Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

40415-Texto Do Artigo-185729-1-10-20180921

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 21

Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p.

1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

DOI: 10.14393/DL35-v12n3a2018-12

O fenômeno dêitico e o processo de flexão


(pro)nominal na Libras
The deictic phenomenon and the flexing process (pro)nominal in
Libras

Ediane Silva Lima*


Ronald Taveida da Cruz **

RESUMO: Neste artigo discorremos sobre ABSTRACT: In this article we discus


o uso e a relação dos sinais dêiticos pessoais about the use and the relationship of
como responsáveis pelo processo de personal deictic signs as responsible for
concordância verbal na Libras. Além de the verbal agreement process in
defendermos que, os sinais dêiticos se Brazilian Sign Language. In addition to
flexionam do mesmo modo que os sinais defending the deictic signals flex the
nominais, isto é, recebem itens sublexicais same manner as the nominal signals, i.e.
distintos para indicar um ou outro sentido, receive sublexical different items to
também apontamos que esses sinais, indicate either direction also pointed
devido ao processo de evolução natural das out that these signs, because the process
línguas naturais, evoluem dando origem a of natural evolution of natural
novas formas, como o sinal do pronome languages evolve give the new forms, as
possessivo NOSSO, já que na Libras the sign of OUR possessive pronoun, as
encontramos sinais distintos para esse in Pounds find distinct signs for this
sentido de posse. Desse dado, aliado aos sense of ownership. This data,
estudos de Meier & Lillo-Martin (2013), e combined with studies of Meier & Lillo-
pautados em teóricos como Meier (1990), Martin (2013), and guided by theoretical
Ferreira (2010), Thompson et al (2013) and Meier (1990), Ferreira (2010),
dentre outros, indicamos que esses sinais Thompson et al (2013) among others,
dêiticos vêm se incorporando, ao longo do indicate that these deictic signs come to
tempo, aos verbos simples e ganham incorporating the over time, the simple
movimento no espaço neutro, indicados verbs and gain movement in neutral
por moduladores espaciais, ou seja, space, indicated by spatial modulators,
transformam-se em verbos não simples – ie, transformed into not simple verbs -
pois se deslocam espacialmente para for moving spatially to agree with the
concordar com o sujeito e/ou objeto. Esse subject and / or object. This
fenômeno nos possibilitou ‘enxergar’ que o phenomenon allowed us to 'see' the sign
caráter gestual nessa língua, devido o ato de character in that language, because the
apontar, ganhou novas possibilidades de act of pointing, gained new possibilities
uso e de sentido, assumindo então várias of use and meaning, then assuming
funções, às vezes concomitantemente, multiple roles, sometimes

* Docente e pesquisadora na área da Libras, Mestre em Letras-UFPI. limaedianeblues@yahoo.com.br


** Doutor em Lingüística pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1699
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

como descrito por esses teóricos. Desse simultaneously, as described by these


modo, concluímos que esses sinais theorists. Thus, we conclude that these
possuem uma capacidade para se signals have a capacity to behave the
comportar do mesmo modo que os sinais same way as lexical signs, but without
lexicais, mas sem perder seu caráter dêitico losing their deictic character point, to
de apontar, de indicar e de localizar. E que, indicate and to locate. And, therefore,
portanto, são responsáveis pelo processo de they are responsible for the verbal
concordância verbal seja incorporado aos agreement process is not incorporated
verbos não simples seja quando into the simple verbs is when
acompanham os verbos simples. accompanying simple verbs.

PALAVRAS-CHAVE: Sinais dêiticos. KEYWORDS: Deictic signs. Flexing.


Flexão. Libras. Libras.

1. Introdução
O presente artigo é um recorte de capítulo de uma pesquisa de mestrado. De

forma a discutir sobre o uso e a relação dos sinais dêiticos pessoais como responsáveis

pelo processo de concordância verbal na Língua Brasileira de Sinais - Libras.

Além de defendermos que, os sinais dêiticos se flexionam do mesmo modo que

os sinais nominais, isto é, recebem itens sublexicais distintos para indicar um ou outro

sentido, também apontamos que esses sinais, devido ao processo de evolução natural

das línguas naturais, evoluem dando origem a novas formas, como o sinal do pronome

possessivo NOSSO, já que na Libras encontramos sinais distintos para esse sentido de

posse. Desse dado, aliado aos estudos de Meier e Lillo-Martin (2013), e pautados em

teóricos como Meier (1990), Ferreira (2010), Thompson et al. (2013) dentre outros,

indicamos que esses sinais dêiticos vêm se incorporando, ao longo do tempo, aos

verbos simples e ganham movimento no espaço neutro, indicados por moduladores

espaciais, ou seja, transformam-se em verbos não simples – pois se deslocam

espacialmente para concordar com o sujeito e/ou objeto.

Esse fenômeno nos possibilitou ‘enxergar’ que o caráter gestual nessa língua,

devido o ato de apontar, ganhou novas possibilidades de uso e de sentido, assumindo

então várias funções, às vezes concomitantemente, como descrito por esses teóricos.

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1700
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

O presente artigo apresenta como objetivo central verificar como os sinais

dêiticos atuam e se flexionam do mesmo modo que os sinais nominais, bem como os

dêiticos pessoais atuam no processo de concordância verbal na Libras. Para melhor

explanação dos dados analisados e/ou identificados traçamos a seguinte estrutura:

apresentamos os principais pressupostos teóricos que viabilizam as discussões

centrais dos dados aqui analisados, seguido da metodologia, resultados e

considerações finais.

2. Pressupostos teóricos
Quando tratamos de apresentar a principal distinção entre línguas sinalizadas

e línguas faladas, esquecemos que esta tanto se utiliza da modalidade oral-auditiva

quanto da modalidade gestual-visual, ao passo que aquela se utiliza apenas dessa

última modalidade (BARBERÀ; ZWETS, 2013). No entanto, é importante notar que o

caráter gestual das línguas orais não se faz presente da mesma forma que nas línguas

de sinais, visto que a apontação gestual evoluiu nessas línguas para assumirem

componentes linguísticos e gramaticais (MEIER; LILLO-MARTIN, 2013).

As complexidades de uso e de funções dos sinais dêiticos acabam tornando-se

evidentes, devido esses sinais se localizarem em pontos estabelecidos pelo sinalizador

no espaço neutro de seus referentes discursivos (presentes ou não no enunciado). Em

que um ou dois locais podem ser associados a um único referente ou mesmo um único

local pode ser associado a vários referentes ausentes (BARBERÀ; ZWETS, 2013).

Neste artigo, defendemos que os sinais dêiticos se flexionam do mesmo modo

que os sinais nominais, e os dêiticos pessoais são responsáveis pelo processo de

concordância verbal na Libras. Nossas discussões permeiam sob duas perspectivas

teóricas:

A primeira defende que há três sinais dêiticos pronominais que marcam as três

pessoas do singular distintamente (EU – VOCÊ – EL@), no qual a direção do olhar atua

como marcador de distinção entre a segunda e a terceira pessoas, conforme propostos

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1701
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

por Berenz (1996). Já a segunda, com base em dados de pesquisa na ASL 1 e em outras

línguas de sinais, Meier (1990) e Meier e Lillo-Martin (2013) apresentam evidências de

que esses sinais dêiticos pronominais possuem uma única forma (não-primeira pessoa)

e, portanto, não se diferenciam lexicalmente. No próximo item discorreremos sobre

cada uma dessas perspectivas.

2.1 O fenômeno dêitico e a sua relação com os parâmetros na Libras: algumas


discussões teóricas

Em Libras há três sinais distintos para marcar as pessoas do singular:

Imagem 1 – Pronomes pessoais do singular.


1ª Pessoa - EU 2ª Pessoa - VOCÊ 3ª Pessoa - EL@

Fonte: Dicionário Deit-Libras (CAPOVILLA; RAPHAEL; MAURÍCIO, 2013).

E ao compararmos a 2ª e 3ª pessoas, devemos considerar o uso do olhar como

marcador de distinção dessas pessoas, fato que nos chama atenção quando trazemos

os dados investigados por Berenz (1996), a respeito dos estudos dos pronomes pessoais

na Libras. Essa pesquisadora observou que o sinal para a primeira e a segunda pessoa

é feito pelo alinhamento do corpo do sinalizador associado com a cabeça mais a direção

do olhar, o peito e a orientação da mão. Sendo que, a segunda pessoa tem o dedo

indicador apontado em direção a localização espacial do referente no discurso

estendido no mesmo plano da palma da mão. E o pronome de terceira pessoa segue

com o dedo indicador estendido de forma perpendicular à palma da mão, conforme

as mudanças na posição da cabeça e da direção do olhar levemente para cima em

1Língua de Sinais Americana.

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1702
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

direção à apontação, quando os referentes não estão presentes, em oposição à forma

apresentada com referentes presentes.

Dessas observações destacamos que, esses três sinais aparentemente

apresentam uma mesma CM (G1), isto é, uma única forma de pronome pessoal

(PRONOUN) atuando como índex referencial, como proposto por Lillo-Martin e

Klima (1990).

Esses sinais de apontação não são nomes e, sim, segundo Berenz e Ferreira-Brito

(1987), pronomes pessoais que substituem e/ou acompanham os sinais lexicais, através

do uso do dedo indicador, apontando no espaço para seus referentes. Assim, são

dêiticos por natureza, devido mesmo o seu caráter de apontar, localizar e/ou indicar

os referentes espaciais (FERREIRA, 2010).

E no que diz respeito à segunda perspectiva, o uso do olhar não atua como fator

de distinção entre os pronomes de segunda e de terceira pessoa, tendo em vista que

esse fenômeno vem sendo questionado há algum tempo (MEIER, 1990), e nos últimos

anos comprovado em pesquisas com base em testes (THOMPSON, 2006; THOMPSON

et al., 2013), em várias línguas de sinais.

De forma que para esses linguistas, os sinais dêiticos pessoais do singular são

apenas dois: a primeira pessoa e a não-primeira pessoa. Sendo que tanto há uma forma

para singular quanto para o plural dos dêiticos de 1ª pessoa. Já para não-primeira

pessoa (TU/EL@), não há uma representação para o plural, porque o referente aponta

para o sinalizador, mas não para as demais pessoas (MEIER; LILLO-MARTIN, 2013).

Esses autores apontam como fundamento para as mudanças de marcação

desses referentes ao longo do tempo, baseados nas discussões de Frishberg (1975), a

respeito das diferenças sutis na marcação da primeira pessoa do plural, sendo

inicialmente sinalizada a partir das diferentes direções para marcar não somente a

primeira pessoa do singular (EU), como também as demais pessoas (2ª e 3ª), dando

origem ao longo do tempo ao sinal NÓS:

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1703
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

Frishberg (1975) traçou uma mudança histórica na forma dos sinais na


ASL. Ela descobriu que o sinal NÓS tinha sido anteriormente
articulado como em uma série de impulsos, em torno de 5 ou 6
impulsos, primeiro apontando para o próprio peito do sinalizador, e
em seguida, representando três ou quatro pessoas (presentes ou
ausentes) e voltando novamente para o tronco do sinalizador (MEIER;
LILLO-MARTIN, 2013, p. 150) (Tradução Nossa).

Fato que justificaria para esses teóricos, o fato de o pronome dêitico de primeira

pessoa do plural ter evoluído da sua forma do singular, o qual se flexionou ganhando

novas unidades sublexicais (MEIER; LILLO-MARTIN, 2013). Para esses teóricos os

sinais NÓS / NOSSO ficam localizados sempre ao centro do tronco do sinalizador, do

mesmo modo que suas formas de origem EU / MEU. Já as formas para 2ª e 3ª pessoa

do singular e do plural não há distinção uma das outras.

Acrescentamos a esses dados, o fato de que os sinais dêiticos, antes

considerados como simples sinais gestuais, foram evoluindo nessas línguas

sinalizadas e assumindo distintas funções, tais como: pronomes dêiticos e anafóricos;

pronomes possessivos e reflexivos; pronomes demonstrativos; locativos; indicadores

das partes do corpo humano e quando atuam no processo de concordância verbal

(MEIER; LILLO-MARTIN, 2013). Ainda segundo esses teóricos, os sinais de apontação

na ASL são utilizados para fazer referência ao sinalizador, ao destinatário

(interlocutor) e ao não destinatário, por isso nos estudos das Línguas de sinais não se

pode ignorar o simples ato de apontar como gestual. Visto que esse ato não é tão

simples, pois além de serem utilizados de forma sistemática, assumem essas várias

funções, às vezes, simultaneamente.

Desses fatos apontados sob essa perspectiva teórica, temos algumas

considerações que serão discutidas no item que segue.

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1704
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

2.2 O processo de flexão pronominal na Libras

É evidente que, aqui no Brasil, até o momento, os pronomes de segunda e de


terceira pessoa têm como um dos elementos distintivos a marcação do olhar (BERENZ,
1996). Tendo em vista que, o olhar é tido como um componente não-manual (ENMs),
que serve tanto para marcar a distinção entre esses pronomes como também atuam
junto a verbos com concordância.
Contudo, independentemente da direção do uso do olhar, destacamos que os
parâmetros2 são os principais responsáveis em compor o léxico dessa língua. Portanto,
defendemos que há, sim, dois sinais para os pronomes de segunda e de terceira
pessoas na LIBRAS. Ou seja, há um componente fonológico (M e/ou O/D) que muda
e/ou se soma aos demais parâmetros para compor distintamente esses sinais dêiticos
na Libras:
- O pronome de primeira pessoa EU - CM (G1) + PA (Tronco do sinalizador) +
O/D (palma da mão voltada para o corpo do sinalizador) + M (parte do centro do
espaço neutro em direção ao tronco do sinalizador).
- E para a composição do sinal do pronome de segunda pessoa VOCÊ, temos a
CM (G1) + PA (espaço neutro) + O/D (palma da mão voltada para a esquerda 3 ou para
frente do corpo do sinalizador) + M (parte do tronco do sinalizador para o centro do
espaço neutro 4).
- E a terceira pessoa EL@ é formada pela mesma CM (G1) + PA (espaço neutro)
+ O/D (palma da mão voltada para frente ou à esquerda ou à direita do corpo do
sinalizador) e pela mudança do M (parte do centro do espaço neutro, seguindo em
frente/ ou à direita /ou à esquerda nesse espaço 5).

2 Os parâmetros são unidades sublexicais sem sentido, que auxiliam no processo de formação dos sinais,
são eles: Configuração de Mãos – CM; Ponto de Articulação - PA; Movimento – M; Orientação e Direção
da palma da mão – O/D e as Expressões Não-Manuais – ENMs.
3 Ou a palma da mão poderá ficar à direita, caso o sinalizador seja canhoto.

4 Dentro do espaço de sinalização, podemos medir esse deslocamento do sinal que vai do tronco do

sinalizador até ao centro do espaço neutro em ângulo de 90°.


5 Aqui o deslocamento do dedo indicador partindo do centro do espaço neutro para a possível

localização do referente de terceira pessoa, segue em ângulo de 60°.

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1705
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

Chamamos atenção para o fato de que essas duas pessoas (2ª e 3ª) não se

confundem em sentenças proferidas em Libras. Além do mais, acreditamos que se

houvesse apenas uma forma para representá-las teríamos grandes dificuldades em

reconhecer entre uma e outra, quando sinalizadas em contexto de uso. Até mesmo se

assim o fosse, o contexto seria suficiente para indicar quando fosse um sentido ou

outro? Ainda mais quando consideramos que a ambiguidade não se faz presente em

sentenças com esses sinais, e quanto a isso não se pode questionar 6.

Desse fato temos que, tanto Meier (1990) como Thompson (2006) e Thompson

et al. (2013) não explicam como se daria a distinção entre essas duas pessoas dentro do

discurso, tendo em vista que consideram que esses sinais têm a mesma forma, mas não

o mesmo sentido.

Já Meier e Lillo-Martin (2013) apontam que as distinções entre esquerda e

direita, que determinam os locais de referentes ausentes, são cruciais para a produção

e a interpretação desses referentes. Todavia, destacam que esses locais não são

suficientes para distinguir entre um sinal e outro, porque além de não serem pontos

fixos não podem ser listados em unidades fonológicas sublexicais (RATHMANN;

MATHUR, 2002 apud MEIER; LILLO-MARTIN, 2013). Do mesmo modo, para esses

linguistas, os sinais de apontação também não se distinguem articulatoriamente, como

ocorrem com os sinais lexicais. Esse problema é relacionado, ainda, com o fato de que

tanto os referentes ausentes como os destinatários não são possíveis de estabelecer

uma dualidade de padronização.

Discordamos veemente dessas considerações apontada por esses autores, pelos

seguintes fatores:

O primeiro é que, como eles mesmos defendem, em uma conversa sinalizada os

participantes ausentes (terceira pessoa) não ocupam locais fixos no espaço de

6Nos estudos das LS, especificamente no Brasil (QUADROS, 1995/1999), é apresentado que os referentes
dêiticos espaciais diminuem a possibilidade de ambiguidade em sentenças, devido mesmo a marcação
desses referentes se darem no espaço de sinalização.

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1706
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

sinalização em frente ao sinalizador. Para maiores esclarecimentos, examinemos o

seguinte exemplo:

Figura 1 – referentes dêiticos.

Desse exemplo partimos para o segundo fator.

Notem como é complexo imaginar uma conversa desse tipo, quando

detectamos que a noção direita-esquerda não é a mesma para os participantes

presentes (sinalizador / destinatário). Visto que é possível pressupor que Maria

também possa assumir o papel de sinalizador nessa conversa.

É nítido quando esses teóricos defendem que o contraste entre um ponto e outro

é muito significativo, pois é através da apontação direcionada a esses locais que

podemos identificar claramente os respectivos referentes. No entanto, esclarecemos

que isso só será possível, nesse contexto aqui descrito, se os respectivos referentes

forem nomeados, caso contrário, teríamos ambiguidade se simplesmente

apontássemos para esses pontos localizados em frente ao sinalizador, apesar de haver

a distinção esquerda/direita, mesmo assim isso não seria suficiente para saber qual

referente caberia a John e a Bill 7.

Acrescentamos a essas considerações que, todo e qualquer sinal (dêitico, nominal

e verbal) possui um PA, podendo ser articulado no espaço neutro, que é um tipo

7Esclarecemos, ainda, que caso o sinalizador e o seu interlocutor compartilhem da mesma experiência
o sinal dêitico de apontação será suficiente, sem necessidade de nomeação.

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1707
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

particular de PA, e/ou em alguma parte do corpo do sinalizador (cabeça, tronco,

antebraços, braços e mãos). Desse modo, defendemos que não é o local estabelecido para

indicar o referente ausente que definirá o sentido desse sinal, pois a direcionalidade do

sinal (dêitico ou nominal) parte sempre do sinalizador, até mesmo porque o sinalizador

pode mudar a posição desses referentes, isto é, deslocá-los dentro desse espaço, e até

mesmo serem retirados. O sinalizador poderá, ainda, assumir o papel desses referentes,

como em uma interpretação de papeis, nesse caso, o sinalizador tanto poderá assumir a

função de primeira, ou de segunda e/ou de terceira pessoa (QUADROS, 1995) e os sinais

dêiticos pessoais poderão ser utilizados ou não nesse processo.

3. Metodologia
Os resultados aqui apresentados são um recorte de dados coletados em uma

pesquisa de mestrado. Assim, a metodologia utilizada foi a de uma pesquisa descritiva

aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa – UFPI, a partir do cadastro na Plataforma

Brasil, cujo objetivo da pesquisa é verificar o comportamento dos verbos não simples

e a sua marcação de pessoa. Desse modo, os dados aqui discutidos partiram de duas

perspectivas, sendo a primeira uma revisão da bibliografia estudada para pesquisa

aliada, como segunda perspectiva, aos dados coletados em filmagens feitas em uma

associação de surdos, no município de Teresina-Piauí.

Fizemos um recorte dos dados e considerações identificadas durante essa fase

e traçamos um paralelo com as principais pesquisas sobre a temática e elaboramos, a

partir de um dos capítulos da dissertação, o presente artigo.

Assim, empregamos entrevistas e testes com os participantes para que


coletássemos e expuséssemos dados de nosso corpus de pesquisa que eram os verbos
simples e não simples e como os surdos investigados marcavam os referentes pessoais
ao se utilizarem desses verbos. Ainda se tratando do corpus analisado, a pesquisa foi
dividida em duas fases: filmagem das conversas paralelas dos surdos fluentes adultos
associados, essa fase durou 6 meses, sendo que os encontros na associação eram

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1708
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

sempre aos sábados. Já a segunda fase, denominada fase de testes, foram aplicadas
perguntas e solicitadas produção de frases em Libras a partir do uso de imagens, de
forma que os surdos pudessem explorar os sinais dos verbos simples, não simples,
bem como os referente dêiticos.
Contudo, devido mesmo o limite de laudas especificado para este artigo,
selecionamos apenas principais discussões a esse respeito dos dados identificados
durante a pesquisa e apresentamos no último item desse artigo.

4. Resultados
Destacamos que um sinal dêitico pessoal, assim como os demais sinais, é

produzido pela mão do sinalizador, que aponta em uma direção (para seu próprio

peito, à sua frente, à sua esquerda e/ou sua à direita); a CM é a mesma, contudo quando

verificamos os itens sublexicais (PA, M e O/D) é evidente que não temos a mesma

composição entre esses sinais, como apresentamos anteriormente. Os seguintes

exemplos identificados em nossa pesquisa 8, também apontam para essa realidade:

Imagem 2 – Sinais dêiticos pessoais forma singular.


EU VOCÊ EL@

Fonte: Dados coletados da pesquisa de campo em uma associação de surdos 9.

8 Esse artigo faz parte de uma pesquisa desenvolvida no mestrado, no qual foram feitas filmagens e
aplicados testes em uma associação de surdos, no município de Teresina, mediante autorização no
comitê de ética e pesquisa –CEP, da UFPI.
9 Sujeitos surdos participantes da pesquisa e autorizados pelo comitê de ética, mediante autorização do

Termo de consentimento livre e esclarecido – TCLE.

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1709
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

Os dados coletados em campo possibilitaram a compreensão de que esses sinais

são articulados de distintas formas, não sendo possível dizer se esta ou aquela é a mais

correta, porque é o sinalizador que particulariza as possibilidades de uso de sua língua,

por meio da entonação, da intenção, ou seja, tudo isso está em jogo nos atos de fala.

Contudo, a marcação entre um sinal e outro é estabelecida sob o ponto de vista de quem

sinaliza, pois parte da mão do sinalizador que marca/aponta um dado referente,

ancorado em seu corpo (EU) ou no espaço neutro (VOCÊ / EL@), sendo que a O/D mais

o uso do olhar fundamental para distinção entre pronomes dêiticos de 2ª e de 3ª pessoa.

Não podemos esquecer que os primeiros estudos apresentados por William

Stokoe, em meados dos anos 1960, se tratavam dos parâmetros, o que veio comprovar

os aspectos linguísticos e gramaticais dessas línguas (SACKS, 2010). Desse fato,

destacamos que todo e qualquer elemento na composição de um sinal é importante,

logo o sinalizador também faz parte desse ato linguístico, pois ele é o centro do espaço

de sinalização 10.

Assim, enquanto o pronome EU tem no tórax do sinalizador seu PA,

possibilitado pelo M, que parte do centro do espaço neutro, os de segunda e de terceira

pessoas se dão em uma direção oposta, de modo que a O/D e o M os distinguem

particularmente. Dessa forma, os parâmetros são os responsáveis por formar e compor

os sinais lexicais das línguas sinalizadas, e que o processo de formação e composição

desses sinais se dá pelo acréscimo e/ou mudanças desses afixos para distinguir entre

um sinal e outro.

E no caso dos dêiticos pessoais, eles diferem um do outro não somente porque

são sinais pronominais, mas devido ao processo de evolução que, partem do gestual

para o linguístico, do qual esses sinais derivam de um mesmo radical, CM (G1).

Isso nos parece bastante evidente, por dois motivos: o primeiro é que, de fato, o sinalizador faz parte
10

dos elementos que compõem graficamente o espaço neutro; já o segundo motivo, diz respeito ao quinto
parâmetro não-manual (ENMs) e aos demais manuais (PA, M, O/D e CM), ora se o sinal é manual e não-
manual a representação dessa língua é tanto facial, quanto manual e visual.

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1710
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

Ainda sobre exemplo apresentado por Meier & Lillo-Martin (2013),

acrescentamos o mesmo ponto de vista em Meier (1990), no qual discutem o caso

de que a primeira pessoa do singular sofre variação e, por isso, dá origem a outros

sentidos, em que os afixos (M e O/D) auxiliam nesse processo para compor a forma

plural.

Imagem 3 – Pronome de primeira pessoa do plural – NÓS.

Fonte: Dicionário Deit-Libras (CAPOVILLA; RAPHAEL; MAURÍCIO, 2013).

Ao observarmos os elementos que compõem esse sinal, temos a CM (G1) + O/D

(palma da mão voltada para trás do sinalizador e à sua direita) + M (semicircular, parte

do tronco do sinalizador à direita, seguindo para o espaço de sinalização e retorna ao

tronco, mais à esquerda do ombro do sinalizador) + P.A (o tronco do sinalizador +

espaço de sinalização). Esse sinal se dá pela composição dos sinais dêiticos pessoais

EU + EL@S, no qual os parâmetros (O/D, o M e o P.A), de ambos os sinais, são

incorporados, aglutinando-se, em uma única forma, do mesmo modo que no processo

de composição por aglutinação das palavras/nomes/sinais.

Desse fato, evidenciamos que a Libras por ser uma língua flexional, tende a

recorrer ao processo de flexão para compor seu léxico. Embora, também possua

características de língua aglutinante, no qual vários morfemas se unem a uma raiz e

são facilmente nela identificáveis (FELIPE, 2006). E esse parece ser o caso dos dêiticos

pronominais pessoais dessa língua.

De forma que os parâmetros compõem as unidades lexicais dos sinais em

Libras, que além de traçar a distinção entre um sinal e outro, também, quando se une

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1711
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

a outro parâmetro constroem novos sinais, dando-lhes possibilidades diversas de

sentidos (FARIA-NASCIMENTO, 2013). Por isso, detectamos ser esse o processo de

formação e composição dos sinais dêiticos pessoais, como podemos observar em

nossas discussões.

Do sinal NÓS há possibilidade para NOSSO, de forma que cada comunidade surda

brasileira dar sentido por meio de outras distintas formas. Assim, esses sinais vão

variando, e conforme evoluem passam a outras formas, como Meier & Lillo-Martin (2013):

Imagem 4 – Pronome de primeira pessoa do plural – Nosso.

Fonte: Dicionário Deit-Libras (CAPOVILLA; RAPHAEL; MAURÍCIO, 2013).

Imagem 5 – Pronome de primeira pessoa do plural – Nosso.

Fonte: Dicionário Deit-Libras (CAPOVILLA; RAPHAEL; MAURÍCIO, 2013).

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1712
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

Apesar de a CM (G1) ser recorrente na grande maioria dos sinais dêiticos da

Libras, verificamos que essa forma, devido mesmo a evolução do léxico nessa língua,

ganha outras formas, variando entre um ou outro parâmetro.

Ainda, segundo esses teóricos, é apresentado que os sinais dêiticos pessoais

passaram por um processo de evolução e foram incorporados aos verbos simples 11.

Esses autores apresentam dados de pesquisas feitas com três gerações de sinalizadores

da Língua de Sinais da Nicarágua e com sinalizadores da Língua de Sinais Israelense.

Essas pesquisas mostraram que esses sinalizadores passaram a utilizar os dêiticos

pessoais incorporados aos verbos, ao longo das gerações, e que a geração mais nova

passou a se utilizar mais de moduladores espaciais, de forma que os verbos

incorporaram esses referentes e foram ganhando movimento, o que possibilitou que

os mesmo se direcionassem para marcar tanto o sujeito como o objeto espacialmente.

Ademais, quando trazemos essa perspectiva para os estudos dos verbos da

Libras, isso vem ampliar a nossa noção de concordância verbal, ainda mais quando

trazemos para nossas discussões o fato de que a concordância verbal:

é o fenômeno sintático pelo qual um substantivo ou um pronome pode


exercer pressão de alteração formal sobre os pronomes que o
representam, os verbos de que ele é sujeito, e os adjetivos ou particípios
que a ele se referem. [...] Aliás, nem todas as línguas realizam as
concordâncias da mesma maneira. Algumas, como o banto, repetem
em todas as palavras da frase certas marcas do sujeito, conferindo
assim ao enunciado uma grande unidade formal. Outras, como o
inglês, reduzem a um mínimo a concordância (o artigo e o adjetivo são
invariáveis). Em francês ou português, o adjetivo e o artigo recebem as
marcas do substantivo ao qual se referem. O verbo vai para a pessoa e
o número do seu sujeito. Essa variação lembra assim que a pessoa ou
a coisa de que se fala é “singular” ou “plural”, o que permite eliminar
esta ou aquela ambiguidade [...] Em Francês, apresenta-se um caso
particular de concordância quando se trata do particípio passado [...]
(DUBOIS et al., 2006, p. 136).

11Dentro da nomenclatura da área, esses verbos ficam ancorados ao corpo do sinalizador e, por isso,
não sofrem o processo de concordância verbal (QUADROS; KARNOPP, 2004).

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1713
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

Por isso, evidenciamos que os verbos simples na Libras, tidos como verbos que

não sofrem concordância, são, na verdade, verbos que seguem uma certa regularidade

ao serem conjugados, esses verbos não recebem desinências número-pessoais e nem

temporais, como os verbos do inglês. Vejamos no quadro 1, como o ‘comportamento’

dos verbos no inglês e na Libras são iguais.

Quadro 1 – Conjugação verbal tempo FUTURO.


INGLÊS LIBRAS
To Study ESTUDAR
Future Futuro
I will study (EU) FUTURO ESTUDAR
You will study (VOCÊ) FUTURO ESTUDAR
He, She, It will study (EL@) FUTURO ESTUDAR
We will study (NÓS) FUTURO ESTUDAR
You will study (VOCÊS) FUTURO ESTUDAR
They will study (EL@) FUTURO ESTUDAR
Fonte: elaborado pelos autores.

É evidente que quando buscamos uma explicação, isso se justifica pelo fato de

a interferência da ASL se fazer muito presente na comunidade surda brasileira,

especialmente quando relacionada a estudos e pesquisas, tendo em vista que a maioria

das pesquisas relacionadas às línguas de sinais partirem de pesquisadores norte-

americanos.

Para entendemos melhor como se dá essa conjugação verbal, observemos

(Imagem 6) como as pessoas são marcadas/indicadas/localizadas no espaço de

sinalização, em frente ao corpo do sinalizador, através dos referentes espaciais (e/ou

sinais nominais), representados pelo fenômeno dêitico que auxilia no processo de

concordância verbal. E, se observamos mais detalhadamente, esse é o mesmo processo

que ocorre com os verbos não simples, o que muda é a articulação do sinal, porque

com esses verbos os marcadores estão incorporados na ação verbal.

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1714
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

Imagem 6 – GATOB CÃOA APEGARB.

Fonte: Quadros, 1997.

Imagem 7 – AMANHÃ dêitico CONVERSAR dêitico.

Fonte: Quadros e Karnopp, 2004.

Na imagem 6, o verbo PEGAR é um verbo não simples, observemos como, antes

da sua articulação, o sinalizador precisa apontar e indicar os referentes nomeando-os

e, ao mesmo tempo, fazendo uso do sinal dêitico (EL@), e só depois é que é sinalizado

o verbo. É verdade que, nesse caso, os referentes estão ausentes, mas destacamos,

ainda, o seguinte exemplo:

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1715
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

Imagem 8 – AVISAR.
GOVERNO AVISAR SURD@

Fonte: Dados coletados da pesquisa de campo em uma associação de surdos.

Aqui, o verbo não simples foi articulado marcando os referentes espacialmente,

mas independentemente disso, o seu sinal apresentou um ponto inicial e um ponto

final, marcando os dêiticos incorporados a ele. Também, notemos como o sinalizador

utilizou o sinal do verbo (AVISAR), partindo de um ponto inicial, isto é, de seu tronco,

assumindo o papel do governo, para em seguida deslocar ambas mãos para a frente

(espaço neutro), marcando o referente (SURD@). De forma a construir a seguinte

sentença: O governou avisou aos surdos.

Já na imagem 7, verificamos também a necessidade de o verbo ser identificado,

conforme seus referentes, e como bem ressaltamos, para que essa sentença não se torne

ambígua, é necessário, do mesmo modo que ocorre com os verbos não simples,

apontar e indicar esses referentes, que aqui se apresentam explicitamente. Além disso,

não podemos esquecer que, apesar de o verbo não se deslocar em direção ao sujeito

e/ou a seu objeto, há uma marcação desses pontos no espaço, só que possibilitada pelos

sinais dêiticos. E não é esse o caso dos verbos normais no inglês?

Ainda mais quando consideramos que:

a concordância é um fenômeno morfossintático que não se restringe à


sua marcação realizada abertamente por meio de uma trajetória [...]
pode haver formas neutras da concordância sem a sua marcação
realizada por meio da trajetória ou pela orientação da mão
(QUADROS; QUER, 2010, p. 45).

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1716
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

Por isso, defendemos que são os sinais dêiticos pessoais que auxiliam nesse

processo de concordância verbal, sendo que, com os verbos não simples, eles se

apresentam incorporados a esse verbo, que se desloca no espaço de sinalização. E no

caso dos verbos simples, por ser mesmo a sua articulação ancorada ao corpo do

sinalizador, esses referentes se apresentam separados dele. Destacamos, ainda, outras

possibilidades dessa relação de concordância espacial: como a incorporação de

número a esses sinais dêiticos que compõem o plural; o uso do olhar etc.

De todo modo, ressaltamos que não descartamos a possibilidade de, como

apresentado nos resultados de pesquisas de Meier e Lillo-Martin (2013), esses verbos

possam evoluir para as formas verbais direcionais, justamente pelo fato de os dêiticos

terem assumido a capacidade de se flexionar do mesmo modo que os sinais nominais

e por isso veem evoluindo, tomando novas formas, incorporando-se a outras. Enfim,

criando possibilidades de novos sentidos e usos nessa língua.

5. Considerações finais
Ao estudarmos os sinais dêiticos e a sua relação com os verbos, ‘enxergarmos’

o funcionamento da Libras: revendo a noção de concordância verbal, relacionada até

o momento apenas com os verbos não simples, no qual destacamos o “status”

linguístico dos sinais dêiticos e evidenciamos o processo de flexão desses sinais juntos

ou incorporados aos verbos simples e não simples da Libras.

O fenômeno dêitico nos direcionou para a sua compreensão e atuação dentro

do processo de concordância e conjugação verbal na Libras. E, ao mesmo tempo, na

sua atuação em diferentes funções nas línguas de sinais, do mesmo modo que ocorre

nas línguas orais.

Diante do fato de os verbos simples também fazerem uso dos pelos sinais

dêiticos pessoais, auxiliando-os no processo de concordância verbal, tal como

esclarecemos em nossas discussões, seja através da apontação nominal e/ou dos

referentes dêiticos (explícitos, omissos e incorporados) ou, ainda, da direção do olhar,

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1717
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

isso significa que, mais do que o ato de apontar em si, esse é um recurso linguístico

que tanto auxilia nesse processo, como também assume outras funções e usos na

Libras. Assim, quando defendemos que, às vezes, esses sinais dêiticos parecem

assumir mais de uma função, ao mesmo tempo, em uma dada sentença, entendemos

que esses sinais referenciais acabaram por se tornar demasiadamente complexos no

processo de estruturação das línguas sinalizadas e que, tal como ocorre nas línguas

orais, assumem as mesmas funções, como apresentamos em nossas discussões.

Referências Bibliográficas
BARBERÀ, G.; ZWETS, M. Pointing and reference in sign language. Sign Language
Studies, Volume 13, Number 4, Summer 2013, pp. 491-515.
https://doi.org/10.1353/sls.2013.0016

BERENZ, N. F. Person and deixis in Brazilian sign language. 1996. Dissertation


(PhD). University of California, Berkeley, 1996.

BERENZ, N.; FERREIRA -BRITO, L. Pronouns in BCSL and ASL. IN: SLR ’87: papers
from The Fourth International Symposium on Sign Language Research, eds. W.H.
Edmondson & Karlsson. 1987, Vol 10, p. 26-36.

CAPOVILLA, F. C.; RAPHAEL, W. D.; MAURICIO, A. C. Dicionário enciclopédico


ilustrado trilíngue: novo Deit-Libras Língua de Sinais Brasileira. Vol. 1: sinais de A a
H. São Paulo: Inep – CNPq CAPES, Edusp, 2013.

_____. Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue: novo Deit-Libras Língua de


Sinais Brasileira. Vol. 2: sinais de I a Z. São Paulo: Inep – CNPq CAPES, Edusp, 2013.

DUBOIS, Jean et alii. Dicionário de linguística. Rio de Janeiro: LTC, 2009.

FARIA-NASCIMENTO, S. P. de. A organização dos morfemas livres e presos em


LIBRAS: reflexões preliminares. IN: QUADROS, R. M. de; STUMPF, M. R.; LEITE, T.
de A. (Orgs.) Estudos da Língua Brasileira de Sinais I. Florianópolis, Insular, 2013.

FELIPE, T. A. Os processos de formação de palavras na LIBRAS. ETD – Educação


Temática Digital, Campinas-SP: 2006. v. 7, n. 2, p. 200-217. Disponível em:
http://www.surdo.org.br/estudos/ETD-2008-93.pdf. Acesso em: 11 set. 2014.

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1718
Ediane Silva Lima, Ronald Taveida da Cruz| p. 1699-1719 O fenômeno dêitico e o processo de flexão…

FERREIRA, L. Por uma gramática de língua de sinais. São Paulo: Cultrix, 2010.

LILLO-MARTIN, D.; KLIMA, E. Pointing out differences: ASL pronouns in syntactic


theory. In: FISCHER, S. D.; SIPLE, P. (Eds.), Theoretical Issues in Sign Language
Research, 1990, vol. 1. University of Chicago Press, Chicago, IL, pp. 121--210.

MEIER, R. P.; LILLO-MARTIN, D. The Points Of Language. Humana.Mente Journal of


Philosophical Studies, 2013, Vol. 24, 151–176. Disponível em:
http://www.humanamente.eu/PDF/Issue24_Complete.pdf. Acessado em: 12 out. 2015.

MEIER, R. P. Person deixis in American Sign Language. In: FISCHER, S. D.; SIPLE, P.
(Eds.), Theoretical Issues in Sign Language Research. 1990,University of Chicago
Press, Chicago, IL, pp. 175--190.

QUADROS, R. M. As categorias vazias pronominais: uma análise alternativa com


base na Libras e reflexos no processo de aquisição. 1995. Dissertação (Mestrado).
Pontifica Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1995.

QUADROS, R. M. de; QUER, J. A caracterização das concordâncias nas línguas de


sinais. In: LIMA-SALLES, H. M. M.; NAVES, R. R. (Orgs). Estudos gerativos de língua
de sinais brasileira e de aquisição de português (L2) por surdos. ed. 1ª. Goiânia:
Cânone Editorial, 2010. p. 33-58.

PIZZIO, A. L.; REZENDE, P.; QUADROS, R.M. (Orgs.). Língua Brasileira de Sinais
V. Florianópolis, SC: Universidade Federal de Santa Catarina / Material do Curso
de Licenciatura em Letras-Libras na Modalidade a Distância, 2009.

SACKS, O. Vendo vozes uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia
das Letras, 2010.

THOMPSON, R. L. et al. The eyes don’t point: understanding language universals


through person marking in American Signed Language. Elsevier, 2013. Disponível em:
www.sciencedirect.com. Acessado em: 20 set. 2015

______. Eye gaze in American Sign Language: linguistic functions for verbs and
pronoun. 2006. Dissertation (PhD).UC San Diego Electronic Theses and Dissertations.
UC San Diego, 2006. Disponível em: http://escholarship.org/uc/item/12r3h13m.
Acessado em: 15 set. 2015.

Artigo recebido em: 02.11.2017 Artigo aprovado em: 18.05.2018

Domínios de Lingu@gem | Uberlândia | vol. 12, n. 3 | jul. - set. 2018 ISSN 1980-5799 1719

Você também pode gostar