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Soberania: A Legitimidade Do Poder Estatal e Os Novos Rumos Democráticos

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Soberania

A legitimidade do poder estatal e os novos rumos


democráticos

Daniella S. Dias

Sumário
1. Introdução. 2. A soberania e a legitimidade
do poder do Estado. 3. A soberania estatal e os
novos rumos democráticos. 4. Considerações
finais.

1. Introdução
O presente trabalho tem por objetivo
refletir sobre o poder político e a legitimi-
dade do poder do Estado e está dividido
em dois momentos.
Ao tratar da soberania e da análise so-
bre a legitimidade do exercício do poder
político pelo poder estatal, na atualidade,
objetivou-se considerar que o cumprimento
das normas e dos valores expostos no siste-
ma jurídico não são suficientes para satisfa-
zer as necessidades e interesses sociais. A
legitimidade do exercício do poder político
depende da análise de um componente da
realidade política muito mais complexo:
o exercício da soberania tendo em vista o
cumprimento das funções estatais deve ser
visualizado perante outros atores políticos
não estatais.
A questão democrática é eixo temático
do segundo item do artigo e tem direta
relação com os desafios para o exercício
da soberania estatal, em âmbitos interno
Daniella S. Dias é Doutora em Direito Pú- e externo, justamente porque o regime
blico – UFPE. Professora da Graduação e Pós- democrático demanda novas formas de
-graduação UFPA. Professora da Pós-graduação atuação estatal, novos parâmetros para que
UNAMA. Promotora de Justiça as instituições democráticas consolidem o
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processo democrático nas fronteiras e além dade, seu poder político, se este não estiver
das fronteiras nacionais. relacionado com a existência de leis, com
a existência de instituições que reflitam as
2. A soberania e a legitimidade convicções, as crenças, as deliberações e os
consensos produzidos entre a sociedade e
do poder do Estado
a autoridade.
Águila (2005, p. 23), ao tratar do poder, Dallari (2006, p. 110-111), com base nos
afirma que este não é um objeto, que se pos- estudos da teoria de Burdeau, afirma que o
sui ou que não se possui. O poder é produto Estado é um poder, e o poder é a expressão
de uma relação em que alguns obedecem do próprio Estado. E salienta: “Para a maior
e outros mandam. Está relacionado com a parte dos autores o poder é um elemento
força, com a violência, mas não se restringe essencial ou uma nota característica do
a esta. O poder também está relacionado Estado. Sendo o Estado uma sociedade,
com a existência de valores que propiciam não pode existir sem um poder, tendo este
à autoridade a legitimidade para mandar e na sociedade estatal certas peculiaridades
o assentimento para ser obedecida. que o qualificam, das quais a mais impor-
Segundo Águila, apesar do medo ao tante é a soberania”. Para Miranda (2005,
castigo ser componente fundamental do p. 218), “o poder é a qualidade ou atributo
poder, a existência de um poder estável do Estado. Condição de existência do Es-
deve contar não somente com a violência, tado, ele aparece simultaneamente como
mas com a existência de conjunto de crenças a mais marcante das suas manifestações
e valores que possam justificar a existência e encontra-se-lhe ligado por um nexo de
do poder e também o seu funcionamento. pertença”.
O poder político, para ser estável, necessita É no Estado Moderno, caracterizado
de que as autoridades estejam legitimadas como o Estado que governa por meio de
para exigir a obediência. Por isso, afirma leis, em seu território, que a justificação e
Águila (2005, p. 26), “el poder está intima- a legitimação do poder surge como tema
mente ligado a los valores y las creencias. preponderante para a Teoria do Estado. O
Este vínculo es el que permite establecer poder do Estado é um poder jurídico, um
relaciones de poder duraderas y estables poder originário, embasado na expressão
en las que el recurso constante a la fuerza do contrato social em que os governados
se hace innecesario”. cedem aos governantes o poder para con-
Para Águila (2005, p. 26), quando o po- duzir os interesses comuns da nação. Trata-
der é exercido de maneira rotineira, tendo -se de poder originário que o Estado possui.
em vista que a obediência está relacionada Miranda (2005, p. 214) considera que o
com crenças e valores que apoiam o sistema poder político é “um poder constituinte” na
político, o poder passa a ser um poder insti- medida em que molda o Estado consoante
tucionalizado, um poder permanente entre uma ideia, um projeto, uma finalidade. Esse
governantes e governados. Aí se caracteriza poder, segundo o autor, não se extingue
a existência da autoridade. A autoridade com a criação da constituição. Trata-se
nada mais é do que a expressão do poder de um poder que perdura, que se renova,
político legitimado no momento em que que se transforma durante a vigência da
as relações sociais entre governantes e constituição, podendo inclusive substituí-la
governados se estabilizam, e a obediência em razão da realidade política, econômica
se obtém sem necessariamente recorrer-se e social.
à força, à violência. O poder do Estado nada mais expressa
Argumenta Águila (2005, p. 32) que do que a necessidade da consecução de
nenhum homem pode manter a sua autori- interesses como segurança, justiça, paz,

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bem-estar. Trata-se de poder de decisão, de limitado não somente no aspecto formal.
autoridade. O poder do Estado deve seguir O poder político deve ser limitado sob o
estritamente o princípio da legalidade, atu- aspecto material, pois a limitação material,
ar embasado nas determinações jurídicas. segundo Miranda, disciplina o poder, inclu-
Logo, suas competências, suas funções são sive o poder constituinte.
repartidas entre diversos órgãos e poderes, Claro está que a justificação da exis-
previamente estabelecidos pela Constitui- tência do poder político se dá na medida
ção, com competências definidas. em que esse se autolimita, considerando
O poder do Estado, do qual derivam os valores permanentes superiores, conti-
todos os outros poderes e funções estatais, é dos no texto constitucional, e também por
um poder, como bem salienta Dallari (2006, meio da observância diária das regras que
p. 111), dominante e irresistível. O poder compõem o sistema jurídico. A disciplina
é, consoante Águila (2005, p. 21), exercido do poder, portanto, está relacionada com a
pelo Estado, e o Estado é a expressão do limitação da atuação dos governantes em
monopólio da violência legítima, em de- função da defesa dos direitos da população.
terminado território. O poder político não pode, sob o argumento
Não podemos olvidar que o poder de realização dos interesses sociais, afetar
do Estado é um poder dotado de coação, a autonomia e a liberdade dos indivíduos.
é um poder coativo. A possibilidade de Vale salientar inclusive que o poder po-
coercibilidade existente no Direito, nas lítico, apesar de atuar na sociedade tendo
regras jurídicas, no desenvolvimento das em vista a realização dos interesses sociais,
funções e competências estatais é reflexo realiza suas funções e atribuições consoante
desse poder político, que só se justifica em o interesse da comunidade. Todo poder
razão da base jurídica. Logo, a compreensão político, desde o poder constituinte até o
do poder do Estado só pode ser realizada poder dos titulares de órgãos e agentes,
tendo em vista a ordem jurídica. O poder provém da comunidade. Significa dizer
não pode ser tratado de forma autônoma. O que o verdadeiro titular do poder político
poder político só se justifica em base jurídi- é a comunidade.
cas, pois está diretamente relacionado com Nessa perspectiva, afirma Miranda
a soberania. Sob essa perspectiva, afirma (2005, p. 217):
Dallari (2006, p. 114): “O minucioso exame “Sejam quais forem os fins, a limi-
das características do poder do Estado, de tação do poder depende, em última
sua origem, de seu modo de funcionamento instância, da concepção de governan-
e de suas fontes leva à conclusão de que, tes e governados sobre suas relações
assim como não se pode admiti-lo como recíprocas, do equilíbrio entre liber-
estritamente político, não há também como dade e autoridade sem sacrifício, em
sustentar que seja exclusivamente um po- caso algum, da primeira à segunda
der jurídico”. (salvo em estado de necessidade),
Dentro do território, tem o poder da da efetiva observância pelos gover-
dominação, dominação que só se justifica nantes dos direitos dos governados
em base jurídica. Se o poder não pudesse e da consciência que estes possuam
ser limitado pelo Direito, não subsistiria tanto dos seus direitos como dos seus
jamais a organização estatal. O Direito é deveres cívicos.”
produto da organização jurídica estatal e Reale (2000, p. 102) considera que o
instrumento para a manutenção do poder Direito “deve ser sempre o preço de uma
político e da segurança social. conquista legítima do poder”. Significa
Consoante os ensinamentos de Miranda dizer que a “conquista legítima do poder”
(2005, p. 217), o poder político precisa ser está relacionada com a eficácia do Direito

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positivo, que deve ser garantido no espaço acompanha todo o processo de positi-
nacional. Por outro lado, a eficácia do Di- vidade, de formação e de eficácia do
reito positivo só se torna possível mediante Direito Objetivo e tem em sua origem
a existência de um poder, que deve ser e em seu exercício um fundamento
legítimo. Por isso, afirma categoricamente só: o bem comum como ordem social
Reale (2000, p. 107) que “estão destinadas a que a virtude de Justiça visa realizar.”
insucesso todas as doutrinas que procuram Reale considera a soberania como a
eliminar do Direito o conceito de poder, expressão do poder jurídico, do poder legí-
ou, então, tentam reduzir o poder a uma timo. Nenhuma organização jurídica, nem
categoria jurídica pura”. o Estado, nem o Direito podem existir sem
Para Reale (2000, p. 110), não pode o embasamento em um poder jurídico. O
existir Direito Positivo sem a existência do Direito depende da existência de um poder
poder. O Direito estatal, para ter o que o au- que possa, em última instância, decidir
tor denomina “grau de plena positividade sobre o que deve ser jurídico.
jurídica”, depende da existência do poder. A soberania é a expressão do poder de
É o poder que propicia a organização da direito, não do poder de fato. O poder não
coação por meio da aplicação das normas define a existência do Direito. É o Direito
jurídicas. O Direito positivo é a expressão que cria e justifica o poder. Como bem
de uma decisão, logo, o Direito estatal re- afirma Reale (2000, p. 118), “... assim como
flete, segundo Reale, uma decisão de última o poder não existe sem o Direito, o Direito
instância. não se positiva sem o poder, um implicando
“Como o Direito representa uma o outro, segundo o princípio da complemen-
composição de forças segundo um tariedade”. E aduz: “De maneira geral não
imperativo ético, e como não é possí- há poder que se exerça sem a presença do
vel pensar-se em acordo espontâneo Direito, mas daí não se deve concluir que
entre os homens, compreende-se a o poder deva ser puramente jurídico, tal
necessidade do poder não só para a como é entendido no ‘Estado de Direito’”1.
declaração da positividade do Direi- E aduz: “O poder é uma condição de atuali-
to, mas também para a eficácia real zação plena do Direito porque é uma condição
do Direito declarado positivo. essencial à integralização jurídica da sociedade,
Direito Positivo e Poder, por conse- sendo, por conseguinte, uma exigência do
guinte, são termos inseparáveis, sen- Direito que não pode se erguer contra o Direito”
do vão procurar reduzir o primeiro (REALE, 2000, p. 120).
ao segundo, ou então, contrapor um O Direito depende da existência de um
ao outro. Isto tanto para o Direito poder que possa, em última instância, de-
Positivo estatal, como para o não- cidir sobre o que deve ser jurídico.
-estatal” (REALE, 2000, p. 112). 1
Ainda nessa perspectiva, leciona Reale (2000,
É a decisão que caracteriza o poder, p. 119): “Ora, é pelo poder que se aperfeiçoa como
assim como é o direito o produto de uma Direito Positivo o que, antes de sua intervenção, era
decisão daqueles que exercem o poder. Por apenas Direito abstrato ou elemento social, idéia de
isso, o poder é elemento essencial à ordem direito ou simples relações mais ou menos vagas de
interdependência, desprovidas de garantia prática e
jurídica positiva e a soberania é a expressão efetiva. É pelo poder que se concretiza o direito par-
desse poder. ticular dos grupos, e é pela soberania que se realiza o
Para Reale (2000, p. 115), Direito do povo ou da nação”. O Estado, de maneira
“O processo de positivacão do Direito geral, é a sociedade juridicamente organizada, isto é,
organizada para satisfação das aspirações individuais
não seria possível automaticamente, e coletivas, o que se exprime também dizendo-se: “é
isto é, sem a interferência criadora do a institucionalização do poder para a realização do
poder. A soberania, por conseguinte, bem comum”.

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Se o Estado tem o poder legítimo para argumentações. As partes devem ser iguais
produzir e dizer do Direito Positivo, a ca- no sentido de dizer que a produção de ar-
pacidade de decidir está intrinsecamente gumentos, discussão e deliberação seja algo
relacionada com poder jurídico, o que equivalente, igual, com igual peso, para to-
revela que o poder jurídico é a expressão dos os participantes. As partes devem atuar
da soberania estatal. O Estado possui, no processo de discussão e de deliberação
portanto, a capacidade de dizer, em última em igualdade de condições, já que, no pro-
instância, o Direito, e esse poder de decisão cesso deliberativo, o que deve ser de maior
é o reflexo de sua soberania. A soberania importância é a força do argumento, não o
e o poder estatal são, para Reale (2000, p. poder individual de cada participante. Ade-
356), sinônimos. mais, devemos considerar que no processo
Entretanto, a legitimação do poder está deliberativo no Estado Democrático de
relacionada não só com o cumprimento das Direito não pode existir violência ou coação.
normas constitucionais, das normas com- Em conclusão, sob a perspectiva pro-
ponentes do sistema jurídico. É necessário cedimental do poder e da legitimidade,
que o exercício do poder político por meio uma ação, uma política, uma norma, uma
dos órgãos estatais expresse verdadeira- instituição seriam consideradas legítimas se
mente os interesses sociais, os valores mais fossem justificadas dentro de um processo
profundos da comunidade. A autoridade, deliberativo, cujas regras da liberdade, da
para ser legítima e ser reconhecida como igualdade entre as partes, da exclusão da
legítima, deve expressar não só o cumpri- coação fossem devidamente cumpridas
mento da legalidade, mas a ratificação da (ÁGUILA, 2005, p. 34).
legitimidade por meio da concretização dos
valores constitucionais e sociais.
3. A soberania estatal e os
Águila (2005, p. 33) considera que, sob
o paradigma do Estado Democrático de
novos rumos democráticos
Direito, a legitimidade de uma autoridade As reflexões desenvolvidas no item
não se realiza somente sob o aspecto formal, anterior levam a crer que o poder político
somente sob o aspecto da legalidade. É só seria legítimo a partir do respeito a um
necessário um componente maior à justifi- conjunto de valores e a princípios ético-po-
cação da legitimidade. Segundo o autor, a líticos que justificassem a atuação estatal. A
legitimidade de uma ordem jurídica deve legitimação do poder político dependeria
ser vista sob a perspectiva material. E apre- do estabelecimento de relações políticas
senta a fundamentação da legitimidade sob institucionalizadas a partir de procedi-
a idéia da ação comunicativa. mentos democráticos. O poder do Estado,
O poder político, sob essa perspectiva, o poder soberano, seria a legitimação do
não se restringe a uma relação social de poder em razão do cumprimento do pacto
mandato e obediência, de coerção, de domí- político, do conjunto de valores expressos
nio. O poder deve ser fruto do consenso, do no texto constitucional.
processo deliberativo que englobe o povo, No entanto, diversos estudiosos têm
a comunidade. O poder passa então a ser alertado para o fato de que o arcabouço
entendido como autoridade que depende jurídico-institucional forjado na Moderni-
de ser legitimada a partir de processos dade e toda teoria política de justificação
deliberativos. da atuação do Estado – que serviu de refe-
O procedimento deliberativo legítimo, rencial teórico e político para o exercício do
por consequência, dependeria de algumas poder – já não são suficientes para justificar
regras. As partes devem ser livres para as funções e atribuições estatais tendo em
expressar seu ponto de vista e produzir as vista a realização dos interesses sociais.

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Os argumentos em torno da limita- lidade, em que governantes e governados
ção da atuação do Estado e de seu poder possam, dentro do processo conflitivo de-
político no sentido de tornar efetivos os mocrático, estabelecer metas e solucionar
comandos normativos expressos por seu conflitos.
sistema jurídico se devem ao fato de que Blanco Fernández (2000, p. 85-86), ao
o exercício do poder político estatal está analisar o pensamento de Habermas, in-
cada vez mais ofuscado pela existência de forma que, para este autor, a soberania do
outros atores não estatais, que, apesar de povo se corporifica no processo deliberati-
não serem dotados de soberania política, vo e nas decisões tomadas de forma racio-
possuem poder político assemelhado ao nal. Para Habermas, a soberania popular
poder estatal e suas decisões interferem nada mais é do que o exercício de uma de-
significativamente na qualidade de vida mocracia radical. Nesse sentido, necessário
dos cidadãos e sobre os projetos políticos se faz o estabelecimento de procedimentos
forjados nas bases territoriais do Estado- e condições de comunicação que permitam
-Nação. Por consequência, as premissas ao povo exercer a soberania.
para o exercício do poder soberano e para Blanco Fernández (2000, p. 86), ao ex-
o desenvolvimento das funções do Estado plicar o pensamento de Habermas, afirma:
tendo em vista manutenção do jogo demo- “Las discusiones públicas informales,
crático vêm sendo questionadas. y la opinión así generada, sólo con-
Teóricos como David Held (1991; 1997; tribuirán a la formación de un poder
2005), Julios-Campuzano (2004), Ferrajoli político, y afirmarán la soberanía del
(2002), Beck (1998) consideram que é pre- pueblo, si su influencia repercute en
ciso que o exercício da soberania seja a fiel las deliberaciones de instituciones de
representação de uma democracia como estructura democrática y por esa vía
expressão da interação entre os governan- conducen a resoluciones formales y
tes e os governados. No entanto, a interação autorizadas.”
entre comunidades e poder político deve Para Habermas, a proteção e a existência
ser ampliada e fortificada qualitativamente de garantias aos direitos não se realiza por
como base para o exercício democrático meio das operações de mercado, nem por
além do espaço territorial. meio das medidas tomadas por um Estado
A democracia não pode mais ser vista providência. Para Habermas, é por meio do
como uma questão formal ou restrita ao processo de comunicação que se instaura
exercício do direito do voto. A democracia a soberania popular, “una concepción
precisa ser vivenciada como processo, o de la democracia que dá a la soberanía
caminho para a resolução dos conflitos que popular una forma procedimental ‘ya no
possibilite, de forma mais ampla possível, a puede operar con el concepto de un todo
participação igual e paritária dos cidadãos. social centrado en el Estado, al que quepa
Significa dizer que pensar em democracia, concebir como un sujeto en gran formato,
na atualidade, requer a busca de novos que actúe en función de un fin preciso’”
parâmetros democráticos, uma melhoria (BLANCO FERNÁNDEZ, 2000, p. 87).
substancial do processo democrático nos Nem o Estado, nem o mercado podem
espaços territoriais como forma de garantir dar respostas eficazes para construção da
ou viabilizar o processo democrático nos democracia na atualidade. A democracia
espaços políticos além do Estado. não é um conceito, não é uma forma. É, se-
É necessário que o regime democrático gundo a perspectiva de Habermas, um pro-
consiga estabelecer uma relação mútua de cesso inclusivo, processo de comunicação
confiança entre governantes e governados, a viabilizar que os direitos fundamentais
um pacto de respeito ao princípio da lega- sejam iguais para todos, o que significa a

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possibilidade de acesso simétrico de todos mocráticos su estatuto de poder gene-
à liberdade comunicativa, à formação de rado por la comunicación, hace falta
opinião, à existência de uma autonomia una cultura política ilustrada (378
política que possibilite a preservação do s.), y muy en especial iniciativas de
direito do cidadão. asociaciones formadoras de opinión.
A perspectiva teórica de Habermas ser- En otras palabras, el poder generado
ve de reflexão e se ajusta ao nosso debate, por la comunicación proviene de las
quando consideramos que o Estado é pe- interacciones entre la formación de
queno para a resolução de coisas grandes, e la voluntad institucionalizada en el
é muito grande para a resolução de peque- Estado de derecho, y los espacios
nas coisas, como salienta Ferrajoli (2002). públicos movilizados por la cultura
Nessa perspectiva, devemos considerar de la sociedad civil” (BLANCO FER-
que a democracia, como condição de legi- NÁNDEZ, 2000, p. 88).
timidade e de existência do próprio Estado Com base nessas assertivas, podemos
na realização de suas atribuições políticas afirmar que, na atualidade, a existência da
e institucionais, deve ampliar-se para além democracia depende da formação e con-
de suas fronteiras territoriais. A democracia solidação do espaço público para além do
é instrumento para a proteção e garantia espaço político do Estado-Nação. O Estado
dos direitos fundamentais, é instrumento de Direito só poderá justificar-se e legiti-
para a consolidação da autonomia política mar-se como instituição jurídica se abrir
que todos cidadãos devem possuir e que espaços institucionais para o exercício da
na atualidade não pode estar restrita aos democracia, assim como para a resolução
limites territoriais do espaço Nação. de problemas cuja solução deve ser buscada
Podemos inclusive sustentar que a no espaço internacional, pois a abertura de
democracia, sob a perspectiva procedimen- espaços de comunicação e a consolidação
talista, é instrumento para a consolidação do espaço público vão depender da atuação
da soberania popular2. Porém, Blanco Fer- dos atores políticos não estatais3.
nández (2000, p. 88) chama a atenção para o Para se pensar a soberania, deve-se
fato de que as condições necessárias para a considerar que a soberania só pode existir
formação da opinião e da vontade políticas paralelamente ao respeito e consideração
devem ser forjadas no espaço público. de diversas outras soberanias. Logo, pode-
“Los ciudadanos, cuando sus inte- mos afirmar que, na atualidade, a existência
reses dirigen su atención a un bien de Estado soberano depende do reconhe-
público, deberían tener la ocasión de cimento do pluralismo de ordenamentos
acceder, por debates públicos, y a la soberanos, de diversos outros poderes
luz de informaciones suficientes y de
buenas razones, a una comprensión 3
E Blanco Fernández (2000, p. 98), ao analisar a
perspectiva de Habermas sobre a formação de uma
de esos asuntos comunes que están cidadania supranacional no âmbito europeu, afirma:
pidiendo reglamentación. Ahora “Lo que hace falta para impulsar la integración social
bien, para que la soberanía popular supranacional es la ciudadanía capaz de interactuar en
haga valer en los procedimientos de- la red comunicativa de una esfera pública de amplitud
europea (135). Y así como las formas y los procedimien-
2
“‘Si se introduce el sistema de los derechos de tos del Estado constitucional junto con la legiminación
este modo, se vuelve comprensible la copertenencia de democrática generan cohesión social, confía Haber-
soberanía popular y derechos del hombre, es decir, la mas en que las instituciones políticas que se diseñen
cooriginariedad de la autonomía política y autonomia mediante una Constitución europea, tras los decenios
privada’ (193). Los derechos humanos y el principio de transcurridos de integración económica, social y ad-
la soberanía popular son, añade Habermas, las únicas ministrativa, más la monetaria en curso, puedan crear
ideas a cuya luz puede aún ser justificado el derecho el contexto comunicativo necesario para la formación
moderno” (BLANCO FERNÁNDEZ, 2000, p. 88). de una conciencia de ciudadanía europea (141 y 142)”.

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políticos não estatais paralelamente ao instituição de caráter supranacional recebe
poder do Estado. Na atualidade, é preciso poderes dos Estados com a consequente
considerar a interdependência que existe perda de soberania e afirma, com base
entre os poderes estatais e transnacionais na leitura de outros teóricos, que não há
e a existência de uma sociedade mundial. perda ou transferência de soberania, mas a
A partir daí é que podemos refletir sobre o delegação de poderes. O que haveria seria
poder político. uma simples delegação de alguns poderes
Straus (2002, p. XV) afirma que a inte- existentes no âmbito da soberania estatal.
gração internacional com o fortalecimento E acrescenta que não haveria como se falar
de instituições supranacionais é “verdadeira em uma soberania comunitária, pois o que
condição de sobrevivência da Soberania, fren- há no âmbito dessa comunidade suprana-
te a um poder econômico cada vez mais cional é a delegação, a cessão de poderes
forte, ilimitado e internacionalizado, que decorrentes do exercício da soberania por
caracteriza a face nefasta do atual processo parte dos Estados-membros.
de globalização, principalmente para os Lewandowski (2004, p. 292) fala de
povos de países em desenvolvimento, ou uma soberania compartilhada entre os
‘emergentes’, como os latino-americanos”. Estados, justamente porque, em razão da
Sustenta o autor que a integração globalização, os Estados precisam resol-
econômica internacional e a consequente ver os problemas críticos decorrentes dos
integração política de blocos de nações fenômenos globais, que ocorrem além de
levaria a uma verdadeira “restauração” suas fronteiras. “Compartilhar a soberania
da soberania, o que interessaria também significa conferir-lhe operacionalidade, ou
para agentes econômicos internacionais. seja, possibilidade de intervir de forma ob-
E vaticina: jetiva e consequente na realidade enfática4”
“... os Estados Nacionais, e suas Orga- (LEWANDOWSKI, 2004, p. 294-295).
nizações Internacionais tradicionais, 4
Lewandowski (2004, p. 294-295,300), ao tratar
não mais são capazes de submeter o da soberania, afirma categoricamente que a existência
poder econômico, através de regras de organizações supranacionais não ensejou a perda
políticas, ou seja, são impotentes para ou a limitação da soberania. Segundo o autor: “Em
suma, o âmago da soberania consiste em deliberar o
garantir a Soberania dos respectivos ente, no qual a soberania radica, se exercerá ou não as
Povos. A alternativa que se coloca competências que lhe são próprias ou se as delegará no
para a Humanidade, portanto, é in- todo ou em parte a terceiros. No plano internacional,
crementar a Integração Internacional ainda que abra mão do exercício de parte importante
de suas competências, em especial na área econômica
e, no âmbito de cada comunidade ou militar, ou mesmo que permita que suas ações se-
de nações, implementar a recons- jam apreciadas por uma jurisdição externa, a soberania
trução do Poder Político Mundial” não será afetada se tal renúncia não lhe for imposta e
(STRAUS, 2002, p. XVIII). se mantiver a capacidade jurídica de atuar individual-
mente, conservando o direito de secessão, de retirada
A integração, para Straus (2002, p. 56), ou de denúncia do acordo. As recentes mudanças nas
refletiria a união de Estados soberanos ações internacionais, pois, não tiveram o condão de
para a consecução dos fins comuns, não abalar os atributos fundamentais da soberania. No pla-
havendo predominância do Direito co- no interno, o soberano continua dispondo da decisão
final sobre todas as competências, ao passo que, na
munitário sobre o direito das nações, mas esfera externa, segue mantendo a independência que
sim uma interação entre ambos sistemas. lhe permite assumir ou não determinadas obrigações.
Justifica que é possível a integração latino- Se a soberania fosse atingível em qualquer um desses
-americana paralelamente à existência da aspectos, o Estado estaria subordinado a algum outro
poder e, portanto, não seria verdadeiramente sobera-
soberania estatal. no”. (...) “Em que pesem, portanto, os múltiplos usos
Lewandowski (2004, p. 276-278), ao falar que se deu ao longo do tempo ao termo ‘soberania’,
da soberania e do Mercosul, indaga se esta o seu núcleo conceitual permanece inalterado. Por

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Se, para muitos doutrinadores, a exis- considerarmos a soberania no sentido tra-
tência de uma integração econômica produ- dicional. Afirma Straus (2002, p. 124-125) a
zida pelo Mercosul viria a abalar o princípio necessidade de atualização do conceito de
da soberania – principal obstáculo jurídico soberania existente no texto constitucional
e político para a integração econômica – para que se possa legitimar os múltiplos
Straus (2002, p. 2) considera que, no plano processos de integração, e a Constituição
constitucional, possui o país a autorização brasileira não apresenta nenhuma incom-
constitucional para realizar uma integra- patibilidade entre os princípios da sobera-
ção da comunidade latino-americana (CF, nia e da integração latino-americana.
artigo 4o, parágrafo único) e que o sentido O conceito de soberania deve ser rela-
de soberania, partindo da leitura do texto tivizado, pois o exercício democrático, na
constitucional, possui conteúdo bastante atualidade, implica a existência de uma
diverso do que o produzido durante o sé- interseção, de uma integração política entre
culo XVI. Considera o autor que é inegável Estados e também uma nova concepção
o caráter popular da soberania, expresso no de cidadania – que abarque o que é dife-
texto constitucional. E argumenta Straus rente, uma concepção muito mais aberta
(2002, p. 103): “... a Soberania deve ser, e renovadora e não circunscrita à ideia de
científica e praticamente, considerada, que cidadania é aquela exercida no espaço
dentro do contexto de um ordenamento da Nação.
constitucional e jurídico que define o Povo
permitiu que os Estados conservassem a essência da
como titular da Soberania, e a democracia
soberania, incrementando as possibilidades políticas
como forma de exercê-la”. de seu exercício. As teorias que sustentam o declínio
Se a soberania reside no povo, a incoe- da soberania, ademais, refletem uma compreensão ina-
rência apontada com a perda da soberania dequada desse conceito, em especial porque não levam
em conta o locus de onde provém autoridade política,
em razão de uma integração econômica
que corresponde ao Estado, o qual, por sua vez, aufere
e política supranacional só se justifica se o seu poder do povo”. No mesmo sentido pensamento
de Dallari (2006, p. 268), ao afirmar que a soberania,
mais que alguns queiram atenuar sua importância ou expressão do poder jurídico dos Estados, não diminuiu
diminuir-lhe a abrangência, continua a ser o poder nem foi afetada pela globalização. Em perspectiva
incondicionado de decidir em última instância sobre oposta, afirma Ventura: “A soberania é uma ficção
tudo que diga respeito aos interesses fundamentais de jurídica, contínua face jurídica de um Estado político,
uma comunidade. Nunca é demais recordar, contudo, dotada de uma principiologia própria, que se justifica
que se trata de uma autonomia jurídica e não real, pois e sintetiza o exercício do monopólio do poder legítimo
jamais algum Estado logrou subtrair-se integralmente de um grupo em determinadas fronteiras, podendo ser
aos condicionamentos do mundo fático”. (...) “Com este grupo mais ou menos maleável quanto a ser/so-
efeito, cumpre reconhecer, ‘em nome de um mínimo frer ingerência sobre/de outros grupos estabilizados, a
de realismo’, que este modelo, fundado na soberania depender de seus interesses particulares ou da força e
do Estado, na supremacia da ordem jurídica interna, do poder econômico particular que detém” (VENTU-
na aplicação do direito internacional em conformidade RA, 1996, p. 94-95). Para Albuquerque de Mello: “A
com ditames da legislação local e na consideração de tendência atual é a soberania existir como um conceito
um povo territorialmente localizado como fonte de meramente formal, isto é, estado soberano é aquele
legitimidade, ainda continua a representar o ‘para- que se encontra direta e imediatamente subordinado
digma básico da agenda das relações internacionais’, ao DIP. O seu conteúdo é cada vez menor, tendo em
mesmo que em outras áreas, sobretudo na econômica, vista a internacionalização da vida econômica, social
se avance decididamente em direção à globalização e e cultural. As organizações internacionais têm proli-
à transnacionalizacão”. (...) “As mudanças trazidas ferado nos mais diferentes domínios. As que visam a
pela globalização, portanto, não tiveram o condão de integração econômica são aquelas em que a noção de
abalar os fundamentos da soberania. No plano interno, soberania sofre uma restrição mais profunda (...) A
o soberano continua dispondo da decisão final sobre constituição não estabelece a admissão de qualquer
todas as competências, ao passo que, na esfera externa, restrição à soberania e ao mesmo tempo no parágrafo
segue mantendo a independência que lhe possibilita único do artigo 4o fala em integração econômica (...)
assumir ou não determinadas obrigações. A delegação Como se pode concluir a Constituição do Brasil não
de alguns poderes a autoridades supranacionais, para leva em consideração as novas tendências da ordem
emprestar maior eficácia à ação estatal, na verdade jurídica internacional” (MELLO, 1994, p. 121-122).

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Essa perspectiva não contrasta com o capitalismo transnacional apresenta como
pensamento de Habermas, ao afirmar que possibilidade a criação de mecanismos
a concepção de cidadania deve se afastar jurídicos e políticos de cunho mais global,
da concepção de nacionalidade, de comu- que possam fazer frente aos ditames do
nidade pré-política. capitalismo transnacional. Em outras pa-
“Por contraste con la nación como lavras, a política e o Direito precisam fazer
comunidad de pertenencia, la naci- frente à globalização por meio de modelos
ón de ciudadanos no encuentra su jurídicos e políticos que tenham, no âmbito
identidad en rasgos comunes de tipo organizacional e institucional, um caráter
biológico ni étnico-cultural, sino en el transnacional.
ejercicio de los derechos democráti- Ferrajoli (2002, p. 47) sustenta a necessi-
cos de participación y comunicación dade de uma “integração mundial baseada
(622). La identidad de la comunidad no Direito”.
‘está amarrada a los principios cons- Afirma que “o Estado já é demasiado
titucionales anclados en la cultura grande para as coisas pequenas e dema-
política’ y no en los mores de una siado pequeno para as coisas grandes”6 e
forma de vida cultural, aunque sea que somente por meio do Direito interna-
predominante en el país (1996:628)”. cional os problemas referentes ao futuro da
(...) “Lo que la ciudadanía democrá- humanidade podem ser resolvidos. Nesse
tica necesita no es tanto la memoria sentido, o Direito – que moldou as relações
de siglos pretéritos como la socializa- estatais no plano interno – servirá de ins-
ción de los ciudadanos en esa cultura trumento para fundamentar a reconstrução
política supranacional” (BLANCO do Direito internacional, considerando não
FERNÁNDEZ, 2000, p. 99). mais a soberania dos Estados, mas a autono-
A necessidade de desconectar o concei- mia dos povos (FERRAJOLI, 2002, p. 50-52).
to de cidadania ao de nacionalidade tem E argumenta:
substrato filosófico, político e acima de tudo “A crise dos Estados pode ser, por-
jurídico. Não podemos pensar em cidadania tanto, superada em sentido pro-
no espaço do Estado-Nação se ela desiguala gressivo, mas somente se for aceita
no tratamento jurídico e político os que não sua crescente despotencialização e o
fazem parte da Nação. A cidadania deve ser deslocamento (também) para o plano
pensada como liberdade, como coexistência internacional das sedes do constitu-
pacífica, como necessidade de implementa- cionalismo tradicionalmente ligadas
ção da igualdade. Logo, é no espaço Nação aos Estados: não apenas as sedes da
e no espaço internacional que se deve forjar enunciação dos princípios, como já
uma cidadania cosmopolita, num espaço aconteceu com a Carta da ONU e com
público que permita a inclusão, a participa- as Declarações e Convenções sobre
ção política de todos com igualdade5. os direitos, mas também as de suas
A necessária busca de novos modelos
de instituições jurídicas, a reformulação
6
“É grande demais para a maioria de suas atuais
funções administrativas, as quais exigem, até mesmo
das funções estatais e do Direito diante do onde os impulsos desagregadores e separatistas não
atuam, formas de autonomia e de organização federal
5
É o que afirma Habermas: “Sólo una ciudadanía que contrastam com os velhos moldes centralizado-
democrática que no se cierre en términos particularis- res. Mas, sobretudo, o Estado é pequeno demais com
tas puede, por lo demás, preparar el camino para un respeito às funções de governo e de tutela que se
status de ciudadano del mundo o una cosmociudadanía, tornam necessárias devido aos processos de interna-
que hoy empieza a cobrar ya forma en comunicaciones cionalização da economia e às interdependências cada
politicas que tienen un alcance mundial (HABERMAS, vez mais sólidas que, na nossa época, condicionam
1992, 643)” (HABERMAS apud BLANCO FERNÁN- irreversivelmente a vida de todos os povos da Terra”
DEZ, 2002, p. 101). (FERRAJOLI, 2002, p. 50-51).

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garantias concretas” (FERRAJOLI, Beck (1998, p. 54-55) trata da hipótese
2002, p. 53). teórica da transformação do Estado nacio-
Ferrajoli considera imprescindível nal para um Estado transnacional como
a existência de um constitucionalismo forma de enfrentamento dos problemas
mundial que ofereça as garantias jurídicas produzidos pela globalização.
necessárias para a proteção aos direitos Para o autor, os Estados precisam
humanos e para a existência da paz, o que pensar numa política “pós-internacional”,
depende de uma limitação da soberania dos caracterizada pela divisão de poder político
Estados “por meio da introdução de garan- entre organizações internacionais, movi-
tias jurisdicionais contra as violações da mentos sociais e políticos transnacionais,
paz, externamente, e dos direitos humanos, já que os Estados não monopolizam mais,
internamente” (FERRAJOLI, 2002, p. 54). no cenário internacional, o exercício do
Para Beck (1998, p. 35), o Estado-Nação poder político.
só sobreviverá se a política nacional con- A nova dimensão política impulsionada
seguir perceber as dimensões da globa- pela globalização cria uma sociedade mun-
lização – as complexidades e problemas dial, composta de Estados nacionais, outras
dela decorrentes. Para o autor alemão, em instituições e poderes políticos, que passam
razão da globalização, nenhum problema a abraçar a dimensão política como forma
no âmbito nacional poderá ser solucionado de solucionar os problemas existentes na
se não for em uma perspectiva ampla, que sociedade global.
considere que os efeitos decorrentes da Os Estados nacionais precisam assumir
globalização atingem o espaço nacional e os vazios políticos produzidos pela globali-
também a sociedade mundial. zação na conformação da sociedade mun-
Para Beck, as soluções para os proble- dial. Todavia, há uma grande diferença na
mas globais não podem ser buscadas no utilização do poder na política do Estado
âmbito do Estado-Nação. Os Estados só nacional para a política que os Estados
conseguirão resolver seus problemas locais, transnacionais devem conceber nas socie-
a partir da tomada de consciência de que dades mundiais.
a globalização influencia o cotidiano na- Os Estados nacionais só poderão sobre-
cional em suas diversas dimensões. Logo, viver em sociedades mundiais se realiza-
qualquer solução ou proposta de desen- rem mudanças, o que significa dizer que
volvimento de feição nacionalista estará os paradigmas institucionais do Estado
fadada ao insucesso. nacional são antiquados e precisam ser
reformulados não só para garantir a polí-
tica interna e internacional, mas também
4. Considerações finais
para servir à busca de respostas positivas
É urgente que se perceba que as relações à globalização.
sociais da sociedade mundial não mais se Beck (1998, p. 159) propõe a concepção
estabelecem e se consolidam dentro dos de uma soberania inclusiva7. A concepção
parâmetros do Estado-Nação. Com a globa-
lização, houve um deslocamento do poder 7
“Resumamos. Soberanía incluyente significa que
la renuncia a derechos de soberanía va de consumo
político do seio do Estado-Nação, desestru-
con la adquisición de poder político configurador en
turando a arquitetura institucional estatal. virtud de la cooperación trasnacional. Pero esto sólo
Na atualidade, não somente o Estado possui puede conseguirse si se concibe y configura la globali-
poder político. Outros agentes sociais – as- zación como proyecto político. Sólo así es posible que
aumenten el consenso, los empleos, los impuestos y
sociações, empresas transnacionais, grupos
las libertades políticas, en los aspectos local y transna-
profissionais – possuem poder econômico e cional. En este sentido, Europa se ha convertido en un
político para direcionar a economia global. intento de soberanía incluyente” (BECK, 1998, p. 159).

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de Beck serve para ratificar o pensamento ______. La democracia y el orden global. In: ______.
Julios-Campuzano (2004, p. 2002), que La democracia y el orden global: del Estado moderno al
gobierno cosmopolita. Barcelona: Paidós, 1997.
afirma não ser mais possível a concepção
de sistemas monistas, a existência de es- ______. Los principios del orden cosmopolita. Anales
truturas unitárias de poder. A afirmação de la Cátedra Francisco Suarez, Granada, n. 39, p. 133-
152, 2005.
deste autor corrobora a perspectiva de
que a soberania deve ser reformulada em JULIOS-CAMPUZANO, Alfonso de. Globalización
desde abajo: ciudadanía democrática y revitalización
seu conceito e só pode ser existente em
política. In: BONETOO, Maria Susana; PIÑERO, Maria
uma ordem policêntrica, em que novos Teresa (Org.). Ciudadanía y costos sociales: nuevos mar-
atores sociais assumem espaços de poder cos de regulación. Madrid: Dykinson, 2004.
no cenário mundial, afetando também os
LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Globalização,
espaços nacionais. regionalização e soberania. São Paulo: Juarez de Oli-
veira, 2004.
MELLO, Celso Duviver Albuquerque de. Direito cons-
Referências titucional internacional: uma introdução: Constituição
de 1988 revista em 1994. Rio de Janeiro: Renovar, 1994.
ÁGUILA, Rafael del. Manual de Ciencia Política. Ma- MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição.
drid: Trotta, 2005. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
BECK, Ulrich. ¿Qué es la globalización?: Falacia del REALE, Miguel. Globalização e Estado Nacional. In:
globalismo, respuestas a la globalización. Barcelona: ______. Filosofia e teoria política: ensaios. São Paulo:
Paidós, 1998. Saraiva, 2003.
BLANCO FERNÁNDEZ, Domingo. Princípios de ______. Teoria do Direito e do Estado. 5. ed. rev. São
filosofia política. Madrid: Síntesis, 2000. Paulo: Saraiva, 2000.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral STRAUS, Flávio Augusto Saraiva. Soberania e integração
do Estado. São Paulo: Saraiva, 2006. latino-americana: uma perspectiva constitucional do
FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno: MERCOSUL. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
nascimento e crise do Estado nacional. São Paulo: VENTURA, Deisy de Freitas Lima. A ordem jurídica no
Martins Fontes, 2002. Mercosul. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996.
HELD, David. A democracia, o Estado-Nação e o sistema (Série Integração Latino-Americana).
global. São Paulo: Lua Nova, 1991.

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