BRESCIANI, Stella. Cidade e Território
BRESCIANI, Stella. Cidade e Território
BRESCIANI, Stella. Cidade e Território
perspectiva histórica.1
Stella Bresciani
Os artigos sobre Londres, Xangai, Chongqing, Tóquio, Moscou, Nova York, Cidade
do México, Mumbai, Lagos, entre outras, se baseiam em estatísticas e avaliações
qualitativas, curvas de crescimento e fotos que enfatizam a tendência progressiva
da urbanização mundial. Exceções: Londres sai do ranking das 25 maiores em
2007 e Paris poderá sair por volta de 2025. Fortes contrastes se interpõem às
megalópoles: rios altamente poluídos da São Paulo de 2008 e o túnel construído
em 1917 para trazer à Nova York água das Montanhas Catskills, cuja pureza
dispensa tratamento; a maciça composição de arranha-céus de Manhattan sob o
céu limpo e a cidade do México praticamente envolta pela poluição; a revitalização
compósita das margens do Tamisa somada à “gentrification” de áreas de Londres
antes degradadas e a constrangedora situação das favelas de Mumbai (Índia) e
dos “milhões vivendo no pântano” em Lagos (Nigéria).
Para São Paulo, o impacto fica com o montante necessário para sair do “terceiro
mundo”: R$ 175.656.775.081,00: R$ 19.292.475,081 para saneamento, R$
61.904.300.000 para transportes, R$ 43.760.000.000 para obras viárias e R$
50.700.000.000 para habitação. A complexidade aumenta ao examinamos o mapa
da “primeira macrometrópole do hemisfério sul”: manchas e pontilhados unem 65
municípios de São Paulo a Campinas nos quais se habita 12% da população do
país.
1
BRESCIANI, Maria Stella. Cidade e território: os desafios da contemporaneidade numa perspectiva histórica.
In: PONTUAL, Virgínia; LORETTO, Rosane P. Cidade, território e urbanismo: um campo conceitual em
construção. Olinda: CECI, 2009. p.119-140.
1
No caderno Cidades do mesmo jornal, notícias pontuais configuram territórios e
compõem o cotidiano da população da Região Metropolitana. A preferência pelo
transporte coletivo, significa transitar no metrô mais lotado do mundo (OESP-
Cidades: 8.9.08). Há projeto de duplicação com parceria púbico-privado para a
marginal do Tietê, sempre congestionada. “Bairros saturados ganham mais
carros”, pois a Prefeitura aprova novos projetos de construções, por falha da
legislação. (OESP-Cidades:11.5.08) Outros territórios desenham-se quando a
administração pública implanta serviços em áreas menos valorizadas, como o
Tatuapé, “anos esquecido pelo mercado” ou no Jardim Anália Franco onde 42
condomínios, com 1.620 unidades, foram lançados nos últimos três anos, (OESP-
MorarBem: 20.4.08) ou se noticia que a “Periferia ganhará parque de 7,5km” na
faixa entre Sapopemba e São Mateus, será “o maior parque linear urbano do
País”... em benefício de 20 bairros e 200 mil habitantes de 94 favelas da região.
(OESP-Metrópole: 2.5.08)
2
A matéria é longa e apresenta pontos de vista de arquitetos e moradores, do
coordenador do Núcleo de Habitação da Defensoria Pública e do secretário de
coordenação das Subprefeituras. Há evidente disputa em torno da ocupação dessa
área: a Prefeitura projeta demolir os dois edifícios e construir no local uma praça
de 5.389,10 m² interligando no parque o Palácio das Indústrias e o Mercadão; o
Plano Diretor incentiva a construção de moradias populares no centro e é apoiado
pelo Núcleo de habitação da Defensoria. (OESP-Cidades: 29.6.08)
Compreende-se assim por que desalojar posseiros na Favela Real Parque ensejou
em 2007 debate sobre a questão das invasões de terrenos públicos e privados em
áreas próximas a pontes, viadutos e grandes avenidas, a expansão das favelas
avançando em áreas de mananciais ou protegidas pela legislação ambiental, como
a Represa de Guarapiranga e a Serra da Cantareira. (Editorial “A questão urbana”
(OESP:16.12.07:3) A Prefeitura e a Defensoria Pública do Estado defendem a
“efetivação do direito à cidade” e projetam transformar a Favela Jardim Edite em
conjunto habitacional. Em meio as diferentes posições das 815 famílias residentes
na área, a melhor alternativa, na opinião do Jornal, seria a concretização da
Operação Urbana Água Espraiada (Lei 13.260 de 2001) com vistas a reurbanizar a
área. Os motivos são evidentes:
2
Estimava-se, em pesquisa sobre o município de São Paulo de 2003, serem 1.160.590 as pessoas
vivendo nas 2.018 favelas existentes, o que indicava ter a população favelada crescido mais do que
o total da população do município: 2,97% contra 0,9% ao ano. In São Paulo Metrópole, Meyer, R.
P., Grostein, M.D. e Biderman, C., São Paulo: Edusp/Imprensa Oficial, 2004, p.62.
3
A defesa da saída “voluntária” de mais da metade dos habitantes dessa favela
contrasta com matéria de teor altamente positivo, no já citado Megacidades de
agosto de 2008, com várias páginas detalhando “Como a violência foi reduzida na
periferia, no relato de vítimas, testemunhas e ex-bandidos”. A reportagem sobre a
violência em áreas da cidade nas quais a favela foi a resposta possível ao
agravamento da carência de moradias expõe a dimensão humana da rotina
cotidiana da população na intenção de mostrar a possível reversão da tendência à
criminalidade. Exemplos simbólicos transcrevem a recuperação de antigos
criminosos e o contentamento de diretora de Escola Municipal do Jardim Ângela
que “contou mais de 100 alunos assassinados nas décadas de 1980 e 1990,
período em que o número de homicídios [atingiu] seu pico histórico: 11.472
mortes violentas em 1999”. Seis pessoas entrevistas relatam como a violência na
periferia foi sensivelmente reduzida: um Policial Militar fala das gangues de
“justiceiros” da década de 1980, migrantes nordestinos que alegavam ter
integrado gangues após serem vítimas de bandidos ou ter a mulher violentada;
“solução caseira” aos poucos apoiada por comerciantes seguidamente assaltados.
No começo dos anos 1990 a área se tornou alvo das “forças de segurança do
Estado” com a prisão de mais de 40 justiceiros. Os relatos discorrem sobre rapazes
iniciados nas mortes por vingança em variadas situações de solidariedade.
4
recorte físico geográfico e constituem territórios ao incorporar a subjetividade da
relação dos habitantes com o lugar.3 Soma-se, entretanto, a essa noção de
pertencimento pelos habitantes, o poder de sugestão de sujeitos externos a ele,
que recortam o espaço geográfico e o recobrem de qualidades extensivas ou
derivadas das características atribuídas aos seus moradores, com noções
fundamentadas em campos conceituais formados no decorrer do século XIX e
fixados no campo disciplinar do urbanismo e da sociologia urbana no século XX.
3
Cf. Rolnik, Raquel. História Urbana: História na Cidade? In Cidade & História. Modernização das
Cidades Brasileiras nos séculos XIX e XX (Ana Fernandes e Marco Aurélio A. F. Gomes, org.),
Faculdade de Arquitetura/ Mestrado em Arquitetura e Urbanismo/UFBA; ANPUR, 1992, p. 27.
5
Com essa aguda observação o jornalista Henry Mayhew introduz o leitor ao quarto
e último volume de London Labour and the London Poor4, nos quais publicava suas
pesquisas sobre a população londrina que “tirava seu sustento das ruas”.
Preocupava-o o dispêndio de energia e perseverança, tempo e dinheiro, já que as
descobertas não resultavam em aplicação prática; permaneciam no campo dos
resultados teóricos e quando muito tocavam a sensibilidade dos leitores. Para
Mayhew “as tristezas e sofrimentos da humanidade despertam um espírito de
benevolência ativo e persuasivo que infectam todos os níveis de cada classe
social”.5
4
Mayhew, Henry. London Labour and the London Poor London Labour and the London Poor, a
Cyclopaedia of the Condition and Earnings of those that will work, those that cannot work, and
those that will not work. The London Street-folk: comprising, street sellers, street buyers, street
finders, street performers, street artisans, street labourers with numerous illustrations from
photographs, Nova York: Dover Publications, 1968, (1ª ed. Londres: Griffin, Bohn and Company:
1861-1862).
5
Mayhew, op.cit., p. XI-XIII.
6
Tal como fui introduzida à dimensão sensível das grandes cidades pelos escritos de Walter
Benjamin, a dimensão física revelou-se textualmente no livro de Fr. Engels A situação da classe
trabalhadora inglesa (1845), nos vários escritos de Walter Benjamin e no artigo de François Béguin
Les machineries anglaises du confort in L’haleine des faubourgs – ville, habitat et santé au XIXème
siècle, Murard, L. E Zylbermann, P., org., Recherches n. 29, 12.1977, publicada com o título As
maquinarias inglesas do conforto em Espaço & Debate n. 34 – Cidade e História, NERU, 1991.
7
Buret, Eugène. La misère des classes laborieuses em Angleterre et en France, fac simile da edição
Paris: Paulin, 1840, vol. 1, p. 30.
8
Buret, op.cit., p. 30-31.
6
Essa característica dos “fatos sociais” exigia sua descrição detalhada compondo
representações estéticas da sociedade. Entretanto, os observadores sociais sabiam
que só o conceito permitiria traduzir, para a linguagem intelectual, considerada
objetiva e isenta de resíduos afetivos, as impressões causadas na imaginação
pelos sentimentos de medo e de fascínio. Coube à estética do sublime operar
como filtro e oferecer um método de aproximação descritiva em apoio à
observação desvencilhada do impacto emocional.9 A teoria estética permaneceria
na base da atividade exploratória do modo de vida urbano. “Pobres”,
“trabalhadores” ou “vagabundos”, “almas selvagens e inarticuladas” foram
considerados equivalentes aos povos selvagens e seus bairros definidos como
territórios desconhecidos, “terra incógnita”. Os observadores sociais – políticos,
jornalistas, médicos, reformadores filantropos, membros de sociedades
estatísticas, homens letrados – assumiram a posição de exploradores de culturas
estranhas, estrangeiras ou exóticas na intenção de formar um campo de
conhecimento organizado e base para as intervenções.
9
É referência o texto de 1757 de Edmund Burke, A Philosophical Inquiry into the Origin of our
Ideas of the Sublime and Beautiful, in The Works of Edmund Burke, Vol. 1, London: G.Bell & Sons
Ltd., 1913. Versão francesa de 1803 [reedição fac simile, Vrin, 1973] e brasileira pela, EdUnicamp/
Papirus, 1993.
10
Carlyle, Thomas. Chartism in Thomas Carlyle Selected Writings, Penguin, 1980, p. 152.
7
Trabalhos com documentos variados e observações colhidas em longos e repetidos
percursos por Londres e cidades industriais inglesas se estruturam na ênfase das
condições higiênico-sanitárias das áreas industriais e da moradia operária. A
erupção do cólera em 183211, em praticamente todos os países da Europa, atuou
como reagente químico ao condensar dados que compuseram o campo de estudos
da “questão sanitária” nas dimensões física e moral – os redutos da população
pobre induzem à doença e aos comportamentos inadequados. As características do
espaço e seus efeitos sobre a saúde e a moralidade dos habitantes formaram um
par de longa duração. Considero, pois, importante lançar uma ponte para
surpreender como, já na primeira metade do século XIX, as críticas ao custo social
do laissez-faire ganham espaço e configuram uma clara representação da pobreza
enquanto produto da própria sociedade e a recobrem com características
específicas.12
11
A referência à epidemia de cólera em 1832 é constante nos documentos de procedência variada
que já na época relacionavam doença e trabalho industrial. Informações colhidas pelas grandes
pesquisas encomendadas pelas autoridades inglesas aparecem como referências obrigatórias em
quase todos os textos dos observadores sociais. Edwin Chadwick. Report to her Majesty’s principal
secretary of state for the home department from the poor law commissioners on an inquiry into the
sanitary condition of the labouring population of G.B., Londres, 1842; First report of the
commissioners for inquiring into the state of large towns and populous districts, Londres, 1844 e
Second report … 1845. in François Béguin, op.cit.
12
Eric Hobsbawn, E. P. Thompson, Garreth Stedman-Jones, Raymond Williams e Michelle Perrot
são autores indispensáveis para o conhecimento da sociedade industrial moderna.
13
Buret, Eugène. La misère des classes laborieuses en Angleterre et en France, Paris: Paulin, 1840.
8
estava sob ameaça: “são os sentimentos de desesperança que espalham as teorias
socialistas”.14
Intellect is like light; the chaos becomes a World under it: fiat lux.
14
Entre 1889 e 1892, Charles Booth publica em dois volumes Life and Labour of the People of
London, vol.1, 1892; Treble, James H.. Urban Poverty in Britain 1830-1914, Londres: Methuen,
1983. Ao lado das séries estatísticas, compôs mapas da pobreza nos quais pontuou a parcela de
responsabilidade da religião, das condições sociais e do meio ambiente urbano e demonstra que
30,7% da população londrina vivia abaixo da linha da pobreza. (p.24-31)
15
Booth, Charles. On the City Phisical Pattern and Social Structure. Selected Writings, ed. Harold
W. Pfautz, Chicago-Londres, Phoenix Books/The University of Chicago Press, 1967, p.85.
16
Booth, op.cit., p. 87 e R. E. Park, The City as a Social Laboratory in Chicago: An Experiment in
Social Science Research, ed. T.V. Smith e L.D.White, Chicago: The University of Chicago Press,
1929, p. 46.
17
Booth, op. cit., p. 51-52 e 185.
9
deve ser feito a respeito disso. Quão útil seria termos o real conhecimento delas, a
correta compreensão do que as classes mais baixas significam intrinsecamente; a
clara interpretação daquilo que atormenta suas almas selvagens e confusas, e tal
como criaturas mudas em sofrimento, incapazes de falarem por si, lutam e se
expressam por meio de enorme vozerio inarticulado. Algo elas pretendem; a
despeito de tudo, algum fundo de verdade [há] em seus corações confusos – pois
também são corações criados por Deus: ... Um perfeito esclarecimento equivaleria
a encontrar o remédio.18
(Chartism, 1839:223;151)
18
Carlyle, Thomas. Chartism in op.cit., p. 155.
19
Carlyle, Thomas. Signs of the Times in Op. cit. p. 61-85.
20
E.J. Hobsbawm fornece informações preciosas em seu Prefácio ao livro de Engels que cito aqui a
partir da edição francesa (La situation de la classe laborieuse en Angleterre, Études Sociales, 1960)
Observa que “o livro de Engels está longe de constituir um fenômeno isolado. (...) Nos anos 1830,
era evidente aos olhos do observador inteligente que nas regiões economicamente avançadas da
Europa colocavam-se problemas inéditos”. Registra as várias pesquisas oficiais e particulares às
quais Engels teve acesso, dentre as quais, a de Eugène Buret (que lhe mereceu acusação de
plágio), o Report of the Factory Enquiry Commission de 1833, o Report to her Majesty’s principal
secretary of state for the home department from the poor law commissioners on an inquiry into the
sanitary condition of the labouring population of G.B., Londres, 1842, e o First Report of the
Commission for Inquiring into the State of Large Towns de 1844.
21
Bringing the Serpent’s Tail into the Serpent’s Mouth. Edwin Chadwick and the “Sanitary Idea” in
England, capítulo 2 de The Sanitary City [abridged edition] Martin V. Melosi, University of Pittsburg
Press, 2008, p. 28-39. Ver também artigos de The Victorian City. Images and Realities 2 t. (org.
H.J.Dyos e M.Wolff) Londres e Boston: Routledge & Kegan Paul, 1973).
22
Bentham, Jeremy. Panopticon or the Inspection-House, 1787 in The Panopticon Writings (ed. e
Introd. Miran Bozovic), Londres-Nova York: Verso, 1995.
23
François Béguin expõe a “gigantesca empreitada que visou reduzir o ambiente a dados técnicos
correlacionando sua incidência sobre o comportamento e a doença, calculada em seus efeitos e
comparada sempre a este outro modo de funcionamento do ambiente possibilitado pelos mais
recentes progressos tecnológicos e pela redistribuição dos poderes no meio urbano”. Béguin,
François. Op.cit., p. 39.
10
Ao aceitarem a premissa de antes conhecer para somente depois intervir, os
observadores fizeram do conhecimento uma operação na qual as descrições
extremamente diversas e matizadas ganhavam estrutura e contornos nítidos a
partir das recorrentes evidências anotadas. A sensibilidade do observador
sintoniza-se pelas referências teóricas que conferem ao olhar armado pelos valores
burgueses – teorias estéticas, noções e conceitos do saber erudito – a capacidade
de classificar a partir das diferenças observáveis, aquilo que coisas e pessoas
possuem de essencial: a sociedade se torna legível.
24
Mayhew, Henry. Op.cit., p.110-112;101-111.
25
John D. Rosenberg nos introduz ao trabalho do jornalista diz “que sua arte ... como dramaturgo
construtor de caracteres por meio de palavras” seria comparável a de Shakespeare. In Mayhew,
Henry. London Labour and the London Poor, op.cit., p. vii.
26
Stedman-Jones, Gareth. Outcast London. A study in the relatioship between classes in Victorian
Society, Penguin, 1976, cap. 11 – The housing crisis in the 1880s, p 215 e segs..
27
Mearns, A. The bitter Cry of Outcast London. An Inquirry into the Condition of the abject Poor, in
The Bitter Cry of Outcast London, seleção de Anthony S. Wohl, The Victorian Library, Nova York:
Humanities Press, 1970, p.55-77.
11
bestas selvagens parecerem mais confortáveis e saudáveis?”, pergunta. Já From
the Abyss, cujo subtítulo Of Its Inhabitants by One of Them (1902) anuncia a
condição real ou fictícia de seu autor Masterman, descreve as “regiões abissais”:
“refúgios onde buscam um lugar para descansar após o dia de trabalho, as ruas
enxameiam com nossas crianças sujas, doentes, felizes...”28 Em How the Poor Live
(1889), George R. Sims, escritor e político inglês de tendência radical, convidava o
leitor a adentrar com ele o território da pobreza:
12
e dos diferenciados perfis psicológicos com vistas a alcançar suas determinações
mais íntimas.
31
Himmelfarb, Gertrude, The Idea of Poverty. England in the early Industrial Age, New York:
Vintage Books, 1985. Part Three “The undiscovered country of the poor”, chap. XIV “The ‘Culture of
Poverty’”, p.307-400. Para o período anterior ao século XIX ver Bronislaw Geremek. Os filhos de
Caim. Vagabundos e miseráveis na literature européia 1400-1700, São Paulo: Companhia das
Letras,1995.
32
Corbin, Alain. Le miasme et la jonquille, L’odorat et l’imaginaire social. 18° - 19° siècles, Paris :
Aubier Montaigne, 1982 (edição brasileira Saberes e Odores, São Paulo: Companhia das Letras, 19)
em especial Segunda Parte - Purifier l’espace public, p.105 e segs.
13
com a administração e a economia política. Essa deve ser a posição dos
poderes públicos quando se trata de tomar medidas exigidas pela saúde da
população.33
33
Rochard, Jules. Traité d'Hygiène Sociale, Paris, 1888.
34
Ver também Ivone Salgado, Pierre Patte e a cultura urbanística do iluminismo francês in Revista
de Estudos sobre Urbanismo, Arquitetura e Preservação, São Paulo, 2003.
35
Por ocasião da Feira Internacional de 1889 em Paris, até mesmo o ministro do comércio e da
indústria reconhecera a importância e a dimensão social da questão sanitária: “sanear nossas
cidades, fornecer às classes trabalhadoras uma alimentação suficiente e habitações salubres;
educar as crianças de modo a desenvolver a resistência de nossa raça e proteger as populações
das doenças que as dizimam: tais são os temas que passei em revista sucessivamente”. Havia
decretado ser a economia social uma das ciências representadas na Exposição. Rochard, op.cit. p.
11.
36
Rochard, op.cit., 10-17.
14
Dois anos depois Rochard organiza e publica a Encyclopédie d'Hygiène Publique,
obra em vários volumes da qual o 3º é dedicado a Hygiène Urbaine.37 No extenso
primeiro capítulo “Les Villes en général”, Jules Arnould faz um percurso pelas
cidades desde a Antiguidade até chegar à higiene nas cidades modernas. Fixa a
relação entre doença e higiene ao afirmar que “foi necessário o rude aguilhão da
nova peste, o cólera em 1832, para que fossem envidados esforços para sanear as
cidades”. Arnauld atribui às autoridades inglesas a iniciativa pioneira das pesquisas
subseqüentes à epidemia de cólera de 1832 e fornece o um quadro da situação
encontrada:
37
Rochard. Jules (dir.). Encyclopédie d’Hygiène et de Médecine Publique, Tome Troisième –
Hygiène urbaine, Paris : Lecrosnier et Babé, 1891.
38
Rochard, Encyclopédie..., op.cit. p. 319.
39
Rochard, Encyclpédie..., op.cit., pp. 389-434.
40
Propõem programas para os diversos tipos de edificações, discorrem sobre procedimentos
básicos para o preparo do solo evitando a umidade das águas usadas; estabelecem o padrão de
construção racional da casa dotada dos meios eficazes de aeração, aquecimento e ventilação,
eliminação rápida dos detritos orgânicos.
15
autores trazem sempre para o leitor exemplos de iniciativas já realizadas em
outros países como exemplos a serem evitados ou a serem seguidos.
Que resposta dar às indagações iniciais? Esse percurso por diversas linguagens
que analisam ou configuram representações das cidades no século XIX permite
acompanhar a constituição de campos de saberes a partir de diversos pontos de
vista. A higiene pública e privada, e sua versão técnica o sanitarismo, compõem a
base sobre a qual o urbanismo se estrutura enquanto disciplina que intervém no
tecido urbano e projeta a expansão das cidades. Dessa multiplicidade de saberes,
herda formas narrativas, conceitos, imagens; paradigmas que ainda hoje orientam
a visualização das questões urbanas. O quadro conceitual talvez deva sua força
explicativa dos grandes problemas urbanos, aos argumentos construídos com
análises e imagens. Dentre eles os colocados pelos “territórios da pobreza”.
16