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As Origens Da Arqueologia Clássica

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Rev. d o M useu d e A rq u eo lo g ia e E tnologia, São Paulo, 9: 95-110, 1999.

AS ORIGENS DA ARQUEOLOGIA CLÁSSICA

JohnniLanger*

“Entre a Arqueologia e a História não existe fronteira


definida”
Charles Leonard Wooley, Digging up the past, 1954.

LA N G ER , J. As origens da Arqueologia Clássica. Rev. do M useu de A rqueologia e Etnologia, São


P au lo , 9: 9 5 -1 1 0 , 1999.

RESUM O: O presente trabalho pretende recuperar aspectos históricos da


ciência arqueológica, dem onstrando a interferência de elem entos culturais e
imaginários em sua constituição.

U N ITERM O S: H istória da A rqueologia - A rqueologia greco-rom ana -


Egiptologia - M itos arqueológicos.

Em uma serena e quente manhã, sob a base do tendência disciplinar e metodológica, inaugurada
monte Vesúvio, ecoam repetidos ruídos provocados ao final do setecentos: a Arqueologia moderna.
por insistentes instrumentos de escavação sobre o solo Suas raízes, enquanto forma de conhecimento, são
árido da Itália setecentista. Há muitas décadas, nesse muito antigas. M uitos aspectos criados desde a
mesmo local, haviam sido descobertas várias relíquias Idade M édia ainda se faziam notar ideologicamen­
romanas, motivo pelo qual o estudioso lograva ad­ te, assim como diversos mitos propagados até re­
quirir novas peças em sua atual pesquisa. Cuidado­ centemente. O que diferenciou o arqueólogo após
so, observa meticulosamente todos os objetos vis­ 1770 de seus predecessores, foi a utilização de um
lumbrados à medida que o nível da escavação au­ método de investigação, centralizado na observa­
menta. Seu olhar toma-se mais minucioso à medida ção sistemática dos restos materiais deixados so­
que o tempo passa, e eis que um sorriso brota em seu bre o solo. Alguns aspectos dessa trajetória são
rosto quando descobre algo realmente sensacional. importantes para percebermos com maiores deta­
Não são moedas ou objetos de prata e bronze, que lhes a própria Arqueologia praticada atualmente.
teriam feito a alegria de caçadores de tesouros, ou
estatuetas e peças exóticas que teriam atraído a aten­ Ruínas gloriosas e viajantes:
ção dos antiquários. Tratava-se de objetos femininos a Arqueologia Clássica
pessoais, espelhos e caixinhas para cosméticos.
Indubitavelmente, esse escavador faz parte de A palavra A rqueologia nasceu, efetivam en­
uma nova geração de acadêmicos, de uma nova te, com a cultura grega clássica. A etim ologia
aponta para o conhecimento do passado históri­
co, m as de m a n e ira m u ito v aga: a p x a i o ç
(*) U niversidade Federal do Paraná. Pós-G raduação em (arch a io s) - antigo; Aogoç (lo g o s) - tratad o
H istória. Doutoram ento. (Dic. Enc. Hispano-Americano 1887: 671).

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LANGER, J . As origens da Arqueologia Clássica. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 9:95-110, 1999.

A utilização da palavra pelos gregos era apli­ manistas,' o colecionar de peças artísticas antigas,
cada a qualquer evento distante de sua época, e convivia com o estudo detalhado de certos vestí­
mesmo a instituições políticas e sociais mais re­ gios relacionados com esses ob jeto s, com o a
motas (Enciclopédia U niversal 1920). epigrafía e a numismática (Mousse 1978: 294).
A antigüidade sempre manifestou interesse por Eruditos interessados no restabelecimento da
seu passado m onum ental. H istoriadores com o glória clássica, os humanistas tornaram -se cole­
Dionisio (Antigüidades Romanas 29 a.C.), Flávio cionadores e escavadores, tendo como guia a lite­
Josefo (Antiguidades Judaicas) e Pausânias (Iti­ ratura e a história. M oedas e lápides com inscri­
nerário da Grécia séc. II d.C.) criaram obras que ções tiveram um interesse especial, originando
procuraram resgatar os períodos longos de sua his­ estudos comparativos com textos antigos. Dante
tória clássica. Mas a palavra arqueologia não tinha Alighieri (1265-1321) estudou caracteres de ma­
um sentido sistemático, mas genérico: designava nuscritos antigos, pergaminhos e palimpsestos; Pe­
um período material de uma nação ou país. Dioni­ trarca (1304-1374) analisou com grande interesse
sio de Alicamássio, por exemplo, em sua obra A r­ moedas greco-romanas; Michelangelo e Rafael exa­
queologia Romana (20 - 5 a.C.) abrangia um vasto minaram a arquitetura e a epigrafía das ruínas clás­
panorama monumental da história de Roma (Daux sicas. Desconheciam-se, no Renascimento, minú­
1948: 5). Qualquer tratado acerca de monumentos cias lingüísticas e paleográficas. A língua grega era
e ruínas, desta maneira, possuía o caráter de arque­ confundida com o romano e ignorava-se a etrusca:
ologia. Viajantes, historiadores e cronistas de Ro­ “para ellos Arqueología era el conocimiento de la
ma realizaram obras que registravam a cultura ma­ antigüedad, no de las antigüedades” (Dic. Hispano
terial de um a forma curiosa e imitativa (principal­ Americano 1887: 674). A cerám ica pintada grega
mente nos templos gregos): “Avant de devenir une era tomada como etrusca até o séc. X V m (Levi 1996:
Science, 1’archéologie est une attitude” (Daux 1948: 22). Também essa falta de conhecimento e crítica,
18). impossibilitava a autenticidade de muitos objetos ar­
Durante a Idade Média, ocorreram da mesma queológicos, principalmente estátuas greco-romanas.
m aneira alguns fortuitos estudos e registros ar­ Era comum o complemento físico de esculturas mu­
queológicos, geralmente relacionados com assun­ tiladas, com o fim de usá-las como objeto de adorno.
tos eclesiásticos. Por exemplo, o cardeal Giordano As fronteiras entre o apócrifo e o autêntico ainda eram
Orsini (1159-1181) iniciou uma coleção de objetos desconhecidas (Dic. Hispano Americano 1887:347).
romanos e Federico II di Svevia (1184-1250), or­ Quando os príncipes italianos começaram a
ganizou o púlpito do Batistério de Pisa com ob­ financiar as coleções da antigüidade, iniciaram-se
jetos clássicos (Enciclopédia Italiana 1949: 30). grande quantidade de escavações por toda a pe­
Mas a falta de interesse por temas da antigüidade nínsula. A escavação2 humanista estava muito dis­
clássica, acabou desfavorecendo maiores preocu­ tante do que se realizaria no séc. XIX. Preocupava-
pações com vestígios arqueológicos, que eram se basicamente em resgatar objetos antigos de urna
considerados desperdícios - não tinham utilida­ maneira aleatoria, sem grandes cuidados com re­
de nem significado entre os homens (Pomian 1983: gistros ou qualquer vinculação do achado com um
76). contexto histórico. O objeto só possuía valor por
A arqueologia como processo erudito de in­ sua própria e intrínseca importância material. Mas
vestigação compreende três períodos distintos: a
fase humanista, dos antiquários e dos escavadores
modernos. (1) Nome dado aos eruditos e literatos que, nos séculos
XV e XVI, restabeleceram o prestígio das obras da A nti­
güidade clássica, traduzindo-as, editando-as e com entan­
1. Os humanistas (1300-1600) do-as (G rande Larousse 1998: 3038).
(2) Até o séc. X VIII, as escavações eram aleatórias; após
A maioria dos especialistas considera o Renas­ esse periodo iniciaram -se diversos m étodos: o desenterra-
cimento como o período em que foram criadas as m ento de estruturas am plas, a escavação estatigráfica (por
níveis artificiais ou naturais), por quadrículas, trincheiras
raízes modernas do método arqueológico. Isso se ex­
etc. (Souza 1997: 49). A escavação estatigráfica im plica
plica pelo interesse despertado pelos novos estudos que os estratos do sítio sejam retirados, segundo sua colo­
clássicos, principalmente na Itália, o berço da civili­ cação e configuração original, no sentido inverso ao que
zação mediterrânea. Uma das características dos hu­ foram depositados (Funari 1988: 80).

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a escavação já era percebida enquanto evocação p a ra a re p re s e n ta ç ã o do d e s c o n h e c id o ”


de uma época, o resgate atemporal de uma conti­ (Gombrich 1995:72).
nuidade histórica (Bittencourt 1997: 10). Os obje­ A principal motivação das expedições e des­
tos encontrados apresentavam-se como se tivessem crições era a formação de coleções: moedas, ar­
sido congelados no tempo, no qual o processo histó­ mas, estatuetas, vasos e outros objetos antigos. O
rico teria sido paralisado - é obvio que a materia­ referencial humanista de retom ar os clássicos fa­
lidade intrínseca do objeto ainda é fundamental, vorecia também uma nova aproximação com os
mas percebem-se representações externas a ele. aspectos materiais da história e, por conseqüên­
Outro detalhe importante do humanismo foi cia, da própria natureza física - a nascente ciência
criar a primeira escola de Arqueologia. O poeta e moderna também reformulou os referenciais ma­
mecenas Lorenzo de Mediei (1449-1492) foi quem terialistas dos gregos, instituindo os primeiros es­
a instituiu em Florença neste período (D ic. H is­ tudos de astronomia e física moderna (séc. XVII).
pano-Americano 1887: 674). A Arqueologia tor­ Locais enigm áticos são visitados na Itália,
na-se, assim, instrumento político de revitalização como as catacumbas3 romanas, que em 1568 fo­
das glórias do passado. O famoso estadista Cola ram catalogadas por Onofrio Panvinio (M ousse
Di Rienzo (1310-1354), com o objetivo de restau­ 1978:294). O peculiar dessas ruínas é que ajudaram
rar a grandeza de Roma e unificar a Itália, também a instituir os aspectos misteriosos da A rqueolo­
dedicou grande atenção para a restauração dos gia, presentes no imaginário social, e que se fa­
edificios, esculturas e inscrições latinas (Daux 1^48: zem presentes até nossos dias, relacionados a ou­
21). A Igreja também iniciou diversos financia­ tras representações como as cavernas, a selva e as
mentos de coleções, restaurações e aquisições de cidades perdidas.
valiosas peças. As ruínas4 são representações fundamentais
As viagens de exploração arqueológica tor­ presentes no imaginário social, vinculadas à A r­
naram-se comuns a partir do humanismo. Um dos queologia. Signo criativo para as artes plásticas,
mais famosos exemplos, é com Cyriaque D ’An- escultura e arquitetura desde o renascimento, cons­
cône (1391-1452). Viajou pela península itálica, tituem um “testemunho do poder destrutivo do tem­
Grécia, Egito e a Turquia, sempre com referenciais po e do triunfo da natureza sobre a cultura, as ruí­
de uma exótica curiosidade, aliada a um meticulo­ nas conferem todavia à paisagem uma marca hu­
so registro epigráfico (Daux 1948:21-22). Ancône mana que as contém, abrindo-a para um a dimen­
foi o primeiro a revelar as riquezas arqueológicas são histórica” (Carena 1983: 129). Os humanistas
da Grécia, mas as suas sistematizações geográfi­ concebiam as ruínas como uma maneira de evocar
cas a respeito de sítios gregos eram confusas. A os diversos aspectos da antigüidade. Somente no
identificação de algumas ruínas foi feita de forma setecentos surgiram as sugestões melancólicas e
errada (Levi 1996: 207). Em uma reprodução de decadentes para tem as ruinísticos (B ittencourt
relevo de dançarinas de pedra de Samotrácia (séc. 1997: 14). Os humanistas concebiam as estruturas
IV a.C.), Ancône demonstra um exemplo da répli­
ca arqueológica com a perspectiva cultural do ar­
tista. O original apresenta sete mulheres com lon­ (3) As catacum bas (ka-ta-kon-be - grego, kata, em baixo;
kum bos, cavidade. L arousse 1871: 539) são cem itérios
gos vestidos e em posições idênticas, todas olhan­
rom anos dos séculos I a IV, feitos em galerias subterrâneas,
do para a mesma direção. As mãos posicionam-se às vezes utilizados pelos cristãos para reuniões ou cultos.
para o chão e existe uma uniformidade nos gestos F oram d esco b erto s no perío d o re n a sc e n tis ta ( G rande
e na sua compostura. As dançarinas reproduzidas Larousse 1998: 1244).
por Ancône possuem guirlandas de flores na ca­ (4) Latin ruina - destruído. Les ruines dont tout l ’ancien
e t to u t le n o u v e a u m o n d e so n t se m és p e u v e n t ê tre
beça e algum as p o rtam tam bém fita s, todas
considérées à deux points de vue, au point de vue de l’ar­
inexistentes no original. As vestim entas foram chéologie et au point de vue de la philosophie historique.
substituídas por vestidos europeus e cada uma re­ Les ruines attestent partout la puissance de l ’hom m e dans
cebeu um nome separadamente. O olhar renascen­ sa lutte contre la nature, qui reprend, aussiôt que l’hom m e
tista sempre prevalecia: o explorador-artista, em retire sa m ain, le dom aine q u ’il lui avait p én ib lem en t
um mundo pouco sistematizado e conhecido, op­ arraché; elles attestent aussi, par leur nom bre et par leur
antiqué, la longue suite de ses efforts, qui ont eu pour
tou por formas familiares ao seu contexto psicoló­
théâtre presque toutes les parties de l’universe (Larousse
gico: “O familiar será, sempre, o ponto de partida 1871: 1513).

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da antigüidade com o suportes de evocação da existentes em cada região. A mais antiga dessas agre­
época clássica, não im portando tanto suas ca­ miações, a Sociedade dos Antiquários de Londres,
ra c terística s m ateriais - o d esm antelam ento, foi fundada inicialmente em 1572. Sua principal
transporte e reaproveitam ento de inúmeros edi­ finalidade era a conservação dos monumentos na­
fícios romanos dessa época são reflexo disso. cionais, mas não tinha caráter oficial. O rei Jacques
A partir do final do séc. XVI, a palavra arque­ I dissolveu-a em 1604. No início do setecentos, foi
ologia novamente é resgatada no pensamento eru­ reconstituída diretamente pela monarquia, instala­
dito. O francês Jacques Spon utilizou os termos da em um palácio (Larousse 1871:452). Uma das ra­
archéologie e archéographie (1599); na Inglater­ zões do sucesso da sociedades de antiquários foi a
ra surge a expressão archaeology (1607); Itália direta proteção dos nobres e monarcas. Luis XIV
archeologia (séc. XVII) e Portugal archeologia criou a Academia de Inscrições e Belas Letras (1633),
(1789) (Daux 1948: 5, Silva 1789: 200). O caráter que além de reforçar a arte e cultura francesas no
material dos estudos arqueológicos, desde então, período, incentivou o financiamento dos sábios e
passa a ser ressaltado freqüentemente. No setecen- exploradores. Na Espanha, Felipe V, imitando o rei
tos, o filólogo Antônio Silva definiu a ciência como francês, fundou a Academia de História e financiou
“tratado sobre as antigüidades, estudo dos monu­ a exploração do marquês de Valflores pelas antigüi­
mentos e costumes antigos” (Silva 1789: 200). dades de seu país (Dic. Hispano-Americano 1887:
674). Esse financiamento para as pesquisas demons­
tra as primeiras formulações da idéia de nação com
2. Os antiquários (1600-1730)
um passado arqueológico viável, isto é, pelo qual
os resquícios materiais podem ser aplicados dire­
As preocupações estéticas dos antiquários,5 tamente em ideologias políticas, fomentando glo­
basicamente, eram as mesmas dos humanistas, com rificações geográficas ou correlacionando filiações
certas mudanças. Buscavam recuperar a tradição clás­ do presente histórico com o passado esquecido.
sica, mas de uma maneira muito mais detalhista, com No aspecto geo-arqueológico, a península itá­
muito maior devoção e cuidado que seus predeces- lica deixa de ser o único grande alvo de interesses,
sores. As coleções receberam sistematização acurada,
passando agora as desconhecidas regiões da Grécia,
beneficiadas pelo aumento dos estudos de Paleografía Egito, Ásia e África a receber expedições mais por­
e Numismática. E por outro lado, o desenvolvimen­
menorizadas. A busca incessante pelo objeto, pelo
to do aspecto comercial do antiquário, o coleciona­
documento material tom a-se cada vez mais supre­
dor especializado, a serviço dos nobres diletantes.
ma em relação ao documento escrito. As escava­
Os estudos paleográficos continuam a tradi­
ções também tomam-se constantes em outras regi­
ção anterior dos humanistas, sempre buscando reu­
ões da Europa, como os países nórdicos. O natura­
nir a maior quantidade possível de inscrições anti­
lista dinamarquês Olaus W orm empreendeu estu­
gas, como em Inscriptions antiquae totius orbius
dos nos monumentos megalíticos pré-históricos da
romani (1603), de Gruter. Outro filólogo holandês,
região e no alfabeto rúnico. Além disso, foi o res­
Jacques Gronovius, com as mesmas intenções, pu­
ponsável pela organização de um museu-gabinete
blicou a grande enciclopédia Thesaurus antiquita-
de curiosidades (1655), repleto de artefatos6 anti-
tum graecarum (1702), vasta compilação do mun­
do grego em treze volumes.
Grupos de antiquários são formados por toda
a Europa, com o objetivo de divulgar as coleções (6) Todo e qualquer objeto produzido pelo homem, inclu­
indo ferram entas, utensílios, objetos de adorno etc. (Sou­
za 1997: 20). Todo produto do trabalho hum ano. Possui,
necessariam ente, duas facetas inseparáveis: um a m ateria­
(5) O antiquário é o “sábio que se ocupa dos m onum entos lidade física (do que é feito o artefato) e um a atividade
e objetos antigos, no mesmo sentido em que se emprega, hum ana de transform ação. Podem ser divididos em artefa­
m odernam ente, a palavra arqueólogo. O léxico distingue tos fixos ou m onumentos (muros, colunas etc.) e artefatos
entre o valor das duas palavras, e o antiquário, com o tem ­ m óveis (vasos de cerâm ica, instrum entos de pedra etc.).
po, passou a ser considerado o amador, aquele que, sem C o n stitu em , ju n ta m e n te com os eco fa to s (e v id ên cias
possuir estudos especiais, faz coleção de fragm entos, de am bientais) e biofatos (vestígios de plantas e anim ais), o
m edalhas, de objetos antigos ou que eles vendem com o objeto de estudo direto da A rqueologia (Funari 1988: 78-
tal” (Costa 1936: 36). 79).

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gos, e um elaborado catálogo do mesmo (Bitten­ ao qual ele pertenceu. Deste modo, M ontfaucon
court 1997: 4-6). Iniciava-se a relação da A rque­ rompeu com a tradição de simples curiosidade dos
ologia com o espaço m useológico, este últim o monumentos, realizando uma tentativa de recons­
com metodologia e sistemática próprias, mas de­ tituir genericamente o passado.
pendente muitas vezes do acervo de escavações. Durante o século XVIII, as ruínas tom am -se
Um dos pioneiros franceses da exploração ar­ o tema favorito da sensibilidade artística, coinci­
queológica, Nicolas Peiresc, visitou grande quan­ dindo com o imenso interesse pela Arqueologia.
tidade de monumentos da Ásia M enor e África. A Os próprios emditos e arqueólogos realizavam ilus­
grande divulgação das antigüidades clássicas pela trações em seus estudos, integrando também as ten­
França, no entanto, dar-se-ia pela obra de Mont- dências culturais de sua época. Uma das mais famo­
faucon e Caylus, dois dos mais célebres arqueólo­ sas m inas européias, o complexo de Stonehenge
gos do séc. XVIII. (Inglaterra), fomeee um panorama ímpar das trans­
O estudo dos objetos já é realizado no seis- formações que as imagens de rumas sofreram desde
centos por um referencial de seriação e classifica­ o humanismo até o séc. XIX.
ção, o que leva o estudioso Alain Schnapp a con­
siderar a Arqueologia deste período como: “une 3. A s ruínas de Stonehenge
science du disparate, de l’accumulation” (Schnapp
1982: 760). Não se considerava suficiente apenas As mais antigas representações deste sítio
observar e publicar, era necessário também classi­ megalítico surgiram durante o quatrocentos. A l­
ficar os vestígios encontrados dentro de determi­ guns manuscritos ingleses de Cambridge represen­
nadas corpos de doutrinas e interpretações. A apro­ taram o local de maneira errônea, com os megálitos
ximação com a Arqueologia m oderna já se efetua­ dispostos em um retângulo, sem os trilitos inte­
va em muitos eruditos. Um deles é especialmente riores. Baseada em uma origem mágica do sítio, a
apontado pelos especialistas como um antecipador uniformidade do desenho garante características
dos princípios modernos desta ciência: Bernard de divinas a Stonehenge. Em 1574, em um desenho
M ontfaucon.7 Sua principal obra, L ’A n tiq u ité anônimo constante no manuscrito Summarize o f
expliquée et représentée en figures (1719) foi com­ the events o f England, o conjunto tom a-se mais
posta de extensos 15 volumes. Procurava uma cor­ próximo do real, com sua forma circular. Um ca­
respondência intrínseca entre o texto e os objetos valeiro adentra o espaço interno em um cavalo, en­
de investigação: “Ces monuments se divisen en quanto uma pessoa toca um dos megálitos. A aura
deux classes; celle des livres et celle des statues, bas- divina desaparece do local, abrindo espaço para a
reliefs, inscriptions et médailles, deux classes, dis- humanização dos vestígios da antigüidade. A fal­
je, qui se prêtent des secours mutuels” (apud Sch­ ta de detalhes e a inexatidão do volume e altura
napp 1982: 761). Segundo Alain Schnapp, a obra das pedras é uma característica renascentista, va-
de Montfaucon é eminentemente reflexiva, sendo lorizando-se o resgate da época do valor intrínseco
os objetos arqueológicos um meio de ilustrar a his­ do objeto. Em outro desenho anônimo, de 1575, a
tória. A divisão estrutural da obra L ’antiquité ex­ busca pela antigüidade é ainda mais acentuada. Di­
pliquée, baseada em descrições monumentais e versos indivíduos escavam e movimentam-se ao
explicações de aspectos coletivos, conduz a uma redor do local. Um castelo (imaginário) surge ao
definição de arqueologia desenvolvida por apro­ fundo do sítio, em uma elevação, sugerindo talvez
ximações sucessivas (Schnapp 1982: 761), ou se­ uma continuidade do período histórico com o res­
ja, a relação que um objeto possui com o contexto gate promovido pelos escavadores. Em 1600, na
quinta edição da Britanniae descriptio, de Camden,
o local volta a ser retratado de maneira misteriosa.
(7) (Beneditino da congregação de São M auro (Castelo de As pedras parecem se contorcer, dando ao conjunto
Soulage, Diocese de Narbonne, 1655 - Paris 1741). Foi um aspecto simbólico de chamas, ao mesmo tem ­
um dos primeiros eruditos que apoiou o estudo da história po que parecem retratar silhuetas humanas. A plan­
não apenas nos textos, m as tam bém no estudo dos edifíci­
ta possui muitas incoerências estruturais, e a or­
os e m onum entos relacionados com a época focalizada.
Com sua Paleographie grecque (1708) - foi quem criou a
dem geral parece ser influenciada por antigas len­
palavra - , é considerado o fundador dessa ciência (G ran­ das folclóricas. No mesmo local onde anterior­
de Larousse 1998: 4070). mente era retratada uma fortaleza (segundo pla­

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no), surge uma grande cidade. O frontispicio do gem oriental, como a A strologia e Alquimia. A
texto, abaixo da ilustração de Stonehenge, é en­ complexidade deste ritual pagão revela toda a uni­
cimado por um nobre, que aponta na direção da dade dos antigos bárbaros, que deve ser refletida
cidade. Um a alegoria das ruínas inspirando o pre­ - para o artista - na conjuntura política da época
sente, criando novas perspectivas. presente.
O primeiro antiquário a ilustrar Stonehenge Com a Arqueologia oitocentista, os megáli­
foi Iñigo Jones, em 1621 (publicado em The most tos europeus são atribuídos a culturas muito mais
notable antiquity o f Great Britain vulgary called antigas que a dos bárbaros, as do neolítico pré-
Stone-Heng, 1655). Trata-se da mais pura evocação histórico. A representação das ruínas sofre influ­
renascentista. Os monumentos são ilustrados to­ ência do neoclassicismo e do romantismo. Assim,
talmente restaurados, com regularidade no corte e por exem plo, a Stonehenge de John Constable
com o plano geral disposto simetricamente em or­ (1832) possui ao mesmo tempo conotações glori­
dem. Jones evoca claramente uma origem romana osas e sinistras. Os dois visitantes retratados já não
ao local, sendo a principal inspiração as constru­ contêm a vivacidade e curiosidade das antigas re­
ções clássicas da Itália. Outro antiquário, John presentações, mas, antes, conservam-se um para­
A ubrey, realizou a prim eira planta do sítio, A do frente ao megálito e outro sentado. Melancolia
iconografia de Stonehenge (1666). Percebe-se uma e meditação, traços característicos da ruína român­
maior valorização da ordem exata do conjunto, pela tica, unidas a uma reinterpretação clássica: as ro­
unidade geral das ruínas. Mas na questão da ori­ chas britânicas parecem evocar as construções la­
gem de Stonehenge, Aubrey creditou aos druidas tinas, mas a solidão nórdica triunfa. O todo parece
a sua autoria, popularizando um mito que sobrevi­ ameaçador e soturno, com uma tempestade ao fun­
ve até nossos dias. do. As pedras são ainda mais instigantes com for­
Em 1740, outro antiquário, W illiam Stukeley, tes detalhes de escuridão, parecendo emergirem do
reforçou essa teoria em seu Stonehenge, a temple solo, num ámplo contraste do sentido religioso da
restored to the Bristish Druids. O arquiteto John Wood natureza e da história.
realizou outra planta (Choir Gaur, 1747), ainda
mais precisa, atribuindo Stonehenge a um templo 4. A s ruínas de Pompéia e Herculano
lunar dos antigos celtas. Por toda a Europa sete-
centista, as ruínas megalíticas são consideradas A descoberta de maior impacto cultural no
obras dos antigos bárbaros celtas, vinculadas ob­ século X V m , sem sombra de dúvida, foram as mi­
jetivam ente a mitos nacionalistas ingleses e fran­ nas de Herculanum e Pompéia. Influenciaram as
ceses (Demoulle 1982: 744). Em uma pintura de D. artes plásticas, a escultura, a Arquitetura, a Filosofia
Logan deste período, Stonehenge, o lugar é retratado e a sensibilidade. Revigorando a maneira de se
de maneira exótica, sendo observado por inúme­ pensar a antigüidade, instituíram o neo-classicismo
ros visitantes, cavaleiros, curiosos e até animais. e renovaram a Arqueologia.
Com dois planos, face norte e sul do sítio, a impo­ A epopéia arqueológica das duas cidades ro­
nência é destacada pelo contraste de claro-escuro manas iniciou-se com seus soterram entos pelo
das pedras. Em ambos os desenhos, grossas e ne­ Vesúvio em 79 d.C. Motivo de algum auxílio logo
gras nuvens pairam acima dos megálitos, dando após o ocorrido, foram abandonadas sob o domí­
um aspecto obviamente glorioso e grandioso ao nio de Trajano e Adriano. Em 196 d.C. o impera­
passado francês, tam bém herdeiro dos antigos dor Alexandre Severo interessou-se pelo resgate
celtas. O auge do mito celta pode ser vislumbrado da região, o que não ocorreu. O local de Hercu­
com a pintura de M eyrick e Smith, O festival dos lano, enterrado a 15m de profundidade, começou
bretões em Stonehenge (1815). Centenas de pes­ lentamente a ser repovoado por uma aldeia acima
soas reunem-se em frente ao imenso reduto pétreo, das minas, denominada de Resina. Em Pompéia,
num amplo festival de cores e entusiasmo. Numa nunca houve repovoamento efetivo. O nome des­
Stonehenge reconstituída, supostam ente em sua sas localidades também foi perdido, sobrevivendo
época de uso, sacerdotes druidas reúnem -se no apenas em algumas cartas geográficas romanas e
centro para celebrações rituais. Em volta, indiví­ medievais (Corti 1958: 118-127).
duos assistem ao espetáculo sentados. Símbolos ti­ Durante o Renascimento, ocorreram algumas
picamente celtas misturam-se a tradições de ori­ referências dispersas. N icolo P ero tto (1488),

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Sannazaro (1502) e Leone (1513) mencionam as lo­ concepção de arqueologia praticada nas cidades
calidades em seus trabalhos. Em 1607, o historiador perdidas rom anas. No prim eiro plano, dois n o ­
Cappacio cita a existência de ruínas antigas na região bres d iscu tem sobre os o b jeto s rec u p erad o s,
de Civita (amai Pompéia). Outro historiador italiano, am ontoados em profusão. Vasos, estátu as fra g ­
Camillo Pellegrino (1688), faz a surpreendente reve­ m entadas, cântaros, blocos e pedaços de painéis
lação que a contemporânea Resina está construída e capitéis m isturam -se indiferentem ente. A idéia
acima de Herculanum. Operários em trabalho de es­ principal da p intura é de um grande g ab in ete de
cavação geológica descobriram fragmentos romanos, curiosidades, um m useu ao ar liv re.9 No plano
que foram interpretados pelo emdito Bianchini (1699) interm ediário, doze pessoas observam com aten­
como sendo da cidade de Pompéia, em seu livro ção a im ensa galeria aberta sobre o local, de onde
Storia Universale (Corti 1958: 125-153). são retirados os vestígios rom anos. Aqui, o tem a
Apesar de todas essas evidências, a conjuntura da curiosidade exótica é capital, d eterm ina va­
do período não creditava a descoberta de ruíças e lores e institui m odos de agir. Ao lado, um d eta­
fragmentos antigos como sendo de uma antiga povo- lhe de pórtico, totalm ente im erso na base de uma
ação - no caso, das cidades perdidas8 de Hercula- m ontanha e mal distinguido do resto da pintura
no e Pompéia. Os resquícios clássicos não proporci­ pelo som bream ento, pressupõe o ca rá ter m iste­
onavam a identificação, pelos pesquisadores, de uma rioso e oculto da A rqueologia. Id en tificad o r de
asssociação histórica com sua origem. Desta manei­ que o local é uma ruína romana, também funciona
ra, Herculano foi escavada entre 1710a 1738, sem a com o sím bolo da entrada ao universo m isterioso
suspeita de que se tratava de uma urbe, apenas frag­ do passado. O pórtico é um dos sím bolos p rin ci­
mentos isolados de templos ou pequenas vilas. Sob pais das cidades perdidas no im aginário social
o financiamento do príncipe d ’Elbeuf, diversas está­ (Langer 1997b: 169). No plano de fundo, tra ­
tuas e colunas foram resgatadas do local, até que, em balhadores transportam os objetos da escavação
1738, foi descoberta uma inscrição que continha a em carriolas, subindo um a ram pa até o cim o do
frase Theatrum Herculanensem, o que possibilitou m onte. N este local, um grupo com anda a o p era­
o reconhecimento da cidade. Em Pompéia, as esca­ ção. O resgate do passado clássico perm ite a ele­
vações iniciaram-se a partir de 1748, mas somente vação do espírito hum ano, alcançando a p erfei­
em 1763 foi feita a identificação de origem, através ção moral.
de uma inscrição do tribuno Svedius Clemens (Corti Um dos m otivos do grande im pacto cultural
1958: 179). prom ovido pelas cidades rom anas soterradas foi
A técnica das escavações das cidades romanas o de perm itir a reconstituição cotidiana da H is­
até 1770 consistia em recuperar jóias, moedas de tória. O que antes só se co n h ecia atrav és da
ouro e prata e qualquer objeto valioso. A noção de literatura e das ruínas tradicionais, agora era re­
tesouro movia os trabalhos de campo: cada área da velado pela d esco b erta de ob jeto s do m éstico s
cidade escavada que não possuía objetivamente al­ no co n texto da p ró p ria resid ên cia antiga. P rin ­
guma riqueza, era abandonada. Fortuitamente, recu­ cipalm ente em Pompéia, devido às facilidades na
peravam-se esculturas soterradas, e, algumas vezes,
murais e inscrições. As etapas de escavação não se­
guiam estratigrafia e nem registros de níveis ou de
(9) A id éia de m useu exposto de H ercu lan o pode ser
localização precisa dos objetos na área urbana. O c o n s ta ta d a m ais e x p lic ita m e n te a in d a na e s ta m p a
principal diretor dos trabalhos de desenterramento A n tiq u itie s o f H erculaneum , de T. M artin e J. L ettice
em Herculano, Alcubierre, danificou diversos monu­ (1773). O quadro possui seis quadros in tercalad o s na
mentos e registros (Corti 1958: 154-170). m esm a figura. A prim eira, e de m aior tam anho, ilustra
Uma pintura anônim a desta época (E scava­ um im enso pórtico com um leão em blem ático ao c e n ­
tro , en cim ad o p o r um a e x te n sa g u irla n d a. A cim a do
ções em H erculano, 1740-1750), nos m ostra a
pórtico, um a pequena pintura paisagística reconstitui o
cotidiano da cidade, durante sua gloriosa existência an­
tes da catástrofe. A baixo da ilustração principal, quatro
d e ta lh e s a r tís tic o s c o m p le m e n ta m a c e n a . D u as
(8) As cidades perdidas são representações em tom o de reconstituições de acrotérios com estátuas m itológicas,
sítios arqueológicos, reais ou im aginários, dos quais os e ao centro, detalhes de pinturas m urais. A idéia princi­
referenciais históricos e geográficos foram esquecidos pela pal da estam pa é expor detalhes artísticos recuperados
civilização ocidental (Langer 1997b: 76). da cidade rom ana, em uma espécie de m ostruário.

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e sca v açã o 10 e ao fato de não existirem sobreposi­ mentos ruinísticos romanos, dem onstrando agora
ções de outra épocas, tudo ficou com o estava des­ influências do rom antism o. No quadro Come si
de 24 de agosto de 79 d.C.: “a magia do quotidiano scavava a Pom pei, percebem -se as novas dire­
interrompido no auge da felicidade” (Carena 1983: trizes das escavações. Ao contrário da referida
122 ). pintura setecentista de Herculano, ocorre uma or­
A região de Nápoles tomou-se concorrente da ganização planejada do resgate, sem espaço para
metrópole cultural de Roma, totalmente absoluta no o exotism o e curiosidade dos fragm entos. Sob o
classicismo desde a Renascença. Em Nápoles, o côn­ atento olhar de um supervisor, a retirada dos entu­
sul britânico Sir William Hamilton formou uma grande lhos pelos trabalhadores é feita sistematicamente,
coleção de vasos, que se tomou referência para os ao final de uma grande avenida calçada. Como em
colecionadores (Jones 1985: 33). No frontispício de grande parte da Arqueologia Clássica efetuada du­
seu Catalogue ofthe collection (1790), percebemos rante o oitocentos, o procedim ento da escavação
uma interessante alegoria arqueológica. Na base de segue a técnica do d esenterram ento,12 a simples
um penhasco, uma escavação revela um túmulo antigo, retirada dos entulhos acim a das estruturas soter­
composto por um esqueleto e diversos vasos cerâmi­ radas. Em term os de organização, o desenterra­
cos. Um casal de nobres visita a descoberta, fascina­ mento atua com um responsável, o arqueólogo, e
do pelo exame do vasilhame. Na base do túmulo, em a m ão-de-obra braçal (Funari 1988: 49). Em pri­
primeiro plano ao lado da escavação, repousam uma meiro plano, na extremidade inferior direita, o qua­
picareta e uma pá, símbolos da ciência material. Per­ dro de M azois ostenta uma pá e uma picareta, cru­
cebemos a total inclusão da Arqueologia na cultura zadas e apoiadas em um muro. Principais ferra­
erudita do período. Homens de bom gosto, de boa mentas da técnica de desenterramento, as suas po­
tradição, visitavam e evocavam a antigüidade. Fazer sições na ilustração, assim como no frontispício do
uma viagem de estudos a Roma toma-se parte indis­ catálogo de H am ilton (1790), perm item supor o
pensável para a educação das pessoas bem nascidas. seu uso como alegoria da Arqueologia, neste perí­
Mais que uma simples curiosidade turística, projeta a odo. Também utilizadas freqüentem ente na arte
idealização de uma sociedade, de um mundo onde os m açônica setecentista,13 a pá e a enxada associ-
valores clássicos são refletidos como regras de am -se a símbolos de m odificação da natureza. No
convivência moral. A corte européia, com isso, toma- quadro de M azois, possuem um sentido de pes­
se a projeção das sociedades míticas grega e romana, quisa, da entrada para os m istérios do passado,
através da pintura, dos detalhes arquitetônicos expos­ perdido nas profundezas da terra.
tos em palácios, centros culturais (bibliotecas e mu­ Em outras ilustrações de Pompéia, Mazois res­
seus), moda e no comportamento. É o auge do neo- salta um fundam ento da ruína rom ântica, a me­
classicismo europeu. lancolia da decadência. Na Villa di Diomede, For-
Se por um lado, as cidades soterradas pelo
Vesúvio continuam despertando interesse e pes­
quisas, ao nascer do oitocentos ocorrem algumas (12) “As estratégias técnicas básicas de desenterram ento
m udanças na percepção destas. O arqueólogo são as trincheiras e as sondagens. A quelas se destinam a
F rançois M azois,11 em seu livro R uines de Pom- descobrir a orientação geral das estruturas fixas a serem
desenterradas, facilitando, devido à sim etria das plantas, a
p éi (1813), realizou diversas ilustrações dos frág­
suposição da localização dos m uros e principais estrutu­
ras. Em caso de desenterram ento lim itado, podem -se lo­
calizar os lugares mais interessantes (tesouros, depósitos)
i l 0) A área de Pom péia foi soterrada por um a grande quan­ a serem escavados. As sondagens perm item saber a pro­
tidade de lapilli (pedras vulcânicas) que, m isturadas a cin­ fundidade do sítio” (Funari 1988: 50).
zas, form aram um a cam ada m uito m acia e facilm ente re­ (13) Isso pode ser constatado no intrigante frontispício da
m o v ív e l, n u m a p r o fu n d id a d e b em m e n o r q u e a de F lauta M ágica (1791), de M ozart. No interior de uma
H erculanum (Ceram 1956: 20). catacum ba repleta de sím bolos egípcios e ocultistas, o pri­
(11) A rqueólogo e arquiteto francês (1783-1826). O bteve meiro plano, na extremidade inferior direita, é ocupado por
o privilégio de desenhar os monum entos de Pom péia, re­ uma pá e uma picareta - na mesma posição que o frontispício
servado apenas aos acadêm icos de Nápoles, entre 1809 e de H am ilton (1790) e o desenho de M azois (1813). Ao
1811. Os resultados dos seus trabalhos foram publicados lado dos instrum entos, repousam fragm entos de capitéis,
em 1813, sob o título de Ruínes de Pompéi. Outros livros: um a estátua e um a ánfora. M ozart expressou suas idéias
Palais de Scaurus (1819); Ruines de Paestum e Théàtre com- d a fra n c o -m a ç o n a r ia , in f lu e n c ia d o p e lo lib r e tis ta
p let des Latins (Larousse 1871: 1392). Schikaneder (Baines & M álek 1996: 223).

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LANGER, J. As origens da Arqueologia Clássica. Rev. do M useu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 9: 95-110,1999.

no e M ulino e Casa Cham pionnet, surgem pes­ b ras to rn a m -se m ais a c irra d a s, a la rg a d a s e
soas sentadas, em posições reflexivas. N este úl­ escurecidas. As figuras humanas são pequeninas
timo, em especial, o ponto de fuga exato do qua­ frente à imponência dos restos desmoronados. Em
dro, no plano inferior, é ocupado por um cabisbai­ sua obra m ais im portante, A n tic h ità R om ane
xo e oprimido soldado, junto a colunas derruidas e (1756), vislum bram os toda a concepção da força
cobertas de musgos. Os fragmentos ruinísticos são da antigüidade ressurgida nos tempos modernos. Em
locais propícios para o culto do desam paro: “Sua especial, uma gravura dessa publicação, Strada
melancolia reside no fato de ter-se ela tornado um Felice, conseguiu captar toda a estética e imaginá­
monumento da significação perdida. Sonhar nas ru­ rio setecentista acerca da Arqueologia. Duas estra­
ínas é sentir que nossa existência cessa de nos per­ das são ladeadas por uma imensa quantidade de mo­
ten cer e já se une ao im enso esq u ec im en to ” numentos, empilhados numa grande extravagância.
(Starobinski 1994: 202). Os vestígios adquirem o Mais que um modismo, o resgate do remoto arcai­
sentido da morte e da vida, marcas da tragédia da co tornou-se obsessivo, indo além dos lim ites do
natureza perante o curso da história, resgastados bom senso. Mesmo a idéia do mostruário de curio­
pela ciência. sidades ao ar livre, transform a-se em um delírio
Em outra inquietante representação artística, monumental ao extremo, pelo qual o olhar dos di­
Mazois retrata o caráter m isterioso das ruínas. II minutos transeuntes toma-se totalmente perdido na
pozzo aperto sulla cavea dei teatro representa o esmagadora quantidade de objetos. O monumento
desenterram ento parcial de um teatro romano em transmuta-se, na obra de Piranesi, em signo de um
Pompéia. Em um am biente escuro e tenebroso - destino (Starobinski 1994: 201), a subm issão do
lembra-nos as pinturas de catacumbas, cavernas e presente (simbolizado pelas figuras humanas) pelo
cemitérios - os escavadores são diminuídos pela passado (as ruínas).
imensidão do local. O gosto romântico pelo horror, A segunda metade do séc. XVIII foi caracte­
manifestado pela literatura, também é percebido na rizada pela grande quantidade de publicações ar­
Arqueologia. queológicas, sistematizadoras e catalogadoras de
vestígios do mundo m editerrâneo,15 todas depen­
5. As ruínas de Piranesi dentes da fórmula erudita máxima da época: ob­
servar, registrar e publicar. Influenciadas direta­
G iovanni Battista Piranesi foi o grande ca­ mente pelas pesquisas em Pompéia e Herculano,
talisador do neoclassicism o e da Arqueologia se- essas publicações já correspondem a uma nova
tecentista, no plano artístico. A pesar de ser arqui­ maneira de realizar interpretações da antigüidade,
teto e engenheiro, a principal produção de Piranesi mas certamente dois nomes canalizaram em suas
foi a criação de vedute (vistas), gravuras de paisa­ obras este momento da Arqueologia: Conde de Caylus
gens urbanas clássicas. O estilo de Piranesi era muito e Winckelmann.
forte e denso, por vezes inseguro e paranóico. O
fro n tispicio de P rim a p a rte di A rch itetu re e
Prospective (1743), rom pe com a tradição das (15) Entre as principais obras publicadas na segunda meta­
de do setecentos temos: Traité des pierres gravées, Mariette
vedute e pinturas de ruínas. Ao contrário dos frag­
(1750); The ruins o f Palmyra, R. W ood (1753); L'antichità
mentos ruinísticos de Pannini,14com cores fortes em romana, Piranese (1756); R ecueil de peintures antiques,
meio a cortejos e festas - uma visão humanística da Bartoli (1757); The ruins o f Baalbek, Stuart e Revett (1757);
Arqueologia - , esse fronstispício já nos revela a sua Description des pierres gravées du baron de Stoch, W in­
interpretação de um passado com atm osfera fan­ ckelmann (1760); La science des médailles, Jobert (1760);
A ntiquités d ’A thènes, Stuart (1761); Recueil d ’antiquité,
tástica. Nas Termas de Caracola (1748), as som­
Conde de Caylus (1767); The Antiquities o flo n ia , Chandler
(1769); Antiquities o f H erculanum, T. M artin e J. Lettice
(1773); De stylo inscriptionum latinarum, M orelli (1780);
(14) Um dos p in to res de ru ín as p refe rid o s na E uropa Bas-reliefs antiques de Rome, Zoega (1783); Lexicon univer-
setecentista. Giovanni Paolo Pannini (Piacenzac. 1691 - Roma sae rei numariae veterum, Tasche (1785); Choix de pierres
1765), foi aluno dos Bibiena, tomou-se, antes de Canalleto, gravées du cabinet impérial, Eckehl ( 1788); Voyage du jeune
o primeiro dos grandes vedutisti, indo bem além da minúcia A nacharsis en G rèce, B arthélém y (1788); A rchaeologia
topográfica em suas vistas de Roma, suas composições com litteraria, Em esti (1790); Vases antiques peints de la collec­
minas imaginárias e suas representações de cortejos e festas tion de W. Hamilton, Tischbein (1791); Doctrina nummorum
0Grande Larousse 1998: 4416). veterum, Eckehl (1792).

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LANGER, J . As origens da Arqueologia Clássica. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 9: 95-110, 1999.

6. Os sistematizadores (1760-1790) idealizada da antigüidade. A estatuária grega to­


ma dim ensões apaixonantes e espetaculares com
No plano científico propriam ente dito, o eru­ W inckelm ann, que nunca chegou a visitar a G ré­
dito Conde de C aylus16 foi o prim eiro a antecipar cia, mas concebeu as estátuas helénicas com o o
um a nova definição do m étodo arqueológico. A exem plo m áxim o do belo. A sistem atização da
inovação consistia em um a teoria da cla ssifica ­ A rq u eo lo g ia ocorreu em um a co njuntura to ta l­
ção tipo ló g ica ,17 presente em seu livro R ecueil m ente favorável. O século XVIII buscava inces­
d ’A ntiquités (1767): “Les m onum ents présentés san tem en te a o rd en ação do m undo e do p en sa­
sous ce point de vue se distribuent d ’eux-m êm es m ento, e por conseqüência, a classificação dos
en quelques classes générales relatives aux pays seres e das form as. Em 1751, apareceu a p ri­
qui les ont produits et dans chaque ils se rangent m eira ed ição da E n cy clo p é d ie de D id ero t e
dans un ordre relatif au temps qui les a vu naître” D ’Alem bert, o projeto máximo do século das Lu­
(Schnapp 1982: 762). No que pode ser conside­ zes, visando a co m p ilação do conhecim ento.
rado o m om ento culm inante da tradição dos anti- N este momento, todo explorador do mundo bus­
quários, o Conde de Caylus reuniu o conhecimento cava a classificaç ão sistem ática do seu objeto
enciclopédico com o estudo do objeto. As ev i­ de estudo, e a A rqueologia apenas acom panhou
dências arqueológicas passam a ser contextua- essa tendência.
lizadas em urna perspectiva cronológica, e estu­ Com relação ao método de escavação, Win­
dadas através de suas estruturas físicas e m orfo­ ckelmann já manifestava uma visão crítica, ao visitar
lógicas. Herculanoem 1764:
E ssa nova concepção seria sistem atizad a “A direção dos trabalhos foi entregue a
pelo alemão Johann W inckelm ann,18 ainda no se- um engenheiro espanhol, chamado Roche Jo­
tecen tos. Ao d istin g u ir diferen tes períodos ar­ aquim A lcunierre (...) E sse hom em , que en­
tísticos baseando-se nas particularidades do es­ tendia tanto de antigüidades quanto a Lua en­
tilo, criou a h istó ria da arte clássica. A daptar, tende de lagostas, deu, por sua inépcia, en­
por sua vez, o contexto dos artefatos a um ante­ sejo a que se perdessem m uitas antigüidades
cedente social no mundo antigo, foi um a conse­ (...) Havendo Don Roche, com o tempo, gal­
qüência lógica. M as que tam bém é um a im agem gado um posto superior, a superintendência
e a direção das obras m encionadas foram co­
metidas a um oficial suíço, chamado Charles
W eber, hoje m ajor; e é ao seu bom senso
(16) Anne Claude Philippe de T ubières Grim oard - arqueó­ que devemos todas as medidas judiciosas to­
logo, colecionador, gravador e escritor francês (Paris 1692
madas, a partir de então, no intuito de trazer
- id. 1765). Visitou a Itália (1714), a Grécia, a Holanda, a
Inglaterra e, de volta a Paris, tornou-se am igo de W atteau à luz esse tesouro de antigüidades. A prim ei­
e de P.-J. Mariette. Publicou em especial um im portante ra coisa que ele fez foi traçar um mapa exato
Recueil d ’antiquite's égyptiennes, étrusques, grecques, ro- e com pleto das galerias subterrâneas e dos
maines et gauloises (1752-1767) (Grande Larousse 1998: edifícios a que elas conduziam . E histórico
1270). de todo o descobrim ento (...) De am bos os
(17) A tipologia é toda ordenação de um conjunto de arte­
lados de um fosso tornou o m apa ainda mais
fatos baseada na confrontação sistem ática dos seus atribu­
tos intrínsecos (m atéria-prim a, form a etc.) e extrínsecos inteligível, acrescentando-lhe minucioso re­
(contexto arqueológico), visando à obtenção de inform a­ lato principal, cavado em linha reta, os tra­
ções sobre a inter-relação dos artefatos no tem po e no es­ balhadores, alternadamente, esvaziam câma­
paço. A tipologia, enquanto operação de classificação por ras, m edem -lhes em palm os o com primento,
sem elhanças e diferenças, pode partir de critérios funcio­
a largura e a altura; à m aneira que pro s­
nais (pelos usos), m orfológicos (pelas form as) e assim por
seguem, retiram o entulho de cada um a des­
diante (Funari 1988: 81).
(18) H istoriador da arte e arqueólogo alemão. Esteve em sas câm aras e levam -no para a câm ara fron­
Rom a, onde foi bibliotecário do V aticano e dedicou-se a teira, esvaziando por últim o” (W inckelmann
um estudo m etódico dos m onum entos antigos. D efensor 1973: 58-62).
incondicional da arte grega, contribuiu com seus escritos
para o desenvolvim entos da corrente neoclássica, com em A prim eira e óbvia diferença levantada pelo
H istória da arte na antigüidade, 1764 (G rande Larousse sábio alemão, em relação às antigas escavações,
1998: 6017). foi a questão do registro espacial do sítio, segui­

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do do acom panham ento de todas as d escober­ 7. A Arqueologia clássica


tas. A sim ples busca de preciosidades, os o bje­ oitocentista (1800 - 1835)
tos vistos apenas por seu valor m aterial, estavam
com os dias contados. O controle das inform a­ No início do oitocentos, a quantidade de expe­
ções obtidas na pesquisa de cam po, torna-se im ­ dições e escavações arqueológicas foi extremamente
perativo, seja através de descrições textuais ou numerosa. Se por um lado, essas pesquisas já perten­
com auxílio de ilustrações. N a m aioria dos ca­ cem a uma nova concepção metodológica, dita cientí­
sos, ocorreu um a fusão dos dois procedim entos, fica e moderna, estavam totalmente vinculadas aos prin­
sendo m uitas vezes o arqueólogo tam bém um ar­ cípios expansionistas das grandes potências mundiais. E
tista. muito difícil separar a Arqueologia clássica deste período
As obras de W incklemann tornaram -se muito do colonialismo europeu: “as ruínas e as obras-primas
populares na Europa. Foi o prim eiro a publicar as do passado constituem-se, paralelamente, em importan­
descobertas de Herculano de uma forma crítica, Von tes elementos ideológicos na manutenção das estruturas
den herculanischen E n tdeckungen (D resden, de poder, legitimando regimes políticos dos mais varia­
1762). Era também a primeira obra livre de nomen­ dos matizes” (Funari 1988:51).
claturas e terminologias totalmente eruditas, escrita Em 1804, o oficial inglês W illiam Leake reali­
em linguagem popular, facilitando a compreensão zou um levantamento completo das ruínas e sítios
das pesquisas de campo. Em 1764, volta à região gregos. Porém, o interesse central de suas incursões
de N áp o les e p u b lic a N a c h ric h te n von den era o estudo geográfico grego, com finalidades mi­
neuesten herculanischen Entdeckungen, baseado litares (Levi 1996: 25).
em suas visitas às cidades soterradas. O Conde de Se nos séculos anteriores, a retirada por estran­
C aylus traduziu e im prim iu em francês esse geiros de objetos arqueológicos de sítios gregos e
memorial, popularizando ainda mais as pesquisas nas romanos foi comum, agora incluía também fragmen­
cortes européias. tos colossais. Entre 1803 e 1812, Lorde Elgin, minis­
Em Rom a surgiu o m ais influente e popular tro britânico na Turquia, retirou imensa quantida­
livro do erudito germ ânico, M onum enti antichi de de relíquias gregas19 do Partenon para o Museu
in ed iti (1767, com 268 p ranchas de cobre e Britânico. Na própria Inglaterra Elgin foi severa­
gravuras), baluarte do neoclassicism o e p rotóti­ mente criticado. Durante o mesmo período, outro
po da Arqueologia moderna: “Winckelmann trans­ britânico, Edward Clarke, transportou a gigantesca
cende l ’archéologie non seulem ent par la per- estátua de Elêusis para Cambridge. Nos dois casos,
tinence de ses analyses, mais par la qualité de son a população grega mostrou-se severamente contrá­
style et l’am bition de son esthétique” (Schnapp ria às remoções dessas antigüidades (Levi 1996:210).
1982: 762). Outros exemplos da retirada de preciosidades arque­
C o in cid in d o com a g ran d e q u an tid ad e de ológicas durante o oitocentos, foram o transporte da
p u b licações de arq u e o lo g ia e com a sua siste- cabeça de Ramsés II por Belzoni (do Egito para Lon­
m atização, tem os durante a segunda m etade do dres) e o tesouro descoberto por Schliemann (da Tur­
setecen to s a cria çã o dos m useus m odernos: quia para Berlim).
Museu Britânico (1753), M useu Pio-C lem entino No aspecto operativo, as escavações tomam-
(R om a, 1782) e M useu N acio n al da F ran ça se mais coletivas, financiadas diretamente por ór­
(1793). H erd eiro s dos g ab in etes de c u rio sid a ­ gão culturais ligados a instituições políticas. Cri­
de, com o o b jetiv o de d iv u lg a r a ciên cia, estas am-se organizações especializadas, como o Insti­
in stituições agora “voltam -se para a g lo rific a ­ tuto do Egito (1798); Museu Nacional de Antigui­
ção do Estado e da H istória” (B ittencourt 1997: dades de Copenhage (1818); Instituto di Corrispon-
36). Im p o rtan tes esp aço s da co n tem p laç ão f í­ denza Archeologica (1829); Instituto Arqueológico
sica da nação, onde os te so u ro s, re líq u ia s e
m o n u m entos a rq u e o ló g ic o s serão ex p o sto s,
a u x ilian d o na in te rp re ta ç ã o p ara o p ú b lico do
( 1 9 ) 0 inventário consistia de esculturas originais atenienses,
p assado h istó ric o da c iv iliz a ç ã o o c id e n ta l. A
estátuas, altos e baixos-relevos, capitéis, cornijas, frisos e
p ercep ção esp ac ial das fro n te ira s n a c io n a is, colunas. Do Partenon foram retirados um capitel, bases da
m u ita s v e z e s ta m b é m s e rá e f e tu a d a com coluna e acanaladuras, tríglifos, mútulos da cornija e telhas
referenciais arqueológicos. de mármore do ambulatório (M emorándum 1811: 46).

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de Berlim; Sociedade de Arqueologia Grega (1835); quadro Colonne de Cleopatre, de Gemelli Careri
Ecole Française D ’Archéologie (1846). Surge outro (Voyage du tour du monde, 1729) é um exemplo.
momento da arqueologia, com método ainda mais or­ R epresentando o obelisco de S esóstris I, seus
denado e a estética da arte unida à expedições coleti­ hieróglifos são estilizados e caricaturados, semelhan­
vas, investigando as diversas partes do Mediterrâneo tes aos desenhos alquimistas e medievais. A paisa­
e do mundo. Os periódicos publicados pelos intitutos gem de fundo parece evocar as antigas ruínas de
tomam-se comuns, atendendo aos mais diversos tipos Roma. Da mesma maneira, G. Zoega no Obelisco de
de especialidades e temáticas da antiguidade material. P sam ético II (De origine et usu obeliscorum,
Em uma outra perspectiva, saindo dos domínios 1797), apresenta figuras mitológicas realizadas em um
turcos a partir de 1833, a Grécia financia escavações estilo distante do egípcio. Desde a Idade Média, os
procurando um resgate próprio, sem interferências escritos clássicos foram o grande referencial cultural
da Inglaterra ou Alemanha. Mas ainda com o auxílio sobre o Egito. Até mesmo a confecção de mapas e
de especialistas estrangeiros. Assim como o México plantas, até 1800, era realizada a partir de fontes gre­
na mesma época, os nacionalistas gregos recorrem gas (Baines & M álek 1996: 22).
às pesquisas arqueológicas para reforçar a noção de O século XVm conheceu duas importantes obras
uma consciência nacional, resgatando as antigas gló­ sobre antigüidades egípcias, escritas por Bemard de
rias esquecidas. Desta maneira, o método científico Montfaucon e pelo barão de Caylus. Ambos conce­
de investigar o passado tanto serve para legitimar a beram um importante espaço para a descrição dos
dominação colonialista quanto para propagar a liber­ objetos e vestígios do Egito, abrindo caminho para a
dade nacional. formação de diversas coleções na Europa.
Mas os estudos m odernos da egiptología, fo­
ram concebidos após a expedição de Napoleão ao
Pirâmides, hieróglifos e mistério: Cairo, em 1798. As m odificações que se produzi­
A Egiptología (séc. XVII - 1822) ram no clima intelectual da Europa, com seus resul­
tados em píricos, afetaram o próprio transcurso da
Se durante o setecentos, a erudição foi domi­ Arqueologia. A campanha francesa era, ao mesmo
nada pelo mundo clássico, advindo das descobertas tempo, um projeto de conquista militar, somada a
de Pompéia e Herculano, durante o séc. XIX as via­ intentos naturalistas: levantaram-se dados geológi­
gens de exploração e colonização do mundo amplia­ cos, astronômicos, químicos, botânicos, geográfi­
ram as fronteiras do conhecimento arqueológico. Ru­ cos, arqueológicos, entre outros. Sendo a comissão
ínas, cidades perdidas, vestígios de antigas civiliza­ com posta por 165 eruditos, transportando inúme­
ções são encontrados na Ásia, África, Polinésia e ros aparelhos e instrumentos científicos. As investi­
América. Mas certamente uma das regiões onde hou­ gações arqueológicas praticamente excluíram esca­
ve maior interesse popular e erudito, acerca de te­ v a ç õ es, c o n c e n tra n d o -se epi re p ro d u ç õ e s e
mas antigos, foi o Egito. Terra do mistério, suas ca­ moldagens de estátuas, notas e desenhos de inscri­
racterísticas peculiares a transformaram num dos gran­ ções de sarcófagos. Um a das peças recuperadas,
des marcos do imaginário oitocentista, influenciando um bloco de basalto com inscrição em três línguas,
a cultura, a ciência e a arte moderna. foi chamada Pedra de Roseta, e constituiu a chave
O interesse pelo país dos faraós vinha já de mui­ para solucionar a deciffação dos hieróglifos. O acha­
tos séculos. Durante o seiscentos, organizaram-se as do causou grande im pacto, noticiado pelo Le
primeiras expedições ao Egito, que levaram para a Courrier de VEgypte (1799). Os resultados das
Europa preciosos manuscritos em língua copta, pas­ pesquisas francesas no Egito foram publicados en­
síveis de serem traduzidos. O primeiro grande estu­ tre 1809-1822, na obra D escription de VEgypte
dioso do Egito, Athanasius Kircher (1602-1680), (10 volumes textuais e 12 de ilustrações), com de­
utilizou-se desses documentos. Kircher, a exemplo senhos de Dominique Vivant Denon.20
de diversos outros humanistas e antiquários, criou
muitas fantasias interpretativas a respeito do passado
egípcio, devido ao seu fracasso em traduzir os (20) Gravador e arqueólogo francês (Givry 1747 Paris
hieróglifos. Na impossibilidade de compreenderem a 1825). Nom eado diretor-geral dos M useus em 1802, foi o
cultura do Egito, também os exploradores criaram primeiro organizador do Louvre (Grande Larousse 1998:
reproduções carregadas de referenciais europeus. O 1818).

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Denon publicou seu próprio trabalho em 1802, (...) para ter um a idéia adequada de tanta
Voyage dans la Base et la Haute Egypte. Impresso magnificência, cumpre que o leitor se imagine
em Paris, foi um estrondoso sucesso na Europa, tendo diante de um sonho, pois o próprio espectador
40 edições consecutivas e traduzido para diversas ou­ não acredita no que vê (...) A entrada da aldeia
tras línguas. O grande êxito dessa obra assim como a de Luxor exibe surpreendente mescla de indi-
Description de / ’Egypte, deve-se em parte à inexis­ gência e magnificência e me proporciona uma
tência de bibliografia disponível sobre o tema na Euro­ idéia terrível da gradação dos grandes períodos
pa. As livrarias européias, até 1810, praticamente não no Egito. Afigura-se-me o grupo mais pitoresco
tinham nenhum título a oferecer sobre temas egípcios e a mais pasmosa representação da história dos
(Ceram 1956: 85). As duas obras ofereciam basica­ tempos: nunca se sentiram os meus olhos e a
mente descrições e desenhos reprodutivos, pois as minha imaginação tão vividamente impressiona­
interpretações de detalhes dos monumentos e perío­ dos quanto à vista desse monumento. Eu vinha
dos históricos eram desconhecidas, basicamente, pela freqüentemente a este lugar meditar: gozar do
ilegibilidade da escrita. passado e do presente, cortejar as sucessivas
O livro de Denon reforçou a moda da egipto- gerações de habitantes pelas respectivas obras,
mania, reinante entre os intelectuais, artistas e popu­ que se estendiam diante dos meus olhos, e ar­
lares. A principal característica de suas ilustrações é mazenar no espírito volumes de materiais para
um encanto evocativo do Egito. Em O templo de Den- meditações futuras” (Denon 1973: 115-116).
derah, Vivant Denon caracterizou as ruínas sendo Nesta descrição apaixonada das antigüidades
percorridas pelos militares e sábios franceses, em seu faraônicas, percebe-se o caráter meditativo das ruí­
topo, nas laterais, adentrando-as, medindo e contem­ nas, tipicamente romântico. O avistamento dos ves­
plando os monumentos. A idéia da cultura napoleónica tígios derruídos incita a uma reflexão poética, próxi­
dominando o mundo antigo e o atual é eminente. No ma do onírico, competindo com uma visão metódica
quadro de Hieracômpolis, essa concepção é ainda da história. Outros exploradores europeus m a­
mais enfatizada. As pequenas ruínas, ocupando o cen­ nifestaram essa impressão perante a imensidão mo­
tro, são esboçadas por um francês, de pé na extre­ numental do Egito, como Giovanni Belzoni em 1820:
midade esquerda da estampa. No outro lado, sen­
tados, dois beduinos observam o trabalho. O contraste “Sentei-me à sombra de uma das pedras do
entre a civilização erudita e a cultura primitiva serve lado direito, que formam a parte do templo que
para ilustrar os propósitos da expedição francesa no se erguia diante da pirâmide naquela direção. Os
Egito: levar as luzes do conhecimento aos singelos meus olhos fitaram-se na massa enorme, que,
povos orientais, descendentes inafortunados do glo­ durante séculos, desconcertaram as conjeturas
rioso passado arqueológico. Em outra estampa, de autores antigos e modernos (...) A vista da
Sphinx de Gizeh, quatro eruditos medem a cabeça obra maravilhosa, que avultava à minha frente,
da Esfinge, com o auxílio de uma escada. O curioso deixava-me tão pasmado quanto a total obscu­
é que, ao contrário de outras reproduções monumen­ ridade em que nos achamos no que respeita à
tais egípcias que realizou, Denon criou um desenho sua origem, ao seu interior, à sua construção”
totalmente caricatural. A boca da estátua possui de­ (Belzoni 1973: 118).
lineamento, assim como os olhos e a sobrancelha. O Mesmo após a decifração dos hieróglifos, o ca­
rosto foi arredondado, produzindo um efeito ráter misterioso do país das pirâmides ainda vai deli­
contrastante com os outros detalhes da escultura. O near o imaginário ocidental. Belzoni, ao comentar as
resultado final é a reprodução de um mameluco-ára­ construções de Gizé, não pôde deixar de mencionar
be. Mais uma vez, a oposição contrastante da ope­ o total desconhecimento acerca desses monumentos,
ração francesa com os habitantes da região toma-se também belos e grandiosos. Do mesmo modo Vivant
evidente. Denon percebeu o caráter enigmático do Egito, em
Contrastando com essa visão pitoresca e co­ sua ilustração A grande galeria de Kéops (1822).
lonialista da terra das pirâmides, também pode ser Portando archotes, sábios franceses e guias beduínos
percebido no texto de sua obra uma adm iração penetram pelo corredor estreito e escuro da grande
grandiosa pela terra redescoberta: pirâmide. Seus movimentos são controlados, com os
“Ao examinar o conjunto das ruínas, a ima­ olhos visivelmente atenuados, denotando uma per­
ginação se cansa só de pensar em descrevê-las ceptível sensação de medo. Um oficial tem as duas

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LANGER, J . As origens da Arqueologia Clássica. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 9: 95-110, 1999.

mãos em posição de grande pavor. Mais uma vez, a referencial civilizatório, indicadoras do sintoma
continuidade do caráter misterioso da Arqueologia da evolução de uma sociedade no tempo.
prossegue no imaginário ocidental, característica pre­
sente desde o Renascimento até a descoberta de ruí­
nas exóticas no oitocentos, cujo passado insiste em Reflexões finais
mostrar-se de maneira oculta.
Mas esse véu em parte seria desfeito, com a Em conclusão, observam os no artigo algu­
genialidade de François Champollion.21 Dominan­ mas etapas por que o método arqueológico pas­
do uma vasta quantidade de línguas arcaicas aos sou desde a Idade Média. As influências cultu­
17 anos, o jovem sábio instalou-se em Paris no ano rais de cada país e so cied ad e,, acrescentando
de 1821. Tendo como base a idéia de que os hieró­ novas form as de co n cep ção do passado. A s­
glifos seriam ao mesmo tempo ideogramáticos e sim como a interferência de elem entos simbóli­
fonéticos e, ainda, analisando a pedra de Roseta, cos e m íticos no im aginário, culm inando com
as inscrições do obelisco de Philae, decifrou os con cep çõ es n ac io n a lista s no p erío d o m oder­
nomes de alguns soberanos. Conhecendo os carac­ no. A A rqueologia foi um im portante instru­
teres básicos do alfabeto, conseguiu chegar a do­ m ento na construção idealizada da H istória, e
minar todo o idioma. Em 1822, escreveu a famosa até hoje é o p eracio n alizad a com essas inten­
Lettre à M. Dacier, revelando os segredos de sua ções: “a arqueologia não é um estudo passivo
descoberta. O trabalho ganhou aos poucos o reco­ das culturas do passado. A ssim , dificilm ente
nhecimento acadêmico, sendo ele nomeado cura­ será neutra e autônom a, pois opera dentro de
dor das coleções egípcias do Louvre. um contexto sócio-cultural mais amplo e desem­
Uma das conseqüências imediatas do sucesso pen h a um papel ativ o nos p ro cesso s de m u­
de Champollion, além de reforçar a moda da egip- danças sociais” (Rodrigues 1991: 193). Abrin­
tomania, foi aumentar o interesse dos grandes mu­ do clareiras no ignoto hum ano, a A rqueologia
seus pelos objetos egípcios. Todos queriam conhe­ tam bém instituiu rep resen taçõ es nas socieda­
cer as maravilhas do mundo faraônico. Dezenas des, que ainda se fazem presentes até nossos
de expedições turísticas e de pesquisas foram rea­ dias, como a imagem do arqueólogo no cinema
lizadas por esse período, assim como viagens de e na literatura. O próprio papel dos cientistas
aventureiros em busca de riquezas perdidas e o au­ neste longo p ro cesso , in iciad o com os anti-
mento de falsificações. Outro imediato efeito das quários renascentistas, rem ete à inserção des­
descobertas do sábio francês, foi a importância que tes em seu tempo. Portanto, os lim ites entre a
os estudos paleográficos receberam na Arqueolo­ ciência da cultura m aterial e a representação do
gia oitocentista. Formaram o interesse para o estu­ p a s s a d o são m u ito tê n u e s : re m e te m aos
do da escrita arcaica de outras civilizações (como m ecanism os sim bólicos de poder nas socieda­
a dos bárbaros nórdicos e os m esopotâm icos), des. Afinal, como afirmou Leonard Wooley, as
fornecendo elementos para o imaginário: as ins­ fronteiras entre a Arqueologia e a História não
crições antigas são um a im portante m arca do são indefinidas?

(21) Jean-François Cham pollion, o jovem arqueólogo fran­


cês (Figeac 1790 Paris 1832), apaixonou-se pelo estudo
das línguas orientais conhecidas. O exam e m inucioso da
pedra de R oseta lhe forneceu, ao perm itir isolar com segu­
rança os nom es próprios das personagens, um a base segu­
ra para preparar o decifram ento dos hieróglifos. Em 1822
publicou sua Lettre à Mr. D acier relative à l ’alphabet des
hiéroglyphes phonétiques, carta de fundação da leitura dos
hieróglifos, e, em 1824, seu P récis du systèm e hiéroglyphi­
que. T om ou-se conservador do departam ento egípcio do
Louvre em 1826. Entre suas outras obras citam -se: M onu­
m ents de l ’E gypte et de la Nubie (1835-1845), Grammaire
égyptienne (1835-1841) (G rande Larousse 1998: 1328).

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LANGER, J. As origens da Arqueologia Clássica. Rev. do M useu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 9:95-110,1999.

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P au lo , 9: 9 5 -1 1 0 , 1999.

ABSTRACT: The present work intends to recover historical aspects of the


archaeological science, demonstrating the interference of cultural and imaginary
elements in its constitution.

U N ITE R M S: H istory o f A rchaeology - G raeco-rom an A rchaeology -


Egiptology - Archaeological myths.

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Recebido para publicação em 25 de m arço de 1999.

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