Manual de Criminologia: Mariana Barros Barreiras
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MANUAL de
CRIMINOLOGIA
2021
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NASCIMENTO
DA CRIMINOLOGIA
1. PRECURSORES
1.1. Fisionomistas
Em um primeiro grupo vamos colocar os fisionomistas, que se dedicavam
a estudar a aparência externa dos criminosos.
O cientista italiano Giovanni Della Porta, por exemplo, na passagem do
século XVI para o século XVII, sustentou a perfeita correspondência entre
os aspectos interiores e a forma externa de uma pessoa.
Petrus Camper, anatomista e antropólogo holandês, no século XVIII,
mostrou a escala de perfeição dos seres, partindo do macaco até chegar a
Apolo.
O filósofo suíço Johann Lavater, no século XVIII, estudou crânios e
defendeu que o temperamento da pessoa pode ser lido pelos contornos da
face e que o delinquente tem maldade natural. É por isso considerado o pai
da fisiognomonia, a arte de conhecer a personalidade das pessoas através
dos traços fisionômicos.
1.2. Frenologistas
Ao lado dos fisionomistas, os frenologistas também desempenharam
papel importante como precursores da Criminologia. A ideia deles era lo-
calizar cada um dos instintos humanos em uma parte específica do cérebro.
Franz Joseph Gall, médico alemão que viveu nos séculos XVIII e XIX,
defendia que o crime é resultado de um desenvolvimento parcial e não com-
pensado do cérebro.
Johann Spurzheim, outro médico alemão, discípulo e colaborador de
Gall, chegou a elaborar uma carta cranioscópica, parecida com os mapas
da Geografia.
O linguista espanhol Mariano Cubí y Soler elaborou um manual de fre-
nologia em meados do século XIX e foi um dos primeiros a começar a falar
em criminoso nato, um subtipo humano com características que o levavam
a cometer crimes. Para ele, o criminoso é um enfermo que necessita de
tratamento.
1.3. Psiquiatras
Há ainda um importante grupo de psiquiatras precursores, que anali-
savam a correlação entre crime e enfermidade mental. O francês Philippe
Pinel (séculos XVIII e XIX) possuía ideias humanitárias de tratamento das
doenças mentais. Ele demonstrou que os delinquentes e os doentes mentais
eram coisas distintas.
Jean Esquirol, outro psiquiatra francês que viveu entre os séculos XVIII
e XIX, defendia que o ato criminal somente podia ser realizado sob esta-
do delirante. Como o autor do delito não está mentalmente são, não deve
haver punição, mas sim tratamento. Como consequência de seu trabalho
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1.4. Antropólogo
O antropólogo francês Prosper Lucas, em 1847, descreveu o conceito de
atavismo: reaparecimento, em um descendente, de caráter não presente em
ascendentes imediatos, mas em ascendentes remotos. A tendência criminal
seria transmissível por via hereditária.
3. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 7. ed. São Paulo: RT, 2018, p. 86.
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2. ILUMINISMO
3. ESCOLA CLÁSSICA
A Escola Clássica, do século XVIII e que teve na Itália seu grande epicen-
tro, foi a primeira a empregar os postulados Iluministas para analisar o crime.
Mas não se trata, ainda, de uma teoria criminológica. O mais adequado é
chamá-la de Escola Clássica do Direito Penal.
Aliás, para Cezar Roberto Bittencourt, os diversos juristas representantes
dessa corrente não apresentavam conteúdo homogêneo. A denominação
Escola Clássica foi dada pejorativamente, a posteriori, pelos positivistas que
negaram o caráter científico das valorações jurídicas do delito4.
Na esfera penal, o Antigo Regime contava com práticas punitivas bár-
baras, aleatórias, desproporcionais. No século XVIII, com o advento do
Iluminismo, novos códigos penais entraram em cena, com técnicas mais
humanas e racionais de punição. Nascia, então, um Direito Penal como co-
nhecemos hoje, com elaboradas racionalizações e construções dogmáticas.
O alemão Paul Johann Anselm von Feuerbach, ou simplesmente Feuerbach,
é considerado o fundador da moderna dogmática penal.
Os autores clássicos reconhecem que as pessoas possuem livre-arbítrio,
ou seja, podem fazer escolhas. Para eles, o criminoso é considerado generi-
camente, abstratamente, uma pessoa como outra qualquer. O cometimento
de um crime é fruto de uma decisão que implica quebra do pacto social de
convivência pacífica. O delinquente deve ser punido pelo mal que causou
com a sua escolha. A ele, então, são aplicáveis as penas previstas no orde-
namento jurídico, utilizando-se a técnica dedutiva de subsumir a conduta
a uma norma penal incriminadora.
Os clássicos consideram que o crime é, antes de tudo, um ente jurídico.
É necessário que haja previsão legal para que uma conduta seja considerada
criminosa. Por isso, o enfoque clássico se vale de um método dedutivo: parte
da regra geral (normas jurídicas por exemplo) para analisar o fenômeno
criminal. O método é também abstrato, pois baseia-se sobretudo na lei,
um comando genérico. É, ademais, formal, pois há regras procedimentais
estabelecendo como as leis devem ser aplicadas. A lei é justa e deve ser im-
plementada de maneira racional e igualitária para todos.
4. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 17 ed. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 195.
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3.1. Feuerbach
Principal redator do Código Bávaro de 1813. Lá, situou o Direito Penal
dentro do Direito Público e o separou do processo penal. Fez a distinção entre
crime e outros tipos de ilícitos. Desenhou a autonomia da disciplina (Direito
Penal) e colocou a tarefa de criar delitos e impor penas nas mãos do soberano,
entregando ao Estado a exclusividade do poder criminal. Defendeu a separa-
ção entre Direito e moral. Especificou que as penas deviam estar previamente
declaradas em leis e que somente com observância dessas leis o Direito Penal
podia ser aplicado, dando forte ênfase ao direito positivado, ao princípio da
legalidade e, portanto, à proteção das liberdades individuais do cidadão5.
Feuerbach elaborou a teoria da coação psicológica: o Estado, para prevenir
crimes, deve realizar uma coação psicológica eficaz, consistente na ameaça
da pena. Por meio dessa coação, o indivíduo estaria ciente de que se ele re-
sistisse ao impulso criminal, enfrentaria um desgosto (o desgosto pessoal de
não ter cometido o crime que ele queria praticar); mas que se ele cedesse ao
impulso criminal, estaria livre desse desgosto, mas teria que enfrentar um
mal muito maior (a pena). Assim, para ele a pena é, sobretudo, intimidação.
5. Cf. QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo. A teoria penal de P.J.A. Feuerbach e os Juristas Brasi-
leiros do Século XIX. 2008. 395f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2008.
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6. BECCARIA, Cesare Bonesana, Marches di. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Cla-
ret, 2014, p. 24.
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7. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 7. ed. São Paulo: RT, 2018, p. 92.
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4. ESCOLA POSITIVISTA
agora, é saber por que alguém comete crimes. Como já dissemos, o objeto
principal de estudo passa a ser o criminoso, sobretudo aquele que pratica o
delito mais observável: o crime violento ou relacionado à integridade física
ou patrimonial.
Muitos autores identificam que aí nasce, verdadeiramente, a Crimino-
logia como ciência. Afinal, é nesse momento que a Criminologia começa a
se valer do método indutivo, empírico e multidisciplinar. Há, também, uma
abordagem de forte viés quantitativo. Os livros de Cesare Lombroso – o pai
do Positivismo criminológico –, por exemplo, são repletos de tabelas, com
medições e números sobre os corpos dos delinquentes.
Para os positivistas, o livre-arbítrio era uma ilusão. O delinquente era
escravo do determinismo biológico ou do determinismo social. No determi-
nismo biológico, acreditava-se que diferenças genéticas entre os indivíduos
os tornavam mais propensos ao crime. Trata-se de doenças, patologias que
levavam o indivíduo a se tornar um delinquente. No determinismo social,
eram as características do ambiente social que levavam um indivíduo ao
crime. Em ambos os casos, não há espaço para a escolha do indivíduo. Há,
nessa Escola, muito interesse pelo estudo da etiologia do delito. Ou seja,
com o positivismo, a Criminologia, que nascia como ciência, buscava tentar
entender a razão pela qual uma pessoa comete um crime. A Criminologia
nasce como uma ciência causal-explicativa da criminalidade.
É típica do pensamento clássico a adoção de penas proporcionais ao mal
causado. Como vimos, a pena, para os clássicos, é sobretudo retribuição. É
característica do pensamento positivista a adoção de medidas de segurança
com finalidade curativa, pelo tempo em que persistisse a patologia. A medida
de segurança é uma medida de defesa social (defesa da sociedade) contra o
criminoso, que será sempre psicologicamente anormal. Priorizam-se, assim,
no positivismo, os interesses da sociedade, em detrimento, por exemplo, dos
direitos e garantias dos delinquentes.
Os autores positivistas foram bastante influenciados pelo pensamento
evolucionista de Charles Darwin, que acreditava que alguns seres eram mais
evoluídos que outros. Depois de Darwin demonstrar a teoria da evolução das
espécies, o antropólogo inglês Herbert Spencer (século XIX) defendeu que
os pobres, os incapazes, os imprudentes, eram inaptos para o crescimento
intelectual e seriam superados pelos indivíduos mais aptos. Seu pensamento
evolucionista buscava justificar o neocolonialismo: os colonos, dos países
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ocupados, seriam seres inferiores, que não haviam passado por uma evolução
completa. As raças inferiores teriam menos sensibilidade. Era inútil ofertar
a elas muita educação ou instrução, sendo mais lógico reservar-lhes os tra-
balhos manuais. As ideias de Darwin e de Spencer influenciaram bastante os
positivistas, para quem, como veremos, os indivíduos não eram todos iguais.
O Positivismo, de maneira geral, foi crucial para a Criminologia: era es-
sencialmente interdisciplinar, tendo construído seu pensamento a partir da
aglutinação de várias ciências; abandonou a perspectiva fortemente centrada
nos saberes jurídicos dos clássicos; trouxe, portanto, o método indutivo,
empírico e interdisciplinar para o centro dos estudos; e transformou o de-
linquente em objeto de profunda análise.
Como problemas comuns aos teóricos positivistas podem ser citadas a
patologização do fenômeno delitivo e a concepção do entorno social como
mero fator desencadeante da criminalidade. Houve, ademais, um erro meto-
dológico cometido pelos positivistas, que consistiu em analisar clinicamente
pessoas que já haviam sido selecionadas pelo sistema sucessivo de freios
que é o Direito Penal. Lombroso, por exemplo, fez suas análises e medições
sobre os presos, que são apenas uma parcela de todos os criminosos e que
já trazem em seus corpos os efeitos da prisionização (marcas que o cárcere
deixa nos corpos e espíritos de seus internos).
Vamos, agora, analisar o pensamento dos principais autores positivistas
e suas três fases principais: antropológica (de Cesare Lombroso), jurídica
(de Raffaele Garofalo) e sociológica (de Enrico Ferri).
NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA
Precursores
» Oftalmoscopia: explicação do caráter das pessoas pela observação dos olhos.
» Metoposcopia: análise das rugas.
» Fisionomistas: estudo da aparência externa do indivíduo para deduzir seus ca-
racteres psíquicos.
• Giovanni Della Porta (Itália, séc. XVI e XVII): perfeita correspondência entre
os aspectos interiores e a forma externa de uma pessoa.
• Petrus Camper (Holanda, séc. XVIII): escala de perfeição dos seres, partindo
do macaco até chegar a Apolo.
• Johann Lavater (Suíça, séc. XVIII): o temperamento da pessoa pode ser lido
pelos contornos da face e o delinquente tem maldade natural.
• Juiz Marquês de Moscardi, Itália: ressurgimento do Édito de Valério: na dúvida,
condena-se o mais feio.
» Frenologia: estudo do cérebro humano.
• Franz Joseph Gall (Alemanha, séc. XVIII e XIX): o crime é resultado de desen-
volvimento parcial do cérebro.
• Johann Spurzheim, (Alemanha, discípulo de Gall): carta cranioscópica.
• Mariano Cubí y Soler (Espanha, séc. XIX): foi um dos primeiros a falar em
criminoso nato, um enfermo que necessita de tratamento.
» Psiquiatria: estudo das enfermidades mentais.
• Philippe Pinel (França, séc. XVIII e XIX): ideias humanitárias de tratamento
das doenças mentais.
• Jean Esquirol (França, séc. XVIII e XIX): ato criminal somente podia ser reali-
zado sob estado delirante. Não deve haver punição, mas sim tratamento.
• Bénédict-Augustin Morel (França e Áustria, séc. XIX): crime é uma forma de-
terminada de degeneração hereditária, de regressão.
» Antropologia: estudo do ser humano delinquente em seus aspectos biológicos e
comportamentais.
• Prosper Lucas (França, séc. XIX): definiu atavismo como o reaparecimento, em
um descendente, de caráter não presente em ascendentes imediatos, mas em
ascendentes remotos.
» Preocupados com questões prisionais:
• John Howard (Inglaterra, séc. XVIII): denunciou o estado miserável das prisões.
• Jeremy Bentham (Inglaterra, séc. XVIII e XIX): pai do utilitarismo, defendeu a
construção de panópticos.
» Escola Cartográfica
• Adolphe Quetelet (Bélgica, séc. XVIII e XIX) defendia a existência de uma “lei
dos grandes números”: o crime apresentaria uma regularidade constante e
seria representável em funções matemáticas.
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Iluminismo
Antigo Regime (séculos XV a XVIII): Monarquias absolutistas. Visão teocêntrica do
mundo. Sistema penal cruel, arbitrário e caótico.
Iluminismo (século XVIII): movimento filosófico que exaltou o poder da razão em
detrimento do poder da religião. É considerado base para a Escola Clássica e a
Escola Positivista, que formam a Criminologia tradicional.
Positivistas brasileiros:
• Tobias Barreto - Menores e loucos em direito criminal, 1884. Possui concepção
humanista, mas afirma que o direito de punir é consequência de uma fórmula
científica, algébrica.
• Nina Rodrigues – As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil, 1894.
Negou o livre-arbítrio invocando a heterogeneidade da cultura mental dos bra-
sileiros. Postulados racistas. 4 Códigos Penais.
• Afrânio Peixoto – Hygiene, de 1917, e Criminologia, de 1933. Defensor da eugenia.
Disposição ao crime é hereditária.
ESCOLAS INTERMEDIÁRIAS
7. QUESTÕES DE CONCURSO
8. GABARITO COMENTADO