Catequese para Nativos Digitais
Catequese para Nativos Digitais
Catequese para Nativos Digitais
1. A catequese, hoje
O olhar atento sobre a realidade que nos envolve evidencia que, nas
últimas décadas, verificou-se na nossa sociedade a ocorrência de um con-
junto de profundas mudanças culturais, que colocam dificuldades sempre
diferentes à educação da fé1. Os catequizandos e as suas realidades são cada
vez mais diversificados: muitas crianças chegam à catequese sem um míni-
mo despertar religioso que faça desejar a vida cristã; a indiferença religiosa
difunde-se cada vez mais; aparecem igualmente muitos adultos e jovens com
percursos muito variados; a iliteracia religiosa continua evidente, apesar
de muitos completarem o itinerário catequético; o afastamento da prática
dominical parece aumentar, de tal forma que, muitas crianças que frequen-
tam a catequese, não participam na Eucaristia dominical2. Assim, tendo a
catequese a missão de iniciar à vida em Cristo, pela proposta da Palavra de
Deus e pela celebração dos sacramentos, verifica-se, no entanto, que estes
se encontram cada vez menos predispostos para responder ao anúncio do
Evangelho.
3
Cf. Biemmi, Enzo, «Crer como adultos, hoje. Desafios teológicos e catequéticos para os cristãos
e as comunidades adultas na fé», in Pastoral Catequética, 11/12 (2008) 147-157.
4
Cf. Alberich, Emilio; Derroitte, Henri; Vallabaraj, Jérôme, Les fondamentaus de la catéchèse,
ed. Lumen Vitae, Bruxelas 2006, 217-248.
5
Cf. Idem, 15-54.
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6
Cf. Bourgeois, Henri, Théologie catécuménale. Ed. Du Cerf, Paris 2007.
7
Cf. Campo Guilarte, Manuel del, La iniciación cristiana, ed. Facultad de Teología San Dámaso,
Madrid 2006; Idem, La comunicación de la fe, Facultad de Teologia San Dámaso, Madrid 2006.
8
Cf. Alberich, Emilio; Derroitte, Henri; Vallabaraj, Jérôme, Les fondamentaus de la ca-
téchèse, 49-71.
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9
Cf. Marlé, René, Les quatre piliers de la catéchèse, ed. Fayarde, Paris 1988; Derroit, Henri(dir),
Catéchèse et initiation, ed. Lumen Vitae, Bruxelas 2005.
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2. Sociedade Digital
10
Cf. Fossion, André., Dieu désirable. Proposition de la foi et initiation, ed. Lumen Vitae, Bru-
xelas, 2010, 55-72.
11
Cf. Castells, Manuel, A Galáxia Internet, ed. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 2007;
Idem, A Sociedade em Rede. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura, Vol. I, ed. Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa 2007; Zanon, Darlei, O impacto da sociedade em rede sobre a Igreja católica.
Elementos para uma cibereclesiologia, ed. Paulus, Lisboa 2012; Puntel, Joana T., Cultura mediática e
Igreja. Uma nova ambiência, ed. Paulinas, São Paulo 2005.
622 Luís Miguel Figueiredo Rodrigues e Tiago André Fernandes Freitas
12
Cf. Castells, Manuel, «Communicatio, power and Computerpower in the Network Society»,
in Telos, 75 (2008) [http://sociedadinformacion.fundacion.telefonica.com/telos/articuloautorin-
vitado.asp@idarticulo=3&rev=75.htm#n2, acedido a 15-05-2012].
13
O teólogo Dario Viganò caracteriza a rede como um «ambiente comunicativo e relacional».
Este novo ambiente relacional produziu uma verdadeira restruturação conceptual, colocando em
questão dimensões tão importantes quanto o espaço, o tempo e a relação, in Viganò, Dario, La musa
impara a digitare. Uomo, media e società, ed. Lateran Press University, Città del Vaticano 2009, 139.
14
Gatti, Guido, Etica della comunicazione, ed. LAS, Roma 2008, 150.
15
Cf. C. Giaccardi, Relazioni comunicative e affettive dei giovani nello scenario digitale, in
http://www.chiesadimilano.it/cms/speciali-archivio/in-evidenza/giovani-promotori-di-
socialit%C3%A0-1.44253 [acedido a 10-09-2012].
Catequese para nativos digitais 623
estar presente no mundo digital?» mas antes «como viver bem neste mundo?».
O plano digital é um dado assumido, harmonicamente integrado com as mais
diversas dimensões do quotidiano.
A primeira dimensão que o mundo digital evidencia é a natureza comunicativa
do ser humano. Só ele é capaz de assumir e negociar complexas relações e am-
bientes sociais16. O psicólogo cognitivo Howard Gardner identifica esta dinâmica
como sendo uma inteligência interpessoal17 que, a par de outras inteligências – como
a emocional –, concorrem para a totalidade da pessoa. O uso dos meios de comu-
nicação exprime, portanto, este desejo de entrar em relação com o outro.
A história dos media, particularmente da internet, revela-nos um pormenor
interessante. Nesta ânsia comunicativa da pessoa, não lhe basta ser um recetor.
Comunicar é interagir. A primeira fase da rede, a web 1.0, imitou, de certo modo,
os meios de comunicação de massa, como é caso da televisão ou da rádio. Os
sites eram estáticos e sem qualquer recurso ao som ou vídeo. Com o advento
da web 2.0., a interação tornou-se um elemento-chave e o uso das ferramentas
colaborativas (ex. google docs) uma prática comum. O som, a imagem e o vídeo
ganharam, de igual modo, um lugar de destaque. Podemos, assim, afirmar que a
sociedade digital converteu o «consumidor» num «produtor» (veja-se o exemplo
do YouTube) e o «leitor» num «autor» (como é caso dos blogs ou ebooks).
Por outro lado, a sociedade digital levanta novos desafios. «Novos» por-
que a realidade que ela gerou é nova. É inédito, por exemplo, o problema da
«divisão digital» ou dos «infoexcluídos». Aumenta cada vez mais a distância
que separa os países tecnologicamente desenvolvidos e aqueles em vias de de-
senvolvimento18, a divisão geracional ou ainda o usufruto de certas tecnologias
por parte de pessoas com alguma incapacidade.
É ainda nova a questão dos direitos nas sociedades digitais: liberdade de
expressão e direito à privacidade19; o direito a usufruir e legar em testamento
16
Edward Thorndike, psicólogo americano, foi um dos pioneiros no estudo da inteligência
social. Na sua perspectiva, esta inteligência corresponde à capacidade de perceber e interagir com
homens e mulheres e agir sabiamente no âmbito das relações humanas.
17
Cf. Gardner, Howard, Multiple Intelligences: New Horizons in Theory and Practice, ed. Basic
Book, New York 2006, 198.
18
Tem evoluído, nos últimos anos, a consciência global deste problema. Uma iniciativa
pioneira pertence ao projecto «One laptop per children» e outros projectos similares que lhe su-
cederam. O principal objectivo desta iniciativa é a de prover as crianças mais pobres do mundo
com um portátil robusto, de baixo custo e potência, mas que lhes permita migrarem para o novo
mundo da comunicação global. Encerra, deste modo, um propósito educativo. Mais informações
em http://one.laptop.org/.
19
Este tem sido um sério problema, principalmente com os serviços cloud que pretendem
garantir à partida, nas condições contratuais, o direito ao material que é colocado nos servidores.
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3. Implicações
20
Spadaro, Antonio, Cyberteologia. Pensare il cristianesimo al tempo della rete, ed. Vita e Pensiero,
Milão 2012, 22.
21
www.google.com/instant
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22
A cultura é um dos lugares fundamentais da acção evangelizadora. Várias coisas podem
influenciar o rumo das sociedades e, por inerência, as opções de vida de muitas pessoas. De entre
essas várias dimesões, o advento da tecnologia digital e de informação joga, certamente, um papel
preponderante. No Instrumento de trabalho para o Sínodo dos Bispos sobre a nova evangelização,
podemos ler o seguinte: «Tendo ela evoluído para um paradigma onde o digital está cada vez mais
unido às acções mais habituais próprio da acção as novas tecnologias digitais deram origem a um
verdadeiro e próprio espaço social, cujos laços são capazes de influir sobre a sociedade e sobre a
cultura. Actuando na vida das pessoas, os processos mediáticos tornados possíveis por estas tec-
nologias chegam a transformar a própria realidade», in Sínodo dos Bispos, A nova evangelização
para a transmissão da fé cristã, 60.
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23
Cf. Subrahmanyam, Kaveri – Šmahel, David, Digital Youth: The Role of Media in Development,
ed. Springer, New York 2011, 73-77.
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4. Interpelações pastorais
24
Bento XVI, numa entrevista a Peter Seewald, afirmou que «a devoção tem de se regenerar
neste grande contextos – e, consequentemente, encontrar também novas formas de expressão e de
compreensão. O homem actual não compreende, assim, sem mais, que o sangue de Cristo na cruz
é a expiação pelos nossos pecados. Estas são fórmulas que são profundas e verdadeiras, mas que
deixaram de ter lugar nos nossos padrões de pensamento e na nossa concepção do mundo, que
têm de ser traduzidas e compreendidas de novo», in Bento XVI, Luz do mundo. O Papa, a Igreja e os
Sinais dos Tempos, ed. Lucerna, Parede 2010, 135.
628 Luís Miguel Figueiredo Rodrigues e Tiago André Fernandes Freitas
humanas25, faz com que a sua sacramentalidade nunca possa confinar-se ape-
nas aos instrumentos digitais, antes postule relações crentes e quentes numa
comunidade humana congregada pela fé.
À catequese caberá o desafio de romper o círculo da individualidade,
do anonimato e da assepsia espiritual, que o «digital» mal entendido pode
ser usado para legitimar, como se estas fossem as caraterísticas que definem a
sociedade digital. Importa reassumir, talvez com mais afinco, a transcendência
como núcleo central de toda a experiência viva de religiosidade e espirituali-
dade. Não se pode esquecer que «as modernas tecnologias fazem crescer de
modo impressionante a velocidade, a quantidade e o alcance da comunicação,
mas não favorecem do mesmo modo o frágil intercâmbio entre mente e mente,
entre coração e coração»26. É por isso que o conceito de «sociedade digital», no
esforço de a compreender, não pode ser confinado apenas aos instrumentos
que a potenciam, é sobretudo um ethos novo, o informacional27. Porque estamos
diante de um mundo novo, a proclamação do Evangelho como palavra profética
e libertadora dirigida aos homens e às mulheres do nosso tempo deve incidir no
coração da sociedade digital28. Aqui não deve faltar o testemunho da verdade
divina e o destino transcendente da pessoa humana29.
25
Cf. Cotin, Jérôme; Bazin, Jean-Nicolas, Vers un christianisme virtuel? Enjeux et défis d’Internet,
ed. Labor et Fides, Genebra 2003, 12, 109.
26
Ceballos García, Manuel, «Transmitir la fe en la actual sociedad de la información. Retos e
oportunidades», in Sesé, Javier; Pellitero, Ramiro, La transmisión de la fe en la sociedad conteporánea,
Col. Simposios Internacionales de Teología, 28, ed. EUNSA, Pamplona 2008, 259.
27
Aqui, as instituições caraterizam-se por serem organizações bem sucedidas, capazes de
gerar conhecimentos e processar informações com eficiência. Adaptam-se à geometria variável
da economia global e são flexíveis a ponto de transformar os seus meios tão rapidamente quanto
mudam os objetivos, sob o impacto da rápida transformação cultural, tecnológica e institucional.
E inovam, pois a inovação torna-se a principal arma competitiva.
28
Cf. Ceballos García, Manuel, «Transmitir la fe en la actual sociedad de la información.
Retos e oportunidades», 257.
29
Também aqui importa ter presente que: «Quando o homem, usando as suas mãos ou recor-
rendo à técnica, trabalha a terra para que ela produza frutos e se torne habitação digna para toda
a humanidade, ou quando participa conscientemente na vida social dos diversos grupos, está a
dar realização à vontade que Deus manifestou no começo dos tempos, de que dominasse a terra
e completasse a obra da criação, ao mesmo tempo que se vai aperfeiçoando a si mesmo; cumpre
igualmente o mandamento de Cristo, de se consagrar ao serviço de seus irmãos» (GS 58).