As Origens Da Arqueologia Clássica
As Origens Da Arqueologia Clássica
As Origens Da Arqueologia Clássica
JohnniLanger*
Em uma serena e quente manhã, sob a base do tendência disciplinar e metodológica, inaugurada
monte Vesúvio, ecoam repetidos ruídos provocados ao final do setecentos: a Arqueologia moderna.
por insistentes instrumentos de escavação sobre o solo Suas raízes, enquanto forma de conhecimento, são
árido da Itália setecentista. Há muitas décadas, nesse muito antigas. M uitos aspectos criados desde a
mesmo local, haviam sido descobertas várias relíquias Idade M édia ainda se faziam notar ideologicamen
romanas, motivo pelo qual o estudioso lograva ad te, assim como diversos mitos propagados até re
quirir novas peças em sua atual pesquisa. Cuidado centemente. O que diferenciou o arqueólogo após
so, observa meticulosamente todos os objetos vis 1770 de seus predecessores, foi a utilização de um
lumbrados à medida que o nível da escavação au método de investigação, centralizado na observa
menta. Seu olhar toma-se mais minucioso à medida ção sistemática dos restos materiais deixados so
que o tempo passa, e eis que um sorriso brota em seu bre o solo. Alguns aspectos dessa trajetória são
rosto quando descobre algo realmente sensacional. importantes para percebermos com maiores deta
Não são moedas ou objetos de prata e bronze, que lhes a própria Arqueologia praticada atualmente.
teriam feito a alegria de caçadores de tesouros, ou
estatuetas e peças exóticas que teriam atraído a aten Ruínas gloriosas e viajantes:
ção dos antiquários. Tratava-se de objetos femininos a Arqueologia Clássica
pessoais, espelhos e caixinhas para cosméticos.
Indubitavelmente, esse escavador faz parte de A palavra A rqueologia nasceu, efetivam en
uma nova geração de acadêmicos, de uma nova te, com a cultura grega clássica. A etim ologia
aponta para o conhecimento do passado históri
co, m as de m a n e ira m u ito v aga: a p x a i o ç
(*) U niversidade Federal do Paraná. Pós-G raduação em (arch a io s) - antigo; Aogoç (lo g o s) - tratad o
H istória. Doutoram ento. (Dic. Enc. Hispano-Americano 1887: 671).
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LANGER, J . As origens da Arqueologia Clássica. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 9:95-110, 1999.
A utilização da palavra pelos gregos era apli manistas,' o colecionar de peças artísticas antigas,
cada a qualquer evento distante de sua época, e convivia com o estudo detalhado de certos vestí
mesmo a instituições políticas e sociais mais re gios relacionados com esses ob jeto s, com o a
motas (Enciclopédia U niversal 1920). epigrafía e a numismática (Mousse 1978: 294).
A antigüidade sempre manifestou interesse por Eruditos interessados no restabelecimento da
seu passado m onum ental. H istoriadores com o glória clássica, os humanistas tornaram -se cole
Dionisio (Antigüidades Romanas 29 a.C.), Flávio cionadores e escavadores, tendo como guia a lite
Josefo (Antiguidades Judaicas) e Pausânias (Iti ratura e a história. M oedas e lápides com inscri
nerário da Grécia séc. II d.C.) criaram obras que ções tiveram um interesse especial, originando
procuraram resgatar os períodos longos de sua his estudos comparativos com textos antigos. Dante
tória clássica. Mas a palavra arqueologia não tinha Alighieri (1265-1321) estudou caracteres de ma
um sentido sistemático, mas genérico: designava nuscritos antigos, pergaminhos e palimpsestos; Pe
um período material de uma nação ou país. Dioni trarca (1304-1374) analisou com grande interesse
sio de Alicamássio, por exemplo, em sua obra A r moedas greco-romanas; Michelangelo e Rafael exa
queologia Romana (20 - 5 a.C.) abrangia um vasto minaram a arquitetura e a epigrafía das ruínas clás
panorama monumental da história de Roma (Daux sicas. Desconheciam-se, no Renascimento, minú
1948: 5). Qualquer tratado acerca de monumentos cias lingüísticas e paleográficas. A língua grega era
e ruínas, desta maneira, possuía o caráter de arque confundida com o romano e ignorava-se a etrusca:
ologia. Viajantes, historiadores e cronistas de Ro “para ellos Arqueología era el conocimiento de la
ma realizaram obras que registravam a cultura ma antigüedad, no de las antigüedades” (Dic. Hispano
terial de um a forma curiosa e imitativa (principal Americano 1887: 674). A cerám ica pintada grega
mente nos templos gregos): “Avant de devenir une era tomada como etrusca até o séc. X V m (Levi 1996:
Science, 1’archéologie est une attitude” (Daux 1948: 22). Também essa falta de conhecimento e crítica,
18). impossibilitava a autenticidade de muitos objetos ar
Durante a Idade Média, ocorreram da mesma queológicos, principalmente estátuas greco-romanas.
m aneira alguns fortuitos estudos e registros ar Era comum o complemento físico de esculturas mu
queológicos, geralmente relacionados com assun tiladas, com o fim de usá-las como objeto de adorno.
tos eclesiásticos. Por exemplo, o cardeal Giordano As fronteiras entre o apócrifo e o autêntico ainda eram
Orsini (1159-1181) iniciou uma coleção de objetos desconhecidas (Dic. Hispano Americano 1887:347).
romanos e Federico II di Svevia (1184-1250), or Quando os príncipes italianos começaram a
ganizou o púlpito do Batistério de Pisa com ob financiar as coleções da antigüidade, iniciaram-se
jetos clássicos (Enciclopédia Italiana 1949: 30). grande quantidade de escavações por toda a pe
Mas a falta de interesse por temas da antigüidade nínsula. A escavação2 humanista estava muito dis
clássica, acabou desfavorecendo maiores preocu tante do que se realizaria no séc. XIX. Preocupava-
pações com vestígios arqueológicos, que eram se basicamente em resgatar objetos antigos de urna
considerados desperdícios - não tinham utilida maneira aleatoria, sem grandes cuidados com re
de nem significado entre os homens (Pomian 1983: gistros ou qualquer vinculação do achado com um
76). contexto histórico. O objeto só possuía valor por
A arqueologia como processo erudito de in sua própria e intrínseca importância material. Mas
vestigação compreende três períodos distintos: a
fase humanista, dos antiquários e dos escavadores
modernos. (1) Nome dado aos eruditos e literatos que, nos séculos
XV e XVI, restabeleceram o prestígio das obras da A nti
güidade clássica, traduzindo-as, editando-as e com entan
1. Os humanistas (1300-1600) do-as (G rande Larousse 1998: 3038).
(2) Até o séc. X VIII, as escavações eram aleatórias; após
A maioria dos especialistas considera o Renas esse periodo iniciaram -se diversos m étodos: o desenterra-
cimento como o período em que foram criadas as m ento de estruturas am plas, a escavação estatigráfica (por
níveis artificiais ou naturais), por quadrículas, trincheiras
raízes modernas do método arqueológico. Isso se ex
etc. (Souza 1997: 49). A escavação estatigráfica im plica
plica pelo interesse despertado pelos novos estudos que os estratos do sítio sejam retirados, segundo sua colo
clássicos, principalmente na Itália, o berço da civili cação e configuração original, no sentido inverso ao que
zação mediterrânea. Uma das características dos hu foram depositados (Funari 1988: 80).
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da antigüidade com o suportes de evocação da existentes em cada região. A mais antiga dessas agre
época clássica, não im portando tanto suas ca miações, a Sociedade dos Antiquários de Londres,
ra c terística s m ateriais - o d esm antelam ento, foi fundada inicialmente em 1572. Sua principal
transporte e reaproveitam ento de inúmeros edi finalidade era a conservação dos monumentos na
fícios romanos dessa época são reflexo disso. cionais, mas não tinha caráter oficial. O rei Jacques
A partir do final do séc. XVI, a palavra arque I dissolveu-a em 1604. No início do setecentos, foi
ologia novamente é resgatada no pensamento eru reconstituída diretamente pela monarquia, instala
dito. O francês Jacques Spon utilizou os termos da em um palácio (Larousse 1871:452). Uma das ra
archéologie e archéographie (1599); na Inglater zões do sucesso da sociedades de antiquários foi a
ra surge a expressão archaeology (1607); Itália direta proteção dos nobres e monarcas. Luis XIV
archeologia (séc. XVII) e Portugal archeologia criou a Academia de Inscrições e Belas Letras (1633),
(1789) (Daux 1948: 5, Silva 1789: 200). O caráter que além de reforçar a arte e cultura francesas no
material dos estudos arqueológicos, desde então, período, incentivou o financiamento dos sábios e
passa a ser ressaltado freqüentemente. No setecen- exploradores. Na Espanha, Felipe V, imitando o rei
tos, o filólogo Antônio Silva definiu a ciência como francês, fundou a Academia de História e financiou
“tratado sobre as antigüidades, estudo dos monu a exploração do marquês de Valflores pelas antigüi
mentos e costumes antigos” (Silva 1789: 200). dades de seu país (Dic. Hispano-Americano 1887:
674). Esse financiamento para as pesquisas demons
tra as primeiras formulações da idéia de nação com
2. Os antiquários (1600-1730)
um passado arqueológico viável, isto é, pelo qual
os resquícios materiais podem ser aplicados dire
As preocupações estéticas dos antiquários,5 tamente em ideologias políticas, fomentando glo
basicamente, eram as mesmas dos humanistas, com rificações geográficas ou correlacionando filiações
certas mudanças. Buscavam recuperar a tradição clás do presente histórico com o passado esquecido.
sica, mas de uma maneira muito mais detalhista, com No aspecto geo-arqueológico, a península itá
muito maior devoção e cuidado que seus predeces- lica deixa de ser o único grande alvo de interesses,
sores. As coleções receberam sistematização acurada,
passando agora as desconhecidas regiões da Grécia,
beneficiadas pelo aumento dos estudos de Paleografía Egito, Ásia e África a receber expedições mais por
e Numismática. E por outro lado, o desenvolvimen
menorizadas. A busca incessante pelo objeto, pelo
to do aspecto comercial do antiquário, o coleciona
documento material tom a-se cada vez mais supre
dor especializado, a serviço dos nobres diletantes.
ma em relação ao documento escrito. As escava
Os estudos paleográficos continuam a tradi
ções também tomam-se constantes em outras regi
ção anterior dos humanistas, sempre buscando reu
ões da Europa, como os países nórdicos. O natura
nir a maior quantidade possível de inscrições anti
lista dinamarquês Olaus W orm empreendeu estu
gas, como em Inscriptions antiquae totius orbius
dos nos monumentos megalíticos pré-históricos da
romani (1603), de Gruter. Outro filólogo holandês,
região e no alfabeto rúnico. Além disso, foi o res
Jacques Gronovius, com as mesmas intenções, pu
ponsável pela organização de um museu-gabinete
blicou a grande enciclopédia Thesaurus antiquita-
de curiosidades (1655), repleto de artefatos6 anti-
tum graecarum (1702), vasta compilação do mun
do grego em treze volumes.
Grupos de antiquários são formados por toda
a Europa, com o objetivo de divulgar as coleções (6) Todo e qualquer objeto produzido pelo homem, inclu
indo ferram entas, utensílios, objetos de adorno etc. (Sou
za 1997: 20). Todo produto do trabalho hum ano. Possui,
necessariam ente, duas facetas inseparáveis: um a m ateria
(5) O antiquário é o “sábio que se ocupa dos m onum entos lidade física (do que é feito o artefato) e um a atividade
e objetos antigos, no mesmo sentido em que se emprega, hum ana de transform ação. Podem ser divididos em artefa
m odernam ente, a palavra arqueólogo. O léxico distingue tos fixos ou m onumentos (muros, colunas etc.) e artefatos
entre o valor das duas palavras, e o antiquário, com o tem m óveis (vasos de cerâm ica, instrum entos de pedra etc.).
po, passou a ser considerado o amador, aquele que, sem C o n stitu em , ju n ta m e n te com os eco fa to s (e v id ên cias
possuir estudos especiais, faz coleção de fragm entos, de am bientais) e biofatos (vestígios de plantas e anim ais), o
m edalhas, de objetos antigos ou que eles vendem com o objeto de estudo direto da A rqueologia (Funari 1988: 78-
tal” (Costa 1936: 36). 79).
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gos, e um elaborado catálogo do mesmo (Bitten ao qual ele pertenceu. Deste modo, M ontfaucon
court 1997: 4-6). Iniciava-se a relação da A rque rompeu com a tradição de simples curiosidade dos
ologia com o espaço m useológico, este últim o monumentos, realizando uma tentativa de recons
com metodologia e sistemática próprias, mas de tituir genericamente o passado.
pendente muitas vezes do acervo de escavações. Durante o século XVIII, as ruínas tom am -se
Um dos pioneiros franceses da exploração ar o tema favorito da sensibilidade artística, coinci
queológica, Nicolas Peiresc, visitou grande quan dindo com o imenso interesse pela Arqueologia.
tidade de monumentos da Ásia M enor e África. A Os próprios emditos e arqueólogos realizavam ilus
grande divulgação das antigüidades clássicas pela trações em seus estudos, integrando também as ten
França, no entanto, dar-se-ia pela obra de Mont- dências culturais de sua época. Uma das mais famo
faucon e Caylus, dois dos mais célebres arqueólo sas m inas européias, o complexo de Stonehenge
gos do séc. XVIII. (Inglaterra), fomeee um panorama ímpar das trans
O estudo dos objetos já é realizado no seis- formações que as imagens de rumas sofreram desde
centos por um referencial de seriação e classifica o humanismo até o séc. XIX.
ção, o que leva o estudioso Alain Schnapp a con
siderar a Arqueologia deste período como: “une 3. A s ruínas de Stonehenge
science du disparate, de l’accumulation” (Schnapp
1982: 760). Não se considerava suficiente apenas As mais antigas representações deste sítio
observar e publicar, era necessário também classi megalítico surgiram durante o quatrocentos. A l
ficar os vestígios encontrados dentro de determi guns manuscritos ingleses de Cambridge represen
nadas corpos de doutrinas e interpretações. A apro taram o local de maneira errônea, com os megálitos
ximação com a Arqueologia m oderna já se efetua dispostos em um retângulo, sem os trilitos inte
va em muitos eruditos. Um deles é especialmente riores. Baseada em uma origem mágica do sítio, a
apontado pelos especialistas como um antecipador uniformidade do desenho garante características
dos princípios modernos desta ciência: Bernard de divinas a Stonehenge. Em 1574, em um desenho
M ontfaucon.7 Sua principal obra, L ’A n tiq u ité anônimo constante no manuscrito Summarize o f
expliquée et représentée en figures (1719) foi com the events o f England, o conjunto tom a-se mais
posta de extensos 15 volumes. Procurava uma cor próximo do real, com sua forma circular. Um ca
respondência intrínseca entre o texto e os objetos valeiro adentra o espaço interno em um cavalo, en
de investigação: “Ces monuments se divisen en quanto uma pessoa toca um dos megálitos. A aura
deux classes; celle des livres et celle des statues, bas- divina desaparece do local, abrindo espaço para a
reliefs, inscriptions et médailles, deux classes, dis- humanização dos vestígios da antigüidade. A fal
je, qui se prêtent des secours mutuels” (apud Sch ta de detalhes e a inexatidão do volume e altura
napp 1982: 761). Segundo Alain Schnapp, a obra das pedras é uma característica renascentista, va-
de Montfaucon é eminentemente reflexiva, sendo lorizando-se o resgate da época do valor intrínseco
os objetos arqueológicos um meio de ilustrar a his do objeto. Em outro desenho anônimo, de 1575, a
tória. A divisão estrutural da obra L ’antiquité ex busca pela antigüidade é ainda mais acentuada. Di
pliquée, baseada em descrições monumentais e versos indivíduos escavam e movimentam-se ao
explicações de aspectos coletivos, conduz a uma redor do local. Um castelo (imaginário) surge ao
definição de arqueologia desenvolvida por apro fundo do sítio, em uma elevação, sugerindo talvez
ximações sucessivas (Schnapp 1982: 761), ou se uma continuidade do período histórico com o res
ja, a relação que um objeto possui com o contexto gate promovido pelos escavadores. Em 1600, na
quinta edição da Britanniae descriptio, de Camden,
o local volta a ser retratado de maneira misteriosa.
(7) (Beneditino da congregação de São M auro (Castelo de As pedras parecem se contorcer, dando ao conjunto
Soulage, Diocese de Narbonne, 1655 - Paris 1741). Foi um aspecto simbólico de chamas, ao mesmo tem
um dos primeiros eruditos que apoiou o estudo da história po que parecem retratar silhuetas humanas. A plan
não apenas nos textos, m as tam bém no estudo dos edifíci
ta possui muitas incoerências estruturais, e a or
os e m onum entos relacionados com a época focalizada.
Com sua Paleographie grecque (1708) - foi quem criou a
dem geral parece ser influenciada por antigas len
palavra - , é considerado o fundador dessa ciência (G ran das folclóricas. No mesmo local onde anterior
de Larousse 1998: 4070). mente era retratada uma fortaleza (segundo pla
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no), surge uma grande cidade. O frontispicio do gem oriental, como a A strologia e Alquimia. A
texto, abaixo da ilustração de Stonehenge, é en complexidade deste ritual pagão revela toda a uni
cimado por um nobre, que aponta na direção da dade dos antigos bárbaros, que deve ser refletida
cidade. Um a alegoria das ruínas inspirando o pre - para o artista - na conjuntura política da época
sente, criando novas perspectivas. presente.
O primeiro antiquário a ilustrar Stonehenge Com a Arqueologia oitocentista, os megáli
foi Iñigo Jones, em 1621 (publicado em The most tos europeus são atribuídos a culturas muito mais
notable antiquity o f Great Britain vulgary called antigas que a dos bárbaros, as do neolítico pré-
Stone-Heng, 1655). Trata-se da mais pura evocação histórico. A representação das ruínas sofre influ
renascentista. Os monumentos são ilustrados to ência do neoclassicismo e do romantismo. Assim,
talmente restaurados, com regularidade no corte e por exem plo, a Stonehenge de John Constable
com o plano geral disposto simetricamente em or (1832) possui ao mesmo tempo conotações glori
dem. Jones evoca claramente uma origem romana osas e sinistras. Os dois visitantes retratados já não
ao local, sendo a principal inspiração as constru contêm a vivacidade e curiosidade das antigas re
ções clássicas da Itália. Outro antiquário, John presentações, mas, antes, conservam-se um para
A ubrey, realizou a prim eira planta do sítio, A do frente ao megálito e outro sentado. Melancolia
iconografia de Stonehenge (1666). Percebe-se uma e meditação, traços característicos da ruína român
maior valorização da ordem exata do conjunto, pela tica, unidas a uma reinterpretação clássica: as ro
unidade geral das ruínas. Mas na questão da ori chas britânicas parecem evocar as construções la
gem de Stonehenge, Aubrey creditou aos druidas tinas, mas a solidão nórdica triunfa. O todo parece
a sua autoria, popularizando um mito que sobrevi ameaçador e soturno, com uma tempestade ao fun
ve até nossos dias. do. As pedras são ainda mais instigantes com for
Em 1740, outro antiquário, W illiam Stukeley, tes detalhes de escuridão, parecendo emergirem do
reforçou essa teoria em seu Stonehenge, a temple solo, num ámplo contraste do sentido religioso da
restored to the Bristish Druids. O arquiteto John Wood natureza e da história.
realizou outra planta (Choir Gaur, 1747), ainda
mais precisa, atribuindo Stonehenge a um templo 4. A s ruínas de Pompéia e Herculano
lunar dos antigos celtas. Por toda a Europa sete-
centista, as ruínas megalíticas são consideradas A descoberta de maior impacto cultural no
obras dos antigos bárbaros celtas, vinculadas ob século X V m , sem sombra de dúvida, foram as mi
jetivam ente a mitos nacionalistas ingleses e fran nas de Herculanum e Pompéia. Influenciaram as
ceses (Demoulle 1982: 744). Em uma pintura de D. artes plásticas, a escultura, a Arquitetura, a Filosofia
Logan deste período, Stonehenge, o lugar é retratado e a sensibilidade. Revigorando a maneira de se
de maneira exótica, sendo observado por inúme pensar a antigüidade, instituíram o neo-classicismo
ros visitantes, cavaleiros, curiosos e até animais. e renovaram a Arqueologia.
Com dois planos, face norte e sul do sítio, a impo A epopéia arqueológica das duas cidades ro
nência é destacada pelo contraste de claro-escuro manas iniciou-se com seus soterram entos pelo
das pedras. Em ambos os desenhos, grossas e ne Vesúvio em 79 d.C. Motivo de algum auxílio logo
gras nuvens pairam acima dos megálitos, dando após o ocorrido, foram abandonadas sob o domí
um aspecto obviamente glorioso e grandioso ao nio de Trajano e Adriano. Em 196 d.C. o impera
passado francês, tam bém herdeiro dos antigos dor Alexandre Severo interessou-se pelo resgate
celtas. O auge do mito celta pode ser vislumbrado da região, o que não ocorreu. O local de Hercu
com a pintura de M eyrick e Smith, O festival dos lano, enterrado a 15m de profundidade, começou
bretões em Stonehenge (1815). Centenas de pes lentamente a ser repovoado por uma aldeia acima
soas reunem-se em frente ao imenso reduto pétreo, das minas, denominada de Resina. Em Pompéia,
num amplo festival de cores e entusiasmo. Numa nunca houve repovoamento efetivo. O nome des
Stonehenge reconstituída, supostam ente em sua sas localidades também foi perdido, sobrevivendo
época de uso, sacerdotes druidas reúnem -se no apenas em algumas cartas geográficas romanas e
centro para celebrações rituais. Em volta, indiví medievais (Corti 1958: 118-127).
duos assistem ao espetáculo sentados. Símbolos ti Durante o Renascimento, ocorreram algumas
picamente celtas misturam-se a tradições de ori referências dispersas. N icolo P ero tto (1488),
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Sannazaro (1502) e Leone (1513) mencionam as lo concepção de arqueologia praticada nas cidades
calidades em seus trabalhos. Em 1607, o historiador perdidas rom anas. No prim eiro plano, dois n o
Cappacio cita a existência de ruínas antigas na região bres d iscu tem sobre os o b jeto s rec u p erad o s,
de Civita (amai Pompéia). Outro historiador italiano, am ontoados em profusão. Vasos, estátu as fra g
Camillo Pellegrino (1688), faz a surpreendente reve m entadas, cântaros, blocos e pedaços de painéis
lação que a contemporânea Resina está construída e capitéis m isturam -se indiferentem ente. A idéia
acima de Herculanum. Operários em trabalho de es principal da p intura é de um grande g ab in ete de
cavação geológica descobriram fragmentos romanos, curiosidades, um m useu ao ar liv re.9 No plano
que foram interpretados pelo emdito Bianchini (1699) interm ediário, doze pessoas observam com aten
como sendo da cidade de Pompéia, em seu livro ção a im ensa galeria aberta sobre o local, de onde
Storia Universale (Corti 1958: 125-153). são retirados os vestígios rom anos. Aqui, o tem a
Apesar de todas essas evidências, a conjuntura da curiosidade exótica é capital, d eterm ina va
do período não creditava a descoberta de ruíças e lores e institui m odos de agir. Ao lado, um d eta
fragmentos antigos como sendo de uma antiga povo- lhe de pórtico, totalm ente im erso na base de uma
ação - no caso, das cidades perdidas8 de Hercula- m ontanha e mal distinguido do resto da pintura
no e Pompéia. Os resquícios clássicos não proporci pelo som bream ento, pressupõe o ca rá ter m iste
onavam a identificação, pelos pesquisadores, de uma rioso e oculto da A rqueologia. Id en tificad o r de
asssociação histórica com sua origem. Desta manei que o local é uma ruína romana, também funciona
ra, Herculano foi escavada entre 1710a 1738, sem a com o sím bolo da entrada ao universo m isterioso
suspeita de que se tratava de uma urbe, apenas frag do passado. O pórtico é um dos sím bolos p rin ci
mentos isolados de templos ou pequenas vilas. Sob pais das cidades perdidas no im aginário social
o financiamento do príncipe d ’Elbeuf, diversas está (Langer 1997b: 169). No plano de fundo, tra
tuas e colunas foram resgatadas do local, até que, em balhadores transportam os objetos da escavação
1738, foi descoberta uma inscrição que continha a em carriolas, subindo um a ram pa até o cim o do
frase Theatrum Herculanensem, o que possibilitou m onte. N este local, um grupo com anda a o p era
o reconhecimento da cidade. Em Pompéia, as esca ção. O resgate do passado clássico perm ite a ele
vações iniciaram-se a partir de 1748, mas somente vação do espírito hum ano, alcançando a p erfei
em 1763 foi feita a identificação de origem, através ção moral.
de uma inscrição do tribuno Svedius Clemens (Corti Um dos m otivos do grande im pacto cultural
1958: 179). prom ovido pelas cidades rom anas soterradas foi
A técnica das escavações das cidades romanas o de perm itir a reconstituição cotidiana da H is
até 1770 consistia em recuperar jóias, moedas de tória. O que antes só se co n h ecia atrav és da
ouro e prata e qualquer objeto valioso. A noção de literatura e das ruínas tradicionais, agora era re
tesouro movia os trabalhos de campo: cada área da velado pela d esco b erta de ob jeto s do m éstico s
cidade escavada que não possuía objetivamente al no co n texto da p ró p ria resid ên cia antiga. P rin
guma riqueza, era abandonada. Fortuitamente, recu cipalm ente em Pompéia, devido às facilidades na
peravam-se esculturas soterradas, e, algumas vezes,
murais e inscrições. As etapas de escavação não se
guiam estratigrafia e nem registros de níveis ou de
(9) A id éia de m useu exposto de H ercu lan o pode ser
localização precisa dos objetos na área urbana. O c o n s ta ta d a m ais e x p lic ita m e n te a in d a na e s ta m p a
principal diretor dos trabalhos de desenterramento A n tiq u itie s o f H erculaneum , de T. M artin e J. L ettice
em Herculano, Alcubierre, danificou diversos monu (1773). O quadro possui seis quadros in tercalad o s na
mentos e registros (Corti 1958: 154-170). m esm a figura. A prim eira, e de m aior tam anho, ilustra
Uma pintura anônim a desta época (E scava um im enso pórtico com um leão em blem ático ao c e n
tro , en cim ad o p o r um a e x te n sa g u irla n d a. A cim a do
ções em H erculano, 1740-1750), nos m ostra a
pórtico, um a pequena pintura paisagística reconstitui o
cotidiano da cidade, durante sua gloriosa existência an
tes da catástrofe. A baixo da ilustração principal, quatro
d e ta lh e s a r tís tic o s c o m p le m e n ta m a c e n a . D u as
(8) As cidades perdidas são representações em tom o de reconstituições de acrotérios com estátuas m itológicas,
sítios arqueológicos, reais ou im aginários, dos quais os e ao centro, detalhes de pinturas m urais. A idéia princi
referenciais históricos e geográficos foram esquecidos pela pal da estam pa é expor detalhes artísticos recuperados
civilização ocidental (Langer 1997b: 76). da cidade rom ana, em uma espécie de m ostruário.
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LANGER, J. As origens da Arqueologia Clássica. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 9: 95-110,1999.
e sca v açã o 10 e ao fato de não existirem sobreposi mentos ruinísticos romanos, dem onstrando agora
ções de outra épocas, tudo ficou com o estava des influências do rom antism o. No quadro Come si
de 24 de agosto de 79 d.C.: “a magia do quotidiano scavava a Pom pei, percebem -se as novas dire
interrompido no auge da felicidade” (Carena 1983: trizes das escavações. Ao contrário da referida
122 ). pintura setecentista de Herculano, ocorre uma or
A região de Nápoles tomou-se concorrente da ganização planejada do resgate, sem espaço para
metrópole cultural de Roma, totalmente absoluta no o exotism o e curiosidade dos fragm entos. Sob o
classicismo desde a Renascença. Em Nápoles, o côn atento olhar de um supervisor, a retirada dos entu
sul britânico Sir William Hamilton formou uma grande lhos pelos trabalhadores é feita sistematicamente,
coleção de vasos, que se tomou referência para os ao final de uma grande avenida calçada. Como em
colecionadores (Jones 1985: 33). No frontispício de grande parte da Arqueologia Clássica efetuada du
seu Catalogue ofthe collection (1790), percebemos rante o oitocentos, o procedim ento da escavação
uma interessante alegoria arqueológica. Na base de segue a técnica do d esenterram ento,12 a simples
um penhasco, uma escavação revela um túmulo antigo, retirada dos entulhos acim a das estruturas soter
composto por um esqueleto e diversos vasos cerâmi radas. Em term os de organização, o desenterra
cos. Um casal de nobres visita a descoberta, fascina mento atua com um responsável, o arqueólogo, e
do pelo exame do vasilhame. Na base do túmulo, em a m ão-de-obra braçal (Funari 1988: 49). Em pri
primeiro plano ao lado da escavação, repousam uma meiro plano, na extremidade inferior direita, o qua
picareta e uma pá, símbolos da ciência material. Per dro de M azois ostenta uma pá e uma picareta, cru
cebemos a total inclusão da Arqueologia na cultura zadas e apoiadas em um muro. Principais ferra
erudita do período. Homens de bom gosto, de boa mentas da técnica de desenterramento, as suas po
tradição, visitavam e evocavam a antigüidade. Fazer sições na ilustração, assim como no frontispício do
uma viagem de estudos a Roma toma-se parte indis catálogo de H am ilton (1790), perm item supor o
pensável para a educação das pessoas bem nascidas. seu uso como alegoria da Arqueologia, neste perí
Mais que uma simples curiosidade turística, projeta a odo. Também utilizadas freqüentem ente na arte
idealização de uma sociedade, de um mundo onde os m açônica setecentista,13 a pá e a enxada associ-
valores clássicos são refletidos como regras de am -se a símbolos de m odificação da natureza. No
convivência moral. A corte européia, com isso, toma- quadro de M azois, possuem um sentido de pes
se a projeção das sociedades míticas grega e romana, quisa, da entrada para os m istérios do passado,
através da pintura, dos detalhes arquitetônicos expos perdido nas profundezas da terra.
tos em palácios, centros culturais (bibliotecas e mu Em outras ilustrações de Pompéia, Mazois res
seus), moda e no comportamento. É o auge do neo- salta um fundam ento da ruína rom ântica, a me
classicismo europeu. lancolia da decadência. Na Villa di Diomede, For-
Se por um lado, as cidades soterradas pelo
Vesúvio continuam despertando interesse e pes
quisas, ao nascer do oitocentos ocorrem algumas (12) “As estratégias técnicas básicas de desenterram ento
m udanças na percepção destas. O arqueólogo são as trincheiras e as sondagens. A quelas se destinam a
F rançois M azois,11 em seu livro R uines de Pom- descobrir a orientação geral das estruturas fixas a serem
desenterradas, facilitando, devido à sim etria das plantas, a
p éi (1813), realizou diversas ilustrações dos frág
suposição da localização dos m uros e principais estrutu
ras. Em caso de desenterram ento lim itado, podem -se lo
calizar os lugares mais interessantes (tesouros, depósitos)
i l 0) A área de Pom péia foi soterrada por um a grande quan a serem escavados. As sondagens perm item saber a pro
tidade de lapilli (pedras vulcânicas) que, m isturadas a cin fundidade do sítio” (Funari 1988: 50).
zas, form aram um a cam ada m uito m acia e facilm ente re (13) Isso pode ser constatado no intrigante frontispício da
m o v ív e l, n u m a p r o fu n d id a d e b em m e n o r q u e a de F lauta M ágica (1791), de M ozart. No interior de uma
H erculanum (Ceram 1956: 20). catacum ba repleta de sím bolos egípcios e ocultistas, o pri
(11) A rqueólogo e arquiteto francês (1783-1826). O bteve meiro plano, na extremidade inferior direita, é ocupado por
o privilégio de desenhar os monum entos de Pom péia, re uma pá e uma picareta - na mesma posição que o frontispício
servado apenas aos acadêm icos de Nápoles, entre 1809 e de H am ilton (1790) e o desenho de M azois (1813). Ao
1811. Os resultados dos seus trabalhos foram publicados lado dos instrum entos, repousam fragm entos de capitéis,
em 1813, sob o título de Ruínes de Pompéi. Outros livros: um a estátua e um a ánfora. M ozart expressou suas idéias
Palais de Scaurus (1819); Ruines de Paestum e Théàtre com- d a fra n c o -m a ç o n a r ia , in f lu e n c ia d o p e lo lib r e tis ta
p let des Latins (Larousse 1871: 1392). Schikaneder (Baines & M álek 1996: 223).
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LANGER, J. As origens da Arqueologia Clássica. Rev. do M useu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 9: 95-110,1999.
no e M ulino e Casa Cham pionnet, surgem pes b ras to rn a m -se m ais a c irra d a s, a la rg a d a s e
soas sentadas, em posições reflexivas. N este úl escurecidas. As figuras humanas são pequeninas
timo, em especial, o ponto de fuga exato do qua frente à imponência dos restos desmoronados. Em
dro, no plano inferior, é ocupado por um cabisbai sua obra m ais im portante, A n tic h ità R om ane
xo e oprimido soldado, junto a colunas derruidas e (1756), vislum bram os toda a concepção da força
cobertas de musgos. Os fragmentos ruinísticos são da antigüidade ressurgida nos tempos modernos. Em
locais propícios para o culto do desam paro: “Sua especial, uma gravura dessa publicação, Strada
melancolia reside no fato de ter-se ela tornado um Felice, conseguiu captar toda a estética e imaginá
monumento da significação perdida. Sonhar nas ru rio setecentista acerca da Arqueologia. Duas estra
ínas é sentir que nossa existência cessa de nos per das são ladeadas por uma imensa quantidade de mo
ten cer e já se une ao im enso esq u ec im en to ” numentos, empilhados numa grande extravagância.
(Starobinski 1994: 202). Os vestígios adquirem o Mais que um modismo, o resgate do remoto arcai
sentido da morte e da vida, marcas da tragédia da co tornou-se obsessivo, indo além dos lim ites do
natureza perante o curso da história, resgastados bom senso. Mesmo a idéia do mostruário de curio
pela ciência. sidades ao ar livre, transform a-se em um delírio
Em outra inquietante representação artística, monumental ao extremo, pelo qual o olhar dos di
Mazois retrata o caráter m isterioso das ruínas. II minutos transeuntes toma-se totalmente perdido na
pozzo aperto sulla cavea dei teatro representa o esmagadora quantidade de objetos. O monumento
desenterram ento parcial de um teatro romano em transmuta-se, na obra de Piranesi, em signo de um
Pompéia. Em um am biente escuro e tenebroso - destino (Starobinski 1994: 201), a subm issão do
lembra-nos as pinturas de catacumbas, cavernas e presente (simbolizado pelas figuras humanas) pelo
cemitérios - os escavadores são diminuídos pela passado (as ruínas).
imensidão do local. O gosto romântico pelo horror, A segunda metade do séc. XVIII foi caracte
manifestado pela literatura, também é percebido na rizada pela grande quantidade de publicações ar
Arqueologia. queológicas, sistematizadoras e catalogadoras de
vestígios do mundo m editerrâneo,15 todas depen
5. As ruínas de Piranesi dentes da fórmula erudita máxima da época: ob
servar, registrar e publicar. Influenciadas direta
G iovanni Battista Piranesi foi o grande ca mente pelas pesquisas em Pompéia e Herculano,
talisador do neoclassicism o e da Arqueologia se- essas publicações já correspondem a uma nova
tecentista, no plano artístico. A pesar de ser arqui maneira de realizar interpretações da antigüidade,
teto e engenheiro, a principal produção de Piranesi mas certamente dois nomes canalizaram em suas
foi a criação de vedute (vistas), gravuras de paisa obras este momento da Arqueologia: Conde de Caylus
gens urbanas clássicas. O estilo de Piranesi era muito e Winckelmann.
forte e denso, por vezes inseguro e paranóico. O
fro n tispicio de P rim a p a rte di A rch itetu re e
Prospective (1743), rom pe com a tradição das (15) Entre as principais obras publicadas na segunda meta
de do setecentos temos: Traité des pierres gravées, Mariette
vedute e pinturas de ruínas. Ao contrário dos frag
(1750); The ruins o f Palmyra, R. W ood (1753); L'antichità
mentos ruinísticos de Pannini,14com cores fortes em romana, Piranese (1756); R ecueil de peintures antiques,
meio a cortejos e festas - uma visão humanística da Bartoli (1757); The ruins o f Baalbek, Stuart e Revett (1757);
Arqueologia - , esse fronstispício já nos revela a sua Description des pierres gravées du baron de Stoch, W in
interpretação de um passado com atm osfera fan ckelmann (1760); La science des médailles, Jobert (1760);
A ntiquités d ’A thènes, Stuart (1761); Recueil d ’antiquité,
tástica. Nas Termas de Caracola (1748), as som
Conde de Caylus (1767); The Antiquities o flo n ia , Chandler
(1769); Antiquities o f H erculanum, T. M artin e J. Lettice
(1773); De stylo inscriptionum latinarum, M orelli (1780);
(14) Um dos p in to res de ru ín as p refe rid o s na E uropa Bas-reliefs antiques de Rome, Zoega (1783); Lexicon univer-
setecentista. Giovanni Paolo Pannini (Piacenzac. 1691 - Roma sae rei numariae veterum, Tasche (1785); Choix de pierres
1765), foi aluno dos Bibiena, tomou-se, antes de Canalleto, gravées du cabinet impérial, Eckehl ( 1788); Voyage du jeune
o primeiro dos grandes vedutisti, indo bem além da minúcia A nacharsis en G rèce, B arthélém y (1788); A rchaeologia
topográfica em suas vistas de Roma, suas composições com litteraria, Em esti (1790); Vases antiques peints de la collec
minas imaginárias e suas representações de cortejos e festas tion de W. Hamilton, Tischbein (1791); Doctrina nummorum
0Grande Larousse 1998: 4416). veterum, Eckehl (1792).
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LANGER, J . As origens da Arqueologia Clássica. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 9: 95-110, 1999.
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de Berlim; Sociedade de Arqueologia Grega (1835); quadro Colonne de Cleopatre, de Gemelli Careri
Ecole Française D ’Archéologie (1846). Surge outro (Voyage du tour du monde, 1729) é um exemplo.
momento da arqueologia, com método ainda mais or R epresentando o obelisco de S esóstris I, seus
denado e a estética da arte unida à expedições coleti hieróglifos são estilizados e caricaturados, semelhan
vas, investigando as diversas partes do Mediterrâneo tes aos desenhos alquimistas e medievais. A paisa
e do mundo. Os periódicos publicados pelos intitutos gem de fundo parece evocar as antigas ruínas de
tomam-se comuns, atendendo aos mais diversos tipos Roma. Da mesma maneira, G. Zoega no Obelisco de
de especialidades e temáticas da antiguidade material. P sam ético II (De origine et usu obeliscorum,
Em uma outra perspectiva, saindo dos domínios 1797), apresenta figuras mitológicas realizadas em um
turcos a partir de 1833, a Grécia financia escavações estilo distante do egípcio. Desde a Idade Média, os
procurando um resgate próprio, sem interferências escritos clássicos foram o grande referencial cultural
da Inglaterra ou Alemanha. Mas ainda com o auxílio sobre o Egito. Até mesmo a confecção de mapas e
de especialistas estrangeiros. Assim como o México plantas, até 1800, era realizada a partir de fontes gre
na mesma época, os nacionalistas gregos recorrem gas (Baines & M álek 1996: 22).
às pesquisas arqueológicas para reforçar a noção de O século XVm conheceu duas importantes obras
uma consciência nacional, resgatando as antigas gló sobre antigüidades egípcias, escritas por Bemard de
rias esquecidas. Desta maneira, o método científico Montfaucon e pelo barão de Caylus. Ambos conce
de investigar o passado tanto serve para legitimar a beram um importante espaço para a descrição dos
dominação colonialista quanto para propagar a liber objetos e vestígios do Egito, abrindo caminho para a
dade nacional. formação de diversas coleções na Europa.
Mas os estudos m odernos da egiptología, fo
ram concebidos após a expedição de Napoleão ao
Pirâmides, hieróglifos e mistério: Cairo, em 1798. As m odificações que se produzi
A Egiptología (séc. XVII - 1822) ram no clima intelectual da Europa, com seus resul
tados em píricos, afetaram o próprio transcurso da
Se durante o setecentos, a erudição foi domi Arqueologia. A campanha francesa era, ao mesmo
nada pelo mundo clássico, advindo das descobertas tempo, um projeto de conquista militar, somada a
de Pompéia e Herculano, durante o séc. XIX as via intentos naturalistas: levantaram-se dados geológi
gens de exploração e colonização do mundo amplia cos, astronômicos, químicos, botânicos, geográfi
ram as fronteiras do conhecimento arqueológico. Ru cos, arqueológicos, entre outros. Sendo a comissão
ínas, cidades perdidas, vestígios de antigas civiliza com posta por 165 eruditos, transportando inúme
ções são encontrados na Ásia, África, Polinésia e ros aparelhos e instrumentos científicos. As investi
América. Mas certamente uma das regiões onde hou gações arqueológicas praticamente excluíram esca
ve maior interesse popular e erudito, acerca de te v a ç õ es, c o n c e n tra n d o -se epi re p ro d u ç õ e s e
mas antigos, foi o Egito. Terra do mistério, suas ca moldagens de estátuas, notas e desenhos de inscri
racterísticas peculiares a transformaram num dos gran ções de sarcófagos. Um a das peças recuperadas,
des marcos do imaginário oitocentista, influenciando um bloco de basalto com inscrição em três línguas,
a cultura, a ciência e a arte moderna. foi chamada Pedra de Roseta, e constituiu a chave
O interesse pelo país dos faraós vinha já de mui para solucionar a deciffação dos hieróglifos. O acha
tos séculos. Durante o seiscentos, organizaram-se as do causou grande im pacto, noticiado pelo Le
primeiras expedições ao Egito, que levaram para a Courrier de VEgypte (1799). Os resultados das
Europa preciosos manuscritos em língua copta, pas pesquisas francesas no Egito foram publicados en
síveis de serem traduzidos. O primeiro grande estu tre 1809-1822, na obra D escription de VEgypte
dioso do Egito, Athanasius Kircher (1602-1680), (10 volumes textuais e 12 de ilustrações), com de
utilizou-se desses documentos. Kircher, a exemplo senhos de Dominique Vivant Denon.20
de diversos outros humanistas e antiquários, criou
muitas fantasias interpretativas a respeito do passado
egípcio, devido ao seu fracasso em traduzir os (20) Gravador e arqueólogo francês (Givry 1747 Paris
hieróglifos. Na impossibilidade de compreenderem a 1825). Nom eado diretor-geral dos M useus em 1802, foi o
cultura do Egito, também os exploradores criaram primeiro organizador do Louvre (Grande Larousse 1998:
reproduções carregadas de referenciais europeus. O 1818).
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Denon publicou seu próprio trabalho em 1802, (...) para ter um a idéia adequada de tanta
Voyage dans la Base et la Haute Egypte. Impresso magnificência, cumpre que o leitor se imagine
em Paris, foi um estrondoso sucesso na Europa, tendo diante de um sonho, pois o próprio espectador
40 edições consecutivas e traduzido para diversas ou não acredita no que vê (...) A entrada da aldeia
tras línguas. O grande êxito dessa obra assim como a de Luxor exibe surpreendente mescla de indi-
Description de / ’Egypte, deve-se em parte à inexis gência e magnificência e me proporciona uma
tência de bibliografia disponível sobre o tema na Euro idéia terrível da gradação dos grandes períodos
pa. As livrarias européias, até 1810, praticamente não no Egito. Afigura-se-me o grupo mais pitoresco
tinham nenhum título a oferecer sobre temas egípcios e a mais pasmosa representação da história dos
(Ceram 1956: 85). As duas obras ofereciam basica tempos: nunca se sentiram os meus olhos e a
mente descrições e desenhos reprodutivos, pois as minha imaginação tão vividamente impressiona
interpretações de detalhes dos monumentos e perío dos quanto à vista desse monumento. Eu vinha
dos históricos eram desconhecidas, basicamente, pela freqüentemente a este lugar meditar: gozar do
ilegibilidade da escrita. passado e do presente, cortejar as sucessivas
O livro de Denon reforçou a moda da egipto- gerações de habitantes pelas respectivas obras,
mania, reinante entre os intelectuais, artistas e popu que se estendiam diante dos meus olhos, e ar
lares. A principal característica de suas ilustrações é mazenar no espírito volumes de materiais para
um encanto evocativo do Egito. Em O templo de Den- meditações futuras” (Denon 1973: 115-116).
derah, Vivant Denon caracterizou as ruínas sendo Nesta descrição apaixonada das antigüidades
percorridas pelos militares e sábios franceses, em seu faraônicas, percebe-se o caráter meditativo das ruí
topo, nas laterais, adentrando-as, medindo e contem nas, tipicamente romântico. O avistamento dos ves
plando os monumentos. A idéia da cultura napoleónica tígios derruídos incita a uma reflexão poética, próxi
dominando o mundo antigo e o atual é eminente. No ma do onírico, competindo com uma visão metódica
quadro de Hieracômpolis, essa concepção é ainda da história. Outros exploradores europeus m a
mais enfatizada. As pequenas ruínas, ocupando o cen nifestaram essa impressão perante a imensidão mo
tro, são esboçadas por um francês, de pé na extre numental do Egito, como Giovanni Belzoni em 1820:
midade esquerda da estampa. No outro lado, sen
tados, dois beduinos observam o trabalho. O contraste “Sentei-me à sombra de uma das pedras do
entre a civilização erudita e a cultura primitiva serve lado direito, que formam a parte do templo que
para ilustrar os propósitos da expedição francesa no se erguia diante da pirâmide naquela direção. Os
Egito: levar as luzes do conhecimento aos singelos meus olhos fitaram-se na massa enorme, que,
povos orientais, descendentes inafortunados do glo durante séculos, desconcertaram as conjeturas
rioso passado arqueológico. Em outra estampa, de autores antigos e modernos (...) A vista da
Sphinx de Gizeh, quatro eruditos medem a cabeça obra maravilhosa, que avultava à minha frente,
da Esfinge, com o auxílio de uma escada. O curioso deixava-me tão pasmado quanto a total obscu
é que, ao contrário de outras reproduções monumen ridade em que nos achamos no que respeita à
tais egípcias que realizou, Denon criou um desenho sua origem, ao seu interior, à sua construção”
totalmente caricatural. A boca da estátua possui de (Belzoni 1973: 118).
lineamento, assim como os olhos e a sobrancelha. O Mesmo após a decifração dos hieróglifos, o ca
rosto foi arredondado, produzindo um efeito ráter misterioso do país das pirâmides ainda vai deli
contrastante com os outros detalhes da escultura. O near o imaginário ocidental. Belzoni, ao comentar as
resultado final é a reprodução de um mameluco-ára construções de Gizé, não pôde deixar de mencionar
be. Mais uma vez, a oposição contrastante da ope o total desconhecimento acerca desses monumentos,
ração francesa com os habitantes da região toma-se também belos e grandiosos. Do mesmo modo Vivant
evidente. Denon percebeu o caráter enigmático do Egito, em
Contrastando com essa visão pitoresca e co sua ilustração A grande galeria de Kéops (1822).
lonialista da terra das pirâmides, também pode ser Portando archotes, sábios franceses e guias beduínos
percebido no texto de sua obra uma adm iração penetram pelo corredor estreito e escuro da grande
grandiosa pela terra redescoberta: pirâmide. Seus movimentos são controlados, com os
“Ao examinar o conjunto das ruínas, a ima olhos visivelmente atenuados, denotando uma per
ginação se cansa só de pensar em descrevê-las ceptível sensação de medo. Um oficial tem as duas
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mãos em posição de grande pavor. Mais uma vez, a referencial civilizatório, indicadoras do sintoma
continuidade do caráter misterioso da Arqueologia da evolução de uma sociedade no tempo.
prossegue no imaginário ocidental, característica pre
sente desde o Renascimento até a descoberta de ruí
nas exóticas no oitocentos, cujo passado insiste em Reflexões finais
mostrar-se de maneira oculta.
Mas esse véu em parte seria desfeito, com a Em conclusão, observam os no artigo algu
genialidade de François Champollion.21 Dominan mas etapas por que o método arqueológico pas
do uma vasta quantidade de línguas arcaicas aos sou desde a Idade Média. As influências cultu
17 anos, o jovem sábio instalou-se em Paris no ano rais de cada país e so cied ad e,, acrescentando
de 1821. Tendo como base a idéia de que os hieró novas form as de co n cep ção do passado. A s
glifos seriam ao mesmo tempo ideogramáticos e sim como a interferência de elem entos simbóli
fonéticos e, ainda, analisando a pedra de Roseta, cos e m íticos no im aginário, culm inando com
as inscrições do obelisco de Philae, decifrou os con cep çõ es n ac io n a lista s no p erío d o m oder
nomes de alguns soberanos. Conhecendo os carac no. A A rqueologia foi um im portante instru
teres básicos do alfabeto, conseguiu chegar a do m ento na construção idealizada da H istória, e
minar todo o idioma. Em 1822, escreveu a famosa até hoje é o p eracio n alizad a com essas inten
Lettre à M. Dacier, revelando os segredos de sua ções: “a arqueologia não é um estudo passivo
descoberta. O trabalho ganhou aos poucos o reco das culturas do passado. A ssim , dificilm ente
nhecimento acadêmico, sendo ele nomeado cura será neutra e autônom a, pois opera dentro de
dor das coleções egípcias do Louvre. um contexto sócio-cultural mais amplo e desem
Uma das conseqüências imediatas do sucesso pen h a um papel ativ o nos p ro cesso s de m u
de Champollion, além de reforçar a moda da egip- danças sociais” (Rodrigues 1991: 193). Abrin
tomania, foi aumentar o interesse dos grandes mu do clareiras no ignoto hum ano, a A rqueologia
seus pelos objetos egípcios. Todos queriam conhe tam bém instituiu rep resen taçõ es nas socieda
cer as maravilhas do mundo faraônico. Dezenas des, que ainda se fazem presentes até nossos
de expedições turísticas e de pesquisas foram rea dias, como a imagem do arqueólogo no cinema
lizadas por esse período, assim como viagens de e na literatura. O próprio papel dos cientistas
aventureiros em busca de riquezas perdidas e o au neste longo p ro cesso , in iciad o com os anti-
mento de falsificações. Outro imediato efeito das quários renascentistas, rem ete à inserção des
descobertas do sábio francês, foi a importância que tes em seu tempo. Portanto, os lim ites entre a
os estudos paleográficos receberam na Arqueolo ciência da cultura m aterial e a representação do
gia oitocentista. Formaram o interesse para o estu p a s s a d o são m u ito tê n u e s : re m e te m aos
do da escrita arcaica de outras civilizações (como m ecanism os sim bólicos de poder nas socieda
a dos bárbaros nórdicos e os m esopotâm icos), des. Afinal, como afirmou Leonard Wooley, as
fornecendo elementos para o imaginário: as ins fronteiras entre a Arqueologia e a História não
crições antigas são um a im portante m arca do são indefinidas?
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LANGER, J. As origens da Arqueologia Clássica. Rev. do M useu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 9:95-110,1999.
LANGER, J. The origins o f Classical Archaeology. Rev. do M useu de A rqueologia e Etnologia, Sao
P au lo , 9: 9 5 -1 1 0 , 1999.
Referências bibliográficas
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LANGER, J. As origens da Arqueologia Clássica. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 9: 95-110, 1999.
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