André Villar REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E CAPITALISMO
André Villar REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E CAPITALISMO
André Villar REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E CAPITALISMO
Rio de Janeiro
2010
ANDRÉ VILLAR GOMEZ
RIO DE JANEIRO
2010
ANDRÉ VILLAR GOMEZ
Aprovado em
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________.
Professor Doutor Marildo Menegat (orientador)
Universidade Federal do Rio de Janeiro
___________________________________________________.
Professor Doutor Giuseppe Cocco
Universidade Federal do Rio de Janeiro
___________________________________________________.
Professor Doutor Maurílio Lima Botelho
Universidade Federal do Rio de Janeiro
___________________________________________________.
Professor Doutor José Paulo Neto
Universidade Federal do Rio de Janeiro
___________________________________________________.
Professor Jorge Luís da Silva Grespan
Universidade de São Paulo
G633 Gomez, André Villar.
Renovação tecnológica e capitalismo: tópicos sobre a destruição e
a criação de uma outra natureza / André Villar Gomez. Rio de
Janeiro: UFRJ, 2010.
151f.
CDD: 361
AGRADECIMENTOS
Alessandro Carvalho, Ana Esteves, Felipe Brito, Javier Blank, Marcos Velho, Mariela
Becher, Maurílio Botelho e Pedro Rocha. Por nossas reuniões etílicas, nossas conversas,
nossas derivas pela cidade etc.
Ao meu amigo e orientador, Marildo Menegat. Seu conhecimento, seu apoio, suas críticas e
seu exemplo.
À minha mãe, Dulce, e aos meus irmãos, Tatinha, Fabiano e Leo. Pelo carinho. E ao meu
falecido pai, Sergio. Devo-lhe muito.
This text is a study of the double crisis of capitalist civilization: socio-economical and
ecological. It aims to show that capitalism, due to its own technological development, came
up against its own internal logical limit: the limit of valorization of value. Since then, as
one of the manifestations of the contradiction between the abstract form of value and the
concrete content of the world, this system started to come up against its external limits, in a
way more and more flagrant: the ecological and material limits of Earth. Capitalism's
destructivity of concrete-sensitive world's totality expresses itself in two different and
complementary ways: as the acceleration of the consumption of the world and as the
production of other nature, that is, an attempt of recreating nature through technoscience.
This text is also a presentation of some elements for a critique of technology and science.
Its last part is a critique of agro-fuel.
INTRODUÇÃO.................................................................................................11
2. CRISE DO CAPITALISMO..........................................................................26
2. 1. Contradição em processo...........................................................................26
2. 2. Tecnologia e trabalho.................................................................................27
2. 3. A revolução microeletrônica......................................................................34
2. 4. Limite lógico absoluto................................................................................39
5. MUNDO PÓS-NATURAL............................................................................89
5. 1. Novos materiais..........................................................................................90
5. 2. Tecnologia nuclear.....................................................................................92
5. 3. Engenharia genética...................................................................................94
5. 4. Biologia sintética........................................................................................97
5. 5. Nanotecnologia...........................................................................................99
5. 6. Convergência tecnológica........................................................................104
5. 7. Pós-humano..............................................................................................105
.
6. PRODUÇÃO E DESTRUIÇÃO..................................................................110
6. 1. Forças destrutivas.....................................................................................110
6. 2. Dialética negativa.....................................................................................114
6. 3. Um outro metabolismo com a natureza....................................................116
6. 4. Para o lixo com tudo isso.........................................................................119
Excurso:
REFERÊNCIAS BLIOGRÁFICAS.................................................................142
INTRODUÇÃO
Não é de hoje que os seres humanos têm estabelecido relações destrutivas com a
natureza. Algumas sociedades chegaram mesmo a soçobrar em virtude do arruinamento
das condições ecológicas sobre as quais se apoiavam. 1 No entanto, quaisquer que
tenham sido as práticas dessas sociedades e quaisquer que tenham sido os resultados de
suas intervenções sobre a natureza, há uma diferença notável entre o que ocorreu com
elas e o que acontece em nossa época. Por maior que tenha sido a depredação e a
destruição da natureza em outros tempos, ela se limitou sempre a alguns restritos
rincões do mundo. Atingiu somente uns poucos aspectos da biosfera. No entanto, sob o
capitalismo, em especial sob o capitalismo tecnocientífico de nossa época, a devastação
da natureza atinge o planeta inteiro. É toda a Terra que se torna vítima da agressão
infringida pelo modo de produção e de vida capitalista. A biosfera está sendo aniquilada
de forma implacável e extremamente acelerada.
A continuidade da pilhagem da natureza tende a promover um colapso ecológico
generalizado. Mas graves conseqüências já podem ser claramente sentidas. O clima da
Terra está se tornando cada vez mais instável. A natureza parece estar se vingando das
intervenções impertinentes e insanas perpetradas sobre ela. Tal processo de destruição
ecológica não pode continuar. E, no entanto, longe de arrefecer, ele não cessa de se
intensificar. Quanto mais se agravam as contradições do capitalismo, mais esse sistema
torna-se voraz e depredador. No momento em que o capitalismo começa a se chocar
com o seu limite lógico interno – o limite de seu processo de valorização, baseado na
sucção de mais-valia –, ele passa a ser acometido por um apocalíptico impulso
destrutivo. Em seu fim de linha, a forma abstrata do valor entra em guerra contra a
totalidade do mundo concreto-sensível.
A aniquilação das condições ecológicas da Terra consiste num resultado que mal
podia ser vislumbrado por Marx. Sua teoria prevê o colapso do capitalismo em virtude
da contradição entre a forma abstrata do valor e o conteúdo concreto da realidade. O
desenvolvimento tecnológico tende a negar a forma social estruturalmente baseada na
1
Ver: POINTING, Clive. Uma história verde do mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1985 e
DIAMOND, Jared. Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. Rio de Janeiro:
Record, 2006.
12
Talvez seja esse o desafio de nosso tempo: impedir que o planeta seja
aniquilado. Mas não é apenas o “fim horroroso” do colapso ecológico generalizado e da
possível extinção dos seres humanos que nos espreita. Uma perspectiva não menos
sombria é o “horror sem fim” de subsistirmos em meio aos destroços da natureza. A
civilização capitalista está passando e destruindo as possibilidades materiais e
ecológicas de forjarmos um novo modo de produzir e de viver. É possível imaginar uma
2
FAUSTO, Ruy. Marx: lógica e política, tomo I. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 17.
3
ANDERS, Günther. Llamese cobardia a essa esperanza. Bilbao: Besatari, 1995. pp. 84, 85.
13
postulado que contribuiria imensamente para reduzir esse lapso é: ampliar a nossa
capacidade de imaginação para que possamos saber o que estamos fazendo.4 Isso é tanto
mais necessário quando a percepção não se encontra à altura daquilo que produzimos.
“A imaginação conscientemente entremeada, ainda que seja ela mesma insuficiente,
percebe mais verdade que a percepção. Necessitamos mobilizar a imaginação
precisamente para seguir estando à altura da empiria, por muito paradoxal que soe. A
imaginação é a „percepção‟ de hoje”.5 O pensamento claudicante, sem imaginação, só
pode ficar para trás em tempos de tão tremendas e espantosas transformações. Esforcei-
me para captar algumas das tendências negativas e destrutivas em curso. Espero que
meu texto possa de algum modo contribuir para impedir o advento do pior.
4
ANDERS, Günther. Llámese cobardia a esa esperanza. Bilbao: Besatari, 1995. p. 80.
5
Id. Ibid. p. 80. “O que hoje é evidência foi outrora imaginação”. BLAKE, William. Provérbios do
inferno. In: O casamento do céu e do inferno & outros escritos. Porto Alegre: L&PM, 2009. p. 22.
15
1. 1. O mundo invertido
6
KRAHL, Hans-Jürgen. Contribuiçión al Curso sobre Crítica de la Economia Política. Disponível em:
http://antivalor2.vilabol.uol.com.br
16
que tal idealismo deve ser combatido. No entanto, não se trata de um combate
meramente filosófico. Mas sim de empreender a própria transformação da sociedade.
No sistema de Hegel, o mundo concreto é gerado por uma idéia. O Ser constitui
o primeiro momento que, somente após uma tortuosa engrenagem de sucessivas
mediações, gera o mundo material: a natureza e o mundo humano. De fato, tal idéia tem
mesmo algo de muito bizarro. Mas a bizarria diz mesmo respeito à sociedade capitalista.
Pois, no capitalismo, tal como ocorre na filosofia de Hegel, o ponto de partida é mesmo
um conceito, uma abstração: o trabalho abstrato na forma do valor. O problema da
filosofia de Hegel é a sua falta de especificidade histórica e o caráter apologético de sua
filosofia em relação à ordem do capital. E não o ponto de partida de sua filosofia.
Pode-se mesmo dizer que O capital consiste numa espécie de metacomentário da
filosofia de Hegel. Marx, portanto, não nega o idealismo deste. O que ele faz é
contextualizar os conceitos de Hegel nos termos das formas sociais capitalistas. Nesse
sentido, a crítica madura de Marx não supõe uma inversão antropológica “materialista”
da dialética idealista de Hegel, mas é antes, em certo sentido, a justificação dessa
filosofia. Marx buscou mostrar que o núcleo racional dessa filosofia encontrava-se em
seu caráter idealista.7 É verdade, porém, que esse ponto de vista acerca da filosofia de
Hegel foi profundamente alterado no curso das investigações teóricas de Marx.
Em seus escritos juvenis, Marx ainda se conserva, de certo modo, na órbita da
crítica materialista que Feuerbach fez à filosofia idealista de Hegel. Feuerbach havia
criticado o caminho invertido da filosofia de Hegel. Para ele, a filosofia de Hegel era
uma “teologia racionalizada”.8 Principiar com a abstração para apenas então chegar ao
ser sensível lhe parece uma falsificação da verdade. Por que começar pelo abstrato, e
não, imediatamente, pelo sensível? Por que seguir esse estranho e fantasmagórico
itinerário?
7
POSTONE, Moishe. Tiempo, trabajo y dominación: una reinterpretación de la teoría crítica de Marx.
Madri: Marcial Pons, 2006. p. 135.
8
“A doutrina hegeliana, segundo a qual a natureza, a realidade, é posta pela idéia, não é mais do que a
expressão racional da doutrina teológica segundo a qual a natureza é criada por Deus, o ser material por
um ser imaterial, ou seja, abstrato”. FEUERBACH, Ludwig. Tesis provisionales para la reforma de la
filosofia. Barcelona: Labor, 1976. p. 20.
17
Assim, contra essa filosofia idealista, Feuerbach propõe uma nova filosofia: uma
filosofia feita em “carne e osso”. Uma filosofia que tem como ponto de partida não o ser
abstrato da especulação filosófica, mas sim aquilo que é indubitável e imediatamente
certo: o ser sensível. Pois somente onde começa a sensibilidade cessa toda a dúvida e
todo o litígio. Ele pretende substituir o processo dialético da constituição dos seres pela
exigência bem mais simples: partir diretamente daquilo que é concreto, empírico e
imediatamente evidente. A nova filosofia de Feuerbach surge como uma antropologia
radical, que procura a verdade por meio da intuição sensível, e não através dos jogos
especulativos da dialética e das fantasias do raciocínio teológico.
Os textos de juventude de Marx permitem ver até que ponto essa crítica de
Feuerbach o influenciou. Em Miséria da Filosofia, ele faz a seguinte observação acerca
da filosofia idealista:
9
Idem. Preleções sobre a essência da religião. Campinas, SP: Papirus, 1989. p. 102.
18
Tal como Feuerbach, o então jovem Marx critica as hipóstases lógicas de Hegel
como ideologias, como quimeras do pensamento, que falseiam a realidade. Parece-lhe
falsa a filosofia que transforma as coisas da terra numa encarnação de uma abstração.
No entanto, anos depois, durante a redação dos Grundrisse, quando lia “por acaso” a
Lógica de Hegel, Marx adotou um ponto de vista inteiramente diferente acerca dessa
questão. Desde então ele percebeu que aquilo que outrora era considerado por ele como
um problema propriamente teórico da filosofia hegeliana, consistia, pelo contrário,
numa característica real da sociedade capitalista e num problema cuja solução extrapola
ao domínio propriamente teórico. O problema deixa de ser a filosofia idealista de Hegel,
para ser o do idealismo realmente existente da sociedade capitalista. Marx jamais
voltará a criticar as hipóstases lógicas de Hegel como quimeras, ideologias que falseiam
a realidade verdadeira. Pelo contrário. Ele passa a tomar as hipóstases como a descrição
“verdadeira” de uma “realidade falsa”. 11
Se, em Miséria da filosofia, Marx escarnece do procedimento metafísico que faz
das “coisas aqui da terra” meros “bordados”, cuja “talagarça” é formada pelas
categorias lógicas, no seu período de maturidade, ele ultrapassa esse ponto de vista e
compreende que, na sociedade baseada na produção de mercadoria, é a própria ordem
das coisas que se encontra de cabeça para baixo. Nessa sociedade, o próprio mundo
concreto-sensível tornou-se uma forma de manifestação fenomenal de uma abstração.
Há uma passagem que ilustra o quanto Marx captou o caráter realmente místico e
invertido da sociedade capitalista:
10
MARX, Karl. Miséria da filosofia. São Paulo: Livraria exposição do livro, s.d. pp. 91, 92.
11
JAPPE, Anselm. As aventuras da mercadoria. Lisboa: Antígona, 2006. p. 180.
19
Portanto, o problema não é mais o fato de o filósofo idealista ter colocado uma
abstração na base do mundo concreto-sensível. E sim de que, no capitalismo, a
abstração ser a essência (negativa) que está na base do mundo concreto. O fato de “o
sensível-concreto” se tornar uma “pura forma fenomenal ou forma de realização efetiva
determinada do trabalho abstrato universal”. Não se trata mais de escarnecer o caráter
idealista da filosofia de Hegel. Desde então Marx deixou de negar a existência de uma
consciência sobreposta aos seres humanos. Ela compreendeu que tal consciência existe.
Mas como um predicado e uma propriedade de seres humanos reais e finitos. 13
O Ser da filosofia de Hegel – a abstração que se faz mundo – existe. Ele não é
uma mera invenção do filósofo idealista. No capitalismo, tal como no sistema de Hegel,
o fundamento da realidade é uma abstração: o trabalho abstrato na forma do valor.
Pode-se dizer que o trabalho abstrato constitui o Ser da sociedade capitalista. No
entanto, tal abstração, diferentemente do que pensava Hegel, não gera o mundo
material. Mas nem por isso ele deixa de ser menos real. Essa abstração é real na medida
em que representa uma força negativa e repressiva que submete e subjuga o real.
12
MARX, apud. FAUSTO, Ruy. Marx: lógica e política, tomo I. São Paulo: Brasiliense, 1987. pp. 101,
102. Portanto, se a teoria que busca dar conta dessa realidade, como é o caso da teoria de Marx, possui
algo de místico, de metafísico, isso se deve ao próprio misticismo da realidade capitalista, e não a um
suposto “defeito” da teoria.
13
“A existência de uma consciência metafísica sobreposta aos humanos – observa Hans-Jürgen Khral – é
uma aparência, mas uma aparência real: o capital. O capital é a existente fenomenologia do espírito, é a
metafísica real. O capital é uma aparência, porque não tem uma real estrutura de coisa, e no entanto
domina aos homens. [...] A consciência metafísica que oprime a nossa individualidade é o capital, o valor
de troca que constitui apenas uma abstração. Hegel é o pensador metafísico do capital, é o primeiro cujo
ponto de vista coincide com a lógica do capital. Sua filosofia é o disfarce idealista e metafísico da forma
da produção”. KRAHL, Hans-Jürgen. Contribuiçión al Curso sobre Crítica de la Economia Política.
Disponível em: http://antivalor2.vilabol.uol.com.br
20
1. 2. A abstração real
14
MARX, Karl. O Capital, vol I, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 72.
21
trabalho pode transformar a matéria-prima e lhe dar uma forma útil. E, em segundo
lugar, porque não existe qualquer trabalho abstrato “contido” nos corpos das
mercadorias. O trabalho “contido” é uma contradição. Ele consiste na coagulação de um
processo que já deixou de existir quando o produto ficou pronto.15 Portanto, trata-se de
nada mais nada menos do que uma “projeção” do pensamento sobre coisas concretas e
sensíveis. 16 E é por isso que as mercadorias são “coisas fisicamente metafísicas”: são
coisas sobre as quais se projetam produtos fantásticos do cérebro humano.
Marx chama de fetichista a “representação” do valor da mercadoria. O valor da
mercadoria é um fetiche porque os indivíduos atribuem às coisas algo que só tem
existência em suas mentes. Portanto, na sociedade capitalista, os humanos mediam suas
relações sociais e suas relações com a natureza por meio de algo que não é mais do que
uma ficção. Mas uma “ficção existente”. “Uma ficção que, como falsa consciência, tem
um poder real sobre os homens”. 17 E é por isso que não se pode entender a forma de
consciência como um mero fenômeno superestrutural. Ela é antes algo que pertence à
própria estrutura econômica da sociedade. 18 As formas de consciência são objetivas.
Mas são objetivas porque “são formas de pensamento socialmente válidas e, portanto,
15
“No processo de trabalho a atividade do homem efetua, portanto, mediante o meio de trabalho, uma
transformação do objeto de trabalho, pretendida desde o princípio. O processo extingue-se no produto.
Seu produto é um valor de uso; uma matéria natural adaptada às necessidades humanas mediante
transformação da forma. O trabalho se uniu com seu objetivo. O trabalho está objetivado e o objeto
trabalhado. O que do lado do trabalhador aparecia na forma de mobilidade aparece agora como
propriedade imóvel na forma do ser, do lado do produto. Ele fiou e o produto é um fio”. MARX, Karl. O
Capital, vol I, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 151.
16
“Para fixar a tela como pura expressão coisificada do trabalho humano, é preciso fazer abstração de
tudo aquilo que faz dela realmente uma coisa. A objetividade do trabalho humano, que é ele próprio
abstrato [...] é necessariamente uma objetividade abstrata, uma coisa do pensamento. É assim que o tecido
do linho se torna uma fantasmagoria. Mas as mercadorias são coisas. O que elas são, elas devem ser à
maneira das coisas, ou mostrá-las nas suas próprias relações de coisas”. Marx. apud. FAUSTO, Ruy.
Marx: lógica e política, tomo I, São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 159. “A igualdade de trabalhos toto coelo
[totalmente] diferentes só pode consistir numa abstração de sua verdadeira desigualdade, na redução ao
caráter comum que eles possuem como dispêndio de força de trabalho do homem, como trabalho humano
abstrato. O cérebro dos produtores privados apenas reflete esse duplo caráter social de seus trabalhos
privados sob aquelas formas que aparecem na circulação prática, na troca dos produtos – o caráter
socialmente útil de seus trabalhos privados, portanto, sob aquela forma que o produto de trabalho tem de
ser útil, isto é, útil aos outros – o caráter social da igualdade dos trabalhos de diferentes espécies sob a
forma do caráter do valor comum a essas coisas materialmente diferentes, os produtos de trabalho”.
MARX, Karl. O Capital, vol I, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p.72.
17
KRAHL, Hans-Jürgen. Contribuiçión al Curso sobre Crítica de la Economia Política. Disponível em:
http://antivalor2.vilabol.uol.com.br
18
Conforme observa Hans-Jürgen Khral: “Se as abstrações devem conquistar uma realidade (e uma
realidade a tem) então Marx deveria chegar à conclusão de que as abstrações, os conceitos e a consciência
são determinações da base”. KRAHL, Hans-Jürgen. Contribuçión al Curso sobre Crítica de la Economia
Política. Disponível em: http://antivalor2.vilabol.uol.com.br
22
19
MARX, Karl. O Capital, vol I, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 73.
20
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 9.
21
MARX, Karl. O Capital, vol I, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983.. p. 76.
23
1. 3. O fim em si do capital
22
SOHN-RETHEL, Alfred. Trabalho espiritual e corporal: para a epistemologia da história ocidental.
Disponível em: http://antivalor2.vilabol.uol.com.br
24
23
MARX, Karl. O Capital, vol I, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 130.
24
“Não é a realidade biológica da universalidade do trabalho que constitui o trabalho abstrato, mas a
posição dessa realidade, e a posição não é mais biológica. A generalidade em sentido fisiológico [...] não
constitui o trabalho abstrato: ela é apenas a realidade natural pressuposta à (posição) deste. A realidade
social faz com que valha o que era apenas uma realidade natural”. FAUSTO, Ruy. Marx: lógica e
política, tomo I. São Paulo: Brasiliense, 1987. pp. 91, 92.
25
2. CRISE DO CAPITALISMO
2. 1. Contradição em processo
25
“O processo ilimitado de acúmulo de capital necessita de uma estrutura política de „poder tão ilimitado‟
que possa proteger a propriedade crescente, tornando-a ainda mais poderosa”. ARENT, Hannah. Origens
do totalistarismo: anti-semitismo, imperialismo, totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p.
172.
27
2. 2. Tecnologia e trabalho
Trabalho não é idêntico à atividade produtiva humana. Ele é apenas uma forma
muito específica de execução dessa atividade. Uma das características mais marcantes
dessa forma de atividade reside no fato de ela ser uma “abstração real”. Isto é: trata-se
26
MARX, Karl. Fondements de la critique de l’economie politique, vol II. Paris: Éditions Anthropos,
1968. p. 222.
27
Id. Ibid. pp. 222, 223.
28
28
TRENKLE, Norbert. O que é o valor? A que se deve a crise? Disponível em:
http://antivalor2.vilabol.uol.com.br
29
29
FAUSTO, Ruy. Marx: lógica e política, tomo III. São Paulo: Ed. 34, 2002.
30
“A natureza geral do processo do trabalho não se altera, naturalmente, por executá-lo o trabalhador para
o capitalista, em vez de para si mesmo. Mas também o modo específico de fazer botas ou de fiar não pode
alterar-se de início pela intromissão do capitalista. Ele tem de tomar a força de trabalho, de início, como a
encontra no mercado e, portanto, também seu trabalho da maneira como se originou em um período em
que ainda não havia capitalistas. A transformação do próprio modo de produção mediante a subordinação
do trabalho ao capital só pode ocorrer mais tarde e deve por isso ser considerado somente mais adiante”.
MARX, Karl. O Capital, vol I, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 154.
31
“[A manufatura] aleija o trabalhador convertendo-o numa anomalia, ao fomentar artificialmente sua
habilidade no pormenor mediante a repressão de um mundo de impulsos e capacidades produtivas, assim
como nos Estados de La Plata abate-se um animal inteiro apenas para tirar-lhe a pele ou o sebo. Os
trabalhadores parciais específicos são não só distribuídos entre os diversos indivíduos, mas o próprio
indivíduo é dividido e transformado no motor automático de um trabalho parcial, tornando assim a fábula
insossa de Menenius Agrippa, segunda a qual um ser humano é representado como mero fragmento de
seu próprio corpo, realidade”. Id. Ibid. p. 238.
30
32
“A posição da forma na matéria é a via do desenvolvimento do sistema, mas esse caminho do
desenvolvimento é também o da corrupção dele. A posição da forma, que assinala a passagem do
capitalismo em geral ao capitalismo em sentido específico [...] é porém ao mesmo tempo, e de imediato, o
ponto de partida da crise do sistema. É como se ele só pudesse funcionar sem crise, se se mantivesse em
descompasso entre forma e matéria, mas enquanto isto ocorre o sistema encontra certos limites. Porém a
matéria enquanto ela é congruente com a forma [...], é a longo prazo incompatível com a forma, se se
pode dizer, precisamente por ser congruente com ela. Se a revolução técnica permite reduzir o valor da
força de trabalho e com isto aumentar a taxa de mais-valia – sempre seguindo a interpretação clássica –,
ela provoca o aumento da composição orgânica do capital, o que determina um movimento tendencial de
redução da taxa de lucro. A matéria sobre a qual a forma se imprime e que é congruente com esta está
assim, e não só a partir de um certo ponto mas imediatamente, embora a contradição não ultrapasse certos
limites, em contradição com a forma. O sistema se „corrompe‟ pela contradição entre matéria e forma”.
FAUSTO, Ruy. Marx: lógica e política, tomo II. São Paulo: Brasiliense, 1987. pp. 64, 65.
33
“Toda produção capitalista, à medida que ela não é apenas processo de trabalho, mas ao mesmo tempo
processo de valorização do capital, tem em comum o fato de que não é apenas o trabalhador quem usa as
condições de trabalho, mas, que, pelo contrário, são as condições de trabalho que usam o trabalhador: só,
porém, com a maquinaria é que essa inversão ganha realidade tecnicamente palpável. Mediante sua
transformação em autômato, o próprio meio de trabalho se confronta, durante o processo de trabalho, com
o trabalhador como capital, como trabalho morto que domina e suga a força de trabalho viva”. MARX,
Karl. O capital, vol. I, tomo 2. São Paulo: Abril Cultural, 1984. pp. 43, 44.
31
34
“Até a grande indústria, o mediador, o termo médio é o trabalhador; os extremos são o trabalhador
(mais precisamente – para o caso da manufatura – o trabalhador global) e a matéria-prima. Na grande
indústria, o mediador, o termo médio é o trabalhador, os extremos são o sistema mecânico e a matéria-
prima”. FAUSTO, Ruy. Marx: lógica e política, tomo III. São Paulo: Ed. 34, 2002. p. 119.
35
“Enquanto o trabalho em máquinas agride o sistema nervoso ao máximo, ele reprime o jogo polivalente
dos músculos, confisca toda a livre atividade corpórea e espiritual. Mesmo a facilitação do trabalho torna-
se um meio de tortura, já que a máquina não livra o trabalhador do trabalho, mas seu trabalho de
conteúdo”. MARX, Karl. O capital, vol. I, tomo 2. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 43.
36
“O trabalhador não insere mais, como intermediário entre o material e ele, o objeto natural
transformado em instrumento; ele insere o processo natural, que ele transforma em processo industrial,
como intermediário, entre ele e toda a natureza, da qual se tornou senhor. Mas ele próprio encontra-se
colocado ao lado do processo de produção, ao invés de ser seu agente principal”. MARX, Karl.
Fondements de la critique de l’économie politique, vol II. Paris; Éditions Anthropos, 1968. p. 212.
32
capitalismo ainda subsiste – a negação dos “silogismos”.37 Esta nova base material
levou a contradição que principiou a surgir com o advento da grande indústria ao
paroxismo. Por “excesso de adequação”, o capitalismo criou uma base tecnológica que
empurra o sistema inteiro para uma situação de auto-ruptura interna, pois suprime o
fundamento sobre o qual se apóia: o trabalho.
37
“Se a grande indústria aparece como a negação do processo de trabalho, a pós-grande indústria seria a
segunda negação do processo de trabalho, e na realidade a negação da negação. Mas se a grande indústria
representa a posição (material) adequada ao capital no processo produtivo, poder-se-ia dizer também que
a pós-grande indústria representa a segunda posição material. [...] Assim, a pós-grande indústria é ao
mesmo tempo a segunda negação do trabalho como princípio do processo produtivo, e a segunda posição
do capital no processo de produção. [...] O homem não é mais o sujeito do processo de produção, ou
antes, a segunda negação faz com que se rompa a estrutura do processo de produção como processo de
trabalho. O homem é de certo modo „posto para fora”, liberado do processo, mas é assim mesmo que ele
passa a dominar todo o processo. Desse modo, esse terceiro „silogismo‟ é ao mesmo tempo – do ponto de
vista material, não formal, porque na situação considerada o capitalismo subsiste – a negação dos
„silogismos‟”. FAUSTO, Ruy. Marx: lógica e política, tomo III. São Paulo: Ed. 34, 2002. pp. 129, 131.
38
MARX, Karl. Fondements de la critique de l’économie politique, vol II. Paris; Éditions Anthropos,
1968. pp. 221, 222.
39
“O desenvolvimento do capital fixo indica o grau em que o conhecimento social geral, o saber, se torna
uma força produtiva imediata, e, por conseguinte, até que ponto as condições do processo vital da
sociedade estão submetidas ao controle do general intellect e estão remodeladas conforme o mesmo; até
que ponto as forças produtivas sociais não são somente produtos sob a forma do saber, mas ainda como
órgãos imediatos da práxis social, do processo vital real”. Id. Ibid. p. 223.
33
40
Id. Ibid. p. 222.
41
GORZ, André. O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo: Annablume: São Paulo, 2005. p.
37.
42
BENSAÏD, Daniel. Marx, o intempestivo: grandezas e misérias de uma aventura crítica. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. pp. 494, 495.
43
PRADO, Eleutério. Desmedida do valor: crítica da pós-grande indústria. São Paulo: Xamã: 2005.
44
GORZ, André. O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo: Annablume: São Paulo, 2005. p.
37.
45
MARX, Karl. Fondements de la critique de l’économie politique, vol II. Paris; Éditions Anthropos,
1968. p. 222.
34
2. 3. A revolução microeletrônica
46
Nesse instante, a valorização já não mais ocorre no tempo de trabalho posto no processo de produção.
No entanto, quando a “valorização” se liberta do tempo de trabalho, ela própria deixa de ser valorização.
“Temos assim, observa Ruy Fausto, um „poder‟ que escapa do tempo como medida. O „valor‟ passa a ser
qualitativo, e nesse sentido a „riqueza efetiva‟ não é mais valor (trabalho abstrato cristalizado, medido
pelo tempo), mas „valor negado‟”. FAUSTO, Ruy. Marx: lógica e política, tomo III. São Paulo: Ed. 34,
2002. p. 130.
47
Mas isso não quer dizer que os humanos não mais participem do processo de produção. É apenas a sua
intervenção imediata que é reduzida. Mas ela continua sendo imprescindível de um modo mediato e
indireto: na produção dos conhecimentos e da tecnologia e, também, em escala cada vez menor, na
supervisão das máquinas.
48
O criador da palavra robô foi o escritor tcheco Karel Capek. Nessa língua, a palavra robota significa
trabalhador que exerce um serviço de forma compulsória. Quanto traduzida para o inglês, o termo virou
robot. Uma definição supostamente “oficial” do termo robô foi estabelecida pela Associação das
Indústrias da Robótica (RIA): um robô industrial é um manipulador reprogramável, multifuncional,
projetado para mover materiais, peças, ferramentas ou dispositivos especiais em movimentos variáveis
programados para a realização de uma variedade de tarefas. Mas essa definição corresponde apenas a uma
classe específica de robôs: os robôs manipuladores. Há outros tipos de robôs, capazes de realizar outros
tipos de tarefas: exploração, solda, controle de temperatura etc. que não se enquadram na referida
definição. Por isso é mais adequado definir o robô com um conceito mais amplo. Simplesmente como
uma máquina automática programável. PAZOS, Fernando. Automação de sistemas & robótica. Rio de
Janeiro: Axcel Books, 2002.
35
49
ARISTÓTELES. Política. Vega: Lisboa, 1988. p. 59. Citado por DE MASI em Desenvolvimento sem
trabalho. São Paulo: Editora Esfera, 1999. p. 14.
36
incapaz de ser generalizado pelo sistema. Indica antes uma tendência que deve
prevalecer cada vez mais no curso do desenvolvimento do capitalismo. 50
A substituição de trabalhadores por robôs é uma tendência que está inscrita na
própria lógica da racionalidade capitalista. Segundo Paul Kennedy, “As vantagens
econômicas do emprego de robôs industriais são hoje esmagadoras, pois o custo de um
robô diminui acentuadamente, e o tempo necessário do investimento diminui de modo
correspondente”.51 Portanto, não se trata de um fenômeno típico do Primeiro Mundo.
Também no Terceiro Mundo às máquinas passam a substituir os trabalhadores.
“Empresas globais estão começando a construir fábricas sofisticadas e instalações de
última tecnologia nos países do hemisfério sul”. 52 Algumas fábricas semelhantes às
fábricas japonesas estão sendo instaladas no Brasil e no México. Eric Hobsbawm
assinala que mais cedo ou mais tarde mesmo o mais barato ser humano tende a se tornar
mais caro do que uma máquina capaz de fazer o seu trabalho. “Quanto mais alta a
tecnologia, mais caro o componente humano de produção comparado com o
mecânico”.53 O “desemprego tecnológico” – “o desemprego resultante da descoberta de
instrumentos que economizam mão-de-obra caminha mais rapidamente do que nossa
capacidade de encontrar novos empregos para a mesma mão-de-obra” –, anunciado por
Keynes nos anos de 1930, tornou-se uma realidade cada vez mais visível nas últimas
décadas do século XX.54 Essa nova “doença” do capitalismo não cessou de se agravar.
Desde o seu surgimento o capitalismo mergulhou em suas Décadas de Crise. Estamos
chafurdando nesse lodaçal. E não há meios de sair dele enquanto perdurar o capitalismo
– com exceção talvez de uma imensa destruição das forças produtivas: uma Terceira
Guerra Mundial?!
50
Ricardo Antunes observa que: “Supor a generalização dessa tendência sob o capitalismo
contemporâneo – nele incluído o enorme contingente de trabalhadores do Terceiro Mundo – seria um
enorme despropósito e acarretaria como conseqüência inevitável a própria destruição da economia de
mercado, pela incapacidade de integralização do processo de acumulação de capital. Não sendo nem
consumidores, nem assalariados, os robôs não poderiam participar do mercado. A simples sobrevivência
da economia capitalista estaria, desse modo, comprometida”. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?
São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 2000.p.59. Mas não é
isso mesmo o capitalismo: uma “contradição em processo”? Benedito de Moraes Neto critica esse “desvio
de olhar” de Ricardo Antunes. Não tem sentido dizer que o capitalismo não pode prescindir do trabalho
vivo “porque isso não lhe faria bem”, como se tratasse de “uma coisa atávica”. MORAES NETO,
Benedito. Século XX e trabalho industrial. São Paulo: Xamã, 2003. p.122.
51
KENNEDY, Paul. Preparando para o século XXI. Rio de Janeiro: Campus, 1993. p. 85.
52
RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos: O declínio Inevitável dos níveis dos empregos e a redução da
força global de trabalho. São Paulo: Makron Books, 1995. p. 226.
53
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das
Letras, 1994. p. 404.
54
KEYNES, John Maynard. Perspectivas econômicas para os nossos netos. In: DE MASI, Domenico.
Desenvolvimento sem trabalho. São Paulo: Editora Esfera, 1999. p. 95.
37
55
“Recordemos que a máquina automática, qualquer que seja nosso pensamento acerca dos sentimentos
que possa ou não ter, é o exato equivalente econômico do trabalho escravo. Qualquer mão-de-obra que
concorra com o trabalho escravo deve aceitar-lhe as condições econômicas. Está claro que isso suscitará
uma situação de desemprego, comparada a qual a atual recessão, e mesmo a depressão de trinta, parecerá
uma brincadeira”. WIENER, Norbert. Cibernética e sociedade: o uso humano dos seres humanos. São
Paulo: Cultrix, 1954. p. 159.
56
JAPPE, Anselm. As aventuras da mercadoria. Lisboa: Antígona, 2006. p. 142.
38
também cria enormes dificuldades para se gerar trabalho por meio dos gastos estatais. O
economista Carlos Lessa assinala que, no patamar tecnológico atual, são necessários
investimentos na ordem de 250 mil dólares para gerar um posto de trabalho de operário.
Se multiplicarmos os cerca de 5 milhões de desempregados das seis principais regiões
metropolitanas brasileiras por esse valor atingiremos a cifra astronômica de cerca de 1,5
trilhão de dólares: um valor equivalente ao PIB atual do Brasil 57 - que é de cerca de 1,48
trilhão de dólares58. Portanto, o volume necessário para a criação de uma sociedade de
pleno emprego no Brasil é exorbitante. E isso porque se está considerando um posto de
trabalho operário. Qualquer outro tipo de trabalho mais qualificado exige um volume
muito maior de recursos. E o que vale para o Brasil vale para o restante dos países. Uma
sociedade do pleno emprego já não é mais viável em qualquer parte do planeta.
Depois de décadas sendo “contestada” pelo boom econômico das Décadas de
Ouro do capitalismo, voltou à cena a “lei geral da acumulação capitalista” – em
particular a tese da expulsão progressiva dos trabalhadores da produção e o
empobrecimento das massas.
57
LESSA, Carlos. Entrevista. In Jornal dos Engenheiros, abril de 2006. Mesmo o volume total de
recursos mobilizados pelo PAC em 4 anos - cerca de 500 bilhões de reais (contando as estimativas de
investimento privado também) - é insuficiente. O cálculo burguês do pleno emprego deve ser
problematizado. A validade da equiparação keynesiana entre investimento e emprego naufragou. Mesmo
os maiores investimentos não geram emprego ou geram muito pouco em relação ao volume despendido.
Na maior parte das vezes geram mais “racionalização” do que propriamente “expansão” dos empregos.
58
Dado fornecido pelo Fundo Monetário Internacional. World Economic Outlook Database, October
2009.
59
MARX, Karl. O Capital, vol 1, tomo 2. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 209.
39
60
O “excesso de civilização” decorre das contradições inerentes do capitalismo. Nessa forma social, o
desenvolvimento das forças produtivas tende a se tornar incompatível com os limites estreitos da forma
social. Assim, a perpetuação da forma social em questão requer a destruição, de tempos em tempos, de
parte de suas forças produtivas – o que inclui os próprios seres humanos. Para Marildo Menegat, “Essa
face bárbara do capitalismo não é mais do que um elemento necessário para a sua continuidade e,
diferentemente dos períodos anteriores, é a primeira vez que a destruição das forças produtivas faz parte
do próprio modo de produção – o que demonstra por si só a irracionalidade dessa estrutura social. A
valorização do capital, como forma abstrata da sociabilidade, torna-se cada vez mais, pela necessidade da
sua realização, uma forma irracional de associação, logo, do ponto de vista do conjunto da humanidade, e
não apenas do capital, bárbara”. No entanto, a mera destruição das forças produtivas não é o único modo
por meio do qual o capitalismo lida com o seu “excesso de civilização”. Desde a crise de 1929, tem
havido um esforço de evitar a intensidade destrutiva concentrada das crises. Essa destruição foi então
distribuída em doses menos visíveis e intermitentes, espalhadas pelo cotidiano, em inúmeras formas de
violência. Uma destruição que se apresenta tanto sob a forma da danificação dos seres humanos pela
Indústria Cultural – e que não é pouca coisa – e pelas várias outras formas de manifestações, como pelo
robustecimento do sistema punitivo, “cuja função é „ordenar‟ o caos resultante da continuidade dessa
forma de sociedade em decomposição”. MENEGAT, Marildo. O olho da barbárie. São Paulo: Expressão
Popular, 2006. pp. 31-34.
40
61
LOHOFF, Ernst. Fughe in avanti: crisi e sviluppo del capitale. http://www.krisis.org/lohoff_fughe-in-
avanti.html
62
Mais- valia absoluta é aquela que é produzida pelo prolongamento do dia de trabalho. Mais-valia
relativa é aquela que decorre da contração do tempo de trabalho necessário e da correspondente alteração
na relação quantitativa entre ambas as partes componentes da jornada de trabalho, ou seja, o tempo de
trabalho necessário e o tempo de trabalho excedente.
63
“Aqui chegamos ao limite interior absoluto do modo de produção capitalista. Tal limite não reside na
penetração capitalista completa no mercado mundial (isto é, na eliminação das esferas não capitalistas de
produção) – como acreditava Rosa Luxemburg – nem na impossibilidade definitiva de valorizar o capital
total acumulado, mesmo com um volume crescente de mais-valia, como julgava Henryk Grossmann.
Prende-se ao fato de que a própria massa de mais-valia diminui necessariamente em resultado da
eliminação do trabalho vivo do processo de produção, no decorrer do estágio final de mecanização-
automação”. MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio. São Paulo, Abril Cultural, 1982. pp. 145, 146.
41
3. 1. Capital fictício
64
“Com o desenvolvimento do comércio e do modo de produção capitalista, que somente produz com
vista à circulação, essa base naturalmente desenvolvida do crédito é ampliada, generalizada e
aperfeiçoada. O dinheiro funciona aqui, em geral, apenas como meio de pagamento, isto é, a mercadoria é
vendida não contra dinheiro, mas contra uma promessa escrita de pagamento em determinado prazo. Para
maior brevidade, podemos reunir todas essas promessas de pagamento na categoria geral de letras de
câmbio. Até o dia do vencimento e pagamento, essas letras de câmbio circulam por sua vez como meio de
pagamento; e elas constituem o dinheiro comercial propriamente dito. À medida que, por fim, elas se
anulam mutuamente por compensação entre crédito e débito, funcionam absolutamente como dinheiro.
Assim como esses adiantamentos recíprocos dos produtores e comerciantes entre si constituem a base
propriamente dita do crédito, seu instrumento de circulação, a letra de câmbio, forma a base do dinheiro
de crédito propriamente dito, das notas de banco etc. Estes baseiam-se não na circulação monetária, seja
de dinheiro metálico, seja de papel-moeda do Estado, mas na circulação de letras de câmbio”. MARX,
Karl. O capital, vol. III, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 301.
43
crescer por si só, sem a mediação de um processo produtivo no qual fosse consumido
trabalho. O juro monetário, em que na aparência se passa diretamente do dinheiro a uma
quantidade superior de dinheiro (D-D‟, sem a mediação de M, da mercadoria), aparece à
consciência comum como a verdadeira forma de lucro. É o momento em que “a relação-
capital atinge sua forma mais alienada e mais fetichista”. 65 No entanto, dinheiro “bom”
é aquele que resulta de um processo bem sucedido de valorização do valor operada pelo
trabalho. O dinheiro que se baseia exclusivamente na confiança – cuja forma principal é
o crédito – tende a se desvalorizar.
Durante muito tempo o dinheiro guardava lastro com a substância trabalho. No
entanto, a abolição do padrão ouro em 1971 – que ocorreu como conseqüência do fato
de que o volume de créditos em circulação ultrapassarem imensamente a quantidade de
ouro existente – desarticulou o último dispositivo de segurança do sistema. A partir
desse momento tornou-se possível uma multiplicação sem precedentes de dinheiro sem
lastro em trabalho morto.
Marx apresenta o conceito de capital fictício no terceiro livro de O Capital para
designar o capital que se baseia exclusivamente na especulação e na expectativa de
ganhos futuros.66 Entretanto, no tempo em que Marx desenvolveu esse conceito, o
capital fictício era apenas um epifenômeno que acompanhava as crises econômicas
reais. Precisou passar algumas décadas para que o capital fictício ganhasse impulso e se
tornasse num dos principais motores da economia. Atualmente, o capital especulativo,
fictício e global atingiu cifras astronômicas, de muitos trilhões de dólares, superando o
PIB das maiores economias do planeta. E uma vez atingido tal patamar, o processo de
transformação de dinheiro em mais dinheiro só pode alimentar-se de si mesmo. Não há,
portanto, qualquer possibilidade de o excedente extraído do trabalho humano oferecer o
montante de riqueza necessária para que esse gigante possa se reproduzir. Desde então,
observa Lauro Campos, “o trabalho humano se tornou desprezível, a atividade humana
real não é capaz de se ligar ao mundo imaginário, fantástico, irreal, para sustentá-lo. [...]
só a entrada de mais dinheiro fictício é capaz de alimentar e reproduzir a ficção”.67 De
que modo essa riqueza pode ser gerada? Pela criação de dinheiro pelo Estado, através da
impressão de papel moeda, ou pelos outros atores econômicos, sob a forma de ações,
obrigações, empréstimos etc.
65
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política, vol. III, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
p. 293.
66
Cf. MARX, Karl. O capital, vol. III, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
67
CAMPOS, Lauro. Crise Completa: a economia política do não. São Paulo: Boitempo, 2001. p. 319.
44
68
LOHOFF, Ernest. Fughe in avanti: crisi e sviluppo del capitale. Disponível em
http://www.krisis.org/lohoff_fughe-in-avanti.html
69
“Do ponto de vista da economia de mercado, capitalista, real, a dívida pública na verdade é um
paradoxo. Pois a única fonte de recursos real que o Estado possui, do ponto de vista sistêmico, são os
impostos. Ele precisa, assim, tributar os lucros reais de mercado ou rendimentos do trabalho. Mas as
obrigações estatais como infra-estrutura, setores sociais, ou mesmo armamentos, faz tempo que
alcançaram uma dimensão que não pode mais ser coberta só com os impostos. [...] Esse processo iniciou-
se com o fim da 1ª Guerra, teve continuidade com o keynesianismo e transbordou finalmente na década
de 80. Existem, de fato, contra-campanhas monetárias, mas é fácil constatar em países como a Grã-
Bretanha ou os EUA, que tentam reduzir a dívida pública, que isso não funciona. Não precisariam apenas
paralisar apenas a maior parte da indústria de armamento, os serviços do estado social e a infra-estrutura,
mas muito mais, pois de 40 a 50% da população em todos os Estados modernos já dependem direta ou
indiretamente da dívida pública”. KURZ, Robert. Com todo vapor ao colapso. In: Com todo valor ao
colapso. Juiz de Fora, MG: Editora UFJF-PAZULIN, 2004. pp. 36, 37.
45
umas dez vezes, alcançando a marca de cinco trilhões de dólares. E em pouco menos de
uma década é superior a dez trilhões de dólares.70
A dívida pública das principais economias capitalistas é de mais de 25 trilhões
de dólares – 14 vezes mais do que a soma da dívida externa pública dos 165 países ditos
em desenvolvimento. Trata-se de uma espécie de bomba relógio preparada para explodir
mais cedo ou mais tarde. Esse mecanismo explosivo fica bastante visível quando
estabelece a comparação entre o crescimento da dívida pública e o tamanho do produto
interno bruto (PIB) do país. Projeções recente feitas pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI) em Perspectivas da Economia Mundial (de abril de 2009) não
deixam dúvida acerca do problema da dívida no centro do capitalismo mundial. Prevê-
se que, entre 2007 e 2010, a dívida pública bruta, como percentagem do PIB, salte de
63% para 97% nos EUA; de 64% para 87%, na Alemanha; de 64% para 80%, na
França; de 44% para 73%, no Reino Unido; de 188% para 277%, no Japão. Projeções
para um período mais longo apontam para um ciclo de endividamento persistente: a
dívida pública em 2014 atingiria 107% nos EUA; 91% na Alemanha; 90% na França;
88% no Reino Unido e 234% no Japão.71 Enquanto o crescimento da dívida era
acompanhado por um forte crescimento econômico, o problema da dívida não se
revelava tão grande. No entanto, a coisa mudou de figura logo que a dívida pública
passou a crescer muito mais rapidamente que a economia.
Todo esse dinheiro sem lastro deveria redundar numa tremenda hiperinflação.
No entanto, tal coisa não ocorre porque esse dinheiro permanece “resguardado” nas
estruturas financeiras. Entretanto, logo que se passe a exigir o pagamento real das
dívidas, a “bolha” arrebentará e provocará falências em cadeia. O estouro da bolha
provocará um impacto muito mais devastador do que a crise de 1929. Ela revelará o fato
de que a acumulação de capital havia praticamente cessado e a economia real tinha se
70
Em 1940, a dívida pública dos Estados Unidos – na casa dos 50 bilhões de dólares – correspondia a
53% de seu PIB. Em 1945 – por conta dos gastos militares na Segunda Guerra Mundial – a dívida pública
atingiu a cifra de cerca de 260 bilhões de dólares, passando a quase 120% do PIB. Durante várias décadas
o crescente aumento da dívida foi acompanhado por uma redução da proporção entre o montante da
dívida pública e o PIB: 96,9 % em 1950, 58% em 1960, 39,5% em 1970, 35,4% em 1980. Statitical
Abstract of The United States, 1981. p. 245. In: CAMPOS, Lauro. Crise Completa: a economia política
do não. São Paulo: Boitempo, 2001. p. 285. No entanto, nas últimas décadas, devido ao vertiginoso
aumento da dívida pública, esse movimento se inverteu, transformando-o num grave problema para
economia mundial.
71
WERNECK, Rogério L. Furquim. Testando os limites da dívida pública. O Estado de São Paulo,
01/05/2009. Disponível em: http://www.eagora.org.br/arquivo/testando-os-limites-da-divida-publica/
46
72
“A derrocada da estrutura financeira efetivar-se-á apenas após um certo período de incubação. Mas terá
conseqüências catastróficas pois ver-se-á então que a acumulação real já terminara há muito. [...] os
movimentos loucos do dinheiro não são a causa, mas sim a conseqüência das perturbações na economia
real. [...] Na realidade, a economia deixará simplesmente de funcionar logo que lhe tenham sido retiradas
as muletas da especulação. Com efeito, depois do arrebentamento da bolha financeira, ver-se-á que era
precisamente ela que durante um certo período escondia o fato de que a acumulação de valor tinha já
atingido o seu limite histórico”. JAPPE, Anselm. As aventuras da mercadoria. Lisboa: Antígona, 2006.
pp. 151, 152. “Não podemos mais imaginar (e ninguém sabe ou seria capaz de calcular isso em valores
exatos) qual é a dimensão que este capital especulativo fictício assumiu desde os anos 80, que hoje é uma
coisa gigantesca. Comparando-se a situação atual com a crise de 29, a crise financeira daquela época e a
desvalorização atual do capital especulativo parecem um pequeno acidente de trânsito. Para fazer uma
comparação mais visual: se essa bolha especulativa de hoje em dia explodir, isso seria, em relação à crise
mundial de 29, como comparar a queda de alguém do qüinquagésimo andar com alguém caindo no andar
térreo”.Com todo vapor ao colapso. In: Com todo valor ao colapso. Juiz de Fora, MG: Editora UFJF-
PAZULIN, 2004. p. 34.
73
Basta lembrar que a dívida mundial - somadas as dívidas dos Estados, das empresas e das famílias –
ultrapassa atualmente a casa dos 60 trilhões de dólares. Só nos EUA, as dívidas passam os 36 trilhões de
dólares. PESCHANSKI, João Alexandre. Dívida, doença crônica das nações. Agência Latinoamericana
de Informação. Disponível em: http://alainet.org/active/10359&lang=es
74
Cf. MENEGAT, Marildo. O olho da barbárie. São Paulo: Expressão Popular, 2006. p. 12.
75
Cf. KURZ, Robert. A origem destrutiva do capitalismo. In: Os últimos combates. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1997.
47
***
76
Cf. MENEGAT, Marildo. Depois do fim do mundo: a crise da modernidade e a barbárie. Rio de
Janeiro: Relume Dumará: FAPERJ, 2003. p. 213.
77
“Os 30 anos subseqüentes à Segunda Guerra Mundial, com o regresso da expansão capitalista ficaram
conhecidos como a Idade de Ouro do capitalismo. Impulsionada primeiramente pela guerra da Coréia em
1950 e depois pelo estabelecimento da Guerra Fria, a retomada da economia de guerra foi um dos fatores
48
cujo exemplo mais sobejo consiste no fato de haver atualmente um arsenal nuclear
capaz de aniquilar a vida na Terra por mais de uma centena de vezes – um absurdo
centuplicado. István Mészáros observa que o complexo militar-industrial rompeu o nó
górdio entre produção e consumo:
81
MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo;
Campinas – SP: Editora UNICAMP, 2002. p. 688.
82
CAMPOS, Lauro. A crise completa: a economia política do não. São Paulo: Boitempo, 2001. p. 284.
51
com os objetivos do capitalismo, pois eles tendem, mais cedo ou mais tarde, a aumentar
o valor da força de trabalho, terminando por comprimir a taxa de lucro – o que, de modo
algum, é desejado pelo sistema.83
É preciso levar em conta também que a melhoria da vida pode contribuir para o
surgimento de modos de pensar e de agir contrários ao status quo. Paul Sweezy e Paul
Baran observam que o militarismo “nutre todas as forças reacionárias e irracionais da
sociedade e inibe ou mata tudo o que seja progressivo e humano. Gera um respeito cego
pelas autoridades, ensinam e fortalecem as atitudes de docilidade e conformista e a
dissidência é considerada antipatriótica e inclusive uma traição”.84 Os gastos militares
não apenas cumprem certas funções econômicas como são também os mais adequados a
uma forma social estruturalmente hierarquizada e essencialmente militarizada. 85
No entanto, ainda que os dispêndios militares tenham contribuído para arrefecer
as explosivas contradições estruturais do capitalismo ao longo de parte do século XX,
nem por isso deve-se vê-lo como uma espécie de deus ex machina capaz de garantir a
perenidade desse sistema.86 Por um lado, tais dispêndios servem para abafar as
contradições estruturais do capitalismo. Mas, por outro, eles contribuem para
potencializar ainda mais as contradições dessa sociedade. E isso fica bem claro em
relação ao próprio desenvolvimento tecnológico. Longe de retardar o desenvolvimento
tecnológico, os dispêndios militares têm contribuído decisivamente para a sua
aceleração.87 O mecanismo mobilizado para livrar o capitalismo de suas contradições
estruturais é o mesmo que impulsiona sobremaneira o desenvolvimento de forças
83
MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio. São Paulo: Abril Cultural, 1982. p. 216.
84
SWEEZY, Paul; BARAN, Paul. El capital monopolista. Madri: Siglo Veintiuno, 1988. p. 167.
“O impulso para a submissão, que é tão real e comum como o impulso para o mando, tem suas raízes no
temor. [...] Sempre que há um perigo sério, o impulso da maioria das pessoas é procurar uma Autoridade
e submeter-se a ela; em tais momentos, poucos sonhariam com uma revolução. Quando deflagra uma
guerra, as pessoas têm sentimentos análogos com respeito ao governo”. RUSSEL, Bertrand. O poder:
uma nova análise social. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957. p. 10.
85
“No seu âmago, o capitalismo não é outra coisa senão a militarização da reprodução social; e não é só
pela referência externa às exigências econômicas da produção de armas de fogo, que caracterizou os seus
primórdios, mas também pela formação quase militar de todo o modo de produção, na forma dos
„exércitos do trabalho‟, na forma da concorrência universal, como uma guerra econômica permanente de
todos contra todos etc. Todos os momentos da reprodução e da vida que não se enquadram nestas formas
são conotadas como o „feminino‟, dissociados, tornados „não oficiais‟, definidos como inferiores e
excluídos. O sujeito da mercadoria é, portanto, „masculino‟ pela sua essência e um sujeito de violência
latente ou manifesta, mesmo que parcialmente abarque mulheres. E nesse sentido a sociedade capitalista
contém o momento da predisposição para a violência até os poros do cotidiano”. KURZ, Robert. Os
fantasmas reais da crise mundial. Capítulo II do livro A Guerra de ordenamento mundial. Disponível em:
http://obeco.planetaclix.pt/
86
MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio. São Paulo: Abril Cultural, 1982. p. 216.
87
Conforma assinala Ernest Mandel: “a produção permanente de armas não se tornou apenas uma das
soluções mais importantes do problema do capital excedente, mas também, e principalmente, constiutiu-
se num poderoso estímulo para a aceleração da inovação tecnológica”. Id. Ibid. p. 212.
52
produtivas que se revelam cada vez mais incompatíveis com a lógica de funcionamento
desse sistema. Portanto, como observa Ernest Mandel,
91
KATZ, Claudio. Tecnologia e economia armamentista. In: COGGIOLA, Osvaldo; KATZ, Cláudio.
Neoliberalismo ou crise do capital? São Paulo: Xamã, 1996. p. 204.
54
***
94
Se a crise afeta negativamente a maior parte das pessoas, para os setores ligados à produção de armas
as expectativas são as melhores possíveis. E não apenas daqueles ligados diretamente às demandas do
Estado. Desde o surgimento da crise econômica e de seu impacto sobre o emprego – cerca de 10,2% em
outubro de 2009 – desembocou num aumento da criminalidade que parece ter contribuído para forte
despontar das vendas das armas de fogo nos Estados Unidos, gerando otimismo nas perspectivas de
médio prazo nesse setor. Cf. La recesión dispara las ventas de armas de fuego en EEUU. Fonte: Europa
Press, 22/10/2009. Disponível em: http://www.europapress.es/economia/macroeconomia-00338/noticia-
economia-recesion-dispara-ventas-armas-fuego-eeuu-20091122163200.html.
95
Sem desconsiderar, evidentemente, o interesse dos Estados Unidos pelo petróleo do Golfo Pérsico.
96
BRENNER, Robert. O boom e a bolha: os Estados Unidos na economia mundial. Rio de Janeiro:
Record, 2003. p. 351.
97
“Esta democracia tão perfeita fabrica seu inconcebível inimigo, o terrorismo. De fato, ela prefere ser
julgada a partir de seus inimigos e não a partir de seus resultados. A história do terrorismo foi escrita
pelo Estado; logo é educativa. As populações espectadoras não podem saber tudo a respeito do terrorismo
mas podem saber o suficiente para ficar convencidos de que, em relação a esse terrorismo, tudo mais deve
56
lhes parecer aceitável, ou, no mínimo, mais racional e mais democrático”. Considerações sobre a
sociedade do espetáculo. In: A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. p. 185.
98
Há alguns livros que contestam a “verdade” oficial sobre o 11 de setembro de 2001. MARCELO,
Csettkey; GIL, Marcelo. Crime de Estado: a verdade sobre 11 de setembro. Rio de Janeiro: Talagarça,
2006. MARTINS, José Antônio. Império do terror: os Estados Unidos, ciclos econômicos e guerras no
início do século XXI. São paulo: Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2005. MEYSSAN,
Thierry. 11 de setembro de 2001: uma terrível farsa. São Paulo: Usina do Livro, 2003. VIDAL, Gore.
Sonhando a guerra: sangue por petróleo e a Junta Cheney-Bush. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003.
CHOSSUDOVSKY, Michel. Guerra e globalização: antes e depois de 11 de setembro de 2001. São
Paulo: Expressão popular, 2004.
99
Conforme dados fornecidos pelo Fundo Monetário Internacional. World Economic Outlook Database,
October 2009.
100
Dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa da Paz Internacional de Estocolmo (Stockholm
International Peace Research Institute – SIPRI). Disponível em: http://www.sipri.org/yearbook. Conforme
dados da ONU, com apenas 13 bilhões de dólares seria possível alcancer à satisfação das necessidades
nutricionais de todas as pessoas do mundo. Cf. Rapport mondial sur le développement humain 1998,
Programme des Nations unies pour le développement (PNUD), New York, septembre 1998. Esse
montante equivale a uma soma inferior a 1% dos orçamento militar mundial. Enquanto um bilhão de
pessoas passam fome – 1/6 da população mundial –, despendem-se somas colossais em guerras e na
preparação de guerras. Este contraste mostra com imensa força toda a irracionalidade e destrutividade de
nossa civilização capitalista em fim de linha.
57
o senado dos Estados Unidos aprovou um novo aumento no orçamento militar para
2010. 626 bilhões de dólares – e mais um montante extra de 400 bilhões de dólares para
custear as guerras no Iraque e o Afeganistão. Portanto: mais de um trilhão de dólares!
Este valor corresponde a aproximadamente de 7% do PIB atual do país e consome quase
a metade do orçamento do governo. Enfim, longe de alterar a escalada militarista do
governo republicano de George W. Bush, ela se acentua ainda mais no governo do
democrata – e agora Prêmio Nobel da Paz 101 – Barack Obama.102
De fato, os Estados Unidos podem ser considerados uma “economia de guerra
permanente”.103 Mas isso não se deve propriamente a uma distorção específica da
economia desse país. Ela decorre muito mais do fato de os Estados Unidos cumprirem o
seu papel como “imperialista global ideal”, isto é, um Estado-nação que desempenha
um papel de Estado mundial. 104 Tal como havia proposto John Maynard Keynes, os
Estados Unidos apenas assumem o seu “heróico” papel na defesa da “civilização”
capitalista. Somente os Estados Unidos – com sua gigantesca capacidade para se
endividar – é capaz de realizar os dispêndios de dinheiro necessários. A força do dólar
garante o funcionamento da máquina de guerra e o funcionamento de grande parte da
produção industrial. Por outro lado, o poderio militar dos Estados Unidos fornece o
lastro para o dólar, viabilizando assim a própria sobrevivência do mercado mundial. 105 É
101
Em nosso mundo realmente orweliano Guerra é Paz!
102
O professor da Universidade do Panamá Marco A. Gandásegui observa: “Esta tendência „suicida‟ não
é nova. Muitos analistas assinalam que é precisamente a economia de guerra norteamericana a que
alimenta a demanda de uma economia capitalista insaciável. Dizem que sem guerra não há crescimento.
Agora o lema mudou: sem guerra não há recuperação econômica. Os ideólogos de Washington insistem
que o armamentismo, as guerras e a destruição massiva são muito saudáveis para um paciente enfermo
como o capitalismo norteamericano. (Quando não havia crise diziam que o armamentismo era a medicina
necessária para não adoecer)”. GANDÁSEGUI, Marco A. A corrida armamentista terrorista dos EUA.
Boletim do Instituto de Estudos Latinoamericano – IELA –UFSC – Florianópolis, 30/10/2009.
103
Cf. MELMAN, Seymour. In the grip of a permanent war economy. Disponível em:
http://globalmakeover.com/?q=node/222
104
KURZ, Robert. Metamorfoses do imperialismo. Capítulo I do livro A Guerra de ordenamento mundial.
Disponível em: http://obeco.planetaclix.pt/
105
“O poder político-militar pode tornar-se potência econômica. Mas, apesar disso, esse poder não está
em posição de afastar duradouramente as leis de funcionamento do capitalismo, mesmo que influencie as
formas de desenvolvimento da história do mercado mundial. Capital mundial precisa de dinheiro mundial
como padrão de medida das relações monetárias. Disso dependem o comércio mundial e o sistema
financeiro global. Como a ligação do dólar ao ouro foi cortada em 1973, passou para o lugar do ouro a
máquina militar sem concorrência dos EUA, com a sua „economia de guerra permanente‟. A função de
poder de garantia global e a ideologia do „porto seguro‟ tornaram-se poder econômico; o dólar-
armamento passou para o lugar do dólar-ouro. É neste constructo que se baseiam a globalização, a
economia das bolhas financeiras e a conjuntura de deficit dos últimos vinte anos. O preço foi um
endividamento externo dos EUA em dimensões astronômicas”. KURZ, Robert. Poder mundial e crise.
Ver também, do mesmo autor, Poder mundial e dinheiro mundial. Disponíveis em:
http://obeco.planetaclix.pt/.
58
Quê fazer com esses seres humano? Parte dela passa a ser assistida por políticas
assistenciais. Estas devem atender apenas algumas das necessidades básicas e garantir
uma miserável subsistência (Bolsa Família, por exemplo). Foi-se a época da expansão
de direitos e de políticas para a maioria. Os benefícios, quando existem, devem ser
pontuais e provisórios. São os mecanismos de gerenciamento da pobreza. O outro, bem
mais sinistro, é o da criminalização da pobreza: o encarceramento e o extermínio dos
pobres. A guerra contra a pobreza transforma-se em guerra contra os pobres.108 O
encarceramento é um dos meios de o capitalismo livrar-se dos seres humanos
redundantes. Ele tira de circulação os seres humanos tornados obsoletos e fornece o
exemplo para os que se encontram do lado de fora. É como se dissesse: há sempre algo
pior para vocês! O encarceramento não está mais ligado à formação da força de
trabalho. Ela tenciona apenas conter e aterrorizar aqueles que se tornaram redundantes.
Não é por acaso que desde a década de 1970 o encarceramento de seres humanos tem
crescido de forma vertiginosa em todo o mundo – sendo os Estados Unidos, esse
representante mor da civilização capitalista, aquele que possui a maior população
carcerária do planeta: mais de dois milhões e duzentos mil prisioneiros. 109 Outro
107
FORRESTER, Viviane. O horror econômico. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista,
1997. pp. 27, 136.
108
“A conjuntura histórica recente tem apontado, não apenas no Brasil, mas como uma tendência
mundial, a efetivação da guerra como um acontecimento cotidiano. Ela tem invadido a vida de milhões de
indivíduos em tempos de paz aparente, destruindo não apenas seus bens materiais mas também
invalidando os laços sociais, a partir de uma descontinuidade na esfera pública em que as classes
estabeleciam pactos de regulação de distribuição da riqueza produzida. As formas de violência, que vão
irrompendo o estado civil, apontam para diferentes elos que não podem ser isolados. Desde a ação da
polícia nos bairros populares da cidade, que invariavelmente resultam em mortes de jovens negros
desempregados – sempre acusados de envolvimento com essa entidade mítica chamada „tráfico‟ –, até os
casos de crime financeiro de grandes empresas, passando pelos desmontes do Estado, todos esses
elementos estão presentes na efetivação da guerra que inviabiliza a democracia e sua radicalização”.
MENEGAT, Marildo. O olho da barbárie. São Paulo: Expressão Popular, 2006. pp. 110, 111.
109
É preciso assinalar que parte dos presídios dos Estados Unidos são privados, com ações vendidas na
bolsa de valores, e são um dos maiores empregadores do país. Ver: WACQUANT, Loïc. As prisões da
miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. Os seres humanos supérfluos tornam-se matéria-prima de uma
atividade improdutiva, alimentada pelos gastos governamentais. Uma “funcionalização” sombria para
aqueles que já não podem mais cumprir o papel de produtor-consumidor na sociedade capitalista.
60
110
Em seu Relatório Lugano, Susan George indica essa passagem de fase do tratamento do capitalismo
para a pobreza. Os pobres passam a ser exterminados pela combinação dos flagelos configurados pelos
cavaleiros do apocalipse: a Conquista, a Guerra, a Fome e a Peste. Vistos dessa perspectiva, os conflitos
regionais, as crises – as epidemias e os desmanches que assolam as economias e sociedades do Terceiro
Mundo – adquirem uma enorme inteligibilidade. GEORGE, Susan. Relatório Lugano: sobre a
manutenção do capitalismo no século XXI. São Paulo: Boitempo, 2002.
111
“Exigida pela aceleração econômica e tecnológica total em curso, a seleção seria um modo de
„processar‟ as categorias sociais e as populações em dois registros. No primeiro, trata-se de neutralizar
aquelas que se excluíram ou foram excluídas do movimento total, seja porque recusavam-no e a ele
resistiam, seja porque se mostraram incapazes de acompanhá-lo, tornando-se então „descartáveis‟, para
usar as palavras do Subcomandante Marcos. No segundo, trata-se de favorecer e estimular aquelas
categorias e populações que podem conferir a máxima eficácia à ordem econômica e tecnocientífica,
segundo os parâmetros da aceleração total. Assim, Auschwitz seria o emblema negativo da seleção,
enquanto a nova eugenia que se constitui como a engenharia genética seria o positivo”. SANTOS,
Laymert Garcia dos. Politizar as novas tecnologias: o impacto sócio-técnico da informação digital e
genética. São Paulo: Ed. 34, 2003. p. 256.
61
112
MARCUSE, Hebert. Contra-revolução e revolta. RJ: Zahar Editores, 1981. pp. 32- 33, 36- 37.
113
Cf. MENEGAT, Marildo. Sem lenço nem aceno de adeus. Revista Praia Vermelha. Nº. 18. Escola de
Serviço Social, UFRJ, Rio de Janeiro, 2008.
62
de Big Brother total: turbinado com os novos engenhos tecnológicos. Uma sociedade
militarizada, baseada na mentira, na desinformação e altamente vigiada.
63
O capital é movido por um impulso cego para a expansão e acumulação. Ele não
pode parar e se dar por satisfeito em momento algum. Qualquer ponto de chegada deve
ser apenas um ponto de partida para um movimento infinito. Sem crescimento, o
capitalismo se desagrega e perece. Portanto, não é possível capitalismo com
crescimento zero. Isto é incompatível com qualquer proposta de “restrição deliberada do
crescimento”.114 Para que tal coisa ocorresse, o capitalismo teria de ser muito diferente
do que ele é. Conforme explica Marx:
Todo limite deve se apresentar ao capital como uma barreira a ser transposta. O
limite do capital encontra-se no momento em que já não mais consegue ultrapassar as
barreiras com que se defronta, isto é, o momento em que a expansão já não é mais
possível. Portanto, do ponto de vista da lógica do capital, o único limite para esse
sistema é o próprio capital. Ele se choca com seu limite no momento em que já não é
mais capaz de realizar a sua reprodução ampliada. 116 Portanto, o capital tem um limite.
E este é dado pela sua própria lógica de funcionamento. “A verdadeira barreira da
114
MEADOWS, Donella; RANDERS, Jorgen; MEADOWS, Dennis. Limites do crescimento. São Paulo:
Perspectiva, 1973.
115
MARX, Karl. Fondements de la critique de l’économie politique, vol II. Paris; Éditions Anthropos,
1964. p. 284.
116
“A verdadeira barreira da produção capitalista é o próprio capital, isto é: que o capital e sua
autovalorização apareçam como ponto de partida e ponto de chegada, como motivo e finalidade da
produção”. MARX, Karl. O capital, vol III, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 180.
64
produção capitalista é o próprio capital”.117 É ele que dá a sua própria medida, o motivo
e a finalidade do processo de produção. Mas isso significaria que não haja qualquer
limite externo para o capital? Não! Esse limite existe. Os limites materiais e ecológicos
são limites para o capitalismo – assim como o são para qualquer outra forma de vida
social. Entretanto, trata-se de um limite que o capital não reconhece como tal.
De que modo poderia o capitalismo sustentar seu crescimento infinito num
mundo que é material e ecologicamente finito? A contradição entre o capitalismo – um
“sistema aberto”, voltado para a acumulação e expansão permanente – e a natureza –
um “sistema fechado”, materialmente limitado – é potencialmente explosiva. Este
limite se manifesta, por exemplo, no esgotamento do petróleo. Logo que a extração do
petróleo começar a declinar – após ter atingido o pico – faltará ao capitalismo um
pressuposto material que lhe é absolutamente essencial. 118 Poderia o capitalismo
continuar sua sanha expansionista sem essa fonte de energia – e também matéria-prima
de muitos produtos e elemento essencial da agricultura moderna? 119 Poderia também
esse sistema sobreviver a um processo de falência ecológica generalizada? O colapso
das possibilidades de vida na Terra em decorrência de guerras, acidentes “tecnológicos”
ou guerra nuclear etc., não inviabilizariam o funcionamento do capitalismo? De fato, é
possível que, durante certo tempo, alguns possam lucrar com alguns fenômenos ligados
ao “aquecimento global”.120 Mas até que ponto? Mesmo depois do fim do mundo?
117
“A verdadeira barreira da produção capitalista é o próprio capital, isto é: que o capital e sua
autovalorização apareçam como ponto de partida e ponto de chegada, como motivo e finalidade da
produção”. MARX, Karl. O capital, vol III, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 180.
118
Já atingimos o pico da extração do petróleo. Doravante, ele tende a declinar. Mauro Porto assinala que:
“Dentre os 182 países soberanos, 112 são produtores de grandes ou pequenas quantidades de petróleo: os
42 principais produtores fornecem mais que 98% do total, sendo os 2% restantes divididos pelos outros
70 países. No conjunto dos produtores, mais de 50 já ultrapassaram o pico e estão com produção
declinante a -2%, -3%, -4% ou mais a cada ano” Haverá muito petróleo sendo extraído até meados de
2045, algo em torno de 27 milhões de barris por dia. “O problema é que uma queda de produção de
ordem de apenas de 2% ao ano, inciada em algum momento em torno de 2010, prosseguirá
indefinidamente, numa perda cumulativa que se agravará cada ano, produzindo um déficit de 9 milhões
de barris por dia em apenas 5 anos e menos 18 milhões de barris por dia em 10 anos, que teriam que se
substituídos, no mesmo ritmo, por barris equivalentes de energia alternativa apenas para atender a uma
demanda catastroficamente estabilizada ano nível de 89 milhões de barris em 2010. Porto, Mauro. O
crepúsculo do petróleo: acabou-se a gasolina, salve-se quem puder! Rio de Janeiro: Brasport, 2006. pp.
32, 41. Portanto, o problema não se iniciará quando o petróleo acabar. Mas quando a extração de petróleo
não mais conseguir acompanhar as crescentes necessidades materiais-econômicas do capitalismo.
119
“Dificilmente se encontra algum ramo de nossa civilização – da geração de eletricidade à manutenção
de bens, à petroquímica, à metalurgia, ao setor de serviços e à produção de comida e de água potável –
que não seja direta ou indiretamente dependente do fornecimento regular de petróleo ou de gás”. Id. Ibid.
p. 26.
120
Eis alguns exemplos de como se pode ganhar dinheiro com as ruínas do planeta: “Na maioria dos
países industrializados acredita-se poder viver bem com o desconforto crescente do aquecimento global.
No entanto, o funil ecológico também favorece a sociedade 20 por 80 que desponta. Por se tornarem raros
e caros os bens naturais, poucos poderão comprá-los. Quem puder dispor deles lucrará adicionalmente.
65
123
Depois de mim, o dilúvio!
67
124
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política, vol III, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
p. 164.
68
125
MENEGAT, Marildo. Depois do fim do mundo: a crise da modernidade e a barbárie. Rio de Janeiro:
Relume Dumará: FAPERJ, 2003. p. 35.
126
KAKU, Michio. Visões do Futuro: como a ciência revolucionará o século XXI. Rio de Janeiro: Rocco,
2001. p. 19.
127
DESCARTES. René. Discurso do método. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os pensadores) p. 63.
128
“Os especialistas que acompanharam a evolução do desenvolvimento tecnocientífico no século XX e o
papel central que este passou a ter na dinâmica do capital, a partir da década de 70, sabem que a
sociedade ocidental contemporânea encontra-se em plena mutação. O domínio alcançou tamanha
extensão e intensidade que hoje a natureza, antes temida, parece vencida, enquanto a própria natureza
humana desponta como último território a ser conquistado. Por sua vez, a sociedade passa por um
processo acelerado de tecnologização – à reordenação e reprogramação do processo de trabalho em todos
os setores, tornada possível pela digitalização crescente dos circuitos de produção, circulação e consumo,
veio associar-se a recombinação da vida, tornada possível pela decifração do código genético e os
avanços da biotecnologia. Tudo se passa então, como se uma nova era estivesse se abrindo, ou, mais do
que isso, como se tudo fosse passível de questionamento; como se até mesmo a evolução natural das
espécies, inclusive a humana, tivesse chegado a seu estado terminal e a história tivesse sido „zerada‟,
tratando-se, agora, de reconstruir o mundo sobre novas bases”. SANTOS, Laymert Garcia dos. Politizar
as novas tecnologias: o impacto sócio-técnico da informação digital e genética. São Paulo: Ed. 34, 2003.
pp. 82, 83.
69
129
POSTONE, Moishe. Tiempo, trabajo y dominación: una reinterpretación de la teoría crítica de Marx.
Madri: Marcial Pons, 2006. p. 489.
130
“Tal é, portanto, o primeiro princípio do qual dependem os céus e o mundo da natureza. E seu curso de
vida é o mais excelente que podemos fruir por curto período de tempo, pois está necessariamente sempre
nesse estado (o que para nós é impossível), uma vez que seu ato é também prazer. [...] Ora, o pensar em si
mesmo ocupa-se com aquilo que é em si mesmo o melhor, e o pensar no mais elevado como aquilo que é
no mais elevado sentido o melhor. E o pensamento pensa a si mesmo através da participação no objeto do
pensamento. [...] Se, então, Deus está sempre naquele bom estado no qual às vezes estamos, isso suscita
nosso maravilhamento, e se num melhor ainda, experimentamos um maravilhamento ainda maior. E Deus
está num estado melhor. Ademais, a vida também pertence a Deus, já que o ato do pensamento é vida, e
Deus é esse ato. E o ato essencial de Deus é a vida maximamente boa e eterna. Afirmamos, portanto, que
a vida e uma contínua existência eterna dizem respeito a Deus, por isso é o que Deus é”. ARISTÓTELES,
Metafísica. Bauru, SP: EDIPRO, 2006. Livro XII, capítulo 7, pp. 304, 305.
70
movem para tornarem-se idênticos a essa Substância. Bertrand Russel comenta esse
aspecto da metafísica de Aristóteles:
***
134
ANDERS, Günther. L’obsolescence de l’homme: sur l’âme à l’époque de la deuxième révolution
industrielle. Paris: Éditions de L‟Enciclopédie des Nuisances-Éditions Ivrea, 2002. p. 212. Esse caráter
religioso não passou despercebido a Marx. É o que se pode notar em uma série de alusões que ele faz a
esse respeito em O capital.
135
Ver: HINKELAMMERT, Franz; ASSMANN, Hugo. A idolatria do mercado: ensaios sobre economia
e teologia. São Paulo: Vozes, 1989.
72
4. 3. O sistema tecnológico
***
136
“a tecnologia capitalista não é indiferente aos objetivos para que foi criada. É uma tecnologia para a
produção de mais-valia, desenvolvida para subordinar o trabalhador, para dele tirar o máximo de
sobretrabalho. E quanto mais aumenta a capacidade de extrair sobretrabalho, maior a capacidade de
matéria transformada. O capital tem uma essência antiecológica”. GONÇALVES, Carlos Walter Porto. A
paixão da terra: ensaios críticos de ecologia e geografia. Rio de Janeiro: Pesquisadores Associados em
Ciências Sociais - SOCII, 1984. p. 37, 38.
73
humanos não tenham buscado criar meios mais eficazes pare realizar determinadas
tarefas. Mas foi apenas no capitalismo que a busca pelo máximo desempenho, pela
eficiência máxima, se tornou um imperativo.
Em última análise, a técnica não é mais do que um meio para atingir
determinado resultado. Ela não é nada mais do que um meio e um conjunto de meios.
Entretanto, tal é a centralidade da técnica – uma forma social cuja concorrência
econômica, política e militar açula os humanos a buscar um desenvolvimento técnico
constante – que essa relação se inverteu inteiramente. Nossa civilização se tornou uma
civilização de meios. Uma civilização em que os meios se tornaram mais importante do
que os próprios fins. Ela se funda na necessidade imperiosa de encontrar os melhores
meios em todos os domínios. É esse “best one way” que é, a rigor, o meio técnico. E é o
acúmulo desses meios que produz uma civilização técnica. 137
Quando se diz tecnologia, pensa-se imediatamente em máquina. Mas a
tecnologia é um sistema que vai além do domínio estrito da máquina. Em realidade, a
máquina é apenas uma pequena parte – ainda que muito importante – do sistema
tecnológico.138 Para que as máquinas – cada vez mais desenvolvidas – possam executar
as suas funções, elas precisam construir todo um entorno que lhes seja adequado. As
máquinas – que é técnica em estado puro – teriam muita dificuldade de operar num
mundo não-técnico. Haveria muitos entraves para o seu funcionamento. Por isso, desde
o surgimento das máquinas, tem se forjado todo um sistema tecnológico: um sistema
visando adequar os seres humanos e a natureza à sociedade industrial. Trata-se de
estender o “princípio de eficiência máxima” das máquinas à totalidade da realidade.
Portanto, todos os seres humanos e a toda a natureza devem ser transformados em partes
integrantes de uma “megamáquina”: uma gigantesca máquina total, em cujo centro
encontra-se a máquina original. 139 E o que implica isso? Em última análise: em
“transformar em máquina tudo o que ainda não o é”.140 Os próprios seres humanos
devem se tornar cada vez mais maquinais – e, no limite, tornarem-se, eles próprios,
137
ELLUL, Jacques. A técnica e o desafio do século. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968. p. 21.
138
“[A] tecnologia é vista como um processo social no qual a técnica propriamente dita (isto é, o aparato
técnico da indústria, transporte, comunicação) não passa de um fator parcial. [...] A tecnologia, como
modo de produção, como totalidade dos instrumentos, dispositivos e invenções que caracterizam a era das
máquinas, é assim, ao mesmo tempo, uma forma de organizar e perpetuar (ou modificar) as relações
sociais, uma manifestação do pensamento e dos padrões de comportamentos dominantes, um instrumento
de controle e dominação”. MARCUSE, Herbert. Algumas implicações sociais da tecnologia moderna. In:
Tecnologia, guerra e fascismo. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999. p. 73.
139
ANDERS, Günther. Nosostros los hijos de Eichmann: carta abierta a Klaus Eichmann. Barcelona:
Paidos, 1988. pp. 29-33.
140
ELLUL, Jacques. A técnica e o desafio do século. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968. p. 3.
74
máquinas. E o que vale para os seres humanos vale também para a natureza. Tudo que é
natural tem de ser transformado numa criação artificial. A natureza – com sua
temporalidade, sua irregularidade, sua imprevisibilidade etc. – é, de certo modo,
inadequada ao princípio de eficiência máxima das máquinas. Conforme assinala Jacques
Ellul:
141
Id. Ibid p. 82.
142
Id. Ibid. p. 93.
143
Id. Ibid. p. 137.
75
144
ANDERS, Günther. L’obsolescence de l’homme: sur l’âme à l’époque de la deuxième révolution
industrielle. Paris: Éditions de L‟Enciclopédie des Nuisances-Éditions Ivrea, 2002. pp. 16, 17.
145
HEGEL, Friedrich. Fenomenologia do Espírito, parte I. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992. p. 31.
146
ALVES, Rubem. Tecnologia e Humanização. Revista Paz e Terra. Rio de janeiro: Paz e Terra, Nº 8,
1968. p. 16.
76
147
ELLUL, Jacques. A técnica e o desafio do século. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968. pp. 83, 85.
148
Id. Ibid. p. 85.
149
Id. Ibid. p. 85.
77
150
“Sempre diante das técnicas, o homem englobado em uma civilização de determinado tipo é ainda
livre de romper com ela e viver seu destino particular. Os constrangimentos, porque não técnicos, não são
de tal ordem, que não os possa descerrar. Assim, em uma civilização ativa, bastante desenvolvida do
ponto de vista técnico, o homem sempre foi capaz de romper esse laço e levar, por exemplo, uma vida
contemplativa e mística. O fato de que as técnicas estejam ao nível do homem permite-lhe repudiá-las ou
dispensá-las. Há uma possibilidade de escolha, não apenas quanto à sua vida interior mas quanto à forma
de sua vida, e ele pode, no entanto, perfeitamente viver; os elementos essenciais de sua vida são
salvaguardados e fornecidos mais ou menos liberalmente por essa própria civilização cujas formas são
rejeitadas. Assim, no Império Romano, idade técnica de muitos pontos de vista, é possível retirar-se, viver
seja como anacoreta, seja como camponês, à margem de toda evolução e a principal força técnica do
Império, o direito romano, permanecerá impotente diante dessa decisão que permite escapar ao serviço
militar e, em ampla margem, ao imposto e às jurisdições imperiais”. ELLUL, Jacques. A técnica e o
desafio do século. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968. pp. 79, 80.
151
Em um mundo unificado, não é possível exilar-se”. DEBORD, Guy. Panegírico. São Paulo: Conrad
Editora do Brasil, 2002. p. 49.
152
É o princípio de combinação das técnicas que provoca o autocrescimento do desenvolvimento técnico.
Segundo Jacques Ellul, esse princípio pode ser formulado em duas leis: 1º Em uma civilização técnica,o
progresso técnico é irreversível; 2º O progresso técnico tende a efetuar-se, não de acordo com uma
progressão aritmética, mas de acordo com uma progressão geométrica”. ELLUL, Jacques. A técnica e o
desafio do século. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968. p. 92.
78
as regras técnicas, ou não utilizá-las, de modo algum; mas é impossível utilizá-las a não
ser de acordo com as regras técnicas”. 153 Isso quer dizer que não é possível outro uso
para as técnicas existentes. Se seus efeitos são negativos e destrutivos, isso se deve à
própria natureza dessas técnicas.154
Seria completo absurdo dizer que uma torta de maça ou uma bomba
termonuclear não é algo bom ou ruim em si mesmo, mas que depende do uso que
façamos de ambos. O próprio objeto encarna a finalidade de seu uso. Por isso, não se
pode julgar o sistema tecnológico em termos do uso que o capitalismo tem feito dele. Se
o capitalismo tem promovido tanta destruição ao longo de sua história, isso não teria
sido possível sem sua tecnologia. E esta não teria surgido sem o desenvolvimento desse
sistema. O sistema tecnológico do capitalismo é tão capitalista quanto à forma social no
interior da qual ela opera. Ela é tão negativa e tão destrutiva quanto essa forma e não
pode ser simplesmente apropriada por uma forma social melhor.
Não é possível dizer a priori o que desse sistema tecnológico poderia ser ou não
utilizado por uma forma alternativa de socialização. Mas as forças produtivas legadas
pelo capitalismo são antes de tudo um problema. E não uma solução, em relação ao qual
bastaria simplesmente lhe dar um uso melhor. Tampouco o problema pode ser resolvido
apenas por meio da supressão dos maus elementos e da conservação dos bons. Tal como
as categorias da forma social, eles encontram-se intimamente articulados, e não podem,
por isso, ser separados uns dos outros.
4. 4. A forma-ciência
A ciência moderna está na base desse sistema tecnológico. Não se pode dizer
simplesmente que a ciência foi apropriada pelo sistema econômico e tecnológico. É um
erro compreender a funcionalidade da ciência moderna nesse sistema como uma mera
utilização externa. Tal mobilização não seria possível se não houvesse uma
153
ELLUL, Jacques. A técnica e o desafio do século. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968. p.101.
154
“Quanto à tecnologia, o que quer dizer é que não há neutralidade da técnica enquanto técnica
efetivamente aplicada. A televisão, por exemplo, tal como é hoje, é um instrumento de cretinização. E
seria falso dizer que uma outra sociedade utilizaria essa televisão de outro modo: ela não seria mais essa
televisão. Muitas coisas deveriam ser modificadas na televisão para que ela pudesse ser „utilizada de
outro modo‟”. CASTORIADIS, Cornelius. As encruzilhadas do labirinto 2: os domínios do homem. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 86. “Longe de ser um instrumento „neutro‟, a televisão predetermina
quem a utilizará e como a utilizará, qual a influência na vida das pessoas e, insistindo-se no seu uso em
larga escala, o tipo de formas políticas que poderá inevitavelmente fazer surgir. [...] Referir a televisão
como um instrumento „neutro‟, e como tal sujeito a transformações mostra-se tão absurdo como falar da
reforma duma tecnologia como a das armas”. MANDER, Jerry. Quatro argumentos para acabar com a
televisão. Lisboa: Antígona, 1999. pp. 58, 60.
79
155
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Os pensadores) p. 11.
156
DEUS, Jorge Dias de. Uma introdução, alguns comentários e três opiniões sobre a ciência. In: A
crítica da ciência. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974. p. 12.
157
“Para o esclarecimento, aquilo que não se reduz a números e, por fim, ao uno, passa a ser ilusão: o
positivismo lógico remete-o à literatura”. HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor. Dialética do
esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. p. 23. “Não é sem razão
que a ciência reconhecida se irrita logo que surge no seu horizonte o que ela relega no domínio da arte
para permanecer em paz no interior de seu domínio de atividade”. Idem. Théorie esthétique. Paris:
Klincksieck, 1989. p. 294.
80
158
Segundo Vandana Shiva, a ciência moderna é reducionista e intrinsecamente violenta. Ela exerce
violência contra o sujeito do conhecimento, contra o objeto do conhecimento, contra o beneficiário do
conhecimento e contra o próprio conhecimento. Ela se pauta em algumas suposições ontológicas e
epistemolóticas. Suas suposições ontológicas são: que um sistema é redutível às suas partes; que o mundo
é feito dos mesmos constituintes básicos, que são mecânicos. E algumas suposições epistemológicas: que
o conhecimento das partes fornece o conhecimento do todo; que os „experts‟ e „especialistas‟ são os
legítimos portadores do conhecimento. SHIVA, Vandana. Reducionist science as epistemological
violence. Disponível em: http://www.unu.edu/ununpress/unupbooks/uu05se/uu05se0i.htm
159
MARX. Karl. O Capital, vol I, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 131.
160
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Os pensadores). p. 11.
Conforme Oswald Splenger: SPENGLER, Oswald. L’homme e la technique. Paris: Gallimard, 1958. p.
127.
161
HORKHEIMER, Max. Eclipse da Razão. São Paulo: Centauro, 2002. p. 153. “A técnica é a essência
desse saber, que não visa conceitos e imagens, nem o prazer do discernimento, mas o método, a utilização
do trabalho de outros, o capital. [...] O que os homens querem aprender da natureza é como empregá-la
para dominar completamente ela e os homens. Nada mais importa. [...] Poder e conhecimento são
sinônimos. [...] O que importa não é aquela satisfação que, para os homens, se chama „verdade‟, mas a
„operação‟, o procedimento eficaz”. HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor. Dialética do
esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. p. 20. Conforme observa
Marildo Menegat: “durante muito tempo, como, por exemplo, na Grécia Antiga, o conhecimento sobre a
natureza procurou compreendê-la em seu ser em si, e não apenas a partir das necessidades humanas. Com
a mudança na perspectiva desse conhecimento, que se efetiva na própria fundação da ciência moderna, a
natureza transforma-se numa simples presa dos apetites humanos não mediados pelos limites dela
própria”. MENEGAT, Marido. O olho da barbárie. São Paulo: Expressão Popular, 2006. p. 71.
81
Portanto, pode-se dizer da forma ciência o mesmo que Marx disse acerca do
conjunto de formas de pensamento da socialização capitalista: “São formas de
pensamento socialmente válidas e, portanto, objetivas para as condições de produção
desse modo social de produção, historicamente determinado, a produção de
mercadorias”. 165 A ciência é um modo de produção de conhecimento. Uma forma,
dentre outras possíveis. E não o modo de conhecimento. Trata-se de uma forma tão
histórica como a forma de organização social da qual ela faz parte. É por isso que se
pode pensar no surgimento de uma outra ciência. 166 Se essa forma de produzir
162
SPENGLER, Oswald. L’homme e la technique. Paris: Gallimard, 1958. p. 127.
163
MARCUSE, Herbert. Ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. p. 150.
164
HUXLEY, Aldous. Regresso ao admirável mundo novo. São Paulo: HEMUS, 1959. p. 132.
165
MARX, Karl. O Capital, vol. I, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 73.
166
“Para frear as tecnologias apocalípticas é necessária não apenas uma outra forma de sociedade, mas
também uma outra ciência. [...] Se o conhecimento científico não se emancipar da lógica de uma
82
ciência. Por isso, uma forma historicamente constituída se lhes aparece como sendo uma
condição natural e insuperável.
O próprio treinamento científico promovido pela escola e pela universidade não
tem outro objetivo senão o de moldar a subjetividade dos indivíduos a essa forma de
pensamento. A forma-ciência é uma bitola que os indivíduos devem se adequar para
produzir o conhecimento socialmente reconhecido. As instituições de ensino tencionam
docilizar e produzir um habitus de tal forma arraigado, até o ponto em que essa forma
seja identificada ao próprio conhecimento.
A teoria crítica da socialização capitalista não pode deixar de fora a crítica de
suas formas de pensamento, com destaque para a forma do pensamento científico. Pois,
como bem ressaltou Alfred Sohn-Rethel, forma social e forma de consciência estão
indissociavelmente ligadas. 171 Lembrando as palavras de Adorno: “Crítica da sociedade
é crítica do conhecimento, e vice-versa”.172 Essa dimensão da crítica do capitalismo não
pode ser negligenciada. Não se pode separar a ciência de suas “aplicações tecnológicas”
para fins econômicos, políticos e militares.
Alfred North Witehead teve o mérito de isolar o mal metodológico intrínseco ao
método científico, donde derivam todo um conjunto de outros males: o caráter
abstratizante, isolador, em oposição à experiência envolvente, total, emotiva, onde
sujeito e objeto, intelecto e sensações se diluem para emergir na vivência global.
Enquanto a forma da ciência só sabe produzir conhecimento no interior da forma
pressuposta, a crítica social também inclui a crítica da forma de conhecimento. A tarefa
da racionalidade filosófica é mais imprescindível do que nunca: fazer a crítica das
abstrações.
171
SOHN-RETHEL, Alfred. Trabalho espiritual e corporal: para a epistemologia da história ocidental.
Disponível em: http://antivalor2.vilabol.uol.com.br
172
ADORNO, Theodor. Palavras e sinais: modelos críticos 2. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. p. 189.
84
Nos dias atuais, de grande crise ecológica e social, tal crítica torna-se
simplesmente imprescindível. Já não se pode ignorar todo um conjunto de relações e
articulações complexas em prol de um procedimento reducionista que retalha o mundo
em pequenas partes – cada vez menores – a fim de dominá-lo e conquistá-lo. Não é
apenas por meio da abstração matemática que o mundo é reduzido a uma substância
sem qualidades. Por meio da “aplicação tecnológica da ciência” o próprio mundo tem
realmente se convertido numa substância sem qualidades. As luzes da ciência estão
contribuindo para levar a humanidade a uma nova Idade das Trevas, em que se cruzam
o colapso social e o ecológico. A crítica de toda essa megamáquina econômica e
tecnológica exige a crítica da forma-ciência. Um outro mundo exige um outro modo de
pensar e de produzir conhecimento.175
4. 5. Tecnociência capitalista
173
WHITEHEAD, Alfred North. A ciência e o mundo moderno. São Paulo: Paulus, 2006. p. 79.
174
Id. Ibid. p. 133.
175
“Num processo de emancipação social, a rejeição da ciência como a rejeição do trabalho são
inevitáveis”. DEUS, Jorge Dias de. Uma introdução, alguns comentários e três opiniões sobre a ciência.
In: A crítica da ciência. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974. p. 25.
85
Também a tecnociência é ela própria capitalista. Por quê? Porque ela não apenas passou
a ser produzida sob a forma de mercadoria e por meio de um processo de produção
tipicamente capitalista: sob a forma de produção industrial. 176
O que resulta disso? Resulta que se tornou cada vez mais raro o pesquisador
independente. É o fim a “produção artesanal” da pesquisa científica. O pesquisador
passou a ser subsumido formalmente às instâncias econômicas e políticas que lhe
escapam ao controle. Sua própria atividade de pesquisador passou a se constituir como
um pequeno fragmento de um processo de produção muito mais vasto.
176
“A materialização do desenvolvimento das forças produtivas que criam o capital fixo se efetiva através
de uma aplicação crescente da ciência e da tecnologia à produção, uma vez que estas, como um sistema
mecânico de atividades autômatas, são incorporadas ao capital. O desenvolvimento do capital fixo torna-
se uma exigência imperativa para o capital, transformando, nesse sentido, a pesquisa científica e a
produção tecnológica em ramos da própria produção”. MARILDO, Menegat. O olho da barbárie. São
Paulo: Expressão Popular, 2006. pp. 70, 71.
177
BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio
de Janeiro: Editora Guanabara, 1987. p. 146.
86
178
ELLUL, Jacques. A técnica e o desafio do século. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968. p. 7.
179
Id. Ibid. p. 90.
180
Elevação essa que pode se exemplificada pelo LHC – Large Hadron Collider, ou Grande Colisor de
Hádrons – o acelerador de partículas que a Comunidade Européia está construindo em Genebra, na Suíça,
– cujo tubo, construído com materiais especiais, percorre um túnel circular de 27 quilômetros de
circunferência a 100 metros da superfície – com um custo de 10 bilhões de francos suíços (algo em torno
de 15 bilhões de reais), repartido por 20 países europeus e várias outras nações colaboradoras. Tal
engenho é tido como o mais ambicioso – e caro – instrumento científico já construído pela humanidade.
87
Portanto, trata-se de algo que possui aspectos claramente negativos. Uma das
piores conseqüências consiste em que os próprios pesquisadores terminam por ficar
excluídos da representação global daquilo que eles produzem. Esse modo de produção
do conhecimento científico fragmenta o processo global em inúmeras atividades
parciais. Desse modo, cada pesquisador domina apenas uma parte limitada da produção
da pesquisa. Esse é um dos fatores que mais favorecem a “cegueira diante do telos”.182
Torna-se ainda mais abismal a desproporção entre os efeitos dos atos individuais e de
sua capacidade de representá-los. Não é de espantar que os cientistas terminem por
produzir criações tão monstruosas.183 Esse modo de produção de conhecimentos exclui
o problema da finalidade da atividade científica num nível ainda mais elementar: ele
simplesmente desaparece do campo de visão. Essa é uma característica de fragmentação
das atividades na sociedade capitalista.184
Esse modo especificamente capitalista certamente contribui para aumentar a
capacidade de produção de conhecimentos científicos. No entanto, tais conhecimentos
têm cada vez mais perdido qualquer sentido humano. Inserido nessa máquina global de
produção de conhecimentos, o pesquisador será tanto mais “competente” – do ponto de
vistas das referidas instituições de pesquisa – quanto mais seu pensamento for
maquinal: despersonalizado, inconsciente, automático e cego em relação à finalidade de
suas ações. Todo um conjunto de questões deve ficar de fora de suas preocupações. Ou
pelo menos não deve interferir em suas atividades científicas. Não há espaço para a
discussão acerca da finalidade da pesquisa. 185
181
Id. Ibid. p. 9.
182
ANDERS, Günther. Llamese cobardia a esa esperanza. Bilbao: Besatari, 1995. p. 93.
183
Essa fragmentação produz uma forma muito peculiar de aleijão: o aleijão espiritual. Modificando um
pouco as palavras de Marx, já citadas em capítulo anterior, poderia dizer que esse modo de produzir o
conhecimento científico “aleija [o cientista] convertendo-o numa anomalia, ao fomentar artificialmente
sua habilidade no pormenor mediante a repressão de um mundo de impulsos e capacidades produtivas,
assim como nos Estados de La Plata abate-se um animal inteiro apenas para tirar-lhe a pele ou o sebo. Os
[cientistas] parciais específicos são não só distribuídos entre os diversos indivíduos, mas o próprio
indivíduo é dividido e transformado no motor automático de um trabalho parcial, tornando assim a fábula
insossa de Menenius Agrippa, segunda a qual um ser humano é representado como mero fragmento de
seu próprio corpo, realidade”. MARX, Karl. O Capital, vol I, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p.
238.
184
ANDERS, Günther. Llamese cobardia a esa esperanza. Bilbao: Besatari, 1995. p. 45.
185
“Quando a todo-poderosa economia enlouqueceu [...] ela suprimiu os últimos vestígios de autonomia
científica, tanto no plano metodológico quanto no plano das condições práticas da atividade dos
88
„pesquisadores‟. Já não se pede que compreenda o mundo ou o torne melhor. Pede-se que ela justifique
tudo o que é feito. [...] A ciência da justificação mentirosa aparece naturalmente desde os primeiros
sintomas da decadência da sociedade burguesa, com a proliferação cancerosa das pseudociências
chamadas „humanas‟; mas a medicina moderna, por exemplo, conseguiu se fazer considerada útil por
algum tempo, e que haviam vencido a varíola ou a lepra eram bem diferentes dos que capitularam
vergonhosamente diante das radiações nucleares ou da química agroalimentar. É fácil perceber que hoje a
medicina já não tem o direito de defender a saúde da população contra o ambiente patógeno, porque isso
significa opor-se ao Estado, ou apenas à indústria farmacêutica”. DEBORD, Guy. Considerações sobre a
sociedade do espetáculo. In: A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. pp. 197, 198.
89
5. MUNDO PÓS-NATURAL
186
MARX, Karl. Fondements de la critique de l’economie politique, vol II. Paris: Éditions Anthropos,
1968. p. 221.
187
Um exemplo desse processo é dado pela nanotecnologia. “De acordo com a nova visão nanométrica, a
agricultura precisa ser mais uniforme, ainda mais automatizada, industrializada e reduzida a funções
simples. Em nosso futuro molecular, a produção agropecuária será uma biofábrica de grande extensão,
que possa ser monitorada e manejada a partir de um notebook. Os alimentos serão manufaturados a partir
de substâncias projetadas para liberar, de forma eficiente, nutrientes ao corpo. A nanobiotecnologia
aumentará o potencial da agricultura para colher insumos alimentícios destinados a processos industriais.
90
5. 1. Novos materiais
Enquanto isso, commodities da agricultura tropical como borracha, cacau, café e algodão – e os
agricultores de pequena escala que a produzem – terminarão se sentindo exóticos e irrelevantes em uma
nova nanoeconomia de „matéria flexível‟, em que as propriedades de nanopartículas industriais podem ser
ajustadas para criar substitutos mais baratos, „mais inteligentes‟”. ETC Group. Nanotecnologia: os riscos
da tecnologia do futuro: saiba sobre produtos invisíveis que já estão no nosso dia-a-dia e o seu impacto
na alimentação e na agricultura. Porto Alegre: L&PM, 2005. pp. 52, 53.
91
Mas tais inovações não são isentas de graves problemas. Até meados do século
XX, a produção industrial se apoiava pouco mais de vinte materiais. Atualmente, a
indústria utiliza todos os elementos da tabela periódica como já criou algumas dezenas
de novos elementos. Portanto, estamos vivendo, faz somente algumas poucas décadas,
com uma série de materiais que nem o corpo nem o ambiente estavam habituados.
Porto-Gonçalves observa, por isso, que nos encontramos “no limiar de um descompasso
entre um tempo histórico e um tempo arqueológico, na medida em que estamos
submetendo a espécie humana à substâncias que nos colocam diante de mudanças no
nosso processo de hominização”.188
Nosso ambiente torna-se cada vez mais saturado e empesteado de um conjunto
de substâncias perigosas para os seres humanos: os éteres difenil polibromados
(PBDEs), retardante de fogo usados em plásticos e tecidos, os ftalatos, presentes em
plásticos e cosméticos, pesticidas como o DDT, o ácido perfluoroctanóico (PFOA),
usado em tecidos e superfície antiaderentes de panelas, as bifenilas policloradas (PCBs),
utilizadas em refrigeração e isolamento de sistemas elétricos, as dioxinas, um perigoso
dejeto industrial, os bisfenóis, um estrogênio sintético presente nos plásticos do tipo
policarbonato, empregados na produção de garrafas plásticas, e toda uma lista de metais
altamente tóxicos para os seres humanos e o ambiente, como o mercúrio, arsênico,
cromo etc.
A própria modificação na escala de tamanho dos elementos químicos já
existentes – por meio da tecnologia atômica, mais conhecida como nanotecnologia –
produzem grandes modificações nas características dos elementos químicos
(condutividade elétrica, reatividade, resistência, cor e, especialmente importante,
toxicidade).189 Os novos e os antigos materiais espalhados e dispersos pelo ambiente
podem ser um dos principais fatores para o recrudescimento de uma série de
enfermidades: câncer, leucemia, problemas no sistema nervoso etc.190
188
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 115.
189
Uma substância que é vermelha quando tem um metro de largura pode ser verde quando sua largura
for de uns poucos nanômetro; o carbono em forma de grafite é macio e maleável, mas em escala
nanométrica (escala do biolionésimo de metro), torna-se mais resistente do que o aço; apenas um grama
de material catalisador, feito com partículas de 10nm, é cerca de 100 vezes mais reativo do que a mesma
quantidade do mesmo material feito com partículas de 1 mícron (um mícron é 1.000 vezes maior do que
um 1nanômetro).
190
Tornou-se absolutamente verdadeira a afirmação que Henry Miller fez na década de 1940: de que “no
mundo industrial tudo é sujo, degradado, aviltado”. MILLER, Henry. Pesadelo Refrigerado. São Paulo:
Francis, 2006. p. 43.
92
5. 2. Tecnologia nuclear
191
A Mecânica Quantica é uma teoria desenvolvida nos anos 20 do século XX a partir do Princípio da
Incerteza de Heisemberg – enunciado em 1927 – e que pretende estudar fenômenos que ocorrem em
escalas extremamente reduzidas. Segundo esta teoria, desenvolvida por Werner Heisemberg, Erwin
Schrodinger e Paul Dirac, as partículas deixam de ter posições e velocidades distintas e definidas que não
podiam ser observadas e passam a ter um estado quântico resultante da combinação da posição e da
velocidade. Geralmente a mecânica quântica não estabelece um único resultado concreto para cada
observação. Mas, ao invés disso, um determinado número de resultados possíveis e a probabilidade de
cada um. A mecânica quântica introduz assim um elemento de imprecisão ou acaso na ciência. A
impossibilidade de prever os fenômenos não é considerada uma simples deficiência humana ou
experimental. Admite-se que ela seja inerente à própria natureza. Esta interpretação do Princípio das
Incertezas foi desenvolvida mais tarde por Niels Bohr.
192
Os hidrocarburetos derivados do petróleo e do gás natural são presentemente responsáveis por mais da
metade da energia primária ofertada no planeta. Cerca de 35,3% da energia total é fornecida pelo
petróleo; 21,1% pelo gás natural; 23,2% pelo carvão; 9,5% pela biomassa tradicional (lenha e outros
combustíveis); 6,5% de origem nuclear; 2,2% de origem hidroelétrica; 1,7% provém do tratamento
moderno da biomassa (álcool, biodísel, resíduos pulverizados); 0,5% das novas fontes renováveis (energia
solar, eólica, vulvânica). Portanto, os combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão) contribuem assim com
a avassaladora predominância de 79,9% do total, sendo 56,4% a parcela referente ao petróleo e ao gás
93
natural. Porto, Mauro. O crepúsculo do petróleo: acabou-se a gasolina, salve-se quem puder! Rio de
Janeiro: Brasport, 2006. pp. 25, 26.
94
O tratamento do lixo radioativo é uma solução mais adequada. Mas ela também
depende da estocagem do material radioativo durante décadas, ou mesmo séculos, à
espera de uma diminuição substancial da radioatividade. Outro problema reside no
desmantelamento dos reatores nucleares em fim de carreira. Os reatores nucleares
duram cerca de trinta a sessenta anos, talvez um pouco mais, também exigem décadas
de espera para que o nível de radioatividade baixe e seja possível entrar nesse ambiente
com menor perigo.
A racionalidade que preside tal tecnologia obedece à visão irresponsável e de
curto prazo cuja máxima é depois de mim, o dilúvio.193 Emprega-se uma nova
tecnologia visando atender as demandas energéticas do capitalismo e as mais nefastas
conseqüências ficam para as gerações futuras. 194
5. 3. Engenharia genética
193
“A energia nuclear é o „depois de nós, o dilúvio‟ ou, se preferir, „aproveitemos agora e deixemos que
os nossos descendentes paguem a conta, se forem capazes‟. REEVES, Hubert. Mal da Terra: Paz da
Terra, 2006. p. 86.
194
A energia nuclear atende hoje a cerca de 6% do total da energia produzida no planeta. O aumento da
utilização dessa fonte de energia requer a ampliação da quantidade de reatores nucleares, o que, sem
dúvida, aumenta os riscos e os problemas que eles necessariamente acarretam. No entanto, em que pese
os riscos, em março de 2001, os Estado Unidos decidiu retomar a produção de energia nuclear. O projeto
Nuclear Power 2010 tem por objetivo a construção de novas centrais nucleares até o final da primeira
década do século XXI. Este movimento será acompanhado por outros países no mundo, inclusive na
Europa. O mesmo ocorre no Brasil. Prevê-se que a usina nuclear de Angra 3 seja colocada em
funcionamento até o ano de 2012 e que 50 novas usinas sejam construídas nos próximos 50 anos.
JUNIOR, Cirilo. Programa nuclear brasileiro prevê 50 novas usinas em 50 anos, diz Lobão. Folha Online,
12/09/2008. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u444354.shtml
195
GORZ, André. O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo: Annablume: São Paulo, 2005.
p. 87.
95
A vida tal como existiu até então, resultado de um processo de bilhões de anos,
já não mais basta para satisfazer as necessidades da lógica abstrata da rentabilidade
empresarial. Por esse motivo o sistema busca criar novas formas de vida: gerar as
criaturas do capital. Assim, se até meados do século XX, o capital limitava-se a
explorar e revolver a Terra inteira para alimentar o processo de produção de mercadoria,
já nas últimas décadas desse século tornou-se claro que tal processo precisa dar um
passo além.
196
Id. Ibid. p. 88
197
Id. Ibid. p. 28.
96
198
O “princípio de precaução” definido pela ONU em 1994 é assim enunciado: “Quando há risco de
perturbações graves ou irreversíveis, a ausência de certezas científicas absolutas não deve servir de
pretexto para adiar a adoção de medidas”. Diante da complexidade do mundo biológico e das interações
ecológicas, do tamanho descomunal da nossa ignorância, da possibilidade de desleixo, dos acasos e das
contingências, das distorções do modo de produção capitalista e de outros relevantes aspectos de nossas
relações sociais, e diante da magnitude dos riscos presentes, impõe-se uma atitude de extrema prudência
em se realizar intervenções na natureza. Um critério elementar de prudência recomenda que se pense
várias vezes antes de manipular a constituição molecular dos organismos vivos ou interferir no
funcionamento dos ecossistemas. Como observa Jorge Riechmann: “Não porque eles sejam „sagrados‟ ou
imperfectíveis, mas porque de saída é bem mais provável que nossa intervenção piore tudo do que
melhore alguma coisa. É a isso que nos referimos ao qualificar as tecnologias do ADN recombinante de
„intrinsecamente perigosas‟”. RIECHMANN, Jorge. Cultivos de alimentos transgênicos: um guia crítico.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. p. 74.
97
cada vez menos provável de prevalecer numa época em que todo o sistema econômico-
tecnológico ingressa num período de aceleração vertiginosa.
A enorme disparidade entre os recursos empregados em pesquisas sobre os
impactos sociais e ecológicos da engenharia genética e aqueles que são aplicados nas
pesquisas da engenharia genética ilustra muito bem este problema. Enquanto os
recursos alocados às aplicações da engenharia genética não param de crescer, são
ínfimos os recursos disponíveis para as pesquisas relativas aos riscos e perigos a ela
associados.199
Que as referidas tecnologias não visam melhorar a vida das pessoas revela-se de
forma muito límpida em algumas das criações da biotecnologia capitalista. Um deles é
fornecido pela empresa Monsanto. Essa empresa criou plantas geneticamente
desenvolvidas resistentes ao seu próprio herbicida (Roundaup) apenas para fazer uma
venda casada ao agricultor. Outro exemplo ainda mais grave são as sementes
Terminator: as sementes estéreis, incapazes de germinar após a colheita. Assim, se o
agricultor quiser plantar, ele terá de comprar eternamente a semente produzida pelas
corporações. Trata-se aqui de uma estratégia perversa de destruir a produtividade
inerente da natureza para conferir o monopólio dessa capacidade ao capital.
A introdução da tecnologia da engenharia genética mostra até aonde tem
chegado o processo de conversão dos potenciais produtivos em forças destrutivas: ele
atinge agora até mesmo a produção de alimentos. Muito do que se consome no planeta
inteiro pode não ser nada mais do que veneno. Talvez uma das maiores armas de
destruição em massa jamais criada pelos seres humanos.
5. 4. Biologia sintética
199
Na França, o orçamento para pesquisa ecológica no sentido abrangente (incluída a biologia de
populações) não chega a 5% do total destinado às “ciências da vida”. Na República Federal Alemã, no
período 1985-1989 – crucial no desenvolvimento das aplicações comerciais para essas biotecnologias – o
Ministério Federal de Pesquisa reservou quase um bilhão de marcos para as aplicações da manipulação
genética, enquanto destinou somente vinte milhões para pesquisa em biossegurança. Nos Estados Unidos,
o Departamento da Agricultura destinou à avaliação de riscos apenas 1% das verbas destinadas à pesquisa
biotecnológica. Esta é a proporção que vigora no setor público: cerca de cinqüenta ou de cem para um.
Não precisa muito esforço para imaginar o que acontece no setor privado. Id. Ibid. p. 70.
98
200
Alarma sobre biologia sintética: coalición global demanda debate público y supervisión inmediata.
Acesso: www.etcgroup.org/upload/publication/pdf_file/6
99
5. 5. Nanotecnologia
201
FEYNMAN, Richard. There’s plenty of room at the bottom. Disponível em
http://www.zyvex.com/nanotech/feynman.html
100
202
DREXLER, Eric. Engins de création: l´avènement des nanotechnolgies. Paris: Vuibert, 2005. p. 209.
203
Id. Ibid. p. 216.
102
Crichton, Presa (Prey), que relata uma clássica história em que os robôs terminam por
destruir os humanos que os criaram. Entretanto, o problema existe e pode se tornar
muito real. Ele corre por trás das costas da maior parte das pessoas. Os acontecimentos
mais decisivos de nossa época estão fora do alcance de nossas vistas e mesmo de nossa
imaginação.
Todavia, esse passo da nanotecnologia – a manufatura molecular – ainda está
longe de ser alcançado. Talvez precise de mais algumas décadas. De todo modo, vale
lembrar uma das três leis da tecnologia de Arthur Clarke: “Quando um cientista afirma
que alguma coisa é possível, ele está quase certamente certo. Quando ele afirma que
alguma coisa é impossível, ele está muito provavelmente errado”. 204 Muitos bilhões de
dólares que estão investidos nas pesquisas em torno da nanotecnologia. Inúmeros
laboratórios estão se dedicando aos avanços dessa tecnologia. Não devemos considerar
tal tecnologia irrealizável tão-somente porque nos encontramos ainda afastados de sua
plena consecução.
Mas os riscos que os humanos e o ambiente em geral correm por conta da
nanotecnologia já são uma realidade. Um dos desdobramentos iniciais dessa nova
tecnologia é a utilização de nanopartículas. Partículas que, devido a sua redução à
nanoescala, adquirem propriedades muito diferentes daquelas apresentadas em escala
natural. Dezenas de companhias se dedicam atualmente à produção de nanopartículas. E
uma série de produtos já as utilizam: agrotóxicos, cosméticos, protetores solares,
produtos alimentícios etc. Uma série de novos produtos se encontra em estágio de
desenvolvimento.205 Os produtos são comercializados sem que se faça a menor menção
nas embalagens e antes mesmo de qualquer discussão sobre o assunto.
Faz bem pouco tempo, as partículas nanométricas eram recebidas como algo
benéfico ou totalmente inofensivo aos seres humanos e ao ambiente. Entretanto, alguns
cientistas alertam sobre os riscos e perigos das nanopartículas. Ao que tudo indica, as
nanopartículas são mais tóxicas do que os mesmos compostos em escala maior, devido
à sua maior mobilidade e aumento de reatividade. 206 Existe um enorme descompasso
entre o emprego açodado dessa tecnologia e os estudos sobre a toxicologia de
204
As outras duas são: 1) “A única maneira de descobrir os limites do possível é se aventurar um pouco
além deles e penetrar no impossível”. 2) “Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível
da magia”. Citas por KURZWEIL, Ray. A era das máquinas espirituais. São Paulo: Aleph, 2007. p. 34.
205
ETC Group. Nanotecnologia: os riscos da tecnologia do futuro: saiba sobre produtos invisíveis que já
estão no nosso dia-a-dia e o seu impacto na alimentação e na agricultura. Porto Alegre: L&PM, 2005. p.
29.
206
ETC Group. La inmensidad de lo mínimo. Disponível em: http://www.etcgroup.org
103
207
The Royal Society & The Royal Academy of Engineering. Nanoscience e nanotechnologies:
opportunities and uncertainties. Disponível em: http://www.nanotec.org.uk/finalReport.htm
208
EDWARD, Regis. Nano: a ciência emergente da nanotecnologia: refazendo o mundo molécula por
molécula. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. p. 24.
209
“Os especialistas prevêem que a nanotecnologia irá mudar a forma de fazer guerras mais do que a
invenção da pólvora. [...] irá produzir soldados com corpos e cérebros “melhorados”. Ela também
104
5. 6. Convergência tecnológica
conduzirá para o desenvolvimento de armas químicas e biológicas que são mais invasivas, mais difíceis
de detectar e, virtualmente, impossíveis de combater. As qualidades de invasividade e invisibilidade de
sensores e dispositivos em nanoescala poderiam se transformar em ferramentas de repressão
extremamente poderosas. [...] A idéia de que milhares de diminutos sensores poderiam ser espalhados
como olhos, ouvidos e narizes invisíveis através dos campos de cultivo e campos de batalha soa como
ficção científica. Mas, dez anos atrás, Kris Pister, um professor de robótica da Universidade de Berkley
na Califórnia, recebeu financiamento da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada em Assuntos de
Defesa dos EUA (DARPA) para desenvolver sensores autônomos, cada um deles do tamanho de uma
cabeça de fósforo. Utilizando a tecnologia de gravação em sílica, esses motes (sensores de „pó
inteligente´) teriam uma fonte própria de energia, capacidade de computação e a possibilidade de detectar
e então se comunicar com outros motes da vizinhança. Dessa forma, os motes individuais se auto-
organizariam em redes de comutação ad hoc, capazes de transmissão de dados através de tecnologia sem
fio (isto é, rádio). O interesse imediato da DARPA, no projeto, era estender redes de pó inteligente pelo
terreno do inimigo, para obter informação em tempo real sobre movimentação de tropas, armas químicas
e outras condições do campo de batalha, sem ter de arriscar vidas de soldados”. ETC Group.
Nanotecnologia: os riscos da tecnologia do futuro: saiba sobre produtos invisíveis que já estão no nosso
dia-a-dia e o seu impacto na alimentação e na agricultura. Porto Alegre: L&PM, 2005. pp. 33, 34, 75,
76. A nanotecnologia fornece novos meios para a instauração de guerra high-tech sob a forma de lean
destruction.
210
Ver: ROCO, Mihail C. & BAINBRIDGE, William Sims. Converging Technologies for improving
human performance: nanotechnology, biotechnology, information technology and cognitive science,
NSF-DOC Report, June 2002, Arlington VA, USA. Disponível em:
http://www.wtec.org/ConvergingTechnologies/1/NBIC_report.pdf
105
5. 7. Pós-humano
211
A unidade operativa das ciências da informação é o bit, a nanotecnologia manipula os átomos, as
ciências cognitivas se ocupam dos neurônios e a biotecnologia explora os gens. As letras iniciais dessas
três palavras forma a sigla BANG. É com essa sigla que o grupo ETC (Erosão, tecnologia e concentração)
designa essa convergência tecnológica. A Fundação Nacional da Ciência (NFS) do governo dos Estados
Unidos se refere a esta convergência pela sigla NBIC (nano-bio-info-cogno).
212
Ver, do ETC Group, La estratégia de las tecnologias convergentes: a teoria del pequeño BANG e La
inmensidad de lo mínimo. Disponíveis em: http://www.etcgroup.org
213
ADORNO, Theodor. Minima Moralia. São Paulo: Ática, 1993. p. 200, 201.
106
214
ANDERS, Günther. L’obsolescence de l’homme: sur l’âme à l’époque de la deuxième révolution
industrielle. Paris: Éditions de L‟Enciclopédie des Nuisances-Éditions Ivrea, 2002.
215
MORAVAC, Hans. Homens e robots: o futuro da inteligência humana e robótica. Lisboa: Gradiva,
1992. p. 166.
216
Idem. Ibidem. p. 166.
107
(bloody mess) que é o corpo humano, e nos tornaríamos puro espírito: espírito
transplantado para uma máquina eletrônica. Esse passo significaria também nada mais
nada menos do que a própria vitória sobre a morte. Ray Kurzweil observa: “Até agora,
nossa mortalidade estava amarrada à longevidade do nosso hardware. Quanto o
hardware falhava era o fim”. 217 No futuro, já não mais seremos hardware, mas tão-
somente software. Mas está claro que aí já não seriamos propriamente humanos.
Teremos nos tornado em nada mais do que um cogito: uma pura coisa que pensa.218
O mundo pós-humano seria um passo avançado na subsunção real (formal e
material) do mundo do capital. Num determinado estágio da evolução tecnológica, os
próprios humanos trocarão seu corpo natural por um “esqueleto objetivo” moldado pela
tecnociência e, assim, deixarão a antiga humanidade para trás. Mas esse ser pós-humano
não tem nada que ver com uma espécie de Übermensche (superhomem) de Nietzsche.
Seria antes uma versão high-tech do Untermensche (subhomem) tipicamente capitalista:
um Zé Ninguém turbinado. Isso porque essa human engineering não deve servir para
promover um amplo desenvolvimento das capacidades humanas. Mas tão-somente para
potencializar apenas algumas faculdades: aquelas que são estritamente necessárias ao
mundo do capitalismo tecnocientífico. Trata-se de melhorar as capacidades de cálculo,
de reduzir o período de descanso, de reprimir certos desejos, de trabalhar em condições
inóspitas etc.
217
KURZWEIL, Ray. A era das máquinas espirituais. São Paulo: Aleph, 2007. p. 181.
218
“E, portanto, pelo próprio fato de que conheço com certeza que existo, e que, no entanto, noto que não
pertence necessariamente nenhuma outra coisa à minha natureza ou à minha essência, a não ser que sou
uma coisa que pensa, concluo efetivamente que minha essência consiste somente em que sou uma coisa
que pensa ou uma substância do qual toda a essência ou natureza consiste apenas em pensar. [...] é certo
que este eu, isto é, minha alma, pela qual eu sou o que sou, é inteira e verdadeiramente distinta de meu
corpo e que ela pode ser ou existir sem ele”. DESCARTES, René. Meditações metafísicas. São Paulo:
Abril Cultural, 1991. (Os pensadores) p. 216.
219
Idem. L’obsolescence de l’homme: sur l’âme à l’époque de la deuxième révolution industrielle. Paris:
Éditions de L‟Enciclopédie des Nuisances-Éditions Ivrea, 2002. p. 60.
108
Por mais estranho que tudo isso possam parecer, tais perspectivas não podem ser
simplesmente consideradas como loucas especulações de alguns teóricos amalucados de
seriedade duvidosa. Elas consistem antes no desdobramento de algo que está inscrito no
próprio seio da dinâmica direcional cega do sistema tecnológico e econômico
prevalecente. É verdade que os referidos pesquisadores vêem esse processo de um modo
afirmativo. Todavia, em que pese isso, o fato é que eles, ao seu modo, descrevem
corretamente o sentido de nossa sociedade: uma sociedade que os seres humanos não
controlam as suas criações e que terminam sofrendo com a violência das potências por
eles despertadas: ou eles se adaptam ou eles perecem – tendo a própria extinção como
desfecho último. Assim, eles revelam, malgrado suas intenções, o caráter tecnológico-
totalitário inerente à sociedade capitalista. Uma sociedade cujo progresso deixa entrever
um tempo em que o terceiro Reich nazista aparecerá como um pálido precursor: como
um experimento mesquinho e provinciano, em que pese seu esforço de ter buscado
dominar o mundo inteiro.
Ainda não chegamos lá. Mas estamos avançando rapidamente para um mundo
de “totalitarismo maquinal”. De todo modo, as tendências em curso deixam entrever
horizontes cada vez mais sombrios. “Tendências são fatos”.224 Não podem ser
negligenciadas.
223
ANDERS, Günther. Nosostros los hijos de Eichmann: carta abierta a Klaus Eichmann. Barcelona:
Paidos, 1988. p. 33.
224
Id. Ibid. p. 33.
110
6. PRODUÇÃO E DESTRUIÇÃO
6. 1. Forças destrutivas
Em meados do século XIX, Marx e Engels haviam observado uma tendência que
viria prevalecer cada vez mais no curso do desenvolvimento do capitalismo: a
transformação das forças produtivas em forças destrutivas:
225
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 72, 85.
226
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. p. 33.
227
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os pensadores) p.
17.
228
“Podemos distinguir tanto as necessidades verídicas como as falsas necessidades. „Falsas‟ são aquelas
superimpostas ao indivíduo por interesses sociais particulares ao reprimi-lo: as necessidades que
perpetuam a labuta, a agressividade, a miséria e a injustiça. [...] A maioria das necessidades comuns de
descansar, distrair-se, comportar-se e consumir de acordo com os anúncios, amar e odiar o que os outros
amam e odeiam, pertencem a essa categoria de falsas necessidades.
111
Pouco importa que tal consumo embote, danifique ou mate o seu consumidor. Basta tão-
somente que o artigo possa ser vendido com lucro. E mais nada. Com o
desenvolvimento das contradições do capitalismo, tornou-se cada vez mais necessário
promover a “fabricação ininterrupta de pseudonecessidades” e estimular o consumidor a
se converter num “consumidor de ilusões”.229 Promoveu-se assim uma “ruptura absoluta
do desenvolvimento orgânico das necessidades sociais”, liberando um “artificial
ilimitado”, diante do qual o desejo vivo fica desarmado. Processo que culmina na
completa “falsificação da vida social”. 230 Mas tal resultado encontra-se inscrito na
própria predominância da forma do valor sobre a produção e às necessidades concretas
das pessoas:
Tais necessidades têm conteúdo e uma função sociais determinados por forças externas sobre as quais o
indivíduo não tem controle algum; o desenvolvimento e a satisfação dessas necessidades são
heterônomos. Independentemente do quanto tais necessidades se possam ter tornado do próprio indivíduo,
reproduzidas e fortalecidas pelas condições de sua existência, independentemente do quanto ele se
identifique com ela e se encontra em sua satisfação, elas continuam a ser o que eram de início – produtos
de uma sociedade cujo interesse dominante exige repressão”. MARCUSE, Herbert. Ideologia da
sociedade industrial. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. p. 26.
229
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. pp. 33-35.
230
Id. Ibid. pp. 45, 46.
231
Id. Ibid. p. 33.
232
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os pensadores) p.
17.
233
Id. Ibid. p. 16, 17.
112
sentido positivo da ampliação das necessidades humanas. Nos Grundrisse, Marx faz a
seguinte observação:
234
Idem. Fondements de la critique de l’economie politique, vol I. Paris: Éditions Anthropos, 1968. pp.
273, 274.
113
235
MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo;
Campinas – SP: Editora UNICAMP, 2002. p. 661.
114
6. 2. Dialética negativa
Não há lugar aqui para uma dialética positiva mecanicista e determinista que
certamente facilitaria muito as coisas, para a qual bastaria se apropriar da tecnologia e
da ciência capitalista e lhes dar um outro uso, supostamente melhor. A transição para
uma nova forma social não encontra um apoio positivo nas categorias capitalistas – no
trabalho e na classe trabalhadora – nem no alto nível de desenvolvimento técnico por ela
produzido.
Uma nova forma social é herdeira da antiga base produtiva. Mas isto tem que ser
encarado como um grande problema. E não como uma solução. Mas que técnicas e que
conhecimentos podem ser mobilizados pela nova forma social? Esta questão não pode
ser decidida de antemão. Não se pode dizer como deverá ser uma nova forma de
socialização.
Há uma dialética das forças produtivas que encara o negativo como um positivo.
De fato, o desenvolvimento das forças produtivas tende a derruir os fundamentos do
sistema capitalista. Mas isso não a transforma num pólo positivo. E, portanto, em algo
que bastasse ser liberto do invólucro social negativo. Ela é parte do mundo capitalista e
é tão negativa quanto ele. Ela não pode ser considerada como o lado bom que se
desenvolveu em meio a todo o mal da socialização capitalista. 237 Portanto, a crítica deve
incidir sobre a totalidade do modo de produção e de vida do capitalismo. Não deve
aliviar nada. Uma nova forma social não pode ser uma outra versão da sociedade
industrial existente. O futuro não pode ser uma mera continuidade do passado.
236
MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo;
Campinas – SP: Editora UNICAMP, 2002. p. 528.
237
Günther Anders faz a seguinte observação acerca da dialética: “Pode parecer estranho, a respeito do
papel imenso que a dialética jogou no século XIX, de ler que aquela desconheceu o negativo. Mas se se
compara o negativo tal como a concebe a „dialética‟ com o negativo que implica o conceito de inferno,
fica claro que ela se tornou „positiva‟, que se fez dela um fermento. Sua força, ao consistir em suscitar
uma nova vida, um novo movimento, foi, de um certo modo, „negada‟ enquanto „puro negativo‟. A
definição goetheana de Mephisto como aquele que, querendo fazer o mal, não cessa, no entanto, de fazer
o bem, vale também para a negatividade hegeliana. ANDERS, Günther. L’obsolescence de l’homme: sur
l’âme à l’époque de la deuxième révolution industrielle. Paris: Éditions de L‟Enciclopédie des Nuisances-
Éditions Ivrea, 2002. p. 310.
116
238
HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.
239
Em entrevista a Émile Nöel, François Châtelet faz uma observação muito interessante acerca do mútuo
condicionamento entre as formas sociais e a forma como os homens se apropriam da natureza. Segundo
ele, a idéia de dominar a natureza possui graves conseqüências político-sociais: “Somos obrigados a
constatar que o desenvolvimento dessa vontade de dominar a natureza foi acompanhado por um
desenvolvimento concomitante do domínio de alguns sobre outros homens. A questão crucial, hoje,
parece ser a questão ecológica. Mas uma sociedade que se lança numa “guerra” contra a natureza não
tem, necessariamente, que dispor de um estado-maior que comande e de homens que obedeçam? Não
estou aludindo apenas ao capitalismo, mas a todo tipo de regime que tem como objetivo a conquista da
natureza. Por exemplo, os regimes nos quais uma burocracia declara que é ela que tem a competência e
que os outros devem obedecer às suas ordens. De tal modo, a conquista da natureza se torna, de certa
maneira, um princípio que acarreta a sujeição de certos homens por outros”. CHÂTELET, François. Uma
história da razão: entrevistas com Émile Nöel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. p. 68.
117
Deixo aqui de lado uma série de questões que esta passagem suscita. Gostaria
apenas de ressaltar o fato de que ela afirma expressamente a idéia de que o comunismo
é a forma histórica na qual se realiza “a verdadeira solução do antagonismo entre o
homem e a natureza, entre o homem e o homem”. Entretanto, isso não implica de modo
algum que os humanos tenham de deixar de efetuar o seu metabolismo com a natureza.
Esta é uma necessidade insuprimível e jamais poderão deixar de realizá-lo, qualquer que
seja a forma social em que vivam. Mas isso não implica que eles não possam forjar um
outro modo de intercâmbio com a natureza qualitativamente distinto do que tem
prevalecido nos últimos séculos. Não há nenhuma necessidade ontológica de os seres
humanos se relacionarem com a natureza de forma destrutiva. Essa é uma característica
de uma época da história humana, e não uma condição imutável da existência dos seres
humanos.
O problema que se coloca para nossa época não é mais como obter o domínio
sobre a natureza. Este foi o problema da era moderna: “tornar o homem senhor e
possuidor da natureza”?241 Mas essa etapa da história está chegando ao fim: seja pelos
limites de sua forma de socialização, seja pelos limites da própria natureza. No fim de
linha da modernidade, o problema que se coloca é bem outro: como “dominar” a
dominação. Ou melhor: como impedir que esse impulso à dominação continue
prevalecendo e gerando tormentos cada vez maiores para as pessoas e para restante do
240
MARX, Karl. Manuscrits de 1844. Paris: Flammarion, 1996. p.144.
241
DESCARTES, René. Meditações metafísicas. São Paulo: Abril Cultural, 1991. (Os pensadores). p. 63.
118
planeta.242 Esse problema já havia sido apresentado por Walter Benjamin ainda na
primeira metade do século XX. Em Rua de mão única, ele observa que os imperialistas
ensinam que o sentido da técnica é a dominação da natureza. Mas, sob esse impulso, a
“técnica traiu a humanidade e transformou o leito de núpcias em um mar de sangue”.
242
“Uma sociedade cada vez mais doente mas cada vez mais poderosa recriou em todas as partes o
mundo concretamente como entorno e decorado de sua doença, como planeta doente. Uma sociedade que
não chegou ainda a fazer-se homogênea e que não se determina a si mesma, mas que está determinada
cada vez mais por uma parte de si mesma que se situa por cima e à margem dela, se desenvolveu um
movimento de dominação da natureza que não se domina a si mesmo. O capitalismo chegou finalmente,
por seu próprio movimento, a prova de que já não é capaz de seguir desenvolvendo as forças produtivas,
e não em um sentido quantitativo, como muitos acreditavam, mas em sentido qualitativo. O conflito entre
as forças produtivas modernas e as relações de produção [...] entrou em sua última fase. A produção da
não-vida seguiu com cada vez maior rapidez seu processo linear e cumulativo; agora ultrapassou um
último umbral de seu progresso e está produzindo diretamente a morte”. DEBORD, Guy. El planeta
enferno. Barcelona: Anagrama, 2006. pp. 79, 82.
243
BENJAMIN, Walter. Rua de mão única. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 69.
244
Idem. O surrealismo. O último instantâneo da inteligência européia. In: Magia e técnica, arte e
política. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras escolhidas; v. I) p. 33.
119
a humanidade desperta poderes que podem escapar ao seu controle. É preciso impedir
que essa locomotiva chamada de progresso nos leve para o abismo.
245
HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995. p. 562.
120
246
Segundo Michael Löwy, para Marx, “o ponto de vista de classe e a visão social de mundo
correspondente determinam um horizonte intelectual, os limites estruturais intransponíveis do campo da
visibilidade cognitiva, o máximo de conhecimento possível a partir dessa perspectiva”. LÖWY, Michael.
As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do
conhecimento. São Paulo: Busca Vida, 1987. p. 202. Não é por acaso que o proletariado esteja na
vanguarda da modernização capitalista – por exemplo, a luta pela expansão dos direitos, com a
correspondente busca pela integração dos trabalhadores na sociedade burguesa. Não há nada nesse ponto
121
Não é apenas o capital que tem de ser suprimido. Essa supressão requer
igualmente a supressão do trabalho. O trabalho não é uma atividade ontológica, como
supõe o marxismo produtivista e industrialista. Ele é uma categoria e uma forma de
atividade da sociedade capitalista. Só pode ser compreendida no interior dessa forma de
organização social. Portanto, uma nova forma de socialização está não apenas para
além do capital como também está para além do trabalho. Que os seres humanos terão
que continuar produzindo numa forma socialização melhor, isso não há dúvida. Mas,
para ser realmente alternativa, ela não poderá se apoiar sobre a forma-trabalho.
O trabalho é um valor sacrossanto da sociedade capitalista – afirmado tanto
pelos defensores do sistema como por muito de seus supostos críticos. O trabalho é
assim considerado algo que é sempre bom, independentemente daquilo que se esteja
produzindo. E assim escapa de qualquer julgamento crítico. A finalidade da atividade
produtiva não é colocada em questão. O trabalho torna-se assim um comportamento
compulsivo que bloqueia os seres humanos a forjar um outro tipo de relação com a
natureza (inclusive sua própria natureza) que não seja produtivista e utilitarista. Toda
essa loucura típica do mundo capitalista tem de ser negada numa outra forma de
socialização.
Uma crítica do trabalho não é externa ao próprio campo do marxismo. As
indicações de tal crítica se encontram na própria obra de Marx. Cito aqui uma passagem
importante – e muito negligenciada – de A ideologia alemã:
de vista de classe que aponte para fora do mundo do capital. Não há nenhuma necessidade inerente entre a
perspectiva revolucionária e o ponto de vista da classe trabalhadora. A classe trabalhadora pode ou não
ser revolucionária. Em realidade, não há nenhuma barreira sociológica que impeça as pessoas alçarem a
um ponto de vista revolucionário.
122
CONSIDERAÇOES FINAIS
ou
com todo vapor ao colapso... sócio-ecológico
O capital está utilizando uma terrível tática militar: ele passa deixando uma
terra arrasada atrás de si. E isso não é algo que tenha pouca importância para quem
sonha com a emancipação. Estamos caminhando para uma situação em que a
socialização alternativa talvez fique irremediavelmente inviabilizada pela destruição das
condições ecológicas e materiais que são tão necessárias. Ou alguém imagina ser
possível soerguer uma sociedade qualitativamente diferente e melhor entre as ruínas da
natureza? Que o capitalismo tende a desaparecer da face da terra, isso não resta dúvida.
O problema é que podemos desaparecer junto com ele. A mecha está queimando
velozmente e logo atingirá a dinamite.250
A pré-história humana pode vir a terminar como anti-história. Estamos na pré-
história da humanidade. Equipamo-nos com toda uma panóplia de meios high-tech.
Despertamos forças e poderes que não podem ser controlados por um modo de
socialização inconsciente e fetichista. O capitalismo só pode nos prometer um futuro
sombrio: o “horror sem fim”, de barbárie e crise ecológica, ou o “fim horroroso”, de
colapso ecológico generalizado e extinção dos seres humanos.
Slavoj Zizek capta essa importante modificação na perspectiva de nosso
horizonte histórico:
250
“se a eliminação da burguesia não estiver efetivada até um momento quase calculável do
desenvolvimento econômico e técnico (a inflação e a guerra de gases o assinalam), tudo está perdido.
Antes que a centelha chegue à dinamite, é preciso que o pavio que queima seja cortado”. BENJAMIN,
Walter. Rua de mão única. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987. (Obras escolhidas; v. II) p. 46.
251
ZIZEK, Slavoj. Censorship Today: Violence, or Ecology as a New Opium for the Masses. Disponível
em: http://www.lacan.com/zizeclogy1.htm
125
1. Aquecimento da Terra
252
"Ter quatro anos seguidos de crescimento, acima da média, de dióxido de carbono é sem precedentes",
diz nota assinada por Paul Fraser, cientista do centro para pesquisa marítima e atmosférica da CSIRO. E
acrescenta: “A tendência em anos recentes sugere que a taxa de crescimento está acelerando, o que
significa que os combustíveis fósseis estão tendo um impacto sobre as concentrações de gases do efeito
estufa que não víamos no passado". Emissão de gás carbônico dobra em 10 anos. Globo.com, 28/11/2006.
Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,AA1367166-5603,00.html
128
2. Protocolo de Kyoto
No momento em que o capitalismo principia a engendrar um processo de crise
ecológica – e, possivelmente, de colapso ecológico – irrompe uma enorme onda de
retórica em torno da defesa do meio ambiente. O problema ecológico deixou de ser
abordado por apenas algumas poucas organizações sociais e indivíduos. Políticos,
empresários, cientistas, meios de comunicação etc. parecem ter acordado para esse
253
PAIVA, Eduardo. Refugiados ambientais: as primeiras vítimas do aquecimento global. Planeta, agosto
de 2009. pp. 36-41
254
POINTING, Clive. Uma história verde do mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. p. 621,
255
KENNEDY, Paul. Preparando para o século XXI. Rio de Janeiro: Campus, 1993. p. 109.
256
PAIVA, Eduardo. Refugiados ambientais: as primeiras vítimas do aquecimento global. Planeta, agosto
de 2009. pp. 36-41
257
REEVES, Hubert. Mal da Terra: Paz da Terra, 2006.
129
258
Mesmo não sendo obrigados a cumprir metas de redução, os chamados países em desenvolvimento
respondem por quase metade das emissões de dióxido de carbono mundiais, e por 73% do aumento das
emissões em 2004. Segundo a Agência de Avaliação Ambiental da Holanda, a China, que estava 2 por
cento atrás dos Estados Unidos em emissões de dióxido de carbono em 2005, superou os Estados Unidos
em 2006 em 7,5 por cento. Entretanto, as emissões per capita da China são menos de um quarto das
emissões dos Estados Unidos – a China, com uma população de 1,3 bilhão, emite cerca de 4,7 toneladas
de CO2 por habitante, contra 19,2 toneladas nos EUA. China diz que países ricos não deveriam criticar
sua poluição. Ambiente em foco, 23 de junho de 2007. Disponível em:
http://www.ambienteemfoco.com.br/?p=4681
130
3. Soluções tecnológicas
Mas estas soluções também não poderão ser de ordem tecnológica. Um dos
remédios tecnológicos são fornecidos pelas empresas de “geoengenharia” – empresas
dedicadas à modificação do ambiente voluntariamente e em grande escala. Uma das
propostas da geoengenharia consiste em aumentar a capacidade de os oceanos
“funcionarem” como “esgotos” de carbono por meio da dispersão de certas substâncias
no mar. Tais emissões serviriam para “fertilizar” os oceanos. A empresa Planktos Inc.,
por exemplo, pretende derramar nanopartículas de ferro nos oceanos. A empresa
australiana Ocean Nourishment Corporation, por sua vez, tenciona o mesmo através do
derramamento de úreia no mar. 260 A biotecnologia também pretende contribuir para a
solução dos problemas ecológicos. Craig Venter – ex-presidente e diretor-geral da
Celera, a companhia que seqüenciou o genoma humano – propõe a criação de novos
microorganismos capazes de se alimentar de dióxido de carbono na atmosfera,
transformando-o em algo semelhante ao óleo e à gasolina. Prevê-se também que os
nanorobôs também possam ser empregados no futuro com essa finalidade.
Mas seriam tais medidas razoáveis? Vale a pena correr o risco de promover
intervenções em larga escala no ambiente, quando o problema fundamental consiste
exatamente em reduzir a escala e a intensidade das intervenções sobre a natureza?
Poderia a tecnologia e o sistema econômico que têm provocado o arruinamento
ecológico da Terra fornecer os meios de resolver – em realidade já nem se fala mais
nisso, mas tão-somente em minorá-los – os graves problemas ecológicos de nossa
época? É possível que as intervenções desejadas em larga escala na natureza provoque
efeitos secundários, não-desejados, maiores que os problemas que visa resolver. A
natureza é muito complexa para ser submetida a tratamentos tão simplistas. Um suposto
aumento da capacidade de absorção de carbono pode criar transtornos ecológicos que
escapam inteiramente à visão reducionista da ciência contemporânea.
259
Cf. LOWY, Michael. Ecologia e socialismo. Disponível em: http://www.mst.org.br/mst/pagina.
260
O projeto de verter 500 toneladas de uréia no mar de Sulo, próximos às Filipinas, teve de ser alterado
em função da oposição do governo filipino e à denuncia de várias organizações sociais, em função dos
impactos sociais e ecológicos que ele provocaria. Entretanto, a Ocean Nourishment Corporation segue
com o plano de verter mais de mil toneladas de uréia em águas malaias. Considera também fazer o
mesmo nas águas do Chile, Emirados Árabes e, possivelmente, Marrocos. RIBEIRO, Silva. Mudanças
climáticas: os que lucram e os que resistem. Disponível em: http://www.mst.org.br/mst/pagina.
131
4. Petróleo e automóvel
261
Segundo a Organização Mundial de Saúde, 1,2 milhão de pessoas morrem e 50 milhões ficam feridas
em acidentes automobilísticos a cada ano. Somente no Brasil morrem mais de 30 mil pessoas por ano. A
perspectiva é de que, em 2020, esse número seja 60% maior em todo o mundo. Mais de um milhão de
pessoas morrem no trânsito por ano, diz OMS. Atualizado em 07/04/2004. Disponível em:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/ciencia/story/2004/04/040407_transitorg.shtml
132
físicos do planeta será sentido de forma muito violenta no momento em que a produção
de petróleo principiar a declinar. É muito provável que já tenhamos atingido o pico da
extração de petróleo. Doravante, o petróleo tende a escassear numa sociedade centrada
no petróleo.
O tamanho da frota de automóveis indica o caráter essencialmente antiecológico
e predatório do modo de produção e de vida capitalista. Estima-se que a frota de
veículos em 2007 era de cerca de 950 milhões de veículos, dentre os quais quase 700
milhões somente de automóveis. E a cada ano muitos milhões de novos veículos são
postos em circulação. Somente em 2007 foram produzidos mais de 70 milhões de
veículos, dentre os quais 50 milhões de carros.262 Não precisa muito esforço para
verificar o caráter insustentável de tudo isso. O petróleo é essencial não apenas como
combustível para os veículos. Ele é também matéria-prima essencial para sua produção:
peças, pintura, lubrificantes, pneus etc. E não se pode esquecer a imensa quantidade de
energia – em grande medida fóssil – despendida na produção automobilística. Portanto,
o problema do esgotamento do petróleo vai muito além do simples fornecimento de
combustível líquido para os tanques dos veículos.
Além do caráter homicida e ecocida dos automóveis, é preciso destacar que eles
têm servido cada vez menos para deslocar as pessoas com conforto e eficiência. Os
engarrafamentos intermináveis e cada vez mais constantes nas cidades servem para
mostrar que, também nesse aspecto, a civilização automobilística marcha para o
colapso. A “enorme coleção” de veículos faz o mundo chafurdar em poluição,
devastação ecológica, stress, perda de tempo e acidentes, muitos acidentes etc. O mundo
automobilizado é essencialmente antihumano e antiecológico.
262
Dados extraídos de http://automotivebusiness.com.br/estat.htm
133
263
O termo biocombustível invoca uma imagem vital de renovação e abundância. Seria uma energia
limpa, verde, sustentável. Capaz de melhorar a vida das pessoas e ecologicamente sustentável. No
entanto, essa imagem é falsa. Serve apenas para forjar um mito e turvar a discussão. Por isso, ao invés de
chamar de biocombustível, seguindo a indicação de Eric Holt-Giménez, doravante utilizarei o termo
agrocombustível. HOLT-GIMÉNEZ, Eric. Biocombusteis: os cinco mitos da transição dos agro-
combustíveis. Situação e perspectivas da agroenergia no Brasil. Via Campesina Brasil, novembro de
2007.
264
BORÓN, Atílio. Biocombustibles: el porvenir de una ilusión. Disponível em:
http://www.iade.org.ar/modules/noticias/articles.php?storyid=1648
134
para ceder lugar às plantações de óleo de palma (conhecido no Brasil como dendê). 265 A
Floresta Amazônica também encontra gravemente ameaçada. Desde que integrada no
projeto da modernização brasileira nas décadas de 1960-70, ela floresta tem sido
sistematicamente pilhada e degradada. A aceleração da depredação da Floresta
Amazônica ganha um forte impulso com a produção dos agrocombustíveis. A produção
das chamadas culturas energéticas fará com que as fronteiras agrícolas avancem sobre a
Floresta Amazônica. Basta observar o que pensam, por exemplo, alguns pesquisadores
da Embrapa. Para eles, a Amazônia é um dos principais trunfos do Brasil no negócio
dos agrocombustíveis. Ela “possui o maior potencial para o plantio de dendê do mundo,
com área estimada de 70 milhões de hectares”.266 Assim, “biodiesel do
desflorestamento” representa uma grande ameaça para a Floresta Amazônica. A
produção de etanol também faz o plantio de cana-de-açucar avançar sobre a floresta.
Mas esse não é o único ecosistema a ser atingido no Brasil pela produção de
agrocombustível. Ele contribuirá para destruir o Cerrado e o que resta da Mata
Atlântica. É essa sanha destrutiva que faz com que o agrocombustível deva ser
considerado como “a mais importante ameaça à diversidade biológica da Terra”. 267
Mas os agrocombustíveis não entram em rota de colisão apenas com as florestas.
Ele também tende a ampliar o problema da fome no mundo. Com a produção dos
agrocombustíveis, os tanques dos automóveis entraram em disputa acirrada com as
pessoas pela posse dos alimentos. Uma das conseqüências do crescimento da demanda
por agrombustíveis consiste no aumento do preço dos alimentos. Este aumento de
preços já é responsável por uma grave crise alimentar. Os agrombustíveis tendem a
transformar esse problema de algo meramente conjuntural num problema estrutural. 268
Deve-se notar que, ao contrário do que se tem afirmado, o aumento do preço dos
alimentos não se deve ao crescimento das demandas da Índia e da China. De acordo
com um informe confidencial do Banco Mundial, obtido pelo The Guardian, a demanda
desses países – bem como a seca na Austrália – teve um impacto apenas marginal sobre
o preço dos alimentos. Estima-se que o aumento do preço da energia e dos fertilizantes
contribuiu com um aumento no preço de 15%, enquanto que os agrombustíveis foram
265
HO, Mae-Wan. Biocombustíveis: biodevastação, fome e falsos créditos de carbono. Disponível em:
http://www.mst.org.br/mst/pagina
266
PERES, José Roberto Rodrigues; JUNIOR, Elias de Freitas; GAZZONI, Décio Luis. Biocombustíveis:
uma oportunidade para o agronegócio brasileiro. p. 39. Disponível em: http://www.agronegocios-
e.com.br/agr;down/Pol_Agre_1_2005_Art05pdf-
267
BROW, Lester. Biocombustíveis são a maior ameaça a diversidade da Terra. Situação e perspectivas
da agroenergia no Brasil. Via Campesina Brasil, novembro de 2007. p. 48.
268
UMBELINO, Ariovaldo. Razões da crise alimentar. Disponível em http:/www.mst.org.Br/mst/pagina
135
responsáveis com 75% do aumento no mesmo período. O Banco Mundial estima que
mais de 100 milhões de pessoas em todo o mundo foram lançados para baixo da linha
de pobreza por causa desses aumentos, tendo provocado revoltas e manifestações em
várias partes do mundo.269
O impacto demolidor do encarecimento dos alimentos ocorrerá inexoravelmente
na medida em que a terra seja cada vez mais utilizada para produzir uma commodity
suscetível de ser transformada em carburante. Essa tese é demonstrada por C. Ford
Runge e Benjamin Senauer no texto intitulado O modo como os biocombustíveis
poderiam fazer os pobres passarem fome. Segundo esses dois acadêmicos, o
crescimento da indústria de agrombustíveis está aumentando não só o preço do milho,
das sementes oleaginosas e outros grãos, mas também de produtos que parecem não
guardar qualquer relação com os agrombustíveis, como, por exemplo, galinha, leite e
ovos. A utilização da terra para o plantio do milho destinado à produção do etanol está
reduzindo a área de outros cultivos, provocando um aumento no custo de produção de
outros gêneros alimentícios – custo esse que, em grande medida, recairá sobre o
consumidor.270 Os autores advertem ainda que os efeitos mais devastadores da subida
do preço dos alimentos serão sentidos especialmente nos países do Terceiro Mundo.
Essas tendências prefiguram um holocausto social de imensa proporção. Eles estimam
que para cada aumento de 1% no preço dos alimentos básicos, o grupo de pessoas que
passam fome aumentará em cerca de 16 milhões de pessoas. Conforme seus cálculos
mais conservadores, a continuidade do aumento de preços deverá aumentar a população
de famélicos no mundo em, pelo menos, mais duzentos milhões de pessoas em 2025.
Para Atílio Borón, o agrocombustível tende a promover um “genocídio silencioso”.271 O
chamado biocombustível deveria ser designado de tanatocombustível.
269
CHAKARABORTTY, Aditya. Un estúdio interno del Banco Mundial da un duro golpe a los cultivos
energéticos. Disponível em: http://www.rebelion.org/noticia.php?id+70279&titular=informe-secreto:-
bocombustibles-provocan-crisis-alimentaria-
270
RUNGE, C. Ford & SENAUER, Benjamin. El modo en que los biocombustibles pudieran hacer pasar
hambre a los pobres. Disponível em: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=49418
271
BORÓN, Atílio. Biocombustibles: el porvenir de una ilusión. Disponível em:
http://www.iade.org.ar/modules/noticias/articles.php?storyid=1648
136
272
HO, Mae-Wan. Biocombustíveis: biodevastação, fome e falsos créditos de carbono. Disponível em:
http://www.mst.org.br/mst/pagina
137
273
HO, Mae-Wan. Biocombustíveis: biodevastação, fome e falsos créditos de carbono. Disponível em:
http://www.mst.org.br/mst/pagina A eutroficação é um fenômeno causado pelo excesso de nutrientes
(compostos químicos ricos em fósforo e nitrogênio, normalmente causado pela descarga de efluentes
agrícolas, urbanos e industriais) num corpo de água mais ou menos fechado (rios, lagos, baías, estuários
etc.), levando à proliferação excessiva de algas, que, ao entrarem em decomposição, promovem o
aumento do número de microorganismos e à conseqüente deterioração da qualidade do corpo d‟água.
274
Em junho e agosto de 2005, por exemplo, foi decretado estado de alerta na região dos canaviais no
estado de São Paulo em virtude de as queimadas terem levado a umidade do ar atingir níveis
extremamente baixos (entre 13% e 15%). Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, foram
registrados 287 focos de queimadas nesse período. MENDONÇA, Maria Luisa. A OMC e os efeitos
destrutivos da cana no Brasil. Cadernos de Formação 2.
138
problemas ecológicos de nossa época e nem servir como uma fonte alternativa de
energia ao petróleo, pois gasta mais energia do que consegue poupar.
O agrocombustível pode contribuir promover uma maior aceitação pública e
uma menor restrição ao cultivo dos organismos geneticamente modificados, uma vez
que não são utilizados diretamente como alimento nem como ração. Daí o grande
interesse das empresas de organismos geneticamente modificados por esse tipo de
cultura. Não é pelo fato de não estar diretamente ligado à produção de alimentos que os
organismos geneticamente modificados se tornaram menos nefastos para os seres
humanos e o conjunto do ambiente. Segundo Eric Holt-Giménes, diretor executivo do
Food First/Institute for Food and Developmente Policy: “Dada a promiscuidade
demonstrada das plantas geneticamente modificadas, podemos esperar contaminações
genéticas maciças. Isso vai deixar a Monsanto e a Syngenta muito satisfeitas. Os
agrocombustíveis vão servir como o seu cavalo de Tróia genético, lhes permitindo
colonizar completamente o nosso sistema de combustíveis e alimentos”. 275 Também,
por esse motivo, os agrocombustíveis contribuirão para aumentar os problemas
ecológicos.
275
HOLT-GIMÉNEZ, Eric. Biocombusteis: os cinco mitos da transição dos agro-combustíveis. Situação
e perspectivas da agroenergia no Brasil. Via Campesina Brasil, novembro de 2007. pp. 41, 42.
276
JUNIOR, Caio Prado. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1957. p. 129.
277
HOLANDA, Sergio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 51.
278
Id. Ibid. p. 49.
139
“No afã de gastar gentes e matas, bichos e coisas para lucrar, acabam com as florestas
mais portentosas da Terra. Desmatam morrarias incomensuráveis, na busca de minerais.
Erodem e arrasam terras sem conta. Gastam gente, aos milhões”. 279
O agrocombustível é apenas mais um capítulo dessa longa história da divisão
internacional do trabalho em que algumas comarcas do mundo limitaram-se a perder
sempre. No momento em que o Terceiro Mundo amarga o fim do desenvolvimentismo
nacional, em virtude de sua incapacidade de realizar as inversões necessárias para
acompanhar a aceleração econômica e tecnológica global, o caráter predatório sobre
gentes e sobre a natureza inteira recrudesce ainda mais. Assim, a inserção do Brasil no
mercado mundial passa a depender cada vez mais da exploração e depredação da
natureza e da exploração das gentes. O agrocombustível pode até ser uma “janela de
oportunidade”, como apregoam seus defensores, mas uma “janela” que trará lucros para
alguns poucos e desgraça social para a maioria e danos ecológicos irreparáveis para o
planeta – e, portanto, para todos.
As atuais políticas para o setor dos agrocombustíveis sustentam-se nos
elementos que marcaram a colonização brasileira: apropriação de território, bens
naturais e trabalho superexplorado. Portanto, baseia-se nos princípios bárbaros e
destrutivos de sempre: terra e gentes para gastar e arruinar sem qualquer pejo. A
monocultura – esta que constitui uma das principais invenções do mundo moderno – é a
forma técnica e de poder que liga os princípios da colonização à etapa atual do
desenvolvimento do capitalismo. 280 Depredação da natureza e exploração e destruição
dos seres humanos estão indissociavelmente ligados a essa forma de produção.
Um dos mitos do agrocombustíveis é o de que ele promoverá desenvolvimento
rural. Mas é o contrário o que ocorre. Não há espaço para o pequeno produtor no
negócio dos agrocombustíveis. As grandes indústrias de petróleo, grãos e a indústria
genética estão rapidamente consolidando o seu controle sobre toda a cadeia de valor do
agrocombustível. Basta lembrar que apenas duas dessas grandes corporações, a Cargill e
a ADM, controlam 64 por cento de todo o comércio global de grãos. Os produtores de
agrocombustível tendem a se tornar cada vez mais dependentes de algumas poucas
corporações. Em conseqüência disso, milhões de pequenos proprietários serão forçados
a sair do mercado e serão expulsos de suas terras. Portanto, não há nesse negócio
279
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. pp. 68, 69.
280
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. Monocultura, técnica e poder. Disponível em:
http://www.mst.org.br/mst/pagina.
140
Fim de partida
281
Conflitos no Campo Brasil 2007,
http://www.cptnac.com.br/?system=news&action=read&id=2430&eid=6
282
Expansão da cana aumenta a exploração. Brasil de Fato, de 5 a 11 de junho de 2008, p. 3.
283
KURZ, Robert. O colapso da modernização: da derrocada do socialismo de caserna à crise da
economia mundial. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
141
ao programa prescrito pelo capital: destruir o quanto puder e que as próximas gerações
fiquem com o prejuízo.
O capitalismo não é capaz de resolver os problemas ecológicos e materiais que
ele próprio provoca. Pelo contrário. Não cessa de torná-los ainda mais graves. O
biocombustível é fuga para frente do capitalismo e resultará numa tragédia sem
precedentes no Brasil e no Mundo. Depois de pilhar o petróleo, agora é a superfície da
terra que vai ser literalmente incinerada na combustão capitalista.
O desvario não tem fim...
142
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