são, esses dois estratos, uma
epistemologia da gramática comparada e uma filosofia da linguagem, ali­
mentadas — para esquematizar — a primeira pela épistémè do século XIX, a
segunda pela do século XVIII. É nesse horizonte retrospectivo que se pro­
grama a reorganização de uma ciência lingüística que deve tratar, em
sincronia, da face semântica da linguagem, tão rigorosamente quanto a gra­
mática comparada, em diacronia, de sua face fonológica.
Dessa perspectiva, a lingüística futura deveria recuperar, segundo
Saussure, os objetos tradicionais da morfologia, da lexicologia e da sintaxe
mas também, descobre-se hoje, os da retórica e da estilística. Essa lingüísti­
ca unificaria essas abordagens numa semiologia, isto é, numa gramática geral
de um novo tipo, que estuda seus objetos com base no princípio de
opositividade intra-sistêmica (chamado também de negatividade, diferença,
kénôme) e que os concebe como constituintes de uma mathesis lingüistica.
Já existia, em 1894, a tese das “Notas para um artigo sobre Whitney”:
“A diversidade sucessiva das combinações lingüísticas (ditas estados de lín­
gua) ocasionadas por acidente é, eminentemente, comparável à diversidade
das situações de uma partida de xadrez. Ora, cada uma dessas situações, ou
nada comporta, ou comporta uma descrição e uma apreciação matemáti­
ca.”*’ Quinze anos depois, o curso de lingüística geral de 1908—1909 reafir­
ma a mesma idéia: “Toda espécie de unidade lingüística representa uma
relação, e um fenômeno também é uma relação. Portanto, tudo é relação. As
unidades não são fônicas, elas são criadas pelo pensamento. Haverá apenas
termos complexos:

fy) (axb)

Todos os fenômenos são relações entre relações. Ou então falamos de


diferenças: tudo é apenas diferença usada como oposição, e a oposição dá o

5. Cf. infra, p. 93.


6. Cf. infra, pp. 177-178.
14 Prefácio dos Editores

v a l o r . E , novamente, o curso de 1910—1911: “ [Sobre] a palavra termo


empregada aqui. Os termos são as quantidades com as quais se opera: ter­
mos de uma operação matemática — ou: termos que têm um valor determi­
nado. Isso remete, neste sentido, à unidade lingüística.”®
A exemplo das poucas citações acima, o pensamento saussuriano, que
os textos originais nos fazem descobrir, é menos categórico do que o Cours
na medida em que confessa suas dúvidas sobre pontos cruciais e faz, dessas
mesmas dúvidas, a sua heurística, e ao mesmo tempo mais radical, na medi­
da em que se apresenta como uma batalha contra a falta de reflexão
epistemológica que caracteriza a lingüística: como a batalha pela renovação
dos conceitos fundamentais dessa ciência. Esses dois pólos mostram-se ca­
racterísticos das notas do curso e dos manuscritos, sustentando um pensa­
mento mais sutil, mais límpido, mais convincente do que o do Cours. No
livro de 1916, eles são como que esmagados e, até mesmo, sistematicamen­
te apagados.

A história editorial, que dá origem aos três corpus textuais menciona­


dos acima, continuou, todavia, ao longo do século XX, muito centrada no
Cours.
Em 1957, o título da obra de Robert Godel, que inaugura a era das pes­
quisas exegéticas saussurianas. Les Sources manuscrites du Cours de linguistique
générale de Ferdinand de Saussure^, é perfeitamente ambíguo com referência à
análise do corpus de manuscritos que recenseia: uma grande parte desse
corpus não serviu de fonte, com efeito, para Bally e Sechehaye na elaboração
de seu texto. O rótulo fontes, atribuído por Godel ao conjunto desses tex­
tos, de que ele faz a primeira apresentação completa, vai continuar relacio­
nado a eles e fazer com que vejam sua importância e sua dimensão original
implicitamente reduzidas, ainda que manifestem aspectos cruciais do pen­
samento saussuriano — particularmente de sua filosofia da linguagem.
Uma dezena de anos depois, a edição sinóptica das notas dos alunos e
dos textos manuscritos disponíveis, organizada por Rudolf Engler“ , foi con-

7. F. de Saussure, Cours de linguistique générale, edição crítica de R. Engler, tomo 1


(daqui em diante CLGE/1), Otto Harrassowitz, Wiesbaden, 1968, pp. 234-235 (índice
1964, 1968, 1963, colunas 2, 3, 5).
8. CLGE/1, p. 302 (índice 2121, coluna 5).
9. Droz, Genebra, 1957 (daqui em diante SM).
10. F. de Saussure, Cours de linguistique générale, edição crítica de R. Engler, tomo 1, op.
cit., e tomo 2: Apêndice, Notas de Ferdinand de Saussure sobre a lingiiística geral, Otto
Harrassowitz, Wiesbaden, 1974.
Prefácio dos Editores 15

cebida e consagrada como uma edição crítica do Cours de linguistique


générale; com isso, os textos originais apresentados nessa edição não fo­
ram, muitas vezes, considerados segundo sua própria lógica, mas com refe­
rência ao texto de 1916. E verdade que esses textos manuscritos, com algu­
mas exceções (aulas inaugurais de 1891, rascunho de um artigo sobre
Whitney de 1894), eram muito desiguais e fragmentários.
Além disso, só nos resta lamentar a perda do livro sobre lingiiística ge­
ral em que Saussure trabalhava, como ele mesmo admitiu a L. Gautier, um
dos alunos de seu último curso. Gautier anotou uma conversa particular —
do dia 6 de maio de 1911 — em que o professor lhe fala de seus escrúpulos,
a respeito do curso, de “expor o assunto em toda a sua complexidade e
confessar todas as (suas) dúvidas, o que não convém a um curso”, e fala
também de sua concepção da ciência da linguagem: “ (Eu tinha lhe perguntado
se ele tinha redigido suas idéias sobre esses assuntos.) — Sim, eu tenho anotações,
mas perdidas em pilhas, não conseguirla encontrá-las. (Eu insinuei que ele
deveria divulgar alguma coisa sobre esses assuntos.) — Seria absurdo recomeçar
as longas pesquisas para a publicação, quando eu tenho (ele fez um gesto)
tantos trabalhos não publicados.””
Um livro que reexaminasse os conceitos fundadores da ciência da lin­
guagem, ele já evocava nas aulas inaugurais de sua cadeira genebrina, em
1891: “Um dia, dizia ele, haverá um livro especial e muito interessante a
escrever sobre o papel da palavra como principal perturbador da ciência das
palavras.”” Ele ainda fazia o projeto desse livro em 1894 quando, escrevendo
a seu colega e amigo parisiense Antoine Meillet, afirmava estar a cada dia
mais consciente da "imensidão do trabalho necessário para mostrar ao lin­
güista 0 que ele faz” e se dizia acabrunhado pela “inépcia da terminologia cor­
rente, pela necessidade de reformá-la e de mostrar, com isso, que espécie de
objeto é a língua em geral”. E concluía: “Isso vai acabar, à minha revelia, num
livro onde, sem entusiasmo nem paixão, explicarei por que não há um único
termo empregado em lingüística ao qual eu atribua um sentido qualquer.” ”
Como, por outro lado, ele pensava que os problemas das palavras são, em
lingüística, problemas de coisas, é efetivamente a necessidade de uma refor­
ma fundamental da lingüística que se expressa nesse projeto de livro.
Ora, entre esse projeto (1891, 1894) e a admissão da existência de “notas perdi­
das em pilhas" (1911), Saussure parece, na verdade, ter redigido, além dos textos
fragmentários conhecidos até então, os esboços consistentes de um livro sobre a lin­
güística geral. E o que se evidencia, hoje, com a leitura do conjunto de manuscritos

11. C itado de SM , p. 30.


12. Cf. infra, p. 113.
13. C itado de SM, p. 31.
16 Prefácio dos Editores

descobertos em 1996 na estufa do hotel genebrino da família de Saussure, deposita­


dos na Biblioteca pública e universitária de Genebra e publicados no presente volume.
Pareceu-nos útil, na edição desses novos textos, agregar, no mesmo vo­
lume, o conjunto dos textos manuscritos de Saussure sobre a lingüística
geral, igualmente conservados na Biblioteca pública e universitária, integra­
dos na edição de Engler de 1968— 1974*"*. A apresentação desses textos,
chamados, em nosso sumário, de “Documentos antigos”, segue normas
filológicas muito diferentes das da edição precedente, homogeneizadas com
as dos textos novos’^.

Os documentos descobertos em 1996 (Acervo BPU 1996) foram rea­


grupados em diferentes partesf®
1- Sob o título “Da essência dupla da linguagem”, eles provêm, em sua
maioria, de um grande envelope que contém maços de folhas da mesma
natureza e do mesmo formato, sendo que várias delas trazem a menção:
“Da dupla essência da linguagem”, “Dupla essência” ou “Essência dupla
(da linguagem)”. Uma etiqueta com a menção “Ciência da linguagem” esta­
va colada nesse envelope.
2- Sob o título “Novos Item”, começando pela palavra Item, eles são
comparáveis aos textos que figuram no antigo acervo da Biblioteca pública e
universitária, editados aqui sob o título “Antigos Item”.
3- Sob o título “Outros escritos de lingüística geral: novos documen­
tos”, trata-se de textos que não nos pareceu adequado — ou possível —
integrar nas seções precedentes e nem na seguinte.
4- Sob o título “Notas preparatórias para o curso de lingüística geral:
novos documentos”, eles são classificáveis com as notas preparatórias que
figuram no antigo acervo da Biblioteca pública e universitária, editadas igual­
mente no presente volume.

Para o conjunto dos novos documentos, nós adotamos os seguintes prin­


cípios editoriais:

14. Para uma apresentação dos manuscritos, consultar o site na Internet do Instituto
Ferdinand de Saussure; www.institut-saussure.org
15. Sobre as hipóteses de datações relativas aos escritos da edição Engler de 1968—
1974, consultar: R. Engler, "The Notes on General Linguistics”, European Structuralism:
Saussure, Current Trends in Linguistics, vol. 13/2, 1975.
16. Esses documentos, que não estão definitivamente classificados na BPU, ainda não
têm um código.
Prefácio dos Editores 17

- Títulos: quando os documentos têm um título da autoria de Saussure,


esse título aparece sem colchetes; caso contrário, o título foi dado
pelos editores e figura entre colchetes.
- Ordem dos documentos: os documentos da presente edição foram orde­
nados pelos editores; os números de ordem (1, 2-, etc.) foram atribuí­
dos pelos editores.
- Organização do texto: o texto organizado respeita, ao máximo, o texto
do manuscrito, que continua sendo o de um rascunho e não o de um
livro acabado. As lacunas do manuscrito são transcritas por espaços
vazios entre colchetes. As leituras incertas são incluídas entre colche­
tes. Os sublinhados foram padronizados pelos editores: são transcri­
tos por caracteres itálicos. As maiusculas, como regra geral, foram
conservadas. A menção de palavras francesas ou estrangeiras é
indicada, de maneira padronizada, por caracteres itálicos. As mudan­
ças de linhas reproduzem, o mais fielmente possível, a lógica gráfica
do manuscrito. As passagens riscadas no manuscrito não foram
reproduzidas.
- Notas: as poucas notas de pé de página são dos editores.

Os antigos documentos (Edição Engler 1968—1974 e Acervo BPU) fo­


ram editados conforme os mesmos princípios filológicos dos novos docu­
mentos.
Para os que figuram nos dois tomos da edição de Engler de 1968—1974,
o número de índice dessa edição fica, em caracteres sobrescritos, antes da
passagem. (O leitor poderá, assim, se reportar a essa edição para se benefi­
ciar de seu aparato filológico.) Ao contrário dessa edição, eles são sempre
apresentados na seqüência natural do manuscrito. Sua ordem de classifica­
ção — com exceção dos “Antigos Item” e das “Notas preparatórias para o
curso de lingüística geral: novos documentos”, reagrupados com seus
homólogos dos novos documentos mas diferenciados desses últimos — e
seus títulos continuam os mesmos da edição de Engler.*^

17. Este trabalho editorial foi realizado graças a um subsídio do Fundo nacional suíço
da pesquisa científica. Os editores agradecem a: Antoinette Weil, por sua colaboração
preciosa durante todo o trabalho; Françoise Voisin-Atlani, Jacques Geninasca e François
Restíer, assim como à UMR 7597 do CNRS.
SOBRE A ESSENCIA DUPLA
DA LINGUAGEM
(Acervo BPU 1996)
1 Prefácio

Parece impossível, de fato. dar preeminência a tal ou tal verdade da lin­


güística, de maneira a fazer dela o ponto de partida central; mas há cinco ou
seis verdades fundamentais tão ligadas entre si que se pode partir indiferen­
temente de urna ou de outra que se chegará logicamente a todas as outras e
à mais ínfima ramificação das mesmas conseqüências, partindo de qualquer
uma dentre elas.
Por exemplo, dá para se contentar unicamente com este dado;
É errado (e impraticável) opor a forma e o sentido. O que é certo, em
troca, é opor afigura vocal, de um lado, e a forma-smtido de outro.
Com efeito, qualquer um que persiga rigorosamente esta idéia chega,
matematicamente, aos mesmos resultados do que aquele que parte de um
princípio aparentemente muito distante, como por exemplo;
Cabe distinguir, na língua, os fenômenos internos ou de consciência e os
fenômenos exremos, diretamente detectáveis.

2 a [Da essência dupla: Princípio "primeiro


e último" da dualidade]

Ao procurai: onde podería estar, deveras, o princípio primeiro e último


dessa dualidade incessante, que afeta até o mais ínfimo parágrafo de uma
gramática, sempre suscetível, fora redações inexatas, a receber duas fórmu­
las legítimas e absolutamente distintas, acreditamos que serâ preciso, final­
mente, voltar ainda à questão de saber o que constitui, em nome da essên­
cia da linguagem, uma identidade lingüística.
Uma identidade linguística que tem de absolutamente particular implicar
a associação de dois elementos heterogêneos. Se nos pedissem para deter-
22 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

minar a espécie química de urna barra de ferro, de ouro, de cobre, de um


lado e, em seguida, a espécie zoológica de um cavalo, de um boi, de um
carneiro, essas seriam duas tarefas fáceis. Mas se nos pedissem para deter­
minar que “espécie” representa o conjunto bizarro de uma barra de ferro
presa a um cavalo, de uma barra de ouro em cima de um boi ou de um
carneiro que ostenta um enfeite de cobre, nós ficaríamos espantados, achando
a tarefa absurda. E precisamente diante dessa tarefa absurda que é preciso
que o lingüista entenda que está, de repente e antes de tudo, colocado. Ele
tenta fugir, que nos seja permitida uma expressão realmente muito justa
neste caso, escapando pela tangente, isto é, classificando, como parece lógi­
co, as idéias, para considerar, em seguida, as formas, — ou, ao contrário, as
formas, para considerar, em seguida, as idéias; e, nos dois casos, ele ignora o
que constitui o objeto formal do seu estudo e de suas classificações, a saber,
exclusivamente, o ponto de junção dos dois domínios.
Os elementos principais, sobre os quais incidem a atividade e a atenção
do lingüista, não são, simplesmente, de um lado, elementos complexos, que é
um equívoco querer simplificar, mas, por outro lado, elementos destituídos,
em sua complexidade, de uma unidade natural, não comparáveis a um cor­
po químico simples e nem a uma combinação química, muito comparáveis,
em compensação, se assim se preferir, a uma mistura química tal qual a mis­
tura do azoto e do oxigênio no ar respirável; de maneira que o ar não é mais
ar se for retirado o azoto ou o oxigênio, que nada liga, no entanto, a massa
de azoto, espalhada no ar, à massa de oxigênio; que, em terceiro lugar, cada
um desses elementos só é passível de classificação diante de outros elemen­
tos da mesma ordem, mas que não se trata mais de ar quando se passa a
essa classificação e que, em quarto lugar, não é impossível classificar sua
mistura. São essas, ponto por ponto, as características do objeto principal
que o lingüista considera: a palavra não é mais a palavra se [ ]

Finalmente, se dirá que a comparação é grosseira na medida em que os


dois elementos do ar são materiais, enquanto que a dualidade da palavra
representa a dualidade do domínio físico e psicológico. Essa objeção apare­
ce, aqui, casualmente e quase sem importância para o fato lingüístico; nós a
apanhamos de passagem para declará-la nula e diretamente contrária a tudo
o que afirmamos. Os dois elementos do ar estão na ordem material e os dois
elementos da palavra estão, reciprocamente, na ordem espiritual; nosso ponto
de vista constante será dizer que, não apenas a significação, mas também o
signo, é um puro fato de consciência. (Em seguida, que a identidade lingüís­
tica no tempo é simples.)
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 23

2b Posição das identidades


Não se tem razão ao dizer: um fato de linguagem precisa ser considera­
do de vários pontos de vista; nem mesmo ao dizer; esse fato de linguagem
será, realmente, duas coisas diferentes, conforme o ponto de vista. Porque
se começa supondo que o fato de linguagem é dado fora do ponto de vista.
E preciso dizer: primordialmente, existem pontos de vista; senão, é sim­
plesmente impossível perceber um fato de linguagem.
A identidade que começamos a estabelecer, ora em nome de urna consi­
deração ora em nome de outra, entre dois termos, eles mesmos de natureza
variável, é absolutamente o único fato primeiro, o único/ato simples de onde
parte a investigação lingüística.

2c Natureza do objeto em lingüística


Será que a lingüística encontra diante de si, como objeto primeiro e
imediato, um objeto dado, um conjunto de coisas evidentes, como é o caso
da física, da química, da botánica, da astronomia, etc.?
De maneira alguma e em momento algum: ela se situa no extremo opos­
to das ciências que podem partir do dado dos sentidos.
Urna sucessão de sons vocais, por exemplo mer (m + e + r) é, talvez,
uma entidade que regressa ao domínio da acústica, ou da fisiologia; ela não
é, de jeito nenhum, nesse estado, uma entidade lingüística.
Uma língua existe se, à m -t e + r, se vincula uma idéia.
Dessa constatação, absolutamente banal, segue-se:
1“ que não há nenhuma entidade lingüística, que possa ser dada, que
seja dada imediatamente pelo sentido; nenhuma que exista fora da idéia que
lhe pode ser vinculada;
2° que não há nenhuma entidade lingüística, entre as que nos são dadas,
que seja simples porque, mesmo reduzida à sua mais simples expressão, ela
exige que se leve em conta, ao mesmo tempo, um signo e uma significação,
e que contestar essa dualidade ou esquecê-la equivale diretamente a privá-
la de sua existência lingüística, atirando-a, por exemplo, ao domínio dos
fatos físicos;
3® que, se a unidade de cada fato de linguagem resulta, já, de um fato
complexo que consiste da união de fatos, ela resulta, além disso, de uma
união de um gênero altamente particular: na medida em que não há nada
em comum, em essência, entre um signo e aquilo que ele significa;
4®que a empreitada de classificar os fatos de uma língua está, portanto,
diante deste problema: classificar os acoplamentos de objetos heterogêneos (sig-
nos-idéias) e não, como se é levado a supor, classificar objetos simples e
24 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

homogêneos, como seria o caso se fosse preciso classificar os signos ou as


idéias. Há duas gramáticas, das quais uma partiu da idéia, e outra do signo;
elas são falsas ou incompletas, todas as duas.

2d [Principio de dualismo]
o dualismo profundo que divide a linguagem não reside no dualismo do
som e da idéia, do fenómeno vocal e do fenómeno mental; essa é a maneira
fácil e perniciosa de concebê-lo. O dualismo reside na dualidade do fenóme­
no vocal COMO TAL e do fenómeno vocal COMO SIGNO — do fato físico
(objetivo) e do fato físico-mental (subjetivo), de maneira alguma do fato
“físico” do som por oposição ao fato “mental” da significação. Há um pri­
meiro domínio, interior, psíquico, onde existe o signo assim como a signifi­
cação, um indissoluvelmente ligado ao outro; há um segundo, exterior, onde
existe apenas o “signo” mas, nesse momento, o signo se reduz a urna suces­
são de ondas sonoras que merece de nós apenas o nome de figura vocal.

2e [Quatro pontos de vista]


I e II resultam da natureza dos próprios fatos da linguagem.

I. Ponto de vista do estado de língua em si mesmo,


— não difere do ponto de vista instantáneo,
— não difere do ponto de vista semiológico (ou do signo-idéia),
— não difere do ponto de vista da vontade anti-histórica,
— não difere do ponto de vista morfológico ou gramatical.
— não difere do ponto de vista dos elementos combinados.

(As identidades, nesse domínio, são fixadas pela relação da significação e


do signo, ou pela relação dos signos entre si, o que não é diferente.)

II. Ponto de vista das identidades transversais,


— não difere do ponto de vista diacrônico,
— não difere do ponto de vista fonético (ou da figura vocal separada da
idéia e separada da função de signo, o que é a mesma coisa em virtude de I),
— não difere, também, do ponto de vista dos elementos isolados.

(As identidades deste domínio são dadas, antes de tudo, necessariamen­


te, pelas do precedente; mas, depois disso, elas se tornam a segunda ordem de
identidades lingüísticas, irredutível à precedente.)
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 25

III e IV resultam das maneiras legítimas de considerar:


III. Ponto de vista ANACRÓNICO, artificial, intencional e puramente di­
dático, da PROJEÇÃO de urna morfologia (ou de um “estado de língua anti­
ga”) sobre uma morfologia (ou sobre um outro estado de língua posterior).

(O meio, com a ajuda do qual pode se operar essa projeção, é a conside­


ração das identidades transversais, II, combinada à consideração morfológica
do primeiro estado conforme I);
— não diferindo do ponto de vista ANACRÓNICO RETROSPECTIVO,
esse ponto de vista é o ponto de vista ETIMOLÓGICO, que compreende
outras coisas além do que se chama, comumente, de etimologia. Uma de
suas características, com relação a IV, é de não levar em conta a época B em
si mesma.

IV. Ponto de vista HISTÓRICO da fixação de dois estados de língua su­


cessivos, tomados cada qual em si mesmo, em primeiro lugar, e sem subor­
dinação de um ao outro, seguida da explicação.

Desses quatro pontos de vista legítimos (além dos quais nós admiti­
mos nada reconhecer), quase que só o segundo e o terceiro são cultivados.
De fato, o quarto só podería sê-lo, proveitosamente, no dia em que o pri­
meiro [ ]
Em compensação, é vivamente cultivada a confusão lamentável desses
diferentes pontos de vista, até mesmo nas obras que ostentam as mais altas
pretensões científicas. Há, certamente, com muita freqüência, uma verda­
deira ausência de reflexão por parte dos autores. Mas acrescentemos, ime­
diatamente, uma profissão de fé: assim como estamos convencidos, com ou
sem razão, de que por fim será preciso tudo reduzir, teoricamente, aos nos­
sos quatro pontos de vista legítimos, que repousam sobre dois pontos de
vista necessários, assim também duvidamos de que alguma vez seja possí­
vel estabelecer, com pureza, a quádrupla ou, ao menos, a dupla terminolo­
gia que seria necessária.

3a [Abordar o objeto]
Quem se coloca diante do objeto complexo que é a linguagem, para fa­
zer seu estudo, abordará necessariamente esse objeto por tal ou tal lado,
que jamais será toda a linguagem, supondo-se que seja muito bem escolhi­
do, e que, se não for tão bem escolhido, pode nem ser de ordem lingüística
ou representar, depois, uma confusão inadmissível.
26 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

Ora, há de primordial e inerente à natureza da linguagem o fato de que,


por qualquer lado que se tentar abordá-la — justificável ou não — não se
poderá jamais descobrir, aí, indivíduos, ou seja, seres (ou quantidades) de­
terminados em si mesmos sobre os quais se opera, depois, uma generaliza­
ção. Mas há, ANTES DE TUDO, a generalização e nada há além dela: ora,
como a generalização supõe um ponto de vista que serve de critério, as pri­
meiras e mais irredutíveis entidades com que pode se ocupar o lingüista já
são o produto de uma operação latente do espírito. Resulta daí, imediata­
mente, que toda a lingüística se resume não [ ] mas, materialmente, à
discussão dos pontos de vista legítimos: sem o que não há objeto.

Exemplo. Se eu preferir, para entrar no estudo da linguagem, o procedi­


mento de simplificação máxima, que consiste em supor que a linguagem
seja uma sucessão [ ]

3 b [Lingüística e fonética]
o erro incessante e sutil de todas as distinções lingüísticas é acreditar
que, ao falar de um objeto de um certo ponto de vista, se está, por isso, no
referido ponto de vista; em nove entre dez casos, a verdade é justamente o
contrário, por uma razão muito simples:
Lembremos, com efeito, que o objeto da lingüística não existe para co­
meçar, não é determinado em si mesmo. Daí, falar de um objeto, nomear um
objeto, nada mais é do que recorrer a um ponto de vista A determinado.
Depois de ter denominado um certo objeto, abandonado o ponto de
vista A, que não tem existência absolutamente a não ser na ordem A, e que
não seria mesmo uma coisa delimitada fora da ordem A, é permitido, talvez
(em certos casos), ver como se apresenta esse objeto da ordem A, visto
segundo B.
Nesse momento se está no ponto de vista A ou no ponto de vista B? Regularmen­
te, será respondido que se está no ponto de vista B; é que se cedeu, mais uma
vez, à ilusão de seres lingüísticos que levam uma existência independente. A
mais difícil de captar, mas a mais benéfica das verdades lingüísticas, é com­
preender que, nesse momento, não se deixou, ao contrário, de estar funda­
mentalmente no ponto de vista A, pelo simples fato de que se faz uso de um
termo da ordem A, cuja noção, ela mesma, nos escaparia segundo B.
Assim, muitos lingüistas pensam ter se situado no terreno psicológico-
acústico ao fazer abstração do sentido da palavra para considerar seus ele­
mentos vocais, dizendo que a palavra champ, do ponto de vista vocal, é idên­
tica à palavra chant, dizendo que a palavra comporta uma parte vocal que se
vai considerar, mais uma outra parte, etc. Mas de onde se supõe, antes de
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 27

tudo, que há urna palavra, que deverá ser considerada, depois, de diferentes
pontos de vista?
Só se obtém essa idéia, ela mesma, de um determinado ponto de vista,
porque, para mim, é impossível ver que a palavra, em meio a todos os usos
que dela se faz, seja algo dado, que se imponha a mim como a percepção de
uma cor.
O fato é que, quando se fala da palavra a, da palavra b ou, simplesmente,
da palavra, fica-se, fundamentalmente, no dado MORFOLÓGICO, a despei­
to de todos os pontos de vista que se pretenda introduzir, já que a palavra é
uma distinção que vem da ordem das idéias morfológicas e já que não há
distinções lingüísticas independentes.

A que título essa distinção morfológica da palavra interviria como a uni­


dade dada numa discussão fisiológica-acústica, embora convenha destruir
imediatamente [ ]

É assim que não se deixa, em lingüística, de considerar, na ordem B,


objetos a que existem segundo A, mas não segundo B; na ordem A, os obje­
tos b, que existem segundo B mas não segundo A, etc.
Para cada ordem, com efeito, sente-se a necessidade de determinar o
objeto; e, para determiná-lo, recorre-se, maquinalmente, a uma segunda
ordem qualquer, porque não há outro meio disponível na ausência total de
entidades concretas: eternamente, então, o gramático, ou o lingüista, nos
dá, por entidade concreta, e por entidade absoluta que serve de base para
suas operações, a entidade abstrata e relativa que ele acaba de inventar em
um capítulo anterior.
Imenso círculo vicioso, que só pode ser rompido substituindo-se, de
uma vez por todas, em lingüística, pela discussão dos pontos de vista, a dos
“fatos”, porque não há o menor traço de fato lingüístico, nem a menor possi­
bilidade de perceber ou de determinar um fato lingüístico fora da adoção
anterior de um ponto de vista.

3c [Presença e correlação de sons]


A presença de um som, numa língua, é o que se pode imaginar de mais
irredutível como elemento de sua estrutura. E fácil mostrar que a presença
desse som determinado só tem valor por oposição com outros sons presen­
tes; e é essa a primeira aplicação rudimentar, mas já incontestável, do prin­
cípio das OPOSIÇÕES, ou dos VALORES RECÍPROCOS, ou das QUANTI­
DADES NEGATIVAS e RELATIVAS que criam um estado de língua.
28 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

A presença de urna correlação percebida entre dois sons (ainda destituída de


toda significação propriamente dita) — por exemplo, em alemão, a correla­
ção entre ch velar, depois de a, o, u (wachen), e ch palatal depois de e, i, ü
(nichts), que é percebida pela língua — oferece o segundo grau de OPOSI­
ÇÃO, já perfeitamente claro em sua essência relativa.
A presença de uma correlação percebida entre dois sons, à qual começa a se juntar
uma diferença de [ ]

Presença de um fonema = sua oposição com os outros fonemas presentes,


ou seu valor com relação a eles.
Correlação de dois sons (sem “significação”) = sua oposição mútua, seu
valor, um com relação ao outro.
Correlação de dois fonemas com correlação de “significações” diferentes =
sempre simplesmente seu valor recíproco. E aqui que se começa a entrever a
identidade da significação e do valor.
Depois disso: o que fizemos? Nós partimos do elemento fonológico como
de uma unidade morfológica que adquire, sucessivamente, diferentes fun­
ções, mas em nenhum momento, um som, em si mesmo, é dado como uni­
dade morfológica.
Na análise morfológica (instantânea, etc.) não há nenhuma razão para
dividir as formas — em última análise, assim entendo — precisamente por
fonemas, ou seja, segundo os resultados da análise/onoZógíca.
Por exemplo, se num estado de língua, o fonema z só se apresenta segui­
do de e, não é morfológico distinguir -z-, mas distinguir apenas -ze-, que
parece, nesse estado de língua, um elemento não redutível, da mesma maneira
que o seria, por exemplo, p (supondo-se, naturalmente, que p, por sua vez,
esteja em outras condições).
(Esse princípio encontra, em seguida, uma singular verificação no fato
de que a alternância ç/o = alternância op/ep, etc.)

3d [Domínio fisiológico-acústico da figura vocal]

Domínio fisiológico-acústico (não lingüístico)


da figura vocal (que se impõe como igual a si mesma,
independentemente de toda língua)

Em primeiro lugar, não apenas nenhuma espécie de indivíduo determi­


nado em si mesmo, mas nenhuma espécie de unidade é dada naturalmente.
Como se procederá para estabelecer as unidades?
As unidades possíveis e a unidade absoluta = Identidade.
Há duas ordens de unidades possíveis:
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 29

— as que resultam do recorte, racional ou não, da cadeia sonora, ou


sintagma, em diferentes frações que serão as unidades do mesmo corpo
concreto;
— as que resultam da classificação das unidades da primeira ordem com
relação às outras unidades da mesma ordem, separadas de outros sintagmas,
e declaradas semelhantes graças a tal ou tal característica: obtém-se, assim,
uma unidade abstrata, mas que pode passar por unidade pela mesma razão,
ao menos, que as precedentes.
Em nenhuma dessas duas séries, as unidades obtidas são mais do que
uma.

Todo o trabalho do lingüista que pretende compreender, metodicamen­


te, o objeto que estuda, se reduz à operação extremamente difícil e delicada
da definição das unidades.
Na linguagem, seja ela abordada pelo lado que for, não há indivíduos
delimitados e determinados em si, e que se apresentem necessariamente à
atenção. (Quando se supõe o contrário, como é natural à primeira vista,
percebe-se logo que nada se fez além de isolar, arbitrariamente e sem méto­
do, este ou aquele fato, unido, na realidade, a uma multidão de outros, sem
que seja possível dizer por que, dentre a massa, acreditou-se ter autoridade
para fazer essa ou aquela demarcação específica.)
Ora, é necessário, entretanto, saber sobre quais [ ]

3e Observações sobre as guturais palatais


do ponto de vista fisiológico e acústico

Primeiramente. Do ponto de vista fisiológico ou mecânico, há paralelismo


completo entre uma gutural palatal e uma gutural mediana ou velar.
O ponto de articulação é situado mais adiante, eis tudo.
Mas é preciso reconhecer, pelo menos na minha opinião, que a gutural
palatal, por motivos que eu não indago, dá, acústicamente, a impressão de
um som duplo: E. Há, ali, um elemento totalmente particular e que pode
levar mesmo a se negar que a gutural palatal seja uma espécie determinada,
no sentido de que ela seria um grupo de dois sons, não um som e, por conse­
guinte, que ela só poderla ser classificada com relação a outros grupos, mas
não com relação a um som simples.
Eu suprimo esta segunda consideração; eu me atenho ao ponto de vista
fisiológico e admito, então, que fej, apesar de seu duplo som, é diretamente
comparável a ^2, é um elemento simples.
Segunda observação. Sobre o mau uso do termo palatais. Quando se dá o
nome de palatais aos grupos ts e dz que existem em muitas línguas, por
30 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

exemplo em italiano cenere, generoso, se faz um mau uso completo desses


termos.
Os grupos ts, dz, que implicam uma sucessão de sons, não devem rece­
ber nenhum nome, nem o de palatais, nem outro que fosse proposto.
Porque um grupo de sons não podería ser uma espécie. Se considero o
grupo kr, eu determino de que espécie é fe e de que espécie é r; mas eu não
devo fazer, do conjunto kr, uma espécie. Da mesma forma, ts e dz não
existem em si mesmos. Existe t -I- s e d -I- z.
Terceira observação. Mas como, cem vezes na história das línguas, acon­
teceu que “o som simples k, (k palatal) produziu, na seqüência, o grupo
ts" e que a mesma letra, considerada com alguns séculos de distância,
designa antes o som fej, mais tarde o som ts, não se deve ter ilusões sobre
as dificuldades de se evitar, na prática, a aplicação do nome palatais para
os grupos ts, dz. Ao menos, ficará bem entendido que há aí um emprego
convencional e abusivo; e um sentido da palavra palatal completamente
diferente daquele a que recorremos ao falar do k, indo-europeu.

3 f [Valor, sentido, significação...]


Nós não estabelecemos nenhuma diferença séria entre os termos va­
lor, sentido, significação, função ou emprego de uma forma, nem mesmo com
a idéia como conteúdo de uma forma; esses termos são sinônimos. Entre­
tanto, é preciso reconhecer que valor exprime, melhor do que qualquer
ou-tra palavra, a essência do fato, que é também a essência da língua, a
saber, que uma forma não significa, mas vale: esse é o ponto cardeal. Ela
vale, por conseguinte ela implica a existência de outros valores.
Ora, no momento em que se fala de valores em geral, em vez de se
falar, ao acaso, do valor de uma forma (que depende absolutamente dos
valores gerais), percebe-se que é a mesma coisa colocar-se no mundo dos
signos ou no das significações, que não há o menor limite definível entre
o que as formas valem em virtude de sua diferença recíproca e material, e
aquilo que elas valem em virtude do sentido que nós atribuímos a essas
diferenças. E uma disputa de palavras.

3g [Valor e formas]
o sentido de cada forma, em particular, é a mesma coisa que a diferença das
formas entre si. Sentido = valor diferente.
Contudo, a diferença das formas entre si não pode ser estabelecida.

Nunca é demais repetir que os valores dos quais se compõe primordial­


mente um sistema de língua (um sistema morfológico), um sistema de si-
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 31

nais, não consistem nem nas formas nem nos sentidos, nem nos signos nem
nas significações. Eles consistem na solução particular de uma certa relação
geral entre os signos e as significações, estabelecida sobre a diferença geral
dos signos mais a diferença geral das significações mais a atribuição anterior
de certas significações a certos signos ou reciprocamente.

Há, então, antes de tudo, valores morfológicos: que não são idéias e tam­
bém não são formas.

Secundariamente, para que uma FORMA exista, como forma, e não como
figura vocal, há duas condições constantes, embora, em última análise, es­
sas duas condições acabem por formar uma só:
P que essa forma não seja separada de sua oposição com outras formas
simultâneas;
2- que essa forma não seja separada de seu sentido.
As duas condições tanto são as mesmas que, na realidade, não se pode
falar de formas opostas sem supor que a oposição resulta do sentido, assim
como da forma.

Não se pode definir o que é uma. forma com a ajuda da figura vocal que
ela representa — e também não com a ajuda do sentido que contém essa
figura vocal. Fica-se obrigado a colocar, como fato primordial, o fato GE­
RAL, COMPLEXO e composto de DOIS FATOS NEGATIVOS: da diferença
geral das figuras vocais associada à diferença geral dos sentidos que se pode
atribuir a elas.

4 a [Fonética e morfologia, 1 ]
(Brouillon) (Idéia)
Para uma regra como o p (çürêpa) sánscrito, o elemento ativo e passivo
não coincide habitualmente com a fronteira de dois elementos morfológicos,
ao passo que esse é o caso, muitas vezes, para uma regra como s > f depois
de fe r e vogal que não seja ã/ã . Assim, agnisu vãksu contra latãsu, vaksyãmi
contra tapsyãmi.
Então, dentre essas duas regras, que são exatamente da mesma ordem,
da segunda se faz uma regra de samdhi interior e, da outra, não se sabe o que
fazer.
O fato de se chamar vãk-su samdhi interior é a mais excelente prova de
que se procede (forçosamente) segundo elementos morfológicos e não fo­
néticos.
32 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

4b [Fonética e morfología, 2 ]
Urna regra como a de so’pi, e sah sa uvãca (apesar de sa tu, sa bhavati) deve
figurar, como exceção, na regra do “s final”? Ou será que ela diz respeito à
morfologia da palavra sa? É impossível dizer porque a primeira regra do “s
final” é, ela mesma, morfológica e não fonética. A regra do "s final” se baseia
apenas na unidade da forma afvas (açvah, açvõ, etc.), ou bha-ramas, unidade
de forma que depende, ela mesma, diretamente do sentido.

Quando se tira dessa unidade de forma, urna vez estabelecida pelo senti­
do, um fato material que parece constante, como -ah antes de surdo = -õ
antes de sonoro, é absolutamente impossível determinar o valor desse fato
em si, ou o grau de necessidade e de constância com que ele se apresenta.
Ou seja, depois de partir da forma significativa para separar esse fato, nós
ficamos, até o fim, sem outro pólo além dessa forma significativa: quando
estivermos diante de sõ’pi sa bhavati, que não concorda com açvõ’pi, açvõbhavati,
nada há a observar, a não ser que o conjunto de manifestações da palavra sa
não coincide com o conjunto da palavra afva, sem que uma seja mais regular,
em princípio, do que a outra, visto que nenhuma das duas coisas pretende
ser racional.
Agora, formulando-se a regra com relação ao s indo-europeu, se obterá
[ ], mas isso pertence à etimologia, operação complicada que se situa
fora da língua em si.

5 a [Som e sentido]
As alternâncias são as diferenças vocais (não fonéticas) que existem, ao
mesmo tempo, entre formas que se julga representar, a um título qualquer,
uma unidade morfológica — mais ou menos extensa, mas com a exceção da
unidade última, que é a identidade morfológica.
Continuando no domínio morfológico, falamos ora da identidade de sen­
tido, ora da identidade de valor, ora da identidade de emprego, ora da iden­
tidade de forma. Nenhuma dessas expressões tem um sentido quando não
se subentende a identidade de sentido, de valor, de emprego, segundo a
forma una ou diversa — e, reciprocamente, identidade de forma segundo o
sentido, o valor ou o emprego uno ou diverso. Ora, o todo é solidário. En­
tão, não se pode falar, em morfologia, diretamente, de identidade, conside­
rando apenas a forma ou o sentido.
Todo o estudo de uma língua como sistema, ou seja, de uma morfologia,
se resume, como se preferir, no estudo do emprego das formas ou no da repre­
sentação das idéias. O errado é pensar que há, em algum lugar, formas (que
existem por si mesmas, fora de seu emprego) ou, em algum lugar, idéias (que
existem por si mesmas, fora de sua representação).
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 33

Admitir a forma fora de seu emprego é cair na. figura vocal que pertence à
fisiología e à acústica. É, além disso, mais imediatamente, entrar em contra­
dição consigo mesmo porque há muitas formas idénticas de som e que nem
se sonha em abordar, o que é a melhor prova da perfeita inanidade do ser
forma fora de seu emprego.

Não há nenhuma outra identidade no domínio morfológico além da iden­


tidade de uma forma na identidade de seus empregos (ou a identidade de
uma idéia na identidade de sua representação). A IDENTIDADE MOR­
FOLÓGICA, seria inútil disfarçar, é, portanto, uma noção excessivamente
complexa.

5b [Identidade — Entidades]
§ 1. A identidade na ordem vocal

Quando eu abro duas vezes, três vezes, quinhentas vezes, a boca, para
pronunciar aka, a questão de saber se o que pronuncio pode ser considerado
idêntico ou não-idêntico depende de um exame.

5 2. As entidades da ordem vocal

É imediatamente visível que as entidades da ordem vocal ou consistem


na identidade que acabamos de considerar, por conseguinte num fato per-
feitamente abstrato, ou em nada consistem e não estão em parte alguma.
Os fatos de fala, tomados em si mesmos, que por si sós certamente são
concretos, se vêem condenados a não significar absolutamente nada, a não
ser por sua identidade ou não-identidade. O fato, por exemplo, de aka ser
pronunciada por uma pessoa, num certo lugar e num certo momento, ou o
fato de mil pessoas, em mil lugares e em mil momentos, emitirem a suces­
são de sons aka, é, absolutamente, o único fato dado: mas não é menos
verdade que só o fato ABSTRATO, a identidade acústica desses aka, forma sozi­
nho a entidade acústica aka: e que não há um objeto primeiro a ser procurado,
mais tangível do que esse primeiro objeto abstrato.
(Acontece a mesma coisa, por outro lado, com qualquer entidade acústi­
ca, porque ela é submetida ao tempo; 1- leva um tempo para se realizar e 2-
cai no nada depois desse tempo. Por exemplo, uma composição musical,
comparada a uma mesa. Onde é que existe uma composição musical? É a
mesma questão de saber onde existe aka. Na verdade, essa composição só
existe quando é executada; mas considerar essa execução como sua existên­
cia é falso. Sua existência é a identidade das execuções.)
34 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

S 3. As entidades da ordem vocal


são entidades lingüísticas?

Para resolver essa questão, é preciso se perguntar o que é urna entidade


vocal; foi visto que ela consiste na identidade de dois fatos vocais.
A identidade de dois fatos vocais é subordinada à presença de uma lín­
gua?
Não. Fora de toda linguagem humana, aka é igual a ãka e, sendo dada a
língua humana, aka, em uma língua, é igual a aka em outra. Se há diferença
é porque as entidades vocais foram separadas muito grosseiramente e por­
que aí cabe estabelecer duas onde não se via senão uma.
Por conseguinte, as entidades da ordem vocal não são entidades lingüís­
ticas.

§ 4. Observações sobre os parágrafos precedentes

Sobre o § 2. Tomar a língua pelo lado do fenômeno vocal é, certamente, a


maneira mais simples de abordá-la, a tal ponto que, na realidade, como
resulta do § 3, nem chega a ser uma maneira de abordá-la; ora, admitindo
mesmo assim esse procedimento, é extremamente evidente que, à primeira
vista, é impossível refletir sobre os INDIVÍDUOS dados, para, em seguida,
generalizar; que, ao contrário, em lingüística, é preciso começar generalizando
para se obter qualquer coisa que faça as vezes do que é, alhures, o indivíduo.

5c [Identidade — Marcha das idéias]


A noção de identidade será, em todas essas ordens, a base necessária, a
que serve de base absoluta: é só por ela e com relação a ela que se chega a
determinar, depois, as entidades de cada ordem, os termos primeiros que o
lingüista pode, legitimamente, acreditar ter diante de si.

(Ordem vocal) Marcha das idéias

Tudo o que é considerado idêntico forma, por oposição ao que não é


idêntico, um termo finito, que ainda não é definido e que pode ser qualquer
um, por exemplo, um termo complicado akarna, etc., mas que representa,
pela primeira vez, um objeto cognoscível, enquanto que a observação dos
fatos vocais particulares, fora da consideração de identidade, não descobre
nenhum objeto.
Sendo assim constituído e reconhecido, em nome de uma identidade
que nós estabelecemos, um determinado ser vocal, depois milhares de ou­
tros que são obtidos graças ao mesmo princípio, pode-se começar a classifi-
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 35

car os esquemas de identidade de todo tipo que tomamos, e somos obriga­


dos a tomar, por fatos primeiros particulares e concretos, embora, em sua
diversidade infinita, eles sejam, cada um, apenas o resultado de urna vasta
operação anterior de generalização.
Não é possível se limitar a subentender essa grande operação funda­
mental? Não é, desde o inicio, evidente que, quando se fala de um grupo
pata, por exemplo, quer-se referir à generalidade de casos em que um grupo
pata é efetivamente pronunciado? E que há, então, apenas um interesse su­
til em lembrar que essa entidade repousa, anteriormente e essencialmente,
sobre urna identidade?
Vai-se ver, a seguir, que não se pode substituir impunemente, de urna só
vez, entidades abstratas pelo fato da identidade de certos fatos concretos:
porque nós trataremos de outras entidades abstratas e porque o único polo
em meio a [ ] será a identidade ou a não-identidade.

6 a [Reflexão sobre as operações do lingüista]


Nós diferimos, desde o principio, dos teóricos que pensam que se trata
de apresentar urna idéia dos fenómenos da linguagem ou daqueles, já mais
raros, que procuram situar as operações do lingüista em meio a esses fenô­
menos. Nosso ponto de vista é, com efeito, que o conhecimento de um
fenómeno ou de urna operação do espirito supõe, antes, a definição de um
termo qualquer; não a definição ocasional que se pode sempre dar de um
termo relativo com relação a outros termos relativos, girando eternamente
num círculo vicioso, mas a definição conseqüente que parte, num ponto
qualquer, de urna base não digo absoluta, mas escolhida expressamente como
base irredutível para nós, e central de todo o sistema.
Imaginar que se pode prescindir, em lingüística, dessa salutar lógica
matemática, sob o pretexto de que a língua é urna coisa concreta que “vem
a ser" e não uma coisa abstrata que “é”, é, segundo creio, um erro profundo,
inspirado, no inicio, pelas tendências inatas do espirito germánico.

Nós acreditamos que o objetivo principal não seria estabelecer o que se


passa entre diferentes termos de estados lingüísticos; mas constatar que es­
ses termos são literalmente destituidos de qualquer definição, que nem sabe­
mos se existem ou em que sentido existem, que talvez se uniu um termo.

6b [Morfologia — Estado de língua]


Num estado de língua dado, não há nem regra fonética, nem fonética de
qualquer espécie. Não há nada além da morfologia em diferentes graus, que
36 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

não são, provavelmente, separáveis por uma linha de demarcação qualquer:


de tal maneira que uma regra de “sintaxe” que determina em que casos se
emprega o perfeito — ou uma regra “morfológica” (no sentido estrito), que
determina qual é a forma do perfeito — ou uma regra supostamente “foné­
tica”, que determina em que casos uma vogal é elidida, ou em que caso um
7t é substituído por um cp — pertencem, graças a uma ligação profunda e
indestrutível, à MESMA ORDEM DE FATOS: saber ojogo dos signos, em meio
às suas diferenças, num momento dado. E completamente ilusório querer isolar,
desse jogo de signos, de um lado as significações (sintaxe, etc.), aquilo que
representa simplesmente a diferença ou a coincidência das idéias segundo os
signos.
De outro lado, as formas (o que significa simplesmente a diferença ou a
coincidência dos signos segundo as idéias).
Enfim, os elementos vocais do signo, o que significa a diferença ou a
coincidência desses elementos vocais segundo as formas — ou seja, segundo
os signos diversos — ou seja, segundo as significações diversas.

Retornemos à fonética...

6c [Forma]
Quem diz FORMA diz quatro coisas de que se esquece, de todas as qua­
tro, e esse ponto é fundamental:
P Quem diz forma diz, primordialmente, diversidade deforma: senão, não
há nem mesmo uma base qualquer, certa ou errada, suficiente ou insufici­
ente, para se pensar, por um instante sequer, sobre 3. forma;
2- Quem diz forma diz, portanto, pluralidade deformas: sem o que a dife­
rença, que se encontra na base da existência de uma forma, não é mais pos­
sível.
3- Quem diz forma, ou seja, diferença numa pluralidade [ ]
Forma implica: DIFERENÇA: PLURALIDADE [SISTEMA?]. SIMULTA-
NEIDADE. VALOR SIGNIFICATIVO.

Em resumo:
FORMA = Não uma certa entidade positiva de uma ordem qualquer, e
de uma ordem simples; mas a entidade ao mesmo tempo negativa e complexa:
que resulta (sem nenhuma espécie de base material) da diferença com outras
formas, COMBINADA à diferença de significação de outras formas.
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 37

6d [Indiferença e Diferença]
Outra definição de forma:

Forma = elemento de urna alternância


Alternância = coexistência (cf. observação sobre existir) de signos diferen­
tes, sejam equivalentes ou sejam, ao contrário, opostos em sua significação.

Indiferença e Diferença

A esfera das coisas que podem, indiferentemente, ser tomadas uma pela
outra é, de fato, absolutamente restrita; mas ela tem, teoricamente, uma
importância capital,
Por exemplo, NA PALAVRA (não é preciso considerar a língua) courage,
é, de fato, completamente indiferente, em francês, pronunciar courir com r
grasseyé non roulé, ou com r grasseyé roulé, ou com r dental (roulé ou não).
Esses sons constituem, no entanto, espécies perfeitamente distintas e, em
alguma outra língua, o abismo poderia ser mais intransponível entre este r e
aquele r, do que entre um K e um [g]. Reciprocamente, em francês [ ]
Nós tiramos daí, de maneira geral, que a língua repousa sobre um certo
número de diferenças ou de aposições que ela reconhece, sem se preocupar es­
sencialmente com o valor absoluto dos termos opostos, que poderá variar
consideravelmente, sem que o estado de língua seja destruído.
A latitude que existe no seio de um valor reconhecido pode ser denomi­
nada “flutuação”. Em todo estado de língua se encontra flutuações. Assim,
tomando um exemplo ao acaso, em gótico, o grupo ij + vogal é equivalente
ao grupo í + vogal (sijai “que seja” ou siai, frijana “liberum” ou friana, sem
diferença), mas, num dialeto próximo, a diferença ija-ia pode ter uma im­
portância absoluta, isto é, representar dois valores e não um só.

P Um signo só existe em virtude de sua significação; 2- uma significa­


ção só existe em virtude de seu signo; 3® signos e significações só existem
em virtude da diferença dos signos.

6e [Forma — Figura vocal]


Uma forma é uma figura vocal que, na consciência dos sujeitos falantes,
é determinada, ou seja, é ao mesmo tempo existente e delimitada. Ela não é
nada mais; assim como não é nada menos. Ela não tem, necessariamente,
“um sentido" preciso; mas ela é percebida como alguma coisa que é; que,
além disso, não seria mais, ou não seria mais a mesma coisa, caso se modi­
fique o que quer que seja em sua exata configuração.
38 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

(Eu duvido que se possa definir a forma com relação à “figura vocal”, é
preciso partir do dado semiológico.)

(Nota) — Observa-se, pondo-se no ponto de vista do moralista, que se


palavras como crime, paixão, virtude, vício, mentira, dissimulação, hipocrisia, ho­
nestidade, desprezo, estima, sinceridade são relegadas, lingüísticamente, a sim­
ples categorias negativas e passageiras, há, neste caso, uma verdadeira imo­
ralidade na lingüística ou na língua. Se essa imoralidade fosse um fato
comprovável, eu negaria, certamente, a quem quer que fosse, o direito de
ocultar que a língua é imoral ou de se furtar à constatação de um fato sob o
pretexto de que esse fato nos ofende. Mas eu não vejo em que a moral é
mais prejudicada do que qualquer outra ramificação do pensamento pelo
inconveniente fundamental que jamais se suprimirá da língua.
Esse inconveniente, nós o apontamos como todos os outros pesquisa­
dores: não há um único objeto material, nós vimos, ao qual se aplique exa­
tamente e exclusivamente uma palavra; isso não suprime a existência des­
ses objetos materiais. Da mesma forma, não há um único fato moral que se
possa, exatamente e exclusivamente, encerrar em um determinado termo;
mas isso não ameaça, nem por um instante, a existência desses fatos mo­
rais. O que pode ser proposto, como uma questão digna de exame, é em que
medida a palavra corresponde a um fato moral determinado, assim como se
é obrigado a pesquisar em que medida a idéia de sombra, por exemplo,
corresponde a um fato material determinado. As duas séries de investigação
não dependem mais da lingüística. Eu acrescentaria, sem sair do domínio
lingüístico, que o fato moral, que existe graças à consciência imediata que
dele temos, é provavelmente infinitamente mais importante, como fator da
língua, do que o fato material, que só chega indiretamente, e de maneira
muito incompleta, ao nosso conhecimento.

Uma figura vocal se torna uma forma a partir do instante crucial em que
é introduzida no jogo de signos que se chama língua, da mesma maneira
que um pedaço de pano, jogado no fundo do navio, se torna um sinal no ins­
tante em que é içado 1- entre outros signos içados no mesmo momento e
que contribuem para uma significação; 2- entre cem outros que poderíam ser
içados, e cuja lembrança não contribui menos para a [ ]

Como decidir, procurando ficar no lado mais material das coisas que
possa considerar o morfologista, como decidir:
(I) se ècpTjv é uma forma de aoristo comparável a èpriv, se há formações de
aoristo como E(pr|v a menos que se evoque imediatamente o sentido: 1- senti­
do geral de aoristo; 2- o sentido particular contido em Êcprjv que faz com que
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 39

essa forma não seja um imperfeito como èôeíxvuv mas um aoristo, como
ePriv, semelhante ao sentido geral de aoristo, se ele for bem descrito.
Mas (II), de onde tiramos, agora, o sentido de aoristo, sem o qual seria
impossível, acabamos de ver, classificar as formas? Nós o tiramos, única e
puramente, dessas mesmas formas: seria impossível separar uma idéia qual­
quer que pudesse ser denominada aoristo se não existisse, na forma, alguma
coisa em particular.
Ora (III), como se percebe imediatamente, essa particularidade da for­
ma consiste justamente no fato tão absolutamente negativo quanto possível da
oposição ou da diferença com outras formas: assim, èÕEi^a é diferente de
èSeíxvuv, de SEÍxvugí e de ôeí^co; — EA,utou é diferente de eàeitiou, de ou
de Xeí\|/co, e XéXoixa; — exea é diferente de xéco, éxeou; — fivexpov é diferente
de (pépco, Êcpepou, oíoco, èufiv. Mas não há nada que seja uno e característico
entre as formas ècpriv, eôei^a, IX,urov, èxea, etc. Poderia muito bem acontecer,
para dizer a verdade, que essas formas tivessem alguma coisa em comum e
característica; como, por exemplo, os imperfeitos latinos em -bam. Mas esse
fato, caso acontecesse, não teria nenhuma importância em princípio, deve­
ria ser considerado como um simples acidente: podendo, por outro lado,
incontestavelmente, ter certas conseqüências no que lhe diz respeito, como
todos os acidentes de que se compõe eternamente a língua, mas não mais
do que o acidente inverso, em que acabamos de nos deter.
Resta, agora, constatar (IV) que nenhuma das considerações é sepa­
rável.
Nós somos sempre reconduzidos aos quatro termos irredutíveis e às
três relações irredutíveis entre eles, que formam um todo único para o espí­
rito: (um signo / sua significação) = (um signo / e um outro signo) e, além
disso = (uma significação / uma outra significação).
Seria preciso, para que uma outra coisa se produzisse, que um desses
dois termos fosse determinado, ainda que artificialmente, em si; e é isso
que supomos, por necessidade e em certa medida, ao falar de uma idéia a ou
de uma forma A. Mas, na realidade, não há, na língua, nenhuma determina­
ção, nem da idéia e nem da forma; não há outra determinação além da deter­
minação da idéia pela forma e da forma pela idéia.
A primeira expressão da realidade seria dizer que a língua (ou seja, o
sujeito falante) não percebe nem a idéia a, nem a forma A, mas apenas a
relação ~ ;
essa expressão seria, ainda, completamente grosseira. Ela só percebe, na
verdade, a relação entre as duas relações abc , ou W
etc. AHZ " Ã ” ARS B
40 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

É isso que chamamos de QUATÉRNION FINAL e, considerando os qua­


tro termos em suas relações: a tripla relação irredutível. E, talvez, sem razão
que renunciamos a reduzir essas três relações a uma só; mas nos parece que
essa tentativa começaria a ultrapassar a competência do lingüista.

Capital

Não é a mesma coisa, como muitas vezes se acredita, falar da relação da


forma e da idéia, ou da relação da idéia e da forma: porque, quando se toma
por base a forma A, abarca-se, mais ou menos exatamente, um certo núme­
ro de idéias abc;

^relação

e quando se toma por base a idéia a, abarca-se, mais ou menos exatamente,


um certo número de formas AHZ

(relação

Observa-se que não há, portanto, nenhum ponto de partida nem qual­
quer ponto de referência fixo na língua.

7 [Mudança fonética e mudança semântica]


Whitney, Gramática do sánscrito, p. 41:
Ao tratar separadamente a dupla questão das modificações deformas e das modi­
ficações de sentido nas palavras, nós não criamos uma divisão artificial e nada faze­
mos além de reconhecer as distinções naturais...

Mergulha-se em profundo devaneio ao se ver comparar, em obras sérias


(exemplo: Whitney), essas duas espécies de mudanças no tempo:
a) uma palavra muda de significação;
b) uma palavra muda de forma (ou de som), enfim, muda materialmente.
Seria preciso retomar tudo, e não se sabe de que lado começar. Seria
preciso, entre mil coisas, indagar o que é uma palavra (no tempo), se ela
pode mudar de forma e de significação e, portanto, o que significa a afirma­
ção [ ]
Mas vamos nos limitar a retomar o fio condutor, em vez de tentar escla­
recer o amontado de erros e de termos mal definidos que [ ]
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 41

Colocaremos, então, entrando no quadro inadmissível — que a mudan­


ça de significação não tem valor algum como fato resultante do tempo, por to­
dos os tipos de razões, entre outras, porque essa mudança se dá a cada
instante e não exclui a significação precedente, que se torna concorrente;
enquanto que a mudança de forma reside na substituição de um termo por
outro; e porque essa substituição consagra, supõe com necessidade, e por si
só, a presença sucessiva de duas épocas;
— que a significação é apenas urna maneira de exprimir o valor de urna
forma, valor que depende completamente das formas coexistentes a cada
momento, e que é, por conseguinte, uma empreitada quimérica, não apenas
querer examinar essa significação em si mesma (o que não é nada lingüístico),
mas querer examiná-la com relação a urna forma, visto que essa forma muda
e, com ela, todas as outras e, com estas, todas as significações, de maneira
que só se pode dominar a mudança de significação vagamente com relação
ao conjunto.
O fato de que não há nada instantáneo que não seja morfológico (ou signi­
ficativo), e que também não há nada morfológico que não seja instantâneo,
é inesgotável nos desdobramentos que comporta.
Mas esse primeiro fato tem, por contrapartida imediata, que nada há de
sucessivo que não se]a. fonético (ou fora da significação), e que nada há de
fonético que não seja sucessivo.

Capital

A persistência (mais ou menos exata) de muitas funções significativas


no tempo e ñas formas é o fato que nos sugere falsamente a idéia — eu não
digo que existe urna história das significações, porque isso não significa
decididamente nada — mas que existe urna história da língua tomada pelo
duplo aspecto da forma e do sentido (ou seja, urna morfología histórica); ou
urna possibilidade de seguir o movimento quadruplicadamente combinado
da mudança das figuras vocais, de sua combinação geral como signos, de
sua combinação geral com a idéia, e de sua combinação particular.
Ora, essa persistência das funções é um fato deixado ao mais completo
acaso, não mais importante, em principio, do que o fato inverso. Recorren-
do à comparação com a história de um organismo (?) [ ]

Como entender o extremo mal-entendido que domina as reflexões so­


bre a linguagem?
Supõe-se que existem termos duplos que comportam uma forma, um
corpo, um ser fonético — e urna significação, uma idéia, um ser, uma coisa
espiritual.
42 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

Dizemos, antes de tudo, que a.forma é a mesma coisa que a significação, e


que esse ser é quádruplo.

Visão habitual:

A Significação
B Forma

Visão proposta:

I II

Diferença geral das Uma significação Figura vocal


significações (só existe (relativa (que serve de forma
segundo a diferença a uma forma). ou de várias formas
das formas). em I).

Diferença geral Urna forma


das formas (só existe (sempre relativa
segundo a diferença a urna significação).
das significações).

Declaramos que expressões como A forma, A idéia; A forma e A idéia; O


signo e A significação, são, para nós, sinais de uma concepção diretamente
falsa da língua.
Não existe a forma e uma idéia correspondente; não há, também, a sig­
nificação e um signo correspondente. Há formas e significações possíveis
(nunca correspondentes); há, apenas, em realidade, diferenças de formas e
diferenças de significações; por outro lado, cada uma dessas ordens de diferen­
ças (por conseguinte, de coisas já negativas em si mesmas) só existe como
diferenças graças à união com a outra.
É curioso que a nasal, como tal, pareça ser, em muitas línguas, uma
quantidade semiológica. Assim, em sánscrito — no que diz respeito ao interior
da palavra (simplesmente) — é possível fingir que se ignora uma relação
entre ? í , ne ne ñ, tão completamente quanto uma relação entre b, g e d. Do
mesmo modo que não estabelecemos nenhuma troca entre b-g-d, mas que
evocamos, pela presença d e b g d , o ponto de vista diacrônico ou então nenhum
ponto de vista: assim também, parecería natural evocar por [ ]

As quantidades semiológicas são unidades em que a língua reúne certos


elementos vocais atribuindo-lhes um valor uno ou semelhante [ ]
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 43

O mecanismo da língua — considerado sempre EM UM MOMENTO


DADO, que é a única maneira de estudar esse mecanismo — será, um dia,
estamos persuadidos disso, reduzido a fórmulas relativamente simples. Por
ora, não se poderla nem mesmo sonhar em estabelecer essas fórmulas: se,
para fixar as idéias, tentamos delinear, em traços gerais, o que nós nos re­
presentamos sob o nome de urna semiologia, ou seja, de um sistema de sig­
nos totalmente independente daquilo que o dispôs e tal como existe no
espirito dos sujeitos falantes, é certo que estamos ainda, a despeito de nós,
limitados a opor, sem cessar, essa semiologia à sempiterna etimologia; que
essa distinção, quando se chega à particularidade, é tão delicada que absor­
ve, só para si, atenção muito constante, que provavelmente ela será conside­
rada distinção sutil em mil casos, previstos ou imprevistos; que, por conse-
qüência, ainda não está próximo o momento em que se poderá operar, com
toda tranqüilidade, fora de toda etimologia, sobre [ ]

8 [Semiologia]
I. Domínio não lingüístico do pensamento puro, ou sem signo vocal e
fora do signo vocal, que se compõe de quantidades absolutas.
II. Domínio lingüístico do signo vocal (Semiologia): nele também é inútil
querer considerar a idéia fora do signo e o signo fora da idéia. Esse domínio
é, ao mesmo tempo, o do pensamento relativo, da figura vocal relativa e da
relação entre os dois.
III. Domínio lingüístico do som puro ou daquilo que serve de signo
considerado em si mesmo e fora de qualquer relação com o pensamento =
FONÉTICA.

I. Domínio não lingüístico do pensamento puro, ou sem signo vocal, e


fora do signo vocal.
É a esse domínio, pertença ele a que ciência for, que deve ser relegada
toda espécie de categoria absoluta da idéia, se for realmente dada como
absoluta, quando se pretende colocar, por exemplo, a categoria SOL, ou a
categoria do FUTURO ou a do SUBSTANTIVO contanto que sejam dadas como
realmente absolutas e independentes dos signos vocais de uma língua, ou das infi­
nitas variedades de quaisquer signos. Não cabe ao lingüista examinar onde
pode começar, realmente, essa libertação do signo vocal, se certas categorias
preexistem e se outras pós-existem ao signo vocal; se, por conseguinte, al­
gumas são absolutas e necessárias para o espírito e outras relativas e con­
tingentes; se algumas podem continuar a existir fora do signo enquanto
outras têm um signo, etc. Só a idéia relativa aos signos [ ]
44 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

II. Domínio lingüístico do pensamento, que se torna IDÉIA NO SIGNO, ou


da figura vocal, que se torna SIGNO NA IDÉIA: o que não é duas coisas, mas
urna, contrariamente ao primeiro erro fundamental. É, também, literalmen­
te verdadeiro dizer que a palavra é o signo da idéia e dizer que a idéia é o
signo da palavra; ela o é a cada instante, já que não é possível, sem ela, nem
mesmo fixar e limitar materialmente uma palavra na frase.
Quem diz signo diz significação; quem diz significação diz signo; tomar por
base o signo (sozinho) não é apenas inexato, mas não quer dizer absoluta­
mente nada porque, no instante em que o signo perde a totalidade de suas
significações, ele nada mais é do que uma figura vocal.

A distinção fundamental e única, em lingüística, depende, então, de saber:


— se é considerado um signo ou uma figura vocal como signo (Semiologia =
morfologia, gramática, sintaxe, sinonimia, retórica, estilística, lexicologia,
etc., sendo o todo inseparável), o que implica diretamente quatro termos
irredutíveis e três relações entre esses quatro termos, sendo que as três
devem ser, além disso, transportadas pelo pensamento na consciência do
sujeito falante;
— ou se é considerado um signo ou uma figura vocal como figura vocal (foné­
tica), 0 que não acarreta nem a obrigação imediata de considerar um outro
termo e nem a de se representar outra coisa além do fato objetivo; mas o
que é, também, uma maneira eminentemente abstrata de considerar a lín­
gua: porque, a cada momento de sua existência, só EXISTE lingüísticamente
o que é percebido pela consciência, ou seja, o que é ou se torna signo.

9 [Aviso ao leitor]
Capital

Não podemos fingir que não vemos que a grande dificuldade de nossa
exposição (que vai alterar continuamente, receamos, o sentido de nossas
observações no espírito de alguns leitores) vem do próprio erro que este
opúsculo é destinado a combater. Nós chegamos, efetivamente, a imaginar
que os fatos de linguagem, expressos com relação a uma época dada, repre­
sentam ipsofacto uma maneira EMPÍRICA de exprimir esses fatos, enquan­
to que a maneira RACIONAL de exprimi-los seria exclusivamente a que
recorre a períodos anteriores. Nosso objetivo é mostrar que cada fato de
linguagem existe ao mesmo tempo na esfera do presente e na esfera do
passado, mas com duas existências distintas, e comporta não UMA, mas
regularmente DUAS EXPRESSÕES RACIONAIS, legítimas do mesmo jei­
to, uma tão impossível de suprimir quanto a outra, mas acabando por fazer
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 45

da mesma coisa duas coisas; isso sem nenhum jogo de palavras, como tam­
bém sem nenhum mal-entendido sobre o que acabamos de chamar de coisa,
a saber, um objeto de pensamento distinto, e não uma idéia diversa do mes­
mo objeto.
Cada vez que se tratar da crítica das operações gramaticais realizadas
sobre um estado de língua determinado, nossas observações correrão o risco
de serem tomadas por urna afirmação banal do principio histórico; o que é
justamente o contrário do que entendemos.
Nós sustentamos, com efeito, precisamente ao inverso, que existe um
estudo científico relativo a cada estado de língua tomado em si mesmo; que
esse estudo, além de não precisar da intervenção do ponto de vista histórico
e de não depender dele, tem por condição preliminar que seja feita tábula
rasa, sistematicamente, de toda espécie de visão e de noção histórica, assim
como de toda terminologia histórica.
Infelizmente, a maneira de formular os fatos em cada um desses estados
de língua tomados em si mesmos é, até agora, eminentemente empírica, ou
então, o que é muito pior [síc], corrompida desde o principio pela intromis­
são, supostamente científica, dos resultados da história em um sistema que
funciona, repetimos, totalmente independente da história.
Que nos perdoem nosso absolutismo; mas nos parece, para dizer a ver­
dade, que mesmo numa obra absolutamente geral e quase que de divulga­
ção como, por exemplo. La Vie du Langage, de Whitney, seria preciso colocar,
desde a primeira página, o dilema:
Cabe considerar a língua como o mecanismo que serve à expressão de
um pensamento? Neste primeiro caso, que é tão importante quanto o ou­
tro, senão infinitamente mais, basta fazer uma consideração histórica das
formas, e todo o trabalho da escola lingüística de um século para cá, dirigi­
do unicamente à sucessão histórica de certas identidades que servem, de
repente, a mil fins, é, em princípio, sem importância.
Na prática e, auxiliarmente, com a condição, também, de ser aplicado de
maneira nova, porque ela se tornaria, então, metódica e sistemática, nós
reconhecemos que o trabalho do historiador pode lançar uma luz muito
viva, incidindo sobre as condições que regem a expressão do pensamento,
principalmente ao produzir a prova de que não é o pensamento que cria o
signo, mas o signo que determina, primordialmente, o pensamento (por
conseguinte, o cria, na realidade, e o leva, por sua vez, a criar signos, sempre
um pouco diferentes daqueles que recebeu).
Quando se quer, ao contrário, considerar a língua como uma soma de
signos (não é mais preciso falar, aqui, de sistema) que gozam da proprieda­
de de se transmitir através do tempo, de indivíduo para indivíduo, de gera­
ção para geração, é preciso, desde o início, constatar que esse objeto ofere-
46 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

ce, apenas, alguma coisa em comum com o precedente. Essa opinião, que
pode parecer paradoxal, encontra, a cada instante, sua verificação; e são
essas as duas maneiras, que julgamos irredutíveis, de considerar a língua.
Suponhamos que temos que tratar da origem da linguagem. Haverá, imediata­
mente, essas duas maneiras de conceber a questão; ou as condições em que
um pensamento chega a corresponder a um signo — ou as condições em
que um signo chega a se transmitir durante seis meses, ou doze meses, e
logo o pensamento é suprimido porque esse pensamento pode diferir de um
instante para o outro. Ora, o fenômeno primordial da linguagem é a associ­
ação de um pensamento a um signo; e é justamente esse fato primordial que
é suprimido na transmissão do signo.

10a Da essência, etc. ■


[Perspectiva instantânea e fonética. Estado]

Quando se fica deliberadamente na perspectiva instantânea, acaba-se sem­


pre por compreender que não há nada no ESTADO de língua que possa se
chamar de fonético.
Mas que 1- cada fato supostamente fonético que existe na gramática de
uma língua num dado momento é efetivamente fonético se for considerado
comparativamente a uma outra época (começando por formulá-lo de maneira
totalmente diferente): mas é então que se abandona a perspectiva instantâ­
nea e se mistura dois pontos de vista que não admitem ser misturados.
Ou então 2° quando, ao contrário, se quer formular o fato, propondo-se
metodicamente a permanecer numa época dada, é regularmente impossível
perceber em que esse fato se distingue de um fato semiológico (ou
morfológico, se assim se preferir) qualquer como, por exemplo, a oposição
de lupum com lupus, ou a oposição de tu es com es-tu.

Caso de n cerebral, no sánscrito; pitrnãmakam

2 formas e 2 sentidos (opostos respectivamente)


2 formas e 1 sentido
(1 forma e 2 sentidos)
zero forma e 1, 2 ou mais sentidos

Checo: zlat genitivo plural

Toda espécie de signo existente na linguagem (P o signo VOCAL de


toda ordem, signo completo tal como uma palavra, ou um pronome, signo
complementar como um sufixo ou uma raiz, signo destituído de qualquer
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 47

significação completa ou complementar, como um determinado “som” de


língua; ou signo não vocal, como “o fato de pôr tal signo antes de tal outro”)
tem um valor puramente, por conseguinte, não positivo mas, ao contrário,
essencialmente, eternamente NEGATIVO.
A base perceptível, que é o primeiro e o último fundamento de qualquer
espécie de consideração lingüística, histórica, filosófica, psicológica, não é
— nem a forma, nem o sentido,
— nem, em terceiro lugar, a união indissolúvel da forma e do sentido,
— nem 4- a diferença dos sentidos,
— mas é 5° a. diferença das formas.

Em checo, urna palavra (neutra): zlato.

Eu estou tentado a dizer que esse fato é muito mais instrutivo, por si só,
do que tudo o que foi escrito sobre a língua, por parte dos lingüistas, e, por
parte dos filósofos, sobre o mecanismo fundamental da relação entre o sig­
no e a idéia.
Não se pode, em primeiro lugar, desejar prova mais flagrante em abono
da afirmação de que um signo de linguagem só existe pelo estrito fato da
existência de outros, já que, na declinação de zlato, todas as combinações
possíveis da idéia de substancia com as de [ ] mas acontece que zlat é
absolutamente capaz de representar, ainda, a idéia [ ]
Como isso se dá? Unicamente pela oposição com zlatéch.
Quem diz forma diz diferença com outras formas e nada mais. Pode-se
considerar apenas a diferença com urna outra forma, por exemplo, unica­
mente, a diferença entre ititioç e íunov ou bem unicamente a diferença entre
íjiTtoç e GáAtxoaa. Neste caso, a forma não é determinada, ela não é determi­
nada [ ]

? Círculo vicioso fundamental

Chama-se forma urna figura vocal que é determinada para a consciencia


dos sujeitos falantes. (A segunda menção é, na realidade, supérflua, porque
nada existe além do que existe para a consciência; então, se uma figura vocal
é determinada, ela o é imediatamente.)
Por que essa figura vocal é determinada para a consciencia dos sujeitos fa­
lantes?
H Será, como se poderla imaginar à primeira vista, pelos sons e pelas
sucessões idênticas de sons idênticos que nela se encontram?
De maneira alguma. Um homem que vive em Cher pode passar a vida
inteira sem se dar conta de que o nome de sua província não difere, em seus
sons, da palavra que ele pronuncia em cher atni (Diferentes exemplos.)
48 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

Acrescente-se, aqui, o fato de que se lê uma escrita correntemente sem


se duvidar da forma dos signos: assim, a maioria das pessoas interrogadas
fica muito embaraçada para reproduzir exatamente a forma de um g (mi­
núsculo redondo) impresso, que cada um lê, todos os dias, cinqüenta vezes,
se não mil. O fenómeno parece ser exatamente igual ao da inconsciência do
som das palavras em si mesmo. De urna maneira mais geral, me parece que,
seja no campo do efeito individual (= semiológico), seja na perspectiva histó­
rica, os fatos relativos á escrita apresentam, talvez, a respeito de todos os
fatos que existem na linguagem, sem exceção, uma mina de observações
incessantes e de fatos não apenas análogos, mas completamente homólogos,
de um extremo ao outro, aos que se pode discernir na linguagem falada.
Para a escrita, o sentido é representado pelo som enquanto que o som é repre­
sentado pelos traços gráficos; mas a relação entre o traço gráfico e o som
falado é a mesma que entre o som falado e a idéia.
2- Será pelo sentido que se encontra atrelado à figura vocal? Nada de
erro! anti-Pascal.
Igualmente não: porque, em primeiro lugar, o sentido pode variar numa
medida infinita sem que o sentimento de unidade do signo seja, nem mes­
mo vagamente, atingido por essas variações. Assim concepção. (Se bem que,
de um momento para o outro, pode muito bem acontecer, com efeito, que a
unidade seja rompida em favor dessas variações.) Mas não são os fenôme­
nos desse gênero, supondo sempre uma sucessão de estados, que ajudarão a
compreender o que é um estado lingüístico em si mesmo ou o que valem os
termos que dele dependem; e é precisamente a intromissão perpétua e de­
sastrosa do que é sucessivo ou retrospectivo naquilo que é instantâneo ou
presente, direto e geral, que constitui o objeto de nossos ataques. Não se
deve nem mesmo sonhar em definir o que é uma forma, nem qualquer outra
coisa em lingüística, quando se começa por deixar que se infiltre, num esta­
do real A, um outro estado real B, anterior, o que dá, como união monstruo­
sa, um estado completamente imaginário A .
B
Nota. Eu penso que o duplo estudo, semiológico e histórico, da escrita (sen­
do que o último se torna equivalente à fonética no estudo da linguagem)
constitui, graças à natureza da escrita, uma ordem de pesquisas quase tão
digna de atenção quanto [ ]. Até o presente, a paleografía parece estar
totalmente inconsciente desse objetivo.
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 49

10b Regra: n cacuminal


De que maneira uma regra de alternância como o n cacuminal em vez de
n dental depois de r f r, em sánscrito, é etimológica (ou se tornou semiológica),
mas não é fonética, porque se tem

pitarnüma o nome do pai


ou mesmo pitrnãma pitrnãmakar em uma só palavra

sem que a proximidade, mesmo imediata, do r influa, no que quer que seja, na
pronúncia do n dental. Então, supor, como regra “fonética", que n depois de
r daria n seria absolutamente [ ]

11 [Diversidade do signo]
(Examinar) “Diversidade do signo na idéia” parece ser próprio dos ele­
mentos gramaticais, enquanto que, na sinonimia, há sempre diversidade
dos dois.
Vai ficar, na realidade, cada vez mais impossível esconder que nós não
possuímos uma única espécie de distinções gramaticais que seja fundada
sobre um princípio definido — ou sobre muitos princípios definidos em
[ ]
Em parte alguma se sabe onde está o terreno firme de onde partem as
definições: aqui se reúnem certos signos em nome de uma certa idéia (su­
pondo, portanto, que o signo, por si mesmo, não é definido): lá se considera
um signo como sendo, ao contrário, a coisa definida.
Expressões como categoria gramatical, distinção gramatical, forma gramati­
cal, unidade e diversidade das formas gramaticais, são também termos correntes
aos quais somos obrigados a negar qualquer sentido preciso. O que é, de
fato, uma entidade gramatical?
Nós procedemos exatamente como um geómetra que pretenda demons­
trar as propriedades do círculo e da elipse sem ter dito o que chama de
círculo e de elipse.
Assim, uma noção continuamente empregada (sob diversas formas) e
que parece clara, diversidade do signo, não significa absolutamente nada; só se
pode falar da diversidade do signo na idéia una ou da diversidade do signo na idéia
diversa.
E as duas coisas, mesmo sendo essencialmente diferentes, se entrecruzam
de tal forma que seria profundamente errado dizer que basta, em cada caso,
subentender — visto que, ao fim de alguns minutos, ter-se-ia, já, admitido a
mudança sem de nada suspeitar.
50 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

Mas essas duas coisas, por sua vez, são apenas um aspecto momentá­
neo, urna maneira empírica de exprimir os fatos, visto que nem a idéia nem
o signo, nem as diversidades dos signos, nem a diversidade das idéias, re­
presentam jamais, por si só, um termo dado: nada é dado, a não ser a diver­
sidade dos signos combinada indissoluvelmente, e de maneira infinitamen­
te complexa, com a diversidade das idéias.
Os dois caos, ao se unirem, produzem uma ordem. Não há nada mais
inútil do que querer estabelecer a ordem separando-os. Ninguém, sabemos,
pensa em separá-los radicalmente. Mas apenas em separar um do outro e a
partir, ad libitum, disto ou daquilo, depois de se ter, anteriormente, feito
disto ou daquilo uma coisa que supostamente existe por si mesma. E isso,
justamente, o que nós chamamos de querer separar os dois caos, e que nós
acreditamos ser o vício fundamental das considerações gramaticais às quais
estamos habituados.

rathad-rajnas diversidade do signo na significação una


rathãd-rathê diversidade do signo na idéia diversa
(unidade do signo na idéia una)
rãjnas-rãjnas unidade do signo na idéia diversa
id. - id. diversidade da idéia no signo uno
(rathãd-rathê) diversidade da idéia no signo diverso
(unidade da idéia no signo uno)
(rathãd-rãjnas) unidade da idéia no signo diverso

Resíduo:
rathãd-rathê diversidade do signo em significações diferentes
rãjnas-rãjnas unidade do signo numa significação diferente
rathãd-rãjnas diversidade do signo numa significação una
a unidade de só pode ser constatada por [ ]
significação

Uma significação assume uma existência ou pode-se pensar que ela as­
sume uma existência fora dos signos [ ]

1. Diversidade do signo que corresponde a significações diferentes (ou empregos


diferentes)

Aqui, pode-se substituir, se assim se preferir, significação (ou emprego)


por idéia ou outra coisa, sem inconveniente grave porque, sendo tudo uma
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 51

diversidade, por conseguinte relativo, não se é tentado a dar urna existência


positiva e finita a um dos dois termos independentemente do outro, ou a
partir de um dos dois termos de preferência ao outro, seja quais forem as
palavras usadas.

2. Diversidade do signo que corresponde a uma significação una (ou de emprego


uno)
(rathad-rajnas)

Aqui, ao contrário, é muito crítico começar a falar da diversidade do


signo na IDÉIA una em vez de falar de sua diversidade no emprego uno ou
significação una [ ]: porque isso é cair no erro de acreditar que haja, ante­
riormente estabelecidas, quaisquer categorias ideais em que aconteçam de­
pois, secundariamente, os acidentes do signo. A unidade da “idéia” que
preside, aqui, à diferença do signo, só tem como sanção o fato de estar em
outro lugar e por sua vez na mesma língua encarnada numa unidade de signo
por oposição a uma diferença de idéias (caso 3).
Caso se queira absolutamente usar a palavra idéia, resultaria daí ter que
formular como se segue os dois casos de que nos ocupamos.
1° caso simplesmente: diversidade do signo na idéia diversa, mas em
compensação
2- caso: diversidade do signo na idéia una, mas essa unidade da idéia
corresponde, em algum lugar, a um signo uno;

3. Diversidade da significação que corresponde a uma unidade de signo

Duas coisas para eliminar:


1- diversos sentidos de uma palavra — que só são diversos se são defini­
dos exatamente, cada um, por uma outra palavra;
2- os sentidos de dois homófonos. Como son “sonus” e son.
Resta o caso de rãjnas ablativo e rãjnas genitivo.

12 [Vida da linguagem]
Por vida da linguagem pode-se entender, primeiramente, o fato de que a
linguagem vive através do tempo, ou seja, é suscetível de se transmitir.
Esse fato é, se assim se preferir, um elemento vital da linguagem, por­
que nada há na linguagem que não seja transmitido; mas ele é, sobretudo,
absolutamente estranho à linguagem.
— Ou SIGNO e seqüência de tempo, mas, nesse caso, nenhuma idéia no
signo. É isso que se chama fonética.
52 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

— Ou SIGNO e IDÉIA: mas, neste caso, inversamente, nada de seqüéncia


de tempo; necessidade de respeitar completamente o instante e unicamente o
instante. É o dominio da morfoiogia, da sintaxe, da sinonimia, etc.
A existência que se pode atribuir ao signo só está, em principio, na asso­
ciação que o espirito faz dele com urna idéia: por isso, podemos e devemos
nos surpreender pelo fato de se tornar necessário conceder ao signo urna
segunda existência, que não depende da idéia á medida que se avança no
tempo. Essa segunda existência, é essencial observar, só se manifesta ou
encontra sanção tangivel no instante em que há, um em face do outro, um
passado e um presente, enquanto a primeira é imediatamente contida no pre­
sente. Em compensação, a segunda existência do signo (através do tempo) só
se mantém quando se isola o signo de sua significação e de qualquer signi­
ficação que lhe sobrevenha.
O sistema da língua pode ser comparado, com proveito e em vários sen­
tidos, embora a comparação seja das mais grosseiras, a um sistema de sinais
marítimos obtidos por meio de bandeiras de diversas cores.
Quando uma bandeira, entre muitas outras, ondula no mastro [ ],
ela tem duas existências: a primeira é ser um pedaço de pano vermelho ou
azul, a segunda é ser um signo ou um objeto, que se entende dotado de um
sentido para aqueles que o percebem. Observemos as três características
eminentes dessa segunda existência:
1“ Ela só ocorre em virtude do pensamento que se liga a ela.
2- Tudo o que representa, para o espírito, o sinal marítimo de uma ban­
deira vermelha ou azul procede, não do que ele é, não do que se decidiu
associar a ele, mas exclusivamente destas duas coisas: 1) de sua diferença
com relação aos outros signos que figuram no mesmo momento, 2) de sua
diferença com relação aos signos que poderíam ter sido içados em seu lugar e
em lugar dos signos que a acompanham. Fora esses dois elementos negati­
vos, ao se perguntar onde reside a existência positiva do signo, vê-se, ime­
diatamente, que ele não possui nenhuma e que esses [ ]
Quando se chega à última análise, que é logo alcançada, vê-se que não é
possível compreender o que é a língua sem conhecer, em primeiro lugar, as
vicissitudes que ela atravessa de uma época à outra: mas, depois disso, nada
é mais necessário, acreditamos, do que restabelecer uma separação absolu­
ta entre o ser “língua”, sempre momentâneo, e o fato contingente desse ser
“língua” ser ordinariamente destinado a se transmitir através do tempo. Na
realidade, tudo o que existe na língua provém, muitas vezes, dos acidentes
de sua TRANSMISSÃO, mas isso não significa que se pode substituir, pelo
estudo dessa transmissão, o estudo da língua; nem, sobretudo, que não há,
a cada momento, como nós afirmamos, duas coisas de ordem inteiramente
distintas na língua, de um lado, e na transmissão, de outro.
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 53

13 [Gramática : categorías]
Urna categoria gramatical, como a categoria do genitivo, por exemplo, é
urna coisa completamente inacessível, uma palavra verdadeiramente desti­
tuída de sentido, no emprego que dela fazemos diariamente. Nós não que­
remos dizer, o que é evidente logo de início, que essa categoria não seja
necessária para o espírito, nem representada com necessidade nas diferen­
tes línguas que se examinará, nem una naquilo que abrange, em geral ou em
particular, em tal língua. Nós queremos dizer que, numa língua determina­
da, em que existe um “genitivo”, não se sabe jamais o que é entendido, de
momento a momento, de página a página, de linha a linha, por essa palavra
“genitivo” ou o que se quer exatamente generalizar quando se fala da cate­
goria do genitivo, de que usufrui a gramática dessa língua. — Tomemos, por
exemplo, o genitivo grego.
Ora, entende-se por genitivo, em grego, a “distinção gramática/ do genitivo”
de uma certa idéia superior aos signos, exterior aos signos, independente
dos signos, planando no domínio da idéia pura: de tal maneira que se discu­
te [ ]

14 [Gramática : regras]
Entre as regras consideradas essenciais numa gramática sánscrita, seja
esta regra fonética: “s sánscrito depois d e k , r e de vogais, com a exceção do
a [ã/à] se torna (resulta, se transforma em) ç.” Não contestamos, aqui, a
fórmula. Dizemos por exemplo: “o que é s em tal caso aparece como ç em tal
outro”; nós escolhemos a redação que é a menos criticável e procuramos o
que se deve pensar de uma regra desse gênero em si mesma.
1“ O que faz com que o gramático se julgue obrigado, de repente, a
formular uma regra que diga respeito à aparição de um certo elemento s,
quando não formula nenhuma para a grande maioria dos outros elementos
do mesmo sistema. Ele nem considerou, por exemplo, explicar ou reduzir a
uma regra a presença do p em pitã ou a presença do v em afvas. Por que, a
presença do s em çismas, vaksyãmi atrairia mais a sua atenção, ou a nossa,
exigirla uma explicação, seria motivo de reflexão ou pediria, de repente,
uma regra?
Não é preciso procurar a resposta muito longe. Uma possibilidade de
regra se deixou entrever e atraiu, por acaso, o espírito do gramático para ç e
não para p-, é tudo. Nós vamos examinar de onde provém essa possibilidade
‘ de regra mas constatemos, antes, a profunda ausência de direção e de méto­
do que presidiu o nascimento da regra, pois nem mesmo se perguntou se
há, regularmente, numa língua, sons mais passíveis do que outros a justifi-
54 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

car sua presença, em que circunstâncias isso pode se produzir e, definitiva-


mente, de que se compõe o capítulo da “fonética” de urna língua que consis­
te apenas de regras desse gênero (uma vez libertas, naturalmente, da
hibridação com o ponto de vista diacrônico, que tem, como primeiro efeito,
furtar à discussão qualquer objeto firme).
2° A fortuita possibilidade de regra, freqüentemente muito evidente, mas
que, por si só (e sem o exercício de crítica alguma, como acabamos de ver),
determina o total de regras que se estabelece entre um som e outro, por sua
vez, de onde provém?
Segunda regra
Em todos os casos em que um s deveria figurar, seja depois das consoan­
tes k e r, seja depois de uma vogal ou ditongo que não seja a e ã , esse s é
substituído por s;

Ex.: O sufixo do futuro é -sya-ti:


pã-sya-ti, “ele protegerá”
mas nê-sya-ti, “ele conduzirá”
Consideremos: tap-sya-ti, “ele inflamará ou atormentará”
Mas: vafe-sya-ti, “ele dirá”
{açvesu baniksu.)

cf. sênãsu cf. saritsu

15 [Regras de fonética instantânea]


Quaestio
Compõe-se marut- com uma outra palavra. Há uma regra “fonética” so­
bre em que se transformará o t.
Compõe-se dvTpin- com uma outra palavra. Há uma regra “morfológica”
exigindo que se parta de dvTpi-, depois uma regra “fonética” que indique em
que se transformará o i.
Há um limite?
E verdade que a regra do t de marut vale para qualquer t, mas dizer que
dvTpin + açvau dá dvtpyaçvau, não vale para qualquer in, mas apenas para o in
de uma certa classe de formas.
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 55

Características da espécie de fatos morfológicos


ou da espécie de regras “fonéticas" que dá
a ilusão de fatos fonéticos

É necessário ver o que eles sao com relação ao dado verdadeiramente


fonético e com relação à etimologia.
e 2® o que sao com relação ao dado do fato morfológico em geral.

Primeira série de reflexões

De onde se parte, o que se tem em vista, onde se chega exatamente


quando se tenta, com ou sem razão, formular uma regra de fonética instantânea
— permanecendo, todavia, fiel a este ponto de vista, legítimo ou não, já que
as conseqüências da mistura ad libitum de pontos de vista (que é o procedi­
mento habitual) só podem ser estudadas posteriormente?

1. De onde se parte e o que se tem em vista? Não se tem nada em vista.


Parte-se, empíricamente e maquinalmente, da impressão de que a presença
de tal elemento tem relação com certas circunstâncias e apresenta um cará­
ter de regularidade apreciável. Quando se decide, por exemplo, que cabe es­
tabelecer uma regra sobre o aparecimento, é simplesmente porque pareceu
que havia possibilidade, não se sabe como, de estabelecê-la; a melhor prova
disso é que não há interesse em estabelecer o aparecimento, que há, na
mesma língua, uma multidão de elementos da mesma ordem com que nin­
guém se importa, cuja presença, ao contrário da presença dos precedentes,
não se torna jamais objeto de uma regra, sem que haja, nem mesmo, uma
tentativa de explicar por quê.

2. Em que circunstâncias precisas a presença de um elemento (não sig­


nificativo em si mesmo e considerado, por essa mesma razão, fonético) se
torna objeto de uma regra?
Todas as regras de fonética instantânea têm, na realidade, por sempiter­
na substância, dizer que um elemento p (nas circunstâncias indicadas) é o
substituto de um elemento a.
Vamos distinguir bem claramente duas coisas nesse esquema invariá­
vel: a primeira, sobre a qual não fazemos nenhum comentário, é que. dos
dois termos presentes, adota-se um, a, como o termo dado e normal, enquan­
to o segundo, p, é considerado a substituto ou o produto do primeiro. O
outro fato, que se mantém independente dessa concepção ou dessa redação,
é que há com efeito, inevitavelmente e de qualquer maneira, dois termos
presentes quando uma “regra” de “fonética instantânea” é enunciada sob
uma fórmula qualquer (um dos termos pode ser zero).
56 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

3. Como toda regra de fonética instantánea se move entre dois termos


a-P que se intercambiam, de onde se infere que um dos dois, por exemplo a,
tem, sobre o outro, uma posição de preeminência ou de prioridade?
Por exemplo, supondo-se, já que é preciso, que cabe estabelecer uma
regra para a aparição do ç sánscrito (reconhecendo-se, por outro lado, o que
é evidente, que essa regra só significa, no fundo, que se estuda não a apari­
ção de f, mas a troca de ç/s) — por que, admitidas essas coisas, dizer que o
s sánscrito "se torna” ç em tais circunstâncias (e deixamos completamente
de lado a grande questão da palavra "se torna”), em vez de dizer, inversa­
mente, que o ç sánscrito "se torna” s em tais outras? Começa aqui toda uma
série de observações de aplicação geral.
Querendo realmente se ater a um estado de língua dado — e sem isso
não estamos mais sobre nenhum terreno definido — pode-se dizer que o
termo a é substituído pelo termo p (ou transformado no termo p) tanto
quanto se pode dizer o inverso; não há a menor razão para atribuir à a ou à
P a qualidade de termo normal com relação ao outro, "s depois de fe, de r e de
vogais, fora [ã/ã], se torna f” — ou então, numa tentativa de progresso, o
que é s aqui é ç lá.
(Nós não insistimos aqui na fórmula e admitimos que se pode estabele­
cer a regra sem sair da época dada.)

Primeira ordem de considerações

[a) ] O que leva, antes de mais nada, o gramático a querer formular uma
regra (dita regra fonética) relativamente à presença de um ç em vãksu, girisu,
çismas, etc., quando ninguém sonha em formular uma regra sobre a presen­
ça de um p em pitã, de um v em ava, etc. É exclusivamente, como todos
vêem, o fato de que s se encontra oposto ao s nas formas de um evidente
parentesco; [ ]

b) Admitindo-se que cabe estabelecer uma regra — como o gramático


há de fazer para [ ]
Então, em nenhum momento, a pretensa regra fonética estabelecida,
restringindo-se a um dado estado de língua, se distingue, no que quer que
seja, de uma regra morfológica, o que ela é, unicamente e efetivamente.
vãksu — jihvãsu é uma regra totalmente semelhante, em sua essência,
em sua natureza, àquela segundo a qual há presentes em -mi e [ ]

c) Sua regra é, finalmente, a expressão de uma alternância, fato essenci­


almente morfológico.
Suprimida a alternância, não há mais nem regra, nem sugestão para
estabelecer uma regra.
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 57

Isso se houvesse apenas o fato de que jamais se encontra um s depois de


k, r e vogal em exemplos, como muçnãmi e asmi, que nada têm em comum
morfológicamente.
E a mesma coisa para n = n — São casos como çürêpa açvêna, ou muçnã-
mi-/badhanãmi, ou nayãmi-/prapayami [ ]

16 Características da regra de fonética instantânea

Características da regra de fonética instantânea

1. Ela supõe dois termos a-p.


(§) (Nenhuma regra desse gênero se aplica a um termo determinado
fora de uma oposição com outros, por exemplo [ ])
2. Os termos a-P são simultâneos. (§)
3. [ ]

MESMO com a mais ampla admissão de todas as fórmulas que não se


poderla aprovar na medida em que se avizinham do ponto de vista
etimológico, [ ]
(A regra de fonética instantânea é essencialmente incapaz, mesmo como
regra prática, de formular uma relação constante entre os fatos.)

— A troca, como única expressão verdadeira de todo movimento na língua.


Há dois tipos de troca, que são completamente distintos, na vida da língua
mas, em compensação, não há mudança. Para que houvesse mudança, seria
preciso que houvesse uma matéria definida em si mesma num momento dado,
0 que não acontece jamais; só se pronuncia uma palavra pelo seu valor.
Na troca, a unidade é estabelecida por um valor ideal, em nome do qual
se considera equivalentes entre si objetos materiais que podem, ademais,
ser absolutamente dessemelhantes e, além disso, constantemente renova­
dos, cada um em sua substância. Essa é exatamente a característica de todas
as “mudanças” ou “movimentos” lingüísticos.
Não há outro princípio de unidade além do princípio da unidade de valor
e, por conseguinte, não há mudança que não tenha a forma de uma troca.
Agora, há diferentes gêneros de valores, dependendo da base que se toma.

Substituir luíses por napoleões é uma mudança.

Uma regra de “fonética instantânea” é sempre teoricamente impossível


de formular de uma maneira satisfatória e racional, mas estará sempre, além
disso, praticamente sem nenhuma garantia de “regularidade” .
60 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

acidentais que não devem, jamais, impedir que ele seja percebido em sua
unidade.
5. ETIMOLOGICAMENTE (o que é passar a uma ordem de considera­
ções inteiramente separada da precedente e, não podendo intervir, nós a
manteremos inflexivelmente, que seja a título auxiliar, e sem modificar em
nada o fato da alternância em si mesmo), etimológicamente então, quando
se quer considerar a etimologia, podemos estabelecer que ct diversidade da
quai se compõe uma alternância remonta, no caso regular, u luna unidade preceden­
te. (Mas se verá que não é admissível estabelecer uma regra sobre a origem
necessária de um fenômeno instantâneo.)

Há, na língua, um lado físico e um lado psíquico. Mas o erro irremissível,


que se traduzirá de mil maneiras em cada parágrafo de uma gramática, é
acreditar que o lado psíquico é a idéia enquanto o lado físico é o som, a forma,
a palavra.
As coisas são um pouco mais complicadas do que isso.
Não é verdade, é profundamente errado imaginar que há oposição entre
o som e a idéia, que são, ao contrário, indissoluvelmente unidos pelo nosso
espírito.
A oposição [ ]
Assim, há, de um lado, uma palavra (entidade física), de outro sua signi­
ficação (entidade psíquica), Há, na língua, um lado físico e um lado psíqui­
co. Essa verdade de sentido comum tem um sentido que deve ser absolu­
tamente preciso para quem quer estudar a língua: trata-se de saber quais
são as coisas a serem dispostas no domínio físico e quais são as coisas a
serem dispostas no domínio psíquico.
A cômoda distinção tradicional, e desastrosa, que anula, na realidade,
no germe, todo estudo racional da língua, é supor que o lado psíquico é,
simplesmente, a IDÉIA ou a significação, enquanto que o lado físico [ ]

2 0 a [Negatividade e diferença, 1 ]
(Muito importante:) A negatividade dos termos, na linguagem, pode ser
considerada antes de se fazer uma idéia do lugar da linguagem; quanto a essa
negatividade, pode-se admitir, provisoriamente, que a linguagem existe fora
de nós e do espírito, já que insistimos apenas no fato de que os diferentes
termos da linguagem, em vez de serem diferentes termos, como as espécies
químicas etc., não passam de diferenças determinadas entre os termos, que
seriam vazios e indeterminados sem essas diferenças.
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 61

20b [Negatividade e diferença, 2]


Parece-me que se pode afirmar, propondo para consideração, o seguinte;
jamais se compreenderá o suficiente da essência puramente negativa, pura­
mente diferencial, de cada um dos elementos da linguagem, aos quais atribuí­
mos, precipitadamente, uma existência: não há nenhum deles, em nenhu­
ma ordem, que possua essa suposta existência — embora talvez, eu admito,
somos desafiados a reconhecer que sem essa ficção o espírito seria literal­
mente incapaz de dominar uma tal quantidade de diferenças, em que não
há, em parte alguma, em momento algum, um ponto de referência positivo
e firme.

Em outros domínios, se não me engano, pode-se falar dos diferentes


objetos considerados, se não como coisas existentes em si mesmas, ao me­
nos como coisas que representam coisas ou entidades positivas quaisquer,
para formular de outra maneira (a menos, talvez, que empurrem os fatos
até os limites da metafísica, ou da questão do conhecimento, de que preten­
demos fazer completa abstração); ora, parece que a ciência da linguagem é
colocada à parte na medida em que os objetos que estão diante dela jamais
têm realidade em si ou à parte de outros objetos a considerar; que, absoluta­
mente, não têm qualquer substrato para a sua existência fora de sua diferença
ou NAS diferenças de todo tipo que o espírito encontra meio de vincular A
diferença fundamental (mas que sua diferença recíproca dá a cada um toda a
sua existência): mas sem que se saia, em ponto algum, do dado, fundamen­
talmente e para sempre negativo, da DIFERENÇA de dois termos, e não das
propriedades de um termo.
Todas as vezes que, numa ramificação qualquer da lingüística, e recor­
rendo a um ponto de vista qualquer, um autor se dedica a uma dissertação
sobre ura assunto de “fonética”, de “morfologia”, de sintaxe determinada
— por exemplo, a existência de uma distinção gramatical de feminino em
indo-europeu, ou a presença de um n cacuminal em sánscrito, — isso signi­
fica que ele quis estudar um certo setor de fatos negativos e desprovidos, em
si mesmos, de sentido e de existência, — seu estudo será proveitoso na
medida em que opuser os termos que tiver que opor; não muito, e em um sentido
não comum; a saber, que o fato de que ele se ocupa só existe, literalmente,
na presença de fatos oponíveis. Ora, admite-se que se ocupar de uma certa
substância química, ou de uma certa espécie zoológica (a menos, eu não
penso em repetir, que se ponha em questão, filosoficamente, todo o valor de
nosso conhecimento) é se ocupar, verdadeiramente, de um objeto que tem
uma existência em si, livre de objetos da mesma ordem. Nós negamos, ao con­
trário, que nenhum fato de língua, depois [ ] exista, por um instante
62 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

sequer, por si mesmo, fora de sua oposição com outros, e que seja alguma
coisa além de um modo mais ou menos feliz de representar um conjunto de
diferenças em jogo: de sorte que só essas diferenças existem e que, por isso
mesmo, todo objeto sobre o qual incide a ciência da linguagem é precipita­
do numa esfera de relatividade, saindo, completa e gravemente, do que se
entende, em geral, por “relatividade” dos fatos.
Por sua vez, as diferenças em que consiste toda a língua nada representa­
riam, nem mesmo teriam sentido em tal questão, se não se quisesse dizer
com isso: ou a diferença das formas (mas essa diferença nada é), ou a dife­
rença das formas percebida pelo espírito (o que é alguma coisa, mas pouca
coisa, na língua) ou as diferenças que resultam do jogo complicado e do equi­
líbrio final.
Assim, não apenas não haverá termos positivos, mas diferenças; mas, em
segundo lugar, essas diferenças resultam de uma combinação da forma e do
sentido percebido.
Como um/ato de língua exige separação entre os pontos de vista diacrônico
e sinóptico.

21 [Identificação; Valores relativos. Ponto de vista]


Nós reconhecemos a identidade morfológica (que existe necessariamente
entre duas línguas determinadas);
[1] a identidade segundo a análise
morfológica: alka alka
[2] sentido de palha empi-alka

e, enfim, a identidade segundo a sucessão possível que cria a identidade no


C'arka '
alka
tempo^ auka
õka
õk

Em compensação, negaremos sempre que falar de alka tenha algum sen­


tido, que haja alguma coisa que seja alka fora de uma dessas operações su­
bentendidas de identificação. Ela supõe imediatamente a eleição de um ponto
de vista: sem essa eleição, as identificações possíveis continuam múltiplas e
segue-se daí que a fórmula alka não representa literalmente nada.

1. Apenas arka, nesse paradigma, é uma palavra sánscrita. (N.do E.)


Sobre a Essência Dupla da Linguagem 63

Assim como, no jogo de xadrez, seria absurdo perguntar o que seria


urna dama, um peão, um bispo ou um cavalo, considerados fora do jogo de
xadrez, assim também não tem sentido, quando se considera verdadeira­
mente a língua, buscar o que é cada elemento por si mesmo. Ele nada é além
de uma peça que vale por oposição às outras, segundo certas convenções.
Se não fosse pelo fato, em suma contingente, de que os materiais da
língua se transformam e acarretam, só por sua mudança, uma metamorfose
inevitável nas próprias condições do jogo, não seria necessário, e jamais se
teria considerado, escrutinar a natureza exata desses materiais: seria um
esforço positivamente inútil.
Para compreender a transformação das diferentes peças graças ao tem­
po, é útil analisá-las em si mesmas. Não é isso que queremos ressaltar mas,
antes, que em cada época há apenas aposições, valores RELATIVOS (na realida­
de, até mesmo convencionais, mas baseados, antes de tudo, na possibilida­
de de opor dois termos, conferindo-lhes dois valores).
Os na qualidade de, os do ponto de vista de, em linguística, fazem refletir.
Algures, há um limite às várias maneiras de ver as coisas, que é dado pelas
próprias coisas. Em lingüística, pode-se perguntar se o ponto de vista do
qual se vê a coisa não é a coisa toda e. por conseguinte, definitivamente, se
partimos, em um único ponto, de alguma coisa de concreto ou se jamais
houve alguma coisa além de nossos pontos de vista indefinidamente
multiplicáveis.

22a [Fonética e morfologia]


Fonéticamente, ou no domínio das figuras vocais, há um limite exato e
absoluto entre a alteração indefinida de uma figura e o perfeito aniquila­
mento dessa figura.
Morfológicamente, ou no domínio dos signos, é totalmente impossível dis­
tinguir entre os três termos; a presença de um signo, sua modificação, maior
ou menoj’, depois de um tempo, ou de sua aniquilaçâo depois de um outro tempo.
Presença, ausência ou formas sucessivas têm exatamente o mesmo valor: ou
seja, cada uma tem, a cada momento, um valor absolutamente qualquer,
impossível de se prever, que vem simplesmente, e de minuto a minuto, do
que existe à sua volta. Como o signo primeiro não valería nada, se não fosse
pelos signos ambientes, é inútil se perguntar como os que dele procedem
valem isto, não valem aquilo e valem, mesmo, alguma coisa embora, mate­
rialmente, tenham deixado de existir — a menos que se decida considerar
os signos ambientes que, sozinhos, determinam, com efeito, o valor e a
própria existência de cada signo: considerar apenas esse entourage é romper
francamente com a fonética, é se submeter a entrar no mundo dos signos
64 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

como coisas significantes e presentes na consciência; por conseguinte, a


ignorar sistematicamente todas as circunstâncias etimológicas e retrospec­
tivas, que estão ausentes da consciencia.
Exemplo da diferença fonética entre modificação e zero como termos su­
cessivos no tempo, por oposição à indiferença morfológica: numa época pré-
histórica, o genitivo plural eslavo da palavra zlato deve ter sido *zlatom, de­
pois, mais tarde, *zlatòn, mais tarde e, historicamente, por transformação
regular, zlatü em paleoeslavo; hoje em dia (por exemplo, em checo) zlat, por
desaparecimento constante de toda espécie de ü, em qualquer posição.
FONETICAMENTE, pode-se traçar uma fronteira, que será absoluta,
entre os períodos (zlat)-om, -on, -ü, de um lado, onde temos sempre a modi­
ficação de um elemento dado — e a época zlat, onde temos subitamente, no
lugar de nosso elemento, um zero. Mas é só fonéticamente que haverá sentido
em estabelecer, aqui, um limite, no preciso instante em que, morfológicamente,
esse acidente não tem a menor conseqüência: o nada também é tão válido e
tão fácil de usar quanto o chamado signo “do genitivo plural” que pôde se
apresentar agora mesmo e que se estabelece, em toda parte, tão acidental­
mente quanto a ausência de signo no instante presente.
Morfológicamente, esse acidente não tem nem mais nem menos impor­
tância do que teria uma transformação qualquer do signo; o nada, no ins­
tante em que se produz, não difere, literalmente em nada, do signo positivo:
o genitivo plural zlat é tão apto a exprimir seja o que for quanto se contasse
com um “expoente” particular, como contava, antes, sob a forma zlatü.
Eis aí o que se é levado a observar para opor, em princípio, o que é a
destruição de um elemento pela fonética e o que é a destruição desse ele­
mento para a morfología; ou seja, uma coisa totalmente indiferente, já que
não é mais importante do que a modificação de um elemento, sendo que a
morfología vive dessas modificações.
Mas há, na realidade, nessa comparação que é destinada a melhor escla­
recer o princípio semiológico ou morfológico, uma injúria a esse princípio:
que não comporta um só instante, não deixaremos de afirmar, a perspectiva
diacrônica aplicável aos fatos fonéticos. Nós fomos forçados, com efeito,
para comparar um fato morfológico a um fato fonético, a supor, antes, que
existem fatos morfológicos no tempo, por exemplo, que existe um “genitivo
plural”, eslavo ou outro, transmissível através de mil anos sob uma certa
identidade de genitivo plural, sem que se saiba se essa identidade reside em
uma certa categoria lógica, que se transmitiría misteriosamente fora dos
signos, ou numa certa série de signos, que são eternamente variáveis em
forma e em valor.
Para o caso de zlat, em checo, genitivo plural de que nos ocupamos, é
relativamente exato comparar sua posição morfológica em checo à sua posi-
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 65

ção morfológica em eslavo primitivo; mas, em principio, há apenas um sim­


ples acaso nesse fato; poderla muito bem ocorrer, por acidentes semelhan­
tes a mil outros que conhecemos, que zlat fosse realmente, por exemplo, o
caso-complemento do plural, por oposição ao caso-sujeito, estando toda a decli-
nação (ou toda a “sintaxe do nome”) reduzida a duas distinções, como em
francés antigo; ora, que sentido teria, nesse caso, falar do genitivo plural
zlat, se é só no sentido puramente fonético que zlat vale *zlatü, *zlaton, etc.,
independentemente de sua existencia como genitivo plural e até mesmo
como urna forma qualquer mas, simplesmente, em sua existência de figura
vocal. Ora, na verdade é certo, desde que se continue a estabelecer categorias
fora do tempo, que, mesmo como “genitivo plural”, a posição morfológica
de zlat é consideravelmente diferente, em checo, do que o era em eslavo
primitivo ou em indo-europeu; há, por exemplo, o fato de que nenhum
masculino forma, do mesmo modo que zlat, seu genitivo plural (agora é um
genitivo plural neutro), ao passo que nada havia de distintivo entre os géne­
ros. Em segundo lugar, por exemplo, zlat oferece empregos exatamente iguais
aos do genitivo singular zlata: é o caso de todos os neutros; mas, entre os
masculinos e femininos, o genitivo singular (quando a palavra designa um
ser animado) não tem um emprego igual ao do genitivo plural; e é só através
de toda uma série de fatos paralelos (que podem ser totalmente desconheci­
dos na véspera) que se determina uma idéia como a que está contida em
zlat. O rótulo de genitivo nos vem do estado acidental dos signos latinos.
O essencial está, todavia, em outro lugar, que não as observações prece­
dentes: é preciso voltar sempre a isto, que morfológicamente não há nem
signos nem significações, mas diferenças de signos e diferenças de significações, 1“
que só existem, absolutamente, uns através dos outros, sendo então
inseparáveis, mas 2- que não se correspondem diretamente.

22b [Princípio fundamental da semiologia]


Princípio fundamental da semiologia, ou da "língua",
considerada regularmente como língua
e não como resultado de estados precedentes

Não há, na língua, nem signos nem significações, mas DIFERENÇAS de


signos e DIFERENÇAS de significação; as quais 1- só existem, absoluta­
mente, umas através das outras (nos dois sentidos) sendo, portanto,
inseparáveis e solidárias; mas 2- não chegam jamais a se corresponder dire-
tamente.
De onde se pode, imediatamente, concluir: que tudo, e nos dois domí­
nios (não separáveis, aliás), é NEGATIVO na língua — repousa sobre uma
66 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

oposição complicada, mas unicamente sobre urna oposição, sem intervenção


necessária de nenhuma espécie de dado positivo.

O princípio da negatividade de signos e de significações (o que é absolu­


tamente a mesma coisa, desde que se aceite a solidariedade afirmada acima)
se verifica a partir das mais elementares substruções da linguagem.
E indiferente saber se, numa língua, ã vale duas vezes a duração de à ou
três vezes, ou uma vez e meia, ou uma vez e um terço. O que é capital, é
saber que ã não tem a mesma duração de ã.
Será igualmente de toda a importância saber que entre ã e ã se coloca
uma terceira quantidade, que vale menos do que ã e mais do que d; mas é
uma falsa suposição pensar que é indispensável fixar quanto vale essa quan­
tidade média — absolutamente ou com relação à S e à a. Fundamentalmen­
te, a língua repousa sobre diferenças. Menosprezar esse fato, obstinar-se
atrás de quantidades positivas é, eu acredito, se condenar a continuar, de
uma ponta à outra do estudo lingüístico, ao largo do fato verdadeiro, e do
fato decisivo em todas as diversas ordens em que somos desafiados a consi­
derar a língua. Nem é preciso dizer que não se trata de considerar inúteis as
pesquisas que contribuem para fixar exatamente nossos conhecimentos.
Chega sempre um momento em que o conhecimento do fato nítido é
indispensável, até mesmo onde ele era menos esperado; mas se um tal co­
nhecimento é da maior utilidade para o lingüista, em certas circunstâncias
que tentaremos precisar, nós continuamos a dizer que a língua só se alimen­
ta, em sua essência, de oposições, de um conjunto de valores perfeitamente
negativos, que só existem por seu contraste mútuo.
E assim que um fenômeno, que parecia totalmente perdido em meio a
centenas de fenômenos que se pode distinguir, de início, na linguagem, aquele
que chamaremos de FLUTUAÇÃO fonética, merece, desde o começo, ser
tirado da massa e colocado, ao mesmo tempo, como único em seu gênero, e
totalmente característico do princípio negativo que está no fundo do meca­
nismo da língua.
Existem, provavelmente em toda língua, certos elementos ou certos gru­
pos que oferecem, não se sabe por que, uma latitude de pronúncia, enquanto
que a grande maioria é absolutamente inflexível na maneira de se pronun­
ciar. Em francês, pode-se pronunciar, sob o som de r, duas ou três consoan­
tes completamente diferentes em articulação e, além disso, tão diferentes
para o ouvido que não há nada que se note mais no falar de um indivíduo.
Entretanto, todos esses sons tão diferentes são aceitos — por assim dizer,
legalmente — como valendo a mesma coisa: ora, o mais insignificante desvio
que se fizesse na pronúncia de um s ou de um d seria, ao contrário, percebi­
do imediatamente ou como vício ridículo de pronúncia ou como signo de
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 67

um sotaque estrangeiro, enfim, como uma coisa que ofende, de frente e


irreconciiiavelmente, o nosso senso da língua. Há mi! fatos desse gênero:
em gótico, vemos pelos textos que se podia dizer indiferentemente: si/aw
(sim) ou siau, frijana (liberum) ou friona: em lugar nenhum o grupo -y +
vogal possui um valor diferente de -i -j- vogal [ ]

23 [Sentido próprio e sentido figurado]


Corolário. — Não há diferença entre o sentido próprio e o sentido figura­
do das palavras (ou: as palavras não têm mais sentido figurado do que sen­
tido próprio) porque seu sentido é eminentemente negativo.
Fala-se, por exemplo, (e nós escolhemos de propósito um exemplo relati­
vamente [ ]) de uma pessoa que era o sol da existência de outra, porque:
P não se poderia dizer que ela era a luz, ou
2- se existisse, em francês, um termo que significasse claridade do sol
(como clair de lune [luar]) ou um termo que significasse dependência em que
está a terra com relação ao sol; ou, por outro lado, dois termos para sol, confor­
me ele se levanta ou se põe, ou conforme seja comparado ou não a outros
corpos celestes, é absolutamente duvidoso que se pudesse, ainda, empregar
sol na locução supostamente figurada que foi empregada.
Seria empregado um outro termo, talvez muito mais expressivo, mas
resulta daí que não é a idéia positiva, a idéia, exterior à língua, de SOL, que
faz a imagem: que é simplesmente a oposição com outros termos que são,
eles mesmos, mais ou menos apropriados, como estrela, astro, claridade, uni­
dade, objetivo, alegria, encorajamento, [ ]

24 [Signos e negatividade]
Existe na língua:
P Se for considerada em um momento dado: não apenas signos, mas tam­
bém significações não separáveis dos signos, visto que estes não mereceríam
mais seu nome sem a significação.
Em compensação, o que não existe são
a) as significações, as idéias, as categorias gramaticais fora dos signos;
elas existem, talvez, exteriormente ao domínio lingüístico; é uma questão muito
duvidosa, a ser examinada, em todo caso, por outros que não o lingüista;
b) as figuras vocais que servem de signos não existem mais na língua
instantânea. Elas existem, então, para o físico, para o fisiologista, não para o
lingüista e nem para o sujeito falante. Assim como não há significação fora
do signo a, assim também não há signo fora da significação.
68 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

2° Se, ao contrário, a língua for considerada ao longo de um período:


Então, não existe mais signo nem significação, mas apenas/íguras vocais.
É o dominio da fonética.

P A figura vocal, em si mesma, nada significa.


2- A diferença ou identidade da figura vocal em si mesma não significa
NADA.
3®A idéia em si mesma não significa nada.
4®A diferença ou a identidade da idéia em si mesma não significa NADA.
5- A união do que tem urna significação para a língua é
a) a diferença ou a identidade da idéia SEGUNDO OS SIGNOS
b) a diferença ou a identidade dos signos conforme a idéia; as duas coi­
sas estando, além disso, indissoluvelmente unidas.

A língua consiste, então, na correlação de duas séries de fatos


1®consistindo, cada um, em oposições negativas ou em diferenças, e não
em termos que ofereçam uma negatividade em si mesmos.
2- existindo, cada um em sua própria negatividade, desde que, a cada
instante, urna DIFERENÇA da primeira ordem venha se incorporar a urna
diferença da segunda e reciprocamente.
Urna das conseqüéncias desse fato é que só se pode considerar urna
unidade lingüística qualquer (na perspectiva por época) fazendo intervir,
explicitamente ou implicitamente, pelo menos quatro termos:
1®o signo em questão;
2- um outro signo diferente;
3®urna parte (que será sempre muito [mais] pequena do que se pensa)
do que está contido;
4® uma parte (igualmente muito pequena) [ ]

25 [Sobre a negatividade da sinonimia]


Assim, sol parece representar urna idéia perfeitamente positiva, precisa
e determinada, assim como a palavra lua: entretanto, quando Diógenes diz a
Alexandre “Sai da frente do meu sol!”, não há mais, em sol, nada de sol a não
ser a oposição com a idéia de sombra; e a própria idéia de sombra é apenas a
negação combinada da idéia de luz, de noite fechada, de penumbra, etc., acres­
centada à negação da coisa iluminada com relação ao espaço obscurecido,
etc. Retomando a palavra lua, pode-se dizer a lua aparece, a lua cresce, a lua
decresce, a lua se renova, semearemos na lua nova, passarão muitas luas antes
que tal coisa aconteça... e, insensivelmente, vemos que 1®tudo o que pomos
em lua é absolutamente negativo, vindo apenas da ausência de um outro
Sobre a Essência Dupla cía Linguagem 69

termo, pois, e 2-, urna multidão de idiomas exprimirão, através de termos


totalmente diferentes dos nossos, os mesmos fatos em que fazemos intervir
a palavra lua, exprimindo, por exemplo, através de uma primeira palavra, a
lua em suas fases mensais, de uma segunda, a lua como astro diferente do
sol, de uma terceira, a lua por oposição às estrelas, de uma quarta, a lua
como tocha da noite, de uma quinta, o luar por oposição à própria lua, etc.
E cada uma dessas palavras só tem valor pela posição negativa que ela ocupa
com relação às outras: não é, em nenhum momento, uma idéia positiva,
legítima ou falsa, do que é a lua, que dita a distribuição de noções pelos dez
ou doze termos que existem, mas é unicamente a própria presença desses
termos que obriga a ligar cada idéia ao primeiro ou ao segundo, ou aos dois
por oposição ao terceiro, e assim por diante, sem qualquer dado além da
escolha negativa a ser feita entre os termos, sem nenhuma concentração da
idéia diversa sobre o objeto uno. Assim, só há, nessa palavra, o que não esta­
va, antes, fora dela; e essa palavra pode conter e encerrar, em germe, tudo o
que não está fora dela.

26 [Questão de sinonimia (continuação)]


Dito de outra maneira: se uma palavra não evoca a idéia de um objeto
material, não há absolutamente nada que possa precisar seu sentido, a não
ser por via negativa.
Se essa palavra, ao contrário, se refere a um objeto material, poder-se-ia
dizer que a própria essência do objeto é de natureza a dar à palavra uma
significação positiva. Aqui, não cabe mais ao lingüista explicar que nós só
conhecemos um objeto através da idéia que dele fazemos, e através das
comparações, legítimas ou falsas, que estabelecemos: de fato, eu não conhe­
ço nenhum objeto a cuja denominação não se acrescente uma ou muitas
idéias, ditas acessórias mas, no fundo, exatamente tão importantes quanto a
idéia principal — seja o objeto em questão o Sol, a Agua, o Ar, a Arvore, a
Mulher, a Luz, etc. De maneira que, na realidade, todas essas denominações
são igualmente negativas, significam apenas com relação às idéias inseridas
em outros termos (igualmente negativos), não têm, em nenhum momento,
a pretensão de se aplicar a um objeto definido em si e só abordam, na reali­
dade, esse objeto, quando ele existe, obliquamente, através e em nome de tal
ou tal idéia particular, do que vai resultar (exprimindo a coisa grosseira­
mente), porque nós tomamos momentaneamente, aqui, esse fato exterior
como base da palavra, 1® que será preciso, continuamente, modificar o ter­
mo para o mesmo objeto, chamar, por exemplo, a luz de “claridade”, “luar”,
“iluminação”, etc., 2- que o nome do mesmo objeto servirá para muitos
outros: a luz da história, as luzes de uma reunião de sábios. Neste último caso.
70 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

fica-se persuadido de que um novo sentido (dito figurado) se interpôs: essa


convicção parte puramente da suposição tradicional de que a palavra possui
uma significação absoluta que se aplica a um objeto determinado; é essa
presunção que nós combatemos. Desde o primeiro momento, a palavra só
aborda o objeto material segundo uma idéia que é, ao mesmo tempo, total­
mente insuficiente, se for considerada com relação a esse objeto, e infinita­
mente ampla, se for considerada fora do objeto (ela é sempre muito extensa
e pouco abrangente para empregar [ ]): idéia desde o começo negativa;
o que faz com que o sentido "próprio” não passe de uma das múltiplas
manifestações do sentido geral; esse sentido geral, por sua vez, é apenas
uma delimitação qualquer que resulta da presença de outros termos no
mesmo momento.
Enfim, nem há necessidade de dizer que a diferença dos termos, que faz
o sistema de uma língua, não corresponde em parte alguma, mesmo na
língua mais perfeita, às relações verdadeiras entre as coisas; e que, por
conseguinte, não há nenhuma razão para esperar que os termos se apli­
quem completamente, ou mesmo incompletamente, a objetos definidos,
materiais ou não.
Dir-se-á que eles devem corresponder, em troca, às primeiras impres­
sões que o espírito recebe; isso é verdade, mas essas primeiras impressões
são tais que estabelecem relações as mais inesperadas entre coisas total­
mente separadas, assim como tendem, continuamente e sobretudo, a divi­
sar coisas absolutamente unas; assim, em momento algum, a impressão
que causa um objeto material tem o poder de criar uma única categoria
lingüística; — só há, então, termos negativos, sendo que em cada um deles
o novo objeto está incompletamente contido, ao mesmo tempo que é
desmembrado em vários termos.
Mas isso seria deixar de compreender onde está o poder da língua e só
lamentar sua inexatidão. Não se impedirá jamais que uma única e mesma
coisa seja chamada, conforme o caso, uma casa, uma construção, um prédio,
um edifício, (um monumento), um imóvel, uma habitação, uma residência, e o
contrário seria um signo de nossa [ ]. Então, a existência de fatos mate­
riais é, assim como a existência de fatos de uma outra ordem, indiferente à
língua. O tempo todo ela avança e se põe a serviço da formidável máquina
de suas categorias negativas, verdadeiramente desembaraçadas de todo fato
concreto e, por isso mesmo, imediatamente prontas a armazenar uma idéia
qualquer que venha se juntar às precedentes.
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 71

27 Da essência
(Prólogo.) “Considerada enquanto que”... “Enquanto que”... Mas, à for­
ça de ver que cada elemento da linguagem e da fala é outra coisa conforme
os pontos de vista, quase inumeráveis e igualmente legítimos, em que é
possível se colocar para considera-ia, chega um momento em que { ]e
em que é preciso passar para a discussão até desses pontos de vista, à clas­
sificação racional que fixará o valor respectivo de cada um.

(Proposição n“ 5.) Considerada de qualquer ponto de vista, a língua não


consiste de um conjunto de valores positivos e absolutos, mas de um conjunto
de valores negativos ou de valores relativos que só têm existência pelo fato de
sua oposição.

(Corolário à proposição 5.) A "sinonimia" de uma palavra é, nela mes­


ma, infinita, ainda que seja definida com relação a uma outra palavra.
Com efeito, nada há, como dado primeiro, além de uma barreira negati­
va entre o conteúdo de tal signo e o conteúdo de tal outro: de tal maneira
que toda idéia nova que vier a se apresentar encontrará logo lugar, ou sob o
primeiro signo ou sob o segundo (se ela couber nos dois, é porque há opo­
sição com um terceiro ou quarto signo coexistente).
á por isso que querer esgotar as idéias contidas numa palavra é uma
empreitada totalmente quimérica, a menos, calvez, que se fique limitado
aos nomes de objetos materiais e de objetos totalmente raros, por exemplo
o aluminio, o eucalipto, etc. Já, quando se toma o ferro e o carvalho, não se
chegará ao fim do total de significações (ou de empregos, o que é a mesma
coisa) que damos a essas palavras, e só a comparação de ferro com duas ou
três palavras como aço, chumbo, ouro ou metal, só a comparação de carvalho
com duas ou três palavras, como salgueiro, videira, madeira ou árvore já repre­
senta um trabalho infinito. Para esgotar o que é contido em espirito por opo­
sição a alma ou a pensamento, ou o que é contido em ir por oposição a marchar,
passar, caminhar, se transportar, vir ou ficar, uma vida humana poderia, sem
exagero, se passar. Ora, como desde a idade dos quinze ou dezesseis anos,
nós temos um senso aguçado do que está contido, não apenas nessas pala­
vras, mas em milhares de outras, é evidente que o sentido repousa no puro
fato negativo da oposição de valores, visto que o tempo materialmente ne­
cessário para conhecer o valor positivo dos signos nos seria, cem vezes e mil
vezes, insuficiente.
O sinonimista que se maravilha com todas as coisas que estão contidas
em uma palavra como espírito, pensa que esses tesouros não poderíam ja­
mais estar contidos aí se não fosse o fruto da reflexão, da experiência, da
72 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

filosofia profunda acumulada no fundo de urna língua pelas gerações que


déla se serviram. Em que sentido ele pode ter razão até um certo ponto, isso
eu não examino porque é, na realidade em todo caso, o fato secundário. O
fato primeiro e fundamental é que, seja qual for o sistema de signos que se
ponha em circulação, estabelecer-se-á, instantaneamente, uma sinonimia,
já que o contrário é impossível e equivalería a dizer que não se atribui valo­
res opostos a signos opostos. No momento em que Ihe é atribuido um, é
inevitável que urna oposição de quaisquer idéias, vinda de surpresa, se aco­
mode num signo, que existe por oposição a um outro, ou em dois ou três
signos por oposição a um ou dois outros, etc.
Nenhum signo é, portanto, limitado no total de idéias positivas que ele é, no
mesmo momento, chamado a concentrar em si mesmo; ele só é limitado negativa­
mente, pela presença simultânea de outros signos; e é, portanto, inútil pro­
curar qual é o total de significações de urna palavra.
Uma das múltiplas faces sob as quais se apresenta esse fato é a seguinte;
um missionário cristão acredita que deve inculcar, a um povo selvagem, a
idéia de alma —; acontece que ele tem à sua disposição, no idioma indígena,
duas palavras, uma que exprime mais o sopro, por exemplo, e outra mais a
respiração; — de imediato, se ele está totalmente familiarizado com o idioma
indígena e ainda que a idéia a introduzir seja algo totalmente desconhecido
para [ ], — a simples oposição das duas palavras, “sopro” e “respira­
ção”, dita imperiosamente, por alguma razão secreta, sob qual das duas
colocar a nova idéia de alma; a tal ponto que, caso ele escolha, inabilmente,
o primeiro termo em vez do outro, pode resultar daí os mais sérios inconve­
nientes para o sucesso do seu apostolado — ora, essa razão secreta só pode
ser urna razão negativa, já que a idéia positiva de alma escaparia totalmente,
de antemão, à inteligência e ao sentido do povo em questão.
Da mesma maneira, quando um filósofo ou um psicólogo, depois de suas
meditações, por exemplo, sobre o jogo de nossas faculdades, entra em cena
com um sistema que faz tábula rasa de qualquer noção anterior, mesmo as­
sim todas as suas idéias novas, por mais revolucionárias que sejam, podem se
classificar sob os termos da língua corrente, mas, em todo caso, nenhuma
pode se classificar indiferentemente sob as palavras existentes, mesmo que se­
jam perfeitamente arbitrárias, como razão ou intelecto, inteligência ou entendi­
mento, julgamento, conhecimento, etc.; e que haja aí DE ANTEMAO um determi­
nado termo que corresponda melhor do que os outros às novas distinções.
Ora, a razão dessa propriedade, mais uma vez, só pode ser negativa, já que a
concepção que aí se introduz data de ontem e já que os termos em questão
não estavam menos delimitados no dia anterior em seu valor respectivo.
Uma outra manifestação flagrante da ação totalmente negativa dos sig­
nos, sempre na ordem dos fatos de sinonimia, é expressa pelo emprego
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 73

figurado de palavras (mesmo que seja impossível, no fundo, distinguir o


emprego figurado do emprego direto).
Assim, se a idéia positiva de suplicio fosse a verdadeira base da idéia de
suplicio, seria totalmente impossível falar, por exemplo, "do suplicio de usar
luvas muito apertadas”, que não tem a menor relação com os horrores da
grelha e da roda. Dir-se-á: mas isso é próprio, justamente, da locução figura­
da. Muito bem. Tomemos, então, uma palavra que represente, no sentido
direto, um conjunto de fatos absolutamente semelhantes ao que suplício re­
presenta.
Vemos, então, que não é a idéia POSITIVA contida em suplício e martírio,
mas 0 fato NEGATIVO de sua oposição, que estabelece toda a série de seus
empregos, permitindo qualquer emprego, contanto que não invada o domí­
nio vizinho. (Seria preciso, naturalmente, considerar, além disso, tormento,
tortura, aflição, agonia, etc.)
Admite-se que entre o suplício de São Lourenço e o nosso suplício da
grelha a distância é tal que, em comparação, não há verdadeiramente dis­
tância alguma entre o suplício de São Lourenço e seu martírio. Uma diferença
tão pequena no fato positivo não deveria ser de nenhuma conseqüência para
a[ ]

Então, mesmo que se trate de designações muito precisas como rei, bis­
po, mulher, cão, a noção completa envolvida na palavra resulta apenas da co­
existência de outros termos; o rei não é mais a mesma coisa que o rei se
existe um imperador, ou um papa, se existem repúblicas, se existem vassalos,
duques, etc.; — o cão não é mais a mesma coisa que o cão quando é oposto a
cavalo, representando, neste caso, um animal impudente e ignóbil, como no
tempo dos gregos, ou se é oposto sobretudo à fera selvagem que ele ataca,
representando, neste caso, um modelo de intrepidez e fidelidade ao dever,
como no tempo dos celtas. O conjunto de idéias reunidas sob cada um des­
ses termos corresponderá sempre à soma das que são excluídas por outros
termos e não corresponde a mais nada; é o caso da palavra cão ou da palavra
lobo, enquanto não surgir uma terceira palavra; a idéia de dinasta ou a de
potentado estará contida na palavra rei ou na palavra príncipe, enquanto não
se proceda à criação de uma palavra diferente das primeiras, etc.

(Corolário.) — Não há diferença entre o sentido próprio e o sentido


figurado das palavras — porque o sentido das palavras é uma coisa essenci­
almente negativa.
74 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

Redação do principio colocado acima

(Proposição X.) Considerada de qualquer ponto de vista que pretenda


ter em conta sua essência, a língua consiste, não em um sistema de valores
absolutos ou positivos, mas em um sistema de valores relativos e negativos,
que não tem existência, a não ser como efeito de sua oposição.
(Proposição X.) Não existe, em língua alguma, nem em nenhuma famí­
lia de línguas, um fato que tenha a característica de ser um traço permanen­
te e orgânico dessa língua ou dessa família.

([Sobre a palavra] autonomia.) Imagina-se que é muito importante defi­


nir 1®no sentido positivo (o que é ilusório: que não se esgotará jamais), 2*
no sentido imediato, em que consiste a autonomia de um povo, para daí tirar
3® os sentidos figurados. Na realidade, não existe a palavra autonomia antes
que sua esfera de significação esteja totalmente determinada e unicamente
determinada pela oposição em que ela entra com independência, liberdade,
individualidade, etc., de tal maneira que, se uma só dessas palavras, como
independência, etc., não existisse mais, o sentido de autonomia se estenderia
imediatamente nessa direção.
E esse mesmo fato, puramente negativo, da oposição com as palavras
comparáveis, é também o único que gera a precisão dos empregos “figura­
dos”; nós negamos, na realidade, que eles sejam figurados, porque nós ne­
gamos que uma palavra tenha uma significação positiva. Toda espécie de
emprego que não caia no raio de ação de uma outra palavra não é apenas
parte integrante, mas é também parte constitutiva do sentido dessa palavra,
e essa palavra não tem, na realidade, outro sentido além da soma dos senti­
dos não reclamados.

28 índice
FORMA. — Não é jamais sinônimo de figura vocal;
— Supõe, necessariamente, a presença de um sentido ou de um emprego;
— Pertence à categoria de fatos INTERIORES.

SER. Nada é, pelo menos nada é absolutamente (no domínio lingüístico).


Nenhum termo, supondo-o perfeitamente preciso, é aplicável fora de uma
esfera determinada.
A forma elementar do julgamento: “isso é aquilo” abre a porta a mil
contestações porque é preciso dizer em nome do que se distingue e se deli­
mita “isso” ou "aquilo”, sendo que nenhum objeto é naturalmente delimi­
tado ou dado, sendo que nenhum objeto é com evidência.
Sai-se da dúvida geral colocando as quatro formas de existência da língua.
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 75

SUBSTÂNCIA LINGÜÍSTICA. — Nós tendemos perpetuamente a con­


verter, pelo pensamento, em substância, as ações diversas que a linguagem
necessita.
Parece necessário, na própria teoria, abraçar essa concepção.
Haverá quatro gêneros de “substância” lingüística, que correspondem
às quatro formas de existência da língua.
Não há como admitir qualquer substância fundamental que receba atri­
butos depois.

TERMO (cf SER). — Não há nenhum termo definível e válido fora de


um ponto de vista preciso, como conseqüência da ausência total de seres
lingüísticos dados em si mesmos.
Não é mais permitido fazer uso de um termo tirado do ponto de vista A
quando se passa ao ponto de vista B.

FONOLOGIA (ou estudo dafonação). — Estudo que, receba o nome que


for, é absolutamente independente e distinto, não apenas da fonética das
diferentes línguas mas, em geral, da lingüística.
Ela constitui, todavia, uma ciência auxiliar muito importante para a lin­
güística. — E isso devido unicamente ao recorte fonético.
A identidade fonológica, ou fonatória, ou vocal, [ ]

29a [Sistema de uma língua]


O sistema de uma língua não consiste, então:
— nem na coexistência de certas formas A, B, C, D..., como supõem
inúmeras obras de lingüística,
— nem na coexistência de certas idéias, como a, b, c, d..., no que, desde
o primeiro momento, se é menos tentado a acreditar,
— nem na coexistência de relações entre a forma e a idéia, tais que
^ ..., o que indica, todavia, um certo progresso com relação ao ponto de
ABC
vista precedente, ao estabelecer a dualidade de cada termo.
Mas esse sistema consiste em uma diferença confusa de idéias que se
movem sobre a superfície de uma diferença [ ] de formas, sem que ja­
mais, talvez, uma diferença da primeira ordem corresponda a uma diferença
da segunda, nem que uma diferença da segunda corresponda a uma [ ]

29b [Diferença e entidades]


Há, infelizmente para a lingüística, três maneiras de se representar a
palavra:
76 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

A primeira é fazer da palavra um ser que existe totalmente fora de nós,


o que pode ser figurado pela palavra escondida no dicionário, ao menos para
a escrita; neste caso, o sentido da palavra se torna um atributo, mas urna
coisa distinta da palavra; e as duas coisas são dotadas artificialmente de
urna existência, por isso mesmo independentes urna da outra e, ao mesmo
tempo, independentes, cada urna, de nossa concepção; elas se tornam, uma
e outra, objetivas e parecem, além disso, constituir duas entidades.
A segunda é supor que a própria palavra está indubitavelmente fora de
nós, mas que seu sentido está em nós; que há uma coisa material, física, que
é a palavra, e uma coisa imaterial, espiritual, que é o seu sentido.
A terceira é compreender que a palavra, assim como seu sentido, não
existe fora da consciência que temos dela, ou que nos dispomos a adotar a
cada momento. Nós estamos muito longe, aqui, de querer fazer metafísica.

Uma palavra só existe verdadeiramente, de qualquer ponto de vista que


se adote, pela sanção que recebe, a cada momento, daqueles que a empre­
gam. E isso que faz com que ela difira de uma sucessão de sons, e que difira
de uma outra palavra, mesmo composta da mesma sucessão de sons.
Como não há unidade alguma (de qualquer ordem e de qualquer nature­
za que se imagine) que repouse sobre alguma coisa além das diferenças, na
realidade a unidade é sempre imaginária, só a diferença existe. Entretanto,
somos forçados a proceder com a ajuda de unidades positivas, sob pena de
ser, desde o início, incapazes de dominar a massa dos fatos. Mas é essencial
lembrar que essas unidades são um expediente inevitável de nossa [ ], e
nada mais: assim que se coloca uma unidade, isso equivale a dizer que é conveni­
ente deixar de lado [ ] para atribuir momentaneamente uma existência
separada a [ ]
Assim, a parallélie unilateral do ablativo.
Assim, o lugar da palavra, a esfera em que ela adquire uma realidade, é
puramente o ESPÍRITO, que é também o único lugar em que ela teria seu
sentido; pode-se, depois disso, discutir para saber se a consciência que te­
mos da palavra difere da consciência que temos de seu sentido; nós estamos
tentados a acreditar que a questão é quase insolúvel, e perfeitamente seme­
lhante à questão de saber se a consciência que temos de uma cor num qua­
dro difere da consciência que temos de seu valor no conjunto do quadro:
neste caso, talvez, a cor será denominada tom e a palavra uma expressão da
idéia, um termo significativo, ou simplesmente, uma palavra, porque tudo
parece estar reunido na palavra palavra; mas não há dissociação positiva
entre a idéia da palavra e a idéia da idéia que está na palavra.
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 77

29c Situação relativa dos dominios


interior e exterior
Vista pelo lado exterior, é evidente que a língua é incompleta; mas o
grande erro é acreditar que há paridade e simetria, a esse respeito, entre o
lado exterior e interior.
A língua, vista pelo lado interior [ ] é TOTALMENTE COMPLETA;
criada a disparidade irremediável [ ] os fatos exteriores e interiores, [ ]
representar como se completando [ ] que o um forma urna coisa^

29d Parte sintética


Não há nenhum objeto particular que seja imediatamente dado na lin­
guagem, como sendo um fato de linguagem. Nós temos, inicialmente, a
posição de que nenhum dos objetos aparentes pode servir de base legítima
à investigação. Seria preciso, antes, demonstrar que o objeto sob essa forma
se torna um fato de linguagem, e a que título, mas só se pode estabelecer a
que título começando-se por [ ]

29e Identidade etimológica


Assim que a identidade morfológica termina e que se estabelece, por
exemplo, duas identidades, estabelece-se, em troca, entre os dois termos, a
identidade etimológica (que não é, de modo algum, um fato de linguagem,
mas um fato de nossa reflexão gramatical). Nós acabamos de dizer "entre os
dois termos”: mas a partir de que momento há dois termos? Não há dois
termos; há, em primeiro lugar, um único termo morfológico, que se conver­
te, em seguida, em dois termos morfológicos que representam, então, um
único termo etimológico.

(Definição.) A identidade etimológica (noção puramente gramatical, que


não tem nenhum correlativo nos fatos, diferentemente das identidades pre­
cedentes) é aquela pela qual impomos idealmente urna identidade morfo­
lógica do estado A, pertencente ao passado — que se acha em um momento
de língua B, pertencente ao passado — que, por um motivo qualquer, se viu
quebrada ou apagada.

2. Lacunas devidas a um rasgo no manuscrito. (N. do E.)


78 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

2 9 f [Sintaxe histórica]
Imagina-se que as observações que seríamos inevitavelmente levados a
fazer sobre “sintaxe histórica” seriam quase infinitas, mas concorrerão to­
das para recusar formalmente a esta “ciência” uma base científica verdadei­
ra, que só poderia resultar de um método claramente formulado. Onde está,
pergunta-se, o método da “sintaxe histórica”?
Onde está o pólo sobre o qual ela se orienta, sobre o qual ela havia
apenas pretendido se orientar? Onde está a mais vaga tentativa, de sua par­
te, de tomar consciência de sua tarefa diante da mais formidável mistura de
fatos, talvez de qualquer lugar e de qualquer domínio, para constatar e de­
sembaraçar?
Em primeiro lugar, a sintaxe, nós o dissemos, não é, em momento al­
gum, nada além da morfología vista pelo avesso; de sorte que já há, na idéia
de que a sintaxe constitui um domínio definido — que se presta mais ou
menos que a morfología a ser estudado através do tempo, mas que se presta
a sê-lo fora dela — um desses erros ou cavernas, que depois não têm mais
remédio.
Em segundo lugar, a morfología, da qual depende a sintaxe — e, aqui,
admitimos momentaneamente que esses domínios sejam separados — não
é, ela mesma, suscetível de ser perseguida regularmente e científicamente atra­
vés do tempo: de sorte que a sintaxe não é mais, ou é ainda [ ]

29g [Mudança analógica]


A “mudança analógica”, que se compara à mudança fonética como o se­
gundo fator da transformação da língua no tempo, não lhe é comparável e
não é uma mudança.
E, na verdade, uma mudança para a língua considerada como uma só
massa, ou para a relação geral do pensamento e da expressão, se nos é de­
monstrado que essa relação é o objeto central, cuja trama o lingüista procu­
ra seguir através do tempo.

A “mudança” analógica, vista de um certo observatório, é comparável à mu­


dança fonética, quase no mesmo sentido em que o movimento das constela­
ções durante o ano é comparável aos movimentos da lua e dos planetas. Na
mudança fonética há, verdadeiramente, uma coisa que existe e se transforma.
Sobre a Essência Dupla da Linguagem 7°

29h [Objeto central da lingüística]


I. Um estado de língua oferece ao estudo do lingüista um único objeto
central: relação das formas e das idéias que nele se encarnam.
Por exemplo, será errado admitir que esse estado de língua oferece o
segundo objeto central, as próprias idéias; ou então as formas; ou os sons de
que se compõem as formas; (objeto necessariamente complexo, deixando de
lado seus outros atributos).

II. Uma sucessão de estados a examinar oferece à atenção do lingüista um


único objeto central, que está com o objeto precedente não numa relação de
oposição flagrante e abrupta, mas numa relação de radical disparidade, abo­
lindo, logo de início, toda espécie de comparação, inaugurando uma ordem
de idéias que não tem nenhuma oportunidade de nascer diante de um deter­
minado estado da língua.

Em parte alguma, no estado atual, pode-se pronunciar a palavra língua,


ou linguagem, sem que se tenha, antes, que verificar o equívoco possível
entre língua e transmissão da língua.

29i [Novação morfológica]


A novação morfológica, fenômeno cuja natureza, capacidade e unidade
temos que estabelecer a toda hora, compreende: 1- tudo o que se reúne sob
0 termo “mudanças analógicas”; 2- qualquer deslocamento do valor dos
signos ligado à mudança fonética das figuras vocais.

Se houvesse apenas esse fato, que na língua cada coisa deve ser conside­
rada separadamente em sua época e através do tempo, sem ter sobre a outra, de
nenhum dos dois pontos de vista, a menor preeminência, a lingüística seria
uma ciência relativamente simples, ainda que bem diferente, por essa única
separação, do que dissemos.
O mal é que não há, como se imagina, uma coisa que possa ser considera­
da, ao mesmo tempo, “em sua época” e “através do tempo”; mas que a
própria determinação das coisas a considerar, em cada época e através do tem­
po, depende de dados diferentes e exige uma argumentação sobre um dado.

E preciso revelar nosso pensamento íntimo? É de se acatar que a visão


exata do que é a língua não leva a duvidar do futuro da lingüística. Há des­
proporção, para esta ciência, entre a soma de operações necessárias para
entender racionalmente o objeto e a importância do objeto: assim como há
80 Sobre a Essência Dupla da Linguagem

desproporção entre a pesquisa científica do que se passa durante urna joga­


da e o [ ]

29j
O fenómeno de integração ou de pós-meditação-reflexão é o fenómeno
duplo que resume toda a vida ativa da linguagem e pelo qual
P os signos existentes evocam MECANICAMENTE, pelo simples fato
de sua presença e do estado sempre acidental de suas DIFERENÇAS a cada
momento da língua, um número igual não de conceitos, mas de valores opos­
tos por nosso espirito (tanto gerais quanto particulares, uns chamados, por
exemplo, de categorias gramaticais, outros tachados de fatos de sinonimia,
etc.); essa oposição de valores, que é um fato PURAMENTE NEGATIVO, se
transforma em fato positivo, porque cada signo, ao evocar urna antítese com
o conjunto dos outros signos comparáveis em urna época qualquer, come­
çando pelas categorías gerais e terminando pelas particulares, se vê delimi­
tado, apesar de nós, em seu valor próprio. Assim, numa língua composta por
um total de dois signos, ba e la, a totalidade das percepções confusas do
espírito vai NECESSARIAMENTE se classificar sob ba ou sob la. O espírito
encontrará, pelo simples fato de que existe uma diferença ba/la e de que não
existe outra, uma característica distintiva que lhe permita, regularmente,
tudo classificar sob o primeiro ou sob um dos dois elementos (por exemplo,
a distinção de sólido e de não sólido); nesse momento, a soma do conheci­
mento positivo será representada pela característica comum que tenha sido
atribuída às coisas bae a característica comum que tenha sido atribuída às
coisas la; a característica é positiva, mas ele só buscou a característica nega­
tiva que permitiu decidir entre ba e la; não procurou reunir e coordenar, mas
quis, unicamente, diferenciar. Ora, ele só quis diferenciar porque o fato
material da presença do signo diferente que tinha recebido o convidava e o
conduzia imperiosamente a isso, fora de seu [ ]
A cada signo existente vem, então, SE INTEGRAR, se pós-elaborar, um
valor determinado [ ], que só é determinado pelo conjunto de signos
presentes ou ausentes no mesmo momento; e, como o número e o aspecto
recíproco e relativo desses signos mudam a cada momento, de uma maneira
infinita, o resultado dessa atividade, para cada signo, e para o conjunto,
muda também a cada momento, numa medida não calculável.
II

ITEM E AFORISMOS
I. NOVOS ITEM
(Acervo BPU 1996)
1 [Kénôme]
Item. Comete-se o erro de acreditar [que há]
1. uma palavra, como por exemplo, ver, que existe em si, 2. uma signifi­
cação, que é a coisa associada a essa palavra.
Ora [ ], quer dizer que é a própria associação que faz a palavra e que,
fora dela, não há mais nada.
A melhor prova é que vwar, em uma outra língua, teria um outro senti­
do; não é, por conseguinte, nada em si: e, por conseguinte, só é uma palavra
na medida em que evoca um sentido. Mas, visto isso, fica, portanto, bem claro
que vocês não têm mais o direito de dividir, e de supor, de um lado, a palavra e, de
outro, sua significação. É tudo a mesma coisa.
Você pode apenas constatar o kénôme n e o sema associativo

2 [Questão de origem — Riacho]


Item. Qual questão de origem? — Origem da língua.
Nada prova melhor a nulidade de toda pesquisa sobre a origem da língua.
Mas, sobre esta questão, não é preciso se limitar às constatações negativas.
O que prova a ausência de uma questão filosófica da origem da língua,
NÃO É UM FATO NEGATIVO, é o fato positivo de que, desde o primeiro
momento, um signo só vale se [ ]

Item. Observar a língua e se perguntar em que momento preciso uma tal


coisa “começou” é tão inteligente quanto observar o riacho na montanha e
acreditar que, subindo, se encontrará o lugar preciso em que ele tem a sua
fonte. Coisas inumeráveis estabelecerão que, a cada momento, o RIACHO exis­
te enquanto se diz que ele nasce e que, reciprocamente, ele nada faz além de
nascer enquanto se diz [ ]
86 Item e Aforismos

Pode-se discutir eternamente sobre esse nascimento, mas sua maior ca­
racterística é ser perfeitamente idêntica à do crescimento.

3 [Elementos fundamentais — Som como tal


— Frase-Rito — Unidade lingüística
(Signo-Som-Significaçdo)]
Item. Em todo sistema semiológico (língua vocal ou outro) há [ ]
elementos fundamentais.
1- Elemento tácito, que cria todo o resto; que a língua circula entre os
homens, que ela é social. Se faço abstração dessa condição, se eu me divirto,
por exemplo, escrevendo uma língua em meu escritório, nada do que vou
dizer sobre "a língua" será verdadeiro, ou não será necessariamente verda­
deiro. É esse o erro fundamental, já nos filósofos do século XVIII.

Item. Examinemos se, na seção horizontal, existe alguma ocasião em


que o som chegue, como tal (abstração feita de todo fragmento de sentido
ligado ao som), a manifestar um valor — seja a) diante de fenômenos de lín­
gua próprios da seção horizontal, seja b) diante de distinções necessárias ao
lingüista para a seção horizontal.
Nenhuma:
a) Nenhum fenômeno na seção horizontal.
b) [ ]

Item. Um rito, uma missa, não são comparáveis, de modo nenhum, à


frase, já que são apenas a repetição de uma seqüência de atos. A frase é compa­
rável à atividade do compositor de música (e não à do executante).

Item. Representação da unidade lingüística por

Item. Cabe, alguma vez, falar de UT' ?

Isso só poderla ser do ponto de vista diacrônico. Ex. os daêvas. Mas isso
nada constitui de lingüístico.

4 [O discursivo, lugar de modificações —


Divisões deste livro]
Item. Todas as modificações, sejam fonéticas, sejam gramaticais (ana­
lógicas), se fazem exclusivamente no discursivo. Não há nenhum momento
Novos Item 87

em que o sujeito submeta a uma revisão o tesouro mentai da língua que ele
tem em si, e crie, de espírito descansado, formas novas (por ex. calmamente
[ ]) que ele se proponha (prometa) a "colocar" em seu próximo discur­
so. Toda inovação chega de improviso, ao falar, e penetra, daí, no tesouro
íntimo do ouvinte ou no do orador, mas se produz, portanto, a propósito de
uma linguagem discursiva.

Item. A divisão deste livro em parágrafos minúsculos tem qualquer coisa


de ridículo que eu queria evitar: “isso não é possível, etc.”
Porque, se este livro é verdadeiro, ele mostra, antes de tudo, que é pro­
fundamente errado imaginar que se pode fazer uma síntese radiosa da lín­
gua partindo de um princípio determinado que se desenvolve e se incorpora
com [ ]
Ele mostra que só se pode compreender o que é a língua com a ajuda de
quatro ou cinco princípios incessantemente entrecruzados de uma maneira
que parece feita de propósito para enganar os mais hábeis e os mais atentos
ao próprio pensamento. É, portanto, um terreno em que cada parágrafo
deve se manter como uma peça sólida introduzida no pântano, com capaci­
dade de reencontrar seu caminho, para trás e para a frente.
Enquanto, em qualquer outro domínio, as verdades se apóiam e se res­
tabelecem umas às outras à medida que se avança, parece que uma fatalida­
de quer que, na língua, toda nova verdade oblitere a outra porque as verda­
des iniciais não são simples.

5 [Situação da lingüística — Unidade linguística]


Item. A lingüística está numa situação essencialmente falsa (eu mante­
nho, provisoriamente, o termo falsa), porque [ ]

Item. A "unidade” lingüística. E de propósito que começamos pela unidade


lingüística.

Item. O que cria a língua não é o fato de ela ter uma vaga seqüência de
sons, mas séries de sons, a que se denomina palavra, exatamente delimitadas.

Item. O fato lingüístico, não é nada disso que pode [ ]

6 [Signo e significação — Realidades semiológicas]


Item. Quando se diz "signo”, imaginando-se, falsamente, que ele pode­
rá, depois, ser separado à vontade de “significação” e que designa apenas a
88 Item e Aforismos

"parte material", nada se teria a aprender, senão considerando que o signo


tem um limite material, como sua lei absoluta, e que esse limite já é, em si
mesmo, um “signo", um portador de significação. É, portanto, intelramente
ilusório opor, em qualquer instante, o signo à significação. São duas formas
do mesmo conceito do espírito, visto que a significação não existiria sem
um signo e que ela é apenas a experiência às avessas do signo, assim como
não se pode cortar uma folha de papel sem cortar o avesso e o direito desse
papel com a mesma tesourada.

Item. As realidades semiológicas não podem, em nenhum momento, se


compor [ ]
De sorte que você está, desde o início, diante deste dilema:
— ou vai se ocupar apenas do movimento do indicador, para o que você
é livre, só que, nesse caso, não há nem semiologia nem língua no que você
explora;
— ou então, se quiser fazer semiologia, você será obrigado não apenas
[ ] mas, o que também é difícil, a constituir suas primeiras unidades (irredu­
tíveis) por meio de uma combinação [ ]
II. ANTIGOS ITEM
(Edição Engler 1968— 1974)
Na proposição, tudo se reduz ao sujeito e ao predicado e, 3^
segundo creio, à conjunção (vocativos a ressalvar).
Mas o sujeito e o predicado nada têm a ver com as “partes do discurso”,
distinguidas segundo um outro princípio:
a) o sujeito pode ser um substantivo, ou um pronome, ou um adjetivo
ou um numeral como evidência imediata. Mas, da mesma forma, um verbo
(infinitivo), já que, veja mais embaixo, o infinitivo não muda a natureza do
verbo.
b) predicado pode ser, igualmente, tudo isso.
c) conjunção pode ser "conjunção” ou advérbio.
Pode-se imaginar uma língua que, quando um adjetivo fosse sujeito, lhe
outorgasse uma forma particular. Isso não mudaria em nada os fatos lógi­
cos. E por isso que, da mesma forma, nada há de particular no fato de léyopev
não poder ser sujeito. Basta que Xéyeiv possa sê-lo. A grosso modo, temos
nos falar para Aéyoirev e falar mal para A.éyeiv xmóv.

Item. Na proposição, a coisa mais notável é que, compondo-se no


mínimo de dois termos lógicos (ideais), ela pode se reduzir a um único
termo lingüístico, e isso sem que a palavra seja decomponível de maneira a
escapar da conclusão. Assim, fiatl ou sunt. Ou, provavelmente do mesmo
modo, “Quem diz isso? — Deus”. Os limites da elipse (a famosa elipse) só
se fixam no momento em que não haja mais nenhum som articulado e em
que a linguagem cesse para dar lugar ao puro pensamento.

Conclusões múltiplas. A procurar.


A assinalar entre outras coisas: capacidade que uma palavra tem para
ser, mesmo com signo que vise a isso, uma proposição completa como Xéyopeu
(não elíptica).
92 Item e Aforismos

Item. A simples palavra elipse tem um sentido que deveria fazer refle­
tir. Um tal termo parece supor que nós sabemos, inicialmente, de quantos
termos deveria se compor a frase e que comparamos a eles os termos dos
quais, de fato, ela se compõe, para constatar o déficit. Mas se um termo é
indefinidamente extensível em seu sentido, vê-se que a conta que acredita­
mos estabelecer entre n idéias e n termos é de uma puerilidade absoluta e,
ao mesmo tempo, de uma arbitrariedade absoluta. E se, abandonando a
frase específica, raciocinarmos em geral, veremos, provavelmente muito
depressa, que absolutamente nada é elipse, pelo simples fato de que os signos
da linguagem são sempre adequados ao que exprimem, com o risco de reco­
nhecer que tal palavra ou tal rodeio exprime mais do que se acreditava.
Reciprocamente, não haveria uma única palavra dotada de sentido sem elipse,
mas, então, por que falar de elipse (como Bréal) como se houvesse uma norma
qualquer segundo a qual as palavras são elípticas. Elas o são sem nenhuma
interrupção e sem nenhuma apreciação exata possível do [ ]. A elipse
não é nada além de excesso de valor [ ]

Item. Nenhum psicólogo, moderno ou antigo, ao fazer alusão à lín­


gua, ou mesmo ao considerá-la como veículo do pensamento, teve, por um
instante sequer, uma idéia qualquer de suas leis. Todos, sem exceção, imagi­
nam a língua como uma forma fixa e todos, também sem exceção, como
uma forma convencional. Eles se movimentam naturalmente no que chamo
de seção horizontal da língua, mas sem a menor idéia do fenômeno sócio-
histórico que provoca o turbilhão de signos na coluna vertical e impede que
se faça dela um fenômeno fixo ou uma linguagem convencional, já que é o
resultado incessante da ação social, imposta além de qualquer escolha.
Todavia, o início de uma compreensão por parte dos psicólogos só pode
vir de um estudo das transformações fonéticas.

Item. E convencional o contrato entre [ ], mas é um contrato


que não pode ser rompido, a menos que se suprima a vida do signo, já que
essa vida repousa sobre o contrato.

3310.2
Item
<
ep o o o
a
a

Item. O que é uma palavra nova, ou seja, a dificuldade de introduzir


uma palavra nova, além da afirmação da ligação sistemática entre todas as
partes da língua? Criam-se milhões de formas de conjugações ou de [ ],
Antigos Item 93

mas não há uma que represente um jorro original surgido arbitrariamente


de uma fonte desconhecida. E preciso não apenas que os elementos sejam
colocados nas combinações já conhecidas, mas que tudo esteja, por assim
dizer, preparado para fazer jorrar a nova combinação.

Item. A realidade da existência de fios que ligam entre si os elemen­


tos de uma língua, embora seja um fato psicológico imenso, não tem, por
assim dizer, necessidade de ser demonstrada. É isso mesmo que faz a língua.

3310.5
Item. É preciso o sím boloE 3- e não 1 3 ouCD

3310.6 gg existe uma verdade apriori, e que exija apenas bom senso para se
estabelecer, é que se há realidades psicológicas, e se há realidades fonológicas,
nenhuma das duas séries separadas seria capaz de dar origem, por um ins­
tante, ao menor fato lingüístico.
Para que haja fato lingüístico, é necessário a união das duas séries, mas
uma união de um gênero particular — da qual seria absolutamente vão que­
rer explorar, por um instante que fosse, as características, ou dizer de ante­
mão o que ela será.

Item. O não deve apenas remeter à diferença que há entre se


ocupar de uma palavra em seu sentido ou fora de seu sentido, mas também
à impossibilidade de circunscrever e fixar esse sentido sem que se diga: é o
sentido correspondente, por exemplo, a woç ou, por exemplo, a [ ]. Ne­
nhuma descrição do sentido ou da sinonimia fica à altura do sentido exato e
completo: não há outra definição a não ser o sentido P* que representa o
valor conhecido da forma 3 .

Item. Leis:
P As leis universais da língua que são imperativas (teoremático).
2- As “leis” fonéticas! Nenhum direito a esse nome.
3®As leis idiossincrônicas, não imperativas.
Nós não fazemos alta filosofia nenhuma sobre o termo Lei, nós o toma­
mos tal como o oferece o uso comum, o sentido de todo mundo.

Item. Conhecemos a tal ponto a confusão entre lei 3 e lei 2 ou lei 1


que não há nenhuma série e exemplos realmente suficientes para dissipar
esse mal-entendido.

3310.10
Item. Os subentendidos de um paradigma de declinação.
94 Item e Aforismos

Um subentendido não é uma abstração. É, até, o contrário de uma abs­


tração.
Quando digo que quero abstrair do integral lingüístico wríao^ev), hoc est
wfjooiieu só a forma (uoiiooiteu), [ ), sou livre para fazê-lo, se é para
considerar as transformações fonéticas que possam afetá-lo. Mas parece, no
primeiro momento, que fazer figurar uoiíoopEU, hoc est uofjdopeu &■, em um
paradigma de flexão ao lado de tx>iío(o, t>oiíoETe, é partir para uma operação
do mesmo gênero, na medida em que não se vê mais a função do sentido na
questão.
3 3 ia n
Item. Diferença ou vantagem do novo termo sema com relação ao de
stgno.
1®Signo pode ser não vocal. Sema também.
Mas signo pode ser = gesto direto, isto é, fora de um sistema ou de uma
convenção.
Sema = 1-signo convencional,
2- signo que faz parte de um sistema (igualmente convencional),
3® [ ]
Assim, pode-se dizer:
Sema = signo que participa das diferentes características que serão reco­
nhecidas como as dos signos que compõem [a] língua (vocal ou outra).
As características a assinalar desde o início são [ ]

Item. Entre outras, a palavra sema afasta, ou pretende afastar, toda


preponderância e toda separação inicial entre o lado vocal e o lado ideológico
do signo. Ela representa o todo do signo, ou seja, signo e significação unidos
numa espécie de personalidade.

3310.13 resto, seria falso dizer que fazemos uma questão


muito capital de sema em vez de signo.
Verdade é que parassema e apossema são noções capitais. Ora, uma vez
que [ ]

331014 Apossema tem a vantagem de poder ser entendida como se


quiser: coisa deduzida e abstrata de um signo, ou coisa despojada de sua
significação ou de significação, o que vem a dar no mesmo em termos de
clareza.

Item. O apossema é o envoltório vocal do sema.


E não 0 envoltório de uma significação.
O sema não existe apenas por fonismo e significação, mas por correla­
ção com outros semas.
Antigos Item 95

Item. Eu acredito que, no discursivo, pode-se falar de apossemas


(figuras vocais). O fato é que, mesmo na linguagem empírica, nós não dize­
mos: “a segunda/orma dessa frase” (mesmo quando não se trata de termos
lógicos, mas de palavras do ponto de vista fônico).

Item. Forma se emprega para apossema, sema e, por fim, parte mate­
rial do sema sincrónico. “As diversas formas dialetais desse nome...”:
apossema.
“As formas do dialeto x apresentam uma característica particular.” Pode
ser morfológica.

Item. Signo apossema. Quando se trata de alguma parte da língua,


sobrevêm a palavra e o sentido (ou o signo e o sentido) como se isso resumisse
tudo mas, além disso, exemplos de palavras como árvore, pedra, vaca, como
Adão que dá [ ], ou seja, o que há de mais grosseiro na semiología: o caso
em que ela é (pelo acaso dos objetos que se escolhe para serem designados)
uma simples onímica, ou seja, pois essa é a particularidade da onímica no
conjunto da semiologia, o caso em que há um terceiro elemento maintestá-
ve) na associação psicológica do sema, a consciência de que ele se aplica a
um ser exterior bastante definido em si mesmo para escapar à lei geral do
signo.

Item. Embora queiramos abordar o menos possível o lado ideológi­


co do signo, é bem evidente que se as idéias de toda espécie oferecessem
uma fixidez [ ]. Fixidez obtida apenas pelos nomes geográficos.

Sendo que a idéia invariável e influtuável pode ser considerada uma


coisa quimérica, os semas geográficos e os nomes próprios são exceção na
medida em que [ ]. Mais exatamente: a única chance para um [ ]
A idéia de tudo isso é a questão de saber se, assim como um apossema
persiste fora do sema, um apossema intelectual poderla, da mesma forma,
ser constatado em alguma parte. É certo que em “Rhône” há, por assim di­
zer, dois apossemas correndo paralelamente. Mas, no fundo, nada seme­
lhante a isso seria possível visto que, se o nome Rhône fosse mudado, não
haveria mais o mesmo sema e, por conseguinte, seria inútil discutir os
apossemas, a melhor prova de que o sema tem sua base fundamental no
signo material escolhido.

Item. Catálogo de erros fundamentais.


Merecem o nome de erros fundamentais por causa de suas conseqüên-
cias;
96 Item e Aforismos

O erro de signos individuais tomados cada um por si;


— ou erro de acreditar que uma língua composta de 500 palavras repre­
senta 500 signos + 500 significações.
— ou erro de acreditar que em nada se representa o fenômeno da língua
quando se imagina que é possível dizer “a palavra e sua significação”, es­
quecendo que a palavra é cercada de [ ]

Item. Os parassemas. Para que uma palavra qualquer faça parte da


língua, uma segunda palavra, mesmo que não tenha com a primeira ne­
nhum "parentesco”, é um parassema. A única e simples qualidade do
parassema é fazer parte do mesmo sistema psicológico de signos, de manei­
ra que quando se descobre, a partir da observação, que um signo dado tem
existência completa fora dos signos concorrentes do sistema, que não tem
importância alguma observar, com relação a um signo dado, o conjunto de
signos concorrentes, a palavra parassema deverá cair e, reciprocamente,
deverá subsistir quando se constata que uma palavra não é completamente
autônoma no sistema de que faz parte.
3314.1
A palavra expressão (esta forma é a expressão de...) a ser estudada.
3314.2
Mostrar que termo tem sido tão incapaz quanto signo de guardar um
sentido material ou inversamente. “Nesses termos" é textual.

J314.3 seria, de resto, o que queremos dizer com sema; há alguma


coisa a observar a esse respeito. Um sincronismo se compõe de um certo
número de termos (termini) que compartilham o conjunto da matéria a signi­
ficar.

3314,4 apossema é tomado em um momento dado. È o fato de ser consi­


derado assim, na língua, que faz com que ele mereça um nome como apossema
e não seja, simplesmente, uma seqüência fônica. Ele é, particularmente,
delimitado na frente e atrás.

(Não é preciso chamar, reciprocamente, de apossema, uma fórmula


fônica qualquer como -bd-, mas apenas as fórmulas fônicas que, num certo
momento, foram o corpo de um sema.)

Apossema = cadáver de sema. Provavelmente, pode-se permitir


essa comparação, ou seja, da não é perigosa. Mas há, entretanto, o perigo
de que um cadáver continua coisa organizada em sua anatomia, enquanto
que, na palavra, anatomia e fisiología se confundem por causa do princípio
de convencionalidade.
Antigos Item 97

33R7 ¡sjegta questão difícil da adoção de uma palavra que deturpa mais
ou menos a [ ], não podemos, ao menos, esquecer, entre as coisas que
consagram a palavra sema, os orjpaTa A.t>Ypá. semas gráficos, mas vimos o
parentesco. (Teremos, ao menos, coincidido com a mais antiga palavra em­
pregada pelo poeta para [ ].)

Diacronicamente, a questão; é a mesma palavra? significa unica­


mente; "é o mesmo apossema?” Mas não sincrónicamente. E não há contra­
dição, como poderia parecer (na medida em que se pode dizer que conside­
rada diferente em um dado momento, é considerada idêntica daí em dian­
te). Porque nós dizemos que, diacronicamente, é o mesmo apossema, mas
isso não implica que seja ainda o mesmo sema. Eis aí a diferença. (Há pala­
vra = apossema e palavra = sema.)

(Seqüência.) Não cabe, provavelmente, dizer, de uma época para


outra, o que é o mesmo sema, nem há meio de comparado para isso, já que
o sema depende, em sua existência, de todo o entourage parassêmico do pró­
prio instante.

3314.10 dizemos que não há morfología fora do sentido, embora a


forma material seja o elemento mais fácil de examinar. Pois há ainda iiienos,
a nossos olhos, uma semântica fora da forma!

Item. Observar, com grande atenção, que, na mudança analógica,


não há mudança de apossema. O paradoxo se esclarece logo quando, em vez
de dizer “mudança de apossema”, se diz mudança do apossema de uma pala­
vra ou do apossema de um sema. Criou-se um outro sema, um parassema, que
tem, naturalmente, de sua parte, um apossema. Não há mudança de uma
parte do primeiro sema. A mudança está inteiramente no domínio dos semas.
Ela é totalmente guiada pelo sentido.
É uma criação parassêmica. Assim como há influências parassêmicas e
conservações parassêmicas.
Mas, uma dificuldade será demarcar a criação e a influência parassêmica,
que pode mudar completamente o sentido de um sema, sem que se reconhe­
ça que seja um outro sema. Ora, quando a “forma” muda, nós dizemos for­
malmente que é um outro sema. Essa diferença é justificada?

Item. Os sujeitos falantes não têm nenhuma consciência dos apossemas


que pronunciam e também não, por outro lado, da idéia pura. Eles só têm
consciência do sema. E isso que assegura a transformação perfeitamente
mecânica do apossema através dos séculos.
98 Item e Aforismos

Item. Para abordar sensatamente a lingiiística, é preciso abordá-la


de fora, mas não sem alguma experiência dos prestigiosos fenômenos do
interior.
Um lingüista que é apenas linguista está na impossibilidade, segundo
creio, de encontrar o caminiio que permite apenas classificar os fatos. Pouco
a pouco, a psicologia assumirá praticamente a tarefa de nossa ciência, por­
que eia se aperceberá que a língua não é uma de suas ramificações, mas o
ABC de sua própria atividade.

Mais Item. Não é nada disso que eu queria dizer, quero dizer que,
caso se soubesse de antemão que a lingüística contém unidades [ ]

’ Item. O fato capital da iíngua é que ela comporta divisões, unidades


delimitáveis.
3 3 1 5 .6
Item. 1. Em que pode consistir uma unidade lingüística?

Item. Significar quer dizer revestir um signo de uma idéia assim


como uma idéia de um signo. Assim: “tal distinção só tem valor gramatical
na medida em que é significada" = revestida de um signo próprio. Signifier à
quelqu'm son congé iÇomunkar a alguém que está despedido).

Item. Há falta de analogia entre a língua e qualquer outra coisa hu­


mana, por duas razões; P a nulidade interna dos signos; 2- a faculdade de
nosso espirito de se ligar a um tenno, em si, nulo.
(Mas não era isso que eu quería dizer primeiro. Eu me desviei.)

Item. Da psicologízação dos signos vocais.


A. Suponhamos que, sobre o mesmo disco de lanterna mágica, fosse
aplicado sucessivamente

Disco verde
" amarelo
“ preto
“ azul
" azul (de novo)
" vermelho
" violeta.

resultaria, do conjunto desses signos, a quase-impossibilidade de apresentá-


los em sua seqüéncia, ou “como urna sequência recolhível, que forme um todo”.
Amigos Item 99

Ora, toda a particularidade da palavra é ser um sema colhível, mas que


repousa sobre a sucessão das sílabas.
B. Suponhamos, em segundo lugar, que essas cores não se sucedam, mas
que sejam justapostas sobre o disco. (Aqui, com aprumo, verde/amarelo/
preto, à esquerda verde, depois amarelo, etc., logo à direita). Vai-se ter, nes­
te caso, uma figura, senão recolhível para todo mundo, pelo menos come­
çando a se tornar colígível e a ser uma figura.
C. Foi preciso, para que a figura visual se tornasse figura, abandonar o
princípio da sucessão temporal e recorrer à [ ]

^ O
3317.0
Item.
3,317.1
Item. Faz com que a palavra não seja longa a ponto de ser impossível
recolhê-la numa única sensação.
Eis aí, concorrentemente à divisibilidade temporal, o que torna um
pseudo-organismo tão pujante de ilusão.
3317.2
Item. Princípio da uni-espacialidade, quando se considera o soma, que
tem, por conseqüência, no sema, a divisibilidade em seções (sempre no mesmo
sentido e por cortes idênticos), em vez da divisibilidade pluriforme que se
teria, por exemplo, caso, num sistema “visual direto” (= escrita ideográfica).

se tivesse LO em oposição ao sentido pretendido para I ^

Porque é preciso manter, a este respeito, talvez como tábua de salvação,


a oposição entre dois semas — não a significação de um sema. — Ora, a
oposição entre dois semas, como Xéyopev, Xéyete, se estabelece por meio de
seções que têm o mesmo sentido e que só sobrevêm uma a uma, enquanto é fácil
conceber mil sistemas em que nem a primeira nem a segunda dessas condi­
ções se realizaria. (Difícil somente porque voltamos à fala sem suspeitar,
quando se dá um outro semismo.)

Item. A temporalidade. Quanto mais se estuda, mais se vê que é a


divisibilidade por fragmentos de tempo da cadeia sonora (ipso facto
divisibilidade simples, unilateral) que cria, ao mesmo tempo, as característi­
cas [ ] e as ilusões, como a de acreditar que as unidades da linguagem são
todas organizadas, enquanto elas são simplesmente todas subdivisíveis no tem­
po e paralelamente às funções que se pode atribuir a cada fragmento de tempo.
100 Item e Aforismos

Item. É completamente inútil refletir antes de entender a natureza


do agente escolhido para o gênero de semiología espedal que é a semiología
lingüística.

Item. Ver em que medida a palavra peça (oposta a fragmento) pode


servir ou não servir nas análises lingüísticas e nas comparações com anato­
mia, mecânica, etc.
Da mesma forma, membro. Uma palavra, quando dela se retira toda a
significação, não tem mais membros, nem mesmo qualquer divisão (além das
divisões fônicas), quando, um instante antes, ela parecia ter membros.
3317.6
Item. A palavra inerte...

' Item. É preciso se obrigar a dizer uníespacíalídade do signo lingüístico,


a cada vez, para fazer sentir que essa não é a característica geral do sema.

Item. Talvez valha a pena dizer que, na escritura fonética, um signo


diacrítico como o não quebra o princípio uniespacial, porque se faz um só
sema do todo (sem membros). Mas pode ser, talvez, algo a dizer.

Item. O sema lingüístico faz parte da família geral dos sentas uni-
espaciais, de que faz parte, necessariamente, todo sema baseado na trans­
missão acústica. Mas não é a transmissão acústica que é importante, é a
uniespacialidade.

Item. Armadilha. Quando se representa a palavra etc. por sinais


visuais justapostos como f isso é perfeitamente correto, mas com a
condição de que o sinal consistirá na justaposição indefinida e não, por exem­
plo, em içar etc., porque, neste caso, há duas ordens de
idéias confundidas, e justamente J é um exemplo da simultaneidade
possível (ou não-uniespacialidade) do sema visual, mas apenas se for, ele
mesmo, desmembrável.

Item. Será necessário, talvez, um exemplo de sema multiespacial a


fim de se ter um meio para melhor captar a noção de sema. Em certo senti­
do, e para começar por um caminho mais fácil, eu posso dar esse nome a um
quadro alegórico — ou a uma pintura qualquer, desde que os objetos repre­
sentados toquem a significância das coisas. É impossível dizer que esse qua­
dro começa pela esquerda e termina [ ]
Antigos Item 101

3318.6 representar verdadeiramente os elementos fônicos sucessivos


de uma palavra, seria preciso uma tela onde se pintasse, com lanterna mági­
ca, cores sucessivas e, no entanto, isso seria falso na medida em que nos seria
impossível recolher essas cores sucessivas numa única impressão, e é por
isso que a palavra escrita inteira sobre a tela, da direita para a esquerda, ou
da esquerda para a direita, espacialmente, é, para nós, uma representação
melhor da palavra, que é, no entanto, temporal.
O sema acústico é baseado, em grande parte, na memorização das for­
mas acústicas, cem vezes mais fácil do que a das formas visuais.

Item. Assim como a frase musical se desenvolve no tempo, porque


nós retemos [ ], assim também a frase visual, que seria, por exemplo,
uma linha de montanhas — Mas coisa curiosa; não há frase visual que con­
sista em momentos sucessivos, e é por isso que somos levados à representa­
ção gráfica.

®Item. A favor de Inertoma. Mesmo um termo como soma (ocona) se


tornaria, em muito pouco tempo, se tivesse a oportunidade de ser adotado,
sinônimo de sema, a que pretendia se opor. E aqui que a terminologia lin­
güística paga seu tributo à própria verdade que estabelecemos como fato de
observação.
Em todo termo como soma, pelo menos duas condições predispõem a
palavra a se tornar = signo: P Coincidência do limite uniespacial. De sorte
que, mesmo quando se quer dizer, pelo soma Zeus, exatamente o contrário
do sema Zeus [ ], 2- Então, mesmo que se despoje um signo de seu
sentido, o espírito sempre põe no signo ou no soma ao menos a INTEN­
ÇÃO que põe os MÚSCULOS em movimento e demonstra, assim, uma von­
tade, 3®O soma será como o cadáver divisível em partes organizadas, o que é
falso.

®Item. No ser organizado, a função pode morrer sem que o órgão


morra. Até mesmo o cadáver ainda tem seus órgãos, o que é assunto para a
ciência anatômica. Na palavra, não existe absolutamente nada de anatômico,
ou seja, nenhuma diferença de peças baseada numa relação da função e da
peça que era importante para essa função, existe apenas uma seqüência de
fonações inteiramente semelhantes entre si, já que nada seria mais apropria­
do para ser o pulmão da palavra do que o seu pé.
Princípio da Idêntica capacidade.

' Item. Diátese? ou diacosmia? por economia, a determinado mo­


mento da língua (=Idiossincronia).
102 Item e Aforismos

Item. Comparação com anatomia e fisiología. As duas são a mesma


coisa para a língua; o erro é justamente acreditar que a. gramática é a fisiolo­
gía (que estuda a função) enquanto a fonética — ou fonología? — seria a
anatomia. Muito útil ver onde peca a comparação. O olho não se assemelha
à mão, nem o pulmão à espinha dorsal; assim, mesmo fazendo abstração da
função, a anatomia tem diante de si, em cada órgão, um objeto diferente, Mas
nenhuma diferença entre, por exemplo, -í- signo do feminino e -í- signo do
optativo; há apenas matéria bruta quando se retira a função convencional
em lingüística. É a função, de que é investido um fonismo, que faz com que
concedamos, passageiramente, o título de órgão a esse fonismo que, em si
mesmo, parece com todos os outros fonismos e é suscetível de assumir
absolutamente (tal qual é) qualquer função.
Observação semelhante sobre cstraíura de uma palavra. Novamente, uma
dessas imagens que, sob a ilusão de clareza, recobrem mundos de idéias
falsas e malconcebídas. Uma palavra não tem nenhuma estrutura. Quando
se faz abstração do sentido das diferentes partes.

Item. Na comparação do jogo de xadrez, há decerto que a função


(valor) é convencionávcl mas, quando se trata da estrutura, essa comparação
não oferece nenhuma base, visto que cada peça é indesmontável, não con­
tém, como a unidade da palavra, partes diversas, com funções diversas.

Naturalmente, uma máquina, um mecanismo, tanto quanto um orga­


nismo, não pode se comparar. Aí também há uma anatomia e uma fisiología.

Mas, nesta questão, é preciso dar muita atenção ao “merisma” (à


divisibilidade no tempo) das partes da palavra; é essa divisibilidade da cadeia
sonora que, talvez mais do que a variedade de sons, contribui para impor a
ilusão de grupos orgânicos. E maravilhoso, em suma, poder inserir hifens
como ^ú-0ri-oó-pe-vo-ç.

®É por isso que a comparação química, correta sob certos aspectos,


nada diz ao espírito.

3319.7 ^ parte da comparação tática, disposição de uma fileira


de exército.

' Item. O signo, soma, sema, etc. Só se pode, verdadeiramente, dominar


o signo, segui-lo como um balão no ar, com certeza de reavê-lo, depois de
entender completamente a sua natureza, natureza dupla que não consiste
nem no envoltório e também não no espírito, no ar hidrogênio que o insufla
e que nada valería sem o envoltório.
Antigos Item 103

O balão é o senta e o envoltório o soma, mas isso está longe da concepção


que diz que o envoltório é o signo, e o hidrogênio a significação, sendo que o
balão, por sua vez, nada é. Ele é tudo para o aerosteiro, assim como o sema é
tudo para o lingüista.

3320.2 Q = significação poderá ser tratado, por sua vez,


assim como o soma, fora do sema? Poderia ser de se desejar, mas isso está,
momentaneamente, fora de toda previsão do lingüista ou do psicólogo.
Trata-se de limitar, à sua esfera respectiva, o soma ou o anti-soma. Ora, o
soma se limita facilmente à sua esfera, que é totalmente física. Está aí a
origem e a explicação das orgias benfeyescas. O anti-soma não é, de modo
algum, limitável à sua esfera. Entre os dois, o sema e a esfera do sema.

Item. Isso que se denomina a significação é o que nós denominamos


o parassoma e, à diferença do soma, não pode jamais ser isolado de maneira
a se tornar, por si mesmo, um objeto de pesquisa ou de observação. Enten­
da-se bem: ele pode se tomar, em certa medida, um tal objeto de pesquisa
ou de observação, com a condição de se voltar sem cessar ao sema, a dife­
rentes semas que unam esse parassoma a alguma coisa material, ou seja, ao
soma, mas isso não constitui nada de semelhante ao estudo dos somas, que
reconhecemos como independente.

Item. Passeando, eu faço, sem nada dizer, um entalhe numa árvore,


como por diversão. A pessoa que me acompanha guarda a idéia desse enta­
lhe e é incontestável que associa duas ou três idéias a esse entalhe a partir
desse momento, embora eu mesmo não tivesse idéia alguma, além de enganá-
la ou de me divertir.
Toda coisa material é já, para nós, signo: ou seja, impressão que associa­
mos a outras, mas a coisa material parece indispensável. A única particula­
ridade do signo lingüístico é produzir uma associação mais precisa do que
qualquer outra e, conforme se verá, talvez essa seja a forma mais perfeita de
associações de idéias, que só pode ser realizada em um soma convencional.

®Item. Breve história da lingüistica.


Besteiras admiráveis vieram à luz, mas admiráveis no passado.
O passado da lingüística se compõe de uma dúvida geral sobre seu pa­
pel, sobre seu lugar, sobre seu valor, sobre [ ], acompanhada de colos­
sais aquisições sobre os fatos, sobre fatos de que não se tinha a menor idéia
até 1810 e não [ ]
Vê-se a doutrina ridícula de um Max Müller apresentando a língua como
um reino natural, que existe por si [ ]
104 Item e Aforismos

A antiguidade da língua foi uma coisa subitamente revelada e que, sob o


nome de Continuidade da língua, se tornará uma das aquisições capitais da
[ ]•

Viu-se a doutrina ridícula de Max Müller, que reivindica para a


lingüística o lugar de uma ciência natural e admite uma espécie de “reino
lingüístico”, que existe à maneira do "reino vegetal” estudado pelos botâni­
cos.
Isso se dizia e se ouvia a sério. Mas o que eu quero dizer é que, quando
houve uma reação, ninguém sabia dizer em que sentido se deu a reação,
porque a lingüística, embora tendo vagamente o sentido das coisas certas,
não tinha nenhuma possibilidade de criar para si uma DIREÇÃO.

Item. É muito cômico assistir aos gracejos sucessivos dos lingüistas


sobre o ponto de vista de A ou de B, porque esses gracejos parecem supor a
posse de uma verdade, e é justamente a absoluta ausência de uma verdade
fundamental que caracteriza, até hoje, o lingüista.

Item. bonté (bondade) — santé (saúde). Em douteux (duvidoso) ou


amertume (amargura) ou em noirâtre (denegrir) há, evidentemente, dois ele­
mentos. Mas 0 primeiro elemento não é idem a doute (dúvida) ou amer (amar­
go), noir (negro). Tem-se simplesmente douteux (duvidoso) : doute (dúvida)
= goitreux (portador de bocio): goitre (bocio), etc. É uma das maneiras de se
chegar a esclarecer a noção de radical. Boa comparação: huldvoll contém huid
enquanto palavra, mas huldig apenas o radical que se reencontra em huid. Cf.
würdevoll, würdig, würde — noeud (nó) : noueux (nodoso), langueur (langor) :
langoureux (langoroso). (Não se trata de uma questão histórica, mas do esta­
do consciente.)

Item. Em toda parte, o estado histórico e o estado consciente são


dois estados que se opõem. São os dois caminhos do signo. De onde a difi­
culdade, mais a necessidade, de absolutamente não misturá-los em parte
alguma.
Eles se opõem como os dois estados possíveis de uma palavra e antes de
sua escolha a palavra nada é.
Cada palavra está na interseção do ponto de vista diacrônico e sincrónico.
Isso quando se quer descansar da eterna pergunta “isto é um sema?” to­
mando a palavra como uma coisa dada, conhecida em geral.

3322.3 necessário fazer a conta total das maneiras de ver e dos “cam­
pos de análise”.
Antigos Item 105

Item. Embora seja necessária uma análise para fixar os elementos da


palavra, a palavra em si mesma não resulta da análise da frase. Porque a
frase só existe na fala, na língua discursiva, enquanto a palavra é uma unida­
de que vive fora de todo discurso, no tesouro mental.

Item. O que precede não implica que os elementos da palavra não


existam jamais como unidades mentais, mas simplesmente que a palavra se
separa, em todo caso, sem análise.

Item. A memória, com efeito, fornece apenas um número absoluta­


mente restrito de fi'ases totalmente acabadas. E não poderla ser diferente,
sendo dada a quantidade ilimitada de combinações possíveis com muito
poucos termos. Ao contrário, a memória fornece palavras totalmente acabadas
aos milhares. Portanto, a palavra não tem, como primeiro modo de existên­
cia, que ser um elemento de frase, pode-se considerar que ela existe “antes”
da frase, ou seja, independentemente dela, o que não é o caso dos elemen­
tos da palavra com relação à unidade da palavra. De resto, mesmo no discursivo,
há cem casos que levam a pronunciar uma palavra, não uma frase (todos os
vocativos, entre outros).

Item. O fato “educativo” de que aprendemos frases antes de saber


palavras não tem alcance real. Equivale a constatar que toda a língua come­
ça a penetrar em nosso espírito através do discursivo, como dissemos, e
como isso é forçado. Mas assim como o som de uma palavra, que é uma
coisa igualmente admitida dessa maneira em nosso foro interior, se toma
uma impressão completamente independente do discursivo, assim o tempo
inteiro nosso espírito separa do discursivo o que for preciso para deixar
apenas a palavra. A maneira pela qual a palavra é fixada não tem importân­
cia, uma vez feita a operação, contanto que se constate que é mesmo essa
unidade que reina.

3323.5 Capital observar que todas as vezes em que ficamos atentos a


um detalhe, uma nuance de som, por exemplo à pronúncia ligeiramente
diferente de duas palavras, nós temos, como único meio, interrogar a nós
mesmos, precisar a idéia da palavra, como que evocando a pronúncia corres­
pondente. Tanto é verdade que, no sema, o som não é separável do resto e
nós só possuímos o som na medida em que tomamos todo o sema, com a
significação, portanto. Para a palavra cão, eu começo por pensar num cão, se
quero saber como pronuncio.

Item. Um adjetivo, um substantivo, um verbo não têm necessidade


de nenhum signo gramatical para existir como adjetivo, como substantivo.
106 Item e Aforismos

como verbo. Mas, se desse fato vem uma certa luz, ele está longe de revelar
positivamente a natureza do adjetivo ou, positivamente, a natureza do subs­
tantivo.

Item. A grande diferença entre termos como sujeito, etc., que se ad­
mite na frase, e as “partes do discurso”. Os termos da frase podem não
corresponder a nada lingüísticamente, mas um “adjetivo”, ou um “advér­
bio”, etc., tem, como condição, ser ao menos representado por uma forma
vocal. Nós podemos falar do sujeito da frase sem que esse sujeito esteja
realmente presente diante de nós através de alguma tradução material, mas
nós não podemos falar de um substantivo sem supor um envoltório vocal
do substantivo, coisa muito capital (sem que haja, por outro lado, nada que
caracterize esse envoltório como o de um substantivo).

Item. Há estes três tipos:


Sem necessidade de uma expressão vocal: sujeito, predicado.
Com a necessidade, mas sem ambiente vocal correspondente às catego­
rias: adjetivo, substantivo, etc.
Em seguida, vagas expressões de diferenças.
3324.4
Item. Reflitamos um instante sobre o termo; “expressão de uma
diferença”. Ele supõe, forçosamente, duas formas vocais e duas formas es­
pirituais a elas ligadas [ ]
III. AFORISMOS
(Edição Engler 1968—1974)
3328.1 ^ ^ condição de todo fato lingüístico é se passar entre dois termos
no mínimo; os quais podem ser sucessivos ou sincrónicos. A ausência do se­
gundo termo, se ela parece se manifestar onde quer que seja, não passa de
aparência.

3328.2 língua, assim como em todo outro sistema semiológico, não


pode haver diferença entre o que caracteriza uma coisa e o que a constitui.
Se o contrário fosse constatado uma única vez [ ]

3328.3 Elementos e características são a mesma coisa. É um traço da


língua, assim como de todo sistema semiológico em geral, não poder haver
diferença, nela, entre o que distingue uma coisa e o que a constitui.

3328.4 ^ 1 1 1 jei que se movimente entre termos contemporâ­


neos entre si tem sentido obrigatório.

3328.5 Quaisquer verdades que se reencontrem [ ]


Não falamos nem de axiomas, nem de princípios, nem de teses. São sim­
plesmente, no puro sentido etimológico, aforismos, delimitações. — [ ]
mas limites entre os quais se reencontra constantemente a verdade, de onde
quer que se parta [ ]
III

OUTROS ESCRITOS
DE LINGÜÍSTICA
GERAL
I. NOVOS DOCUMENTOS
(Acervo BPU 1996)
1. [Linguagem ■— Língua — Fala]
A linguagem é um fenômeno; é o exercício de uma faculdade que existe
no homem. A língua é o conjunto de formas concordantes que esse fenôme­
no assume numa coletividade de indivíduos e numa época determinada.
O mal-entendido em que caiu, no início, a escola fundada por F[ranz]
Bopp, foi atribuir às línguas um corpo e uma existência imaginários, fora
dos indivíduos falantes. A abstração, em matéria de língua, mesmo feita
com conhecimento de causa, só permite, na prática, aplicações limitadas —
é um procedimento lógico — ainda mais uma abstração à qual se dava um
corpo e da qual se era o joguete ia ser um impedimento...

A escola de Bopp teria dito que a linguagem é uma aplicação da língua


ou que esta é a condição necessária da linguagem, considerando a língua
como instituída, delimitada. Hoje, vê-se que há reciprocidade permanente e
que, no ato de linguagem, a língua tem, ao mesmo tempo, sua aplicação e
sua fonte única e contínua, e que a linguagem é, ao mesmo tempo, a aplica­
ção e o gerador contínuo da língua, [ ] a reprodução e a produção.
Ao mesmo tempo que os pontos de vista de toda a distância que separa
[ ]

Sobre o papel — para o sujeito falante ou conjunto de sujeitos falantes


— para o sujeito pensante e falante [ ]
A[ ] não tratou a linguagem como fenômeno; ela disse:
A língua é a letra; a linguagem é a língua ou o idioma, e o idioma é a
letra; a língua é o fonema, é uma correlação entre o pensamento e o fonema.

A primeira escola de lingüística não considerou a língua em sua caracte­


rística de fenômeno. É preciso dizer mais. Ela ignorou o fato da linguagem,
116 Outros Escritos de Lingüística Geral

atirou-se diretamente à língua, ou seja, ao idioma (conjunto de manifesta­


ções da linguagem de um povo numa época), e só viu o idioma através do
véu da escritura. Não há fala, há apenas conjuntos de letras.
Um primeiro passo se deu: da letra se veio a considerar o som articulado
e do papel se passou ao sujeito falante [ ]. Não há ainda a linguagem, já
há a fala.
A conquista destes últimos anos é ter, enfim, colocado não apenas tudo
o que é a linguagem e a língua em seu verdadeiro nicho exclusivamente no
sujeito falante seja como ser humano seja como ser social.

O movimento da escola fundada por François Bopp, no começo deste


século, não considerava a linguagem em sua característica, em seu valor,
sob o aspecto de fenômeno, em sua essência. Seria isso negligenciar, em sua
natureza, o objeto que pretendia tratar, uma censura que hoje lhe é feita
com freqüência?
Essa censura parece injusta porque os adeptos da jovem ciência não lhe
deram, por missão e por razão de ser, o estudo da linguagem.

Em que medida a linguagem poderla ser o objeto


de uma ciência distinta?

A escola fundada por F[ranz] Bopp, no começo deste século, não consi­
derava a linguagem sob o aspecto de um fenômeno e nem, portanto, seu
caráter de exercício de uma faculdade da alma. Hoje, ela é freqüentemente
censurada por ter negligenciado, em sua essência, o objeto que pretendia
tratar. Isso é lhe atribuir arbitrariamente uma missão que ela não sonhava
para si mesma, que muitos de seus adeptos teriam, sem dúvida, recusado.
Na realidade, é o objeto que mudou: sem disso desconfiar, uma ciência dife­
rente sucedeu à primeira e pretendeu admitir que sua predecessora poderia
não estar suficientemente segura da legitimidade de sua própria existência.
Parte da filologia, ou seja, do estudo das literaturas, dos textos e,
subsidiariamente, das línguas, a ciência para a qual Bopp e Grimm abriram
o caminho se intitula, de início, filologia comparativa ou gramática compa­
rativa. Ela só se distinguía da filologia clássica pela pesquisa de seus [ ]

Abriu um campo ilimitado para os [ ] novos, é essa a honra, para


sempre indiscutível, da escola que [ ] e, entretanto, nada é mais difícil
do que determinar com certeza que ciência essa escola pretendeu fundar;
se, além disso, pretendeu fundar uma ciência distinta e, na negativa, que
princípio novo ela introduziu nas ciências conhecidas.
Novos Documentos 117

2 [Si^no]

A A

Onde está “o signo” na concepção imediata que fazemos dele? Ele está
em A sobre a montanha e sua natureza, qualquer que possa ser, material ou
imaterial, é simples, se compõe de A.
Onde está "O SIGNO” na realidade das coisas? Ele está dentro da nossa
cabeça e sua natureza (material ou imaterial, pouco importa) é COMPLE­
XA; ela não se compõe nem de A, nem mesmo de a, mas, doravante, da
associação a/b com eliminação de A e também com impossibilidade de en­
contrar o signo em b ou em a tomado separadamente.

Mais acima: eu não temo, de modo algum, recorrer a um diagrama que


poderá parecer ridículo ou, até mesmo, insultar a inteligência do leitor. Não
se trata, nas coisas elementares da semiologia, de ostentar inteligência, mas
de lutar contra a formidável [ ]
Se assim se desejar, todo signo é uma operação de uma ordem psicológica
simples — é por isso que [ele] não causa impacto —, mas não se pode falar
0 tempo todo dessa operação em face das delimitações.

3 [Adivinhação — Indução]
A lingüística procede, de fato, por indução e adivinhação, e deve proce­
der assim para chegar a resultados fecundos. Uma vez descoberta a hipóte­
se, parte-se sempre daí, do que é reconstruído, para depois destinar a cada
língua, sem prejulgar, o que lhe cabe dessa hipótese. Assim, a exposição
ganha em clareza, certamente. Como prova, conta-se com o conjunto
satisfatório que produzem os fatos, assim explicados, para qualquer um que
admitiu a hipótese.
(Que me perdoem a escolha de um exemplo pessoal, já que será para me
justificar. Em Mémoire, eu cometi o erro, obedecendo à idéia, correta no fun­
do, [de] ter que, a propósito do fonema [?] suposto, [de] ter que fazer a
lista dos 0 greco-itálicos, com suas modificações, de uma maneira totalmen­
te objetiva. Assim, apesar de minha convicção íntima de que a troca o-a,
ôp0óç arduus, foi motivada por um fenômeno todo especial, estranho a oyScoç
octavus, eu o incorporei à lista o-a [por] que [ ] nem no próprio greco-
itálico (nem no greco-itálico combinado a outras línguas: simplesmente au­
sência de obstáculos) existe prova do fato em questão e de que eu só podia
118 Outros Escritos de Linguística Geral

[ ] em virtude do sánscrito. Eis uma confusão em que é cansativo bus­


car o pensamento do autor).
Ninguém se dá ao trabalho, o que deveriam fazer até os que estão mais
convencidos da verdade da coisa, de registrar científicamente as provas ob­
jetivas e a parte exata que delas fornecem ou não fornecem os vários idio­
mas. De fazer o balanço exato das coincidências que fundamentam cada
proposição e que, para os adversários, devem ser o centro da discussão.
Na maior parte do tempo, certas coincidências só se fazem notar depois
e através da hipótese; que sejam catalogadas fazendo-se abstração da hipó­
tese, dando-se a medida exata à sua força de prova, reduzindo-se as coinci­
dências a seus termos simples, o que, na maior parte do tempo, é uma tarefa
mais delicada do que se acredita. É um trabalho que, talvez, não tenha sido
feito rigorosamente por uma só das reconstruções [ ? proétnicas].
Assim, em latim = n. Quando, depois de reconstruir um fonema, ele é
preceituado em um outro, sem que, dessa língua considerada por si só, seja
possível distingui-lo de muitos outros; observar formalmente nada de pro­
va. O que não impede de admitir — e com certeza.
Dedução
Como que continuamente, uma característica é, inconscientemente, subs­
tituída por outra na definição de uma entidade reconstruída.
Nota: que não se objete, não se misture por exemplo apPa, apPa (grego
a longo / a breve). Aqui, nosso método é não pesquisar o que é, mas saber
exatamente onde se pode chegar apenas com os dados do sánscrito e se, a
partir desse raciocínio, se é levado a introduzir logicamente apPcc • apPCt numa
série que lhe é estranha, esse é um erro que o grego, depois, permitirá cor­
rigir. Esse erro, eu repito, nada tem a ver com o "catálogo dos índices" que
preparamos.

4 [Sobre os compostos latinos do tipo agrícola]


Seja qual for a diversidade dos casos, é uma questão puramente latina
que é colocada pela presença, na primeira declinaçâo latina, das palavras
masculinas em -a.
É levantar uma questão puramente latina falar das [palavras masculinas
em -a da primeira declinaçâo] porque foi através de fatos puramente latinos
que tais palavras foram incorporadas.
Sejam quais forem as palavras, é sempre levantar uma questão eminen­
temente latina a de falar de palavras [ ]

Nós estamos longe de não [ ]


O exemplo de agricola, .... transfira.
Novos Documentos 119

Mas, em latim, apresenta-se uma dificuldade que é uma razão, ao que


nos parece, tão central para recusar uma tal explicação que faremos com
que toda a nossa refutação consista nessa única razão [ ];
Em grego, o nome de ação composto feminino, do tipo éxXoYÚ ou èx-
cpiyyil, goza de uma certa extensão. Ele sempre conheceu, mesmo nessa lín­
gua, certos limites, que fazem com que s6 sejam construídas palavras como
oixo-ôopú. ordinariamente olNo-6o|tia. etc., desde que o primeiro membro
não seja mais um simples prefixo. Em latim, esse tipo é totalmente ausente.
Não apenas [ ] mas mesmo quando é dado um pretexto para a existên­
cia do feminino simples, como fuga, a morfología latina se opõe rigorosa­
mente a um composto da mesma ordem, transfuga "transfuite”, que é cons­
tantemente substituído por outra coisa, como transfugium, etc.
A hipótese a que somos levados é, então, admitir que 1- o latim teria
conhecido o tipo èx- Xayri o que, em si, é admissível; mas que 2- [ ] esse
tipo estaria regularmente perdido, em latim, no caso de ter guardado seu
sentido primitivo e regularmente conservado no caso de ter mudado de sen­
tido por uma aplicação muito especial de um sentido. Aí, é a improbabilidade
que nos parece grave.
Tentando por outra via a respeito de [ ] nós procuramos mostrar
que, exceto os masculinos “da primeira declinaçâo”, os antigos masculinos
latinos em a são, na verdade, tão legítimos no grupo que formam quanto
todos os outros elementos que acabaram por se fundir nas cinco declina-
ções clássicas.

5 [faber — Faure (Favre, Fèvre, Lefèvre, Lefébure)]


Considerou-se de várias maneiras o nome do novo presidente da Repú­
blica para arrancar das sílabas desse nome qualquer indicação fatídica. O
sentido misterioso do nome do pequeno operário de curtume que um dia se
tornaria chefe de Estado não era, todavia, muito fácil de deslindar, já que as
palavras Félix Faure significam, singelamente, se falássemos latim: Operário
feliz! (Félix faber!)
O nome Faure, o que em geral se ignora, não é diferente de Favre, do qual
deriva graças a uma confusão da antiga ortografia, que misturava continua­
mente o u e 0 V. Favre, por sua vez, é como se conhece a antiga palavra/aber,
a mesma que muito se difundiu, é pronunciada fèvre em outras províncias
da França, como comprovam, ainda, a palavra or-fèvre e o nom e de família
Le-fèvre.

Os Faure, os Favre, os Fèvre e os Lefèvre formam uma mesma grande famí­


lia que remonta não apenas à respeitável profissão de artesãos mas, na rea-
120 Outros Escritos de Lingüística Geral

lidade, à profissão, especialmente respeitada na Idade Média, de artesãos


em metal.

E preciso acrescentar aqui, para ser justo, os Lefébure, cujo nome se for­
mou graças [ ], sem o que eles se chamariam Lefèbvre.
II. ANTIGOS DOCUMENTOS
(Edição Engler 1968— 1974)
1 [Fonología, 1]
3282.1= 930^0 ^ apcHas acústicamente, é mecanicamente que a inibição
(ou seja, a.femante e a sistante) é una. O som J; só começa no instante em que
o contato é estabelecido; ele não começa com o movimento de fechar;
mas com a posição de fechamento; a operação que a precede se traduz acús­
ticamente não no b, mas no fonema anterior. A explosão, em troca, só
pode começar depois que uma abertura, por menor que seja, for produzida.
Ela marca o inicio do movimento de abrir. Do ponto de vista mecánico,
igualmente, o número e a natureza dos termos opostos nos aparecem, por­
tanto, de outra maneira; conservação do estado de fechamento, abandono
do estado de fechamento; período estável e período instável (= abertura),
em vez de dois períodos instáveis diferentes mais período estável. A
explosão é, forçosamente, momentânea; a míbífão pode ter uma duração
indefinida. No lugar da diferença de qualidade entre a implosão e o
período intermediário (sistante!), nós só temos as diferenças no tempo per­
mitido à inibição.
3282.2=926-929 atticulações sistantes teriam, como as outras, direito a se­
rem consideradas. Aproveitando que elas não oferecem, em geral, um efeito
diferente do das articulações/ermantes e que, em particular, quando se suce­
dem uma articulação femante e uma sistatite da mesma espécie, o efeito é
contínuo de um extremo ao outro, nós imaginamos, no intuito de simplifi­
car, que não é para tratar das articulações sistantes e acabamos por ficar, de
maneira mais ou menos artificial, diante de dois termos apenas; a articula­
ção que se abre (ouvrante) e a que se fecha (femante).
3282.2a=9í5 ^ geguj,-^ supofemos ausentes as plosões; ou as faremos entrar,
se elas se apresentarem, na categoria das implosões. Duas licenças
que jamais se aceitaria num verdadeiro tratado de fonologia, ainda que o
efeito acústico das plosões seja totalmente análogo ao das implosões. Com
Outros Escritos de Linguística Geral

efeito, cada designação de unidade fonatória quer dizer que o elemento pro­
posto é conhecido em seu lado acústico assim como em seu lado mecânico,
não que é determinado a partir de um desses dados. Sem o que, pondo-se
ponta com ponta duas unidades, determinada.^, por exemplo, só a partir de
sua natureza acústica, poder-se-ia ficar diante de dois casos mecânicos pro­
fundamente diferentes, com os mesmos termos fonológicos. A medida que
adotamos é, portanto, antimetódica ao máximo e nos repugna extremamente
mas, deixando esse ponto de lado, é vantajoso, na prática, aderir provisori­
amente ao artifício que suprime as plosões.
3282.3=1014 yjgjQ q^g tcntativa de recorrer à sílaba como re­
curso natural quando não se sabe mais o que fazer da soante, observamos
que é uma característica totalmente geral, da escola de que falamos, cultivar
esse detestável círculo vicioso e pensar que duas questões obscuras, cada
uma no que lhe diz respeito, ficam mais daras quando são adicionadas em
um único todo.
Não se deveria fazer dos erros materiais de nenhuma escola um ci'íme,
mas em toda escola se poderá censurar, com tanto menos deferência se ela
se revela culpada, as coisas que ofendem a retitude do espírito, permitindo
que se acredite que se fez a luz com a noite, que liá lá uma doutrina onde
existe apenas um equívoco. Mesmo que nunca saibamos ao que nos agarrar
a respeito da sílaba e da soante ~ sobretudo neste caso, acrescentaremos —
é preciso se abster de implicar uma dessas questões na outra. Nós teremos
feito alguma coisa a &vor da clareza só por mantê-las distintas, mesmo que
isso nos custe confessar que nada sabemos, nem de uma nem de outra.
3282.4=1066 p^j. gg exístíssc um3 letra para r, (/, m, n) explosiva (eu
suponho, por um instante, p), nada seria mais urgente do que abolir o signo
sonántico r) e escrever kpata/krta, karta como ^ata/kita, kaita. Infelizmente,
estando essa letra ausente, nós reconhecemos que o único sistema lógico
seria usar, nos três casos, r (krata, krta. karta) renunciando-se a qualquer
distinção para não introduzir aí uma que destoe com o princípio seguido de
i e j. Na prática, no entanto, é melhor não se privar da distinção sonántica
quando não há outra, mesmo que ela não seja a que conviría marcar e sem
jamais esquecer que ela separa dois r idênticos (krta e karta) e que reúne dois r
diferentes (karta — krata). Tais são, simplesmente, as considerações que,
conforme sempre nos pareceu, podem legitimar a manutenção do r, como
notação provisória.
32K.S-I062 ^ np^riçSo, há uma dezena de anos, dos signos i e u com o
nome pelo qud são conhecidos, me encheu, nessa época, se me é permitido
confessar, de um espanto sem par. Era de conhecimento recente e tornava-
se mais do que nunca necessário chegar, se possível, a um entendimento
Antigos Documentos 125

claio das condições fisiológicas da vogal e da sílaba. Ora, nada, em minha


opinião, e nada, na realidade, podería indicar um maior desconhecimento
dessas condições do que a adoção dos signos; í e h. " O problema coloca­
do pelos fonemas í u r 1m n é saber: a) por que esses sons podem ter, para o
nosso ouvido, dois valores opostos, enquanto que outros fonemas, por exem­
plo p ou a, têm uma única espécie de valor para nosso ouvído; b) em que
condições exatas é possível ou inevitável que eles tenham tal valor. A
essa dupla pergunta, o sistema de notação / — i, u — u, responde com a
própria pergunta. Quando, em vez de escrever siutos, sreumen, srewo, escre­
ve-se sr«tos, sreqmen, sreuo, eu constato que o fonema u nos aparece sob duas
formas acústicas; ou seja, constata-se o problema e não se faz absolutamen­
te nada para esclarecê-lo. Esse é o lado negativo e inofensivo dessa notação,
que não tem inconveniente sério, contanto que fique claro para todos que
ela não ultrapassa essa capacidade negativa. No entanto, todo mundo será
levado a supor que ela resolve alguma coisa do problema, que por exemplo
[ ], e é nesse sentido que uma tal notação é um obstáculo.
®Se, contra a nossa maneira de conceber os fenômenos fonéticos,
fossem dirigidos ataques fáceis, sob pretexto de [ ], nós reclamaríamos
0 direito de rir e de nos espantar. Será que se imagina que o simples fato,
por exemplo, de falar, como nós mesmos fizemos, de uma explosão, sem
outro detalhe que explique se, por esse nome, se entende, fundamental­
mente, uma unidade mecânica, uma unidade acústica ou uma unidade
fonológica, não está sujeito a escrúpulos, para quem recorre a escrúpulos, a
não ser o de supor a similaridade prática das explosões? — E a partir do
próprio princípio, não a propósito de tal detalhe, que seria preciso renovar
de alto a baixo a exposição que escolhemos, caso se exija um sistema que
seja, em geral, verdadeiramente científico. Mas, nesse possível sistema ci­
entífico, não se percebería mais os pontos particulares que estamos, no
momento, determinados a estabelecer; e a menor tentativa de passar perto
desse sistema levantaria protestos muito mais vivos do que o esquematismo
benigno que propomos aqui.
3282.7=945 tercmos traçado um retrato justo da concepção geral de
nossos fonologistas se dissermos que há, ou parece haver, para eles, duas
condições fundamentais do fonema: uma (a respeito da qual eles evitam se
explicar) em que o fonema vive, à parte, uma vida sem dúvida difícil de
definir e de captar, mas dada como de tal modo evidente que não precisa ser
explicada nem justificada. Depois, a outra, em que o fonema, até aí solitário
e flutuando no espaço, entra em combinação com outros. Essa segunda for­
ma de existência é visivelmente considerada como um caso particular e, na
realidade, nem mesmo como tal, porque não incita uma explicação clara
sobre a nova situação do fonema; incita apenas observações sobre o fato da
126 Outros Escritos de Lingüística Geral

combinação e sobre o faco de que, na combinação, não se pode esperar que


seja tudo semelhante ao que tinha sido dito sobre o fonema “isolado". A
primeira maneira de considerar o fonema ocupa a primeira parte dos trata­
dos. A segunda, quando não está ausente, constitui um capítulo final, pare­
cendo indicar a coroação da obra inicial, os resultados a que se chega quan­
do se faz análises penetrantes como as que se leu na outra parte.
Contra essa concepção, o protesto que levanto consiste simplesmente
nisto: é preciso definir a unidade fonatória e, definida essa unidade, ver-se-
á a ausência de qualquer diferença entre a unidade no encadeamento ou
fora do encadeamento. Não mais se imaginará que, por um lado, os fonemas
planam no céu e que, por outro lado, caem às vezes na cadeia falada. O
maior erro dos fonologistas que eu ataco não é ter imaginado que os fonemas,
"ao entrar no encadeamento”, estão sujeitos a um regime especial, ainda
que essa idéia seja extraordinária, mas ter aceito a idéia de que existiría
outro avatar qualquer dos fonemas além do que se vê no encadeamento e
ter propagado a idéia de que B ou Z ou L representam unidades, ou até
mesmo “unidades ¡mediatamente dadas”, sem nenhuma tentativa de mos­
trar a que corresponde uma tal afirmação.

2a [Primeira conferência na Universidade de Genebra


(novembro de 1891)]
Se a cadeira, que neste momento eu tenho a honra de inaugurar,
representasse uma nova ordem de estudos em nossa Universidade, se eu
tivesse hoje a missão ou o privilégio de introduzi-los no edifício que a ciên­
cia da linguagem está empenhada em construir há setenta anos, de descre­
ver em linhas gerais o presente estado dessa ciência, de percorrer seu passa­
do, que não é muito longo, ou de prognosticar seu futuro, de definir seu
objetivo, sua utilidade, de estabelecer o lugar que ela ocupa no círculo dos
conhecimentos humanos e os serviços que ela pode prestar numa Faculda­
de de letras, eu recearia não realizar muito dignamente minha tarefa, mas
certamente não podería me queixar, aqui, de abandono. Sem exaltar desme­
didamente os méritos da lingüística, qual é a vantagem que pode tirar desse
estudo, por exemplo, a erudição clássica, o conhecimento das línguas grega,
latina e francesa, tivesse ela um objetivo simplesmente literário, que inte­
resse pode ter, depois, o mesmo estudo, para a história ou para a história da
civilização? — e eu teria, aqui, a relembrar, o nome genebríno, de que temos
orgulho, também sob outros aspectos, por nossa pátria, de Adolphe Pictet,
de Adolphe Pictet que primeiro concebeu, metodicamente, o partido que se
pode tirar da língua como testemunha das eras pré-históricas. Mesmo con­
fiando talvez demais — como era inevitável no entusiasmo inicial que pro-
Antigos Documentos 127

vocou a súbita revelação de um mundo insuspeitado — na verdade, no valor


absoluto das indicações que a língua pode dar, foi, ainda assim, o Fundador
de uma séria linha de pesquisa ainda hoje cultivada, com toda razão, por
uma série ininterrupta de sábios — eu insistiría, assim sendo, na capacida*
de singularmente precisa que assumiu a linguística para a etnografía, a tal
ponto que o dado [lingüístico] é sempre, até a mais ampla informação, a
prova primeira para o etnologista, e que se pergunta como o emologista,
sem esse dado, podería afirmar, por exemplo (para escolher um exemplo
entre mil), que, entre os húngaros, os ciganos representam uma raça total­
mente distinta do magiar, que no império austríaco o magiar, por sua vez,
representa uma raça totalmente distinta do checo e do alemão; que, em
troca, 0 checo e o alemão, que se odeiam do fundo do coração, são parentes
muito próximos; que o magiar, por sua vez, é primo próximo das popula­
ções finlandesas do império russo, nas margens do Báltico, das quais jamais
ouviu falar, que os ciganos, por sua vez, de quem eu folava, são um povo
saído da índia — eu passaria em seguida, e isso nos aproximaria bastante do
objeto verdadeiro, a tudo aquilo que a psicologia é, provavelmente, desafia­
da a acolher, próximamente, do estudo da linguagem; mas, depois disso, ou
antes disso, eu colocaria, primeiro, esta simples questão; vocês pensam se­
riamente que o estudo da linguagem teria necessidade, para se justificar ou
para se desculpar por existir, de provar que é útil às outras ciências? Essa é
uma exigência que, eu comecei por constatar, ela satisfaz largamente e tal­
vez muito mais do que um grande número de ciêndas, mas eu não conside­
ro, admito, que essa exigência seja justificada. A que ciência se pede. como
condição preliminar para existir, que se empenhe em fornecer resultados
destinados a enriquecer outras ciências que se ocupam de outros objetos?
Isso é recusar a ela qualquer dijeto próprio. Pode-se apenas pedir, a cada
ciência, que aspire a se fazer reconhecer, que tenha um objeto digno de uma
atendo séria, ou seja, um objeto que tenha um papel incontestável nas coi­
sas do Universo, onde se incluem, antes de tudo, as coisas da humanidade;
e a posição que ocupará essa ciênda será propordonal à importância do
objeto no grande conjunto das idéias.
Agora, estima-se que a linguagem seja, nesse conjunto, um fator digno
de ser notado ou um fator nulo, uma quantidade apreciável ou uma quanti­
dade desprezível. E disso (mas apenas disso) que depende um julgamento
eqüitativo e esdarecido sobre o valor do estudo da linguagem no conhed-
mento geral; os raios de luz que, de tão intensos que foram, puderam, de
repente, jorrar da língua sobre outras disciplinas e sobre outros objetos de
pesquisa, só poderíam ter uma importância absolutamente episódica e inci­
dente para o estudo da própria língua, para o desenvolvimento interior des­
se estudo e para o objetivo para o qual ele caminha. Vale ou não a pena
128 Outros Escritos de Linguística Geral

estudar, em si mesmo, o fenômeno da linguagem, seja nas manifestações


diversas, seja em suas leis gerais, que poderão ser deduzidas apenas de suas
formas particulares? — tal é, se é para indicá-lo de maneira totalmente clara
e categórica, o terreno em que se coloca, atualmente, a ciência da lingua­
gem. Pode-se considerar a linguagem ou a língua como um objeto que pede,
por si mesmo, esse estudo? Tal é a questão que se coloca. Eu não a discuto.
Eu lhes direi, Senhores, que se recusou à nossa pobre espécie humana, como
característica distintiva em face de outras espécies animais, tudo, e absolu­
tamente tudo, incluindo aí o instinto de indústria, incluindo aí a religiosida­
de, a moralidade, o julgamento e a razão, tudo, exceto a linguagem, ou como
se diz, a fala articulada, sendo o termo articulada, no fundo, um termo obs­
curo e muito vago, ao qual eu faço todas as reservas. Eu não ignoro que,
neste momento, muitas espécies de macacos, como anunciam os jornais,
estão em vias de disputar conosco esse último florão da nossa coroa, a lin­
guagem articulada, e não discuto quais os títulos desses macacos que po­
dem ser, eu admito, dignos de consideração. O que é claro, como se repetiu
mil vezes, é que o homem sem a linguagem seria, talvez, o homem, mas não
um ser que se comparasse, mesmo que aproximadamente, ao homem que
nós conhecemos e que nós somos, porque a linguagem foi, por uin lado, a
mais formidável ferramenta de ação coletiva e, por outro, de educação indi­
vidual, 0 instrumento sem o qual o Indivíduo ou a espécie jamais podería
aspirar a desenvolver, em algum sentido, suas faculdades nativas.
3Z83=M»i gg apresenta esta objeção, para nós, mais ou menos funda­
mentada: vocês transformam o estudo das línguas em estudo da linguagem,
da linguagem considerada como faculdade do homem, como um dos signos
distintivos de sua espécie, como característica antropológica ou, por assim
dizer, zoológica. Senhores, seria necessário um tempo considerável para expor
esse ponto, desenvolvê-lo e justificar meu ponto de vista, que não é diferen­
te do ponto de vista de todos os lingüistas atuais: que, com efeito, o estudo
da linguagem como fato humano está todo ou quase todo contido no estudo
das línguas. O fisiologista, o psicólogo e o logicista poderão dissertar
longamente, o filósofo poderá retomar, depois, os resultados combinados
da lógica, da psicologia e da fisiología, mas, eu me permito dizer, os mais
elementares fenômenos da linguagem jamais serão vislumbrados, nem cla­
ramente percebidos, classificados e compreendidos, se não se recorrer, em
primeira e em última instância, ao estudo das línguas. Língua e linguagem
são apenas uma mesma coisa: uma é a generalização da outra. Querer estu­
dar a linguagem sem se dar ao trabalho de estudar suas diversas manifesta­
ções que, evidentemente, são as línguas, é uma empreitada absolutamente
inútil e quimérica; por outro lado, querer estudar as línguas esquecendo
que elas são primordíalmente regidas por certos princípios que estão lesu-
Antigos Documentos 129

midos na idéia de linguagem é um trabalho ainda mais destituido de qual­


quer significação séria, de qualquer base científica válida,
O estudo geral da linguagem se alimenta incessantemente, por conse­
guinte, de observações de todo tipo que terão sido feitas no campo particu­
lar de tal ou tal língua. Supondo que o exercício da fala constitua, no ho­
mem, uma função natural, o que é um ponto de vista eminentemente falso
em que se colocam certas escolas de antropologistas e lingüistas, seria pre­
ciso, ainda assim, sustentar absolutamente que o exercício dessa função só
é abordável pela ciência pelo lado da língua ou pelo lado das línguas existentes.
Mas, reciprocamente, o estudo das línguas existentes se condenaria a
permanecer quase estéril, a permanecer, em todo caso, desprovido, ao mes­
mo tempo, de método e de qualquer princípio diretor, se não tendesse cons-
tantevinente a esclarecer o problema geral da linguagem, se não procurasse
destacar, de cada fato particular que observa, o sentido e o proveito claro
que dele resultam para o conhecimento que temos das operações possíveis
do instinto humano aplicado à língua. e isso não tem uma signi­
ficação vaga e geral: qualquer pessoa um pouco versada em nossos estudos
sabe com que alegria e triunfo cada pesquisador chama a atenção para um
caso teórico novo ao descobri-lo seja onde for, no último de nossos dialetos
ou no mais ínfimo idioma polinésio. É uma pedra que ele traz ao edifício e
que não será destruída. A todo instante, em todos os ramos da ciência das
línguas, todos estão sobretudo ansiosos, atualmente, para tornar público o
que pode interessar à linguagem em geral. E, fenômeno notável, as observa­
ções teóricas que trazem aqueles que concentraram seus estudos em tal ou
tal ramo especial, como o germânico, o románico, são muito mais aprecia­
das e consideradas do que as observações dos lingüistas que abraçam uma
série maior de línguas. Percebe-se que o último detalhe dos fenômenos é
também sua razão última e que, assim, a extrema especialização pode servir
eficazmente à extrema generalização. Não são lingüistas como Friedrich
Müller, da Universidade de Viena, que abraçam quase todos os idiomas do
globo, que Fazem avançar o conhecimento da linguagem; mas, os nomes
que se deveria d ta r neste sentido seria nomes de romanistas como Gastón
Paris, Paul Meyer, Schuchardt, nomes de germanistas como Hcrmann Paul,
nomes da escola russa que se ocupam especialmente do russo e do eslavo,
como N. Bãudouin de Courtenay, Kruszewski.
O ponto de vista a que chegamos. Senhores, e que é, simplesmente, o
ponto de vista em que se inspira, sem exceção, o estudo das línguas, em
todos os seus ramos, faz ver muito claramente que não há separação entre o
estudo da linguagem e o estudo das línguas, ou o estudo de tal ou tal língua
ou família de línguas; mas que, por outro lado, cada divisão e subdivisão de
língua representa um documento novo, interessante como qualquer outro
1 30 Outros Escritos de Lingüística Geral

para o fato universal da linguagem. A Universidade de Genebra fez questão,


desde o primeiro dia, e com razão, de dar um lugar à ciência da linguagem;
ela o fez criando o curso de Lingüística e reuniu, assim, sob um nome muito
correto, o conjunto dos estudos relativos ao falar humano. E quase inútil
dizer que esse ensinamento, transmitido há quinze anos, com uma erudi­
ção, uma experiência, que vocês não devem esperar, por um único instante,
reencontrar nestas conferências — que esse ensinamento jamais teve, em
seu programa, algo que excluísse um corpo particular de estudos, como o
que se relaciona às línguas románicas, ou às línguas germânicas ou às lín­
guas indo-européias, ou às línguas semíticas, etc. Ao contrário, ele reúne,
em torno de si, esses estudos particulares, e a prova mais autorizada e ao
mesmo tempo mais agradável que eu poderia citar é o fato do novo curso de
línguas indo-européias, criado pelo Departamento de Instrução Pública, estar
em plena conformidade de objetivos com o eminente titular da cadeira de
lingüística.
Quanto mais houver, num mesmo centro acadêmico, especialidades lin­
güísticas dedicadas ao estudo de um certo grupo de línguas, mais o conjun­
to desses estudos ganhará em consistência pelo apoio mútuo, e mais se
perceberá os traços generosos da disciplina, que fícam como que despeda­
çados e fragmentados ali onde cessa de repente a informação, o interesse e a
vida, por ausência de disciplinas ou de mestres. Um lingüista certamente
levado a desejar o desenvolvimento indefinido de cadeiras de lingüística
(entretanto, confesso que esse desenvolvimento indefinido poderia ter, com
o tempo, inconvenientes inquietantes para todo mundo).
Se o estudo lingüístico de muitas línguas ou de uma só reconhece, como
seu objetivo final e principal, a verificação e a pesquisa das leis e dos proce­
dimentos universais da linguagem, pergunta-se até que ponto esses estudos
têm seu lugar numa Faculdade de Letras, ou se não teriam um lugar, igual­
mente adequado, numa Faculdade de Ciências? Isso seria renovar a questão
bem conhecida, já discutida por Max Müller e Schleicher; houve. Senhores,
como sabem, um tempo em que a ciência da linguagem tinha convencido a
si mesma de que era uma ciência natural, quase uma ciência física; eu não
pretendo demonstrar como isso era uma profunda ilusão de sua parte mas,
ao contrário, constatar que esse debate está encerrado e bem encerrado. À
medida que se compreende melhor a verdadeira natureza dos fatos de lin­
guagem, tão próximos a nós mas, na mesma medida, tão difíceis de captar
em sua essência, tornou-se mais evidente que a ciência da linguagem é uma
ciência histórica e nada além de uma ciência histórica.
E essa qualidade de ciência histórica que atribuirão a si mesmos estudos
lingüísticos de todas as espécies, para figurar numa Faculdade de Letras.
Como é particularmente a respeito dessa idéia de história que se insistiu no
Antigos Documentos 131

título deste curso — ainda que outras denominações, como Gramática com­
parada, sejam mais usadas — eu acredito que devo tentar fazer o comentá­
rio, necessariamente muito abreviado e incompleto, do sentido que tem a
palavra história para o lingüista. É para esse assunto que eu quería solicitar
sua atenção, sem muitos preâmbulos, porque ele contém tudo: quanto mais
se estuda a língua, mais se chega a compreender que tudo na língua é histó­
ria, ou seja, que ela é um objeto de análise histórica e não de análise abstra­
ta, que ela se compõe de/atos e não de leis, que tudo o que parece orgânico na
linguagem é, na realidade, contingente e completamente acidental.
Uma primeira maneira, um pouco superficial, de entender que a lin­
güística é uma ciência histórica, é a que consiste em observar que não se
conhece completamente um povo sem conhecer sua língua ou ter dela algu­
ma idéia; que a língua é uma parte importante da bagagem das nações, con­
tribuindo para caracterizar uma época, uma sociedade. A presença de idiomas
célticos na Gália e seu lento desaparecimento sob a influência da dominação
romana constituem, por exemplo, grandes fatos históricos. E esse o ponto de
vista da Língua na História, mas não é o ponto de vista da história da língua. E
evidente que, por mil fatos, a língua interessará o historiador; acrescento,
até mesmo, que é possível que nem sempre o historiador se interesse o
bastante por ela. Poucas pessoas na França sonham, por exemplo, em se
perguntar que língua se falava na corte de Carlos Magno — seria o romano
ou o alemão — e, caso fosse o alemão, seria um dialeto desaparecido ou um
dos dialetos que se perpetuam até hoje? Poucos historiadores reparam que
os nomes dos chefes hunos, como Átila, não são nomes hunos, mas nomes
germânicos — o que é a prova de todo um estado de coisas muito interes­
sante; e, em segundo lugar, que esses nomes germânicos não são do primei­
ro dialeto derivado, não são saxões ou escandinavos, mas claramente góti­
cos. No entanto, todos esses fatos, grandes ou pequenos, pelos quais a lín­
gua se mistura à vida dos povos, à vida política, social, literária, não consti­
tuem, eu repito, ou constituem só de vez em quando, o que se pode deno­
minar a vida da língua.
É de um outro ponto de vista, por conseguinte, que a ciência da lingua­
gem reivindica o título de ciência histórica. É que toda língua tem, em si
mesma, uma história que se desenrola perpetuamente, feita de uma suces­
são de acontecimentos lingüísticos que, exteriormente, não tiveram reper­
cussão e jamais foram inscritos pelo célebre buril da história; assim como
são, por sua vez, completamente independentes, em geral, do que se passa
exteriormente. Toda língua apresenta, um pouco como as grandes morainas
que se vê nas nossas geleiras, o painel de um prodigioso acúmulo de coisas
trazidas através dos séculos, mas de coisas que têm uma data, e datas muito
diferentes, assim como se pode perceber, nos depósitos glaciares que eu usei
132 Outros Escritos de Linguística Geral

na comparação, que tal pedaço de granito percorreu uma distância de mui­


tas léguas, vindo dos mais altos cumes da cordilheira, enquanto que tal
bloco de quartzo remonta apenas aos primeiros contrafortes da montanha...
Assim, a língua tem uma história, o que é uma característica constante. Será
ela decisiva, por si só, para classificar a ciência da linguagem entre as ciên­
cias históricas? Certamente que não. A Terra, por exemplo, tem uma histó­
ria que é contada pela geologia, de onde não resulta que a geologia seja uma
ciência histórica, pelo menos no sentido estreito e preciso que damos a esse
termo. Qual é, então, a segunda condição compreendida pela palavra ciên­
cia histórica? É que o objeto que constitui a matéria da história — por exem­
plo, a arte, a religião, o costume, etc. — representa, em algum sentido, atos
humanos, regidos pela vontade e inteligência humanas, — que, aliás, devem
ser tais que não interessem apenas ao indivíduo, mas à coletividade.
Os fatos lingüísticos podem ser tidos como o resultado de atos de nossa
vontade? Tal é, portanto, a questão. A ciência da linguagem, atual, lhe dá
uma resposta afirmativa. Só que é preciso acrescentar, imediatamente, que
há muitos graus conhecidos, como sabemos, na vontade consciente ou in­
consciente; ora, de todos os atos que se podería pôr em paralelo, o ato
lingüístico, se posso chamá-lo assim, tem a característica [de ser] o menos
refletido, o menos premeditado e, ao mesmo tempo, o mais impessoal de
todos. Há uma diferença de grau que, de tão longe que vai, dá, há muito
tempo, a ilusão de ser uma diferença essencial, mas não passa, na realidade,
de uma diferença de graus.
Estamos agora. Senhores, um pouco mais perto do que está contido
nesta palavra e nesta visão da História aplicada à língua. Quase que imedia­
tamente, aparecerá a necessidade de classificar nossas idéias segundo dois
pontos capitais. A língua se diferenda no tempo e, ao mesmo tempo, ela se
diferencia ou se diversifica no espaço. Uma língua, considerada em duas
datas diferentes, não é idêntica a si mesma. Considerada em dois pontos,
mais ou menos distantes, de seu território, ela também não é idêntica a si
mesma. As duas coisas, quando se quer ter uma visão exata dos aconted-
mentos, devem ser sempre levadas em conta ao mesmo tempo e em conjun­
to. Mas somos obrigados a separá-las, em teoria, para proceder com ordem.
Eu consideraria, então, só por hoje, a marcha da língua no tempo, su­
pondo que não precisamos nos preocupar com o fator da distânda geográfica.
Além disso, só me será possível abordar, nesta reunião, o primeiro pon­
to principal a ser colocado; é o princípio da continuidade no tempo; em nossa
reunião de terça-feira, vamos examinar o princípio que é a sua contrapartida,
o da transformação no tempo. Depois, do mesmo modo, consideraremos o
que se pode dizer dos prindpios da continuidade no espaço e da divergência no
espaço. Depois dessa exposição, que terá a vantagem de nos colocar sobre
Antigos Documentos 133

um terreno perfeitamente preciso para o estudo dos fatos particulares, abor­


daremos, com mais certeza, o assunto especial da fonética do grego e do
latim, onde as ocasiões para aplicar esses princípios gerais se apresentam
sem cessar.
O primeiro aspecto, com efeito, sob o qual deve ser considerada a idéia de
História, quando se trata da língua, ou a primeira coisa que faz com que a
língua tenha uma história, é o fato fundamental de sua contimiidade no tempo;
— eu não falo, queiram observar, de suãfixidez, de que trataremos daqui a
pouco, mas de sua continuidade. Vale a pena nos deter por um instante diante
do princípio, elementar e essencial, da continuidade ou da não interrupção for­
çada, que é a primeira característica ou a primeira lei da transmissão do
falar humano, sejam quais forem, à volta da língua, as revoluções e os aba­
los de qualquer tipo que podem mudar todas as condições [ ]. Um povo
pode viver em paz no fundo de um vale retirado, pode ser um povo agricul­
tor, guerreiro, nômade, pode mudar subitamente de religião, de idéias, de
estado social e de civilização, pode mudar de pátria e de clima, pode mudar
até mesmo de língua, — porque, neste caso, ele continuará adotando a de
um outro povo — mas jamais em parte alguma se conhece, historicamente,
uma ruptura na trama contínua da linguagem, e não se pode, logicamente e
a priori, conceber que isso possa, jamais e em parte alguma, ocorrer.
Quando consideramos um certo estado de língua, como o francês do
século XIX, e um certo estado de língua anterior, como por exemplo o latim
do século de Augusto, ficamos impressionados, no primeiro momento, pela
grande distância que os separa e ficamos, eu me apresso a acrescentar, mui­
to mais impressionados pela denominação diferente que se convencionou
lhes dar, chamando este de latim e aquele de francês. Nós imaginamos, en­
tão, freqüentemente, que há duas coisas e que uma sucede à outra. Ora, que
há sucessão, isso é indubitável e evidente mas, que haja duas coisas nessa
sucessão é falso, radicalmente falso e perigosamente falso, do ponto de vista de
todas as concepções que se seguem. Basta, aqui, refletir um instante, já que
tudo está contido nessa simples observação: cada indivíduo emprega, no dia
seguinte, o mesmo idioma que falava no anterior e é isso que sempre se
observa. Não houve, portanto, um dia em que se pudesse lavrar o atestado
de óbito da língua latina e não houve, igualmente, um dia em que se pudes­
se registrar o nascimento da língua francesa. Jamais aconteceu que as pes­
soas da França acordassem dizendo bom-dia em francês, tendo, antes de dor­
mir na véspera, dito boa-noite em latim.
Não existe objeto comparável à língua, que é um ser muito complexo, e
é isso que faz com que todas as comparações e todas as imagens de que nos
servimos habitualmente acabem, regularmente, por nos dar uma idéia falsa.
1 34 Outros Escritos de Lingüística Geral

São as ciladas escondidas atrás de cada locução que, talvez, mais retardaram
[ J
Alegra-me vivamente que o primeiro romanista de nosso tempo, o mes­
tre incontestado que dirige há vinte anos todo o movimento da filologia,
Gastón Paris, não tenha achado inútil declarar uma guerra impiedosa a duas
de nossas locuções mais correntes e, aparentemente, mais inocentes; pri-
meiratnente: ofrancês wm do latim, ou então tal palavra, por exemplo, chanter,
vem da palavra latina cantare. O francês não vem do latim, mas é o latim, falado
numa data determinada e em determinados limites geográficos. Chanter não
vem da palavra latina cantare, mas é a palavra latina cantare. Do mesmo modo,
Valeria dizer, o francês que falamos vem do francês de Montesquieu ou do de
Corneille, ou vem do de Montaigne ou de Froissart, ou do da Chanson de
Roland; isso é uma [ ], mas como todo mundo diz que é o francês de
Montesquieu, ou da Chanson de Roland, não há nenhuma razão para não
dizer, do mesmo modo, que é o latim de Augusto, e o latim de Plauto, e a
maneira de falar pré-histórica que precedeu a maneira latina de falar.
E a outra locução figurada que vamos justiçar com Gastón Paris é a do
francês, tlngua fUha do latim, — ou do latim, língua mãe das línguas románicas.
Não existem línguas filhas nem línguas mães, não existem em parte alguma
e nem jamais existiram. Há, em cada região do globo, um estado de língua
que se transforma lentamente, de semana em semana, de mês em mês, de
ano em ano e de século em século, como veremos a seguir, mas nunca hou­
ve, em parte alguma, parturição ou procriação de um idioma novo por um
idioma anterior, isso é estranho a tudo o que vemos, assim como a tudo o
que podemos nos representar em idéia, sendo dadas, simplesmente, as con­
dições em que falamos, cada um, a nossa língua materna.
O que se pode dizer, depois do que foi colocado, do nascimento e da morte
das línguas, que desempenham um grande papel pelo que se diz neste
mundo?
Comecemos pela morte.
Uma língua não pode morrer naturalmente e de morte natural, Ela só
pode morrer de morte violenta. Sua única maneira de acabar é se ver supri­
mida pela fo)-ça, por uma causa totalmente exterior aos fatos da linguagem.
Ou seja, por exemplo, pelo total extermínio do povo que a fala, como logo
acontecerá com os idiomas dos Peles-Vermelhas da América do Norte. Ou
então por imposição de um novo idioma que pertença a uma raça mais for­
te; em geral, é preciso não apenas uma dominação política, mas também
uma superioridade de civilização e, muitas vezes, a presença de uma língua
escrita que seja imposta pela Escola, pela Igreja, pela administração... e por
todas as vias da vida pública e privada. É um caso cem vezes repetido na
história; o caso do gaulês da Gália suphmtado pelo latim, o caso dos negros
Antigos Documentos 135

do Haiti que falam francês, do felá egípcio que fala árabe; o caso do habitan­
te de Genebra que fala o dialeto de Ile-de-France e não a língua autóctone
que falava há alguns séculos. Mas não existem aí causas lingüísticas. Uma
língua jamais morre de esgotamento interior, depois de concluir a carreira
que lhe foi dada. Em si mesma ela é imperecível, isto é, não há razão alguma
para que sua transmissão termine por uma causa que pertença à organiza­
ção dessa língua.
Lê-se em uma das primeiras páginas de uma obra de Hovelacque sobre
a lingüística: A língua nasce, cresce, definha e morre, como todo ser organi­
zado. Essa frase é absolutamente típica da concepção tão difundida, mesmo
entre os lingüistas, que é combatida à exaustão e que levou diretamente a
fazer da lingüística uma ciência natural. Não, a língua não é um organismo,
ela não é uma vegetação que existe independentemente do homem, ela não
tem uma vida que implique um nascimento e uma morte. Tudo é falso na
frase que eu li: a língua não é um ser organizado, ela não morre por ela
mesma, ela não definha, ela não cresce, na medida em que não tem uma
infância, assim como não tem uma idade madura ou uma velhice e, por fim,
ela não nasce, como vamos ver.
Jamais se observou, com efeito, sobre o globo, o nascimento de uma
língua nova. Já se observou o súbito aparecimento de novos astros em meio
às constelações conhecidas do céu e já se viu, um dia, o surgimento de no­
vas terras na superfície de alguns mares, mas não se tem conhecimento de
uma língua que não fosse falada na véspera ou que não fosse falada da mes­
ma forma na véspera. Poderá ser citado o volapük. Eu ia falar disso. Porque
precisamente o volapük e as outras línguas [artificiais] são um exemplo exce­
lente para se perceber o que impede que nasça uma língua ou o que garante
a transmissão das que existem: há dois fatores, o primeiro é a ausência de
qualquer iniciativa, já que cada população está muito satisfeita com seu
idioma materno; o segundo é que, mesmo se houvesse uma iniciativa, o que
supõe um conjunto de circunstâncias totalmente excepcional e, principal­
mente, o emprego da escrita, essa iniciativa se chocaria com a resistência
invencível da massa que não renunciará a seu idioma habitual. O volapük,
que não pretendia destronar nenhuma língua existente, não conseguiu, apesar
das condições favoráveis em que se apresentou, ter sucesso neste mundo.
Dir-se-á que negar, nesse sentido, que alguma língua tenha nascido, é
jogar com as palavras, e que basta definir o que se entende por nascimento
para que não se possa negar o nascimento ou o desenvolvimento progressi­
vo de uma língua como o alemão, o francês. Eu respondo que, neste caso,
joga-se com outra palavra, que é a palavra língua; na realidade, a língua não
é um ser definido e delimitado no tempo. Distingue-se a língua francesa e a
língua latina, o alemão moderno e o germânico de Armínio como se distin-
136 Outros Escritos de Lingüística Geral

gue [ ] e, sendo assim, admite-se que, em algum ponto, um começa e


que o outro acaba, o que é arbitrário.
Todavia, há um lado dessa questão que diz respeito à diferenciação geo­
gráfica das línguas e que eu não abordo.
Já que não se pode, em lugar algum, fazer nascer uma língua, pergunta-
se qual é, então, a idade que se atribui a cada uma delas. Aqui também é
preciso se entender a respeito das palavras. São feitas singulares confusões
com a palavra antiga quando se fala de línguas. Há três maneiras de um
homem ser mais velho ou mais antigo do que um outro. A primeira, que nem
sempre é agradável, é ter nascido antes dele. A segunda, que o é ainda me­
nos, é morrer antes dele: fala-se de velhos e antigos camaradas que não
existem mais. A terceira, que é a pior, é, como dizemos familiarmente, ser
menos conservado do que ele. Pois bem, dessas três maneiras, a primeira não
existe para as línguas. Todas as línguas faladas na mesma época são da mes­
ma idade; no sentido de remontarem a um passado igual. Não é necessário
determinar a duração desse passado. Se assim se desejar, essa é a origem da
linguagem, mas sem remontar a períodos inacessíveis. Chegando-se ao pe­
ríodo acessível, fica claro que cada língua indo-européia falada atualmente
tem exatamente a mesma idade com relação ao tempo em que se falava o
indo-europeu primitivo.
Eu não me detenho no segundo sentido em que uma língua seria mais
velha do que outra, e que não tem grande importância; há línguas mortas e,
por conseguinte, que se pode chamar de antigas, por exemplo o gaulês, o
fenicio, etc., que foram extirpadas.
Enfim, vale observar que, no terceiro sentido, pode-se dizer que uma
língua é mais velha do que outra mas, coisa bizarra, para as línguas é o
contrário que acontece, ou seja, são as línguas mais conservadas que se
chama de velhas. Nesse sentido, por exemplo, o grego é uma língua mais
velha do que o latim considerado na mesma época, afastou-se menos do
tipo primitivo indo-europeu. O sánscrito é mais velho, mais preservado, do
que algumas outras.
Opondo, em nossa próxima reunião, o princípio de movimento ao prin­
cípio de inércia que [ ], nós teremos [ ]

2b [Segunda conferência na Universidade de Genebra


(novembro de 1891)]
Se, como acabamos de colocar, nenhuma interrupção, nenhuma ci­
são, nenhum hiato é imaginável na tradição da língua, se é verdade que a
língua do dia seguinte sempre existiu na véspera, da mesma forma, pergun­
ta-se como é que não falamos hoje o latim que falava Júlio César, como é
Antigos Documentos 137

que Júlio César não falava o indo-europeu de seus primeiros ancestrais.


Meu Deus, eu estou convencido de que isso é, um pouco, a história de tudo
0 que vemos se passar à nossa volta ou em nós mesmos. Um excêntrico
chamado Boguslawski anunciou, há pouco tempo, numa cidade da Rússia, a
abertura de uma exposição de um novo gênero; eram 480 retratos fotográfi­
cos representando todos a mesma pessoa, ele, Boguslawski, exatamente na
mesma pose. Durante vinte anos, com uma regularidade admirável, no pri­
meiro e no décimo quinto dia de cada mês, esse homem devotado à ciência
ia à casa de seu fotógrafo e, agora, ele podia íãzer o público aproveitar o
fruto acumulado de seus esforços. Eu não preciso lhes dizer que, nessa ex­
posição, tomando-se duas fotografias contíguas quaisquer, tinha-se o mes­
mo Boguslawski, mas que, tomando-se a n" 480 e a n® 1, tinha-se dois
Boguslawski. Do mesmo modo, se tivesse sido possível não fotografar, mas
fonografar dia a dia, desde a origem, tudo o que foi expresso em fala sobre o
globo ou sobre uma parte do globo, as imagens de língua seriam sempre
semelhantes de um dia para o outro, mas consideravelmente diferentes e,
às vezes, incalculavelmente diferentes de 500 em 500 anos ou mesmo de
100 em 100 anos.
Chegamos, assim, ao segundo princípio, de valor universal como o pri­
meiro, cujo conhecimento pode revelar o que é a história das línguas: é o
ponto de vista do movimento da língua no tempo, mas de um movimento que,
em momento algum, já que tudo está ali, chega a entrar em conflito com o
primeiro princípio, da unidade da língua no tempo. Há transformação, ainda
e sempre transformação, mas não há, em parte alguma, reprodução ou pro­
dução de um ser lingüístico novo, com existência distinta do que o precedeu
e do que se seguirá a ele. Nada de línguas mães, nada de línguas filhas, mas
uma língua uma vez dada, que rolará e se desenrolará indefinidamente no
tempo, sem nenhum termo prefixado à sua existência, sem que haja, nem
mesmo, a possibilidade interior de acabar se não houver acidente, nem vio­
lência, se não houver uma força maior, superior e exterior que venha aboli-la.
Esses dois princípios, da continuidade e da mutabilidade da língua, longe
de serem contraditórios, estão em correlação tão estreita e tão evidente que,
quando temos vontade de menosprezar um deles, ofendemos o outro, ao
mesmo tempo, e inevitavelmente, sem nem mesmo pensar nele.
Quem cede à primeira ilusão de se representar o francês como algo imó­
vel, no momento presente ou em outro qualquer, acaba forçosamente nada
entendendo do que se passou no período entre os anos 500 e 900. Então,
supõe um salto: um salto antes de um parágrafo, um toque de varinha má­
gica, ou um parto inaudito, em que um idioma dá subitamente a vida a um
outro idioma. Da mesma forma, quem começa por suprimir a idéia de con­
tinuidade, imaginando que um dia o francês saiu, como Minerva do cérebro
138 Outros Escritos de Linguística Geral

de Júpiter, armado dos pés à cabeça, das entranhas da língua latina, cai regu­
larmente no sofisma da imobilidade; essa pessoa supõe, naturalmente, que,
entre dois desses saltos imaginários, a língua está em estado de equilíbrio e
de repouso ou, ao menos, de um equilíbrio que se oponha a esses saltos, ao
passo que não há jamais, na realidade, um equilíbrio, um ponto permanen­
te, estável, em língua alguma. Colocamos, então, o princípio da transforma­
ção incessante das línguas como absoluto. Não ocorre o caso de um idioma
que se encontre em estado de imobilidade e de repouso. Os impulsos que
criam esse movimento são a tal ponto incompressíveis e incoercíveis que
línguas como a nossa, cuja vida se tornou quase que totalmente artificial,
são obrigadas, elas mesmas, a ceder a ele; a tirania da língua escrita, essa
espécie de camisa-de-força que é o francês oficial, tem, certamente, o efeito
de travar a sua marcha, mas é incapaz de detê-la completamente e, muitas
vezes, nem desconfiamos da distância que já percorreu a língua verdadeira
(eu me refiro até mesmo à língua da conversa culta) através do trabalho
subterrâneo que não cessa de se realizar na língua viva por baixo da super­
fície, por assim dizer congelada, do francês clássico. É assim, por exemplo,
que não percebemos mais que quatre, lettre, chambre, double, table e todas as
palavras que terminam em consoante + re ou consoante + le estão quase
atingindo o ponto em que re e le terão desaparecido completamente. Já hoje,
um lingüista que viesse à França com o objetivo de registrar metodicamen­
te, por escrito, o francês falado, o francês real e autêntico, como se registra
metodicamente a língua de qualquer povo malásio ou afiricano, ou como se
registra os dialetos franceses — esse lingüista escrevería sem hesitar que,
no ano de 1891, k-a-t, kat é a forma exata ou a forma principal do quarto
numeral, l-e-t, let, da palavra que significa missiva ou signo do alfabeto. Porque
em Genebra, assim como em Bordeaux, em Paris ou em Lille, na rua assim
como nos salões, só se fala kat places, katjours, ou la let quej'ai reçue, etc. (Em
certas condições, há uma segunda forma, letr, usada antes de vogais: letr
ouverte; mas, mesmo antes de vogal, já se começa a dizer let ouverte, mettre
cette let à la poste, e é muito provável que, dentro de cinqüenta ou setenta e
cinco anos, letr seja uma forma totalmente desconhecida.) Esse é um exem­
plo que, entre muitos, prova que os fenômenos de transformação, seme­
lhantes aos que encontramos em todos os idiomas deixados a si mesmos,
não pararam, na realidade, de se produzir, mesmo em uma língua em que
todas as condições são anormais graças à aparente onipotência da escrita.
Mas é tempo de nos perguntar, sem pegar qualquer exemplo isolado,
em que consistem as mudanças que se produzem com necessidade tão cons­
tante em todas as línguas, de que natureza são esses remanejamentos, essas
modificações perpétuas, a que causas se remetem, e se têm o mesmo caráter
em todas as línguas.
Amigos Documentos 139

O estudo da linguagem acredita, desde já, poder afirmar que a essência


desses fenômenos é, em primeiro lugar, a mesma em toda parte e, em se­
gundo lugar, que ela foi sempre a mesma, de sorte que é uma idéia muito
falsa acreditar que o problema da origem da linguagem é um problema dife­
rente do de suas transformações. Seria um outro problema caso se supuses­
se que outras forças agiram antes sobre a linguagem, das quais não pode­
mos fazer idéia alguma a partir do que se passa hoje quando falamos, mas
essa suposição é tão arbitrária quanto inverossímil; ela equivale a atribuir à
humanidade primitiva faculdades ou sentidos essencialmente diferentes dos
que possuímos; em terceiro lugar, que, em toda parte, esses fenômenos são
de duas espécies distintas; remontam a duas causas, ou grupos de causas,
naturalmente distintas e independentes. Há, de um lado, a mudança/õnétíca
e, de outro lado, a mudança que recebeu diversos nomes sendo que ne­
nhum é excelente, mas dos quais o mais usado é mudança analógica. Vere­
mos por que em seguida. Pode-se opor, sob diversos pontos de vista, esses
dois grandes fatores de renovação lingüística, dizendo, por exemplo, que o
primeiro representa o lado fisiológico e físico da fala enquanto o segundo
corresponde ao lado psicológico e mental do mesmo ato —, que o primeiro
é inconsciente, enquanto o segundo é consciente, sempre lembrando que a
noção de consciência é eminentemente relativa, de sorte que se trata apenas
de dois graus de consciência, sendo que o mais elevado é ainda o da pura
inconsciência, comparado ao grau de reflexão que acompanha a maior parte
dos nossos atos —, opõe-se, também, com freqüência, essas duas ordens de
fatos, dizendo que uma diz respeito aos sons e a outra às formas gramati­
cais, o que não é uma idéia clara porque as formas da língua nada mais são
do que os sons, mas pode-se dizer que uma ataca a forma pelo lado do som
e a outra a ataca pelo lado da idéia; pode-se dizer, também, que uma repre­
senta operações puramente mecânicas, ou seja, em que não se pode descobrir
nem objetivo nem intenção e, a outra, operações inteligentes, em que é possí­
vel descobrir um objetivo e um sentido.
A observação e a análise dessas duas ordens de fenômenos constituem a
ocupação quase exclusiva do lingüista, a respeito de qualquer língua que
seja o objeto de sua atenção, e essa tarefa é sem fim, mesmo quando se
restringe a períodos limitados. Eu não posso, portanto, sonhar em entrar
numa descrição ou numa classificação, mesmo que absolutamente geral e
aproximativa, de tudo o que está contido na idéia de mudançafonética e na de
mudança por analogia.
Alguns exemplos, considerando, em primeiro lugar, o fenômeno de analo­
gia, o fenômeno de transformação inteligente. Não há melhor maneira de
perceber o que é isso do que escutar falar, por alguns minutos, uma criança
de três a quatro anos. Sua linguagem é um verdadeiro tecido de formações
140 Outros Escritos de Lingüística Geral

analógicas, que nos fazem sorrir, mas que oferecem, em toda a sua pureza e
candura, o princípio que não cessa de agir na história das línguas. Venirai.
Comoje venirai? Para isso é preciso que, em primeiro lugar, a criança conhe­
ça venir e que associe, em seu espírito, a idéia contida em venir com a que
deseja exprimir; mas isso não basta; é preciso, em segundo lugar, que ela
tenha ouvido dizer punir eje tepunirai ou choisir {je ckoisirai]. Então, acontece
o fenômeno punir: punirai = venir: venirai. Nada de mais conseqüente, nada
de mais lógico e de mais certo do que o raciocínio que conduz a venirai.
Observemos, em seguida, uma das características desse fenômeno; em certo
sentido, isso não é uma transformação, é uma criação; mas, em última análise,
não passa de uma transformação, já que todos os elementos de venirai estão
contidos nas formas existentes, fornecidas pela memória; punirai, punir ou,
então, se assim se desejar, o sufixo -ir, o sufixo -irai e sua relação de signifi­
cação. Sem a presença desses elementos, venirai é simplesmente impossível.
Não haverá jamais criação ex nihilo, mas cada inovação será uma nova apli­
cação de elementos fornecidos pelo estado anterior da linguagem. É assim
que a renovação analógica que, em certo sentido, é muito destrutiva, se
limita a continuar a cadeia de elementos transmitidos desde a origem das
línguas, sem jamais conseguir rompê-la.
Observemos, também, em seguida, por que se dá o nome de operação
de analogia, de fatos de analogia, a todas essas operações psicológicas. O
termo foi tirado da gramática antiga dos gregos, que nele punha uma outra
idéia e se colocava num ponto de vista muito diferente do nosso; mas ele se
revelou aplicável, já que o resultado dessas operações tende a restabelecer
uma analogia ou uma simetria entre as formas; assim, viendrai não é simé­
trico a punirai. É sobre uma analogia que se efetua o raciocínio que está na
base do fenômeno. Mais geralmente, esse fenômeno representa uma associa­
ção deformas no espírito, ditada pela associação das idéias representadas.
A operação de analogia é mais viva e mais fértil na criança porque sua
memória ainda não teve tempo de armazenar um signo para cada idéia e,
por conseguinte, ela se vê obrigada a confeccionar, a cada instante, esse
signo. Ora, ela o fabricará sempre de acordo com o procedimento da analo­
gia. E possível que, se o poder e a precisão de nossa memória fossem infini­
tamente superiores ao que são, as novas formações por analogia fossem
reduzidas a quase nada na vida da linguagem. Mas, na realidade, não é esse
o caso, e uma língua qualquer num momento qualquer nada mais é do que
lun vasto enredamento de formações analógicas, algumas absolutamente
recentes, outras que vêm de um passado tão distante que podemos apenas
adivinhá-las. Pedir a um lingüista que d te as formações analógicas é, por­
tanto, como pedir a um mineralogista que cite os minerais, ou a um astrô­
nomo que cite algumas estrelas, eu digo logo de início, para que não haja
Antigos Documentos 141

nenhum mal-entendido sobre o valor que atribuímos a esses fatos: não são
fatos excepcionais e anedóticos, não são curiosidades ou anomalias, mas a
substância mais clara da linguagem, em qualquer parte e em qualquer épo­
ca, a sua história de todos os dias e de todos os tempos:
je treuve, nos trouvons, comoje meurs, nous mourons. Por quê? Há uma razão
excelente, mas [fr. mod. je trouve]. Dizia-se je lève, nous lavons, e nós dizemos
je lave, nous lavons.
Pretéritos fortes alemães, quase sempre zog, wir zogen; lieh, liehen; band,
banden; half, halfen; ward, wurden. No entanto, na história do pretérito, um
exemplo: mesmo as formas mais familiares ao espírito, coisa singular, estão
sujeitas [à analogia]. Falou-se, durante séculos, grand, fem. grand, contra
bon fem. bone, porque [granáis mase, e fem.]. Já, no século XIX, grande.
Contemporâneo; por exemplo, j'achéte, nous achetons. Uma mulher não
diz mais je me décollette, mas Je me décolte! Magnífica formação de analogial E
claro, não que se deva dizer (porque não se deve dizer nada; tudo o que se diz
tem sua razão de ser) — mas é claro que se dizia, até uma época recente [je
me décollette, nous nous décollettons] como j'achéte [nous achetons]. Muito possí­
vel que se venha a dizer j'adite (eu já ouvi je cachté). — récolter.
Exemplo tirado da história do verbo sein em alemão. Em alemão, falou-
se, durante séculos, até em pleno século XIX, ich was “eu era”; er was “ele
era”; wir waren “nós éramos”, estado que é, aliás, conservado sem mudanças
no inglês: / was, he was, we were. Por quê? havia um s em was e um r em waren,
para isso há excelentes razões, mas eu não vou examiná-las porque essas
causas retrospectivas, sejam elas quais forem, não mudam em nada o esta­
do que temos no momento, do qual falamos, e não são capazes, igualmente,
de mudar mais nada no que vai se passar a partir desse estado. No fimdo, o
r de waren é uma modificação do s mas, eu repito, isso é alheio à questão.
No mesmo momento em que existe, por uma causa qualquer, was —
waren, existe também, e sempre por uma razão que não temos que pesquisar,
ichjithr, wirfuhren "eu ia de carro, nós íamos de carro*, ou então icít gebar, wir
geíjomí “eu concebería, nós conceberiamos". Nesses pretéritos, o r, de onde
quer que tenha saído, vai de uma ponta à outra da flexão e esses pretéritos
têm a vantagem de parecer mais simples, mais lógicos, embora historica­
mente eles não sejam mais do que was — waren.
Eu dei apenas, necessariamente, uma idéia muito incompleta do fenô­
meno e só o considerei em uma ou duas de suas formas mais notáveis e
mais perceptíveis.
A outra causa das transformações lingüísticas, a causa fonética, pede
agora a nossa atenção.
Por razões que não seria possível expor aqui, ela escapa à nossa atenção
e à nossa consciência. Esse movimento fonético existe em todas as línguas:
142 Outros Escritos de Lingüística Geral

cantare > chanter. campus > champ. cathedra > chaire, calamus > chaume, vacca
> vache, capillas, cantare se decompõe k’antar.
Outro fenômeno: civitas > cité [ ].
-//- palatal.
Característica capital: atinge cegamente todas as formas da língua em
que se encontra o som em questão e, por conseguinte, oferece um caráter de
regularidade matemática.
Esse caráter de regularidade é tal que se pode prever, sendo dada uma
palavra latina, o que ela será em francês; sendo dada uma palavra indo-
européia, o que ela seria em grego; sendo dada [ ] (se não há perturba­
ção por analogia).
Lei — Acontecimento.
Um dos efeitos é a diferenciação das formas (a analogia restabelece,
tende a restabelecer a simetria).

2c [Terceira conferência na Universidade de Genebra


(novembro de 1891)]
Os objetos considerados em nossas duas primeiras conferências nos
dão, desde já, se os agruparmos em nosso espírito, um apanhado suficiente
sobre o que é a condição da língua no Tempo, diante do fator Tempo; eles nos
dão uma idéia das condições universais em que se coloca um idioma qual­
quer diante do fato “de escoar-se um certo intervalo de tempo” — e nós nos
esforçamos para não introduzir, até o presente, nenhum outro fator funda­
mental além do fator da duração, da distância cronológica. Se fosse preciso
recapitular os principais pontos de vista a que fomos conduzidos nesse pri­
meiro estudo, eu insistiría certamente, ainda uma vez, na impossibilidade
radical, não apenas de qualquer ruptura, mas de qualquer sobressalto, na
tradição continua da língua, desde o primeiro dia em que uma sociedade
humana falou; — nos diferentes pontos imediatamente evidentes, de que
nenhuma língua pode morrer se não for violentamente suprimida; de que
nenhuma tem velhice nem infância, enfim, de que não pode nascer nenhu­
ma língua sob o sol; que quando se suprime a língua de um povo impondo-
lhe outra, essa outra língua se revela naturalmente tão antiga quanto a que
acaba de ser abolida, de maneira que só se pode ter, sobre o globo, a conti­
nuação de um idioma existente na véspera, e sempre existente na véspera,
até que se chegue à noite insondável das eras decididamente pré-históricas.
Eu lembraria, sobretudo, sempre na mesma ordem de idéias, que jamais
uma língua sucede a uma outra; por exemplo, do francês suceder ao latim; mas
que essa sucessão imaginária de duas coisas vem unicamente do fato de que
Amigos Documentos 143

nos agrada dar dois nomes sucessivos ao mesmo Idioma e, por conseguinte,
de lãzer dele, arbitrariamente, duas coisas separadas no tempo.
Sem dúvida, a influência que exercem sobre o nosso espírito dois nomes
sucessivos desse gênero é tão decisiva e tão inabalável, inextirpável, que eu
não sonho, confesso Mancamente, em destruir tal preconceito, em alguns
dias, com duas ou três observações de minha parte. É apenas — todos os
lingüistas o sabem — tpela] observação particularmente prolongada do que
é a língua de texto em texto, de cinquenta em cinquenta anos ou de vinte
em vinte anos, que se chega, enfim, a compreender, profundamente, defini­
tivamente, a absoluta presunção e inutilidade de uma denominação diferen­
te, como latim ou francês. O que acontece, invariavelmente, quando um lin­
güista combate a idéia errônea de que a língua latina teria um dia concebido o
francês? Meu Deus, concorda-se em todos os sentidos, admite-se que essa é
uma concepção absurda, sabe-se que, em toda parte e sempre, natura non
facit saltas, aceita-se perfeitamente que uma transição muito lenta deve ter
ocorrido entre as duas línguas— notemos esse íermo! — e, depois disso, hou­
ve algum avanço? De modo algum, porque ainda se imagina, obstinada­
mente, que há, antes, dois termos, religados por uma transição insensível, é
verdade, mas constituindo sempre dois termos, duas línguas, dpis seres,
duas entidades, dois organismos, dois princípios, duas noções, dois termos
diferentes. Continua-se a imaginar o latim e o francês como duas frondes-
cêndas sucessivas da mesma árvore, desde a queda das folhas no outono até
o nascimento dos brotos na primavera; aceita-se, com presteza, que a passa­
gem é insensível nos canais secretos em que se distribui a vida. mas man­
tém-se que há dois períodos caracterizados. Essa é, incontestavelmente. a
idéia difundida. Ora. a que se pode comparar, na realidade, a pretensa su-
ressão do latim pelo francês? Imaginemos, numa ddade, uma rua muito
longa: pode-se discutir, nos conselhos municipais, se vai lhe ser dado, em
todo o seu comprimento, ura único nome; por exemplo, Bulevar Nacional; ou
se essa rua será dividida em duas partes. Bulevar do Templo e Bulevar da Escola,
ou em três. bulevar de X, de Y e de Z ou. enfim, em dez, quinze frações, com
nomes diferentes. A existência distinta de cada um desses trechos de rua é,
naturalmente, uma coisa puramente nominal e fictícia, não cabe perguntar
como o Bulevar Y se transforma em Bulevar X, nem se o Bulevar Y $e trans­
forma subitamente ou insensivelmente em Bulevar X, porque, para começar,
não existe, em lugar algum, Bulevar Y ou Bulevar X, exceto em nosso espí­
rito. Do mesmo modo. não há em parte alguma, exceto em nosso espírito,
um certo ser que seja o francês por o p o sito a um certo ser que seja o latim.
Assim, é muito pouco vantajoso dizer que um sai progressivamente do outro
em vez de dizer que um sai de uma só vez. O essencial é compreender que
podemos dar um nome só ao período de vinte e um séculos, denominando-
144 Outros Escritos de Lingüística Geral

o latim — ou então dois nomes, deiiominando-o latim e francês — ou então


três nomes, denominando-o latim, románico e francês — ou então vinte e um
nomes, denominando-o latim do século II antes de Cristo, do século I antes
de Cristo, do século I depois de Cristo, dos séculos II, III, IV, VII, XII, XV,
XIX depois de Cristo. E que não existe, literalmente, nenhum outro modo
de introduzir uma divisão, além dessa maneira totalmente arbitrária e con­
vencional. Assim, nós negamos — não apenas que uma língua possa nascer
sem ser precedida de uma outra — não apenas, em segundo lugar, que uma
língua possa subitamente nascer de uma outra, mas, em terceiro lugar, ne­
gamos que uma determinada língua nasça gradualmente de uma outra, pois
não há nenhum instante em que a língua seja menos determinada nem mais
determinada do que em outro; não existem, jamais, características perma­
nentes, mas apenas transitórias e, além disso, delimitadas no tempo; exis­
tem apenas estados de língua que são, perpetuamente, a transição entre o
estado da véspera e o do dia seguinte; querer reunir um certo número de
estados de língua sob um nome como latim ou francês é a mesma operação e
tem exatamente o mesmo valor de opor o século XIX ao XVIII ou ao XII.
São vagos pontos de referência, sem a pretensão de evocar a idéia de uma
ordem finita de coisas, e menos ainda de descartar a idéia da ordem pouco
diferente que precedia e que se seguirá.
É impossível, aqui, deixar de observar que o linguista que se ocupa do
grego contemporâneo, como Jean Psichari, goza de vantagem apreciável, do
privilégio de não precisar nem mesmo comentar uma dessas desastrosas
distinções nominais, como a de francês e de latim; desde sua primeira aula
o percebemos, quando ele parte do grego falado no século VII a.C. para
chegar ao grego atual, com um intervalo de 2.600 anos: simplesmente por­
que as duas coisas são denominadas grego, embora sejam tão diferentes en­
tre si quanto o francês “difere do latim”, ou até mais em muitos pontos. E,
neste momento em que tenho a honra de lhes falar, estou persuadido, es­
tou, para dizer a verdade, absolutamente certo de que, a despeito de tudo o
que digo, a denominação/mnirés e latim é infinitamente mais forte, continuará,
para sempre ou por muito tempo, mil vezes mais poderosa no espirito de
vocês do que todas as instâncias a que eu possa me entregar como linguista
para fazer desabar esse dualismo de papelão, que nos importuna, sobo nome
de francês e latim.
Haverá, um dia, um livro especial e muito interessante a ser escrito so­
bre o papel da palavra como principal perturbador da ciência das palavras.
O conjunto das considerações desse gênero se resume, para nós, no prin­
cípio universal da absoluta continuidade da língua no tempo. A esse primeiro
printípio vem a se combinar o segundo, da coníÍJJíia transformação da língua
no tempo, dependendo, ela mesma, eu quero lembrar, de dois agentes dis-
Antigos Documentos 145

tintos, um psicológico, que se concentra na "operação de analogia”, o outro


mecânico, fisiológico, que tem sua expressão nas mudanças fonéticas. Um agin­
do de maneira perfeitamente independente do outro, a não ser em casos
muito especiais, muito observados, mas realmente excepcionais.
O fator que, até agora, omitimos sistematicamente, é o do espaço, da
distância geográfica, que vem se combinar à distância cromlógica.
Nós constatamos que. sendo dado um estado de língua qualquer, num
ponto determinado, por exemplo, num vilarejo retirado dos Alpes, ao se
voltar ao mesmo lugar, cem ou duzentos anos depois, esse estado de língua
terá, inevitavelmente, mudado até certo ponto, mesmo na ausência de qual­
quer causa específica que possa favorecer a mudança. A mudança ocorrida
terá sido, além disso, redutível a um certo número de fenômenos precisos.
Mas resta constatar que, se uma mesma língua se espalha em um mo­
mento determinado sobre uma certa extensão de território, o resultado da
mudança inevitável, ao fim de cem ou duzentos anos, não é o mesmo nos
diferentes pontos desse território, tenha ele um diâmetro de quinhentas ou
seiscentas léguas ou de cinco ou seis léguas. Os fenômenos ocorridos no
instante são sempre absolutamente precisos e definíveis, por exemplo, a
mudança de s para h, mas não são os mesmos nas diferentes partes da área
geográfica considerada; — e, por conseguinte, a língua não é mais idêntica
nas diferentes regiões que se atravessa.
Quando se combina esse dado geográfico com o dado cronológico, per-
cebe-sc que [nós] não nos encontramos, quase nunca, em linguística, dian­
te de um primeiro termo A refletido, alguns séculos depois, em um termo B;
mas diante de um primeiro termo A que repercute, alguns séculos depois,
em 8' 8 ” 8 " ’ 8"”... Por exemplo, se em um momento dado, se fala o idioma
A em Genebra, o mesmo idioma A em Lyon, o mesmo idioma A em Bourges
ou Paris, ao fim de duzentos ou trezentos anos, não haverá, em parte algu­
ma, um idioma que se possa chamar de 8 com relação a A, nias haverá 8' em
Genebra, B” em Lyon, B’” em Bourges, B”” em Paris, por oposição ao A
idêntico do ponto de partida.
A diferença A : 8 representa, idealmente, a diferença no tempo, mas, na
verdade, só existe a diferença A : B' B‘‘ B'” — que, única real, representa a
diferença no tempo e no espaço. Assim, nós não surpreendemos, por assim
dizer, em parte alguma, uma língua que se revele geograficamente una e
idêntica; todo idioma que se pode citar não passa, geralmente, de uma das
múltiplas formas geográficas sob as quais se apresenta o mesmo falar numa
região um pouco extensa. Em toda parte, nós constatamos o fracionamento
dialetal. Muitas vezes, ele é ocultado pela circunstância de um dos diferen­
tes dialetos ter adquirido, seja como língua literária, seja como língua admi­
nistrativa, seja como língua de comércio e intercurso entre as diferentes par-
146 Outros Escritos de Linguística Geral

tes do país, uma situação preeminente, que faz com que só esse dialeto
chegue até nós nos monumentos escritos, ou que faz com que os outros
dialetos sejam considerados Jargões informes e horríveis, que se imagina
ser deturpações da língua oficial. Enfim, acontece muitas vezes, em segun­
do lugar, que a língua adotada como língua literária chegue a matar [ ].
Exemplo: o latim que vocês dominam, que vocês conhecem, considerado
em suas origens, pode parecer, a um observador superficial, que é a língua
da Itália ou ao menos a língua do Latium. Na realidade, quando se dá uma
olhada nas inscrições faliscas, volscas, oseas, sabinas ou nas palavras trans­
mitidas pelos gramáticos, percebe-se que o latim romano, que teve destinos
tão gloriosos na história, era um pequeno dialeto local que acabava, quase
literalmente, nas portas de Roma. A Itália está repleta de outras formas da
língua itálica, umas bem conhecidas, como o úmbrio ou o ósquio, outras de
que temos apenas uma idéia mais vaga, como o sabino.
Ora, observemos que, devido a causas políticas e literárias, o dialeto
romano acabou varrendo todas as outras formas, não menos legítimas, da
língua itálica. Isso levou muito tempo (Pompéia); mas finalmente acabou
por acontecer.
Do mesmo modo, para se ter uma idéia sensata do que é, por exemplo,
0 alemão moderno na verdadeira extensão do termo, é preciso começar por
reconduzir o alemão oficial que aprendemos, não ao valor zero, mas ao valor
de uma única unidade entre as centenas de unidades que se pode distinguir
sem se ir além da Suíça alemã.
A posição do francês diante dos dialetos franceses é exatamente a mes­
ma; ou seja, o francês oficial representa o dialeto de uma única [região]:
Paris e íle-de-France.
Eu poderia, naturalmente, multiplicar ao infinito os exemplos. Para usar
um exemplo mais distante de nós: poderia parecer, no começo do século,
que a língua zenda conservada através dos livros sagrados dos parses, repre­
sentava a língua do Irã — Aquemênida, dois dialetos iranianos, sendo que
existia, certamente, uma multidão de outros.
Em meio a essa imensa multiplicidade de formas, eu faço esta observa­
ção para evitar uma falsa representação, seria errado supor que temos difi­
culdade para achar o caminho e que estamos diante de um quadro de imen­
sa desordem.
Se considerarmos cada um dos termos de chegada B' B” B”’, reencon­
traremos, para cada um, o mesmo ponto de partida A, modificado em dire­
ções diferentes, mas de maneira perfeitamente precisa. Assim, tsaOi — 6ãté
— château. Tudo isso remonta, matematicamente, a castellum : tsaQi — tsã —
Qãté — 0ã, château, champ : -st > 0: tí0a.
Amigos Documentos 147

Percebe-se, agora, como estava distante da verdade a idéia que dominou


todo o primeiro período dos estudos lingüísticos, a saber: para que urna
língua ou um falar chegue a se diferenciar de outro, é necessário que se
produza urna separação geográfica, por exemplo, a idéia de que o inglés só
diFere do alemão porque [ ]. O caso da separação geográfica, eu me refi­
ro à descontinuidade geográfica absoluta, este caso, bem longe de representar
a condição regular para que haja divergência, constitui um caso particular a
ser examinado à parte, que eu excluo completamente de nosso estudo pre­
sente. O efeito do isolamento lingüístico de urna determinada comunidade
é provavelmente duplo: por um lado, as diferenças se produzem mais rapi­
damente, por outro, as diferenças se produzem em uma direção diferente
do que seria se a comunidade tivesse ficado em contato com a massa. Mas,
eu repito, esse é um caso que, se não for excepcional, exige, ao menos, um
estudo especial e que só pode ser abordado com a condição de, antes, se ter
clareza sobre a diferenciação que se realiza em um corpo lingüístico contínuo.
Se tentarmos, agora, combinar, compor o fato da diferenciação no tem­
po com o da diferenciação no espaço, a que perspectiva dos fenômenos che­
garemos naturalmente? Seja uma determinada superfície de mil léguas qua­
dradas em que se fala. em um momento dado, um idioma: 500 anos depois,
há toda uma série de dialetos diferentes sobre a mesma superfície, B’ B"
B*". Mas, dividindo em dois a distância no tempo, tem-se. inevitavelmente,
um aspecto totalmente outro de diferenças dialetais; ou seja, ao fim de 250
anos, não apenas os diferentes dialetos 6* B" não são ainda o que serâo, mas
não existem ainda como dialetos individuais; só há, por exemplo, ao final de
250 anos, duas grandes frações em vez de trinta ou quarenta; e, além disso,
essas duas grandes frações não são ainda, cada uma, muito caracterizadas,
de maneira que o habitante de um vilarejo no extremo Sul pode ainda se
fazer compreender no extremo Norte.
Essa visão. Senhores, não é nem muito felsa, por um lado, nem muito
verdadeira, por outro. Uma das conquistas mais apreciáveis, e mais recen­
tes, da linguística, devidas principalmente a Paul Meyer da École des Chartes,
é que os dialetos não são, na realidade, unidades definidas, eles não existem
geograficamente; mas existem, em troca, geograficamente, características di­
aletais.
Se, à primeira vista, esse princípio parece um pouco obscuro, ele vai se
tornar imediatamente, eu tenho confiança, de uma clareza...
Para traçar, no mapa, os limites de um dialeto perfeitamente conheddo, ê
necessário, imediatamente, dizer quais são as características que se reco­
nhece como distintivas desse dialeto com relação aos dialetos drcunvizinhos.
Por exemplo, se eu admito que existe um dialeto savoiano, meu primeiro
dever é supor que esse dialeto é diferente de qualquer outro dialeto francês
148 Outros Escritos de Lingüística Geral

e, além disso, uno em si mesmo. Eu vou, então, me pôr à procui'a dessas


características comuns de distinção. Eu posso imaginai', de início, que a
conservação do a final átono latino, como em feña “a mulher”, Benva, “Ge­
nebra", que é um signo comum do dialeto savoiano, é também um signo
distintivo dialetal mas, levando mais longe minha observação, eu constata­ria
que ele é comum ao dialeto savoiano e a todo o Sul da França; portanto, não
existe, aí, nenhuma característica distintiva. Eu observo, então, que o Sul da
França não transformou o grupo ca latino em tsa, sa ou em outra coisa,
canto, enquanto que, em savoiano, há uma mudança: Oãtâ; será que essa
característica é melhor? De forma alguma, porque essa característica é
comum, em troca, ao Nordeste do território, liga o savoiano à região de
Gex, a Franche-Comté, a Paris. Eu dedicaria a atenção, então, a procurar
características mais locais; tomaria, por exemplo, o fato do deslocamento do
acento latino no dialeto savoiano la Iná, la spá, mas constato, em pouco
tempo, que, por um lado, esse fenômeno atinge apenas uma parte da Savóia,
não sendo, portanto, uma característica comum, e, por outro lado, avança
para Vaiais, de um lado, e na direção de Dauphiné, de outro; que ele não é,
portanto, uma característica distintiva. E assim vai: não haverá jamais uma
característica qualquer que coincida, em sua área geográfica, com outra,
uma liga a Savóia a Vaud, a outra, uma parte da Savóia a uma parte de
Vaiais, a terceira, uma [ ]
Acaba-se, enfim, compreendendo que a área geográfica dos fenômenos pode
perfeitamente ser traçada no mapa, mas que tentar distinguir unidades dia­
letais é absolutamente quimérico e inútil.
Cada região está colocada no percurso de um certo número de fenôme­
nos lingüísticos, que têm, cada um, seus percursos determinados; a soma
das características que resulta, para cada região, da superposição acidental
de tal e tal fenômeno é o que constitui, se assim se preferir, o dialeto dessa
região. Mas é impossível encontrar uma característica que permita delimi­tar
esse dialeto com relação a qualquer outro — a menos que se considere um
único vilarejo. As pesquisas dialetais são, hoje, dirigidas unicamente ao
objetivo de delimitar a área dos fatos lingüísticos, mas não de traçar unida­des
imaginárias de dialetos.
Pode-se delimitar, de quilômetro a quilômetro, a fronteira onde cessa a
mudança do a latino em e: donar ou doner; mas querer, a partir dessa caracte­
rística ou a partir de outras, dividir a França em língua-d'oc e língua-d’oil, é
absolutamente falso, já que, por exemplo, uma outra característica repartirá a
França transversalmente em outro sentido, dividindo-a em Este e Oeste; uma
terceira irá, em diagonal, dos Alpes até o Oceano, etc.
Nada mais interessante, a esse respeito, do que o Atlas lingüístico do
Império alemão.
Amigos Documentos 149

É aínda mais interessante seguir, de urna só vez, no tempo e no espaço,


a propagação desses grandes fenômenos Wein, Zeit, Haus, Lente.
Como efeito desses fenômenos sucessivos, que seguem todos a lei da
continuidade geográfica, o dialeto só pode diferir insensivelmente quando
se parte de uma localidade qualquer em uma direção qualquer. Por exem­
plo, o savoiano que parte na direção de Auvergne chega, ao fim de um certo
tempo, à fronteira de 9a para ca latino e encontrará, por exemplo, tsa, assim
tía, o que não o perturba muito e não o impede de compreender; algumas
léguas depois, ele passa uma outra fronteira, suponho, a depl que dá pt; isso
também não o perturba; mas, na medida em que ele se afasta de sua aldeia
natal, a soma das diferenças com relação ao seu dialeto se acumula e acaba
por fazer com que ele não compreenda mais.
A conseqüência dessa observação, é que não existe, regularmente, fron­
teira entre o que se denomina duas línguas, por oposição a dois dialetos,
quando essas línguas são da mesma origem e faladas por populações contí­
guas sedentárias. Por exemplo, não existe fronteira entre o italiano e o fran­
cês, entre os dialetos que se prefere chamar de francês e aqueles [ ].
Assim como não há dialetos delimitados, não há línguas delimitadas, nas
condições normais.
Assim, a língua, que não é, como vimos, uma noção definida no tempo,
não é, também, uma noção definida no [espaço]. Não há outro meio de deter­
minar 0 que queremos dizer, ao falar de tal ou tal língua específica, além de
dizer a língua de Roma em tal ano; a língua deAnnecy em tal ano. Ou seja, conside­
rar uma única localidade pouco extensa e um único ponto no tempo.
Pergunta-se, então, depois dessas observações, se línguas contíguas da
mesma origem, como o eslavo e o alemão, são ligadas, como o italiano e o
francês, por dialetos intermediários, que pertencem tanto ao primeiro quanto
ao segundo tipo. Não; e isso é quase geral na família indo-européia. Nós
não possuímos mais as transições; mas é preciso lembrar que nosso conhe­
cimento é absolutamente fragmentário; nós não conhecemos o corpo de
língua ilírico, nós não dominamos o corpo de língua/rígío, nem o corpo de
língua macedónico, que provavelmente ligaria o grego ao eslavo; além disso,
houve contínuos movimentos de populações sempre a atingir e recobrir,
com suas vagas, os tipos intermediários.
Nós temos razão para acreditar que a diferenciação no seio do grande
corpo indo-europeu se fez, em geral, do mesmo modo que a diferenciação
da língua latina. Neste momento, a continuidade é ininterrupta... passando
por Herat, Merw, Moscou.
Ora, se consideramos as diferentes línguas indo-européias, cada uma
representa exatamente o elo intermediário entre suas duas vizinhas do Este
e do Oeste.
150 Outros Escritos de Lingüística Geral

E nós podemos constatar certos grandes fenômenos totalmente análogos.


Continuidade, mas divergências.
Fonética.

3a [Nota sobre a história das línguas; crítica


da expressão gramática comparada, 1 ]
O título gramática comparada, atribuído ao Curso que eu tenho a hon­
ra de começar ante vocês — e, ademais, largamente consagrado pelo uso —
tem certamente uma vantagem incontestável: a de tirar radicalmente do
espírito, desde o primeiro momento, a idéia de que vai se tratar de um
estudo literário dos idiomas que talvez se discuta, e de preparar, de ante­
mão, o auditório, que pode estar tentado a acompanhar um tal curso, para
discussões centralizadas exclusivamente na língua em si mesma. A palavra
gramática, por si só, seja essa gramática comparada ou não, estabelece com
precisão do que se trata e faz ver que os monumentos literários, gloriosos
ou obscuros, que produziu o idioma grego, por exemplo, ficam fora de nos­
sa apreciação, não passando, para nós, de documentos sobre o idioma grego
em si mesmo ou sobre um período determinado do idioma grego.
De todos os outros pontos de vista, pode-se dizer que o termo gramática
comparada, inventado numa época em que os estudos estavam ainda em sua
fase embrionária, não satisfaz o espírito; esse termo precisa, ao menos, ser
cercado por muitos comentários e reservas. Qual é, em definitivo, o papel
da comparação na história das línguas? Acabou-se, não se sabe bem por
que, por fazer do lingüista um comparador. Entende-se que o astrônomo
observa e calcula, que o crítico critica, que o historiador relata e que o lin­
güista compara. Por que o lingüista compararia, ou por que estaria ele con­
denado, em seu ofício, a comparar?
É muito fácil de ver. Senhores, que a comparação, longe de ser, para o
lingüista, um método fundamental e preferido, é justamente o último meio
a que ele recorre, por necessidade, em certos casos. É a inopinada freqüên-
cia desses casos que dá uma importância fortuita à comparação.
Se a história das línguas, como a história dos povos, não fosse cravejada
de enormes lacunas, não haveria nenhum pretexto para aplicar a compara­
ção. O desenvolvimento das línguas románicas vindas do latim fornece, aqui,
exemplos absolutamente tópicos sobre o princípio: 1. patre (m) — père. Mais
tarde, téctum — telhado. 2. fuente — lacuna. 3. tuttus — outra lacuna.
Eu só falei de exemplos em que a tradição existente é ou corrigida ou
completada por uma comparação de produtos; mas resta, agora, os inco-
mensuráveis períodos de que não temos nenhuma espécie de testemunho
escrito.
Antigos Documentos 151

Durante séculos e séculos, existiu um latim do qual não temos nenhu­


ma noção direta, já que nossos mais antigos documentos referentes ao la­
tim começam pouco antes do ano 200 antes da nossa era; o grego que é
conhecido há pelo menos 700 anos antes da nossa era, tem, ele mesmo,
atrás de si, um passado. Mas o que é isso comparado ao eslavo que, tão
antigo quanto o grego, só se torna conhecido a partir de 900 ou 1000 de
nossa era, ou seja, 1.700 anos depois do grego, e ao lituano, que conhece­
mos direito há apenas 350 anos?

3b [Crítica da expressão
gramática comparada, 2]
Eu lhes falei de um título de curso acadêmico que seria: História das
línguas indo-européias.
É o nome que, hoje, os lingüistas são levados a adotar como o mais
apropriado e o mais exato para designar o ensinamento que leva, em geral,
o título de Gramática comparada (das línguas indo-européias).
O nome gramática comparada desperta muitas idéias falsas, das quais a
mais lastimável é fazer acreditar que existe uma outra gramática científica,
além da que usa a comparação das línguas.
Como a gramática bem compreendida é apenas a história de um idioma,
e como toda história tem muitas lacunas, é claro que a comparação das
línguas se torna, por momentos, nossa única fonte de informação (preciosa,
ao ponto de poder substituir o documento direto), mas ela é apenas a solu­
ção que temos na falta de outra melhor.
Assim, a gramática se toma, por necessidade, comparativa, no instante
em que falta o monumento autêntico e preciso; nada há aí que caracterize
uma tendência, uma escola ou um método particular. É, simplesmente, a
única maneira de fazer gramática. Nós rejeitamos, então, qualquer epíteto
particular, como o de comparadores, assim como negamos, naturalmente, qual­
quer espécie de existência a uma gramática que não reconheça a compara­
ção entre seus meios legítimos de investigação.
A substituição do termo História por Gramática comparada tem uma outra
vantagem: esse termo gramática comparada exclui, segundo a acepção cor­
rente, as ramificações modernas do indo-europeu, tais como a família das
línguas románicas ou até mesmo a das línguas germânicas em seu desenvol­
vimento mais recente, já que nesse terreno a comparação deixa de ser um
instrumento muito necessário graças à continuidade da tradição histórica.
Essa cisão não justificada [ ]
152 Outros Escritos de Linguística Geral

4 [Distinção entre literatura, filologia,


lingüística]
3288 ,
O estudo de uma literatura, do ponto de vista propriamente literário,
é, para todo mundo, bastante distante dos estudos auxiliares que a ele se
ligam, com um caráter mais técnico, e que são o campo de atividade especial
do filólogo, como, entre outros, a crítica de textos, a crítica de manuscritos e
de edições, a paleografía e a epigrafía, a explicação (hermenêutica) dos au­
tores, a lexicografía, a gramática, a métrica de obras versificadas, etc. O
filólogo poderá ainda, se for o caso, se tornar momentaneamente arqueólo­
go, jurista, geógrafo, historiador, mitólogo, etc., ocupando-se, geralmente,
de tudo o que contribui, de perto ou de longe, para a melhor compreensão
do espírito ou da letra dos autores. Nâo se tem dificuldade, também, para
compreender qual é, ao lado da erudição puramente literária, o lugar que
ocupa a erudição ou a ciência filológica, ainda mais que o ensino clássico
(pelo menos no caso das línguas mortas) teve sempre em vista esses dois
objetos ao mesmo tempo.
Acontece freqüentemente, em troca, haver menos predisposição para
compreender que a filologia, por sua vez, se mantém distinta da lingüística.
Literatura e filologia. — O estudo de uma literatura abrange apenas, no
sentido que geralmente lhe é dado, objetos que oferecem um interesse lite­
rário propriamente dito; assim, ele é bastante distinto, para todo mundo,
das ramificações de conhecimentos auxiliares, de caráter mais técnico, que
constituem, por excelência, o domínio da filologia, como crítica de textos,
crítica de manuscritos e de edições, paleografía, epigrafía, gramática, lexico­
grafía, prosódia, métrica, "heimenêutica" ou interpretação dos autores, etc.
Qualquer um percebe o lugar que cabe legítimamente aos estudos filológicos
assim como o que os separa dos estudos puramente literários, ainda mais
facilmente porque o ensino clássico (pelo menos com relação às línguas
mortas) incluiu sempre essas duas ordens de estudos, ao mesmo tempo, e
tornou familiar, para nós, seu conteúdo respectivo. Na realidade, é tão pou­
ca a tentação de confundi-los que se faz necessário lembrar que são apenas
um, em última análise, sendo que a filologia não passa de um vasto comen­
tário que se apõe a uma literatura. E essa finalidade absolutamente literária
em seu objeto final que constitui, ao mesmo tempo, a razão de ser e a unida­
de da ciência filológica que, de outra íbrma, abrangería os mais disparata­
dos estudos. Ela abraça tudo o que pode contribuir, de perto ou de longe,
para a melhor compreensão do espírito ou da letra dos autores, o que faz
com que, além dos assuntos precedentes, o filólogo tenha, ainda, que se
tornar, conforme o caso, arqueólogo, jurista, geógrafo, historiador, mitólogo,
etc. Sobre a obra dos escritores se concentra a dupla atividade do filólogo e
do[ ].
Antigos Documentos 153

Htología e lingüística: se ninguém confunde o literato e o filólogo, que se


tocam tão de perto, em contrapartida é muito [ ]

5 [O fato fonético supõe duas épocas]


Nós somos levados a supor que os fatos de que se ocupa a fonética
esião "em uma época”, ou que nâo há impedimento para que eles estejam
em uma época; que só a suaexpítcação necessita, propicia ou aconselha, con­
forme o caso, a intervenção de uma época precedente, por conseguinte, um
total de duas épocas.
Eis aí um dos erros típicos da linguística atual, que deixamos para com­
bater em outro momento, de um ponto de vista sistemático. Limitamo-nos
a afirmar que. bem antes de ser preciso duas épocas para explicar um fato
fonético, ou seja, reduzi-lo a uma lei, é preciso regularmente duas épocas
para constituí-lo e modificá-lo, para permitir que ele exista e seja um dos
objetos que reduzimos a leis.

6a [Fonología, 2]
3290=640 jsjota; o termo fonología compreende, para nós, o que é geral­
mente entendido, na Alemanha, sob o nome de Lautphysiologie. Nós não
vamos dissertar aqui sobre a precisão das denominações numa língua ou
em outra; é essencial dizer, apenas, que toda questão fonológica é, para nós,
situada absolutamente FORA DA LINGÜÍSTICA, com mais razão ainda fora
da fonética, que é uma parte determinada da lingüística; e que os termos
FONOLOGIA e fonética, além de não poder se confundir, não podem nem
mesmo se opor.

6b [Fonología, 3]
Eu não considero como uma verdade evidente a priori, como uma
coisa que não precise de demonstração, a obrigação de tratar, a propósito da
língua, da maneira pela qual se formam os sons em nossa garganta ou em
nosso palato. Eu acredito, ao contrário, que o interessante, para todo mun­
do, seria se perguntar por que, ao certo, supomos que isso seja útil; em que
o conhecimento da produção de sons poderia contribuir, numa parcela maior
ou menor, para o nosso conhecimento da língua. As teorias que tendem a
dizer que, pelo mero fato de se usar, na língua, esses sons, nós devemos nos
preocupar ipso facto com sua produção, slo totalmente arbitrárias ou teme­
rárias, até que seja possível constatar que sua produção tem uma importân­
cia — e qual — na questão muito particular que é a linguagem.
154 Outros Escritos de Linguística Geral

Na realidade, estamos habituados a acreditar que o estudo das diversi­


dades que o aparelho fonatório produz tem uma importância capital em
lingüística, sem que ninguém nos tenha dito por que, ou em que, ou de que
ponto de vista. Aí está o ponto fraco dessa ciência, um ponto fraco de tal
vulto que ela só passa por ciência graças à lingüística. Com efeito, fisiológi­
camente (ou antes: para os fisiólogos), ela não é uma ciência (acústicamen­
te também não). Um fisiologista ou ignora totalmente ou só pode conside­
rar as posições e ações que correspondem a p, b como funções de certos
músculos, que não são características de um estado do organismo e nem
dignas de uma atenção particular.
3291=189 Importância capital da afasia gráfica que coincide com a afasia
lalética, implicando que a unidade de um fonema está no cérebro.

7 [Características da linguagem]
Características da linguagem. Continuamente, considera-se a lingua­
gem no indivíduo humano, um ponto de vista íãlso. A natureza nos dá o ho­
mem organizado pela linguagem articulada, mas sem linguagem articulada. A lín­
gua é um fato social. O indivíduo, organizado para falar, só poderá chegar a
utilizar seu aparelho através da comunidade que o cerca, — além disso, ele
só experimenta o desejo de utilizá-lo em suas relações com ela. Ele depende
inteiramente dessa comunidade; sua raça é indiferente (salvo, talvez, por
alguns fatos de pronúncia). Então, nisso o homem só é completo através do
que tira do seu meio.
O fato social da língua é comparável aos usos e costumes (constituição,
direito, costumes, etc.). Mais afastadas estão a arte e a religião, que são
manifestações do espírito em que a iniciativa pessoal tem um papel impor­
tante e que não supõem a troca entre indivíduos.
Mas a analogia com os "usos e costumes” é, ela mesma, muito relativa.
Eis aqui os principais pontos de divergência:
P A linguagem, propriedade da comunidade, como os "usos”, corres­
ponde, no indivíduo, a um órgão especial preparado pela natureza. Nisso,
esse fato não tem análogo.
2® A língua é, por excelência, um meio, um instrumento, obrigado a
realizar constantemente e mediatamente seu objetivo, seu fim e efeito: se fazer
compreender. Os usos de um povo são, muitas vezes, um fim (como as
festas), ou um meio muito indireto. E como o objetivo da linguagem, que é
se tornar inteligível, é de absoluta necessidade em qualquer sociedade hu­
mana, no estado em que as conhecemos, resulta daí que a existência de uma
linguagem é própria de toda sociedade.
Amigos Documentos 155

As geleiras divergentes são, de fato, urna boa comparação para os idio­


mas congéneres, pois permitem transmitir origem comum, elementos no­
vos, diferença de tempos e ausência de vida orgánica.
Desenvolver: 1®Existência necessária da linguagem em toda comunida­
de humana.
2- Continuidade absoluta da língua:
a) uma interrupção é inconcebível. Não se pode supor um povo absten-
do-se de falar durante um dia ou dois, mesmo em perturbações que inter­
rompam todo o resto;
b) a iniciativa de um só, de muitos, é impossível, em primeiro lugar, por
inconsciência. No estado de consciência, seria possível supor a iniciativa de
alguns, mas ela é logo bloqueada porque eles se tornam ininteligíveis. Ou,
quando algumas vezes ela se dá, trata-se, em geral, de inovações puramente
lexicográficas e, mesmo assim, é preciso, muitas vezes, que os materiais
sejam tirados da língua comum. Há perdas, mas nada se cria. Tudo se trans­
forma. — Cf. Curtius no trecho metodológico da 5® edição, começo da se­
gunda parte;
c) a iniciativa consciente de todos inútil, inconcebível, sem exemplo.
Assim, a língua constitui uma tradição que se modifica continuamente, mas
que o tempo e os sujeitos falantes são impotentes para Interromper, desde
que eia não se extinga por uma causa ou por outra. Se um povo adota uma
língua estrangeira, o princípio da continuidade subsiste intacto. Uma lín­
gua se extingue: a que triunfa é igualmente ininterrupta. Assim, sendo dada
uma língua, não se pode dizer até quando ela vai durar, mas tem-se a certeza
de que ela remonta ao passado mais remoto possível e que traz seus mate­
riais da mais profunda antiguidade, como uma moraina de geleira.

y -

8 Morfología
§ 1. A morfologia, diz-se, é o estudo das formas da linguagem, en­
quanto a fonética seria o estudo dos sons da linguagem.
Não dá para se contentar com uma tal definição, não apenas em teoria,
mas mesmo na prática, porque vai se verificar, com fireqüência, que não
sabemos mais se fazemos morfologia ou fonética, como vamos ver:
E evidente, antes de mais nada, que a fonética se ocupa totalmente dos
sons, e para poder fazê-lo, é obrigada, em primeiro lugar, a se ocupar das
156 Outros Escritos de Linguística Geral

formas. Os sons não se transmitem de uma geração a outra em estado isola­


do; os sons só existem, só vivem e só se modificam no seio das palavras.
Pronunciamos serpõ, sedos e, depois, herpõ, hedos. Quando digo: herpõ vem de
serpõ, faço fonética e nada mais. Assim também quando digo que a primeira
pessoa dos verbos em -co não pode vir de uma antiga primeira pessoa em ~õ
mi.
Por outro lado, a morfología, que supostamente trata apenas das for­
mas, se ocupa perfeitamente dos sons. Por exemplo, quando eu digo que o o
grego pode alternar com e e não com a: Xóyoç, Xéyw, mas céyto não õy-, eu faço
morfología. É verdade que, para certas pessoas, isso se chama fonética. Por
causa da má definição. Mas vai ficar claro, na seqüência, que nada é mais
falso e mais perigoso do que classificar um fato desse gênero com os fatos
fonéticos.
Assim, não é tão simples, como às vezes se imagina, separar os dois
domínios, e não é dizendo que o um - estudo dos sons e, o outro, das
formas, que se obtém uma linha de demarcação satisfatória.
Mas essa linha de demarcação é imperiosamente necessária para evitar
lamentáveis confusões.
Princípio de direção: Todas as vezes que se considera uma mesma forma em
datas diversas, se faz fonética, — e todas as vezes que se considera formas diversas
numa mesma data, se faz morfoiogía:

alto-alemão antigo zug zugi


alemão moderno zug züge.

Comparar zugi e züge é comparar duas formas e, todavia, isso não é fazer
morfología, mas fonética.
Comparar u-ü em zug, züge, é comparar dois sons e, todavia, não é foné­
tica.
eJCurtrS
I "Z(To
_________
íf K ’tn r'/y f-

As duas esferas confundidas nas locuções correntes:

chantre se liga etimológicamente a chanter


” ” a cantor
(pópoç vem de (pépco
" " bhoros.
Antigos Documentos 157

Observação: A Etimologia, que se dá, às vezes, como um ramo da ciência


da linguagem, não representa uma ordem determinada de pesquisas e, ain­
da menos, uma ordem determinada de fatos.
Fazer etimologia é fazer uma certa aplicação de nossos conhecimentos
fonéticos e morfológicos.

Voltar, através da fonética, à época em que a palavra se torna morfológica­


mente analisável.
Algumas vezes, a etimologia só se move nas modificações da idéia: le
barreau — ameoç.
3293.2 ^ 2, Isso ainda não diz em que consiste exatamente a morfología:
Definição: A morfología é a ciência que trata das unidades de sons cor­
respondentes a uma parte da idéia e do agrupamento dessas unidades. — A
fonética é a ciência que trata das unidades de sons para estabelecer, depois,
características fisiológicas e acústicas.
O verdadeiro nome da morfologia seria: a teoria dos signos e não das
formas.
a) Como ocorre, visto essa definição, que a morfologia tenha sempre,
por campo natural, o que é contemporâneo, e a fonética o que é sucessivo?
É absolutamente necessário à morfologia, para definir, delimitar cada
signo e lhe consignar seu papel, ter pontos de referência nos outros signos
do mesmo sistema, ôoxóç, apenas, é morfológicamente impenetrável. Quan­
do se tem ôoxóv, Soxiíp, pode-se analisar. E é preciso, naturalmente, que 8oxóv,
ôoxfíp pertençam ao mesmo sistema.
Ou: a língua só tem consciência do som como signo.
Melhor: ôoxóç, considerado na relação com seus contemporâneos, é o por­
tador de uma certa idéia, que não é a de ôoxf|p, que não é a de ôóxro), ôoxóv,
assim como as partes de ôoxóç. Então, ele aparece aqui como signo e perten­
ce à morfologia.
Fonéticamente, a relação de ôoxóç, ôoxfjp, ôdxrco, ou seja, de formas con­
temporâneas, não pode ser esclarecida.
A fonética de uma época determinada se limitaria a duas páginas de
verificação.
A primeira preocupação de uma fonética “francesa” é nos pôr em pre­
sença do antigo firancês e do latim.
P) Como acontece que a morfologia tenha, algumas vezes, que se ocupar
de sons? O som pode ser portador de uma idéia.
158 Outros Escritos de Linguística Geral

Alternância e mudança fonética


3293.3=2772-2778 g ^ coiTiparação dc formas que têm alguma coisa em
comum conduz à análise 5oAóç SoTi^p. A questão que se coloca é saber a que
corresponde essa análise, qual é a sua sanção.
A antiga gramática comparada não se preocupava de maneira alguma
com essa questão. Ela dividia as palavras em raízes, temas, sufixos, etc. e dava
a essas distinções um valor absoluto. Ela introduzia nisso uma tal candura
que, quando se lê Bopp e sua escola, chega-se a acreditar que os gregos
tinham trazido com eles, há um tempo infinito, uma bagagem de raízes,
temas e sufixos e que, em vez de se servir de palavras para falar, eles se
ocupavam de confeccioná-las, que os gregos não tinham, há um tempo infi­
nito, uma palavra tiocttíp “o pai” e os latinos uma palavra pater, mas uma raiz
pa- “proteger” e um sufixo ter, nem uma palavra Soboopai, mas uma raiz 6o)-,
um sufixo -ao- e uma desinência pessoal.
Deveria haver uma reação formidável contra essas aberrações, uma rea­
ção cuja palavra de ordem, muito justa, seria: observe o que se passa nas
línguas de hoje, na linguagem de todos os dias. Não atribua aos períodos
antigos da língua nenhum procedimento ou fenômeno além dos que são
contestáveis na linguagem viva. E, hoje, toda morfologia começa por uma
declaração de princípios, que se resume geralmente a dizer que raiz, tema,
sufixo, etc., são puras abstrações, que não se deve imaginar que essas cria­
ções do nosso espírito tenham uma existência real; 2- que, no entanto, se fará
uso delas porque, pela comodidade da exposição, não se pode deixá-las de
lado, mas que, bem entendido, só se deve atribuir (a essas expressões) o
valor totalmente relativo que elas comportam.
Resultado: o leitor fica absolutamente desorientado. Visto que, se não há
justificativa para se estabelecer essas categorias, então por que estabelecê-
las ou, em particular, o que faz com que seja menos errado decompor Çuyóv em
Çuy- ó-v do que em Çu- yóv? A nova escola merece, efetivamente, a censura de
ter reconhecido a natureza dos fenômenos e de ter continuado, até certo
ponto, embaraçada no aparato científico de seus predecessores, do qual era
mais fácil apontar os defeitos do que fixar exatamente o valor positivo. Eu
vou enunciar uma proposição amplamente maculada de heresia: é falso que
distinções como raiz, tema, sufixo sejam puras abstrações.
Antes de tudo, e antes de vir falar de abstrações, é preciso ter um crité­
rio fixo no tocante ao que se pode denominar real em morfologia.
Critério: O que é real, é aquilo de que os sujeitos falantes têm consciên­
cia em um grau qualquer; tudo aquilo de que eles têm consciência e apenas
aquilo de que eles podem ter consciência.
Antigos Documentos 159

Ora, em todo estado de língua, os sujeitos falantes têm consciência de


midades morfológicas — ou seja, de unidades significativas — inferiores à
inidade da palavra.
Em francês, nós temos consciência, por exemplo, do elemento -eur que,
¡mpregado de uma certa maneira, serve para dar a idéia de autor de uma
ição: graveur, penseur, porteur.
Pergunta: O que prova que esse elemento -eur seja realmente isolado por
ama análise da língua?
Resposta: Como em todos os casos parecidos, são os neologismos, ou seja,
is formas em que a atividade da língua e sua maneira de proceder conseguem
se manifestar num documento irrecusável; men-eur, os-eur, recommenc-eur.
Por outro lado, as mesmas formações atestam que os elementos men-,
os-, recommenc- são igualmente percebidos como unidades significativas.
Ao lado de penseur, temos pensatif. Pois bem! Se a língua isola - eur, é
muito menos certo que a língua isole -if. Como decidimos isso? Porque não
se poderia formar menif, osif, etc.
Conclusão: a análise morfológica do gramático, na medida em que está de
acordo com a análise da língua atestada pelos neologismos ou formações de
analogia, não deveria passar por um produto da abstmção.
3293.3 continuação ¿ vetdade que os sujeitos falantes procedem, sem­
pre, partindo da palavra feita; ou seja, ao formar ose«r, não se diz; eu combi­
no os- e -eur. Mas se procede como se segue; graveur: graver, je grave = x : oser,
fose. — X = oseur.
Mas eu lhes pergunto se o gramático procede, em suas análises, de ma­
neira bem diferente.
Ele também parte, forçosamente, de palavras feitas para separar -oiç de
ôóoiç, ele compara Ôotóç, e ele compara, por exemplo, oráoiç. -Sóoiç ; Ôotóç =
oráovç ; GTaxóç. — Então, eu isolo -oiç ou -toç ou So-.
Portanto, eu poderia formar, conforme o caso, (Xmóç). Quem po­
deria dizer se é de tal ou tal forma, exatamente, que o sentimento da língua
procede? graveur: graver = penseur: penser. Portanto (oser) oseur.
Observação importante: é essencial observar que a análise da língua pode
repousar sobre uma relação aparente das formas, sobre uma relação que
não é justificada pela etimologia, ou seja, pela relação primitiva dessas formas.

Certamente. Germânico
kalbiz plural kalbizõ
kalb kalbir

Na época germânica, signo do plural -õ.


Na época alemã, signo do plural -ir.
160 Outros Escritos de Lingüística Geral

Uma necessidade fonética que, acidentalmente, fez desaparecer -iz do


singular, embora se mantivesse no plural graças à proteção da vogal que se
seguia: ora, como a língua só julga pelas formas, é inevitável que a língua
divida kalb/ir e tome ir pelo signo do plural, embora, na origem, nada hou­
vesse de especificamente plural.
Isso é falso historicamente, e é certo para a morfología da época em
questão. A vida da língua é feita desses equívocos. Não nos esqueçamos de
que tudo o que existe no sentimento dos sujeitos falantes é fenômeno real.
Nós não temos que nos inquietar com o que conseguiu provocar esse senti­
mento. O próprio morfologista deve separar kalb/ir, porque essa é a análise
da língua, e essa análise é seu único guia. E ela se atesta pelas novas forma­
ções: por exemplo, kind-er.
Moral. Uma vez mais, vemos que a morfología não pode jamais combi­
nar e misturar muitas épocas diferentes; que ela deve exercer sua atividade
separadamente no seio de cada época, sob pena de confundir os fatos foné­
ticos e os fatos morfológicos. Eu não digo que esse não seja um procedi­
mento corrente, eu digo que é um procedimento detestável.

3293.4-2768-2770^ ^ Q yYiétodlo dc unáUse morfológica


retrospectiva ou do anacronismo morfológico.

A observação que terminou o § 3 nos preparou para compreender o que


é o procedimento totalmente artificial que eu denomino análise morfológica
retrospectiva. Acrescento que todas as minhas observações anteriores não
tinham outro objetivo além de mostrar em que ele consiste. Porque é aí que
está o verdadeiro nó da questão tão delicada e tão importante das rafees,
sufixos, temas e desinencias, questão sobre a qual vocês poderão ler vinte volu­
mes sem encontrar o menor esclarecimento.

kalb kalbir

Se eu recorro, nas formas do nono século, ao que era verdade nas do


primeiro século — se eu digo: não, ir não é desinência do plural já que se
tem, em germânico, kalbiz, kalbiz-õ — o que eu faço? Morfología protoger-
mânica sobre formas alemãs, morfología retrospectiva. Alguns imaginam
restabelecer, assim, a verdade, eles a desconhecem absolutamente. Porque,
mais uma vez, no nono século, verdade é o que sentem os alemães do nono
século, absolutamente mais nada. As questões de origem nada têm a ver
com isso. Então, introduzir o radical kalbiz- ou kalbir- no nono século pode
ser cômodo para certos detalhes da exposição, mas não corresponde a nada,
além de uma realidade desaparecida há muito tempo.
Antigos Documentos 161

Outro exemplo: no francês de nossos dias, enfant, entier não comportam,


no sentimento dos franceses, nenhuma espécie de análise, não mais do que
comportaria a palavra pour ou a palavra moi.
No primeiro século, infans, int^er, que correspondem fonéticamente, com­
portam uma análise porque, por exemplo, ín-oudit/s efâri, tango, etc., permi­
tem à língua decompor da seguinte maneira: in-fans, m-^ger.
Se eu me ponho a separar en-fant, en-tier, eu faço a mesma coisa de antes:
morfología latina sobre formas francesas.
Pois bem, é essa morfología que é a base de todas as gramáticas greco-
latinas. E essa morfología que nós também vamos fazer, na metade dos ca­
sos. Só que vocês terão sido devidamente advertidos e preparados, eu espe­
ro, para se dar conta de seu verdadeiro valor.
Exemplo: em grego, nós dividiremos: íwno-ç, ínito-v, etc., íjnto — tema. É
quase certo que se írocoç, no sentimento dos gregos, se decompunha de uma
maneira qualquer, era em íjuc-oç iioi-ov.
A prova? Como sempre, as formações novas ou analógicas:
íllÍTOpOV?
A realidade que a divisão ínjio-ç representa é uma realidade indo-euro-
péia expressa numa forma grega.
Eu tomo a lembrar: Realidade = fato presente na consciência dos sujei­
tos falantes. Os indo-europeus ou, pelo menos, os mais antigos indo-euro-
peus, dividiram efewo-s, ekwo-m. Quando separamos o tema íjuio-, nós nos
baseamos numa realidade morfológica anterior, dois ou três mil anos, a Platão
ou Sófocles, e que deixou de existir para esses escritores e seus contempo­
râneos.
Outro exemplo: patercus. Nós a decompomos em pot?rc«s. Isso é absolu­
tamente válido para a época em que patercus se formou patírcus a partir de
patêr-, como villi/cus ou viífcus a partir de villa. No entanto, numa época já
antiga da língua latina, pater-cus já é análise retrospectiva. A análise atual
seria: pat-ercus. Prova: formação nova, nov-erca, que prova que se isolaria p«t
+ ercus e não pater -I- cus.
A análise retrospectiva procura apenas repartir os membros da palavra,
conforme a análise mais antiga da língua; mas essa análise corresponde ape­
nas em um número limitado de casos à análise mais recente.
Por outro lado, ela pode perfeitamente lhe corresponder; o que não se
deve esquecer:

do — tõr
Só — Tcop
162 Outros Escritos de Lingüística Geral

Ao estabelecer as subdivisões da palavra, tais como raiz, tema ou sufixo,


deve sempre ficar entendido que nos colocamos na época, distante ou pró­
xima, em que essa análise se justifica pelo sentimento conforme da língua.
Época variável, já que para ôcó — ttop não se tem que ir além do grego, e para
ÍK7to-ç, tem-se que ir infinitamente longe, além do grego.
Uma morfología realmente científica teña, por dever, de separar as dife­
rentes épocas e se compenetrar exclusivamente do espirito de cada urna
delas, sem impor limites, abolidos há séculos, às formas históricas. Só que
se teria apenas vislumbres muito incompletos da gênese dessas formas. É
claro que, seu eu dividisse pat-ercus conforme o sentimento latino de urna
certa data, eu não perceberia o paralelismo entre pater, pater-cus e villa, villi-
cus (villa-cus). A prática impõe, então, o anacronismo e a confusão das épocas.

3 2 9 3 .5
§ 5. A morfología histórica

A mudança morfológica.
Resulta indiretamente do § 4, que há, na vida da linguagem, um fato con­
siderável, de urna importância capital, que é a mudança morfológica. E que
0 procedimento que nós denominamos morfología retrospectiva ou anacrónica
ou etimológica consiste simplesmente em fazer passar por sistema a omissão
desse fenômeno da mudança morfológica.
A mudança morfológica exige um estudo especial que leva o nome de
Morfología histórica. Ela separa as épocas e as compara, enquanto que a
morfología retrospectiva as confunde. Ela nos apresenta a verdadeira pers­
pectiva, entre as classificações e interpretações sucessivas a que a língua se
abriu, a respeito das mesmas formas, enquanto que a morfología retrospec­
tiva procura, se vocês me permitem a imagem, projetar, sobre um mesmo
plano, classificações muito diferentes quanto às datas.
Ela dirá que em kalb, kalbir, em razão da modificação do som, a relação
entre a idéia e o som se tornou diferente daquela de seus protótipos kalbiz
— kalbizõ. A morfología etimológica vê apenas o estado mais primitivo e
aplica imperturbavelmente a primeira análise aos períodos subseqüentes.
Nada de fusão possível já que a morfología etimológica é a própria nega­
ção do princípio histórico.
Eis, agora, a questão que não se pode deixar de colocar, tivesse eu con­
seguido encadear o desenvolvimento [da presente exposição] desde o co­
meço:
Já que existe urna mudança morfológica, urna morfología histórica e
urna sucessão nos fatos morfológicos, não é verdade que o jogo de forças
morfológicas se exerça constantemente e exclusivamente entre formas con­
temporáneas. Eu recordo, com efeito, que, no primeiro parágrafo, nós co-
Antigos Documentos 163

locamos, como princípio de primeira importância, que os fatos morfológicos


se passam entie formas diversas e simultâneas, os fatos fonéticos entre for­
mas idênticas e sucessivas.
Será muito fácil mostrar-lhes que esse princípio não é arranhado, um
único instante, pelo fato da mudança morfológica, mas que, antes, tem nela
uma nova e decisiva ilustração. Em que consiste a mudança morfológica
que se lealiza de uma época para a outra?
1- na análise diferente das mesmas formas, no valor diferente que a
língua lhes atribui ou na relação diferente que ela estabelece entre essas
formas: fatos que ficam no domínio puramente psicológico, mas que nem
por isso deixam de ser fatos positivos.

Exemplo: Época I péXeo-oi


Época II péX-eooi

2- na criação de formas novas, fato mais tangível, mais material:

Época I Gipoí
Época II BfjpEaoi (criação nova).

Retomemos o primeiro fato: a mudança sobrevinda na apercepção de


péÀeooi, pela língua, continuaria um mistério se procurássemos a razão na
própria forma. Ela tem sua única fonte nas formas concorrentes, como já disse­
mos. Como o elemento -eo- não se encontra mais em péXei, (JeXécov, etc.,
depois da queda do s, a língua, sem nenhuma indicação que lhe permita
separar pé\ea-oi, separa agora péX-socn. Assim, o movimento não se deu
entre pé\eo-cn e péA,-eooi, o que seria simplesmente absurdo dizer. Mas, como
sempre em morfología, o movimento é lateral. E reencontramos, então, a condi­
ção primordial de toda operação morfológica. Ela repousa na diversidade ou
na relação de formas simultâneas.
Retomemos o segundo fato, as criações novas. Aqui, a coisa é ainda
mais evidente: está fora de questão — não é? — relacionar Gipaí, Gúpeocn. O
impulso lingüístico que engendrou Búpeooi vem, naturalmente, de lado, repi­
to a palavra, de péAeaoi, etc. Para criar Oiípeooi era preciso um modelo; ora,
naturalmente, esse modelo devia ser muito conhecido de quem lançou o
neologismo; isso quer dizer que o fato se passou entre formas as mais con­
temporâneas, já que a associação se fez no cérebro do mesmo indivíduo, e
que bastou um quarto de segundo para ir de péA.-eoai a Gqp-eooi.
Outro exemplo de mudança que consiste numa criação nova substituin­
do a antiga:
164 Outros Escritos de Lingüística Geral

Nominativo plural Pronome Adjetivo Substantivo


indo-europeu toi klutõs ekiVsfõs
gótico Pai hlüdai wulfõs
grego xoi injToi

A final -oi, antes própria do pronome, ganhou, em germânico, o adjeti­


vo, em grego, o adjetivo e o substantivo- E evidente que não é de klutõs que
partiu a mudança que produziu, em seu lugar, xJvutoí. A formação xX.woí
conduz, imediatamente, à pesquisa de outras formas, e de formas contempo­
râneas; não é a época anterior que intervém, é unicamente a própria época
de sua formação. — xov; zuí = xXuxóv: x ; x = xXutoI.
A língua, portanto, precisou recorrer a um conjunto de formas simultâ­
neas para chegar a essa criação.
Comparando o que se passa no domínio fonético, vocês percebem, de
maneira ainda mais clara, a verdade de nosso princípio: o movimento, em
morfología, só se dá no seio de uma mesma época; mesmo quando se trata
de mudanças.
Pode-se comparar, com propriedade, a mudança fonética a uma escada
cujos degraus desmoronam à medida que se sobe.
Para que k¡oteros se torne kwoteros, é preciso que k^oteroç deixe de viver;
para que kwoteroç chegue a ser jtótcpoç, é preciso que kwoteros desapareça.
Escrevemos:

k20teros
l
kwoteros
1
TiÓTepoç.

Mudança morfológica: não podemos escrever

Nem toi klutõs


í
toi xXwoí (absurdo),
Nem toi klutõs
l
toi xXDtoí,

porque não é, evidentemente, o toi da geração anterior que engendrou Amoi.


E preciso escrever:
Amigos Documentos 165

toi klutõs

toí xXvcoí

3293.6=2779-2780 g g mudaiiça morfológica, ou o movimento morfológico


da língua, pede urna outra observação:
Quando surgem formas novas, tudo se passa, acabamos de ver, por de­
composição das formas existentes e recomposição de outras formas no meio
de materiais fornecidos pelas primeiras. Decompõe-se instintivamente
péXeoai em péX- socti e se aplica o resultado para compor Biípeoai.
Mas não é possível, para a língua, construir uma forma bruscamente e
por um ato realmente criador. Os elementos da nova forma são sempre tira­
dos do acervo adquirido.
Ora, como esse acervo consiste de palavras e não de sufixos, raízes, etc.,
é preciso, para compor o novo, um trabalho anterior e secreto de decompo­
sição. Por mais que se recue, não há outro procedimento visível nem
admissível teoricamente. A língua indo-européia mais remota não podia
proceder de modo diferente do grego nem do francês. De sorte que as pró­
prias formas que serviram de ponto de partida para as novas formações só
podiam ser compostas por meio de outras formas sobre as quais a língua
havia exercido sua análise.
Isso faz ver a significação que se deve atribuir, à risca, às sínteses a que
vamos nos dedicar. E aí que eu queria chegar.
Quando dizemos, por exemplo, que se acrescentou à raiz bher- o sufixo
-tor- e a desinência -es do nominativo plural para criar *bhertores, “os porta­
dores”, — quando dizemos isso, não estamos totalmente fora da verdade
lingüística. Ainda aqui, as surpresas da escola
Aqui também, eu acho que seria de mais utilidade considerar um pouco
as famosas abstrações da antiga escola e definir em que elas contêm alguma
coisa de correto e real, do que repudiar o todo em teoria, para, em seguida,
voltar a ele na prática. Aqui, por exemplo, basta introduzir uma correção
bem simples nesse artifício do gramático para lhe dar um sentido muito
legítimo e muito exato.
Nossa síntese não difere essencialmente da síntese da língua; só que a
língua tinha começado por uma análise (exatamente como nós, aliás) [ ].
Em algum lugar, a língua tinha começado por extrair — extrair das palavras
já prontas — a idéia da raiz bher- e a idéia do elemento -tor- e o elemento -es,
que ela não conhecia como tais e, além disso, o modelo geral de sua dispo­
sição e de seu funcionamento. Talvez houvesse, por exemplo, *mentores “os
pensadores” ou *wek2 tores “os faladores” e, por outro lado, bherõ, bhernos,
etc. Os elementos que nós abstraímos, aos quais damos ficticiamente uma
166 Outros Escritos de Lingüística Geral

existência, viviam apenas no seio de formas anteriores e é só aí que a língua


podia procurá-los.
3293,6cortiniMçíí) posso supoj' que, um dia, de um repertório de raízes,
tomou-se ccm- e se decretou acrescentar-lhe -ere. É certo que can- sempre
existiu como elemento de canere, como elemento de cano, como elemento de
canto, etc. Por conseguinte, mais uma vez, a que corresponde essa análise?
Estar ou não em condição de responder a essa pergunta revelará se os
fatos gerais foram aprofundados ou não.
A escola moderna captou perfeitamente a verdadeira essência dos fenô­
menos da língua, mas mostrou-se negligente ou impotente para definir a
relação que existe entre as categorias e os fatos reais da linguagem.
E muito fácil e muito prático dizer: as expressões raiz ou tema são anti­
quadas; deve ficar bem entendido que são abstrações. A linguagem não co­
nhece temas, prefixos ou raízes. Como é inegável que esses termos sempre
correspondem a alguma coisa, ficamos desorientados quando não enxerga­
mos a relação e esquecemos de dizer a nós mesmos em que sentido eles são
falsos e em que sentido são justificados, em que medida nossas análises têm
por correlato um fato positivo da linguagem.
Princípio maior: em um determinado estado de linguagem, real é aquilo
de que os sujeitos falantes têm consciência, tudo aquilo de que têm consci­
ência e nada além do que podem ter consciência.
Ora: 1-’, em qualquer estado de língua, os sujeitos falantes têm consci­
ência de unidades inferiores à unidade da palavra.
Por exemplo, em francês, temos consciência do elemento -eur, cuja ori­
gem não importa, que tem o poder de formar nomes de ação: grav-eur, chant-
eur, sav-eur e, graças a essa consciência, podemos formar neologismos: os-eur,
sabr-eur, men-eur. Ao mesmo tempo, percebe-se que temos consciência de
um elemento os-, de um elemento [ ], etc.
2- O curso que seguimos ao usar o elemento -eur ou os- é, na verdade,
bem diferente do que aquele que se supõe, geralmente, através da análise.
Não dizemos: eu junto o elemento os- e o elemento -eur. Não. Nós proce­
demos sempre por proporção: je grave, ou graver : gravem = j ’ose ou oser; x ;
X = oseur, Portanto, a nossa unidade fundamental é sempre a palavra pronta,
Mas isso não nos impede de fazer, inconscientemente, na palavra pronta, a
mesma análise que o lingüista faz. Nós separamos um som relativo a esta
ou àquela idéia específica, como oser, penser e um outro som, escolhido para
marcar uma relação determinada da palavra com essa idéia.
Essa é a justificativa da análise morfológica. Se digo que chanteur, no
século XIX, se decompõe em chant + eur, eu estou de acordo com o senti­
mento da língua, que se traduz por formações novas e, se eu dissesse que
ela se decompõe em chan = tem, minha análise não correspondería a nada,
Antigos Documentos 167

3®Mas eis aqui um fato capital: as análises que reproduzem a análise da


própria língua num momento dado não correspondem, necessariamente, às
análises que ela tinha feito num estado anterior. Entre outras causas, as
modificações fonéticas: chant[eur, mas can[tor ou can[torem. Por quê? Porque
-atorem se confundiu com -orem fonéticamente; assim, a exemplo de labour,
labourer, nós estabelecemos, entre chanteur e chanter, uma relação que os lati­
nos não podiam estabelecer entre can[tor e can[tare. Tlido depende, então, da
situação recíproca das formas parentes em cada época considerada. A análi­
se só é verdadeira por um tempo circunscrito.
4“ Mas, se, a exemplo de can[tor, separamos chan[teur, estamos fazendo
morfología latina com formas neolatinas. Morfología retrospectiva. E eis o
caso habitual para os fatos indo-europeus. Em grego, se ítctoç fosse separa­
do de acordo com o sentimento da língua, certamente seria separado em
ÍTiTi-oç, íjra-oiç. Considerai' Ypappátoiç. Todo estudo fonético se resume em
considerar uma mesma forma em três épocas diversas e todo estudo
morfológico se resume em considerar formas diversas numa mesma época.
Um trata do que é sucessivo e idêntico pela substituição. O outro do que é
diverso e, em troca, simultâneo:

ai íj ekwos ekwon
V) c ÍIIJIOÇ UlJtOV
UJ O
Esfera morfológica

Algumas locuções que mostram a confusão prestes a se produzir:


(popóç “vem de" bhoros
e (popóç "vem de” <pépo). No último caso, absolutamente inadmissível.
Ou então:
chanson “se liga etimológicamente a" cantio.
chanson “se liga etimológicamente a” chanter.
Duas ordens de fatos inteiramente diferentes. Se há obscuridade, esta­
beleça depressa o esquema:

cantare cantio (nem)


chanter chanson.

Quem se move nas linhas horizontais, faz morfología, aproxima formas


não idênticas de composição.
II. Toda aproximação entre formas contemporâneas, desde que essas
formas tenham alguma coisa em comum entre si, leva a uma análise:
168 Outros Escritos de Lingüística Geral

ek, wos efe, wom


me leva a isolar
P efejwo-
2“ -s e -m,
bherõ e bhoros a isolar: bher- ou bhor-, cantare, cano, canti: can-. — O trabalho
do morfologista pode sempre se traduzir por uma decomposição de formas
da língua.
Então, coloca-se a questão de saber a que realidade corresponde essa
análise.
Eu, gramático, decomponho efejwos em efe,wo + s ou canere em can -I- ere.
Mas, na vida da linguagem, qual é a contrapartida real e tangível, qual é a
sanção, qual é o fenómeno positivo que dá urna sanção a essa análise?
Seguramente, nlo só os romanos e os gregos, mas os indo-europeus e
aqueles que os precederam sempre falaram em palavras totalmente pron­
tas, ou seja, com o que constitui o objeto da minha análise.

A análise morfológica retrospectiva

A análise morfológica de uma forma dada, que será verdadeira num mo­
mento dado, não o é necessariamente à distância de alguns séculos, para a
frente ou para trás. E reencontramos aqui a condição primeira de todo estudo
morfológico, que é se mover no seio de uma mesma época. Por exemplo:

lezyô século XVII lez yô


século XIX lêzyô
(feaír. zyõ). —
— lierre — kalb, kalbiz

Outro exemplo: enfant, entier não permitem, no século XIX e há muito


tempo, nenhuma análise ao sentimento da língua porque não há ponto de
comparação. As mesmas palavras, no século primeiro, infans, integer, permi­
tem uma análise ao sentimento da língua, in-fans, in-teger. Pois bem, e é aí
que eu quero chegar: se, em nome da identidade de substância entre enfant
e infans, eu faço, em francês, a análise en-fant, o que é que eu estou fazendo?
Morfologia latina sobre o equivalente francês de uma forma latina. Eu estou
fazendo morfologia retrospectiva.
Essa morfologia é, no fundo, detestável. Ela é diretamente contrária ao
nosso princípio: não se apóia mais sobre o sentimento da língua. E, por
conseguinte, ela não corresponde a nenhum fato da linguagem.
Pois bem, é exatamente essa morfologia que se encontra em todos os
gramáticos greco-latinos e é essa morfologia que nós vamos fazer, com a
Antigos Documentos 169

diferença de que vocês terão sido devidamente prevenidos e de que se dão


conta, espero, do que ela pretende.
Nós vamos fazer, a respeito de formas gregas ou latinas, morfologia indo-
européia. E, em muitos casos, arqueo-indo-européia. Porque nossas análi­
ses poderão corresponder apenas a um coite da palavra já perdido de vista
no último período do indo-europeu, e que só tem a sua sanção num estado
ainda mais remoto da língua.
A análise morfológica grega ou latina pode corresponder à análise indo-
européia mas, na metade dos casos talvez, ela não lhe corresponde se recor­
remos a ela.
Ela lhe corresponde, certamente, em casos como este: Jtejixóç — coctus.
Os indo-europeus só poderíam analisar em *pek2 -tos, porque tinham, de
um lado, *pek2 0 , de outro lado, por exemplo, klutos.
Os gregos cf. tic\|ío) e xXutóç.
Ou os latinos, cf. coquo, cf factus, etc.
Nesse caso específico, nossas distinções de raiz, sufixo, etc., terão um
valor positivo, uma significação real para o grego e para o latim, e não ape­
nas para o indo-europeu.
Mas, em muitos outros casos, nossas análises das formas gregas e lati­
nas só corresponderão a uma distinção sentida pelo povo primitivo ou por
seus ancestrais.
Assim, tomemos a mesma nentóç. Nós teremos que fazer, aí, um segun­
do corte mén-tóç, coctu-s. Essa segunda distinção não corresponde, certamen­
te, ao sentimento grego ou latino: para eles, -os e -us formariam um todo
solidário. Se, conforme a percepção da ocasião, nenxóç contivesse um triplo
elemento, seria toji-x-óç, corte contrário ao sentimento indo-europeu. Pro­
va: como sempre, as formações novas: Ypapn«toiç, onde vemos que o o, inde­
pendente da desinência no sentimento primitivo, pertencia à desinência na
percepção dos gregos.

9 [Crítica das divisões em uso


nas gramáticas cientificas]
Xin. Um dos espetáculos mais divertidos é a maneira pela qual se
divide a gramática {científica) dc uma língua.
Há, em primeiro lugar, a Fonética {Lautlehre, em alemão), depois a
Morfologia {Formenlehre, em alemão). É muito natural, não é? Primeiro os
sons, depois as combinações dos sons; primeiro o simples, depois o com­
posto; e, o que é ainda mais maravilhoso, achamos que compreendemos!
Como a fonética seria uma pane da gramática de uma língua se ela se
alimenta exclusivamente do que a precedeu? Se eu quisesse ficter uma foné-
170 Outros Escritos de Lingüística Geral

tica da língua de Ulfilas ou da canção de Rolando, abstendo-me de sair des­


sas épocas (como faço no caso de sua morfología), eu não teria, simples­
mente, uma única palavra a dizer sobre a sua fonética. O que se denomina
sua fonética só pode se desenvolver no passado e fora dela mesma, com
relação a um certo produto que eu pego no passado, mas que não atinge o
seu organismo.

10a [Notas para um livro sobre a lingüística


geral, 1] (1893— 1894)
Como a língua não oferece, sob nenhuma de suas manifesta­
ções, uma substância, mas apenas ações, combinadas ou isoladas, de forças
psicológicas, físicas, mentais, e como, não obstante, todas as nossas distin­
ções, toda a nossa terminologia, todas as nossas maneiras de falar são mol­
dadas sobre a suposição involuntária de uma substância, não se pode deixar
de reconhecer, antes de tudo, que a teoria da linguagem terá, como tarefa
principal, que esclarecer o que pertence ás nossas primeiras distinções. É
impossível, para nós, aceitar que se tem o direito de construir uma teoria
abstendo-se desse trabalho de definição, embora essa maneim cômoda pa­
reça satisfazer, até agora, o público lingüístico.
3295=132 Considerando-se o que pode existir, na linguagem, de mais mate­
rial, de mais simples e de mais independente do tempo, por exemplo "o
grupo aka" ou “a vogal a", previajnente separados de toda significação, de
toda idéia de emprego, tem-se apenas uma série de ações (fisiológico-acústi-
cas) que nós consideramos concordantes. No instante em que nós as consi­
deramos concordantes, fazemos de aka ou de a uma substância. Ora, é im­
possível entender o que vale essa substância sem ter entendido o ponto de
vista em nome do qual a criamos. Não temos jamais o direito de pensar que
um aspecto da linguagem seja anterior e superior aos outros, devendo ser­
vir de ponto de partida. Existiría esse direito se um aspecto da linguagem
fosse dado fora dos outros, ou seja, fora de qualquer operação de abstração
e de generalização de nossa parte; mas basta refletir para ver que não há um
único que se indua nesse caso.
3295=128 parecer, por exemplo, que se tem o direito de partir de figu­
ras vocais, por exemplo, da figura vocal [ ]. A identidade da figura vocal
cantare, por exemplo, com a palavra kantare, em hotentote, representa uma
outra maneira de classificar os fatos, que não é a identidade de cantare/chanter
e da identidade de cantare como significando tal coisa; mas essas são apenas
diferentes maneiras de cortar.
A cada uma das coisas que consideramos verdade, nós chegamos por
tantas vias diferentes que confessamos não saber qual é a que se deve prefe-
Amigos Documentos 171

rir. Seria preciso, para apresentar convenientemente o conjunto de nossas


proposições, adotar um ponto de partida fixo e definido. Mas tudo o que
procuramos estabelecer é que é falso admitir, em lingüística, um único fato
como definido em si mesmo. Há, então, uma ausencia necessária de qual­
quer ponto de partida e o leitor que se dignar seguir atentamente nosso
pensamento, de um extremo ao outro deste volume, perceberá, estamos
convencidos disso, que seria, por assim dizer, impossível seguir uma ordem
muito rigorosa. Nós nos permitiremos recolocar a mesma idéia três ou qua­
tro vezes, sob diferentes formas, sob os olhos do leitor, porque não existe,
realmente, nenhum ponto de partida que seja mais indicado do que os ou­
tros para nele basear a demonstração. Quando decidimos entrar
no domínio dos fatos vocais, há, previamente, alguma coisa definida em
algum outro domínio? Absolutamente nada. 2- Se houvesse, entretanto,
alguma coisa determinada por outra via, essa determinação seria decisiva
ou válida para o domínio vocal? — Nem por um instante —. Admitindo-se,
por exemplo, que soubéssemos que fórmula dar, dentro do sistema grego,
ao valor de vó e, em francês, ao valor nu, é evidente que a figura vocal nü
existia fora de qualquer valor e de qualquer idioma, fora de qualquer lugar,
tempo e circunstância, sem nem mesmo saber se ela corresponde a uma
palavra grega ou a uma palavra francesa. Ela existe porque nós a declaramos
idêntica a si mesma. Mas não podemos declará-la idêntica a si mesma sem a
evocação tácita de um ponto de vista: senão, poderiamos, do mesmo
modo, declarar idêntica a si mesma cantare: chanter. Apelamos, então, tácita­
mente, para proclamar a existência de nü, ao julgamento de identidade pro­
nunciado de ouvido, do mesmo modo que apelamos, para afirmar a existên­
cia unida de cantàre e chanter, a uma outra espécie de identidade, decorrente
de uma outra ordem de julgamentos; mas, em nenhum caso deixamos de
recorrer a uma operação muito positiva do espírito: é profunda a ilusão de
coisas que seriam naturalmente dadas na linguagem.
Primeira maneira de raciocinar: "Há cantare”, em latim. E, em seguida,
começam os "do ponto de vista...”; por exemplo cantare, “do ponto de vista”
da figura vocal que representa, é idêntica a tal palavra cafra ou samoieda;
"do ponto de vista” da continuação regular dessa figura, é idêntica à palavra
francesa chanter, "do ponto de vista” de seu valor em latim [ ]
Percebe-se, então, que, para considerar sucessivamente cantare de tan­
tos pontos de vista, que fazem dele coisas totalmente diferentes, a primeira
condição seria saber em que consiste o verdadeiro cantare, onde está a ga­
rantia de sua existência ou, simplesmente, a forma sólida de sua existência.
É aqui que se é levado à:
Segunda maneira de raciocinar: reconhecemos, com efeito, que não se
pode dizer: "Há um latim cantare” porque é absolutamente impossível saber
172 Outros Escritos de Lingüística Geral

o que é isso fora de um ponto de vista que é preciso escolher. Escolheremos,


então, um ponto de vista que nos fornecerá uma base firme. Declaramos
formalmente que cantare é, para nós, a figura vocal kan-tã-re; tudo o que se
acrescentar será atributo.
Terceira maneira de raciocinar, a única admissível para nós:
Não há nada, ou seja, não apenas nada que seja determinado de ante­
mão fora do ponto de vista, mas nem mesmo um ponto de vista que seja
mais indicado do que os outros.
Há apenas, de início, a crítica comparativa de pontos de vista. Dizer que
não se tem o direito de falar do termo latino cantare ou [ ] é, como se
preferir, ridículo ou, ao contrário, de uma evidência ridícula.

identidade cantare cantdre


identidade cantare cantare
sentido e emprego sentido e emprego
identidade cantare chanter

Nós pretendemos que qualquer espécie de operação, correta ou falsa, a


respeito da língua (com a exceção da questão dos empréstimos, que deixamos
de lado) encontre sua fórmula com a ajuda dos princípios que colocamos.
Há diferentes gêneros de identidade. E isso que cria diferentes ordens
de fatos lingüísticos. Fora de uma relação qualquer de identidade, um fato
lingüístico não existe. Mas a relação de identidade depende de um ponto de
vista variável que se decide adotar; não há, portanto, nenhum rudimento de
fato lingüístico fora do ponto de vista definido que preside às distinções.

10b [Notas para um livro sobre a lingüística


geral, 2]
3295a-130 figura vocal como alka que, passando de boca em boca,
se torna, por exemplo, ôk.
Tomando o termo final ô k e o termo inicial alka, há, entre as duas coisas,
uma ligação positiva? Em caso afirmativo, de que natureza é essa ligação?
Logo em seguida, percebe-se que a ligação entre as duas coisas preexiste.
À medida que se aprofunda a matéria proposta ao estudo lingüístico,
fica-se mais convencido dessa verdade que leva, seria inútil dissimular, sin­
gularmente a refletir: a ligação que se estabelece entre as coisas preexiste,
neste domínio, às próprias coisas, e serve para determiná-las.
3295a=i25 coisos, OS objetos dados, que se é livre para considerar,
em seguida, de diferentes pontos de vista.
Antigos Documentos 173

3295a=i3i gj^ primeiro lugar, pontos de vista, corretos ou falsos,


mas unicamente pontos de vista, com a ajuda dos quais se CRIA, secunda­
riamente, as coisas. Essas criações correspondem a realidades quando o ponto
de partida é correto, ou não correspondem, em caso contrário: mas nos dois
casos, nenhuma coisa, nenhum objeto é dado, nem um só instante, em si.
Nem mesmo quando se trata do fato mais material, mais evidentemente
definido em si na aparência, como seria uma seqüência de sons vocais.
Consideremos, por exemplo, a seqüência de sons vocais alka que, de­
pois de um certo tempo passando de boca em boca, tornou-se õk e observe­
mos que, para simplificar, nós nos abstemos absolutamente de recorrer ao
valor significativo de alka ou õk, ainda que, sem ele, não haja nem mesmo o
começo de um fato de linguagem propriamente dito.
Então, alka, por meio do fator TEMPO, termina por ser õk. No fundo,
onde está a ligação entre alka e õk? Ao entrar nesse caminho, o que é inflexi­
velmente necessário, veremos logo que é preciso se perguntar onde está a LI­
GAÇÃO entre alka e alka e, nesse momento, compreendemos que não há,
em parte alguma, como fato primordial, mna coisa que seja alka (nem coisa
alguma): mas que existe, antes, um gênero de relações que nós estabelecemos,
por exemplo a relação entre alka e õk, que nos sugere a idéia de uma certa
espécie de unidade, ainda muito difícil de definir.
Eis aí a nossa profissão de fé em matéria lingüística. Em outros domínios,
pode-se falar de coisas "de tal ou tal ponto de vista”, com a certeza de reencon­
trar um terreno firme no próprio objeto. Em lingüística, nós negamos, em
princípio, que haja objetos dados, que haja coisas que continuem a existir
quando se passa de uma ordem de idéias a outra, que seja possível conside­
rar as “coisas" em várias ordens, como se elas fossem dadas por si mesmas.

Resumo o mais geral

Eis o sentido mais geral que procuramos estabelecer: para nós, é proibi­
do, em lingüística, embora não deixemos de fazê-lo, falar de “uma coisa" de
diferentes pontos de vista ou de uma coisa em geral, porque é o ponto de
vista que, sozinho, FAZ a coisa.
Quando surge uma expressão desse gênero (por exemplo, eqvos do pon­
to de vista vocal, do ponto de vista etimológico, do ponto de vista de seus
derivados, do ponto de vista de...), há no ar uma confusão de idéias — fla­
grante, já que se começa por fazer de eqvos alguma coisa que se pode consi­
derar de mil pontos de vista, e que seria, portanto, independente de todos
eles. Mas, tente-se definir eqvos fora de um ponto de vista determinado!
174 Outros Escritos de Lingüística Geral

Eu não hesito em dizer que, cada vez que se introduz uma suposta dis­
tinção de “ponto de vista”, a verdadeira questão é saber se estamos diante
das mesmas "coisas” e que, se for esse o caso, é pelo mais completo e ines­
perado dos azares.
Tantas vezes se opôs o som material a tudo o que lhe pode ser oposto,
que tememos que nossa nova distinção seja confundida com outras. Nossa
posição é, todavia, muito precisa. Entre as coisas que podem ser opostas ao
som material, nós negamos, essencialmente e sem depois se perder nos
detalhes, que seja possível lhe opor a idéia. O que é oponível ao som mate­
rial é 0 grupo som-idéia, mas absolutamente não a idéia.

lOc [Notas para um livro sobre a lingüística


geral, 3]
Existe, no conjunto de coisas conhecidas, alguma coisa que possa
ser comparada com exatidão à língua?
Em primeiro lugar, é necessário observar que essa questão, difícil sob
todos os aspectos, ao menos não terá, para nós, o sentido vago que teve,
inevitavelmente, para todos os que quiseram resolvê-la sem antes dizer, uma
única vez, o que pensavam da língua em si mesma.
Do nosso ponto de vista, essa questão equivale a perguntar uma coisa
muito diferente de tudo o que nela se descobriu. Ela equivale a perguntar se
há algum fato da vida social passível de ser reduzido a uma fórmula que
seja, a qualquer momento que seja considerada, convencional, portanto ar­
bitrária, totalmente destituída de uma relação natural com o objeto, absolu­
tamente livre e sem lei com relação a ele; 2- em si mesma, o produto não
arbitrário e não livre do que a precedeu nesse gênero;

A. Vida em sociedade / / B. Vida interior.


É preciso, então, acrescentar: 3®que essa coisa não pode se interromper,
nem mesmo no espaço de 24 horas, e que cada elemento dela é reeditado
milhares de vezes nesse tempo. Para nós, saber se a língua é ou não um fato
social, é indiferente: não é isso que podemos perguntar, mas se há, num
reino qualquer, alguma coisa que, pelas condições comparativas de sua exis­
tência e de mudança, seja o simétrico da língua.
I. Em um momento dado: 1“ A língua representa um sistema interior­
mente ordenado em todas as suas partes, 2- depende de um objeto, mas é livre
e arbitrária com relação ao objeto;
II. A mesma língua representa uma convenção arbitrária, é o produto
não livre de fatos que não [ ]
Antigos Documentos 175

11 [Notas para um artigo sobre Whitney]


O objeto que serve de signo jamais é o mesmo duas vezes: é preciso,
desde o primeiro momento, um exame ou uma convenção inicial para saber
em nome do que, dentro de que limites, temos o direito de chamá-lo o
mesmo; é essa a diferença fundamental com relação a um objeto qualquer, e
a primeira fonte muito simples.
Por exemplo, a mesa que tenho diante de mim é materialmente a mes­
ma hoje e amanhã, e a letra b que eu escrevo é tão material quanto a mesa,
mas não é [ ]
Não é um dos traços menos simpáticos da exposição de Whitney a ele­
vação dos pontos de vista, a maneira absolutamente impessoal e ampla.
Arvorar-se, onde quer que seja, em reformador, repugna; a afirmação de
uma verdade científica é impessoal; o público ao qual ele se dirigia em suas
aulas pode acreditar que tudo o que ele ensina é o que a lingüística sempre
ensinou antes dele. Se há um erro corrente a retomar, uma construção ab­
surda a reduzir a nada, são sempre certos lingüistas isolados [ ] tanto
que eu não tenho medo de dizer que ele foi eqüitativo, na maior parte dos
casos, ao atribuir essa opinião falsa à maioria dos lingüistas europeus. Al­
guns conseguiram perceber, em mais de uma ocasião, que o instinto e as
qualidades de um polemista, de um irascível e cruel polemista, não eram, de
modo algum, alheios ao temperamento natural de Whitney. Eu recearia, até
mesmo, tirar, da figura do sábio sanscritista do Yale College, um de seus
traços mais pitorescos, se esquecesse de relembrar as grandes cóleras de
que ele era capaz, mas não suspeitamos [ ]. Todo mundo atestará que nós
não suspeitaríamos desse lado combativo e impaciente do seu caráter [ ].
Dificilmente se poderia dizer que todos os “jovens” que se beneficiaram das
aulas científicas de Whitney o tomaram, no mesmo grau, como modelo, sob
o aspecto moral. O pensamento em que é inspirada a American Phüological
Association, pedindo a um grande número de [ ] americanos e [ ]
que resumam, conforme a sua própria opinião, o papel que desempenhou
Whitney nos diferentes departamentos da ciência que lhes diz respeito, me
parece um pensamento dos mais felizes.
Da própria comparação de julgamentos feitos com liberdade, de lados
absolutamente diferentes, sairá um ensinamento e, ao mesmo tempo, uma
homenagem mais completa àquele cuja perda recente deploramos com vocês.
Vocês não pedem a ninguém que se associe com prazer a esta tarefa piedosa,
vocês não impõem a ninguém que se associe a vocês nessa tarefa de resu­
mir, em nome de sua ciência respectiva, a obra realizada por Whitney, o que
poderia exigir mais tempo e uma autoridade diferente da que atribuem a si
mesmos uma parte de seus correspondentes. E mais fácil, nessas condições.
176 Outros Escritos ãe Lingüística Geral

deixar a pena correr. Papel e sorte singular, os de Whitney. Eis o que se dirá,
eu imagino: 1- Que, sem jamais ter escrito uma única página que se possa
dizer destinada, em sua intenção, a fazer gramática comparada, ele exerceu
uma influência sobre todos os estudos de gramática comparada, o que não é
0 caso de nenhum outro. Ele é o primeiro instrutor nos princípios que ser­
viram, na prática, de método para o futuro. 2- Que as diferentes tentativas
que, pela primeira vez, tendiam, entre os anos 1860 e 1870, a tirar, da soma
dos resultados acumulada pela gramática compar ada, qualquer coisa de ge­
ral sobre a linguagem, todas malograram ou não tinham valor de conjunto,
salvo a de Whitney que, desde o primeiro momento, estava na direção certa
e que, hoje, só precisa ser pacientemente retomada. Ele é o primeiro
generalizador que soube não tirar conclusões absurdas, sobre a Linguagem,
da obra da gramática.
Consideremos, antes de tudo, o segundo papel, porque é evidente que é
por isso, ou seja, porque ele tinha inculcado nos lingüistas uma visão mais
sensata daquilo que era, em geral, o objeto tratado sob o nome de lingua­
gem, que ele determinava, reciprocamente, que usassem procedimentos um
pouco diferentes no laboratório de suas comparações diárias. As duas coi­
sas, uma boa generalização sobre a linguagem, que pode interessar a quem
quer que seja, ou um método sensato a ser proposto à gramática comparada
para as operações precisas de cada [ ] são, na realidade, a mesma coisa.
3297=52 sempre, um tema de reflexão filosófica que, durante
um período de cinqüenta anos, a ciência lingüística, nascida na Alemanha,
desenvolvida na Alemanha, amada na Alemanha por uma inumerável cate­
goria de indivíduos, não tenha tido jamais a veleidade de se elevar ao grau
de abstração que é necessário para saber, por um lado, o que se faz, por outro
lado, em que aquilo que se faz tem legitimidade e razão de ser no conjunto
das ciências; mas um segundo motivo de admiração é ver que, quando en­
fim essa ciência parece triunfar sobre seu torpor, ela termina no ensaio risí­
vel de Schleicher, que desaba sob seu próprio ridículo. Tal foi o prestígio de
Schleicher por ter simplesmente tentado dizer alguma coisa geral sobre a
língua, que parece que se trata de uma figura sem par ainda hoje na história
dos estudos lingüísticos, e que se vê lingüistas assumindo ares cómicamen­
te graves quando se trata dessa grande figura... (como se fosse possível di­
zer [ ]). Por tudo o que se verifica, é aparente que isso era a mais com­
pleta mediocridade, o que não exclui as pretensões. Não há nada de mais
significativo a esse respeito do que a sua maneira de se comportar diante do
acento lituano, já que Schleicher quis se intrometer no acento lituano. Seu
papel nesse domínio consistiu a) em rejeitar (numa nota!) como ridícula a
distinção de Kurschat relativa a uma [ ], b) em copiar, em troca, abun­
dantemente, as indicações, sem jamais lhe atribuir o mérito, tornando, por
isso, totalmente ininteligíveis [ ]
Antigos Documentos 177

3297=642 medida em que a Fonología — essa ciência particular, para a


qual jamais se encontrou um nome, quero dizer a “das condições naturais
da produção de diferentes sons através de nossos órgãos^’’”, — na medida,
digo eu, em que a fonologia se aproxima da linguística, vale observar, nesta
carta, que muitas contribuições positivas lhe foram trazidas, em diferentes
ocasiões, por Whitney, atento também, desde o primeiro momento, em ra­
zão de seus estudos sobre as Prãtiçãkhyas de diferentes Veda, a todos os deta­
lhes que possam esclarecer a pronúncia.
Para a fisiología, ela não é uma ciência, já que se trata da aplicação
particular de órgãos a tal ou tal efeito. Para a acústica também não. Para a
lingüística, enfim, é uma ciência, já que na fonologia estão contidas as con­
dições teóricas e intransponíveis. Mas apenas uma ciência auxiliar, e formal­
mente situada. Situada, dessa maneira, entre [ ]
Eu não menciono os [ ] como Remarks on utterance of vowels, porque
não considero, justamente, que havia um interesse de primeira ordem para
a lingüística em saber [ ]
3297continuação houve uma tentativa de Whitney de resolver uma ques­
tão que seria interessante para a lingüística. E, sem resolver o problema
(simplesmente por ter esquecido um elemento, é verdade que o mais decisi­
vo, embora me falte o tempo para falar sobre isso), ele disse muito do que
há, ainda, de mais razoável sobre essa questão.
Ainda assim, não tenhamos ilusões. Chegará um dia, e nós estamos
absolutamente conscientes do alcance de [ ], em que se reconhecerá
que as quantidades da linguagem e suas relações são regularmente passí­
veis de serem expressas, em sua natureza fundamental, por fórmulas matemá­
ticas. É preciso renunciar a [ ]. É isso que muda muito, contra a nossa
vontade, o nosso ponto de vista sobre o valor de tudo o que foi dito, até
mesmo pelos homens mais eminentes. Nós consideramos que as tentativas
sucessivas de interpretar [ ] marcam uma sucessão de etapas progressi­
vas, sem dúvida; mas mais ou menos como se uma progressão de experiên­
cias nos levasse a entrever, a acreditar, que o quadrado da hipotenusa é igual
ao dos outros lados [ ]. Neste momento, não há mais nada a dizer, a não
ser que é preciso mudar radicalmente de base e partir da definição da linha
reta sem se ocupar das experiências. Não é preciso perder tempo com pes­
quisas e mensurações exteriores para chegar ao fato.
Porque, partindo do contrato fundamental entre o espírito e o signo em
um momento qualquer, o acidente histórico, ainda que não fosse uma variá­
vel conhecida, só pode produzir tal e tal deslocamento concebível de ante­
mão, classificável de antemão, se a teoria dos signos for perfeita. Nós nave­
gamos em pleno apriori na ciência que abomina o [ ], ou seja, a diversi­
dade sucessiva das combinações lingüísticas (ditas estados de língua) que
178 Outros Escritos de Lingüística Geral

são provocadas por acidente são eminentemente comparáveis à diversidade


de situações de uma partida de xadrez. Ora, cada uma dessas situações ou
nada comporta, ou comporta uma descrição e uma apreciação matemática,
mas não comporta dissertações vacilantes que partem do exterior alegando
que foi uma força exterior (o jogador) ou um acontecimento histórico (o
lance precedente) que mudou a posição das peças, e que, precedentemente,
a situação do rei ou o estado da palavra x não seria absolutamente a mesma
que é.
3297=1489 ^g5 j-jçQg Unguagcm antes da fundação e os praticantes da
lingüística depois de Bopp não deixaram de considerar a língua como UMA
POSIÇÃO de xadrez (que não teria nem antecedente nem sequência), pergun­
tando-se qual seria, nessa posição, o valor, o poder respectivo das peças.
A gramática histórica, tendo descoberto que havia LANCES de xadrez,
zombou de seus predecessores. Ela conhece apenas, por sua vez, a seqüência
de lances e, com isso, pretende ter uma visão perfeita da partida, as posições
não a inquietam, nem são mais dignas, há muito tempo, de sua atenção.
Ora, não é nenhum desses dois erros, dos quais seria difícil dizer qual é o
mais profundo ou o mais imenso em suas conseqüências, que nos reterá um
único instante mas, estando bem certo de que uma língua só é comparável à
idéia completa da partida de xadrez, comportando, ao mesmo tempo, as posi­
ções e os lances, ao mesmo tempo as mudanças e os estados da sucessão (nada
impede, para introduzir na comparação um traço bastante essencial, de se
supor o jogador totalmente absurdo e ininteligente, como o é o acaso dos
acontecimentos fonéticos e outros na) [ ]: nós nos perguntamos, então,
se a natureza dessa coisa, em todo caso dupla, em sua essência, é mais
fundamentalmente histórica — ou mais fundamentalmente de uma natureza
abstrata, escapando às forças históricas em virtude de um dado fundamen­
tal incoercível que é, no jogo de xadrez, a convenção inicial que reaparece
depois de cada lance e, na língua, a ação totalmente inelutável dos signos
diante do espírito, que se estabilizará por si mesma depois de cada aconte­
cimento, de cada lance. Exemplo simples:/õt :fõti; o signo do plural
é i. Lance de xadrez, portanto nova posição dos termos: f o t : foet; o signo do
plural é agora a oposição õ : oe (queira-se ou não). Mas esses dois
gêneros de posições não são, em si mesmos e em seu princípio, ligados de
maneira alguma ao acontecimento que os produziu, como se eu tivesse, por
acaso, em kamtchadale [ ], e como se eu obtivesse em seguida, em duas
partidas inteiramente diferentes, a mesma posição das peças em um deter­
minado momento.
Retomada: nós hesitaremos, por isso mesmo, a respeito da natureza da
língua ou em acreditar que alguém possa revelar sua natureza, já que ela é
fundamentalmente dupla: sendo essa a verdade central.
Antigos Documentos 179

Não há nenhuma analogia, para o espírito, entre o que é umapostfão de


xadrez e o que é um lance de xadrez (supostamente inepto) mesmo que se
suponha que seja guiado por uma [ ]; além disso, é impossível dizer
qual dessas duas coisas, totalmente dessemelhantes, constitui, mais do que
a outra, o lado decisivo do conjunto, de maneira a permitir classificá-lo em
algum lugar.
3297contmuaçao autecipamos, desde a origem, uma objeção: poder-se-ia
muito bem dizer que não há analogia alguma entre o regime monárquico de
Pisístrato e o golpe de Estado que permitiu esse regime; entretanto, jamais se
duvidou que as duas coisas fossem, igualmente, do domínio da história. A
história dos povos, assim como a história das instituições, como a história
da língua, se compõe de crises, parciais ou totais, e de estados modificados
pelas crises; esse é o a b c de tudo.
Não existe, nas coisas históricas em geral, nenhuma antítese absoluta
entre o que é um estado e o que é uma crise, entre os [ ]
Por exemplo, no instante em que se dá fim a um regime democrático por
[ ]
Por quê? Porque são exatamente os mesmos fatores, as mesmas pai­
xões, os mesmos interesses, os mesmos [ ] que explicam tanto a crise
quanto o estado; em lingüística, os estados têm uma razão orgânica (inter­
na) . O conhecimento dos antecedentes históricos não ajuda a compreender
ou a fixar, em momento algum, a relação interior do signo com a idéia;
assim, substituindo-se a letra [ ], é sem dúvida interessante, mas [ ]
Tomando a palavra história no sentido mais amplo, é essencialmente fal­
so acreditar que a língua seja, sob mais de um aspecto, um objeto histórico,
capaz de ser resolvido pelas considerações [ ] ou de apresentar, num
momento qualquer, uma clareza, caso se fique nessas considerações
históricas.
A causa? Ela é bem simples.
Os filósofos, os lógicos, os psicólogos podem, talvez, nos informar qual
é o contrato fundamental entre a idéia e o símbolo, em particular entre
[aquela e] um símbolo independente que a representa. Talvez possamos
dizer: por símbolo independente, nós entendemos as categorias de símbo­
los que têm a característica capital de não ter nenhuma espécie de ligação visí­
vel com o objeto a designar e, por conseguinte, de não poder fazer parte
dele, nem mesmo indiretamente, na seqüência de suas vidas. Por exemplo,
se eu represento um homem através de uma figuração até grosseira, mas se
eu o represento pelo signo gráfico x ou pela figura vocal âv0p«Mtoç. Por outro
lado, os historiadores e os lingüistas podem nos informar que a linguagem
(esse sistema particular de signos independentes que é a linguagem) não está
livre das vicissitudes [ ]
180 Outros Escritos de Lingüística Geral

O que escapou aos filósofos e aos lógicos, é que, um sistema de símbo­


los que seja independente dos objetos designados está sujeito a sofrer, por sua
vez, pelo fato do tempo, deslocamentos não calculáveis para o lógico, continuan­
do, ademais, fundamentalmente, o tempo todo [ ]
E o que escapou, reciprocamente, aos lingüistas, é que a matéria que sofre
a ação histórica não pertence, de maneira alguma, à apreciação histórica sim­
ples, como é o caso, por exemplo, dos fatos políticos. Tudo, neste mundo,
diz respeito, por um lado [ ], e o próprio sistema solar não é [ ]. Não
resulta daí que [a astronomia] seja uma ciência histórica.
A situação exata da linguagem entre as coisas humanas é tal que se
torna extremamente duvidoso e delicado dizer se ela é, antes, um objeto
histórico ou, antes, outra coisa mas que, no estado atual das tendências,
não há perigo algum em insistir sobretudo no lado não histórico.
Que a linguagem é, a cada momento de sua existência, um produto histó­
rico, isso é evidente. Mas que, em momento algum da linguagem, esse pro­
duto histórico representa outra coisa que não seja o último compromisso
que 0 espírito aceita com certos símbolos, eis aí uma verdade mais absoluta
ainda, já que sem este último fato não havería linguagem. Ora, a maneira
pela qual o espírito pode usar um símbolo (sendo dado, de antemão, que o
símbolo não muda) é toda uma ciência, que nada tem a ver com as considera­
ções históricas. Além disso, caso o símbolo mude, há, imediatamente de­
pois, um novo estado, que necessita de uma nova aplicação das leis univer­
sais.
Nós alimentamos, há muitos anos, a convicção de que a lingüística é
uma ciência dupla, tão profundamente e irremediavelmente dupla que se
pode, para dizer a verdade, indagar se há razão suficiente para manter sob o
nome de linguística uma unidade factícia, geradora justamente de todos os
erros, de todas as inextricáveis armadilhas contra as quais nós nos debata­
mos a cada dia, com o sentimento [ ]
Antes que essa dualidade fundamental tenha sido reconhecida, ou pelo
menos discutida, nós admitimos que possa haver, por um lado, opiniões
simplesmente quiméricas e outras que tenham o mérito de não contradizer
a realidade dos fatos; de reconduzir à sua observação; mas nos é impossível
admitir que umas sejam mais instrutivas do que as outras, fundadas sobre a
base natural e capazes de nos esclarecer positivamente. É como (guardadas
todas as proporções) se um dissesse, depois de uma série de observações
exteriores, que o quadrado da hipotenusa é o dobro do quadrado dos dois
outros lados, que outro dissesse que ele não tem relação alguma com eles,
que o terceiro dissesse que ele é igual à soma dos quadrados dos outros
lados. Não se pode recusar, ao terceiro, uma superioridade, de resultado ou
de golpe de vista, sobre os outros dois; isso seria um erro [ ]: mas entre
Antigos Documentos 181

a afirmação que, em meio às outras, é a correta (e controlável, observemos)


e aquelas cuja falsidade aparece, não há propriamente progresso de método;
e não poderá haver a não ser que, pelo contrário [ ]
Nenhuma dessas afirmações tem mais valor do que a outra porque a
noção do verdadeiro ponto de partida lhes falta no mesmo grau.
Esta casa é uma coisa; a impressão que dela recebe (que deve receber)
minha retina, segundo leis perfeitamente matemáticas, à distância de cem
metros, é outra, tão profundamente distinta da primeira quanto possível, e
é apenas esta última que representa a linguagem. Esta casa desmorona, de­
saba de um lado.
Se comparo, agora, os dois estados da casa, as duas perspectivas recebidas,
é perfeitamente verdade que elas não são independentes uma da outra; se­
ria uma absoluta mentira acreditar que uma precede a outra ou que me
serve de alguma coisa conhecer o estado anterior da casa, ou a perspectiva
anterior, para entender o estado presente da perspectiva. Não há meio al­
gum de fazê-las sair uma da outra em nome das leis da perspectiva, embora
seja isso que supõem todos os [ ]
3297=1265 1266 iluminados disseram: a linguagem é uma coisa total­
mente extra-humana, e organizada em si, como seria uma vegetação parasi­
ta espalhada na superfície de nossa espécie.
Outros: a linguagem é uma coisa humana, mas à maneira de uma fun­
ção natural.
Whitney disse: a linguagem é uma Instituição humana. Isso mudou o
eixo da lingüística.
Acreditamos que, na seqüência, se dirá: ela é uma instituição humana,
mas de natureza tal que todas as outras instituições humanas, salvo a da
escrita, podem apenas nos enganar sobre sua verdadeira essência se confiar­
mos, por infelicidade, em sua analogia.
3297=1261 outras instituições, com efeito, são todas baseadas (em graus
diversos) sobre as relações NATURAIS das coisas, sobre uma conformidade
entre [ ] como princípio final. Por exemplo, o direito de uma nação, ou o
sistema político, ou até mesmo a moda da sua roupa, até mesmo a capricho­
sa moda, que estabelece a nossa indumentária e que não pode se afastar um
instante sequer do dado das [proporções] do corpo humano. Resulta daí
que todas as mudanças, todas as inovações... continuam a depender do pri­
meiro princípio que age nesta mesma esfera, que não se situa em parte
alguma, mas no fundo da alma humana.
3297=1264 ^ linguagem e a escritura não são BASEADAS numa relação
natural das coisas. Não há relação alguma, em momento algum, entre um
certo som sibilante e a forma da letra S e, do mesmo modo, não é mais
difícil à palavra cow do que à palavra vacca designar uma vaca.
182 Outros Escritos de Lingüística Geral

É o que Whitney jamais deixou de repetir para mellior íázer sentir £]ue a
linguagem é uma instituição pura. Só que isso prova muito mais, a saber,
que a linguagem é uma instituição SEM ANÁLOGO (juntando-se a ela a
escrita), que seria verdadeiramente presunçoso acreditar que a história da
linguagem deva se parecer, mesmo de longe, com a de uma outra institui­
ção, que ela não põe em jogo, a cada momento, forças psicológicas seme­
lhantes.
Faríamos muito mal em desprezar, a este respeito, mesmo que o lem­
bremos apenas de passagem, o duplo fato cão conhecido de que a faculdade
da linguagem é absolutamente localizada no cérebro, mas que, em segundo
lugar, as lesões sobrevindas nessa parte acarretam, na maior parte das ve­
zes, uma incapacidade para [a escrita]. Esse é. então, o compartimento atra­
vés do qual percebemos relações cortvertdomis.
3297=1263 Qutras instituições (ESTADO) se mantêm simpks em suas
complicações; ao contrário, é fundamentalmente impossível que uma única
entidade de linguagem seja simples, já que supÕe a combinação de duas coi­
sas privadas de relação, uma idéia e um objeto simbólico desprovido de qual­
quer ligação interna com essa idéia.
P Por outro lado, as transições são motivadas pelos mesmos fatores, que se
afirmam nos [ ]
3297=404-407 podcmos fazer reservas as mais expressas, confessa­
mos, às conclusões de todo tipo que são tiradas, com predüeção, do fato de
uma língua se ver obrigada a adotai' uma palavra como telégrafo. Essas con­
clusões não têm, em primeiro lugar, um alcance geral, a não ser por insinuar
tácitamente que bem ingênuo seria quem não visse que em todas as épocas,
assim como na nossa, um povo tem que tomar consciência de objetos, que
lhe são novos e denominá-los. Mas e depois? Que mudança visível traz, ao
caráter de uma língua, o fato de se acrescentar ao seu vocabulário (à parte
mais material de seu vocabulário), cem ou mil e duzentos substantivos como
telégrafo? Todavia, não é essa a verdadeira objeção. Mas, admitindo-se que
cada [ ], a questão seria, precisamente, saber: isso é um elemento regu­
lar sem 0 qual não captamos o curso natural dos fatos lingüísticos?
O dialeto de certos vales retirados, em que se constata uma introdução
de termos artificiais pouco distante do zero, está, por isso, fora das condi­
ções naturais da língua? Vai-se dizer que é o dialeto que está fora das condi­
ções regulares da linguagem, que é ele que pede um estudo teratoJógico por
não ter sofrido misturas [ ], esse elemento supostamente in[ ]. Ele
representa, ao contrário, a condição [ ]. Não apenas isso [ ], mas
admitindo-se que nada existe além de dialetos continuamente sujeitos a
receber aluviões [ ], o verdadeiro problema seria indagar; esses aluviões
constituem um elemento vital, sem o qual não conceberiamos a perpetua-
Antigos Documentos 183

ção de uma língua? Não. Então, esses elementos são o fato acessório para
quem quiser compreender [ ] e continuariam sendo, mesmo que essa
complicação exterior fosse [ ]
Uma língua é formada por um certo número de objetos exteriores que o
espirito utiliza como signos. A medida exata em que o objeto exterior é
signo (e percebido como signo) que implica [ ] faz parte da linguagem a
um título qualquer. A palavra s [ ] é um signo, uma palavra, do mesmo
modo que a palavra salto que t ]. Mas a passagem entre salto [ ], que
é igualmente um fato exterior, não pode, de modo algum, se tornai' um
signo. É a esse critério que eu vejo [ ]
329, qyg essa verdade apareça inscrita na primeira página
de uma obra sobre [ ]
E também pouco possível [ ] sem [ ] do que buscar as proprie­
dades das figuras geométricas sem considerar que seja muito importante
divisar um plano [ ]. Seria ilusório buscar as propriedades geométricas
de um corpo [ ]
Ao recebimento de sua muito apreciada carta, datada de Bryn Mawr, 29
de outubro, recebida em 10 de novembro, meu dever [teria sido], se eu a
tivesse entendido claramente, responder-lhe imediatamente o seguinte;
1- Você me dá a grande honra de me pedir que considere Whitney como
um filologista comparativo. Mas Whitney nunca quis ser um filologista compa­
rativo. Ele não nos deixou uma única página que permita considerá-lo um
filologista comparativo. Ele nos deixou apenas dois trabalhos que inferem,
dos resultados da gramática comparada, uma visão superior e geral sobre a
linguagem; sendo essa, justamente, sua grande originalidade desde 1867, e
sendo outra de suas originalidades o fato de indicar, sempre que tinha a
oportunidade, que não confundia jamais a lingüística com o estudo [ ].
Então, é isso.
2- Quando se trata apenas das coisas universais que se pode dizer sobre
a linguagem, eu não me sinto de acordo com nenhuma escola, nem com a
doutrina razoável de Whitney e nem com as doutrinas desarrazoadas que
ele vitoriosamente [combateu]. E esse desacordo é tal que não comporta
nenhuma transição nem nuance, sob pena de eu me ver obrigado a escrever
coisas que não têm nenhum sentido a meus olhos.
Eu deveria, portanto, lhes implorar que me desobriguem imediatamen­
te do dever de falar da obra de Whitney em lingüística, mesmo porque esta
ocasião é de bastante [ ]. Todavia, de nada serviría, visto o tempo [ ]
P A linguagem instituição.
2- A lingüística é dupla.
3297=1262 jamais uma ruptura [ ]
Trate-se da roupa ou de [ ],
184 Outros Escritos de Lingüística Geral

é sempre a relação natural das coisas que se refaz depois de uma extra­
vagância e que continua sendo, através das eras, a unidade diretriz, que
mantém, através de todas as mudanças, a regra. Enquanto que a linguagem,
para cumprir a função que lhe cabe entre as instituições humanas, é desti­
tuída de qualquer limite em seus procedimentos (pelo menos de um límite
que alguém nos fizesse ver). A ausência de afinidade, desde o princípio,
entre [ ) sendo uma coisa RADICAL, não uma coisa que comporte ao
menos uma nuance, ocorre subseqüencemente que a linguagem não está
contida numa regra humana, constantemente corrigida ou dirigida, corrigível
ou dirigível pela razão humana.
É essa a razão que dita os outros [ ]
3M7-12UM212 ^ instítulção do casamento, sob a forma monogâmíca, é, pro­
vavelmente, mais razoávei do que sob a forma poligâmica. Filosoficamente,
isso pode ser discutido. Mas a instituição de um signo qualquer, por exem­
plo <3ou 5, para designar o som 5, ou então coiv ou vacca, para designar a idéia
de vaca, é baseada sobre a própria irrazão; quer dizer que não há. aqui, ne­
nhuma razão baseada na natureza das coisas e sua conformidade que inter-
venha em algum momento, seja para manter, seja para suprimir uma [ ]
3297-12«# próprio fato de que nunca há, na língua, traço de correlação
Interna entre os signos vocais e a idéia, entre a idéia e seu instrumento,
esses signos são abandonados à própria vida material de um modo total­
mente desconhecido nos domínios em que a forma exterior exige o mais
leve grau de correlação natural com a idéia. Como são esses outros domí­
nios que nos são familiares na história das sociedades, nós julgamos, muito
erroneamente, a partir deles, aquelas que deveríam ser as condições da lin­
guagem, supondo, em particular, que elas não podem diferir fundamental­
mente das de uma outra instituição.
3297con.inuaçáo ^ ^ Gramática Comparada.
2- A Gramática Comparada e a Lingüística.
3^ A linguagem, instituição humana.
4- A lingüística, ciência dupla.
5“ Whitney e a escola dos neogramáticos.
6^ Whitney fonologista.
3297=166 ^ obra, Whitney não deixou de se colocar nesse
terreno, mas há duas passagens que, mais do que o resto, fazem sentir com
exatidão, desde o primeiro instante, o pensamento [ ]. um
dos últimos capítulos de Life and Growth of Language, Whitney diz que os
homens usaram a voz para dar signos às suas idéias, como usariam o gesto
ou outra coisa, porque lhes pareceu mais cômodo usar a voz. gsti-
mamos que essas duas linhas, que parecem um grande paradoxo, [trazem]
a mais correta idéia filosófica já formulada a respeito da linguagem; a nossa
Antigos Documentos 185

mais cotidiana prática, além dos objetos submetidos à nossa análise, tería
tudo a ganhar com esse dado. Porque ele estabelece o fato de que a lingua­
gem nada mais é do que um caso particular do signo, que não pode ser
julgado em si mesmo.
JÍ97.J240.J141 sua gênese, um procedimento provém do acaso. Por exem­
plo, H^teí-Díeti (hospital) — que, na Idade Média, significava exatamente
Hôteí de Dieu (Casa de Deus) — oferece um procedimento absolutamente
idêntico ao hebreu [tsédek yníiwt/i] "justiça de Deus". O procedimento
"hebreu" é empregado, sem restrições, em centenas de justaposições fran­
cesas.
Assim, seria possível dizer que o francês antigo, saindo de caminhos
seculares do indo-europeu, caiu [ J
A verdade é que uma simples casualidade [ ]; e, então, fica absolu la­
mente claro que uma casualidade do mesmo gênero conseguiu precipitar o
proto-semita naquilo que parece ser um de seus traços indeléveis: não exis­
te o menor indício de uma diferença original de espírito, nem mesmo de
uma diferença acidenta! de espírito; tudo se passa fora do espírito,
na esfera das mutações de sons, que logo im.põem um jugo absoluto ao
espírito e o forçam a entrar no caminho especial que lhe é deixado pelo
estado material dos signos.
3297=3244-3245 mesmo modo, compostos como Bet-haus, Spring-brunnen
(em que o primeiro termo oferece uma idéia verbal) poderíam ser usados
para dizer que o alemão não é uma língua indo-européia.
Tudo isso não tem nenhum alcance. O procedimento é aquele que o
estado de sons torna necessário; ele nasce, na maior parte das vezes, de uma
coisa não apenas casual e não apenas material, mas também negativa, como
é a supressão do a em beíít-íiíis, que se torna o germe fecundo.
Vale a pena dizer que, por sua cessação, um procedimento |. ]
3297=3248 então, qüal é o valor de uma classificação das línguas con­
forme os procedimentos que elas empregam para a expressão do pensamen­
to; ou a que isso corresponde? Absolutamente a nada, se não diz respeito a
seu estado momentâneo e incessantemente modificável. Nem seus
antecedentes, nem sua parentela e ainda menos o espírito da raça têm algu­
ma relação necessária com o procedimento que está à mercê do mais ridícu­
lo acidente de vogal ou de acento que vai se produzir, na própria língua, a
qualquer instante. S297-31Í0 Ao reconhecer que a pretensão de Schleicher, fa­
zer da língua uma coisa orgânica independente do espírito humano, era um
absurdo, nós continuamos, sem nos dar conta disso, a querer fazer dela
uma coisa orgânica em outro sentido, supondo que o gênio indo-europeu
ou 0 gênio semítico quer incessantemente reconduzir a língua fatalmente
aos mesmos caminhos. Não há uma única observação que nos Imbua da
186 Outros Escritos de Lingüística Geral

convicção contrária e a [ ]. O “gênío da língua" tem peso zero diante de


um só fato, como a supressão de um o final, que é capaz, a cada instante, de
revolucionar completamente a relação do signo e da idéia, em qualquer for­
ma de linguagem anteriormente dada [ ]; e de maneira que o novo pro­
cedimento [ ]

3297 = 1484-1485
Da anti-historicidade da linguagem

[ ] trata de um objeto duplo de um modo que parecería inextricável


se nós não recorréssemos a uma comparação.
Numa partida de xadrez, não importa que posição tem por característica
singular ser livre das antecedentes, ou seja, que não é "mais ou menos"
indiferente, mas totalmente indiferente, que se tenha chegado a tal posição
por uma via ou por outra; ou que aquele que acompanhou toda a partida
não tem a mais leve vantagem sobre o curioso que vem inspecionar a parti­
da naquele momento crítico. Ou, ainda, que ninguém sonhará em descrever
a posição misturando ora o que é, ora o que foi, mesmo que dez segundos
antes.
Tal é, exatamente, o ponto de partida para a língua. Admitindo-o, resta
perguntar sob que aspecto um tal objeto pode ser histórico. Em sua essência,
ela parece rebelde a qualquer consideração histórica, bem mais devotada a
uma especulação abstrata, como a que pode comportar a posição de xadrez
de que falávamos. Mas nós vamos manter a comparação, persuadidos de
que não há muita coisa que nos permita entrever tão bem a natureza tão
complexa dessa semiología particular chamada linguagem para definir, de
uma vez por todas, essa semiología particular que é a linguagem, não em
um de seus aspectos, mas nessa irritante duplicidade que faz com que ja­
mais seja alcançada.
3297coniini>aç,io ejj[g(;g "Ifngua" c ciência da língua com a condição inicial
de se abstrair o que precedeu, o que liga entre si as épocas. Só há lingüística
com a condição precisamente oposta. [ ] uma outra história [ ]; em
todo caso, ela não exige que seja feita abstração [ ]. É a condição absolu­
ta para compreender o que se passa, ou apenas o que é, em determinado
estado, fazer abstração do que não é próprio desse estado, por exemplo, do
que o precedeu; sobretudo do que o precedeu.
Mas o que resulta daí para a generalização? A generalização é impossí­
vel [ ]
Assim como um produto mineral pode ser considerado do ponto de
vista do que representa em mineralogía ou do ponto de vista dos aconteci­
mentos históricos que lhe deram origem em tal parte do globo, em tal cama­
da, em tal momento [ ]. Quando se considera apenas um único produto
Amigos Documentos 187

determinath e localizado, pode-se ceder à ilusão de que não há interesse sério


em dividir, que seria mesmo um sofisma muito evidente querer separá-los.
Nós nao sentimos que é efetivamente a mesma matéria? E a natureza física
dos elementos produzidos [ ], e é o valor [ ]
Muito bem. Mas tentemos generalizar.
É então que se percebe que não há nenhum tipo de generalização possí­
vel quando se considera cada produto em sua gênese e em sua essência ao
mesmo tempo. E, depois disso, ver-se-á que urna das ciências é essencial­
mente histórica (a geologia), enquanto a outra, embora tire seus objetos des­
ses mesmos acontecimentos históricos, é essencialmente anti-histórica, não
podendo reconhecer, a menos que deixe de existir, que duas rochas diferen­
tes pelo lugar em que são formadas, pela época, pelas condições, pela própria
natureza da combinação, enfim, por todas as coisas históricas imagináveis,
sejam diferentes se correspondem à mesma fórmula na esfera das idéias
permanentes. Não se pode generalizar, não tem nenhum sentido generalizar a
respeito de um cristal tetra-rombóide antes de saber e de enunciar formal­
mente se a intenção é falar das condições que permitiram a esse cristal se
formar, aqui ou noutro lugar (coisa histórica) ou se é falar do que ele é, por
exemplo, com relação a todos os cristais tri-rombóides, o que não diz res­
peito, de modo algum, à maneira, ao tempo e ao lugar em que esses diferen­
tes produtos respectivamente se formaram. Conceber uma generalização
que trate, ao mesmo tempo, dessas duas coisas é pedir o absurdo. E esse
gênero de absurdo que a lingüística, desde o seu nascimento, quer impor ao
espírito. Na ordem das coisas iingüísticas, não existe atenuante, muito ao
contrário, para essa comparação. O erro é acreditar que se pode fugir, por
alguns momentos, à sua necessidade inexorável; não dá para fugir dela em
momento algum, nem mesmo para [ ]. Seria, por conseguinte, impossí­
vel discorrer sobre um único termo empregado na prática de cada dia da
lingüística sem retomar ab ovo a questão total da linguagem, e ainda mais
impossível formular uma apreciação sobre uma doutrina que não leva em
conta, por mais racional que fosse [ ]
Todas as maneiras de se exprimir que, a intervalos, parecem estabelecer
uma conjunção entre os fatos [verticais] e os fatos horizontais são, sem
exceção, imagens; a outra causa de desgosto é a impossibilidade de prescin­
dir dessas imagens e também de se resolver a aceitá-las.

3297= 1903-1910
Ou a ou a: b
a’ (a’ : b’) .
uu:> ue unguistica (Jeral

Tanto quanto ousamos dizer, a lei absolutamente final da linguagem é


que nela nada há que possa residir em um termo (em conseqüência direta do
fato dos símbolos linguísticos não terem relação com o que devem desig­
nar), que a é impotente para designar qualquer coisa sem a ajuda de b, como
este sem a ajuda de a; ou que os dois valem por sua diferença recíproca, ou
que nenhum deles vale, nem mesmo por uma paite qualquer de si mesmo
(“a raiz”, etc., eu suponho), senão por esse mesmo plexo de diferenças eter­
namente negativas. Nós nos admiramos. Mas, onde estaria, na verdade, a
possibilidade do contrário? Onde havería, por um único instante, um ponto
de raciocínio positivo em toda a linguagem, já que não há nenhuma imagem
vocal que corresponda, mais do que as outras, ao que está encarregada de
dizer? E a evidência absoluta, até mesmo a priori, de que não haverá jamais
um único fragmento de língua que possa ter fundamento sobre alguma coi­
sa, como princípio último, que não seja a sua não-coincidência, ou grau
dessa não-coincidência, com o resto; sendo indiferente a forma positiva, em
um grau de que nós não fazemos idéia, mesmo tendo aprendido cinco ou
seis línguas em que [ ]; porque esse grau é inteiramente igual a zero.

isso só tem importância do pomo de vista retrospectivo ou prospectivo,


em que se [ J. Qualquer regra, qualquer frase, qualquer palavra relativa
às coisas da linguagem evoca, necessariamente, ou a relação a/b ou a relação
sob pena de nada significar ao ser analisada.
^ Não se vê com muita facilidade, mas com igual clareza depois de se
refletir, que é precisamente porque os termos a e b são radicalmente incapa­
zes de chegar como tais às regiões da consciência — que percebe apenas a
diferença a/b — que cada um desses termos fica exposto (ou se torna livre),
no que lhe diz respeito, a se modificar conforme leis diferentes daquelas
que resultariam de uma penetração constante do espírito. Voltamos, assim,
à afirmação fundamental com que buscamos esclarecer melhor a diferença
entre a instituição da linguagem e as outras instituições humanas; a saber,
que aquela não é submetida à correção contínua do espirito porque não
provém, já na origem, de uma harmonia visível entre a idéia e o meio de
expressão; sendo esta uma diferença capital, apesar de todas as miragens
exteriores diante de certos casos como, por exemplo, ritos religiosos, for­
mas políticas, usos [ ] para não falar dos instrumentos.
Amigos Documentos 189

3297=1267 ^ impressão geral que se tem das obras de Whitney é


que basta o senso comum, o senso comum de um homem familiarizado
com [ ], seja para dissipar todos os fantasmas, seja para captar em sua
essência os [ ]
Ora, essa convicção não é a nossa. Nós estamos, ao contrário, profunda­
mente convencidos de que qualquer um que ponha o pé no terreno da língua
está, pode-se dizer, abandonado por todas as analogias do céu e da terra. E
isso precisamente por que se pôde fazer, a respeito da língua, construções
fantasistas como a que Whitney destruiu, e também por que resta muito a
dizer em um outro sentido.
P: A língua nada mais é do que um caso particular da teoria dos Signos.
Mais precisamente, por esse fato apenas, ela já se encontra na impossibili­
dade absoluta de ser uma coisa simples (ou uma coisa diretamente captável,
pelo nosso espírito, em sua maneira de ser), ainda que, na teoria geral dos
signos, o caso particular dos signos vocais não seja mil vezes o mais comple­
xo de todos os casos particulares conhecidos, tais como a escrita, a cifragem,
etc.
2-: Essa será a reação capital do estudo da linguagem sobre a teoria dos
signos, esse será o horizonte para sempre novo que ela terá aberto [ ]:
ter percebido e revelado todo um lado novo do signo, a saber, que este só come­
ça a ser realmente conhecido quando se percebe que ele é algo não apenas
transmissível mas, por natureza, destinado a ser transmitido, 2- modificável.
Apenas para quem quer fazer a teoria da linguagem, é a complicação
centuplicada [ ]
3297rontmuaçao£j^qy^j^^^ subsístc uma confotmidadc de nome (simplesmente
de nome) entre um objeto óbvio e os [ ], há uma primeira categoria de
seres mitológicos dignos de serem opostos fundamentalmente aos outros,
como classificação primeira da idéia mitológica. Então, o nome é o princípio
decisivo, o único, não da invenção dos seres mitológicos — porque quem
investigaria isso em seus fundamentos? — mas do instante em que os seres
se tornam puramente mitológicos e rompem sua última ligação com a terra
para povoar o Olimpo depois de muito [ ]
Enquanto a palavra agni designa ao mesmo tempo, daí a confusão, o
fogo de todos os dias e o deus Agni, enquanto Djeus é, ao mesmo tempo, o
nome de [ ], é impossível, faça»se o que for, que Agni ou Djeus sejam
figuras da mesma ordem de Varupa ou AnóXXcov, cujos nomes têm a particu­
laridade, no mesmo momento, de nada designar sobre a terra.
Se há um instante determinado em que Agni deixa de participar [ ],
esse instante consiste apenas no acidente que trará a ruptura de nome com o
objeto sensível, como o fogo: acidente que está à mercê do primeiro fato de
língua ocorrido, sem nenhuma relação necessária com a esfera das idéias
190 Outros Escritos de Lingüística Geral

mitológicas. Ao se chamar um caldeirão, sucessivamente [ ], pode acon­


tecer o mesmo que acontece ao se chamar o fogo, sucessivamente, de agni e
de outra coisa. E, nesse momento, o deus Agni, como o deus Zenç, será
INEVITAVELMENTE promovido à condição de divindade inescrutável, como
Varuna, em vez de andar pela esfera final de divindades como Ushas. Assim,
a que se relaciona uma mudança tão capital e tão positiva em mitologia? A
nada, senão a um fato que, além de não ser puramente lingüístico, não tem
importância visível no curso dos acontecimentos lingüísticos de cada dia.
Por isso, é definitivamente verdade não que os nümina sejam os nómina,
conforme a fórmula célebre, mas que o destino de nómen depende, decisiva­
mente e, por assim dizer, de segundo em segundo, do de numen. É verdade,
agora, que a mais vasta categoria de seres colocados no Panteão de cada
povo antigo provém não da impressão produzida por um objeto real, tal
como agni, mas do jogo infinito dos epítetos que rolam sob cada nome,
permitindo, a cada instante, criar tantos substitutos (de “[ ]") quantos
se queira [ ]. Não é isso que vai nos dissuadir da influência fundamental
dos nomes e da língua sobre a criação das figuras. Se concordamos que, na
palavra, está [ ], aqui a palavra é simplesmente determinante; é ela, real­
mente, a primeira a sugerir a nova divindade, que um dia é criada ao lado da
precedente, e sua única razão final.
— Whitney não passageiro.
— Whitney não escreve gramática comparada.
— Dicionário alemão hoje.
— Não é necessário gramática comparada para fazer obra de [ ]
— Mais gramática sánscrita, não dá ocasião [ ].
— Whitney e a sílaba.
— Whitney merece ser considerado bastante independente da gramática
comparada, [ ] por ter sido o primeiro a extrair dela uma visão filosófica.
— Papel sem pretensão.
— Whitney e a instituição.
— Whitney e os neogramáticos.
— Valor definitivo.
O nome de Whitney é um nome tão universal que uma pessoa estranha
aos estudos lingüísticos se surpreendería, provavelmente, ao saber que um
autor tão apreciado jamais publicou [ ] diretamente relativo àquilo que
[ ]. Eu acredito que será a melhor e a mais simples homenagem à obra
de Whitney, tomada em todas as suas partes, constatar até que ponto essa
obra conseguiu suportar os estragos do tempo. Mas um elogio desse gêne­
ro, que pode não ser banal, se torna extraordinário na lingüística propria­
mente dita. De todos os livros, especiais e gerais, que têm hoje trinta anos
de idade, qual é, sinceramente, aquele que, em lingüística, não envelheceu
Antigos Documentos 191

irremediavelmente a nossos olhos? Eu procuro e não encontro outro além


de[ ]
Quanto a isso, nem pensamos em dizer, de modo algum, que o livro de
Whitney seja definitivo, ou que contenha tudo o que se poderia desejar; é
isso o que o próprio autor rejeitou; mas o que ele contém e o que Whitney,
em 1867, foi o primeiro a dizer, não foi ainda tomado de nulídade em 1894,
conforme o testemunho universal. Esse fato é mais instrutivo do que mui­
tos comentários para servir de pedra de toque à apreciação de um espírito,
desse espírito.

12a [Status e motus. Notas para um livro


de lingüística geral, 1 ]
Cada vez que se produz, na língua, um acontecimento, pequeno ou
grande, a conseqüência é, por evidência, que o estado recíproco dos termos,
considerado depois do acontecimento, não é mais o mesmo de antes. Se,
numa certa data, o t final grego cai, por exemplo, em *egnõt, esse é um
acontecimento que parece não dizer respeito, de maneira alguma, a *egnõn,
e, com efeito, não lhe diz respeito, tanto que se fala do acontecimento ou de um
acontecimento. Mas, ao se falar de estados, vê-se, então, que a relação recí­
proca *egnõn: *egnõt é substituída por uma relação *^nôn: *egnõ. Coisa tâo
importante quanto o que está no acontecimento, senão mais. Quando, do
mesmo modo — embora não seja aqui o lugar de analisaras diferenças— o
alto-alemão antigo/ans se toma feris, esse fato não diz respeito afaru, e não
é menos verdadeiro nem menos capital constatar que, por isso, o estado
recíproco faru : faris cedeu o lugar a um novo estado recíproco, que é agora
faru: feris.
Esse começo é tão bom quanto qualquer outro para introduzir a distin­
ção à qual é preciso chegar, da qual é incrível que não dependa, há muito
tempo, toda a idéia geral e toda [ ]:

1 egnõn 2®egnõt 1 faru <-> 2 faris

3 egnõn ^ 4- egnõ 3 faru 4 feris

1®Ausência de sentido, em lingüística, para uma das formas da vida da


língua : o STATUS.
De quantas maneiras se terá conseguido confundir essas duas coisas
fundamentais: o motus e o status da língua, é o que poderá constituir, um dia,
o objeto de um trabalho retrospectivo interessante. Há, todavia, duas ma­
neiras de se enganar, ainda que as duas conduzam a um igual desconheci­
mento do status.
192 Outros Escritos de Lingüística Geral

Uma consiste (por hipertrofia do sentido histórico) em suprintir, pura e


simplesmente, a noção de status e em supor que a língua vive de fetos como
a supressão de um t, ou seja, de acontecimentos. Sob o pretexto de que esses
acontecimentos são a causa regulai' de cada status, os representantes desse
estado de espírito não têm um sentido para [ ]
A outra consiste (por perversão do sentido histórico) em exprimir acon­
tecimentos pela fórmula que convém aos status, a mais grave maneira de
tudo falsear e de tudo confundir. Por exemplo, dizer: "em alto-alemão anti­
go, o a se transforma em e antes de i :faru —feris”. Em vez de dizer: “Há a)
um fato que supõe um tempo em que faris e não faru se tornou feris, b) um
fato que não supõe um tempo em que faru esteja oposto, assim sendo, a
feris.” —

Status e motus

De quantos gêneros são os fenômenos lingüísticos?


Dirigindo-se, deixando-se guiar pelo ensinamento atual ou passado,
parecería que os fenômenos lingüísticos são de um único gênero ou, me­
lhor, de infinitos gêneros, conforme a classificação que cada um prefere adotar.
Nós dizemos que eles são exatamente de dois gêneros, nem de um nem de
três, que não dependem do princípio que se prefere, mas do próprio objeto,
com necessidade interior e clara.
1- De quantos gêneros são os fenômenos lingüísticos?
2° Como uma ordem inteira de fenômenos pode passar despercebida
por causa de uma outra?

Status e motus

A idéia de que os fenômenos lingüísticos formam uma única trama e


que, para captar essa trama, basta se colocar em seu encadeamento históri­
co, é natural. P De quantos gêneros são os fenômenos lingüísticos? A essa
pergunta [ ]

Status e motus

Todos os fenômenos, particulares ou gerais, de que a língua pode ser o


palco, ou bem fazem parte de um estado que caracteriza cada um em sua [me­
dida] ou bem se apresentam a nossos olhos sob a forma de um acontecimento.
Não há nada aí que impressione à primeira vista. Por que, entre os cento
e um princípios de distinção possíveis em lingüística, atribuir uma impor-
Antigos Documentos 193

tância particular àquele que separa o estado do acontecimento, o aconteci­


mento do estado? Ou melhor, como não é evidente que tudo o que existe no
estado está contido, de antemão, no acontecimento: se existe, em algum
lugar, gero : gestus (estado), é porque o acontecimento tinha feito de *gesõ
gerõ? E nesse ponto que está a lingüística. Estado ou acontecimento lhe são
coisas indiferentes, ou melhor, nem mesmo distintas, nem mesmo mencio­
nadas, em algum lugar, como tendo um valor independente.

12b [Status e motus. Notas para um livro


de lingüística geral, 2]
Por uma tendência que se deve considerar natural em nosso espírito,
em qualquer objeto que comporte um desenvolvimento, uma seqüência his­
tórica, uma sucessão de coisas no tempo, a atenção vai por si mesma aos
acontecimentos e tende a se desinteressar dos estados. Esse traço pode che­
gar à abolição completa, em certos sábios, do sentido do que pode ser um
estado, ou pode se limitar a não atribuir aos estados de que provêm um
papel específico ao lado dos acontecimentos. Em que medida essa disposi­
ção de espírito pode ter importância fora da lingüística, nas numerosas ci­
ências que têm que levar em conta, como ela, o fator histórico, isso não nos
cabe julgar. Em que medida ela insere a desordem na lingüística, é algo que
devemos procurar delinear mas que, na realidade, nenhuma análise esgota­
rá, visto que a distinção [ ]
De onde vem essa tendência, é fácil de ver. O acontecimento é a causa do
estado e o que o explica (em um certo sentido).
Um equilíbrio, uma posição recíproca dos termos, jamais é dada.
Mas, fosse ela dada pelo catálogo dos acontecimentos, essa posição é
essencialmente diferente dos acontecimentos e merece, talvez [ ].
Comparação com partida de xadrez.

O status considerado em si mesmo

Obscuridade e inanidade da idéia de uma oposição entre o som e a idéia,


a forma e o sentido, o signo e a significação. (Como se deve concluir das
afirmações de que a forma é oposta ora ao sentido, ora ao som, sem que
exista uma definição da forma.)
194 Outros Escritos de Lingüística Geral

Exemplo gótico de fórmulas de regras:

1“ u antes de vogal
se transforma em w errado, mesmo corrigindo a expres­
2- w antes de consoante são e dizendo: ao u antes de vogal
se transforma em u corresponde [w].
3“w [ ]

Nada pode fazer com que um acontecimento, porque explica um estado,


seja um estado. Ora, na maior parte das ciências, explicar a origem de um
estado é tudo, sendo que o estado em si mesmo é sem interesse ou sem um
papel específico que o distinga como estado, de sorte que, na língua, é aos
estados, e só a eles, que pertence o poder de significar; por outro lado, a
língua, sem esse “poder [de] significar”, deixaria de ser o que quer que
fosse; assim, neste domínio, vê-se que, mesmo depois [ ], não se teria,
em parte alguma, entendido o objeto em questão, que alguns se vangloriam
de ter explicado.
É preciso precisar melhor, logo de início: nós não consideramos a lin­
güística como uma ciência em que há um bom princípio de divisão a encon­
trar mas, fora uma ou duas reservas, como uma ciência que procura juntar,
em um único todo, dois objetos completamente discordantes desde o prin­
cípio, persuadindo-se de que eles formam um único objeto. O mais grave é
que nossa ciência está satisfeita com essa associação, não parece nada ator­
mentada com o vago sentimento de que há alguma coisa errada na base; não
manifesta nenhum mal-estar diante das concepções as mais oblíquas que
aceita a cada dia, sente-se, mesmo, tão de posse de seu objeto que não tem
nenhuma dificuldade para extrair, de tempos em tempos, dessa desordem
geral de idéias, teorias da linguagem, apresentadas com total candura.
O primeiro objeto que pode chamar a atenção:
1®seja, então, uma forma tomada ao acaso: êyvto.
Não há nada a dizer dessa forma enquanto ela não for oposta a nada,
enquanto não se designar o segundo termo, já que é a sua relação com ele
que seria examinada.
Com o que ela pode ser posta em relação? Certamente, e seja qual for a
natureza dessa primeira relação, com egnõt, que existia numa outra época.
Mas certamente também com egnõ, que reina na mesma época.
Consideremos agora a natureza dessas relações! Sente-se vagamente que
elas diferem. Não pedimos à lingüística que defina, nem que comece por
fixar a segunda para definir, a partir daí, a diferença com a primeira, isso seria
o puro caos. Facilitamos as coisas colocando a questão num terreno que é
Antigos Documentos 195

mais familiar à lingüística, perguntando o que caracteriza, em primeiro lu­


gar, a primeira (egnõt : egnõ).
Ela nos dirá que é o fato de ser fonética ou de ser relativa aos sons, en­
quanto que a outra relação (egnõ egnõn) não é fonética nem relativa aos
sons, mas a alguma coisa que ela não sabe, ademais, como definir, que seria
mais ou menos gramatical ou morfológica, ou semântica, se assim se prefe­
rir, ou talvez, no final das contas, mais ou menos fonética. Pois bem! não
nos inquietemos com as divagações da [ ].
2- Acima, fizemos a suposição de que o que se oferecia, antes, como
objeto possível, era uma/orma. Mas é preciso supor, do mesmo modo, que
se possa tomar, como primeiro objeto possível, um acontecimento e, subse-
qüentemente, qualquer outra coisa, pois absolutamente nada podería deter­
minar onde está o objeto imediato, oferecido ao conhecimento, na língua (o
que é a fatalidade desta ciência). Em qualquer outra ciência, os objetos são,
ao menos momentaneamente, evidentes, e daí se parte para analisá-los man­
tendo o controle sobre eles.
[ ] nesta qualidade retorna diretamente à psicologia e espera dela
suas luzes?
Ora, a psicologia possui uma semiologia? A pergunta é inútil, visto que,
se fosse esse o caso, os fenômenos da língua que a psicologia ignora seriam
a tal ponto preponderantes como base do fato semiológico, que tudo o que
pudesse ser dito fora deles pelo psicólogo representa forçosamente nada ou
perto de nada.
Se um lingüista que compreende o sentido da pergunta nos provasse
que existe, na língua, um primeiro objeto tangível, absolutamente qualquer
um, que fosse anterior à análise e não posterior a esta, não apenas deixaría­
mos de escrever, mas:
1- Que seja proposta não uma relação, mas uma forma, ou seja, um
único termo.
2- Que seja proposta não uma “forma", mas uma relação que ligue dois
termos, podendo, de resto, ser qualquer uma.
3®Que seja proposta a generalização da relação entre dois termos, por exem­
plo: em sánscrito, o m antes de t se transforma (ou se transformou) em n.

ÍNDICE

DIACRÔNICO. É oposto a sincrónico ou idiossincrônico. 000. Por que equi­


valente ã fonético.
(FATO) Ver fenômeno.
CONVENCIONAL (signo). Ver todo o capítulo Semiologia. Em que sen­
tido todos os signos lingüísticos são convencionais, contrariamente a certas
196 Outros Escritos de Lingüística Geral

idéias do lingüista. Em que sentido nenhum é convencional, contrariamen­


te a outras idéias que se encontra entre os filósofos.
LEI. Não é definível, a menos que se distinga as duas coisas que esse
nome representa. 000
Não se trata de uma palavra, de um termo aplicável com precisão, senão
no caso em que nada existe de obrigatório (leis idiossincrônicas), p. 000.
Necessidade e absurdo quase iguais para designar assim a fórmula de um
acontecimento (leis diacrônicas).
3299147ORIGEM DA LINGUAGEM: Inanidade da questão para quem tem
uma idéia justa do que é um sistema semiológico e de suas condições de
vida, antes de considerar suas condições de gênese, p. 000. Em momento
algum a gênese difere caracteristicamente da vida da linguagem, e o essenci­
al é ter compreendido a vida.
3299continuaçãopE^ÔMENO. Devetia ser entendido tanto como estado quan­
to como acontecimento que é a sua causa (um e outro sendo, em sua ordem,
um fenômeno). 000. Será perpetuamente entendido só como acontecimen­
to ou então convertido em uma noção híbrida inadmissível. 000. A palavra
fato acaba sendo o único recurso para quem quer designar, ao mesmo tem­
po, os fatos estáticos e diacrônicos, sem dar a impressão, como na palavra
fenômeno, que pensa especialmente nestes últimos. 00.
IDIOSSINCRÔNICO. Não é idiossincrônico o que é fonético (diacrônico).
000. — Gramatical = idiossincrônico, uma noção que só é clara quando
remete à idéia de idiossincrônico.

Quadrado lingüístico

Todas as considerações possíveis sobre um fato lingüístico são imedia­


tamente encerradas numa figura simples e, em toda a parte, igual, que com­
preende quatro termos:

____ S

O sentido vertical marca o valor do tempo e a distância horizontal [ ]


As relações possíveis são marcadas pelas linhas. Não há relação possí­
vel, por exemplo, entre a e b ’ oub e a’, segundo uma linha diagonal.
Com uma condição, saber que não se quer aplicar nenhum espírito his­
tórico aos fatos, a figura não apenas poderá, mas deverá se reduzir a a — b.
Nós temos apenas quatro princípios:
Antigos Documentos 197

O primeiro, que é preciso distinguir o acontecimento do estado.


O segundo, que é preciso opô-los, por exemplo, subor dinar um ao outro.
O terceiro, que é preciso separá-los; e de maneira a tal ponto absoluta
que a única questão que resta é saber [ ].
O quarto, que qualquer outra maneira de classificar é inútil a um grau
de que nem se tem idéia. E absolutamente nula, de antemão, toda [ ]
A idéia de que as coisas da língua devam se expor através de uma via una
e constante é a mesma idéia falsa que leva a supor que a própria língua é
uma coisa una. Nós negamos que a língua seja uma coisa una e, com isso,
adquirimos o direito de apresentar como queremos os dois elementos que
nela descobrimos.
Basta pronunciar a palavra convencional para pôr em oposição as idéias
falsas e corretas sobre a língua, [ ]
O que há de particular no signo convencional é que as disciplinas que dele
poderíam se ocupar não desconfiam que esse signo seja 2®) transmissível e,
por isso, dotado de uma segunda vida, de onde se pode dizer que essas
disciplinas, assim como o público (em geral), não têm noção alguma, se não
se dedicam à [ ] que a “delimitação dos signos” modifica, com isso, a
idéia filosófica do signo convencional é absolutamente incompleta desde
[ ]. Reciprocamente, é errado que o linguista, à força de ver por toda
parte nada além da transmissão e da tradição, dominadas, elas mesmas,
pelas forças mecânicas, deixe de conceber o signo lingüístico como sendo,
em sua essência, um signo convencional. Ele lhe atribui uma essência mis­
teriosa ou à parte, ou ligada à história. [ ] não se presta, nem pela natu­
reza nem pela intenção, a designar o aoristo [ ]. Lá onde o convencional
se reencontra, é quando se vê que todo signo repousa puramente sobre um
co-status negativo.

3299= 1086-1091
Ao capítulo semiología

A maior parte das concepções que têm ou, ao menos, apresentam, os


filósofos da linguagem, faz pensar em nosso primeiro pai Adão, chamando
para perto de si os diversos animais e dando a cada qual seu nome.
Três coisas estão invariavelmente ausentes do dado que um filósofo acre­
dita ser o da linguagem.
Em primeiro lugar, a verdade, em que nem mesmo insistimos, de que o
âmago da linguagem não é constituído de nomes. E um acidente quando o
signo lingüístico corresponde a um objeto definido pelo sentido como cava­
lo, fogo, sol, e não a uma idéia como êBrixe “ele coloca". Seja qual for a impor­
tância desse caso, não há nenhuma razão evidente, bem ao contrário, para
tomá-lo como modelo da linguagem. Sem dúvida isso não passa, em um
198 Outros Escritos de Lingüística Geral

certo sentido, da parte de quem o entende assim, de um engano a respeito


do exemplo. Mas existe, implicitamente, uma tendência, que não podemos
desconhecer nem deixar passar, a respeito do que seria, em definitivo, a
linguagem: a saber, uma nomenclatura de objetos. De objetos anteriormen­
te dados, yantes o objeto, depois o signo; portanto (o que negaremos sem­
pre) base exterior dada ao signo e representação da linguagem por esta
relação:

’—a
Objetos *— b Nomes
*

enquanto a verdadeira representação é: a — b — c, fora de qualquer conhe­


cimento de uma relação efetiva como *—a, baseada em um objeto. Se um
objeto pudesse, onde quer que seja, ser o termo sobre o qual é fixado o
signo, a lingüística deixaria instantaneamente de ser o que ela é, do topo até
a base; e, ao mesmo tempo, o espírito humano, como fica evidente a partir
desta discussão.
Mas isso é apenas, já dissemos, a crítica ocasional que dirigimos à ma­
neira tradicional de considerar a linguagem quando se quer tratá-la filosofi­
camente.
É uma infelicidade, certamente, que se comece por misturar a ela, como
elemento primordial, esse dado dos objetos designados, que não constituem
elemento algum. Todavia, isso nada mais é do que um exemplo mal escolhi­
do e, pondo no lugar de ííXioç , ignis ou Pferd, qualquer coisa como [ ],
fica-se além da tentação de reduzir a língua a algo externo. Muito mais gra­
ve é o segundo erro em que caem, geralmente, os filósofos, que é o de l epre-
sentar:
2- quando um objeto é designado por um nome, eis um todo que vai se
transmitir sem outros fenômenos a antever! Quando uma alteração se pro­
duz, é do lado do nome que se pode temê-la, ao que se supõe, fraxinus que se
transforma em frêne. Entretanto, também do lado da idéia: [ ]
Eis aí o que faz refletir, sobre o casamento de uma idéia e de um nome,
quando intervém esse fator imprevisto, absolutamente ignorado na combi­
nação filosófica, O TEMPO. Mas não havería aí nada de notável, nada de
característico, nada de especialmente próprio à linguagem, se houvesse ape­
nas esses dois gêneros de alteração e esse primeiro gênero de dissociação,
pelo qual a idéia abandona o signo espontaneamente, altere-se este ou não.
As duas coisas continuam sendo, até aqui, entidades separadas ao me­
nos por um [ ]
Antigos Documentos 199

3299=1950-1956 q ^ caractcrístico são os inumeráveis casos em que é a


alteração do signo que modifica a própria idéia e em que se vê, de repente,
que não há diferença alguma, de momento a momento, entre a soma das
idéias distinguidas e a soma dos signos distintivos. Dois signos, por alte­
ração fonética, se confundem: a idéia, numa medida determinada (deter­
minada pelo conjunto de outros elementos), vai se confundir. Um signo se
diferencia pelo mesmo procedimento cego; infalivelmente, atribui-se um
sentido a essa diferença que acaba de nascer. Eis alguns exemplos, mas
constatemos, em seguida, a completa insignificância de um ponto de vista
que parte da relação de uma idéia e de um signo fora do tempo, fora da
transmissão, que sozinha nos ensina (experimentalmente) o que vale o
signo. Exemplos.

Continuação: Convencional

Todo fato estático é, por oposição aos fatos diacrônicos, acompanhado


de significação (e, por isso, de uma outra característica fundamental).
3299continuaçáo ^ concotrc pata a significação, de qualquer manei­
ra, é reciprocamente estático.
Na primeira parte, nós falamos de fenômenos que se passam entre tais e
tais termos, como se esses termos não tivessem que ser definidos, como um
objeto visível qualquer, não sendo, eles mesmos, aquilo que era preciso de­
finir de início. Isso é uma ficção. Esse é, justamente, o ponto mais delicado
da lingüística, entender o que constitui a existência de um termo qualquer,
pois nenhum nos é dado como um gênero de entidade muito claro; a não ser
pela ilusão que proporciona o hábito.
Oe quantos gêneros são os fenômenos lingüísticos.^ Ou de um único
gênero ou de gêneros inumeráveis, dirá a lingüística, que comete aí seu erro
mais fundamental. De um único, como se fossem todos lingüísticos e, por
conseguinte, saídos de um mesmo todo, de uma mesma unidade geral evi­
dente. Ou, então, de inumeráveis gêneros, conforme todos os “pontos de
vista" que se queira aplicar aos fatos e que possam servir para classificá-los.
Ela dirá que há na língua, por exemplo, o som e a significação (idéia). Patos
provenientes de ações fonéticas e fatos provenientes de ações analógicas. Ou
então fatos fonéticos, fatos morfológicos, fatos sintáticos, talvez ainda
lexicológicos.
O presente de uma forma está nas formas que a cercam a cada momento
(coisas que estão fora dela) e que não dependem dela; nela, está apenas a
sua continuidade no tempo.
A idéia de que, para ver o que existe no âmago das formas, basta “anali­
sar essas formas”, como se analisa uma substância química ou como se
200 Outros Escritos de Lingüística Geral

disseca, encobre um mundo de ingenuidades e de concepções espantosas. É


mostrar que
P há vinte tipos de análises sem nada em comum e que só têm um valor
se foram classificadas.
2- o objeto não é analisável antes de ter uma existência definida. Assim,
é preciso perceber as condições em que existe uma coisa como uma forma
de[ ]

O estado e o acontecimento confundidos

Há, em todas as ciências, distinções mais ou menos essenciais, mais ou


menos capitais para o estudo, que traz mais ou menos clareza, sem as quais
os fatos são mal coordenados e mal compreendidos. Mas não existe, senão
em lingüística, uma distinção sem a qual não se compreende os fatos em
grau algum, a não ser por ilusão, sem a qual não é possível fixá-los, captá-
los, sem a qual não há nenhuma clareza possível [ ]
Tal é, em lingüística, a distinção entre o estado e o acontecimento; pode-
se perguntar, até mesmo, se essa distinção, uma vez bem reconhecida e
compreendida, permite, ainda, a unidade da lingüística, se ela não tem por
conseqüência nos fazer ver, na língua, dois objetos inteiramente diferentes,
que exigem duas ciências que eu não qualificaria nem mesmo de paralelas,
mas de [ ]
Para confundir estado e acontecimento, a lingüística tem recursos ines­
gotáveis. A confusão está nas idéias, mas quando ela estiver apenas nas
palavras, na maneira pela qual somos obrigados a exprimir os fatos [ ]

Características do primeiro gênero de fatos (relações)


lingüísticos

Eles se produzem entre dois termos sucessivos. Eles sup[ ].

13a [Sobre as dificuldades da terminologia


em lingüística (“Chega de figuras!”) ]
3300=96 ¿g figuras! Assim, nada além de expressões que corres­
pondam às realidades absolutas da linguagem? Um belo programa, [ ]
Chega de figuras! E um belo programa, que logo se pôs no papel. E o
que é preciso para pôr em prática esse preceito? Pouca coisa, simplesmente
empregar apenas expressões que correspondam às realidades absolutas da
linguagem, classificadas de maneira infalível. Por exemplo: se eu vejo que
Antigos Documentos 201

[ ] é denominada ablaut, o que me impedirá de dizer que ela é apenas


uma figura de linguagem, embora, por conseguinte, toda discussão que há
sobie o ablaut [ ]
Haverá protestos, honrarias, risadas; e eu não digo, de modo algum, que
tenho razão; mas a única finalidade útil da discussão é me mostrar o que é,
em sua essência, o ablaut, para que eu tenha, então, um primeiro meio pai a
julgar se minha denominação merece o nome de “figura” ou se não o merece.
E assim por diante para cada termo. Proscrever a figura é se dizer
de posse de todas as verdades, de outro modo você fica radicalmente sem
condições de dizer onde começa e onde termina uma metáfora.
São verdades tão simples que eu estou persuadido [ ]. Seria muito
bom acreditar, por um instante, que os que prestam esse juramento têm
alguma idéia daquilo com que se comprometem. Chega de figuras? Assim,
nada além de termos que correspondam às realidades absolutas da lingua­
gem? Isso equivale a dizer que as realidades absolutas da linguagem não
oferecem mistério para os neogramáticos, que eles as desvendaram para
nós.
33oocoatinuaçao programa, o preceito que consiste em dizer que é preciso
tratar do período moderno e contempiorâneo das línguas para compreender
direito o sentido dos períodos mais antigos, se presta a deixar estupefacto
um homem como Whitney que, desde o primeiro instante de sua atividade
científica e muito antes que qualquer escola sonhasse em se apropriar dessa
bandeira, nem mesmo imaginava que o estudo da linguagem pudesse se
realizar sobre uma base que não fosse a observação dos fatos atuais. Havia,
para o autor de Life and Growth of Language, e talvez para outros, qualquer
coisa de ligeiramente risível na pretensão de uma escola que descobrisse, de
repente, o mundo das línguas vivas e o mostrasse ao universo. Compreende-
se que, entre os méritos que ele se dispõe a atribuir à nova escola, Whitney
não inclui de maneira alguma, e nem podería incluir, o de ter percebido a
importância das verificações modernas de cada fenômeno. Teria sido justo, da
parte de um outro que não Whimey, contestar à nova direção, senão a origi­
nalidade, pelo menos a novidade de sua tendência com respeito a esse ponto?
Pode-se fazer essa pergunta. Por um lado, o movimento [ ] jamais igno­
rou o que devia a Whitney, por outro, ele [ ] pode-se apenas [ ]
Outra vez, e adotando um ponto de vista intermediário entre Whitney e
[ ], nós ousamos repetir que não vale a pena discutir quando não se
sabe sobre o que se discute. Há, desde a origem dos tempos, na língua, dois
tipos de coisas inteiramente diferentes, que evocam para nós a idéia de lei.

Para os dois gêneros de fenômenos, indiferentemente, não há razão al­


guma para se prender ao nome lei; bem ao contrário, seria um extremo be-
202 Outros Escritos de Lingüística Geral

nefício para os estudos lingüísticos libeitá-los radicalmente dessa palavra


inepta apenas uma vez se designasse a lei fonética, mas três vezes inepta:
a) porque confunde essas duas coisas: o fenômeno pelo qual [ ];
b) porque quando se separa — grande progresso! — e se aplica lei às
relações [ ], isso exprime simplesmente uma ordem estável, sem nenhu­
ma força imperativa; o sentido de lei é, aqui, o de “fórmula de uma ordem",
assim como quando eu digo que as partículas de um corpo são dispostas em
espiral. Isso não implica nem que essas partículas devam ser em espiral, por
natureza, se uma força anterior, de que não nos compete tratar, não as hou­
vesse disposto assim em toda parte, nem que devam continuar em espiral se
forem perturbadas por uma força nova; mas apenas que, no momento pre­
sente, não é impossível perceber que são em espiral e que é essa sua ordem,
sua lei presente. Então, lei equivale, aqui, a arranjo, ordem de coisas existen­
tes, ordem de coisas coexistentes [ ];
c) com força imperativa, justificando, na aparência, um pouco melhor, o
nome de lei.
E possível que se descubra que, se a oposição da lei morfológica tivesse
em si mesma uma justificativa, pouco motivo havería para falar dela a pro­
pósito da lei fonética. É isso que contestamos. Antes de saber se, em lin­
guística, há, no total, uma espécie de leis, ou então duas, ou então três, ou
quantas espécies forem, não há sentido algum em perguntar se “as leis” são
[ ]

13b [Sobre as dificuldades da terminologia


em lingüística (a expressão simples)]
Como cada noção, por exemplo sílaba, ditongo eu, só pode ser marcada
por uma coluna, admitindo (segundo a compreensão do termo) muitos es­
tados sucessivos, mas sempre várias épocas, é totalmente inútil se debater
com a terminologia [ ] e ficar imaginando, com ingenuidade, que é por
impericia ou disposição incompleta do vocabulário que não se encontram
expressões simples. Não há, absolutamente, expressões simples para coisas
a serem diferenciadas primariamente em lingüística; não pode haver. A ex­
pressão simples será algébrica ou não será.

14a [Da articulação]


3302=177 articulação

Há termos que, criados num período primitivo e tateante, correspondem


às distinções necessárias e, com isso, acabam contribuindo, historicamente.
Amigos Documentos 203

para o progresso do estudo em cada ciência. Há outros que, radicalmente


falsos ou (o que é certamente mais grave) parcialmente falsos, usurpam um
lugar ao lado das distinções naturais para criar o mundo dos equívocos e
mal-entendidos.
Mas, fora dessas duas categorias reconhecidas, que trazem lucro ou pre­
juízo para o progresso de uma disciplina, existe, talvez, uma terceira e curiosa
categoria, a dos termos em si mesmos corretos e que se sente que são corre­
tos, sem que seja possível dizer exatamente seu alcance e seu conteúdo,
nem decidir que idéias eles abrangem. O sentimento de sua adequação pro­
vém do fato de que jamais criam dificuldades: assim, a palavra articulação
não cria, em nenhum caso dado, uma dificuldade, mesmo que não vejamos
claramente o que ela contém, enquanto, por exemplo, a palavra consoante
[ ]. Zoologistas, antropologistas, etnologistas e lingüistas falam desafia­
doramente ao público de linguagem articulada, como se fosse uma (coisa)
perfeitamente clara para o espírito de todo mundo. Eles provam, com isso,
que confundem “a articulação” com algum fato cerebral, como seria a “se-
qüência de idéias” atribuída à linguagem. Porque ninguém indica que a arti­
culação teria uma significação bucal.

14b [Implosão + implosão]


3303 = 9 8 3
Implosão implosão

Duas implosões consecutivas podem aparecer a) como duas implosões


separadas b) como partes de uma única implosão geral. Novamente, não há
limite restritivo para o primeiro caso, que é sempre, com a nossa vontade,
realizável; ao passo que existe um para o segundo, que, mesmo com a nossa
vontade, só é realizável sob certas condições. E, de novo, essas condições
dependem, essencialmente, da abertura dos fonemas, de tal maneira que se
pode fazer um elo explosivo de r í porque a abertura vai diminuindo, mas não
de ír, que é condenado a continuar tr (seqüência implosiva simples), mesmo
que tivéssemos a maior vontade de fazer dele um elo implosivo, porque a
abertura vai aumentando.
É preciso, ainda, acrescentar que assim como o elo implosivo admite
MUITOS fonemas, assim como dois, contanto que a abertura vá, como dizía­
mos, crescendo, assim também o elo implosivo admite vários fonemas, contanto
que a abertura vá decrescendo. E que, se o limite para a extensão do elo explo­
sivo vem do fato de que, ao fim de quatro ou cinco fonemas, é impossível
encontrar um sexto ainda mais aberto, do mesmo modo o limite para a
extensão do elo implosivo prende-se ao fato de que, em muito pouco tem­
po, não se encontrará um fonema mais fechado do que o precedente: por
204 Outros Escritos de Linguística Geral

exemplo, depois de áírft não se pode subir mais na escala das oclusões. (O
que ocorre depois, como já dissemos, a propósito da explosão, não diz respei­
to, absolutamente, à questão do elo explosivo, mas só à questão de saber o
que pode se seguir a um elo implosivo, quantas coisas podem se seguir a
ele, sendo dada antes, como elemento indispensável, a intenção de pronun­
ciar alguma coisa.)
3303comjiHiaçto j- j sercnios tentados a rir e a perguntar, em primeiro
lugar, por onde seria preciso começar caso se quisesse pôr sobre uma base
fixa as distinções da fonología. Imagina-se que o menor [ ].
Assim é na fonología, assim como na linguística e em qualquer discipli­
na que tenha a infelicidade de correr sobre duas ordens de fatos separadas,
onde só a correlação já criou o fato a ser considerado. Assim como afirmare­
mos adiante, é grandemente ilusório supor que se pode discernir, em lin­
güística, uma primeira ordem ; SONS, e uma segunda ordem : SIGNIFICA­
ÇÕES, pela simples razão de que o fato lingüístico é fundamentalmente
incapaz de se compor de uma só dessas coisas e nunca pede, para existir,
uma SUBSTÂNCIA, NEM DUAS substâncias, assim como constatamos que
nem o fato mecânico nem o fato acústico, situados cada um em sua esfera,
representam o fato fonológico, de que é preciso partir e para o qual é preciso
retornar; mas que é a forma contínua de sua correlação que chamamos de
fato fonológico.

14c [Teoria da sílaba (1897?)]


3304-1013 Q acabamos de dizer sobre a notação i — í, etc., pode-se
repetir a respeito da teoria de que essa notação procede. Essa “teoria" não
explica nada, limitando-se, literalmente, a constatar a coisa (ou seja, o efei­
to acústico cuja causa não compreendemos) que deveria explicar. O único
ponto da teoria que teria a característica de uma explicação, e não mais de
uma constatação, é que os sons têm função sonántica quando recebem o
acento silábico. Eis aí o que podería nos dar, talvez, um ponto de partida, com
a condição de que estejamos perfeitamente informados, pela mesma teoria,
sobre o que é uma sílaba, terceiro efeito acústico a explicar. Mas é esse o
último assunto sobre o qual uma clareza qualquer [ ], à exceção do fato
de que há sempre uma soante em cada sílaba, de maneira que a sílaba de­
pende da soante e que a soante depende da sílaba, sem que nada permita
romper, em iim ponto qualquer, esse círculo vicioso.
»M>uKi 2 »çjjjg observar que essa teoria, se nada explica, é, pelo menos,
absolutamente inofensiva; que a notação i — i, desde que esteja bem enten­
dido que ela náo constitui nenhum progresso sobre o que sabemos graças
Antigos Documentos 205

ao testemunho do nosso ouvido, fica justificada nesta [ ], e como


constatação de um fato acústico preciso.
3304=908) ga Se assim se preferir [ ], não é nem o papel de i u r l m n,
nem a questão especial de consoante e soante, nem a questão especial da
sílaba que deve, de antemão, preocupar, mas simplesmente a de saber a
partir de que possibilidades em geral se pospõe ou se antepõe uma seqüên-
cia qualquer de elementos na fala; é o que denominamos teoria da cadeia
sonora. Duas circunstâncias ditam todas as condições relativas a esse enca-
deamento:
3304=803-805 p ^ ABERTURA das diversas espécies fonológicas, ou seja, o
grau de fechamento ou de abertura que representa a articulação bucal, por
exemplo, de um b, de um r, etc.
Abertura zero: p tk; b d g
1m
I sf¡), etc.; z v d, etc.
2rl
3 iuü
4 e00
5a
3304=909 22 A forma IMPLOSIVA ou EXPLOSIVA que podem ter, constan­
temente, as mesmas espécies fonológicas, “ qualquer que seja seu grau de
abertura, excetuando apenas a espécie a, porque a abertura desta última é
tão grande que não há mais [ ]
3304=934 pjggjg diferenciamos, pela notação, a forma implosiva ou ex­
plosiva de cada fonema, assinalando com uma maiuscula as implosivas; as­
sim T e t, N e n. As espécies t e u são as únicas que gozam, desde já [ ]
3304=941 essas duas circunstâncias, vê-se que uma delas, sozinha,
não tem significação alguma. Por exemplo, não há sentido algum em pesquisar
o que vale o grupo g -I-1 ou p -I- i ou m -I- r; são firagmentos de cadeia totalmente
indeterminados, ao que se saiba, e, a respeito do primeiro e do segundo elemen­
to do grupo, se é supostamente implosivo ou explosivo. (Assim, p + i pode
significar Pj, pj ou pl ou, talvez, PI, conforme a distinção dada mais adiante;
assim como m + rMr ou mr, mR ou MR; e assim por diante.)
3304=940 espécies i e u são as únicas que gozam atualmente, no
alfabeto, de uma notação diferente, conforme apareçam sob a forma implosiva
(i, u) ou sob a forma explosiva (/, w). Longe de suprimir essa notação, nós
vamos estendê-la a todas as espécies, servindo-nos, para a implosão, das
maiúsculas T, N, R, etc.; para a explosão, das minúsculas t, n, r, etc. Basta
assinalar regularmente I, U com uma maiúscula ej, w com uma minúscula,
para não quebrar a correspondência com as outras implosões e explosões.
3304=960 Materialmente, sempre é possível, na cadeia sonora, pospor
duas espécies fonéticas quaisquer, mesmo estipulando que elas serão, todas
206 Outros Escritos de Lingüística Geral

as duas, explosivas, contanto que o efeito acústico que vai resultar daí seja
considerado, de antemão, indiferente. Mas 2- não se pode, para um efeito
acústico determinado, fazer qualquer combinação.
3304=968 (i^ortdífões do elo explosivo. Obtém-se um primeiro efeito acústico
específico (elo explosivo) quando muitas explosões sucessivas pertencem a
espécies fonéticas cada vez mais abertas, por exemplo ksrj-AUN, em que as
quatro explosões ksij correspondem a aberturas crescentes 0.1.2.3 (ao pas­
so que a sucessão ksrtaun — mesmo procurando tornar os quatro elementos
ksrt explosivos — não poderá Jamais dar essa impressão, porque as abertu­
ras são 0.1.2.0). A impressão do elo explosivo (que exige abertura crescente
e, ao mesmo tempo, explosão constante de todos os elementos) é, entre
outras, a de um elo sem duração.
3304=984 implosivo. Obtém-s6 um segundo efeito acústico
(elo implosivo) quando [ ]
3304=995-996 condíçõcs du vogal. Vê-se que a vogal ou soante é indepen­
dente em si de qualquer consideração sobre a natureza dos sons e corresponde
simplesmente a cada primeira implosão da cadeia sonora; é esse o fato que dá a
impressão da vogal, de maneira que mesmo kPtO pode, tanto quanto kRtO
ou kItO, dar essa impressão.
3304=862 ^ razão pela qual são, em geral, sons de baixa abertura que
se reencontram como primeira implosão, ou seja como vogal, é que [ ],
embora julguemos muito necessário afirmar que a alternância de vogal e
consoante é um fenômeno produzido pela articulação bucal e não pela qua­
lidade dos sons, há, por uma consequência toda [ ]: quanto maior é a
abertura bucal, mais [ ]. E por isso e por um princípio que não é o prin­
cípio geral, que, numa sucessão de sons como gZdA, parece que apenas A é
vogal. Uma nova circunstância, a força do som laringiano, quando não en­
contra obstáculo, perturba aqui a distinção fundamental [ ]
3304=959 ^ teoria da cadeia sonora — e é isso o que faz dela um
estudo dos mais [ ], [ ] valor das palavras impossível e possível.
Estabelecidas certas condições, certas combinações são “impossíveis”. Quan­
do não se estabelece condições, quando elas são estabelecidas vagamente
ou quando, como é em geral o caso naqueles que têm [ ], são mudadas
tácitamente no meio da frase, então tudo é “possível” e tudo é indeterminado
também nessa [ ]. Eu não me refiro aos numerosos casos em que se fala
das transformações históricas sobrevindas em tal grupo, como se isso fosse
uma prova de sua natureza intrínseca!
3304=969 Suponhamos que se proponha articular duas ou várias explosões
consecutivas, estipulando que elas devam produzir um efeito uno e ininterrupto
sobre o ouvido. Por mais que se tente, fica claro que isso é impossível se
qualquer uma das explosões corresponder a uma abertura menor do que a
precedente. Talvez seja “possível” pronunciar ksrj, tlm, mas sem que esses
Antigos Documentos 20 7

elementos produzam um efeito sobre o ouvido. Isso porque a abertura é


0.2.1.3.2® Que isso é sempre possível Pelo menos dentro dos limites
que aqui é inútil considerar, já que nós [ ] aqui, que o essencial — se
nenhum dos elementos explosivos tiver uma abertura inferior [ ]: 0.1.2.3.
3304+976 ^ continuação de explosões que produz esse efeito acústico não
quebrado, e de onde se pode ver as condi [ ]
3304=961 ^ tentativa de pronunciar sucessivamente uma explosão e uma
implosão, de maneira a ter uma impressão acústica tão ininterrupta [ ],
revela que — contrariamente ao que acontecia [ ] — pode-se obter o
efeito exigido juntando qualquer implosão a qualquer explosão, sendo que o
grau de abertura não mais intervém; por exemplo, tanto wm ou wp (abertu­
ras 3.1 ou 3.0) quanto waou ka (aberturas 3.5 ou 0.5). Observa-se também,
mas independentemente disso, que essa junção permite, paralelamente a
seu efeito contínuo, o i[ ]
3304=942 representação da cadeia sonora, as letras têm um sentido to­
talmente diferente do que num tratado de fonología. Qual é esse outro gê­
nero de unidades? E o espaço de tempo preenchido por [ ]. Apenas em
um tratado de fonología é que uma letra não indica um espaço de tempo e
que, por essa mesma razão [ ] na cadeia sonora, onde as letras indicam
espaços de tempo ocupados por um [ ] idêntico [ ]
3304=1063 tenta explicar [ ]
primeiro erro capital: que não há oposição entre ou de seuo e o de seumen,
entre o r de hherõ e o de bhermen;
segundo erro, ainda mais grave por [ ]: que há, em troca, uma opo­
sição entre o u de seumen e o de sutos ou entre o r de bhermen e o de bhrtos
[ ]
Acústicamente
sutos — seumen seuo
bhrtos — bhermen bherõ
Mecanicamente
sUtos seUmen — sewõ
bhRtos bheRmen — bhero
O valor de soante na cadeia sonora não corresponde nem de início à
[
33Í-.007100*
3304 1007-1 Observação. O desiderátum inicial era definir ou a sílaba ou a
soante, de maneira a sair por uma via qualquer da tautología que consiste
em definir uma pela outra. Na realidade, vemos agora que a definição de
uma só ainda não foi suficiente, pois o fato de que havia tantas sílabas quan­
to soantes ou vice-versa não deriva, de modo algum, de uma dependência
recíproca desses dois termos. Ele deriva de uma dependência comum a esses
dois termos diante de um terceiro, posto em evidência mais acima, a suces­
são das implosões e das explosões; há sempre uma soante para cada sílaba
208 Outros Escritos ãe Lingüística Geral

porque cada começo de elo implosivo dá a impressão de soante, e cada fitn


[
^ ^ 1« Teoria da sílaba “articulada”: ou seja, das unidades ou dos
contrastes que resultam da abertura e do fechamento dos órgãos bucais,
fora a voz e o sopro.
3m>ioo9 26 Teoria da sílaba "vocalizada", isto é, das unidades ou contras-
tes que resultam da plenitude do som laríngiano atingindo o ouvido (coisa
não independente da articulação em seu mecanismo, ainda que seja inde­
pendente por seu efeito).
»íM=ioi3 'pgQj.jg sílaba "expiracória’': isto é, dos [ ] que resultam da
distribuição do sopro [ ]. Essa [ ] não é colocada aqui
por seu valor, mas por &zer compreender de onde vêm as faltas de [ ]
As soantes e sflabas que correspondem AO MESMO TEMPO às divi­
sões a serem estabelecidas para a articulação, às divisões a serem
estabelecidas para o som vocal (percebido) e às divisões a serem estabelecidas
para o sopro, são a imensa maioria. Isso porque basta, em geral, considerar
só a articulação, que se torna, em qualquer caso, não apenas o fato mais
importante para o ouvido, mas o que não depende de nenhum outro em seu
mecanismo. Todavia, pode haver uma sílaba ou soante puramente articulatória
ou puramente expiratória, etc., ou seja, não munida, como o resto das sílabas,
da tripla sanção da voz, do sopro e da articulação; neste caso não é mais
possível justificar as unidades acústicas só pela articulação.
3304=1024-1025 p^emplo dc uma sílaba puramente articulatória: no grupo
gzdu, quando se aplica o princípio da articulação, há duas sílabas e duas
soantes, as duas igualmente incontestáveis. No entanto, esse grupo dá (ou
tende a dar) a impressão de uma única sílaba gzdu. A teoria articulatória
seria, então, falsa? De modo algum. Há realmente, aí, duas soantes
articulatórias. Só que, como a quase totalidade das outras sílabas
articulatórias é acompanhada, por certas causas, de um som laríngico incom­
paravelmente mais cheio do que aquele [ ], ocorre que nosso ouvido,
julgando pelo efeito total, não é suficientemente impressionado quando
solicitado apenas pela forma articulatória.
3304=1055 Qy(j.Q exemplo de uma sílaba puramente articulatória: diversas
línguas conhecem ditongos como uo, ie. Articulatoriamente, é impossível
admitir que uo, ie formem menos de duas sílabas. Eles não podem, como os
grupos inversos ou, ei, formar um elo implosivo, dada a abertura descenden­
te dos elementos sucessivos; eles só podem formar duas mplosões (elo
implosivo rompido), portanto duas soantes e duas sílabas. Se, apesar disso,
eles chegam a dar uma impressão acústica mais ou menos equivalente (mas
jamais comparável) à de ei, ou, é porque, aqui, a sílaba articulatória é positi­
vamente deturpada pelo ouvido por uma expirado semelhante à [ ].
Amigos Documentos 209

Nos dois exemplos, há urna redução do número real de sílabas porque a


articulação [ ]

14d [Notas de fonología; abertura; teoría


da sílaba (1897?)]
3305.1 temos nenhum gosto pela fonología e rogamos ao leitor
que acredite que a espécie de sistema que, para nosso uso pessoal, emprega­
mos há quinze anos, tem, como única pretensão, substituir os ensinamentos
dos fonologistas até que os fonologistas queiram, eles mesmos, se ocupar
da silabação e ensiná-la a nós. Não pode caber ao lingüista reparar as omis­
sões da fonología. Essas omissões são, infelizmente, tais que não resta ou­
tra alternativa a este último além de construir, assim, sua própria fonología.

3305.2 gQjj^g }.j^ g ^Q]j^g ^ natural


da sílaba

As observações que se seguem são apenas simples extratos de uma teo­


ria completa da sílaba que tínhamos, há muito tempo, a intenção de publi­
car. O assunto é tão vasto que comporta, inevitavelmente, adições e corre­
ções contínuas. Mas, diante da enorme heresia que vemos, a cada dia, se
propagar em obras de lingüistas indo-europeus em que se escreve, como
todos sabem, uekõ como eyfeõ = wekõ, eukõ
(1) essa mania ganhou o mundo inteiro, até mesmo a França. Não exis­
te, há dois ou três anos, um único escrito de lingüística, nem a mais obscura
tese de doutorado, que não se julgue obrigado a inserir em algum canto os
caracteres j e u, (mesmo com todos os sacrifícios que exige essa inovação
tipográfica). Não parece realmente fora de propósito erguer, desde já, um
protesto justificado.
1- Á questão do u consoante e do u vogal, do i consoante e do i vogal é
absolutamente dependente da questão da sílaba. Quem professa uma opi­
nião determinada sobre u consoante e u vogal sem ter uma visão perfeitamen-
te clara e precisa sobre a sílaba, fala ao acaso. Ora, deve-se constatar que
nem um único manual de lingüística dá uma idéia da sílaba, que, como por
fatalidade, à medida em que a fonética se tomava mais precisa e mais aguçada
entre as nuances da escola inglesa e norueguesa dos Bell, dos Ellis, dos
Sweet e dos Storm, ela esquecia, ainda mais absolutamente, de dirigir sua
atenção às condições da justaposição dos fonemas na palavra, ou seja, às
condições naturais e intransponíveis da sílaba.
210 Outros Escritos de Lingüística Geral

2® Desde o instante em que se viu que não era apenas i (ü) u, mas tam­
bém r l m n que gozavam da faculdade de ser indiferentemente vogais ou
consoantes, ouvimos vários cantos de triunfo sobre esse resultado; mas ja­
mais conhecemos [ ]
3305.3 estabelecemos, se esse ponto tem necessidade de ser especifi­
cado pela Fonología, o que se entende pelo termo Lautphysiologie, estudo da
fonação, ñsiologia da fala; o nome pouco importa, contanto que se mante­
nha sempre distinto do nome da. fonética, que representa uma parte da lin­
güística, tanto mais aquela, entre suas partes, que implica, mais absoluta­
mente, o dado histórico. Enquanto a fonología, ciência útil aos lingüistas,
não faz parte da lingüística e nem, geralmente, da ordem das considerações
históricas, mas é, além disso, tão incompatível [ ]
(1) Trata-se, ainda, de saber se elas têm um interesse próprio. O interes­
se das coisas fonológicas deve ser medido de acordo com a língua e com seu
papel na língua? Neste caso, uma apreciação sensata do que é a língua mos­
tra que há apenas um interesse muito limitado em conhecer os valores ab­
solutos que nela se encontram, desde que essa oposição (diferença) de valo­
res, seja ela qual for, seja escrupulosamente observada [ ]
3305.4 Seria, de mais a mais, uma questão extensa, que não queremos
abordar, saber se elas têm, em si mesmas, tanto interesse quanto se pensa.
O interesse das coisas fonológicas se mede conforme a língua e o seu papel
na língua? Caso a resposta seja positiva, uma apreciação sensata do que é o
mecanismo de uma língua revela que há apenas uma importância muito limita­
da em conhecer os valores absolutos que nela se encontram, contanto que
sua oposição — que não significa, aqui, sua diferença, mas apenas sua iden­
tidade ou não-identidade, ou, em definitivo, seu número — se ache rigoro­
samente observada. A suposição contrária equivale a não levar em conta as
condições fundamentais da coisa significada e do signo, regrando a lingua­
gem falada como qualquer outro sistema de signos. E verdade que negligen­
ciamos, aqui, a transformação do signo no tempo (fonético), que constitui o
segundo aspecto da linguagem e que pede uma certa precisão nos valores ab­
solutos. Esse será sempre, com efeito, o pretexto para levar ao exagero as
distinções de espécies, indiferentes para um estado de língua, sendo impor­
tantes apenas por aquilo que daí resulta. Mas, entrando sem reserva na
segunda ordem de idéias, devemos constatar que três quartos das transfor­
mações são regidos muito mais por coisas comuns, pela situação dos elemen­
tos em quaisquer quadros naturais, como a sílaba, dos quais não podem
escapar, do que pela diversidade idiomática desses elementos. Assim, não
vemos, sob nenhum ponto de vista, qual é a utilidade especial, para a lin­
güística, de levar os fonologistas a uma distinção cada vez mais sutil das
Antigos Documentos 211

espécies, como se daí ela pudesse esperar uma luz, ou como se isso atendes­
se às suas necessidades.
Abertura. Cada espécie é caracterizada por um certo grau de fecha­
mento (bucal) que é, por exemplo, maior em um P no que em um R e maior
em um R do que em um U. Resulta daí que uma das principais coisas que se
estabelece, ao se indicar a qualidade de alguns fonemas sucessivos (exem­
plo qualquer: keirp-), são os níveis ou estágios de fechamento entre os quais
deverá se mover a cadeia fonatória. [ ] amplitude [ ].
3305.6 Muitos alfabetos tiveram veleidades de aplicar, a outras espé­
cies que não I, U, o sistema racional que aplicamos apenas a /, 17. O alfabeto
zende possui duas letras distintas que valem n explosivo e n implosivo. A
letra lícia em que Deecke descobre o n soante nos dá a impressão de ser
simplesmente o n implosivo (soante ou consoante). O cuneiforme persa e o
silabário cipriota distinguem (pelo menos negativamente) o n explosivo do
outro, marcando o primeiro por uma letra e deixando o outro sem expres­
são. E timidamente que comemoramos o dêvanãgari, dadas as questões his­
tóricas que podem mudar o sentido de muitos fatos. Mas é digno de obser­
vação que o r explosivo seja, aí, constantemente distinto do r implosivo. O
erro perdoável dessa escrita é apenas o de admitir um terceiro signo para o
r implosivo soante. Nós examinamos uma multidão de outros fatos, que ten­
dem a mostrar que não há nenhuma escrita, antiga ou recente, que não
tenha tido, em seus momentos, a intuição de uma distinção a ser feita entre
0 som explosivo e o implosivo.
3305.7 230 ^ impressão acústica é definível? Ela não é mais definível do
que a sensação visual do vermelho ou do azul, que é psíquica e completa­
mente independente do fato de o vermelho depender de 72.000 vibrações
que penetram no olho, ou seja qual for esse número. Mas ela é segura e
clara? Perfeitamente segura e clara, não precisa de nenhuma ajuda. Para
diferenciar as letras de seu inimitável alfabeto, vocês acham que os gregos
se puseram a estudar? Não. Eles simplesmente sentiram que l era uma im­
pressão acústica diferente de r, e r diferente de s, etc.
14®Mas há, aparentemente, um obstáculo à separação: a língua compor­
ta um lado voluntário, e não passivo, pelo qual fazemos funcionar nossos
órgãos a todo momento em função da língua. Na mesma medida em que
ouvimos, nós falamos. Sim, Senhores, sem dúvida, mas sempre a partir da
impressão acústica, não apenas recebida, mas recebida em nosso espírito e
soberana para decidir o que executamos. É ela que dirige tudo e basta
considerá-la para saber que será executada, mas eu repito que isso é neces­
sário para que haja aí uma determinada unidade a executar. (Bem entendi­
do, isso corresponde ao fato acima de tudo social da língua.)
212 Outros Escritos de Lingüística Geral

Em lugar de

Pk<3Kli\^
[Vamos ter]

O ato fonatório aparece como um instrumento necessário mas tão pou­


co essencial, em si mesmo, quanto, no caso dos sinais marítimos, o ato do
tingidor que preparou as bandeiras para dar a impressão do verde, do ver­
melho, do preto, etc. Eu estudei um pouco a teoria fisiológica. Pois bem,
nada me persuadiu tão completamente da validade única da forma acústica
das unidades fonatórias, à qual eu não tinha dado atenção.
13. A melhor prova de que a impressão acústica, por si só, tem um valor,
é o fato de ser impossível, aos próprios fisiologistas, distinguir unidades no
mecanismo da voz sem as unidades previamente fornecidas pela sensação
acústica. O que faz um fisiologista ao explicar os movimentos para o b? Ele
começa por estabelecer uma base na unidade que produz o b em seu ouvido.
De outro modo, ele faria um trabalho inútil, ou nem mesmo podería falar de
um b. Ao considerar uma seqüência de movimentos, ele jamais sabería se
está em b, fora de b ou onde está; os movimentos seriam destituídos de
sentido e de definição se não houvesse um limite, que nada mais é do que a
impressão acústica b. Assim é com qualquer coisa: a sílaba pode repousar ou
deve repousar sobre bases fisiológicas, mas o problema é descobrir em que
uma impressão acústica, como a da sílaba, corresponde a tais ou tais fatos
fisiológicos. Esses fatos fisiológicos, em si mesmos, seriam incapazes de
encontrar uma ordem e uma limitação. É a sensação acústica que diz que
há, aqui, uma unidade como a sílaba, ou que não há, ou que há, ali, uma
unidade como o b, que é diferente, por exemplo, do a, ou que não há.
3305.8 ingenuidade querer edificar uma fonología sobre a suposição
de que o fato fisiológico é a causa da qual as figuras acústicas são o efeito;
porque, se isso é verdade fisicamente, é claro também, em certo sentido,
que são as figuras acústicas, a serem produzidas, a causa permanente de
todos os movimentos fisiológicos executados. Não se deve lutar contra a
Amigos Documentos 213

primeira verdade e tampouco contra a segunda; elas têm a mesma força e


desafiam qualquer tentativa de descartar urna delas. Só resta reconhecer a
sua solidariedade e ver que essa solidariedade é a própria base do fato
FONATÓRIO, aquilo que permite distingui-lo, seja do fato fisiológico seja
do fato acústico. Nós reconhecemos, assim, que o fato fonatório não come­
ça nem na ordem acústica e nem na ordem fisiológica, mas representa, em
sua natureza mais essencial, um equilíbrio entre as duas, constituindo uma
ordem própria, que pede suas próprias leis e suas pi'óprias unidades''^
(1) A idéia de que uma tal concepção tenha alguma coisa de bizarro
mostraria simplesmente, se viesse de um lingüista, que esse lingüista ja­
mais refletiu sobre uma outra coisa que lhe interessa mais diretamente:
conhecer a natureza de um fato lingüístico. Assim como o fato fonológico
(que, por outro lado, não é lingüístico em nenhum grau) repousa, o tempo
inteiro, sobre a balança.
Em vez de falar de causas e efeitos, o que supõe partir de uma de duas
ordens, falemos de equivalencias no tempo e tudo se expressará. A unidade
fonatória é uma DIVISÃO DO TEMPO marcada, simultaneamente, p>or um
fato fisiológico e por um fato acústico que se correspondam, de maneira
que, assim que se introduz uma divisão baseada no ouvido puro, ou no
movimento muscular puro, deixa-se o terreno fonatório.
2“ Uma notação qualquer, como rp, pretende, então, incluir duas coisas e
excluir uma terceira. O que se quer incluir são, ao mesmo tempo, as figuras
acústicas rp e os movimentos fisiológicos rp, a tal ponto inseparáveis na
unidade fonatória que não passa pelo espírito de nenhum fonologista separá-
los em duas letras, mesmo se esse fonologista for ousado o bastante para
passar, na mesma frase, da unidade fisiológica à unidade acústica e à unida­
de fonatória. Saber se rp representa um mais do que o outro é absolutamen­
te impossível e, de resto, inútil: ele representa o esquema fonatório que im­
plica um e outro. Coisa tão verdadeira que não passou pelo espírito de ne­
nhum fonologista separar graficamente os acustemas rp dos mecanemas rp,
embora seja essa a condição primordial de qualquer teoria que despreze a
unidade fonatória para entrar na teoria dos efeitos. A única diferença é que
a relação pela qual, em lingüistica, o som provoca a idéia, ou reciprocamen­
te, é uma relação arbitrária na origem, ao passo que a ligação do movimento
fisiológico com o som, de que se ocupa a fonología, é sempre regida por
uma lei física. Mas a comparação, apesar dessa circunstância, continua sen­
do absolutamente justa.
Na concepção que constantemente nos guia, o que é fonatório se
opõe tanto ao que é só mecânico quanto ao que é só acústico. E a correspon­
dência [de um mecanema e de um acustema]
214 Outros Escritos de Lingüística Geral

Se, aos nossos olhos, essa é a única coisa possível da fonología, seria
preciso uma dose de ingenuidade para não ver implicitamente [ ]
Nem os sons nem as idéias são objetos lingüísticos. O erro que atrapa­
lhará toda a fonología dos grupos é não saber em que ordem de idéias base­
ar as unidades, ou se há uma ordem fixa de idéias.
Há uma única ordem de idéias [ ]. Duas seções fonatórias consecu­
tivas, destacadas da cadeia sonora, representam, forçosamente, uma destas
quatro combinações: implosão + explosão, explosão + implosão, implosão
+ implosão, explosão -I- explosão.
3305.10 5g assim se desejar, tudo é mecânica em fonología, mas em que
sentido não pode haver aí senão uma “mecânica” com dois fonemas, nunca
com um, é isso que tentamos explicar em outro capítulo, que é a própria
base da idéia do fato fonatório. Assim, o que é comum, constante, essencial
e irredutível na fonação, são algumas leis que presidem a disposição dos
fonemas, porque estas variam de uma maneira [ ], enquanto que os
fonemas, no que lhes compete, variam de uma maneira ilimitada, de uma
língua para outra, o lado acidental e local da fonação. Mas, se é permitido
perguntar, o que se espera desta análise? E isso não apenas [ ]. Parece
que seria pela dissecçâo cada vez mais forte dos fonemas [ ]

3305,11
0 grupo implosivo-explosivo

Não há condição restritiva que limite a possibilidade de compor esse


grupo ad libüum, quando o primeiro é implosivo, ou seja, colocado como
tipo nd (assim pa]nd[o), [onde] o primeiro momento [é] implosivo, é possí­
vel intercambiar todas as espécies sem nunca chegar a um ponto em que o
caráter do grupo mude por causa da espécie.
Por isso, vemos que todas as questões de possibilidade (de impossibili­
dade), que são 0 fundamento da fonologia combinatória, fariam bem, num
sistema, em adotar não a forma da regra que, admitindo um ponto de parti­
da dado, parece implicar que, ultrapassados seus limites, vai-se parar, por
força do mesmo dado, em outro caso determinado, mas a da equação algé­
brica que, fora do equilíbrio de certos termos, ignora o que pode acontecer
se estes forem esquecidos. Seria preciso, para conseguir [ ]

3305.12
Implosão + implosão. — Explosão + explosão

Não se pode, em oposição aos casos precedentes, juntar dois fonemas


tomados ao acaso em grupo contínuo, se esses dois fonemas correm no
mesmo sentido articulatório, isto é, se os forçamos a ser, todos os dois,
Antigos Documentos 215

implosivos (ou todos os dois explosivos). Pode-se apenas juntá-los em cer­


tas [ ]
2. Os grupos contínuos (realizáveis apenas nos limites indicados) que
se compõem de implosão -I- implosão [ ].
(1) Apenas expressões, como aquelas a que estamos aqui reduzidos,
deixam, por assim dizer, tocar com o dedo esse fato patente, impossível de
ocultar, de que toda verdade fonológica tem por expressão natural a equação,
não a regra. De onde se tiraria, eu pergunto, a base de uma regra? ou seja,
essa idéia singular de que seria possível, através de casos fonológicos, en­
xergar uma certa condição que determinaria a relação dos outros, primeiro
em um só caso, em seguida, com mais motivo, em muitos? Se a observação
é falsa, que se tente, para determinar a segunda parte dos termos, encontrar
a condição, ou o plexo qualquer de condições, que possa ser considerada
um dado natural.

3305.13
O grupo

Já que os dois momentos considerados pertencem à mesma forma


articulatoria (explosão + explosão, ou implosão + implosão), [ ].
2. Chegamos a uma das dificuldades, que para nós é a dificuldade
central de toda a fonologia combinatória, desde que esta queira ser sistemá­
tica e não uma coleção de observações sem [ ]
Se é absolutamente claro que um grupo não pode ser determinado por
nós se, de antemão, seus elementos não o são, é certo, de outro lado, que
[ ]
Um grupo que é dado, isto é, cujos elementos foram dados, pode ainda
se pronunciar de duas maneiras: contínua e descontínua, o que não depende
mais da natureza dos componentes, mas da maneira de juntá-los. Observe­
mos que a maneira descontínua não consiste na interposição de um silên­
cio. Isso eliminaria a dificuldade, já que não haveria mais grupo (ver mais
acima). Ela está, como se deve reconhecer, no limite além do qual se acaba
diante do fonema isolado e sem seqüência.
A diferença de que falamos é a que se ergue, por exemplo, entre ai e aí
(alemão Hain, francês mais). Uma dessas palavras faz ver a maneira
descontínua, a outra a maneira contínua de pronunciar os dois mesmos
elementos (a implosivo + í implosivo). Este caso particular diz respeito ao
grupo implosão + implosão, mas se aplica a qualquer outro: assim, com as
duas explosões iniciais encontradas em plus, no francês, eu posso formar
um grupo contínuo, como o que ouvimos regularmente nessa palavra, ou,
igualmente, um grupo descontínuo, que dá a impressão vaga de pjus, sen­
do, no entanto, p explosivo + I explosivo.
216 Outros Escritos de Lingüística Geral

Acontece a mesma coisa para [ ]


Como a classificação de grupos em contínuos e descontínuos, realizá­
veis com os mesmos elementos, nada nos revela sobre o fundamento dessa
diferença, nós não pretendemos negar que essa é uma grave lacuna que
deixamos para trás ao continuar nosso caminho.
Mesmo que só se lidasse, na prática, com grupos contínuos (o que não
está muito longe da verdade) [ ]
Mas cada um desses meios [ ]
O grupo explosivo-implosivo rompido. Para se ter uma idéia: tomar um
grupo inicial kha-; suprimir o elemento intermediário h (que é, para nós,
assimilável a um silêncio).
Para indicar melhor ainda [ ], observemos que em [ ], quando
[ ]
Nota: Lado articulatório da fonação não significa, para nós, lado fisioló­
gico por oposição a seu lado acústico. Mas = o lado que (seja no fato acús­
tico, seja no fato mecânico) é regido pelos movimentos bucais, por oposição
às outras partes, seja [ ], que [ ]
3305.15 p jjm grupo só pode ser completamente determinado se, antes,
seus elementos o são, estes não serão completamente determinados quan­
do se conhece [ ]
Em troca, tomar dois elementos como m -t- r, de que só se conhecerá a
espécie fonética (até o fim), e buscar com isso o que eles [ ], não é uma
forma de problema [ ]
Pode-se, então, supor dois momentos fonatórios conhecidos quanto à es­
pécie, como m -I- r, e examinar, em seguida, o que eles comportam quando se
faz variar, de todas as maneiras, a forma articulatória (m + r, rh + r, m + f,
m-t-f). Depois, passar a m + n, e assim por diante.
Ou igualmente: supor os dois momentos conhecidos em sua forma
articulatória, por exemplo x + x,e procurar o que o grupo assim caracterizado
comporta quando se intercambia as espécies: n -I- ú, g + p, í + r, r + i, etc.
Depois, passar a . - I - e assim [por diante]. Maneira de proceder preferível.
2. Infelizmente, se é verdade que um grupo só pode ser definido quando
se começa por determiná-lo em seus elementos, não é menos certo que essa
determinação não basta.
Resta uma porta aberta às variações: está no modo de juntura dos dois
elementos qualquer dificuldade que se tenha para fixar cada um deles.
1. A única condição para que haja grupo, no sentido que queremos dar a
essa palavra, é não haver silêncio entre os dois elementos fonatórios pro­
postos. Sem interposição de silêncio (o que suprimiría o “grupo”), e sem
[ ]
Antigos Documentos 217

3305.16(1) Mecanicamente. Só se obtém o grupo fonatório implosivo-explo-


sivo ao preço de algum movimento mudo.
São excetuados, não apenas aqui mas de uma vez por todas, os casos
favorecidos por circunstâncias excepcionais, como homorgania dos dois ele­
mentos: m + b, l + t, etc. O movimento mudo, que o grupo implosivo-
explosivo exige, é de forma DIVERSA, conforme a natureza dos elementos,
e não insistimos nisso, tendo o caso servido de exemplo mais acima. Quan­
do os dois elementos são, como gf, de abertura decrescente (ver mais abai­
xo), o movimento mudo será sempre o movimento de abrir do primeiro
elemento.
Assim é, mesmo quando são de abertura crescente dentro de certos li­
mites, como f g. Mas chega um ponto em que o movimento [ ]
FONATÓRIO, mecânico, acústico. Os movimentos mudos (“descober­
tos" e "cobertos”).
Como o sujeito falante nunca se propõe a executar “movimentos”, mas
movimentos impostos por uma série fixa de sons a realizar, resulta daí que
uma fonología que se imagine capaz de extrair da observação o princípio de
suas unidades, de suas distinções e de suas combinações, não chega a nada
e não é uma fonología.
Consideremos [ ]
No caso de apa, trata-se de um movimento mudo que se colixa entre os
dois momentos fonatórios, no de arka, de um movimento mudo que dissi­
mula sua presença durante a duração do momento fonatório k explosivo e
por ele encoberto.
Isso basta para mostrar [ ] quão diversos são [ ] se a fonología
tivesse, como uma de suas tarefas principais, saber como e por quais artifl-
cios se obtém, em cada ocasião [ ]
Mas [ ]
Não apenas [ ]
(1) Mecanicamente. No grupo explosivo-explosivo, quaisquer que se­
jam os fonemas, o movimento mudo consiste em um movimento de fechar,
se produz ao abrigo do PRIMEIRO momento e consiste em um movimento
preparatório ao segundo momento. A sanção, ou seja, o que vai acontecer
caso se negligencie o movimento mudo, mesmo tendo a intenção de pronunciar
duas explosões [ ]
(1) Mecanicamente. O grupo explosivo-implosivo se coloca à parte de
todos os outros, do ponto de vista de sua composição mecânica. Ele é o
único em que os dois momentos fonatórios correspondem quase que dire­
tamente a dois momentos mecânicos simples: uma abertura = explosão +
um fechamento = implosão, sem complicação de movimentos mudos, salvo
uma ligeira preparação ao fechamento durante a explosão, sem o que, é
218 Outros Escritos de Lingüística Geral

preciso reconhecer, o grupo ficaria, por exemplo gr, explosivo-implosivo


em hiatos, em vez de ser sem hiatos. E pelas mesmas razões que, nesse
grupo, não há mais uma situação particular para as espécies homorgânicas;
que, por exemplo, mesmo que fosse composto de uma espécie idêntica n -t-
n, o grupo não ofereceria detalhes mecânicos mais interessantes à observa­
ção do que se fosse g -H n ou ?• -I- m; o que não aconteceria com nenhum
outro grupo.
3305.17 movimento mudo é, ou bem resolutorio de uma posição,
tomada para conduzir um certo instante fonatório e que deve, em seguida,
se anular no silêncio porque o novo instante fonatório exclui [ ],
ou então preparatório da posição a tomar.
Nos dois casos, o movimento mudo só tem, como fonte de existência e
motivo para consideração, as realidades fonatórias a serem produzidas: es­
tas são, então, a base [ ]
1“ Um movimento mudo [ ]
Ele não afeta a composição do grupo fonatório e a idéia de fazer dos
movimentos a base equivale a saber sobre o que se pensa que a fonología em
geral se baseia. Sobre os movimentos ou sobre os movimentos representa­
dos por um equivalente acústico?
3305.18 Considerando um grupo rk (como em arkd), constata-se que esse
grupo não pode se realizar sem o movimento de abertura de r, que
a) se executará durante a duração do movimento 2 (fe), e que
b) é apenas uma conseqüência involuntária do momento 1 intencional (r
implosivo), mesmo que a esse momento passado deva se seguir [ ]
Qual é 0 valor [ ]?
3305.19 Qg procedimentos empregados para realizar um grupo podem se
resumir à idéia de “movimentos mudos”, porque os movimentos audíveis
são, naturalmente [ ]
P Ao fixar um grupo, por exemplo áp (apa), leva-se em conta todos os
movimentos audíveis. (Não que se pretenda, no caso de áp, designar mais
os movimentos do que as figuras acústicas a e p). A ordem fonatória tem,
justamente, a particularidade de não ser jamais menos acústica do que me­
cânica, nem mais acústica do que mecânica. É uma ordem compósita distin­
ta das duas ordens, que consideramos com relação a ela. Mas os movimen­
tos relativos [ ].
330520 QpajjjQ grupo é fixado pelo nosso método, os elementos audí­
veis e também os inaudíveis são conhecidos diretamente ou, pelo menos, se
tem uma base para classificar estes últimos. É simples perceber que o movi­
mento não efetivo (não percebido) que se produz na fala é um acessório das
unidades efetivas que se realizam a cada momento; sem o que falaríamos
para produzir movimentos musculares e não para produzir sons. Por conse­
guinte, determina-se os movimentos não efetivos quando se consegue re-
Amigos Documentos 219

presentar os efetivos, ou equivalentes a cada unidade audível. Além disso,


não há outro meio para estudar esses movimentos, visto que, em um proble­
ma, é preciso saber, antes de tudo, o que se quer pronunciar e também que
o que se quer pronunciar é representado por movimentos efetivos. Em ter­
ceiro lugar, não há interesse final em estudar esse movimento escondido se
não é, agora e sempre, para chegar ao grupo audível. Por todas essas razões,
não apenas consideramos legítimo classificar todos os grupos pelo puro
movimento audível, mas consideraríamos falso e absolutamente impraticá­
vel um sistema que estabelecesse suas divisões pelo movimento em si.
3303.21 trocaria várias centenas de observações sobre a maneira pela
qual se pronuncia o s em Java ou o r em Paris por uma única observação
sobre a mecânica dos fonemas e as formas que ela é obrigada a seguir. Mas,
o que ela espera dessa análise? Para onde ela quer conduzir a lingüística e
onde ela mesma quer chegar [ ]?

15a [Que tipo de entidades tem-se diante de si


em lingüística?]
3325
Que tipo de entidades tem-se diante de si em lingüistica?

Ler Semântica de Bréal, pp. 29-35, por exemplo; chega um momento em


que se vê, por um lado, que nada fica, no espírito, de tais ausführungen e, ao
mesmo tempo, que isso acontece porque é sempre questão do que se passa
entre os termos da linguagem, portanto, para continuar, seria preciso, an­
tes, saber o que eles são, aquilo que se considera que são, antes de falar dos
fenômenos entre os termos existentes.
Cf., todavia, pp. 40s.

15b [Reflexões sobre as entidades]


3326 20 Cómputo das causas que fazem da linguagem um objeto que fica
fora de qualquer comparação e não classificado, nem no espírito dos lingüis­
tas, nem no espírito dos filósofos.
Primeira causa: ausência de linguagens importantes que repousem so­
bre um outro instrumento, que não a voz, para produzir o signo.
Com isso, chegou-se a qualificar a linguagem falada de função do orga­
nismo humano, misturando, assim, sem volta, o que é relativo à voz e o que
é relativo apenas à tradução do pensamento por um signo, que pode ser
absolutamente qualquer um e comportar um aperfeiçoamento e uma gra­
mática de acordo com signos visuais ou táteis ou de acordo com signos não
menos convencionais que se escolherá na voz.
220 Outros Escritos de Lingüística Geral

[Anatomia e Fisiología]

Anatomia e fisiología

Existe algo que seja a análise anatômica da palavra? Não. Pela seguinte
razão: o anatomista separa, em um corpo organizado, partes que, feita abs­
tração da vida, são, entretanto, o fato da vida. Anatomicamente, o estômago é
uma coisa, como o era fisiológicamente durante a vida: isso é por que o
anatomista não passa a sua faca pelo meio do estômago, ele acompanha,
sempre, os contornos ditados e estabelecidos pela vida, que o conduzem em
torno do estômago e o impedem, ao mesmo tempo, de confundir com ele o
baço ou outra coisa... Tomemos agora a palavra destituída de vida (sua subs­
tância fônica): ela forma ainda um corpo organizado? A título nenhum, em
nenhum grau. Sendo, o princípio central, que a relação do sentido com o
soma é arbitrária, fatalmente acontece que o que era, num momento, áreo-
Seix-Toç, não passa de uma massa amorfa a + p + o + d + e + ....
Para inserir em outra parte: no caso de soma, eu faço ainda uma distin­
ção, porque um oéòpa, embora morto, evoca o órgão.
Em primeiro lugar o sema? — O soma. E é preciso essa deselegância
abundante, profunda, voluntária do termo para que se suprima, enfim, todo
caminho para a paronimia perpétua que cria, no discurso, o equívoco [ ]
E eu ainda não estou persuadido de que, se soma for aceito, não se vai
encontrar soma logo em seguida, com o duplo sentido de palavra. Com to­
dos os vícios indeléveis agregados ao primeiro. —
A razão é simplesmente a vida; uma palavra só vive [ ], e é na vida
geral, unicamente por causa de [ ]
Ora, essa razão é tão poderosa que chega a ser uma tarefa impossível
buscar termos que estab-eleçam a separação do que é forma ou sentido, eu
me refiro a termos que valham absolutamente e que não nos façam de bo­
bos na primeira curva do caminho. Como esses termos serão sempre toma­
dos de empréstimo à dissecção do corpo vivo [ ]

17 [Notas sobre Programa e métodos da lingüística


teórica de Albert Sechehaye, 1908]
Toda tentativa que se apóia sobre os fundamentos da linguagem,
quando é acompanhada do cuidado de um método conseqüente e, ao mes­
mo tempo, de um conhecimento aprofundado de línguas, merece, de ante­
mão, uma consideração bastante alta pois só pode ser o produto de uma
reflexão pessoal, considerável.
Não há, aqui, uma grande estrada traçada, onde se descobre, aqui e ali,
alguma ramificação, ou mesmo um atalho, que dê a direção principal a seguir.
Amigos Documentos 221

Ora no seio do movimento da lingüística indo-européia, ora ao largo


desse movimento, tentou-se explicar a verdadeira natureza dos objetos que
se manipula sob o nome de palavras, de sufixos, de prefixos, etc., — reconhe-
cendo-lhes não apenas urna existencia independente mas todos os atributos
do ser, índuindo a modificação através do tempo. Se eu passasse em revista
esses casos, desde Wilhelm de Humboldc até Hennann Paul e o psicólogo
Wundt, seria para dizer que estão todos repletos de materiais que poderiam
servir para construir o edificio, mas que nenhum chegou a traçar as bases
desse edificio. Alguns lingüistas mssos, notadamente Baudouin de Courtenay
e Kruszewski, estiveram mais perto do que ninguém de uma visão teórica
da língua, sem sair das considerações lingüísticas puras; eles são, por outro
lado, ignorados pelos sábios ocidentais em geral.
O americano Whitney, que eu reverencio, jamais disse uma única palavra
sobre os mesmos assuntos que não fosse correta, mas, como todos os ou­
tros, ele nem sonha que a língua tenha necessidade de uma sistemática.
Uma tentativa sistemática qualquer constitui, então, uma coisa que eu
ousaria chamar de nova e que denota imediatamente um esforço pessoal
muito independente e muito prolongado, possível apenas com a condição
de poder reunir conhecimentos linguísticos.
No caso de se querer ^ e r positivamente uma Psicoli^ia da Imguagm —
eu não determino aqui se é isso que Sechehaye realmente quis fezer —
parece ser muito necessário situar, ames, a lingüística perante outras ciên­
cias que lhe digam respeito; por exemplo. Linguística e ciências sociais. Lin­
guística e t ], para que se saiba em que medida a psicologia, por sua vez,
está implicada. Isso se torna duplamente necessário quando se coloca, como
Sechehaye, a lingüística como uma pura e simples ramificação (ou encaixe),
eu deixo, aqui, de lado [ ] da psicologia, individual ou coletiva. Neste
caso, pode-se pedir, ainda mais formalmente, que toda luz nos seja dada
para ver a filiação direta, sem qualquer interposição de limite, entre um
fenômeno preciso como o da linguagem e o do conjunto de fenômenos psi­
cológicos.
3330=184 fazer uma psicologia da linguagem, Sechehaye não deveria,
parece, se omitir de falar da localização cerebral de Broca e das observações
patológicas feitas sobre as diversas formas de afasia, que são do mais alto
interesse para julgar não apenas as relações da psicologia com [ ], mas,
o que tem um outro alcance, com a própria gramática. Eu menciono, por
exemplo, os casos de afasia em que falta toda a categoria de substantivos,
enquanto que as outras categorias, estabelecidas do mesmo ponto de vista
da lógica, continuam à disposição do sujeito.
3330=188 acrescento, entre parênteses, que nada confirma melhor nem
com mais seriedade do que esses fatos, o ponto de vista que, eu diria, con-
222 Outros Escritos de Linguística Geral

sidero correto, de acordo com outros dados. Se é verdade, como eu supu­


nha, deve-se voltar a dizer a priori, quando se sabe que a paralisia de uma
parte do cérebro afeta a linguagem, que
a) é a signologia inteira que deve ser atingida, ou seja, assim como [ ]
b) Com efeito
P vê-se, o tempo inteiro, à luz dos casos de afasia, que a faculdade de
proferir [sons] é uma coisa distinta da faculdade de evocar os signos de uma
linguagem regular, o que corresponde à nossa afirmação.
3330-185 29 Çqíjj pjI q menos capital e característica, os problemas da lin­
guagem oral são entremeados, de cem maneiras, com os ( ]
subdivisões naturais da lingüística, considerando todos os fenômenos
lingüísticos segundo sua etiologia psicoiógica. A etiologia se decompondo,
ao que se vê, em causas para as mudanças e em razões para os estados que
adquirem um equilíbrio, uma estabilidade, sem que o autor queira, entre­
tanto [ ]
Assim como para fazer [ ]. Bem antes da lingüística, todas as ciên­
cias sociais, pelo menos todas as que se ocupam do valor, são, elas também,
perfeitamente redutíveis, em última instância, à psicologia; o que não impe­
de que haja uma enorme linha de demarcação entre a psicologia geral e
essas ciências; e que cada uma delas precise de noções que a psicologia
geral, mesmo coletiva não fornece [ ]
Se as divulgações da pretensão lingüística de Max Müller não podem ser
consideradas vergonhosas, é porque toda a ciência da época de Max Müller
se limitava, efetivamente, a correr de um dos mil assuntos lingüísticos pos­
síveis para outro, do ponto de vista anedótico, e isso sem nenhum tipo de
noção ou de aspiração séria à constituição das bases científicas da lingüística.
Eu expus minhas críticas. Em suma, Sechehaye, tendo, com razão, acu­
sado Wundt de desconhecer o problema gramatical, acaba, ele mesmo, por
não ter dele uma idéia suficiente. Porque a única idéia suficiente seria supor
o fato gramatical em si mesmo, e naquilo que o distingue de qualquer outro
ato psicológico ou, ademais, lógico. Mais o autor se esforça para vencer o
que lhe parece ser uma barreira ilegítima entre a forma pensada e o pensa­
mento, mais ele parece se afastar de seu próprio objetivo, que seria fixar o
campo da expressão e conceber suas leis, não no que elas têm em comum
com nosso psiquismo em geral, mas no que elas têm, ao contrário, de espe­
cífico e de absolutamente único ao fenômeno da língua.
Faço questão de observar que isso não afeta em nada o valor que possa
ter a teoria dos encaixes que é, por assim dizer, tuna segunda tese de Sechehaye
sobre a classificação geral das ciências, paralela àquilo que forma a sua Psi­
cologia da língua.
Antigos Documentos 223

Eu devo repetir, antes de mais nada, que o encaixe, correto ou não, na


Psicologia [ ]

18 [Notas diversas não classificáveis]


' alternância, logo, diferentes formas — raiz considerada, ao mesmo
tempo, em (pép-(o <póp-oç amplitude e clareza — couloir-vouloir — condição
fonética. [ ] esquema colocado em abstrato. Mas resta o fato certa­
mente notável de que a correspondência bhar [ ] foi percebida mesmo
antes de qualquer teoria relativa ao valor do a sánscrito. Esse fato, que se
tinha visto e afirmado desde o primeiro dia, bem antes de qualquer teoria
sobre o valor do o sánscrito, a relação entre bhar-, bhãray e <pep-, <pope conti­
nua ainda mais notável. Pode-se dizer que ele deveria conduzir só a ele [ ]
1“ A coluna B-B’. Sua INDEPENDÊNCIA diante da outra.
A primeira garantia indispensável para estabelecer essa independência é
que o gênero de fatos a que corresponde essa coluna não se encaixa numa
das categorias já compreendidas em cada sílaba sob o nome de fonismo
(coluna A-A’).
Mas é preciso, além disso, ter a certeza de que essa ordem de fatos,
mesmo sendo coordenada, não depende, já que é ainda nova para nós por
uma ligação fundamental, da coluna A-A’. Ora, dois gêneros de relação po­
dem ser imaginados.
2- A coluna B-B’. Sua ligação.
3- A coluna B-B’. Sua desigualdade única.
4- A coluna B-B’ e as três questões que nela se [ ]
5“ A coluna B-B’ e a forma das três questões.
Operações inadmissíveis (primeiro grau). Operar partindo da coluna A-A’,
mesmo distinguindo as duas colunas.
Se, mesmo distinguindo escrupulosamente a coluna A-A’ da coluna B-
B’, alguém tentasse partir da coluna A-A’ para explicar a articulação, estaria
já, conforme o que precede, sobre um terreno absolutamente injustificável.
Leis do fim da palavra. 1. Ordem atual = Acontecimento do passado.

19 [Semiologia]
****■’ Discutiu-se para stdaer se a lingüística pertencería à ordem das ci­
ências naturais ou das ciências históricas. Ela não pertence a nenhuma das
duas, mas a um compartimento de dêncías que, se não existe, deveria exis­
tir sob o nome de semiología, ou seja, ciência dos signos ou estudo do que se
produz quando o homem procura exprimir seu pensamento por meio de
uma convenção necessária. Entre todos os sistemas semiológicos, o sistema
224 Outros Escritos de Linguística Geral

semiológico "língua” é o único (com a escrita, de que falaremos oportuna­


mente) que passou pela prova de se ver em presença do Tempo, que não se
constrói apenas, dc um vizinho para o outro, por consentimento mútuo,
mas também de pai para filho, por tradição imperativa e á merci do que acon­
tece naquela tradição, (coisa, à exceção deste caso, não experimentada, não
conhecida nem descrita). Esse fato, o primeiro que poderla despertar o inte­
resse do filósofo, continua ignorado pelos filósofos; nenhum deles ensina o
que se passa na transmissão de uma semiología. E esse mesmo fato, em
troca, chama a tal ponto a atenção dos lingüistas que eles acabam achando
que sua ciência é histórica ou eminentemente histórica, sendo que é apenas
sejíiioMgíCfl; o que a inclui, de antemão, na psicologia, com a condição de que
esta veja, por sua vez, que cem, na língua, um objeto que se estende através
do tempo e que a força a sair absolutamente de suas especulações sobre o
signo momentâneo e sobre a idéia momentânea.
3342.2 p lingüística, diferentes pontos de vista que se pode
usar à vontade, mas dois pontos de vista inevitáveis, que resultam do pró­
prio objeto (sincrónico e metacrônico).
2- Para o fato lingüístico, elemento e característica são eternamente a mes­
ma coisa. E próprio da língua, como de todo sistema semiológico, não admi­
tir nenhuma diferença entre o que distingue uma coisa e o que a constitui
(porque as “coisas" de que se fala aqui são signos, que não têm outra mis­
são, essência, além do fato de serem distintos).
3® Todo fato lingüístico consiste em uma relação, e consiste em nada
mais do que em uma relação.
4- Todo fato lingüístico supõe dois termos, que podem ser sucessivos ou
sincrónicos.
5® Não há nenhum substrato às entidades lingüísticas; elas têm a pro­
priedade de existir graças à sua diferença, sem que o pronome elas chegue,
onde quer que seja, a designar senão uma diferença.
6®Nenhuma lei que se move entre termos contemporâneos tem sentido
obrigatório. Um fragmento qualquer de língua, arrancado e suprimido à
massa viva de um idioma (sendo então, ao contrário de tudo o que se mani­
pula em lingüística, não determinado de antemão por um ponto de vista
primeiro, tão subentendido e ai'bicrário quanto todos os seguintes), um frag­
mento de língua assim considerado, com a mais completa indiferença pri­
meira: P não tem uma certa existência única, 2° não tem um número ilimi­
tado de maneiras de existir, à vontade de cada um. Mas tem exatamente três
maneiras de existir:
A) É alguma coisa PANCRONICAMENTE,
B) É alguma coisa IDIOSSINCRONICAMENTE,
C) É alguma coisa DIACRONICAMENTE.
E não é absolutamente nada mais, salvo as divisões que por [ ]
Antigos Documentos 225

1®Não existe nada que seja Z, nem mesmo em ficção. Não existe ne­
nhum objeto central que permita ligar z-palavra e z, nem, ademais, nenhu­
ma idéia central, seja ela artificialmente elaborada, de maneira a criar, para
0 espírito, uma única massa dessas duas coisas. E exatamente como tentar
dizer que existe uma idéia central e comum entre o VERMELHO, fato dado,
e o vermelho (mesmo fato) que serve para distinguir, em um regimento, os
homens de um certo batalhão ou os homens de um certo grau. Nós nos
detemos na fórmula:

z // z X

Sendo, um certo elemento da palavra, designado por z, as coisas de que


se ocupa a gramática são representadas exclusivamente por z/PALAVRA.
Elas não são, jamais, representadas por z.
Quem declara que vai estudar Z, estudará, então, z em si mesmo (ou
então não estudará nada). Além disso, depois de ter estudado z de todas as
maneiras, ele não terá ainda começado, absolutamente, a se ocupar de coi­

sas gramaticais. Ele se ocupará de coisas gramaticais se estudar


PALAVRA
Será que ele quer, então, provar que z e pertencem a um
PALAVRA

mesmo estudo ideal, que seria Z, e que, mesmo ao preço de algum artificio
de pensamento, nós concordemos com ele? E aqui que opomos a denegação
mais absoluta à sua tese, negando essencialmente que haja um objeto geral z.
33423 ^ primeira característica universal da linguagem é viver por meio
de diferenças e só de diferenças, sem nenhuma mitigação, como a que deriva­
ria da introdução de um termo positivo qualquer em um momento qual­
quer. Todavia, a segunda característica é que o jogo dessas diferenças é, a
cada momento, excessivamente restrito, comparativamente ao que podería
ser. Trinta ou quarenta elementos
(1) Com isso, queremos dizer exclusivamente: “a soma de diferenças que
se pode obter por meio de trinta ou quarenta elementos”. Esses elementos
não podem valer por si mesmos: é esse o axioma.
Trinta ou quarenta elementos são suficientes, salvo grande exceção. Ora,
nada do que excede esses trinta ou quarenta elementos tem interesse para a
linguagem. Por conseguinte [ ].
3342.4 contrários a que se atribui uma série de idéias inevitáveis, inde­
pendentemente de sua oposição. Assim, se eu falo do direito e do avesso de
226 Outros Escritos de Linguística Geral

uma roupa, há imediatamente, em torno da idéia de avesso, a idéia de algu­


ma coisa contrária à expectativa, de sorte que avesso deixa de ser, literal­
mente, o simples co-respectivo de direito. Se eu falo, em contrapartida, de
rosto e verso de uma página, esses são contrários que continuam perfeita-
mente co-respectivos um ao outro, visto que não existe, de antemão, ne­
nhuma característica que distinga, em especial, o rosto do verso ou vice
versa. A terminologia numismática procura, se não me engano, um [ ].
Eu tomo ao acaso: se um escritor, em algum lugar, em vez de velhice
diz senescencia, ele tem a certeza de que a palavra exerce imediatamente sua
ação, ou seja, que as centenas de associações, de idéias que ele queria afas­
tar são afastadas e que as centenas de associações que ele queria evocar ou
sugerir são evocadas e sugeridas. A palavra (senescencia ou outra) entra, por­
tanto, no vocabulário, parecendo, então, que alguma coisa foi criada. E, efe­
tivamente, uma coisa foi criada, porque a criação que vai do pensamento ao
signo é absolutamente indefinida. Apenas considerações [ ]. Se a lin­
güística fosse uma ciência organizada, como poderia facilmente ser, embora
não o seja até agora, uma de suas afirmações mais imediatas seria: a impossi­
bilidade de criar um sinônimo, como sendo a coisa mais absoluta e mais notá­
vel, que se impõe entre todas as questões relativas ao signo. A dificuldade
que se tem para observar o que é geral na língua, nos signos defala que consti­
tuem a linguagem, é o sentimento de que esses signos pertencem a uma ciên­
cia muito mais vasta do que a “ciência da linguagem”. Falou-se um pouco
prematuramente de uma ciência da linguagem. Era numa época em que nin­
guém, além de raros romanistas, poderia conhecer a idéia do que é A LÍN­
GUA, nem mesmo UMA língua em sua evolução, A primeira tentativa [ ]
3342.6 ^ palavra signologia não é, do ponto de vista de sua formação, mais
ofensiva do que terminologia, sociologia, mineralogía e outras palavras onde se
implantou -logia em um termo latino. Se o termo parece, sem razão, ter
alguma coisa de particular, é que, no estado artificial de nossa língua, há
muito tempo não se sabe se é para pronunciar gn como em signo ou como
signum, em latim: mas disso o autor é inocente, só a língua se pode culpar,
embora não se possa aplicar o nome língua, tão respeitado, a convenções
ortográficas destituídas de qualquer espécie de valor histórico ou lógico. É
possível, se assim se desejar, se apropriar academicamente do termo jurídi­
co cognat, pronunciado cog-ruit, para dizer, paralelamente, sig-nologia, o que
não tem a menor importância. Dos dois modos é apenas francês, já que
sabemos que nem o nosso n palatal e nem -gn- correspondem à pronúncia
verdadeiramente latina de gn. Opor à signologia a composição francesa -gue.
O nome signologia exige uma explicação. Eu já empreguei, antes, a pala­
vra semiologia. É com esse nome que Ad. Naville, em sua nova edição corrigida
da Classificação das ciências, prestou a essa ciência a honra de ser recebida
pela primeira vez no círculo [ ]
Antigos Documentos 227

Pelo fato de que nenhum elemento existe (ou por mil outras razões,
porque nós não pretendemos fazer uma espécie de sistema cartesiano de
coisas que são evidentes sob todos os aspectos), vê-se que nenhum elemen­
to está (com mais razão ainda) em estado de se transformar, podendo apenas
ser substituído por outra coisa, mesmo quando se trata de "fonética”, e que,
por isso, qualquer operação em geral e qualquer diferença das operações
reside na natureza das substituições que fazemos ao falar. Quem diz substitui­
ção começa por supor que o termo ao qual se dá um substituto tem uma
existência, etc.

20 [Acontecimento, estado, analogia]


^^^^'^Analogia

P Passividade ou 2^ 3®Atividade conforme a


receptividade [b.]. Coordenação coordenação concebida
Interpretação do signo, (Digestão) (criação no sentido de
0 que é uma atividade nova aplicação).
totalmente receptiva

É maravilhoso ver como, de qualquer modo que os acontecimentos


diacrônicos venham a perturbar, o instinto lingüístico se acomoda para tirar
disso o melhor proveito para uma [ ]. Isso lembra o formigueiro em que
se enfia uma vareta e que, no mesmo instante, tem seus danos reparados,
estou querendo dizer que a tendência ao sistema ou à ordem não se abate
jamais: por mais que se tire de uma língua o melhor de sua organização, no
dia seguinte os materiais restantes terão sofrido um arranjo lógico em um
sentido qualquer, e esse arranjo será capaz de funcionar no lugar do que se
perdeu, embora, às vezes, em um outro plano geral.
Há duas coisas a compreender. (Eu não direi mais nada além do que já
disse; vou, simplesmente, enunciar de um outro modo:) Os acontecimentos
de língua e os sistemas de língua. Nenhum sistema se alimenta de aconteci­
mentos, em qualquer medida que seja. Ele implica a idéia de uma estabili­
dade, de uma estática. Reciprocamente, nenhuma massa de acontecimentos,
tomada em sua ordem própria, constitui um sistema; quando muito se verá
aí uma certa derivação comum, mas que não encadeia, entre eles, aconteci­
mentos como um valor simples.
Um acontecimento da mesma natureza pode produzir, em tal caso,
uma mudança relativa, limitada e, no segundo, uma mudança absoluta, ili­
mitada, já que inaugura um novo estado de todos os termos. Isso depende
228 Outros Escritos de Lingüística Geral

simplesmente de saber se a diferença de quantidade produzida era a primei­


ra, conforme o que existia até então, ou não era a primeira. Isso não tem
relação alguma com a natureza do acontecimento. Toda a diferença, quando
se admite que ela vale a pena, não reside, então, no acontecimento
modificador, mas no gênero do estado que ele modifica. O acontecimento é
sempre particular quanto a ele. Um acontecimento semelhante, idêntico em
sua essência, terá, então, produzido uma mudança relativa e limitada, quan­
do se aplica a A, absoluta e ilimitada quando se aplica a B (visto que, no
último caso, ao criar [ ], ele inaugura, quer se queira ou não, um novo
estado de todos os termos). O acontecimento, parcial que é, desencadeia
conseqüências parciais em A, mas gerais em B, sendo que o essencial é
saber em que tipo de estado inicial ele se introduz. O mesmo acontecimen­
to particular (ou, melhor dizendo, parcial) desencadeia conseqüências que
podem ser gerais ou parciais, o que depende unicamente de saber o que é o
ponto de partida sobre o qual o acontecimento atua.

21 [Famílias de línguas]
1- questão: Línguas não redutíveis a um tipo comum.
Nas famílias “ocidentais” — indo-européia, semítica, ugro-finlandesa
— 0 parentesco ou não-parentesco de dois idiomas é uma coisa visível a
olho nu, bastando um exame superficial, a menos que a língua seja pouco
conhecida (ou fortemente misturada com elementos estrangeiros). Mesmo
depois de centenas de palavras terem sido levadas, pelo movimento fonéti­
co da língua, a uma forma irreconhecível, a massa geral guarda toda a pro­
babilidade de ser reconhecida à primeira olhadela. É que, com efeito, o tra­
balho de transformação fonética que se opera continuamente no seio de
qualquer língua, não importa qual, se mantém dentro de certos limites na­
turais. Por exemplo, na pior das hipóteses, um t acabará, talvez, ao longo de
muitas etapas, por produzir um l, mas um p tem uma chance igual a zero de
produzir um /, seja em que dialeto for, mesmo em quatro ou cinco mil anos.
Graças à fixidez dessas condições gerais, baseadas na própria conformação
do órgão humano, não é provável que um idioma, mesmo muito alterado,
chegue a nos despistar completamente a respeito de sua genealogia; ou en­
tão, 0 núcleo primitivo estaria submergido sob uma onda estrangeira, tão
poderosa que o idioma não teria mais o direito de se dizer indo-europeu,
semítico ou ugro-finlandês.
Agora, as três famílias citadas têm a vantagem de apresentar palavras de
um certo comprimento, o que dá às comparações uma segurança e uma
precisão consideráveis. E difícil, para mim, avaliar se as línguas monossi-
lábicas oferecem um ponto de apoio tão sólido. A mim, parece evidente que
Amigos Documentos 229

a mudança de um som, em um idioma monossilábico, deve ter consequên­


cias muito mais graves do que em nossos idiomas, em que esse som
corresponde apenas a um elemento, entre seis ou sete, da palavra: lá, ele
representa um elemento entre dois ou entre três. Isso seria um motivo para
sentir desánimo mais fácilmente diante da aparente irredutibilidade de ti­
pos como o anamita e o chinés. As condições da investigação são, eu acredi­
to, muito diferentes do que são para os tipos polissílabos.
2*^ questão: Método da investigação lingüistica. O método de pesquisa
depende, naturalmente, da idéta que se conseguiu fazer da vida da lingua­
gem. Quanto mais se conhece os fenômenos universais da linguagem, que
deveríam se reproduzir por toda parte, mais se sabe que caminho permite
atacar um idioma dado e recuperar seu passado restabelecendo o curso de
seus fenómenos. Esses fenômenos são de duas ordens: fonéticos e analógicos,
materiais e psicológicos.
1®Fenômeno fonético. Em uma língua qualquer, que seja observada pelo
espaço de um ou dois séculos, é quase certo, de antemão, que alguma coisa
será modificada, durante esse tempo, no conjunto de sons que a constitu­
em.
É, em segundo lugar, muito mais certo que cada uma das modificações
ocorridas terá seguido uma lei regular: por exemplo, se um $, em tal palavra,
se tornou z, todos os s situados em condições iguais às dessa palavra tam­
bém terão se tornado z. A mudança fonética se opera com uma regularidade
matemática e recebe muitas vezes, por essa razão, o nome de lei fonética.
Assim, em francês, c (ou seja k) seguido de a, tendo se tornado s (escrito
c/i) em Chat ~ lat. cattus, pode-se ter a certeza, de antemão, que acontecerá o
mesmo em todos os exemplos semelhantes, tendo-se, efetivamente chaud =
cal(i)dus. c/iaíne = catena, chant = cantus, diar = carras, chair = caro, cher =
carus, vache ~ vacca, mouche = musca, etc.

22 [Prefixos ou preposições]
A questão das preposições e prefixos germânicos é uma questão que
jamais foi tratada convenientemente, (que poderia ser o tema de um imen­
so trabalho, exigindo, todavia, conhecimentos de todo tipo).
Com efeito, esse tema se estende a cinco ou seis temas diferentes, sendo
que alguns são inexplorados até o presente.
I. Essa questão levanta a das preposições e prefixos indo-europeus. De
minha parte, eu suponho, a respeito de partículas como àjtó, èní que ser­
vem, atualmente, de prefixos e de preposições.
P (negativamente), que elas não serviram, em indo-europeu, NEM DE
PREFIXOS nem de PREPOSIÇÕES.
230 Outros Escritos de Lingüística Geral

2- positivamente, que elas constituíram uma undécima parte do discurso


desconhecido às nossas classificações, que chega, às vezes, a se reproduzir
nas línguas modernas e que passa absolutamente despercebido aos olhos
dos gramáticos ou dos lógicos.
Parte negativa: o indo-europeu disse apenas excepcionalmente ou, an­
tes, acidentalmente, *apo-eimi “vou embora”, mas jamais disse, em caso al­
gum, apo ekwõd “longe do cavalo”. Não apenas em sánscrito védico, mas
também em sánscrito clássico, uma partícula como apa não é jamais prepo­
sição; não se pode dizer apa açvãd, ocp’íinicov, pode-se dizer, a rigor, açvãd apa
e, neste caso, a partícula apa depende diretamente do verbo, o que recai no
caos capital que enfrentaremos agora mesmo.
Em todas as línguas filhas, continua-se a observar P, quanto a apo-eimi,
que uma tal composição é absolutamente recente, o que se comprova por
mil espécies de fatos, por exemplo, xai- à^opetco contra nav-fiYupiç,
2- quanto a apo ekwõd, que isso é igualmente histerogênico, e que ekwod
sozinho era encarregado, originariamente, de representar essa idéia.
Parte positiva: basta observar e fixar o papel de partículas como apa, ava,
upa, ni em sánscrito védico, para estabelecer seu papel indo-europeu, que
não é nem o de uma preposição nem o de um prefixo verbal.
Eu afirmo 3“ que não é também, como se acreditava, o de um advérbio
puro e simples, mas que constitui, eu repito, uma verdadeira undécima par­
te do discurso.

23 [Alternâncicis]
unidade e diversidade de sua — Mesma letra e letra modificada
unidade e diversidade no tempo — mesma seção horizontal ou
duas seções
diversidade de condições — subentendida com a repetição
(=pluralidade de formas em que da letra
se encontra o som)

A oposição fonética, uma coexistência dessas div[ersidades], é imagina­


da como um movimento entre duas formas (termos permutação, troca, etc.);
esse suposto movimento, por sua vez, é confundido com uma mudança fo­
nética ou lei fonética.
Essa confusão de ordem lógica traz, forçosamente, com ela, um anacro­
nismo (a substituição de uma única época por duas épocas que seria preciso
distinguir). Confusão de ordem histórica. — a se torna i quando desaparece
de uma sílaba não inicial. — taceo — conticeo. — Está errado. Ele não desapa-
Antigos Documentos 231

rece e não se modifica. — adamare — Concepção obscura, oblíqua, indefinível,


mas que é apenas muito [ ]

ve tu s ve teris taceo —> conticeo P taceo conticeo


2d en'^ T ^ t 2®taceo — conticeo
ve tu s ve tesis taceo contaceo taceo
3® taceo — conticeo
taceo — contaceo

Locuções que vêm da forma típica ou [ ]: nominativo, infinitivo, e


faz aplicar as leis fonéticas apenas a essas formas típicas. — Comble: se torna
0. — wermen, warmta. — Umlaut no duplo sentido de divergência, que depen­
de do umlaut e da lei fonética do umlaut.
Caso em que os dois sons sofreram mudança. — eí alto-alemão antigo se
torna ê quando vem antes de ¿4 r ou h: meist — mero, eigum — êht. Natural­
mente, é preciso se reportar ao passado e à lei fonética.
1®lei fonética I maist maire
II maist maero
2- lei fonética III meist maero
3“ lei fonética IV meist mêro
Portanto, independentemente da anacronia, não foi ei que mudou, mas ai,
e não é em ê que ai se transformou, mas em ae. Mas não é apenas a marcha
do fenômeno, mas também a natureza do fenômeno que ficou obscura [ ]
Em vez do protótipo anterior à lei fonética, você cita a palavra contem­
porânea que não traz vestígio da lei porque seu protótipo não realiza os
[ ]•

24 [Parecer sobre a criação de uma cadeira


de estilística]
3347
Cadeira de Estilística

O nome estilística é um nome imposto em falta de outro. Estilo e estilística


constituem um equívoco infeliz. Eis algumas correções que é preciso fazer
para perceber exatamente o que ela significa:
P A palavra estilo evoca a idéia de uma pessoa, de um indivíduo, de um
procedimento individual. (O estilo é o homem, etc.) Justamente ao contrá­
rio, a estilística, concebida da maneira ilustrada nos trabalhos de Bally, pre­
tende estudar os meios de expressão da língua na medida em que têm a
consagração do uso comum, na medida em que caem na categoria do fato
232 Outros Escritos de Linguística Geral

social e são, por conseguinte, estabelecidos fora do indivíduo. A presença,


na língua, de “Vous m me laferez pas croire!” ou então “Le diable m’emporte!" cai
na estilística porque seu uso não é individual, mas, por outro lado, como é
preciso acrescentar, essas expressões, embora muito comuns, são sempre o
índice de algum modo de sentir, a ser estudado por detrás delas. O estilo
depende do indivíduo e a estilística se coloca, inicialmente, acima do indiví­
duo, na esfera lingüística ou social.
2* A palavra estilo evoca a idéia do que é literário ou, pelo menos, do que
é escrito.
A estilística, sem se desinteressar do que é escrito, vê seu objeto, antes
de tudo, na observação do que é falado, nas formas de linguagem vivas,
consignadas ou não no texto. O estilo depende da letra e a estilística se
coloca, de preferência, fora da letra, na esfera da pura fala.
3- A estilística não tem mais por objetivo o estilo, ainda que possa ser de
alguma utilidade. Ela não é uma ciência normativa, que promulga suas re­
gras. Ela pretende, e tem o direito de pretender, ser uma ciência de pura
observação, que consigna os fatos e os classifica.
Enfim, vale acrescentar imediatamente, ela vai se dedicar a essa tarefa
no caso de qualquer idioma. Não são as fórmulas e locuções fi-ancesas, em
especial, que lhe fornecerão alimento, na concepção [ ]. Senhores, eu
diria até que o verdadeiro perigo com relação à cadeira de estilística não está,
de maneira alguma, nas prevenções que vêm do equívoco com ciência do
estilo, mas, ao contrário, na objeção que consiste em dizer: mas é simples­
mente a lingüística, que nos é oferecida sob o nome de estilística. Sim, se­
nhores, simplesmente a lingüística. Só que a lingüística, eu ouso dizer, é
vasta. Em especial, ela comporta duas partes: uma que está mais perto da
língua, depósito passivo, outra que está mais perto da. fala, força ativa e ver­
dadeira origem dos fenômenos que logo se avista, pouco a pouco, na outra
metade da linguagem. Não é muito que as duas [ ].
Em resumo: 1- não o que é individual mas o que é consagrado pelo uso
social, preenchendo, assim, as condições que fazem com que uma coisa seja
lingüística:
2“ não necessariamente o que é escrito, mas de preferência o que é falado;
3- não em um objetivo normativo e para ditar as regras da boa expres­
são, mas
4“ enfim, com o objetivo de generalizar as observações, de chegar a uma
teoria aplicável às línguas.
Está tão longe de [ ], a objeção real que podería se apresentar é
dizer: é simplesmente a lingüística. Com efeito: apenas o domínio da lin-
Antigos Documentos 233

güíadca é vasto; ela tem bastante o que fazer, eu ouso dizer, nos comparti­
mentos mais elementares ou então dirigidos em outros sentidos, como, por
exemplo, a história evolutiva das formas. Por conseguinte, é uma coisa bem-
vinda, [ ] a explicação das fórmulas da língua na medida em que são
motivadas por tal ou tal estado psicológico.
III. NOTA SOBRE O DISCURSO
(Acervo BPU 1996)
A língua só é criada em vista do discurso, mas o que separa o discurso
da língua ou o que, em dado momento, permite dizer que a língua entra em
ação como discurso?

Os vários conceitos estão ali, prontos na língua (ou seja, revestidos de


uma forma lingüística), como boeuf, lac, ciei, fort, rouge, triste, cinq, fendre, voir.
Em que momento ou em virtude de que operação, de que jogo que se estabe­
lece entre eles, de que condições, esses conceitos formarão o DISCURSO?

A seqüência dessas palavras, por mais rica que seja, pelas idéias que
evoca, indicará apenas, para um indivíduo humano, que um outro indiví­
duo, ao pronunciá-las, quer lhe comunicar alguma coisa. O que é preciso
para que tenhamos a idéia de que se quer comunicar alguma coisa usando
termos que estão disponíveis na língua? É uma questão igual à de saber o
que é o discurso, sendo que, à primeira vista, a resposta é simples: o discurso
consiste, quer seja de maneira rudimentar e por vias que ignoramos, em
afirmar uma ligação entre dois dos conceitos que se apresentam revestidos
da forma lingüística, enquanto a língua realiza, anteriormente, apenas con­
ceitos isolados, que esperam ser postos em relação entre si para que haja
significação de pensamento.
IV. U N D E EXORIAR
(Acervo BPU 1996)
Unde exoriar? — É essa a questão pouco pretensiosa e, até mesmo, terri­
velmente positiva e modesta que se pode colocar antes de tentar abordar,
por algum ponto, a substância deslizante da língua. Se o que pretendo dizer
a respeito disso é verdade, não há um único ponto que seja o ponto de
partida evidente.

Item. Em qualquer domínio, antes que seja possível estudar um fenôme­


no, é preciso saber sobre que objetos, ou entre que objetos, se produz o
fenômeno. Como a língua é o palco de fenômenos relevantes, isso pareceu
bastar para o estudo e pouco se perguntou quais eram os termos, ou mesmo
a natureza dos termos, que dão lugar ao fenômeno. O ardor do interesse
pelo movimento a—b só se iguala à ausência de reflexão sobre o que é,
primeiramente, a ou ò e mesmo sobre a possibilidade imediata de definir a
ou b [ ] e esse fenômeno parece claro. Mas, anteriormente, onde existe
[ ], que espécie de corpo, que espécie de entidade ele representa no
conjunto de coisas deste globo? Seria um engano, como todo mundo sabe,
supor que ele é uma seqüência de letras. Será que é, então, uma seqüência
de sons? Também não, porque [ ]. É então [ ]?

Além disso, é errado dizer: esta palavra. É preciso dizer: hábito dos su­
jeitos falantes de fazer com que esta seqüência de sons corresponda a uma
idéia determinada. Começamos a entrar na realidade, mas nada que a termi­
nação à direita e à esquerda [ ] Mas não é admirável que a unidade
cantare pareça ser uma coisa tão definida quanto a coluna de Trajano e sem
pedir nenhuma espécie de explicação (anterior) sobre seu gênero de reali­
dade, sobre seu valor de unidade. A unidade! Não se deve nem sonhar com
isso, já que jamais haverá uma palavra que realize sua unidade ou sua "exis­
tência” senão pela combinação de fatos bucais com uma operação mental,
242 Outros Escritos de Lingüística Geral

de uma ordem inteiramente diferente. É agora que se começa a entrever que


a e b são mais difíceis de captar do que o fenômeno a — b.
Seria possível acreditar que, desde que [ ] se pudesse fazer, de uma
vez por todas, a operação algébrica de considerar as palavras como unidades
que existem numa esfera algébrica (estando bem entendido que se reconhe­
ceu que cada palavra [ ] mas que, sendo essa situação igual para todas,
pode-se fazer abstração dessa operação fonatória mental e [ ]).
IV

NOTAS PREPARATORIAS
PARA OS CURSOS DE
LINGÜÍSTICA GERAL
I. NOVOS DOCUMENTOS
(Acervo BPU 1996)
1 [Natureza incorpórea das unidades da língua]
Natureza incorpórea, como para todo valor, daquilo que faz as unidades
da língua. Não é a matéria fônica, substância vocal que [ ]. Não se pode
tratar um instante a língua sem se ocupar do som e dos sons, a mudança dos
sons é um fator capital, e isso não impede que, num certo sentido, o som
seja estranho à natureza, etc. Do mesmo modo, por exemplo, a matéria que
entra numa moeda não é uma coisa de que não se possa tratar, mas seria um
grande erro acreditar que é ela que constitui a moeda; o valor lingüístico
será como o valor de urna moeda de cinco francos. Esse valor é determinado
por urna multidão de outras coisas além do metal que faz parte déla; neste
momento, essa moeda vale um quarto de urna de vinte francos mas, pelo
metal, valerla apenas um oitavo, se depois essa peça, exatamente com a
mesma quantidade de metal, exibisse uma ou outra efígie; à esquerda ou à
direita de um frontispicio.

Esse valor é uma coisa incorpórea; ora, do mesmo modo, é preciso repre­
sentar as palavras, para se ater à verdade, como unidades incorpóreas; não
se considera [ ]

2 [Indiferença do instrumento]
A indiferença do instrumento com relação ao fenômeno, como completa
em si mesma, como caracterizando o próprio fenômeno.
Diante de qualquer outro fenômeno, o instrumento ou a matéria.

3 [Língua]
1. A língua não está naquilo que nos interessa no indivíduo, naquilo que
nos interessa antropológicamente.
248 Notas Preparatórias para os Cursos de Lingüística Geral

2. A língua não está no que nos parece ¡ndispensáveJ para produzi-Ia,


jogo de órgãos vocais ou convenção da espécie voluntária.

4 [Semiologia]
A) Tudo o que afasta a língua de um outro sistema semiológico deve ser
considerado menos essencial, para [?defini-Ja]j assim, quando se começa
por se ater ao funcionamento do aparelho vocal porque dissemos que [ J,
isso não deve ser tão essencial quanto parece pois não é semiológico, já que
há sistemas que não se servem do aparelho vocal.

Ao mesmo tempo, nos fatos comuns à língua e aos outros sistemas


semiológicos, discernimos que aquilo que se pode chamar de contrato pri­
mitivo, a convenção de partida, é menos essencial: para estudá-los a priori,
uma tal convenção, que se assemelha àquilo que convém a dois indivíduos,
é uma maneira simples, mas entrevemos que [ ]

5 [Sistema de signos — Coletividade]


Quando um sistema de signos se transforma em patrimônio de uma
coletividade, seja ele o que for, em si mesmo e em termos de sua proveniên-
cia, sobrevêm desse fato duas coisas:
1. É inútil querer apreciá-lo fora do que resulta, para ele, de seu caráter
coletivo.
2. E suficiente, e até mesmo necessário, considerar apenas esse produto
social, em [ ]
A primeira é que não se pode mais apreciá-lo por suas características
internas ou naturais: com efeito, nada garante mais, desde o momento em
que o sistema de signos passa a pertencer à coletividade, que uma razão
interior, uma razão feita à imagem de nossa razão Individual, vá continuar a
governar a relação do signo e da idéia. Não sabemos mais que força ou que
lei (forças e lei ou por quais ieis no plural) serão introduzidas na vida desse
sistema de signos, nós não podemos saber, adivinhar, ames de tê-las estu­
dado e observado através de um estudo profundamente diferente daquele
que consiste em representar as condições normais ou puramente racionais do
signo diante da idéia (segundo uma medida racional, [ ]).

A língua, ou o sistema semiológico, qualquer que seja, não é um barco


no estaleiro, mas um barco lançado ao mar. E)esde o instante em que ele
tem contato com o mar, é inútil pensar que é possível prever seu curso sob
o pretexto de que se conhece exatamente as estruturas de que ele se com­
põe, sua construção interior secundo um nlano.
Novos Documentos 249

Ora, 2- visto que acabei de dizer que duas coisas resultam da entrada de
um sistema de signos na coletividade. Qual é a verdadeira, o barco sob uma
cobertura, nas mãos dos arquitetos, ou o barco no mar? Certamente não há
nada, como o barco no mar, que seja capaz de revelar o que é um barco e,
acrescentamos, que seja mesmo um barco, um objeto propriamente ofereci­
do ao estudo como barco. E eis aí a segunda parte.

É apenas o sistema de signos tornado coisa da coletividade que merece o


nome de sistema de signos e que é um sistema de signos: porque, a partir
desse momento, o conjunto de suas condições de vida é tão distinto de tudo
o que ele pode constituir fora disso, que o resto não parece importante. E a
isso se acrescenta imediatamente: se o meio da coletividade modifica tudo
para o sistema de signo, ele é também, desde a origem, o verdadeiro am­
biente de desenvolvimento a que tende, desde seu nascimento, um sistema
de signos: um sistema de signos feito para a coletividade, como o barco para
o mar. Ele é feito para se ouvir entre vários ou muitos e não para se ouvir
sozinho. É porque, em nenhum momento, contrariamente à aparência, o
fenômeno semiológico, qualquer que ele seja, deixa fora de si mesmo o
elemento da coletividade social: a coletividade social, com suas leis, é um de
seus elementos internos e não externos, esse é o nosso ponto de vista.

Neste ponto, o horizonte da semiología se define, fica mais preciso, já


que a tudo o que se assemelha ao signo recusamos uma natureza baseada
em condições individuais ou, mais exatamente, reconhecemos como
semiológico apenas a parte dos fenômenos que aparece, característicamen­
te, como produto social.

6 [Valor — Coletividade]
2) Mas, reciprocamente, se parece paradoxal que o som seja qualquer
coisa de [ ], não se pode dizer o mesmo da idéia que se liga a uma
palavra, que se liga às diferentes unidades. Ela também só vai representar
um dos elementos do valor e será uma ilusão acreditar que, em nome desse
elemento, seja possível tratar, através da pura psicologia, as diferentes uni­
dades da língua. Além disso e entre parênteses, eu não pretendo dizer que a
palavra seja estabelecida por

idéia
som
250 Notas Preparatorias para os Cursos de Lingüística Geral

ao dizer que a idéia é apenas um dos elementos, eu não quero dizer que eles
sejam dois ao todo, por exemplo:

f idéia a idéia b 1 etc.


1 som a som b / B

Seja qual for a sua natureza mais particular, a língua, como os outros
tipos de signos, é, antes de tudo, um sistema de valores, e é isso que estabele­
ce seu lugar no fenómeno. Com efeito, toda espécie de valor, mesmo usando
elementos muito diferentes, só se baseia no meio social e na força social. É
a coletividade que cria o valor, o que significa que ele nao existe antes e fora
déla, nem em seus elementos decompostos e nem nos individuos.
1® nem nos individuos isolados: nenhum valor pode ser estabelecido
isoladamente e, depois, as variações não serão mais individuais.
Não há fato lingüístico senão por [:]
2- mas, o que não é menos capital, não é o que entra em um signo
linguístico que contém os verdadeiros elementos, lá estão apenas as coisas
utilizadas pelo valor.

7 [Descontinuidade geográfica]
Nós podemos, para começar, considerar que oferece condições muito
simples 0 caso em que uma língua, tendo sido transportada à distância, se
desenvolve separadamente em dois pontos: anglo-saxão, Canadá; caso da
descontinuidade geográfica (pode ser ocasionado de outra forma, não é um
caso teórico: romeno). Nós veremos, depois, que a descontinuidade não cria
condições tão essencialmente diferentes quanto parece e que é muito traba­
lhoso julgar sua influência exata; mas, no primeiro momento, um grupo
dividido em dois materialmente, de maneira visível.

Ao fim de um certo tempo dessa separação geográfica, se acentuarão as


diferenças entre o idioma primitivamente uno que se falava nos dois lados
do mar. Diferenças de toda ordem: vocabulário, gramática, fonética, pro­
núncia. Desde o início, notemos que não se deve imaginar que é o idioma
transportado para longe que se modificará, enquanto o outro vai continuar
imóvel. Também não é o inverso. Mas acontecerá a cada detalhe, ora em um
ora em outro.
AA M
BA AB
ou então AA
BC
Novos Documentos 251

Seria inútil acreditar que se vai estudar a particularização do idioma isola­


do numa ilha; vai-se estudar os dois, um diante do outro. Exemplo: p w — ã
Tal será o quadro de [ ]
Mas é a isto que eu queria chegar através desse primeiro exemplo: o que
criou as diferenças que estão em vias de criar duas línguas diferentes? Será
a distância no espaço, a diferença de lugar: nós somos quase que
invencivelmente levados [ ]
Ora, basta refletir para ver que essas diferenças são ocasionadas pelo
tempo. E muito evidente que, um dia depois do desembarque, os Saxões e
os Anglos falavam exatamente a mesma [ ]. Mudança implica tempo
decorrido.
É, por assim dizer, por uma figura de linguagem, que somos levados a
pôr na conta da separação geográfica [ ]; como o tempo é evidente e
existe dos dois lados, nós supomos que ele [ ]

Há mais: unicamente pelo tempo; a diferença geográfica deve ser


traduzida em diferenças temporais.

Jamais se passou de mejo a medzo, mas a verdade [é] que se passou de


medio a mejo.
Ora, isso se dá no tempo.
A diferença dita geográfica só recebe seu esquema completo quando é
projetada no tempo.

seção — porção horizontal.

Não se deve procurar o movimento onde ele não está (movimento


ascensional de um rio).

Nota sobre o “meio”, influência do clima, imponderáveis,


determinação do sentido dos movimentos

Então, explicar as diferenças geográficas é idêntico a estudar as diferen­


ças que o tempo suscitará na língua, visto que, sobre cada ponto, há modifi­
cação apenas no tempo
252 Notas Preparatórias para os Cursos de Lingüística Geral

a a
b I c não b-c.

Diferença geográfica traz a idéia de unidade. Onde se encontra essa uni­


dade? Ela se encontra no passado, portanto, no tempo.

em um dominio que nós não previmos imediatamente. As diferenças geo­


gráficas produzem diferenças evolutivas. Toda evolução, que é urna das gran­
des partes da lingüística, é evocada. Nada se faz de repente.

Fonéticamente
Geografia nada mais é do que aplicação
particular: evolução em pontos
diferentes

Morfológicamente

A evolução na continuidade geográfica.


Caso a considerar como caso normal e como o caso central
Nós não consideramos urna ilha,
mas urna superficie continua em que, em um determinado momento,
reina a mesma língua.
P E certo que, ao final de quinhentos anos [ ]
Principio do movimento inevitável. (Língua literária)

Nós tínhamos colocado duas espécies de diversidade possível entre dois


idiomas: diversidade no parentesco, que comporta dois graus; e diversidade
sem parentesco, que é uma diversidade absoluta, radical, intransponível. Eu
não citei exemplos nem de uma nem de outra; ou não os citei expressamen­
te, sendo os exemplos, de uma e de outra, em número ilimitado, e tendo
cada uma, por exemplo, a noção de que não há nenhum parentesco entre o
chinês e nossas línguas indo-européias ou entre o turco e nossas línguas
indo-européias; que, em troca, a diversidade do francês e do espanhol se
insere no parentesco; do mesmo modo, a diversidade entre o conjunto das
línguas románicas e o alemão se insere no parentesco.
Novos Documentos 253

III. A diversidade geográfica considerada do


ponto de vista de suas causas

Nós constatamos que esse era o fato que primeiro suscitava interesse.
Agora nós o tomamos como um fenômeno a ser explicado, a ser reduzido às
suas causas.
Primeira observação: o problema não se coloca para a diversidade abso­
luta ou, caso se coloque, ninguém sonha em pensar que é por aí que se deva
começar. Todos podem perceber, ademais, que não há mesmo analogia en­
tre os dois problemas, desde que se concorde que existem dois.
Com o primeiro, a diversidade no parentesco, estamos puramente no
terreno da observação, e tudo nos indica que, sem deixar esse terreno, tere­
mos como lhe dar soluções certas. Uma diferença como francês e provençal
nem sempre existiu, então deve ser possível ver como ela foi criada ou de­
senvolvida.

Quanto ao outro problema, admito que é legítimo colocá-lo também;


mas ele só pode ser de ordem especulativa.

8 [Intercurso]
Em todas essas ocasiões, a língua se mistura, se iguala.
Uma inovação nascida em um ponto pode, por intercurso, chegar a se
apagar, a ser sufocada na língua, o que restabelece a unidade. Ou então, ao
contrário, essa inovação se torna contagiosa, pelo intercurso, que exerce
uma força propagadora, e isso também restabelece a unidade.
Observemos que a propagação pode se dar a grande distância; — os
intercursos locais formam uma cadeia mais vasta; assim, dois pontos do
território sem nenhuma comunicação entre si acabam, da mesma maneira,
por [ ]
II. ANTIGOS DOCUMENTOS
(Edição Engler 1968— 1974)
1 [Notas para o curso I (1907)]
Na vida da linguagem:

I As evoluções

P A mudança fonética 22.,

Aqueles que seguiram [ ]. É esse o ponto em que estamos exata-


mente.
Se não terminamos o capítulo das mudanças fonéticas, que é, por assim
dizer, sem fim, pelo menos fechamos esse capítulo, quanto ao que queríamos
dizer expressamente neste início de curso.
Quais serão, então, as outras formas de evolução lingüística, que proce­
dem de fatores que não serão mais fonéticos? É isso que se deve examinar a
seu tempo e o primeiro assunto que nos espera.
Mas, antes de entrar na nova questão, assim proposta à sua atenção, eu
acredito que é útil resumir do que se compõe, doravante, para nós, “a foné­
tica”. Isso pode ser útil (eu diria, até mesmo, salutar), não apenas como
recapitulação dos princípios colocados até aqui, mas também para passar às
coisas não fonéticas que vão se apresentar a nós. Não basta se ocupar dos
sons, mas dos sons em sua sucessão regular.
Eu consagraria toda esta primeira reunião para examinar com vocês aquilo
que compõe o domínio especial da lingüística chamado A Fonética, ou o
que, em princípio, pode compô-lo, conforme as coisas que colocamos, como
verdade geral, em diferentes ocasiões, no primeiro semestre.
Eu procederia, de início, através de questões e de exemplos, de maneira
totalmente analítica.
258 Notas Preparatórias para os Cursos de Lingüística Geral

1“ É fonética se perguntar, por exemplo, se o som, em inglés, sh, como


em shirt e show, é o mesmo, ou não, que o som ch, como em cher ou chose, em
francés?
Resposta: é a mais pura fisiología (ou seja, além de não ser fonética, não
é, nem mesmo, lingüística, em medida nenhuma). A questão é saber se a
espécie fisiológica s' que, em inglés, aparece em sirt, coincide ou não, fisio­
lógicamente, com f de ser.
Mas qual é a característica especial que revela imediatamente e negati­
vamente que não se trata de fonética? É o fato de eu não colocar um diante
do outro dois termos sucessivos, dos quais um supõe a sucessão do outro.
2- Outra questão por []. Se eu discuto que valor tem, em francés, o e
mudo no final de uma palavra: apporte, mère, ordre, [ ]. Questão gramati­
cal ou gráfico-gramatical. Se eu [ ]

2a [Notas para o curso II (1908 — 1909):


Dualidades]
3331=133-141 ^ linguagem é redutível a cinco ou seis DUALIDADES ou pa­
res de coisas.
II. É uma vantagem considerável poder reduzi-la a um número determi­
nado de pares. Tal como é apresentada, a linguagem prometerla apenas a
idéia de uma multiplicidade, sendo ela mesma composta de fatos heterogé­
neos que formam um conjunto inclassificável. IIIA lei de Dualidade continua
intransponível.
Primeiro par, ou dualidade: os dois lados psicológicos do signo.
Associação —
Segundo par, ou dualidade: indivíduo/massa.
A língua, coisa em si sem relação com a massa humana existente, é
indissoluvelmente ligada à massa humana.
Outras formas: A língua é social ou então não existe. A língua, para se
impor ao espírito do indivíduo, deve antes ter a sanção da coletividade.
3331=241-246 q p^j. ¿g coísas é constituído pela língua e pela fala (o
signo, previamente duplo pela associação interior que ele comporta e duplo
por sua existência em dois sistemas, é entregue a uma dupla manutenção).
A língua é consagrada socialmente e não depende do indivíduo. É do
Indivíduo, ou da Fala: a) Thdo o que é Fonação
b) tudo o que é combinação — tudo o que é Vontade.
Dualidade:
Fala I Língua

Vontade Individual passividade social


Antigos Documentos 259

Aqui, pela primeira vez, questão de duas Lingüísticas.

2b [Notas para o curso II (1908 — 1909):


Whitney]
Whitney, Oriental & Linguistic studies, P voL, Nova York, 1873, página
200: “Quando se pretende que a ciência da linguagem encontre seu fundamento prin­
cipal na filologia comparativa indo-européia, não se deve achar que se quer limitar a
atenção da ciência aos idiomas dessafamília. O objeto da lingüística é compreender a
linguagem no sentido mais amplo e menos restritivo, compreender o coçpo inteiro da
linguagem humana, em todas as suas manifestações, em todas as relações que ela
oferece, em todas as suas variedades, com sua história e as causas de suas diversida­
des. O estudo seria incompleto, com visões parciais e resultados Imitados, se não
levasse em consideração as famílias de línguas mais grosseiras e mais insignificantes
tanto quanto as que ocupam um lugar mais alto. Estarão realmente à nossa disposi­
ção, no caso mais favorável, apenas uma pequena parte dos materiais que se gostaria
de ter e, dessa parte acessível, não se pode permitir negligenciar nada. Para que o
lingüista tenha, por outro lado, como captar o desenvolvimento histórico das diversas
formas de linguagem humana e como traçar as condições internas ou externas que
fizeram delas 0 que são, seria preciso que possuísse (ele tem necessidade de possuir)
documentos autênticos sobre todas as porções e sobre todos os períodos de cada tona.
ao passo que, na verdade, são apenas as fases recentes de um pequeno número dessas
formas, até mesmo as últimas fases da maior parte, que são colocadas efetivamente
sob seus olhos. Suas conclusões dependem, então, da indução, do estudo e da compa­
ração cuidadosa que ele fará de fragmentos mais ou menos separados. Havia a neces­
sidade evidente de estabelecer, de um modo ou de outro, o método pelo qual esses
materiais frí^mentários deveríam ser tratados, de estabel&;er as regras e os princípios
da argumentação lingüistica e da interpretação do testemunho nesse dominio, de tra­
çar as linhas gerais do desenvolvimento lingüístico, sabendo que a pesquisa ulterior
poderla confirmá-las ou modificá-las.
Ora, como isso poderia se cumprir, se realizar, senão pelo estudo especial que é o
da família indo-européia? E aí que havia um conjunto quase ilimitado defatos atesta­
dos, ligados entre si por fios passíveis de serem seguidos e que permitem perceber sua
conexão; apenas aí era oferecida uma profusão deformeis que se distinguem tanto por
sua variedade quanto pelo alto grau de desenvolvimento em sua estrutura, e isso com
a possibilidade de reconduzir o curso desse desenvolvimento a um estado primitivo de
simplicidade, Existem, em outras partes, monumentos do falar humano, de data tão
antiga quanto os mais antigos monumentos indo-europeus ou até mesmo mais antiga;
mas eles são, em geral, (xrcaàos de condtfões que os tomam incomparavelmente me­
nos preciosos para o lingüista. As palavras escritas do egípcio vieram até nós dofundo
de uma época mais recuada do que nenhuma outra; mas o e^pcio é uma língua que se
260 Notas Preparatorias para os Cursos de Lingüística Geral

encontra quase isolada de qualquer família, e de uma estrutura tão excessivamente


simples que mal se pode falar, a respeito dela, de uma história.
Sob este último aspecto, ela é superada pelo chinês, que pertence, igualmente, a
uma classe tão excepcional que só poderia esclarecer uma tênue parte do desenvolvi­
mento geral da linguagem. O semítico é o único rival do indo-europeu, em termos de
antiguidade e pela riqueza e variedade de ilustração lingüística que oferece [...] (Eu
suprimo os desenvolvimentos). Não era senão através dos idiomas do tronco indo-
europeu que um vasto campo de história linguística se oferecia com continuidade e
precisão. Lá, era possível seguir todos os processos ou fases do crescimento em seu
trabalho múltiplo, dos rudimentos ao mais alto tipo de perfeição da linguagem conhe­
cida onde quer que seja.
Lá era possível criar um núcleo, em torno do qual, mais tarde, uma ciência inteira
tomaria forma e se moldaria. Aí se podia experimentar generalizações, elaborar mé­
todos de pesquisa que encontrariam sua aplicação quando se estudasse famílias de
línguas que apresentam uma matéria mais pobre e mais difícil por isso mesmo [...]
Que não se diga que isso ê exaltar indevidàmente os méritos do indo-europeu ou
que é mostrar uma parcialidade repreensível pelos idiomas de tronco aparentado ao
nosso, mas supor, na verdade, que é essencialmente sobre seu estudo que repousa, até
aqui, a ciência inteira da linguagem.
Se são estas línguas que supriram, numa proporção extraordinária, os trabalhos
dos lingüistas, isso se deve às causas que acabam de ser expostas, à importância
histórica das raças que as falam ou, enfim, à superioridade dessas línguas em si mes­
mas, assim como das literaturas em que elas se refletem. Assim como em qualquer
outro campo científico, não se poderia mais, em lingüística, proibir, àquele que se
ocupa de uma ciência, de montar a sua tenda, ainda mais nas regiões do domínio que
são as mais instrutivas e marcadas pela maior soma de correspondências interessantes
entre os fatos."

Esta página é escrita (por um lado) em resposta a certos ataques, princi­


palmente do assiriólogo Oppert, contra o papel supostamente exorbitante
que se atribuía a lingüística indo-européia. Assim, ela é um pouco polêmica
mas, em todas as obras de Whitney, este sábio volta um pouco à mesma
idéia da preponderância necessária da lingüística indo-européia e, se eu es­
colhí essa passagem em suas obras, é porque ela revela, mais completamen­
te do que outras, as razões que justificam seu ponto de vista. Por outro lado,
ela é de 35 anos atrás e admite-se que a lingüística de outras famílias de
língua fez, desde essa época, certos progressos: progressos que não se deve­
ria, de resto, exagerar. Se for para mencioná-los. seria a respeito de uma
fiunília de línguas de que Whitney não fala nessas Unhas, que se terla que
constatar esse progresso, a saber, a família uralo-altaica, que compreende o
ugro-finlandês, o turco, o tártaro, uma grande parte das línguas da Sibéria,
Antigos Documentos 261

etc. Há aí uma certa atividade, nomes como RadlofF e V. Thomson. Mas o


que Whitney nos diz continua sendo verdade, por assim dizer, em qualquer
data, pela seguinte razão: seria completamente inútil, para quem quiser fun­
dar a lingüística de outros grupos de línguas, empreender esta tarefa sem
ter adquirido, de antemão, um íntimo conhecimento da lingüística indo-
européia e seus resultados. Não haverá jamais uma lingüística que não te­
nha que partir, quanto aos métodos e à crítica dos fatos, do capital de expe­
riência adquirido pela lingüística indo-européia. O semitista que, sob o pre­
texto de ter um conhecimento aprofundado do árabe, do hebreu, do fenicio,
do assírio, do etiopio e de tudo o que compõe a família semítica, se imagi­
nasse capaz de fazer a história lingüística dessa família sem se voltar para os
princípios estabelecidos pela lingüística indo-européia, encontraria um la­
mentável revés, — a menos que seja, por acaso, um espírito tão geni^ que
refaça sozinho o que noventa anos de estudo e de observação coletiva ensi­
naram, não sem esforço, a esta última. Mas, como diz Whitney, a lingüística
indo-européia tem o direito de falar às outras, não só porque ela é, por
acaso, a mais velha, mas porque ultrapassa, por seus quadros, os quadros
menos complicados das outras famílias. Não é preciso ceder à ilusão um
pouco infantil de acreditar que o francês, o latim ou o alemão, porque nos
são familiares, sejam línguas de tipo mais simples do que o hebreu ou o
chinês, mencionado quando se quer indicar o máximo da dificuldade lingüís­
tica. Na escala da complexidade, é exatamente o contrário que é o caso, um
caso que se estende à forma que obtemos, por reconstrução, do primeiro
indo-europeu, que se afirma, desde a origem, como muito mais complexo
do que o proto-semita ou o proto-turaniano ou o proto-malaio.
Tendo nas mãos, desde o inído, tipos mais complexos e mais variados
(as duas coisas se relacionam) do que os que produziriam uma multidão de
outras línguas, a lingüística indo-européia conserva, também desse ponto
de vista, um lugar diretivo incontestável, como o será o de qualquer estudo
sobre um organismo superior com relação a um estudo sobre um organis­
mo inferior. Eu não entro em maiores detalhes: é claro que isso não significa
que a lingüística indo-européia trace de antemão e encerre de antemão to­
dos os casos realizáveis; significa apenas que ela tem oportunidade, por sua
maior amplitude, de realizar muito mais casos do que nenhuma outra: eu
acrescento, para não parecer que haja aí algo a abandonar, casos históricos
ou diacrônicos e casos sincrónicos ou gramaticais.
3332=83 coisa que poderia surpreender, ainda com respeito às linhas
de Whitney que eu citei, é o fato de ele não mencionar a lingüística das lín­
guas románicas como outra circunscrição não menos indicada para servir de
base útil para a lingüística geral. À primeira vista sem explicação, isso pode
,62 Notas Preparatorias para os Cursos de Lingüística Geral

se explicar pelo simples fato de o desenvolvimento das línguas románicas


ser apenas urna ramificação do indo-europeu, pois ela equivale à historia do
latim, à historia de urna das línguas da familia, sem que se tenha que dizer
a historia ulterior ou a sub-história. As línguas románicas não são um epílogo
imprevisto do latim, mas sua pura e simples continuação, exatamente como
o inglés, o sueco ou o inglés moderno são a continuação do ramo germánico
indo-europeu. Todavia, há urna diferença que caracteriza unicamente a fa­
milia románica e, por reflexo, a lingüística románica; o fato de o espanhol, o
italiano, o francés, o romanche, etc., se reencontrarem em um protótipo
conhecido.

ponto de encontro diretamente conhecido


latim

espanhol italiano francês romanche


enquanto que

ponto de encontro desconhecido


proto-germânico

inglês alemão baixo-alemão sueco dinamarquês

•A
f b O á 'M A /lX * '

yA ^ \ \ \
A a ^ -\ .fwV?. ^

Fora o románico, acontece o mesmo com todas as sub-famílias do indo-


europeu. Nenhuma tem seu ponto de encontro em um ponto conhecido; é
assim na família eslava (checo, polonés, russo, sérvio, etc.): não se conhece
diretamente o protótipo eslavo. Por esse fato, que é um fato de puro acaso
externo, a situação da lingüística románica, pelo conjunto de questões que
lhe dizem respeito, é uma situação excepcional, não apenas diferente da
situação do lingüista que considera o conjunto da família indo-européia,
mas diferente também da situação do que trata de uma outra sub-família,
como a germânica. Isso criou uma lingüística especial no caso do románico,
absolutamente privilegiada com relação às outras; é nesse sentido que eu
Antigos Documentos 263

digo que se poderia esperar a menção, no autor que citei, da lingüística


románica, pois há nela um certo máximo de certeza graças à dupla série de
documentação; mas é nesse mesmo sentido que se poderia descartá-la, com
razão, por ser um caso totalmente excepcional, o único em que não se de­
pendeu do método, ordinariamente usado, da indução.

2c [Notas para o curso II (1908 — 1909):


As línguas celtas]
3333
As línguas celtas

1- Dificuldade para estabelecer ou delimitar o país dos celtas nos sé­


culos que precedem o primeiro antes da era de Cristo.
Quando se trata dos celtas, é natural pensar, por um lado, na Gália, por
outro lado, nas Ilhas Britânicas. Mas são os próprios celtistas, os celtistas
franceses, que contribuíram para introduzir uma teoria segundo a qual é um
engano supor que o centro da raça esteja particularmente ligado a essas
regiões do oeste. O celtólogo H. d’Arbois de Jubainville, professor do Collège
de France, é o mais eminente defensor dessa idéia, agora em voga, cujas
manifestações mais singulares vocês encontrarão em sua obra em dois volu­
mes Les habitants primitfs de 1'Europe (na margem: da mão de Saussure), cujas
conclusões relativas aos Celtas obtiveram, igualmente, a adesão dos sábios
alemães. O que eu quero expor brevemente não é a análise em regra de uma
tal obra.
O que caracteriza a nova visão.
a) Não é certo que o Meio da França nunca tenha sido ocupado de ma­
neira densa pelos Celtas. Mas é certo que, sobretudo o Sudeste, toda a costa
de Marselha e, do outro lado, na direção do Norte, era um país lígure.
O que eram os Lígures? Essa é uma outra questão. Veremos (se tiver­
mos tempo) que uma parte dos lingüistas acha que eram Indo-Europeus.
Seja como for, ninguém diz que eram Celtas e assim, em uma parte apreciá­
vel da França, há reservas a fazer quanto à sua população celta.
b) Em compensação, sem dúvida alguma, massas apreciáveis de popula­
ção celta estiveram espalhadas pela Europa Central.

Alexandre o Grande
Boiens Durostorum
Volcae Eburodunum-Brünn
Carrodunum-Croatie
Mas, além disso, em todo o Vale do Danúbio.
O nome Hercynia silva é celta.
264 Notas Preparatorias para os Cursos de Lingüística Geral

c) Grande número de termos germánicos tirados dos celtas, em parti­


cular para coisas do direito público ou privado, o que parece indicar urna
dominação dos celtas em país germánico. Cabe observar que, boje, até Hirt
admite a dominação.
Os mais antigos textos do bretão armórico são do século XV; mas há um
certo número de glosas mais antigas.
Estatística 1885: 1.300.000 das quais Vi monoglóticas.

Características na comparação com o indo-europeu:


P Os diferentes estados ante-literários celtas (insulares ou geralmente da
Gália) não têm apenas, como característica evidente, urna diferença muito
grande com o que Ibes sucede a curto prazo, mas também a característica de
urna extraordinária fidelidade ao tipo indo-europeu. Só que, segundo o que
se conclui dos antigos nomes geográficos da Gália, não bá dúvida de que o
gaulés tinba, provavelmente, um valor igual ao do grego para o indo-euro­
peu = quase máximo e, em todos os casos, infinitamente superior ao latim
para a conversação exata e o conhecimento do indo-europeu.
E urna das infelicidades irreparáveis da lingüística indo-européia não
ter podido conservar o gaulés ou, pelo menos, um dialeto celta qualquer, da
mesma época que evoca a idéia de gaulés.
2- Integridade e limpidez dos nomes celtas da época [ ] (Gália ou
libas).

3a [Notas para o curso III (1910 — 1911): Divisão


do curso e lingüística geográfica]
3334=2844 Qqjqq gjj indicado, dividimos nosso curso em três partes e os
títulos das duas primeiras diferem apenas por um singular e um plural: 1-
parte: As línguas, 2- parte: A língua. Essa diferença basta para indicar, rigoro­
samente, quase sem equívoco, o que deve ser a diferença de conteúdo entre
as duas partes. Não é útil, como talvez se acredite, nem prudente, querer
explicar melbor a oposição logo de saída, opondo, por exemplo PA s línguas,
2®A vida da língua. Com efeito, seria temerário, pelo menos na mi-
nba avaliação, deixar subentendido, através de um título, que as coisas que
têm um valor geral para caracterizar a língua fazem parte de urna vida, de
urna biologia ou de urna historia a ser escrita sobre esse organismo: há mui­
tas que apresentam esse aspecto, semelhante aos fenômenos da vida ou aos
fenômenos da história, mas há outras que não se encaixariam nesse quadro,
como toda a face lógica da língua, que depende ou pode depender de dados
imutáveis que os acidentes do tempo e do lugar geográfico não alcançam.
Amigos Documentos 265

Assim, um título como A vida da língua seria muito mal escolhido, sendo
preciso e restrito demais. Ainda que isto seja apenas uma opinião, vê-se que
é pertinente não querer cortar nada já no título: As línguas, é esse o objeto
concreto que se oferece, na superfície do globo, ao lingüista. A língua, é esse
o título que se pode dar ao que o lingüista souber tirar de suas observações
sobre o conjunto das línguas, através do tempo e através do espaço.

3334=2845 geogrúfica da língua. Ela é


0 primeiro fato que se apresenta à consideração. Diferentes espécies
e graus dessa diversidade
3334=2847-2862 ^ pluralidade de formas de língua sobre o globo, a diversidade
da língua quando se passa de um país a outro, de um distrito a outro, é essa,
por assim dizer, a constatação primordial, a que todos fazem imediatamente.
Por enquanto, não vamos misturar à coisa a preocupação com suas causas
possíveis, vamos tomá-la tal como ela se apresenta. Eu digo que essa diversi­
dade geográfica é o primeiro foto que se impõe, ao lingüista e a todos em
geral. A variação da língua no tempo escapa, de início, ao observador, mas é
impossível que a variação no espaço lhe escape. Só chegaremos mais tarde à
variação no tempo e veremos, então, que, no fundo, ela não é separável da
variação no espaço; mas é apenas a segunda, eu repito, que é ¡mediatamente
dada. O observador, colocado numa geração determinada, no começo nada
sabe sobre o que poderia ser a língua antes del^ ele tem, então, ocasião
de perceber [ ]. Ao contrário [ ]. Mesmo as tribos selvagens...
E é por isso, pode-se dizer, que todo povo, por inferior que seja, toma
consciência da língua.
Contato com aloglossas... O velho mito das torres de Babel mostra que
problema [ ]
O mais rude camponês que fala patoá, lhes [ ]
Observemos, de passagem, de que forma as povoações primitivas são
propensas a conceber [ ]: ela não deixa de ter interesse. De um lado, é
isso que distingue de outras vidas [ ]. É uma característica; e vestuário,
penteado, armamento. Isso é bonito. Compleição, (não cor da pele), estatura.
iõitopa tem os dois sentidos.
Agora, é preciso acrescentar que, regularmente, cada povo dá a superi­
oridade a seu próprio idioma: bègues — pópPopoç, mlêchas (aqui, traço geral,
até os mais civilizados alimentam, a respeito de cada fenômeno da língua
comum, a concepção mais contrária ao bom senso).

Para a própria lingüística [ ]. Não houve lingüística que logo que


A gramática análise interna [ ].
266 Notas Preparatorias para os Cursos de Lingüística Geral

Os gregos [ ]. 5iáXejftoi. Observação incidente: proteiforme. Pouca re­


lação entre a gramática e a diferença das línguas. Outra observação. Se a lín­
gua se apresenta como algo geograficamente diverso, será que não se apre­
senta também como algo que diferencia os emismos? Muito mais complexo.
Etnico = principio de variação no tempo ou de relativa resistência à
variação no tempo.
Então, já em nome disso, seriam misturadas as considerações que não
se oferecem imediatamente.
A segunda constatação, depois do fato da diversidade: analogia mais ou
menos forte, semelhança ou dessemelhança mais ou menos forte. Consta­
tação que é muito mais simples do que se imaginaria ao ver como a gramá­
tica comparada tardou.
O camponês mais rude... Ele tem curiosidade de... — Não apenas diale­
tos, mas italiano e francês.
Os gregos perceberam que o latim continha uma multidão de [ ]

A que leva esta observação tratada científicamente? Semelhança, se for


considerada séria: parentesco. Parentesco supõe genealogia, retomo ao passado em
direção a uma fonte. Por isso, é impossível deslindá-la em seus detalhes: so­
mente o princípio.
Famílias de línguas: Por sua vez comparadas, esses grupos [ ]
Limites intransponíveis
MM-JÍ72 [jg.g gj-arides casos:
Diversidade no parentesco

{ Diversidade sem parentesco reconhecível.


3330=2863-2865 p £)gyg.gg espcrar que se transponha [ ]?
Semítico — indo-europeu. Trombetti. Demonstrável e verdadeiro.
3334=2875 2 ü Qualquer comparação é proibida? Qualquer comparação his­
tórica, sim, mas não qualquer comparação a respeito da organização gra­
matical.

3334=2919 p Diverslficação de uma língua originariamente una. Princípio do


fracionamento no mesmo lugar.
Reconheceu-se, como princípio geral, que o processo que leva uma lín­
gua a se tornar múltipla se fraciona em muitas línguas, não tem relação,
necessariamente, com deslocamentos de populações. Esses deslocamentos
podem ser um fator que vem se misturar e se superpor, por assim dizer, mas
é essencial constatar, antes, que o fenômeno se produz fora desse fator as­
sim como com a complicação desse fator.
Sendo dada uma superfície geograficamente determinada e unilíngüe
no momento A, há
Amigos Documentos 267

ePiFU'ÍKt

duas coisas a supor como certas e a pôr em evidência.


A primeira coisa, que sabemos de antemão, é que o momento B oferece­
rá um outro estado de língua mais ou menos modificado com relação a A.
Isso é a conseqüéncia do Tempo, ou do principio de que a língua se modifica
no Tempo.
Ora, esse primeiro fato seria perfeitamente concebível por si só, isto é,
B, sempre representando um segundo estado, seria não menos unilíngüe
do que A.

i ‘R Á A .^ Jt líu z ^ J )
Mas o segundo principio, verificado por observação, é que a modificação
não leva jamais a um resultado idéntico em toda a superficie. Acontece sem­
pre que pelo menos urna parte das modificações toma direções diferentes
nos diferentes pontos da superficie; assim, à modificação no Tempo
corresponde sempre, simultaneamente, uma diversificação no espaço.

1-------------- -

R - ! ^ 1^ ^ *■+ \ ( f f ! í 't\
[’V/V¡ VJ

Se vocês derem, no que diz respeito à língua, Tempo ao Espaço (tempo


suficiente para se fazer valer e sentir) ou, o que dá no mesmo, no que diz
respeito ao tempo, se vocês derem à açâo do tempo um elemento de espaço,
0 resultado será sempre o múltiplo do espaço e do tempo, ou seja, não será
um [ ]. Uma diversidade de idiomas.

b, b', b"

independentemente da alteração do idioma.


Exemplo; na Itália inteira falou-se, em certa época, o latim. Um latim.
Sensivelmente idêntico.
268 Notas Preparatorias para os Cursos de Lingüística Ceral

Retomando o mesmo espaço geográfico hoje, a mudança se traduz por

A latim uniforme
B italiano uniforme?

De jeito nenhum. O italiano que se fala em Gênova, em Veneza, em


Florença [ ]
Há, então, uma tentativa permanente de língua comum que se chama
italiano literário, mas isso é um produto da literatura e da vontade da nação
[ ] com base no dialeto toscano, principalmente.
3334=2919 djretos do latim são a tal ponto diferentes que um
milanés que vai assistir uma peça de teatro local em um teatro de Nápoles
não compreende os atores. Idéia de Europa vazia de povos.

3334 2951-2953 diversidode na continuidade


geográfica

Nós nos colocaríamos diante de um extenso territorio primitivamente


unilíngüe ou que pode passar por tal. E supondo, por outro lado, urna popu­
lação fixa e sedentária para todo o territorio.
Pode-se tomar por modelo o territorio da Gália por volta de 250, que
tinha, nessa época, uma língua que pode ser considerada uniforme de um
extremo ao outro logo depois da assimilação romana, o latim falado em
Trèves, em Tours ou em Toulouse, Genebra. Marselha teve um momento
idêntico.
Primeiro fato certo, considerando apenas o tempo. Colocada diante da página
em branco, no início de um período mais ou menos longo, por exemplo 500
anos, ou muito menos, pode-se predizer, fora qualquer outro fato que se
acrescente secundariamente, que essa língua não será mais a mesma, idên­
tica a ela mesma, se considerada na outra extremidade desse período de
tempo.
Como sabemos disso? Porque é a experiência universal. Em qualquer
exemplo que a história nos permita acompanhar uma língua ao longo de
dois ou três séculos, constata-se que o espaço de tempo escoado corresponde
regularmente a uma modificação mais ou menos forte dessa língua.
3334=2205-2207 excmplo dc imobilidade absoluta. Absoluto é o prin­
cípio do movimento da língua no tempo, movimento que se faz de modo
diverso e mais ou menos rápido conforme o caso, mas fatalmente. Nada
pode brecá-lo: talvez os períodos agitados pelas guerras, pelas agitações ci­
vis, pelas crises nacionais, o acelerem, como muitas vezes se sustentou; mas
Antigos Documentos 269

isso é indiferente para o princípio porque, mesmo no mais tranqüilo dos


períodos, o rio da língua nunca é idêntico se considerado acima ou abaixo
de um certo intervalo, mesmo que seja entre duas cataratas. É sacrificar o
fato geral ao acidente insistir nas causas que podem, algumas vezes, preci­
pitar o movimento; basta que ele exista imperturbavelmente, naturalmente,
acima de qualquer circunstância.
O fato desse movimento contínuo nos é muitas vezes obscurecido, para
dizer a verdade, pelas línguas literárias, línguas que são as primeiras, ou
mesmo as únicas, a que nosso pensamento se remete.
3334-2209 efeito, toda língua literária, depois que consegue se formar
em algum lugar, é relativamente imóvel, não servindo para nos fazer sentir
até que ponto a língua verdadeira, a língua que vive livremente no seio de
uma massa social, é uma matéria que se modifica em função do tempo.
3334-2208 ^ presença das línguas literárias foi apontada antes, em nosso
curso, como um produto geograficamente superposto a outro, geograficamente
superposto à língua natural. Assim como lhe é geograficamente superposto,
assim ele se insere em outras condições de vida, e temos em vista apenas as
condições de vida do produto natural.
3334=2210 causas pelas quais as línguas literárias resistem, mais ou me­
nos, à tendência à mudança, que é geral na língua, ou não participam plena­
mente dela, nós as consideraremos em outra parte. Aqui, trata-se apenas,
como já aconteceu antes, de colocar claramente de lado o caso da língua
literária — e, dito isso, nós nos recolocamos diante do quadrado que repre­
senta uma

J
superfície lingüística unilíngüe entregue livremente às forças que nela agem.
3334-2954-2962 afirmamos, como primeiro ponto, que a língua não seria
mais a mesma ao fim de um período determinado.
E é preciso acrescentar imediatamente, como segundo ponto, que é tão
certo quanto o primeiro, que ela não será modificada igualmente em todo o
território.
Vê-se também a verdade do que dizíamos: a modificação acaba sendo
uma coisa relativa só ao tempo, mesmo que seja diferente no espaço. O
tempo, mesmo reduzido a um único ponto do espaço, produzirá modifica­
ção. O espaço, ao contrário, é incapaz de produzir algo. Quando se quer
explicar o espaço, ele deve, ao contrário do tempo, ser sempre considerado
verticalmente e nunca horizontalmente na figura.
270 Notas Preparatorias para os Cursos de Lingüística Geral

y - ____ / ’

Caso real
Caso incomum
e que se revela, sem exceções,
(Evolução no Tempo que chega ao
inevitável. Evolução no tempo
mesmo resultado em todos os
que é seguido de modificações,
pontos do território.)
diferente de um lugar para o outro.

Mas é preciso abordar, de um segundo ponto de vista, o que acaba de ser


indicado, muito sumariamente, para começar.
Como vai começar, como vai se desenhar, pouco a pouco, a variedade
que leva a inumeráveis dialetos? Esse ponto é muito [ ]
1- Por inovações sucessivas precisas, que constituem tantos outros de­
talhes especificáveis.
Por exemplo: na ordem morfológica, gêbamês gebam (es),
Na ordem fonética, a mudança s > z, etc.
2“ Cada urna dessas inovações terá aquilo que se chama sua área: de
duas urna: ou bem cobrirá todo o territorio, acontecerá em toda parte. Hsse
é o caso mais raro, e este caso, naturalmente, mesmo modificando a língua
cora relajo ao estado de partida, não cria diferença interior, diferença geo­
gráfica. Ou então, ao contrário, e cora mais frequência, território limitado,
área de um fenómeno de inovação. E é esse o nó de todas as formações de
dialetos e de toda diferença geográfica:

(origem)

Essa área não pode ser determinada de antemão por nada, nem por pro­
vincia e nem mesmo uma a uma, solução de continuidade.
Antigos Documentos 271

Áreas diferentes, desenho totalmente verdadeiro!

ka / tsa
vaque, rescapé, cage

3334=29692970 jggQ formai' cHalctos, ou seja, uma série de tipos


lingüísticos fechados, que correspondem a uma determinada província, com
fronteiras claras em todos os sentidos:

Isso seria muito imprudente dizer. Veremos, ao contrário, que a noção


de dialeto é precisamente atacada, desde que ficou claro o feto de que as
inovações têm, cada uma, sua área livre.
Então, nós nos absteremos de formular o resultado de antemão e de
maneira muito precisa, e sobretudo de falar de dialetos, ^^^=^963 296/
se poderá dizer; ao fim de 1.000 anos, as duas extremidades não se com­
preendem mais.

Mas, tomando um ponto qualquer, pode-se ir em todas as direções.


Mas pode-se atravessar observando-se, o tempo todo, apenas mudanças
insensíveis, já que a soma das inovações só varia parcialmente
Chegou 0 momento, para melhor perceber a natureza dos fatos aponta­
dos, de considerar a coisa por outro extremo: voltar à observação geográfica.
Porque

é através de observações geográficas que se esclareceu, em lingüística, o


grande fato da diferenciação dialetal. (Antes, é preciso observar o resultado
da ação do tempo.) Colocando-se em um ponto qualquer (francês), em um
272 Notas Preparatorias para os Cursos de Lingüística Geral

vilarejo determinado, particularidades serão ressaltadas. É certo que cada


urna dessas particularidades será reencontrada à medida que se avança pelo
mapa, mas é impossível prever até que ponto.

3334=2989 gg considerar grandes extensões, a questão passa a ser de


duas línguas, e não unicamente de dialetos — e isso supondo sempre um
desenvolvimento não tumultuado, no mesmo lugar.
3334=2996 ^ q pj-i^cípio pelo qual não há um lugar preciso em que começa
uma língua e termina outra é o mesmo que determina que cada uma delas
seja subdividida em dialetos. E claro que, se houvesse

a coisa seria espantosa e incompreensível. Mas


língua A — soma de dialetos que se ligam entre si em todo o território;
língua B — ” ” ” ” ” " ft tf ft rt

Em A, haverá dialetos mais diferentes de B ou menos diferentes de B,


conforme a relação, de modo que tudo é transição de um extremo ao outro
da cadeia. Assim como há passagens no interior de [ ]
3334=2994 22 fórmulu quo aptesentada, falou-se de dialetos fechados para
simplificar. Ainda mais claro quando há apenas variedades que diferem de
lugar pela soma das ondas lingüísticas.
3334=2997 constata tão raramente o caso da passagem insensível
de uma língua a uma outra?
Para isso, é preciso que as condições históricas tenham sido muito favo­
ráveis. É preciso, principalmente, que tudo tenha ficado no lugar, como en­
tre italiano e francês.
3334=2992 g^emplo dc um caso que está bem perto de nós: quando se ca­
minha em diagonal, na França, de Pas de Calais aos Alpes, continuando
Amigos Documentos 273

depois até Turim, não há um lugar preciso em que se possa dizer: eu deixo o
francês e entro no italiano.

Três cadeias de unidades mais ou menos vastas, mas nenhuma é precisa


em seus limites (a menos que se tome uma só característica como critério).
Na crista dos Alpes, série de dialetos tão aparentados ao saboiano quan­
to ao piemontês.
Em um tal estado, a noção de línguas separadas não passa de uma noção
distante. A pouca distância, não se sabe quando se está em uma ou na outra.
Eu digo que seria ideal ter uma cadeia parecida entre as grandes unidades
indo-européias.
3334=2998-3019 Qy^gg q^g gj^ ^pda parte, é preciso contar com os desloca­
mentos de população e, além disso, com os deslocamentos acumulados du­
rante os séculos.
Grande exemplo da família indo-européia. De maneira geral, observa-se
muito bem que cada idioma é a transição entre dois outros ou muitos ou­
tros.
eslavo, iraniano e germânico / germânico, eslavo e celta;
por outro lado, itálico:
celta germânico / itálico / itálico entre celta e germânico.
Tanto que, sem conhecer a situação no mapa, se desenharia [ ]
Mas, no entanto, consideremos a fronteira germano-eslava, salto brus­
co. Isso quer dizer que nunca houve formas de transição? É possível, mas
esses dialetos pereceram e uma das causas que cem vezes os fariam perecer
é o fato de nem germanos nem eslavos ficarem no próprio território. A re­
gião intermediária está, há muito tempo, coberta de dialetos que não são
dessa região. Suponhamos que, depois das perturbações, fossem os italia­
nos da Calábria a povoar o Piemonte. será que é sempre verdade dizer que
[ ]? E é isso que acontece a todo momento.
A fronteira lingüística se acentua porque as populações fronteiriças es­
tão inundadas ou desaparecidas (duas folhas de papel).
A mesma coisa pode perturbar, numa determinada língua, o estado dos
dialetos. Grego antigo.
274 Notas Preparatorias para os Cursos de Lingüística Geral

Ondas lingüísticas foram comparadas a limites de vegetação. Natural­


mente, só para dar urna idéia da coisa. Limites da vinha, da oliveira, do
[ ]. Muito bom para dar urna idéia do “dialeto".
Mas retomemos essa comparação. Imutáveis. Ao passo que, quando a
população se põe em movimento [ ]
Complexidade visível, quando colocamos a questão da transição entre
germânico e itálico. Onde estão os dialetos que, a uns 1.500 anos antes da
era de Cristo, faziam a passagem entre germânico e itálico muito mais longe?
Quer se considere a família indo-européia ou qualquer outra, ou quer se
considere, até mesmo, uma sub-família qualquer (de uma família qualquer,
sendo que tudo se passa na época pré-histórica ou na época histórica), sem­
pre se verá que há uma ligação entre essas quatro coisas:

A soma da expansão territorial de uma família lingüística;


/ A soma da divisão interior do bloco que pode se exprimir pela pala­
vra dialetos;
O ponto central primitivo, lateralmente
4“ A questão das migrações de povos.
Eu repito que a primeira idéia foi que os três primeiros fatos teriam que
se transformar no quarto

Daí, Intervenção da noção de fracionamento no local

Noção lingüístico-geográfico-histórica.
Tfata-se de um princípio geral, que não tem relação mais especial com a
massa indo-européia do que com uma outra massa.
Toda massa lingüística, como mostra a experiência, chega fatalmente a
se diversificar no local, sem que esse feto suponha um deslocamento de
qualquer tipo.
Ou mais precisamente; à mudança necessária no tempo corresponde
[ ]
Antigos Documentos 275

Uma superfície geográfica unilíngüe é fatalmente destinada a se tornar


uma superfície multilíngüe por fracionamento da língua primitiva.
Dê ao Espaço um tempo suficiente, \
Dê ao tempo um certo Espaço geográfico,5, /
invariavelmente o produto [não será] a mas aaa

b'b"b"

A
100 km"
Ç .[(1 -1 .1 1 í
Quer se trate [ ],
Em qualquer massa humana que forme uma massa geograficamente
contínua, é preciso reconhecer a existência simultânea e incessante de dois
fatores que são exatamente contrários um ao outro e tendem a fins direta­
mente contrários um ao outro. É por causa de sua contrariedade, como se
pode acrescentar imediatamence, que não é possível, em caso algum, prever
a parte que lhes caberá no estado final, porque esta aparece como resultado
de uma luta. Esses dois fatores, dos quais nenhum chega a ser reduzido a
zero, são simplesmente a.força de campanário, de um lado, e a força do íntercurso,
do outro. (Eu fico, por ora, com estas duas designações, que considero cla­
ras, sem estar bem certo que seja possível substituí-las sem dano para o que
se quer dizer.)
De um lado, o campanário, ou seja, os hábitos que se desenvolvem numa
comunidade cujos membros são estreitamente ligados entre si em um meio
restrito, como por exemplo um vilarejo, um pequeno cantão. Esses hábitos,
ainda mais fortes para cada indivíduo porque, em geral, representam para
ele os hábitos da infencia, podem, sem dano para a teoria, passar por força
central e fundamental. Se essa força fundamental fosse puramente deixada
a si mesma, sem nenhum contrapeso, o resultado seria uma particulariza-
ção ao infinito, não só da língua, mas de todos os hábitos mais ou menos
comparáveis, como o vestuário. Todavia, ao lado do que torna os homens
sedentários, há tudo o que os leva ã se misturar uns aos outros através de
uma distância qualquer.
Segunda força, o intercurso, que será corretiva da primeira. Em um vilarejo,
haverá passantes vindos de mais ou menos longe. Mas, coisa mais impor­
tante, uma parte da população irá a lugares vizinhos, para uma festa ou para
uma feira e, mesmo nessa festa [ ]. Ou haverá ondas de guerra, unindo
em um só exército homens de todos os vilarejos. E assim por diante, de
maneira que [ ]. A existência por localidades separadas é, ao mesmo
tempo, uma coisa ilusória e uma coisa verdadeira. Ela vale ou não vale, mas
276 Notas Preparatorias para os Cursos de Lingüística Geral

sem que se possa prever em que detalhe. Os dois principios estão em luta,
sem cessar, um marchando para a equalização, o outro para a particulariza-
ção. Influências divisórias/Influências unificantes = ocasiões que se
reaproximam. Unificantes — propagadoras
ou resistentes
coesão em um sentido ou no outro por oposição à dispersão,
considerada em uma certa superfície, cooperam. Toda onda de inovação
supõe, ao mesmo tempo, força divisória e unificante de tal [ ]. Miste­
rioso à grande distância [ ]. 1- caso do isolamento. ^^^^”^0^2-3071
imaginar que os fatos de [ ]

Sem 0 fato de propagação


Primeiro princípio. A diferença geográfica seria totalmente redutível ao
tempo. O que equivale a dizer que, materialmente, não há transição, em
momento algum, entre as formas geográficas

medzo — med¿o

mas unicamente entre

ou desenvolvimento histórico livre, de um lugar ao outro. Por razões de


todos os tipos, é com esse esquema que temos que nos preocupar, é dele
que temos que nos compenetrar em primeiro lugar e é ele que continua
sendo a base geral. Mas o que acaba sendo acrescentado, o fato da propaga­
ção contagiosa de uma característica em outras regiões, faz com que o es­
quema se complique
Antigos Documentos T il

medzo ganha e envolve med\]o, desta vez por conquista geográfica, não en­
contrando mais seu esquema em
i i
meclzo mas em medQo
Dois eixos
Do ponto de vista de quem quer estabelecer exatamente o que se passa,
cabe distinguir os lugares, o que depende unicamente do eixo do tempo, e as
áreas de contc^io, recorrendo à dupla noção de tempo e de propagação atra­
vés do Espaço.
Primeira observação a propósito das extensões geográficas das caracte­
rísticas lingüísticas;
quando se considera um vilarejo, ou seja, um único ponto do território
lingüístico, os traços de língua podem ser classificados, de início, em fatos
locais ou fatos gerais, que não diferenciam a língua local do que a cerca. E
será fácil, contanto que não se saia desse ponto, reduzir uns e outros a um
fator que temos.

Para um ponto
soma das características = influências do intercurso
comuns com as outras regiões será por evidência = unificantes;
próprias = influências de campanário (divisórias);
Mas quando, em vez de falar de um vilarejo, fala-se de um pequeno
cantão, substituindo por uma superfície geográfica aquilo que não passava de
um ponto, cria-se um paradoxo: não se pode mais dizer se é ao fator A ou B
que se devem, principalmente, os fenômenos e, na realidade, os dois coope­
ram, os dois estão implicados, embora sejam de tendências opostas; “Há
sempre regiões com as quais ele é comum.”

O que é mais importante? Forçosamente, se a difere de b, é necessária a


mesma força divisória de que falavamos no caso do vilarejo mas, no mesmo
instante, vê-se que ainda mais impactante é a coesão (e a concordância) que
se manifestou no território a para estabelecer essa diferença com relação a
b. Assim, já que se trata de uma superfície (que é o caso comum), pode-se
dizer que o fenômeno que divide essa superfície provoca tanto forças
unificantes, que criam coesão, quanto forças divisónos, que criam dispersão,
diferença.
278 Notas Preparatorias para os Cursos de Lingüistica Geral

Mas a única coisa impossível de saber é, em cada caso, quais dessas


forças agirão e em que medida.
No domínio germânico, que se estende dos Alpes ao mar do Norte, pro­
duziu-se coesão, como vimos, no caso da redução de a d; pu tornou-se du
em toda parte
Em troca, não há coesão total no caso do t antes do z, já que o Norte
mantém o t.

Ora, se nos convidarem para fazer uma reflexão filosófica a este respei­
to, será preciso dizer que o segundo fenômeno não é fundamentalmente
separado do primeiro pelo fato de não ter alcançado a totalidade do territó­
rio. É, ao contrário, extremamente semelhante a ele, embora estabeleça uma
oposição t/z ao Sul e ao Norte, pois foram necessárias as mesmas forças
misteriosas de coesão, fora de qualquer comunicação direta, para estabele­
cer, em um dos casos, a solidariedade de 3/3 e, no outro, de 2/3 do território.

Nossa observação um equivale a dizer que, considerando uma superfí­


cie, é preciso fazer abstração da força particularizante e reduzir tudo à força
solidarizante, que se manifesta em diversos graus.
Se tal característica a leva a se manifestar no território inteiro, ela acaba
mantendo a unidade.
Quando não tem força para isso, ela leva a uma divisão lingüística, mas
com a vantagem de não complicar o fator da resistência, visto que esse fator
dependería da coesão lingüística de uma outra parte do território.
Tudo pode $e reduzir, desde que se deixe o vilarejo (= ponto único), a
uma só força, que é mais ou menos coesiva no território, manifestando-se a
propósito de cada inovação particular.

Segunda observação: numa massa contínua de popuJação homoglossa, as


inovações podem ser gerais, mas, por outro lado, elas podem não ser gerais,
sendo que a coesão se manííêsca e se afirma, em diversos graus, para um
fenômeno a, ou é predso aaescentar que é só quando se compreende
desse modo as sequências possíveis da continuidade geográfica que se deve
dirigir o olhar para o caso da colônia geograficamente separada da massa,
para o caso da descontinuidade geográfica.
Há alguma coisa de cômico na idéia, geralmente disseminada, de que
seria mais simples julgar a diferença da língua no caso da descontinuidade
geográfica. Mais simples do que o quê? Aparentemente se quer dizer mais
Antigos Documentos 279

simples do que na continuidade. Quer dizer que a idéia é não estudar a


continuidade, que é o caso normal, e opor, sem mais nem menos, a descon­
tinuidade, que é um caso eminentemente particular? Eu vou mostrar que
nenhuma teoria sobre a descontinuidade é possível, ou que nenhuma tem
sentido, sem uma teoria anterior sobre os efeitos da continuidade.
A história da lingüística indo-européia mostra que os próprios lingüis­
tas não deixaram, coisa curiosa, de querer que as diferenças de língua
correspondam a separações geográficas materiais. Durante o primeiro pe­
ríodo em que houve uma ciência de línguas indo-européias, entendia-se
que cada povo — celtas, alemães, gregos, etc. — com sua língua, represen­
tava uma migrafflo, como se fosse um enxame de abelhas, tendo levado para
longe a língua recebida ao partir dos planaltos de Pamir. Ura belo dia, os
celtas, um outro dia os eslavos, etc., partiram do pé esquerdo dessas alturas
asiáticas, independentemente uns dos outros, como se fosse essencial que
eles se destacassem geograficamente da massa. Esse exemplo prova unica­
mente que o nosso espirito ama as representações que podem se traduzir
visivelmente: eis aqui duas línguas diferentes de uma outra que as prece­
deu. Muito bem, vamos colocar a primeira aqui.

depois fazer partir os balões que transportam o indo-europeu para longe, o


que explica, supostamente, que ele não será mais idêntico a si mesmo pelo
fato da separação geográfica.
Essa era uma concepção totalmente infantil pelo simples fato de ser
inútil. Supondo que o indo-europeu subsistisse compacto no mesmo lugar,
a mesma coisa se produziría, senão em cada detalhe, pelo menos em gerah
1“Esse indo-europeu não continuaria o mesmo; 2®ele seria fatalmente [ ]
É isso que acabaram enxergando os indo-europeanistas.
Mas foi predso um escrito, que deu o que felar, publicado em 1877 por
Joh. Schmidt: Die Verwandt-schafisver/iàltnisse der Indoger-manischen Sprache».
Aqui não cabe entrar no debate sobre o fato: nós quisemos apenas opor as
duas concepções, Com respeito ao fato, acrescente-se a consideração capital
de que os idiomas indo-europeus formam uma cadeia de transições, que a
contígüidade de a e &corresponde a características comuns mais ou menos
definidas, o que é decisivo para supor um desenvolvimento na continuidade
geográfica. A partir dessa época, à teoria das migrações foi oposta, no que
diz respeito à família indo-européia, a teoria do desenvolvimento contínuo
{Wellentheorie).
280 Notas Preparatórias para os Cursos de Lingüística Geral

Teoricamente, o desenvolvimento s^arado constitui forçosamente o caso


secundário e não o caso primário a considerar em seus efeitos: visto que o
único meio que temos para estabelecer o valor de seus efeitos é medi-los
com a escala de outro desenvolvimento. Só é possível apreciar os efeitos da
descontinuidade relacionando-os aos da continuidade. Ora, foi estabelecido
que a própria continuidade tem efeitos diferenciadores, o que [ ]
Inglaterra. Para julgar, é preciso se representar Jutland. Para cada sHposío
efeito da separação:

£3

1“ dizer; a separação permitiu manter p, significa, na realidade, qualquer


coisa que considere o continente, a saber, que a continuidade propagou [ ]
Coloquemos a questão: Será que [ ] prova que t > z?
Finalmente, a Holanda prova que o desenvolvimento [ ]

3b [Notas para o curso III (1910 — 1911):


Análise da cadeia acústica]
3335= 720-725
®A análise da cadeia no tempo é o ponto de partida explícito ou
implícito [ ], e os criadores de alfabetos primitivos não procederam de
outra maneira. Nós não podemos analisar as impressões acústicas mas, to­
mando uma “cadeia de fala acústica", podemos distinguir imediatamente se
um espaço é semelhante a si mesmo de um extremo a

1
outro ou se não é semelhante a si mesmo. Assinalando cada espaço seme­
lhante a si mesmo e diferente dos dois vizinhos, sem se importar com sua
duração.

ter-se-á reunido as unidades irredutíveis da cadeia; a essas unidades, esta­


belecidas simplesmente por sua diferença e nada mais, os gregos atribuíram
signos como

ji S>Mm. fiç N
Antigos Documentos 281

3335= 741-
“Podemos distinguir imediatamente.” Nem sempre é esse o caso.
Mas outros povos não buscaram as unidades irredutíveis, inferioridade;
guiavam-se por um outro princípio:
pa, ka, ti, do (“silábico”).
A escrita não precisa dar conta dos movimentos articulatorios corres­
pondentes. A notação das diferenças de efeitos acústicos já basta.
O fonologista

No espaço acústicamente homogêneo marcado T, quais são exatamente


os movimentos do aparelho vocal?
Ele parte desse espaço homogêneo para o ouvido, sem o que ele não
poderia separar a unidade na cadeia de fala fonatória.
Por outro lado, enquanto a unidade acústica é inanalisável, ele pode
analisar os [ ]. Tantos quantos momentos da cadeia, o [ ]
Em uma unidade não redutível, não se pode fazer abstração da sucessão
no tempo, ou seja, a unidade compósita é sempre um pedaço de cadeia: elo
+ elo.
Em troca, os elos irredutíveis podem, por isso mesmo, não ser mais con­
siderados como elos, momentos, mas tratados in abstracto. Assim, será possí­
vel falar def, de i, etc., como a espécie/, a espécie t. Assim como do-ré-mi.
3335= 791-801

Consoantes
Articulação
Vogais: som laríngeo,
{
Caixa de ressonância
Graus de fechamento bucal: seis gr[aus]-

- c
O
28 2 Notas Preparatorias para os Cursos de Lingüística Geral

3c [Notas para o curso III (1910 — 1911):


Nomenclatura]
3336-1085 Q pj-Qijiema da linguagem só se coloca, para a maior parte dos
espíritos, sob a forma de urna nomenclatura. No capítulo IV do Génesis,
vemos Adão atribuir nomes [ ] e se [ ] pode-se dizer que [ ].

3d [Notas para o curso III (1910 — 1911):


Entidades e seções]
3337=1762-1764,1765,1772 Identidades, trem das 4 h. “a guerra, eu Ibes
digo, a guerra!" Entidades abstratas. Ordem — hôtel-dieu —
Dois-je — désireux (Repousa sobre seções). Genitivo.
3337=2195 p rgpQusa, do mesmo modo, sobre unidades materiais.
2- abstrato = não lingüístico.
3- se = para a consciência do sujeito falante, tudo é concreto.

3e [Notas para o curso III (1910 — 1911):


Arbitrariedade do signo e noção de termo]
3338=2105 Importância da palavra termo. Não concebível. Redução, em todo
o sistema de língua, da arbitrariedade absoluta à arbitrariedade relativa, que
constitui o “sistema”. Se fosse possível que uma língua consistisse unica­
mente em denominar os objetos, os diferentes termos dessa língua não te-
riam relação entre si, ficariam tão separados uns dos outros quanto os pró­
prios objetos; que os termos fossem, por outro lado, consagrados a denomi­
nar coisas materiais e visíveis. Assim, pão, cascalho. Handwerk
3338=2117 Observação.
Base, entre outras coisas, de qualquer estudo, a expressão. Compreende o
estudo das significações. Base, entre outras, da expressão: significação,
direto — indireto
simples — complexo
indecomponível — decomponível
(sintético — analítico)
P “analítico” jamais contém tudo
2* “sintético”
"totalmente arbitrário” — “parcialmente arbitrário” —
3338=2090-2096 elementos relativamente arbitrários e, outros, absoluta­
mente:
A ntigos Documentos 283

vinte dix-neuf
ormeau poirier
berger vacher
geôle prison
hache couperet
concierge portier
jadis autrefois, toujours
souvent fréquemment
parfois
aveugle, sourd.
chauve bossu, boiteux
commencer entreprendre
violet
lentille
bien (bon)
feuillage
all.
/verso
Laub feuillage
1—feuille 2 -age
métier Handwerk

3338 (2119-2123)

c :)
Associação interna — externa
— sistema; mecanismo gramatical
— “lexicológico”
— Línguas que isolam — que coordenam
— Armário. Compartimentos isolados, compartimentos que se
correspondem
alemão, inglês, chinês
Evolução. Latim > francês
separare
ministerium
284 Notas Preparatorias para os Cursos de Lingüística Geral

3f [Notas para o curso III (1910— 1911):


Necessidade da alteração dos signos;
sincronia e diacronia]
3339=12/8-1280 jg terminar este capítulo, eu quero acrescentar uma
espécie de post-scriptum como explicação para urna lacuna aparente que se
poderla assinalar aqui.
Talvez, dirão vocês, a “Necessidade” da alteração dos signos não tenha
sido suficientemente esclarecida, mesmo falando da alteração.
É certo que procuramos aprofundar as causas que garantem a continuida­
de = não-liberdade através do Tempo, mas não apresentamos nenhuma cau­
sa especial para a alteração [ ] resultam do Tempo. Nós dissemos, e faço
questão de enfatizar mais uma vez, que ela é apenas uma forma da continui­
dade, que é pelo próprio fato de continuar que os signos chegam a se alterar.
Mas nós não dissemos, eu reconheço, por que eles têm que se alterar. É
fácil indicar a razão dessa abstenção. Desde o início, eu estabelecí que havia
fatores de alteração distintos, mas tão misturados em seu efeito que não é pru­
dente separá-los no mesmo instante. Eu disse que o fato total só se traduzi-
ria, com segurança, pela expressão deslocamento da relação total entre
significante e significado, esteja a alteração no significante, esteja ela no
significado.
Então, nós consideramos a alteração sem separar suas causas e suas
formas, porque há um certo perigo em querer fazê-lo sem outra forma de
processo.
Já que nós nos pusemos na situação de quem ignora, previamente, as
causas específicas, é claro que não podemos dizer, ao mesmo tempo, que
vamos aprofundar essas causas.
A questão de necessidade ou de inelutabilidade se apresentaria separada­
mente para cada fator de alteração; por exemplo, é inelutável, numa massa
social colocada sob a condição do tempo, que os signos se alterem fonética­
mente (materialmente) (em sua imagem acústica)?
Quem tiver investigado essa necessidade não terá ainda respondido, res­
pondido, sim, e explicado a fundo suas causas, quase mistérios, e não terá
afirmado sua teoria sobre esta outra, que representa igualmente uma altera­
ção sob um outro aspecto que não o fonético, e assim se vê que: [ ]
Quando se trata das causas da continuidade geral através do tempo, elas
estão à disposição de qualquer observador: como os a priori; nós só chama­
mos a atenção para certas causas que passam despercebidas por serem evi­
dentes, como o fato de que todo mundo, todos os dias, se serve da língua.
Quando se trata da alteração através do tempo, mais vale, agora, falar
apenas do deslocamento da relação global dos termos e dos valores, renunciando a
Antigos Documentos 285

investigar o grau de necessidade a priori, já que se renuncia a distinguir as


causas uma a uma.
Pode-se fazer referência, provisoriamente, ao simples fato de que toda
espécie de coisa que esteja submetida ao Tempo se modifica, portanto, que
a língua ou soma de relações [ ]. (portanto, a língua = soma de relações
entre o significante [ ].)

3339 130M317 ^ inscrír, como o precedente,


antes de;

A lingüística estática e a lingüística histórica


Dualidade da linguística

Este capítulo é a seqüência direta do precedente e, ao mesmo tempo, a


indicação da base geral sobre a qual vamos nos colocar daqui por diante.
Não há nenhum desacordo com o plano original deste curso, que tem,
talvez, um reflexo nas notas de vocês. Houve simplesmente uma inversão
do momento em que trouxe o dado Tempo, a noção histórica, que introduzi
no terceiro capítulo. Pode-se hesitar, com efeito, a respeito do momento
exato em que é preciso fazer com que o dado Tempo faça a sua aparição.
Como vocês verão, eu podería, a rigor, dar-lhe lugar só mais tarde e, por
conseguinte, poupá-los de um remanejamento incômodo na ordem dos ca­
pítulos; porque estes só foram afetados em sua sucessão.
Mas, precisamente porque se trata apenas de números, sem mudar em
nada a substância, eu não hesitei, em vista de certas vantagens, em situar os
capítulos sobre as conseqüênctas do tempo mais acima do que tinha previsto.
O fato de que o Tempo intervém para alterar a língua, como intervém
para modificar qualquer coisa, não parece, de início, um fiito muito grave
para as condições em que se coloca a ciência linguística. E eu devo acrescen­
tar que vejo apenas uma ínfima proporção de lingüistas, ou talvez nem isso,
dispostos a acreditar que a queseo do Têmpo criou, para a Lingüística, con­
dições particulares, dificuldades particulares, questões particulares e até
mesmo uma questão central, podendo acabar por cindir a Linguística em
duas ciências.
Quando lançamos o olhar sobre outras ciências, eu repito que não pode­
riamos mais assinalar um efeito particular produzido pela consideração do
fiitor Tempo alteração dos termos frente a frente).
Vemos que a astronomia constatou notáveis mudanças no céu no tempo
mínimo de que dispôs, mas i^o se vê, com clareza, uma razão para que isso
separe a astronomia em duas, para que faça dela duas disciplinas.
286 Notas Preparatorias para os Cursos de Lingüística Geral

Vemos que a geologia, um pouco ao contrário da astronomia, reflete


quase sempre sobre as sucessividades, sobre as mudanças no tempo, mas
quando trata de estados fixos da Terra, considerados fora do Tempo, ela não
faz dessas duas coisas objetos fundamentalmente separados.
Vemos que há urna ciência do Direito e urna Historia do direito, confor­
me o tempo, e que ninguém sonharia em declarar, por isso, que a Historia
do direito constitui uma disciplina separada da Ciência do direito.
Vemos a historia política dos Estados se mover eminentemente no tem­
po, mas sem fazer nenhuma distinção se algum historiador traça, ao contrá­
rio, 0 quadro de uma época, excluindo, por conseguinte, as mudanças do
tempo.
Vemos que a história das instituições políticas investiga, antes de tudo,
estados de coisas fora do tempo, mas não sonha em mudar de objeto quan­
do fala, ao mesmo tempo, das modificações consecutivas no tempo.
Vemos a Hconomia política (Wirtsdu^tslehré) tratar principalmente do equi­
líbrio entre o trabalho e o capital como forças sociais, com todas as forças
intermediárias.
Mas aqui, neste instante, coisa notável, eis o que vemos de repente e
como numa mudança de cenário:
é que, contrariamente a tudo o que se passava com as ciências preceden­
tes, eis que se fala dc História econômica (= Economia política no tempo)
como se fosse uma ciência separada. Separada até que ponto, nos pormeno­
res, é coisa que não quero julgar pessoalmente, bastando-me ver que uma
Universidade como a nossa confia a dois professores diferentes a História
econômica e a Economia política. Por quê? Pode ser e é provável que não se
tenha dado plena atenção a isso, que só se tenha obedecido a uma necessi­
dade interna. Mas é pela razão que, em breve, a dualidade da ciência lingüís­
tica nos fará ver; a saber: no caso da Economia política, se está diante da
noção de valor: eu me corrijo: que já no caso da Economia política, embora
em grau inferior ao do caso da linguística, se está diante do Valor {ipsofacto:
sistema de valores, já que todo valor Implica um sistema de valores).
3ÍÍ9-1323 ^ notável que se tenha sido praticamente levado a experi­
mentar, mesmo sem querer, já numa primeira ciência de valores, a impossi­
bilidade de tratar ao mesmo tempo desses dois objetos: o sistema de valores
tomado em si (ou em um momento, e o sistema de valores no Tempo.
3339=1319-1322 ^ ycrdade é que, mesmo para as ciências que se ocupam de
coisas, seria vantagem estabelecer melhor a diferença entre os dois eixos em
que as coisas existem.
Antigos Documentos 287

0 eixo das contemporaneidades 1


(em que se pode fazer desaparecer
I
< - -------------
0 fator Tempo)

j L e o eixo das sucessividades


(coisas x Tempo).

Quando se chega às ciências que se ocupam de valores, a distinção, que


era apenas quase facultativa até então, se torna uma necessidade teórica e
prática de primeira ordem. Pode-se, a partir desse instante, desafiar, quem
quer que seja, a estabelecer uma ciência precisa fora da separação dos dois
eixos. í***"’^*''"^” * Quando se chega, em terceiro lugar, às ciências que se
ocupam, não mais do valor que cem uma raiz nas coisas, mas do valor arbi-
írariomente fixável (semiología) =* signo arbitrariamente fixável (lingüísti­
ca), então a necessidade de distinguir os dois eixos atinge seu máximo,
visto que, mesmo por simples evidência a priori, só vale o que é instanta­
neamente valorável.
Todo valor tem dois lados, como o signo lingüístico. Tanto que esse
valor tem, pelo menos por um de seus lados, uma raiz nas coisas, por exem­
plo

propriedade Z
50.000 francos

Valor: com relação ao franco, ainda é relativamente possível acompanhá-


lo no tempo com as variações de seu valor, sem esquecer que o contravalor
(50.000 francos) varia, por sua vez, de valor, conforme os estados de abun­
dância do ouro, etc. Mas tudo isso preserva um valor final por força das
coisas e não pode, na maioria das vezes, ultrapassar um certo limite.
Ao contrário, na associação que constitui o signo, não há nada, desde o
primeiro momento, além de dois valores que existem um em virtude do outro
(arbitrariedade do signo). Se um dos dois lados do signo lingüístico pudes­
se passar por algo que tem uma existência em si, seria o lado conceituai, a
idéia como base do signo.
3íS9=i282 linguagem, a língua tem sido separada da Fala, ela reside em
[ ] a alma de uma massa falante, o que não é o caso da fala.
33»=j2M-ií9j considerar a língua, não há nada, à primeira vista, que
impeça de concebê-la como lógica, já que o signo é arbitrário. O fato da
288 Notas Preparatorias para os Cursos de Lingüistica Geral

massa falante só modifica as coisas no sentido psicológico-lógico, mas não


revela imediatamente [ ]
Mas quando intervém o Tempo, combinado com o fato da psicologia so­
cial, sentimos que a língua não é livre; massa falante x Tempo.
j3i9«t2«3-t2!io Dçfínjção; desfalcando a Linguagem de tudo o que não é Rila,
o resto pode se chamar, propriamente, a Língua e se compreende apenas
termos psíquicos, o nó psíquico entre a idéia e o signo, o que não seria
verdade no caso da faia.
Mas, nesse caso, seria apenas a língua tomada fora de sua realidade so­
cial, irreal, já que, para que haja língua, é preciso uma massa plante que se
sirva da Língua. A língua reside na alma coletiva e este segundo fato entrará
na própria definição. De novo, nada de Fala.

{e a
Eis a língua, desde já concebível ou viável; mas fora da realidade históri­
ca. Como o signo lingüístico, por natureza arbitrário, parece, à primeira
vista, que nada impede que [ ] um sistema livre que só depende de
princípios lógicos e, como uma ciência pura, de relações abstratas.
jji9=i294-iJBo j^eaijdade histórica ou Tempo. (Massa lãlante sem Tempo —
Tempo sem massa falante.)

A língua não é livre pelo princípio de continuidade ou solidariedade


indefinida com as eras precedentes.
2- A continuidade encerra o fato de alteração que é um deslocamento de
valores.

3g [Notas para o curso III (1910 — 1911):


O valor lingüístico]
3340=1864 Yalor. O que é inseparável de todo valor, ou o que faz o valor não
é nem
a) ser inseparável de uma série de grandezas oponíveis que formam um
sistema, nem
A ntigos Documentos 289

b) ter [ ];
mas as duas coisas ao mesmo tempo e inseparavelmente ligadas entre si.
Valor é, eminentemente, sinônimo, a cada instante, de termo situado em
um sistema de termos similares, do mesmo modo que é, eminentemente,
sinônimo, a cada instante, de coisa cambiável. [ ] Considerar a coisa
cambiável por um lado e, por outro, os termos co-sistemáticos, não revela
nenhum parentesco. E próprio do vaíor relacionar essas duas coisas. Ele as
relaciona de um modo que chega a desesperar o espírito pela impossibilida­
de de se investigar se essas duas faces do valor diferem por ele ou em quê. A
única coisa indiscutível é que o valor existente nesses dois eixos, é determi­
nado segundo esses dois eixos concomitantemente:

Não é absolutamente importante perceber que os similia são, cada um,


naturalmente providos de seu dissimile, e que o quadro correto seria então:

Ao contrário, é o quadro final e vulgar que faz com que o valor se asse­
melhe a uma coisa que vê nele sua regra, deixando que se suponha, falsa­
mente, uma realidade absoluta.
Em todo caso, guardem o esquema

A relação simile : dissimile é uma coisa totalmente diferente da relação


simile — similia, e, todavia, esta relação pertence até o âmago, mas inacessi-
velmente, à noção de valor.
INDEX RERUM

abertura; 203, 205-07, 208, 209, 217 apossema*: 94-97


201
a b la u t*: [aquisição]: 103, 104
abrir, movimento de: 123, 217, 218 arbitrario (a): 72, 92, 136, 144, 153, 174, 213,
absoluto(a): 27, 28, 34, 35, 37, 43, 44, 52, 63, 220, 224, 282, 287, 288
64, 69, 70, 71, 74, 88, 92, 104, 127, 138, área: 145, 148, 270, 271, 277
143,144, 147,154, 155, 158,179,180, 181, articulação: 29, 66, 123, 202, 203, 205, 206,
185,186, 188,189, 197, 200, 201, 210, 225, 208, 209, 223, 281
226, 227, 228, 252, 253, 268, 282, 289 aspecto: 41, 170, 179, 186, 210, 284
abstração: 94, 115, 158, 159, 165, 166, 170, associação: 21, 46, 52, 85, 95, 103, 117, 140,
176, 220, 278, 281 163, 175, 194, 226, 258, 283, 287
acento; 148, 176, 185, 204 ato: 86, 115, 132, 139, 165, 212, 222
acidente: 39, 51, 52, 64, 65,137, 177, 178, 185, atributo; 75, 76, 79, 172, 221
189, 197, 264, 269 audível: 218, 219
acustema*: 213
acústico*: 23,26, 27,28, 29, 33, 100, 101, 123, base: 27, 32, 34-36, 40, 44, 47, 57, 69, 73, 77,
124, 125, 157, 170, 177, 204-07, 208, 211- 78, 95, 102, 129, 140, 161, 172, 177,180,
13, 216-18, 280, 281, 284 194, 195, 201, 204, 212-15, 218, 249, 261,
268, 276, 282, 285, 287
adição: 209
[adivinhação]: 117
cadeia*(c/iame): 29, 99, 102, 126, 140, 205-07,
adjetivo: 91, 105, 106, 164
211, 214, 229, 253, 272, 279-81
afasia*: 154, 221, 222
caminho fácil: 100
agrupamento: 157
campanário*: 275, 277
alfabeto*: 138, 205, 211, 280
campo(c/iamp): 26, 48, 104, 129, 142, 146, 157,
alteração: 63, 198, 199, 267, 284-85, 288
222
alternância: 28, 32, 37, 49, 56, 59, 60, 158, 206,
característica: 22, 25, 29, 52, 55, 57, 58, 59,
223, 230 74, 80, 86, 93, 94, 99, 109, 116, 118, 128,
amorfa; 220 132, 133,138, 140, 142, 144, 147, 148, 152,
anacronia; 160, 230, 231 154, 157,175,179,182,186,199, 200, 204,
análise; 28, 31, 52, 62, 100, 104, 126, 131, 139, 209, 214, 224-26, 248, 258, 264-65, 273,
140,152,157,158,159-63,165-69,185,193, 277, 278, 279
195, 199, 200, 214, 219, 220, 263, 265, 280 categoria; 38, 43, 49, 51, 53, 59, 64, 65, 67, 70,
analítico; 257, 282 74, 80, 106, 123, 158, 166, 176, 179, 189,
analogia: 98, 139-42, 145, 154, 159, 179, 181, 190, 203, 221, 223, 231
189, 227, 253, 266 cerebral: 45, 203, 221
anatomia: 96, 100, 101, 102, 220 [cérebro]; 137, 154, 163, 182, 222
ante 264 [ciência]: 23,43, 61, 62, 75, 78, 79, 98,101,104,
anti 48, 103, 186, 187 116, 126-32, 135, 137, 144, 152, 154, 157,
antigo(a): 25, 97, 119, 136, 142, 151, 156, 157, 175-77, 180, 184, 186-87, 193-95, 200, 203,
158, 161, 163, 185, 201, 211, 259, 264 210,221-24,226, 232, 259,260, 279,285-88
Index Rerum 291

classe: 54, 260 criação: 73, 97, 140, 158, 163, 164, 173, 190,
coexistente: 41, 71, 202 226, 227, 231
coincidencia: 36, 101, 118, 188
coisas: 23, 25-26, 32, 35-39, 42, 44, 45, 48-53, declinação: 47, 65, 93, 118, 119
55, 56, 58, 60-64, 66-71, 73, 76-80, 85, 94, decomposição: 165, 168
95, 97,98, 103-06, 109, 117, 119, 125, 127, delimitação: 70, 109, 117, 197
128, 131-33, 142-44, 148, 158, 163, 165, denominação: 69, 131,133, 143, 144, 153, 201
166, 170-74, 178-82, 184-85, 187-90, 191, dental: 37, 49
193-204, 208, 210, 211, 212-14, 216, 220, depósito: 131, 232
221, 222, 224-27, 229, 232, 233, 237, 241, derivado; 173
247-50,257-58,261, 264-65,267, 269,271- descontinuidade: 147, 250, 278, 279, 280
75, 279-80, 282, 285-89 descontínuo: 215, 216
[coletividade]: 58, 115, 132, 248-50, 258 designar, [designação]; 30, 65, 73, 87,95, 124,
coligível; 99 179, 180,181,184, 188,189, 194,197, 198,
combinação: 22, 41, 47, 58, 62, 88, 93, 105, 202, 218, 224, 225, 275
125, 126, 169, 177, 182, 187, 198, 206, 214, desinencia: 158, 160, 165, 169
deslocamento: 79,148, 177,180, 266, 273, 274,
217, 241, 258
comparação: 22, 41, 52, 64, 69, 71, 73, 79, 96, 284, 288
determinação: 39, 79, 171, 216, 251
100, Í02, 104, 133, 150-51, 155, 168, 175,
determinante: 36, 190
176, 178, 186-87, 193, 213, 219, 228, 259,
diacosmia: 101
266, 274
diacronia: 284
compartimento: 182, 222, 283
dialeto*: 37, 95, 131, 135, 145-49, 182, 228,
compósita: 218, 281
264, 266, 268, 270-74
composto(a):31,76, 80,96, 118, 119, 165, 169,
diálcse: 101
185, 258 diferença: 28. 30-32, 34, 36-37, 39, 42, 47, 51,
[conceito]: 80, 88, 237 52, 59, 60-62. 64. 65, 67-68, 70, 73, 75, 76.
concreto(a): 27, 29, 33, 35, 63, 70, 265, 282 80,94. 97.101-03,106.109. 123,126. 132.
confusão: 25,93, 118, 119, 136, 156, 162, 167, 145. 147,149.155,169.175,185,188,191,
173, 189, 200, 230 194,199,210,213,215,216,225,227,228.
conjugações: 92 250-53, 262, 264, 266, 270, 276, 277, 278.
conjunção: 91, 187 279, 280, 281, 286
conjunto: 116 diferenciação: 136, 142, 147, 149, 271
consciência: 21, 22, 37, 38, 44, 47, 54, 76, 95, diferencial: 51
97, 139, 141, 155, 157-59, 161, 166, 188, discursivo: 86, 87, 95, 105
265, 282 discurso: 87, 91, 105, 106, 220, 230, 237
consoante (consonant): 211 disposição: 102
consoante (consonne): 54, 66, 138, 194, 203, distintivo: 65, 80, 128, 147, 148, 199
205, 206, 209, 210, 281 distinto: 44, 45, 52, 57, 145, 210, 211, 218, 224,
constituição: 154, 222 249, 284
construção: 175, 189, 248 distribuição: 69, 208
contido(a): 30, 38, 52, 58, 65, 68, 71, 73, 132, ditongo*: 54, 202, 208
139, 140, 203, 264 [diversidade]: 35, 36, 49-51, 60, 118, 154, 163,
continuidade: 104, 132, 133, 137, 144, 149-50, 177,178, 210, 230, 252, 253, 259, 265, 265,
151, 155, 199, 252, 260, 268, 270, 278-80, 267, 268
284, 288 dlvisibilidade; 99, 102
contrário(a): 29, 70, 72,94, 101,109, 136, 169, divisões: 86, 87, 98. 100, 169, 208,219, 224
210, 225, 226, 261, 275 domínio: 22-24,28, 32.33, 38.43,44,52,53,58,
contra-soma: 103 60, 61. 63, 65, 67, 68, 73, 74. TI, 78, 87, 97,
contrato: 92, 177, 179, 248 152. 156. 163. 164. 171, 172, 173, 176, 179,
contravalor: 287 184, 194,232, 241,252,257, 259,260, 278
convenção: 63, 94,174,175,178, 223,226, 248 dualidade: 21,22,23,24,75,180,258,285,286
coordenação: 227 [dualismo]: 24, 144
coordenam, línguas que: 283
co-respectivo: 226 efeito: 21, 26, 48, 54, 74, 123, 138, 142, 147,
[correlação]: 27, 28, 68, 94, 115, 137, 184, 204 149, 154, 177, 204, 206-08, 212, 213, 279,
corte: 99, 169 280, 281, 284, 285
c o -statu s: 197
efetivo(a): 58, 198, 218, 219
292 Index Rerum

eixo: 181, n i , 286, 287, 289 fechado*: 203, 271, 272


elipse *; 49, 91, 92 fechamento*: 123, 205, 208, 211, 217, 281
elo*; 203, 204, 206, 208, 281 fechar, movimento d c *(fe n n a n te ): 123, 217
encadeamento: 192, 205 fenômeno: 21, 24, 34, 35, 46, 48, 59, 60, 66,
entidade: 23, 26, 27, 33-35, 36, 49, 60, 61, 75, 79, 80, 86, 92, 96, 98, 115, 116, 117, 125,
76, 118, 143, 182, 198, 199, 219, 224, 241, 128, 129, 138-42, 145, 147-50, 158, 160,
282 162, 166, 168,192,195, 196, 198, 199, 201,
entonrage*: 63 202, 206, 219, 221-22, 229, 231, 232, 241,
equilibrio: 213, 214 242, 247, 249-50, 253, 264, 265-66, 270,
esfera: 37, 44, 62, 74, 76, 103, 156, 167, 181, 277-78
185, 187, 189-90, 204, 232, 242 figura; 21, 24, 28, 31, 33, 37-38, 41, 42, 43-44,
espaço; 68, 125, 132, 145, 147, 149, 174, 207, 47-48, 63, 65, 67-68, 74, 95, 99, 170-72,179,
229, 251, 265, 267-69, 275, 277, 280, 281 183, 189-90,196,200,201,212-13,218,251,
espirito: 26, 35, 39, 43-44, 52-53, 58, 60-62, 269
70-71, 76, 80, 88, 98, 101-02, 105, 124, 140, filologia»: 116, 134, 152-53, 259
141, 142-44, 150, 152, 154, 158, 162, 171, [filosofia]: 72, 93
177-80, 183, 185, 187-89, 191, 193, 196, fisiología»: 23, 33, 96, 102, 128, 177, 210, 220,
198, 203, 211, 213, 219, 225, 258, 261, 279, 258
282, 289
fixação; 25
essencial: 53, 63, 65, 76, 132, 133, 153, 159,
fixidez; 95, 133, 228
178, 196, 200, 207, 212, 213, 214, 248, 266,
fonação»; 75, 101, 210, 214, 216, 258
279
fonatório*; 75, 124, 126, 154,211,212-14,216-
estático(a): 196, 199, 227, 285
18, 281
estrutura: 27, 102, 259-60
fonema*: 28, 115, 117, 118, 123, 125-26, 154,
etnismo; 266
203, 205, 209, 211, 214-15, 217, 219
executar; 211, 217
existir; 37, 43, 50, 58, 63, 105, 127, 153, 173, fonética(o)*: 24, 26, 31, 32, 35-36, 40-41, 43,
204, 223, 224 44, 46, 48-49, 51, 53-58, 59, 61, 63-65, 66,
explicar: 53, 55, 125, 153, 194, 204, 207, 214, 68, 75, 78-79, 86, 92, 93-94, 100, 102, 125,
251, 253, 262, 264, 269 133, 139, 141, 145, 150, 153, 155-58, 160,
explosão*: 123, 125, 204, 205-07, 214-15, 217 163, 164, 167, 169-70, 178, 195-96, 199,
expoente; 64 202, 205-06, 209-10, 216, 223, 227, 228-
expressão:22, 23, 32, 39, 42, 44, 45, 49, 56, 57, 31, 250, 257-58, 270, 284
76, 78, 96, 106, 145, 150, 151, 158, 166, fônlco(a)»: 95, 96, 100, 101, 220, 247
173, 185, 188, 194, 200, 202, 215, 222, 231, fonismo*: 94, 102, 223
232, 282 fonografar»: 137
[exterior]: 24, 53, 67, 69, 77, 95, 134, 137, 177, fonologia»: 75, 102, 123, 153, 177, 204, 207,
178, 180, 183, 184, 188, 198 209, 210, 212-15, 217, 218
externo: 21, 198, 249, 259, 262, 283 força: 118, 139, 162, 170, 178, 182, 202, 206,
213, 232, 248, 253, 269, 276, 277-78, 286
faculdade: 72, 98, 115,116, 128,139,182,210, forma: 21, 22, 28, 30-33, 36-42, 45] 46-49, 54,
222 56, 59-60, 62, 63-65, 74, 75, 77, 79, 87-88,
fala: 33, 58, 71, 99, 105, 115, 116, 128, 129, 91-95, 96, 97, 101, 103, 106, 115, 125, 128,
137, 139,205, 209,210, 218,226,232, 258, 135, 136, 138-42, 145, 146, 155-58, 159-
280, 281, 287, 288 69, 171, 181, 184, 186, 188, 191-95, 199-
família: 74, 100, 119, 129, 149, 151, 228, 259- 200, 204-05, 208, 212, 214-17, 219, 220,
62, 266, 273-74, 279 221, 223, 228, 230-33, 237, 257-61, 265-
fato; 22, 23, 31, 32, 33-39, 41, 44-52, 59-63, 73, 276, 284
64-74, 76-78, 79, 80, 85, 87, 93, 95, 101, formação: 38, 139-41, 159-61, 164, 165, 166,
103, 105, 106, 109, 115, 117, 125, 126, 128- 169, 226, 268, 270
33, 134, 139, 140, 141, 142, 147-48, 153- forte(fort): 134, 141, 144, 214, 266, 268, 275,
54, 156, 157, 160, 161, 162, 163, 166-68, 277
170, 171, 172-74, 177, 180, 182-86, 187-88, fortuita: 54, 150, 185
189-92, 195-96, 199-201, 203-06, 207-08, frase: 44, 86, 92, 95, 101, 105-06, 135, 188,
211-14, 216, 220, 221-25, 230-32, 241, 248, 206, 213
250, 253, 258, 259, 261-62, 265-67, 268-69, função: 24, 30, 41, 99, 101, 102, 129, 154, 181,
271, 274, 276-78, 279, 284-85, 287-88 Í84, 204, 219
fator: 38, 78, 127,132,135,139,142,145, 173,
179, 182,193, 198,247,257, 266,275, 277, generalização: 26, 35, 128, 129, 170, 176, 186,
278, 284-285, 287 187, 195, 260
Index Rerum 293

gramática*: 21, 24, 40, 44, 46, 53, 60, 102, 115, instituição: 179,181,182, 183-84,188,190,286
131, 140, 150-52, 158, 161, 168-69, 176, [instrumento]: 128, 151, 154, 184, 188, 212,
178, 183, 184, 190, 219, 221, 225, 250, 219, 247
265-66 [integração]: 80
[gramática comparada]*: 131, 150, 151 intercurso*: 145, 253, 275, 277
grupo: 29-30, 35, 37, 66, 67, 102, 119, 139, interior: 24, 31, 42, 74, 77, 105, 127, 135, 137,
148, 170, 174, 205, 206, 208, 214-19, 250, 174, 179, 192, 248, 258, 270, 272, 274
266 interno(a);21,98, 179, 182, 184,248,249,259,
gutural; 29 265, 283, 286
irredutível: 24, 26, 27, 35, 39-40, 44, 46, 88,
harmonia: 188 214, 280-81
hiato*; 136, 218 isolam, línguas que; 283
historia: 14, 30, 41, 45, 69, 103, 126, 130-33,
134, 137, 140-41, 146, 150-51, 176, 179, juntura: 215
182, 184, 186, 197, 233, 259-62, 264, 268, justaposição: 100, 209
279, 286
homogéneo: 24, 281 kénôm e*: 13, 85
homoglossa*: 278
homorgania*: 217 lado: 25, 26, 29, 34, 38-40, 60, 77, 85, 94, 95,
124-25, 139, 147, 163, 177, 179-80, 189,
idéia: 21, 22, 23-24, 27, 30, 31, 32-33, 34, 35, 198, 211, 214, 216, 251, 258, 287
38-42, 43-44, 45, 47, 48, 49-53, 58-59, 60, laríngeo”: 208, 281
65, 67-73, 75, 76, 78, 79, 92, 97-98, 100, latente: 26
103, 105, 127, 129, 130-31, 133, 134, 137, latitude: 37, 66
139, 140, 157, 159, 162,165, 166,170, 174, lei*: 88, 92, 93, 95, 109, 128, 130, 131, 133,
179, 182, 184-86, 187-89,191-93,197-201, 142, 149, 153, 174, 180, 181, 188, 196,201-
203, 209, 213-14, 216, 218, 224-26, 227, 02, 205, 213, 214, 222-24, 229, 230-31,248,
230, 231-32, 237, 241, 248-49, 252, 258, 249, 258
264, 268, 274, 278-79 letra(/ettrc); 30, 115-16, 124, 138, 175, 179,
identidade: 21, 23, 24, 25, 28, 32-35, 45, 62, 181, 207, 211, 213, 230, 232, 241
64, 68, 75, 77, 168, 170-72, 210, 282 lexicología*: 13, 44
ligação: 59, 172, 173, 179, 182, 189, 213, 223,
[identificação]: 62
ideográfica: 99 237
limitação: 70, 117, 197, 248
idioma: 69, 72, 115-16, 118, 129, 131, 133-35,
língua’»: 15, 21, 23-25, 27-30, 32, 34-35, 37-
137, 138, 142, 143, 145, 147, 150, 151, 155,
47, 51-54, 55-57, 59, 60, 61-62, 63, 65-68,
171, 224, 228, 229, 232, 250-52, 259, 260,
70-72, 74-75, 77-80, 85-88, 91-96, 98, 101-
265, 267, 273, 279
idiossincrônico(a): 93, 195, 196 02, 103-05, 109, 115-19, 126-47, 148-55,
imagem: 67, 102, 133, 137, 162, 187, 188, 248, 157-70, 172, 174, 176-79, 182-86, 188-92,
284 194, 195, 197, 198-01, 208, 210-11, 214,
imediato(a): 23, 38, 41, 44, 49, 74, 91, 117, 220, 221, 222, 224, 226, 227-30, 231-33,
195, 226, 241 237, 241, 247-53, 258-63, 264-70, 272-73,
implosão»: 123, 203, 205-08, 214-15, 217 275, 277, 278, 279, 282-85, 287-88
impressão acústica: 207, 208, 211, 212 linguagem*: 11-13, 14-16, 21, 23-26, 29, 34,
imutável: 264, 274 35, 41, 44, 46-48, 51, 60-62, 66, 71, 75, 77,
inanalisável: 281 79, 80, 87, 91, 92, 95, 99, 115, 116, 126-32,
inaudível: 218 133, 134, 136, 139-41, 154-57, 158, 162,
[inconsciente]: 139 166, 168, 170, 171, 173, 176, 177, 178, 179-
incorpórea: 247 89, 194, 196, 197-98, 200, 201, 203, 210,
indecomponível: 282 219-22, 225, 226, 229, 232, 251, 257-60,
[indiferença]: 37, 64, 224, 247 282, 287, 288
[indução]:’ 117, 259, 263 lingüística*: 21-28, 34-35, 38, 41, 43-44, 45,
inércia: 136 47, 48, 57, 58, 61, 63, 66, 67-68, 70, 74-75,
informes: 146 79, 86-87, 91, 93, 94, 98, 100-02, 103-04,
inibição; 123 109, 115, 117, 126, 127, 130-32, 135, 137,
inovação: 87,140,155, 181, 209, 253, 270, 271, 139, 141, 145, 147-48, 152-54, 163, 165,
276, 278 170, 171, 172-75,176-79, 180-84, 186, 187,
[instantâneo]: 24, 28, 41, 46, 48, 54, 55, 57, 190-95, 195-98,200, 202, 204, 209-10, 213,
59, 67 214, 219, 220-22, 223, 224, 226, 227,
294 Index Rerum

229,232, 233, 237, 243, 247, 250, 252, 257- neologismo*: 159, 163, 166
63,264,265,269, 271-74,277,278-79,282, neutro: 47, 65
285-88 nome: 24, 29, 30, 43, 47, 49, 57, 65, 67, 69, 71,
linha: 36, 53, 101,126, 156, 167, 177,184,196, 74, 75, 93, 95, 100, 104, 119, 120, 124-26,
222, 259, 260, 261 131,139, 143,144,153, 162, 189, 190, 196,
[literatura]* 116, 152, 260 197, 198, 201-02, 210, 221, 223, 226, 229,
livre: 88, 94, 172, 174, 188, 271, 276, 288 231, 232, 249, 263, 264, 282
[nomenclatura]: 198, 282
marcar: 123, 124, 166, 196, 202 nominativo: 164, 165, 231
massa falante: 287, 288 normativo: 232
material: 22, 32, 38, 57, 69-71, 80, 95, 96, 103, novação: 79
163, 170, 173, 174, 185, 229 nulidade; 85, 98, 191
materiais: 30, 36, 76, 88, 95, 97, 103, 106, 117,
124, 175, 182, 184, 185, 279, 282 objetivo: 24, 44, 76, 117-118
mecanema*; 213 objeto: 22-23, 25-27, 29, 33, 34, 38, 45, 48, 52,
mecânico(a): 29, 97, 100, 123, 124, 125, 139, 54, 55, 57, 59, 61, 62, 69-71, 74, 77, 78-79,
145, 197, 204, 213-14, 216-19 95, 100, 102, 103, 127-28, 131-132, 133,
mecanismo: 43, 46, 47, 66, 102, 208, 210, 283 142, 152-53, 168, 172-76, 179, 180, 182,
membro: 58, 100, 119, 161 183, 185-87, 189, 190, 192-95, 197-200,
merisma: 102 214, 219, 221, 224-25, 241, 249, 265, 282,
metacrônico: 224 286
[metáfora]: 201 onímica: 95
modificação: 40, 63-64, 86, 117, 138, 141, 157, [operação]: 26, 27, 29, 32, 35, 45, 62, 79, 94,
162, 167, 221, 229, 251, 267-70, 286 105, 117, 123, 129, 139, 140,144,145, 163,
momento: 36, 38, 41, 44, 46, 48, 52, 53, 56-58, 170-72, 176, 223, 227, 237, 241-42
59, 61, 63, 66-67, 69-72, 76-78, 80, 85-88, operture*: 211
91, 96, 97, 101, 126, 137, 140, 141, 145, oposição: 24, 27-28, 31, 34, 37, 39, 46, 47, 51,
147, 167, 174, 175, 178-79, 181-82, 184, 57, 58, 60, 62-69, 71-74, 79, 80, 99, 143,
186-87, 189-90, 196, 199, 202, 211, 214- 145, 149, 178, 193, 197, 199,202, 207,210,
18, 225, 237, 248-50, 252, 265-68,273, 276, 214, 216, 225, 230, 264, 276, 278
281, 285-87 [oral]: 222
monossilábico: 229 ordem(ordre): 22, 24-27, 28-29, 31, 33-34, 36,
morfología*: 25, 31-32, 35, 41, 44, 52, 61, 63, 42, 46, 48, 50, 52, 55, 56, 60, 61, 66, 68, 70,
64, 78, 97, 119, 155-58, 160-64, 167-70 72, 75, 76, 79, 100, 117, 119, 126, 139, 142,
n w tus*: 191-93
144, 152, 157, 167, 171-73, 177, 187, 189,
movimento: 41, 57, 78, 88, 101, 123, 136-38,
192, 196, 202, 204, 210, 212-14, 218, 223,
141, 163, 165, 212-13, 216-19, 228, 230,
227, 229, 242, 250, 253, 258, 270, 282, 285,
241, 251, 252, 268-69, 274, 281
287
mudança: 40, 41, 57, 63, 78-79, 97, 138, 139,
organismo: 41, 99, 102,135, 143,154, 170,219,
141, 145, 148, 158, 162-65, 174, 178, 181,
182, 184, 190, 222, 227-29, 230, 231, 247, 261, 264
251, 257, 268, 269-71, 274, 285, 286 órgão: 101, 102, 154, 177, 208, 211, 220, 228,
multiespacial: 100 248
mutabilidade: 137 origem da linguagem: 46, 60, 85, 136,139, 140,
mutação: 185 146, 149, 155, 160, 166, 188, 194, 196, 213,
232, 249, 261
não- (não): 33, 35, 100, 188, 210, 228, 284 ortografia: 119
não efetivo: 218
não interrupção: 133 palatal*: 28, 29, 30
nasal": 42 palavra: 22, 26-27, 30, 32, 37-38, 40, 42, 44,
[natureza]: 23, 24, 26, 48, 56, 58, 63, 76, 79, 46-49, 51, 53, 54, 56, 57, 60, 62, 64, 65, 67,
91, 100, 102, 106, 116, 117, 123, 124, 130, 68-69, 70, 71-76, 79, 85, 87, 91-93, 94-97,
138, 154, 158, 172, 177-78, 181, 184, 186- 99-102, 104-05, 118-19, 131-32, 134, 135-
87, 189, 194, 197, 202, 206, 213, 215, 217, 36, 138, 142, 144, 146, 150, 156-59, 161-
221, 227-28, 231, 241, 247, 249-50, 271, 62, 163, 165-66, 168-71, 178, 179, 181-83,
288 188, 190, 196, 197, 200, 202, 203, 206, 215,
[negatividade]: 60-61, 66, 67-68 216, 220-21, 223, 225-26, 228, 229, 231,
negativo(a): 27, 31, 36, 38-39, 42, 47, 52, 61, 232, 237, 241-42, 247, 249, 258, 259, 274,
65-74, 80, 85, 116, 125, 185, 188, 197, 230 282
Index Rerum

paradigma: 62, 93-94 proteiforme*: 266


parassema*: 94, 96-97 proveniência: 248
paiassoma*: 103 psicologia*: 98, 127,128,195,221-24, 249,288
parallélie: 58-59, 76 [psicológico(a)]: 22, 47, 93, 95, 96, 117, 139,
parentesco: 56, 96, 97, 228, 252, 253, 266, 289 140, 145, 163, 182, 221-22, 229, 233, 258
partícula: 202, 229, 230 [psíquico(a)]: 24, 60, 211, 288
peça: 63, 100, 101, 102
pedaço: 38, 99-100, 132, 224, 281 quantidade: 26, 27, 42, 43, 66, 127, 177, 228,
pensamento: 38, 43-46, 52, 71, 75, 78, 79, 87, 247
91, 92, 115, 118, 171, 175, 184, 185, 219,
222, 223, 225, 226, 237, 269 raça: 127, 134, 154, 185, 260, 263
período: 44, 64, 68, 123, 136, 137, 139, 143, radical: 79, 104, 142, 160, 184, 252
147,150,158,162,169,176,201, 202, 259, raiz*: 46, 158, 160, 162, 165-166,169, 188, 223
268-69, 279 realidade: 31, 34, 39, 42, 45, 47, 52, 55, 59-61,
permutação: 230 63, 64, 69, 72, 74, 76, 87-88, 93, 116-17,
perspectiva: 46, 48, 64, 68, 147, 162, 181 119-20, 125, 131, 132, 135, 138, 143, 146,
plano; 162, 183, 227 147, 152, 160-61, 168, 173, 176, 180, 193,
plexo*: 188, 215 200, 201, 207, 218, 241, 277, 280, 288, 289
plural: 46, 64-65, 159-60, 164, 165, 178, 248, receptiva: 227
264 recolher; 99, 101
plurlforme*: 99 recomposição: 165
polissílabos*; 229 reconstrução: 118, 261
ponto(s) de vista: 22-23, 24-27, 29, 35, 38, 42, reflexão: 25, 35, 53, 55, 71, 77, 80, 94, 139,
54, 55, 57, 61-63, 71, 74-76, 86, 95, 104, 141, 176, 188, 219, 220, 241, 251, 278
123, 128-29, 131, 133, 137, 140, 152, 153, relação: 24, 25, 28-29, 31, 32, 34, 35, 38, 39-
154, 170-74, 177, 186, 188, 199, 201, 210, 41, 42, 44, 47, 48, 55, 56, 57, 58, 59, 66, 67,
217, 221-22, 224, 226, 249, 260, 261, 270, 68-71, 73, 75, 78, 79, 101, 136, 140, 145,
277 147,148,154, 157, 159, 162, 163,166,167,
ponto fraco: 154 173-75,177,180-82,184,185-86,187,188,
posição; 23, 64, 65, 69, 77, 123, 146, 154, 178- 189, 194,195, 196,198, 200,202, 213,215,
79, 186, 193, 218 221,223,224,237,2 4 7 ,2 4 8 ,2 5 8 ,2 6 2 ,2 6 6 -
positivo(a): 36, 47, 51, 52, 59, 61, 62, 64, 66- 67, 270, 272, 274, 280, 282, 284-85, 287,
67, 68, 69, 71-74, 76, 80, 85, 158, 163, 166, 289
168, 169, 171, 172,177, 188, 190, 225, 230, relativo (os) (a): 27, 28, 35, 42, 43, 48, 51, 62,
241 63, 71, 74, 77, 80, 130, 139, 154, 158, 166,
[pós-meditação]: 80 195, 218, 219, 227-28, 266, 269, 282
predicado; 91, 106 ressonância: 281
prefixo: 119, 166, 221, 229, 230 retrospectivo (a) (as); 48, 64, 141, 160-62, 167,
pré-histórica: 64, 126, 274 168, 188, 191
preposição*; 229, 230
primário: 72, 217, 280 seção: 58, 86, 92, 99, 214, 230, 251, 282
princípio: 21, 24, 27, 28, 34, 45, 49, 57, 65, 66, secundário: 59, 72, 280
74, 87, 91, 96, 99, 100, 101, 109, 116, 124, sema*: 85, 94-97, 99-103, 104, 105, 220
128-29,132-33,136-38,140,143, 144,147, semântica*; 40, 97, 195, 219
150, 155, 156, 158, 162-63, 164, 166, 168, semiología*: 43, 44, 70, 88, 95, 100, 117, 186,
172,176,178, 181, 188,189, 192,196, 206, 195, 197, 223-24, 226, 248, 249, 287
208, 217, 220, 252, 257, 259, 261, 266-69, semismo*; 99
272, 274, 276, 281, 288 sentido: 21, 26, 30-32, 35, 36, 37, 38, 40, 41,
procedimento: 26, 34, 55, 115, 130, 140, 158, 46-49, 51-53, 61, 62, 65, 67, 69, 70, 73-74,
160, 162, 165, 176, 184-85, 199, 218, 231 76, 78, 85, 86, 92-95, 96, 97, 99-102, 109,
processo: 260, 266 119, 125, 129, 131, 132, 135, 136, 139-40,
produto: 26, 150, 159,170, 174, 180,186,187, 143, 148, 152, 165-66, 172, 173, 174, 179,
269, 275 185, 187, 192, 193, 195-99, 201, 202, 205,
proétnicas*: 118 207, 211-12, 214, 216, 220, 224, 227, 231,
projeção: 25, 162 233, 247, 251, 259, 262-63, 265, 271, 276,
pronúncia: 49, 66, 105, 154, 177, 226, 250 279, 288
proposição: 91, 158 [sentido figurado]: 67, 70, 73-74
prospectivo(a): 12, 188 [sentido próprio]; 67, 70, 73
296 Index Rerum

sentimento: 48, 159-62, 166-67, 168, 159, 180, tema; 158, 160-62, 166
194, 203, 226 tempo; 22, 33, 40, 41, 45, 51-52, 62-65, 70,
seqüência de sons*: 87, 173, 241 71, 78-79, 92, 99, 101, 102, 105, 123, 132-
série: 29, 64, 65, 68, 73, 87, 93, 118, 129, 147, 33, 135-35, 137, 138, 140-41, 142-45, 147,
170, 180, 217, 225, 263, 271, 273, 288 149, 155, 158, 170, 171, 173-74, 180, 183,
significação: 22-24, 28, 30-31, 35-42, 44, 47, 187, 191, 192, 193, 196, 198-99, 201,203,
50-52, 59, 60, 65-66, 67-68, 69-70, 71, 72, 207, 210, 213, 221, 224, 229, 230, 250-52,
74, 85, 86, 87-88, 94, 96, 99-100, 103, 105, 263-71, 274-75, 276, 277, 280, 281, 284-88
129, 140, 165, 169, 170, 193, 199, 203-05, temporalidade: 99
237, 282 tênue: 260
sigmTicado(a): 98. 210, 284 [terminologia]: 25, 45, 101, 170, 200, 202, 226
significânciaT 100 termo; 23, 26, 29, 30, 34, 35, 37, 38, 39-41, 44,
Significante: 64, 67, 138, 170, 185, 284, 285 48, 49-50, 51, 55-57, 59-64, 67-70, 7 2 -7 7 ,
significativo: 32, 36, 41, 55, 76, 159, 173, 176 87, 91, 92, 93, 94-95, 96, 98, 101, 105-06,
109, 118, 123-24, 128, 132, 137, 140, 143,
signo‘ : 22-24, 30-31, 36-39, 41-53, 58, 63-66,
145-45, 150, 151, 153, 166, 172, 178, 182,
67-68, 70. 72, 79-80, 85, 86, 87-88, 91-92,
185, 187-88, 191, 193-96, 198, 199-201,
94-96, 98, 100, 101-05, 117, 124, 128, 138,
202-03, 207, 210, 214, 219, 220, 224-28,
140, 148, 157, 159-60, 175, 177-79, 183-
230, 237, 241, 258, 264,282,284, 285,288,
86, 189, 193, 195, 197-99, 210, 211, 219,
289
222, 223, 224, 226, 227, 248-50, 258, 280,
tesouro: 71, 87, 105
282, 284, 287, 288 tipo: 118, 119, 136, 149, 214, 228, 261, 264,
signologia*: 222, 226
271, 274
símbolo: 93, 179-80, 188 transformação; 63, 64, 78, 92, 94, 97, 132, 137-
simultaneidade: 36, 100 40, 141, 144, 206, 210, 228
sinal: 38, 52, 100
sincronia: 284 231
um laiit*:
singular: 65, 150, 264 unidade: 22, 23, 27-29, 32, 42, 48-51, 57, 59-
[sinonimia]*: 44, 49, 52, 68, 69, 71-72, 80, 93 60, 67, 58, 76, 79, 86-88, 98, 99, 102, 105,
sinônimo: 30, 74, 101, 226, 289 124, 125-26, 137, 146, 147, 148, 152, 154,
sintagma*: 29, 58 157, 159, 166, 173, 180, 184, 199,200,207-
sintaxe*: 13, 36, 44, 52, 61, 65, 78 08, 211-14, 217, 218-19, 230, 241-42, 247,
síntese: 87, 155 249, 252, 253, 273, 278, 280-81, 282
sistante*: 123 uni-espacialidade; 99
sistema: 30, 32, 35, 36, 43, 45, 52, 53, 58, 70, unilateral: 59, 75, 99
72, 74, 75, 86, 94, 96, 99, 109, 124-25, 157, unilíngüe; 266-67, 268, 259, 275
162, 171, 174, 179-80, 181, 196, 209, 210-
11, 214, 219, 223, 224, 227, 248-50, 258, valor*: 27-28, 30-32, 36-37, 41, 42, 47, 57, 59,
282-83, 286, 288-89 61-64, 66, 67, 69, 71-72, 74, 76, 80, 86, 92,
soante; 124, 204-06, 207-08, 211 53. 98. 102, 103, 116, 125, 127, 137, 141,
[social]: 86, 92, 116, 131, 133, 154, 174, 2 1 1 , 144, Z46. 158, ¡61, 163, 169,171,173,176,
221, 222, 232, 248, 249-50, 258, 269, 284, 178.181.185,187.190,193,196,200,206-
286, 288 08, 210, 212, 218, 222-23. 226, 227, 241,
sociologia; 226 247, 249-50, 258, 264, 284, 286, 287, 288-
solidariedade: 66, 213, 278, 288 89
soma; 99, 101-03, 220 variação: 48, 216, 250, 265, 256, 287
som-idéia: 174 verbal: 185, 230
status*: 191-93, 197 verbo: 91, 105-06, 141, 156, 230
subentendido: 93-94, 224 vida da linguagem (vie du langage): 45, 51, 140,
sub-família: 262, 274 168, 229, 257
sub-história: 262 vocal; 21, 23-24, 26, 28, 31-34, 37-38, 41-44,
[substância]; 47, 55, 57, 61, 75, 141, 168, 170, 46-48, 58, 63, 65, 67-68, 74, 75, 79, 86, 94-
199, 204, 220, 241, 247, 285 95, 106, 170-73, 179, 188, 208, 247, 248,
substituição; 41, 151, 167, 227, 230 281
sufixo*; 46, 54, 140, 158, 160, 162, 155, 169, vogal; 31, 36-37, 53, 54, 56. 57. 67, 125, 138,
221 160, 170, 185, 194, 206, 209-10, 281
sujeito; 37, 39, 43, 44, 47, 48, 55, 57, 87, 91,
97, 106, 115, 116, 155, 158-60, 151, 166, zero: 46, 55, 64, 145, 182, 186, 188, 205, 228,
217, 241, 282 275
A publicação pela Editora Culcrix des­
tes Escritos de Lingüística Geral, se não
acrescenta nada ao título do "funda­
dor da lingüística moderna” atribuido a
Feidinand de Saussure, servirá para te-
descobrir um dos homens mais misterio­
sos do século passado, c]ue não excluía
de seus interesses nem o espiritismo nem
a pesquisa cabalística, fascinado como
era por tudo o que torna insolúvel um
problema. Com a publicação destes Escri­
tos, a figura de Satissiire, que não gos­
tava de aparecer, surge em plena luz
como urna pessoa preocupada com a
ontologia, com os mistérios da palavra
humana, bem longe dos traços caricatu­
rais - uma espécie de positivista cien­
tista - com que as décadas precedentes
pretendiam fixar para a posteridade a sua
aventura espiritual.

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