Ii. A República Do Café Com Leite
Ii. A República Do Café Com Leite
Ii. A República Do Café Com Leite
Contextualização
Refletindo o passado através de ações do presente!
Reflitam!
PSOL e PCdoB discutem o processo de composição de um novo partido. O Avante (nome pro-
visório) teria como pilares principais o bem comum, o bem viver, o ecossocialismo e o cida-
danismo, inspirado em experiências de outros países.” Disponível em: https://goo.gl/3tyPca
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Introdução
O Brasil foi lento em abolir a escravatura. Foi a última nação a tomar essa deci-
são, depois dos Estados Unidos (1865) e de Cuba (1886). Apenas um ano e meio
depois veio a proclamação da República, e com ela utopias e projeções de um fu-
turo, talvez brilhante, para o país, que estava se livrando de um regime em que as
decisões eram por demais centralizadas na capital e personificadas em D. Pedro II.
A razão de ser de tanta euforia, em boa parte, pode ser creditada à propaganda
dos republicanos históricos, positivistas e às lojas maçônicas, que colaboraram em
grau elevado para alardear a “ordem e progresso” que poderia advir com o regime
republicano. Segundo Schwarcz, “o grande modelo civilizatório seria a França,
com seus circuitos literários, cafés, teatros e uma sociabilidade urbana almejada em
outras sociedades”. Mas de certa forma a França já vinha sendo o modelo “cultu-
ral” a ser seguido pela elite brasileira (SCHWARCZ, 2012); o modelo econômico,
ou melhor, quem continuaria dominando economicamente o país, emprestando a
altos juros e investindo capital, fora os banqueiros e empresas inglesas. A Repúbli-
ca prometia mais, os republicanos prometiam a igualdade e a liberdade para todos
os cidadãos, prometiam a cidadania.
Ao findar a forma de trabalho escravo, parecia que a porta para a cidadania atra-
vés da educação traria possibilidades de acessos ao menos favorecidos economica-
mente, traria inclusive a possibilidade de ascensão social, mas a imigração em massa
e os preconceitos enraizados no país não possibilitaram essa mobilidade social aos
escravos e pobres, enfiados nos rincões mais afastados do centro de poder. “Essa
parecia ser uma nova era [...] as possibilidades de acesso à cidadania e a novas for-
mas de inclusão, imaginou-se um novo mundo, não mais cerceado por modelos de
hierarquia social estrita, ou vinculados a critérios de origem” (SCHWARCZ, 2012).
A República não foi para todos, ainda é o projeto hierárquico e restritivo das
elites. Inicialmente, com o “Governo Provisório” sob o governo de Marechal De-
odoro, e depois, após a promulgação da primeira Constituição republicana, outro
militar assumiu o posto de presidente, Floriano Peixoto. Com os dois militares, o
cenário que se desenhava era de uma República linha dura, ao estilo do jacobi-
nismo francês, mas o que prevaleceu foi o velho clientelismo dos tempos da mo-
narquia. O primeiro presidente civil, Prudente de Moraes, continuou favorecendo
a elite; o projeto republicano, desenhado nos tempos de monarquia não saiu do
papel. Agora a disputa estava restrita às elites para saber que tipo de República
seria conveniente para continuarem sendo donas do Brasil. Essa será a tônica desta
nossa unidade, estudar os projetos de República para o Brasil a partir da elite.
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UNIDADE Primeira República ou “A República do Café com Leite”:
As Oligarquias e a Organização Política (1889-1930)
Figura 1
Fonte: Wikimedia Commons
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O Barão de Mauá: Irineu Evangelista de Souza: industrial, banqueiro, político e diplomata.
• 1846: Edificou os estaleiros da Companhia Ponta da Areia, a indústria náutica brasileira,
Niterói - RJ. Dividiu-se entre a profissão de industrial e a de banqueiro.
Possuía a maior indústria do país, fabricando caldeiras para máquinas a vapor, investindo
em engenhos de açúcar, guindastes, prensas, armas e tubos para encanamento de água.
Foi precursor na área dos serviços públicos. Entre várias de suas atuações, podemos citar:
• 1851: Construiu uma companhia de gás voltada para a iluminação pública do Rio de Janeiro.
• 1852: Corporações de navegação a vapor no Rio Grande do Sul e no Amazonas.
• 1854: Primeira estrada ferroviária: de Petrópolis - Rio de Janeiro.
• 1854: Primeira estrada ladrilhada do país, a União e Indústria: Petrópolis - Juiz de Fora.
• 1874: Ajustou o assentamento do cabo submarino, entre tantas outras realizações.
• Com capitalistas da Inglaterra e cafeicultores de São Paulo, tomou parte na construção
da Recife and São Francisco Railway Company, da estrada de ferro Dom Pedro II – hoje
a Central do Brasil, e da São Paulo Railway – atual Santos-Jundiaí.
• Deu início à edificação do canal do mangue, no Rio de Janeiro, e respondeu pela
implantação dos primeiros cabos telegráficos e submarinos, conectando o Brasil
à Europa.
• Em 1850 inaugurou o Banco Mauá, MaCGregor & Cia, com filiais nas capitais brasilei-
ras e no exterior: Londres, Nova Iorque, Buenos Aires e Montevidéu.
• 1875: Sofreu um duro golpe, amargou a falência do Banco Mauá. Em vista disso, foi obri-
gado a vender a maior parte de suas empresas a capitalistas do exterior.
Encontrava-se então doente, era portador de diabetes, porém só sossegou quando final-
mente conseguiu liquidar todas as suas contas..
Fonte: Info Escola. Disponível em: https://goo.gl/pY8bJQ. Acesso em: 19 fev. 2015
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UNIDADE Primeira República ou “A República do Café com Leite”:
As Oligarquias e a Organização Política (1889-1930)
Figura 2
Fonte: iStock/Getty Images
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Apesar da importância e praticidade do transporte sobre trilhos, o Brasil, que chegou a ter
uma extensa malha ferroviária, não deu prosseguimento a esse meio de transporte, que foi
“encolhendo” ao longo de nossa história republicana...
“Esta estrada de ferro que se abre hoje ao trânsito público é apenas o primeiro passo na
realização de um pensamento grandioso”. Esta declaração foi feita por Irineu Evangelista de
Souza perante o Imperador D. Pedro II ao inaugurar, no dia 30 de abril de 1854, o primeiro
trecho de linha férrea no país. Chamada inicialmente de Estrada de Ferro Petrópolis, ligando
Porto Mauá a Fragoso, no Rio de Janeiro, contava com uma extensão de 14 Km e sua che-
gada a Petrópolis, transpondo a Serra do Mar, ocorreu somente em 1886. As dificuldades e
desafios para implantar estradas de ferro no Brasil eram muitos. Procurando atrair inves-
tidores, o governo implantou um sistema de concessões, que se tornou característico da
política de infraestrutura do então Império. Entre o final do século XIX e início do século XX
foram efetuados investimentos significativos para a construção de linhas férreas, oriundos,
entre outros, de investidores britânicos. A expansão ferroviária atendeu a dois objetivos:
propiciar a entrada de capital estrangeiro no país e o crescimento da economia exportadora.
As primeiras linhas, nesse sentido, visavam interligar os centros de produção agrícola e de
mineração aos portos, através da ligação direta ou vencendo obstáculos à navegação fluvial.
Com o objetivo de ordenar a implantação das linhas, foram feitos vários planos de viação. No
entanto, a política de concessões estabelecida pelo governo brasileiro inviabilizou a constru-
ção de uma rede integrada da malha ferroviária..
Fonte: IPHAN – http://portal.iphan.gov.br/
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UNIDADE Primeira República ou “A República do Café com Leite”:
As Oligarquias e a Organização Política (1889-1930)
Figura 3
Fonte: Wikimedia Commons
1 Os dados dos decretos foram retirados do site da Câmara dos Deputados: <https://goo.gl/3NVnDU>. Acesso em:
19 fev. 2015. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: Edusp, 2000, p. 249.
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Logo após a proclamação da República, o Governo Provisório nomeia comissão de juristas,
sob a presidência de Saldanha Marinho, para elaborar projeto de Constituição. Esse projeto
deveria ser submetido à discussão e aprovação da Assembleia Constituinte, escolhida por
meio de eleições, a ser instalada em 15 de novembro de 1890. O projeto apresentado pela
Comissão não foi aprovado pelo Governo Provisório, que encarregou Rui Barbosa de revê-lo.
Por quinze dias, Rui reuniu-se em sua residência, na praia do Flamengo, para discutir com
todos os ministros os artigos com suas emendas. Ao longo do processo, Rui levava todas as
modificações a Deodoro. Por fim, deu forma definitiva ao projeto, aprovado em junho de
1890, que contemplava o presidencialismo, a federação e a divisão dos poderes em Legisla-
tivo, Executivo e Judiciário2.
Figura 4
Fonte: bndigital.bn.br
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UNIDADE Primeira República ou “A República do Café com Leite”:
As Oligarquias e a Organização Política (1889-1930)
Trocando ideias...Importante!
Quando foi afinal promulgada, a 24 de fevereiro de 1891, a primeira Constituição repu-
blicana, pouco alterada ao longo dos debates legislativos, trazia a marca indelével das
contribuições de Rui Barbosa. Deve-se a ele o figurino federativo e presidencial que a
República assumiu. Uma das mais significativas contribuições de Rui Barbosa à Consti-
tuição de 1891 foi atribuir ao recém-criado Supremo Tribunal Federal o controle sobre a
constitucionalidade das leis e atos do Legislativo e Executivo. E, como o projeto constitu-
cional não contemplava a garantia da liberdade do indivíduo em situações de violência
ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder, Rui acrescentou-lhe o direito ao habeas-
-corpus. Assim, foi Rui Barbosa quem transformou o STF no guardião da Constituição e,
em especial, dos direitos e liberdades individuais.
Fonte: Projeto memória. Disponível em: https://goo.gl/TsRxQH. Acesso em: 19 fev. 2015.
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CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL
TÍTULO I - Da Organização Federal - DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art 1º - A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime repre-
sentativo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e
constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em
Estados Unidos do Brasil.
Art 2º - Cada uma das antigas Províncias formará um Estado e o antigo Município
Neutro constituirá o Distrito Federal, continuando a ser a Capital da União, en-
quanto não se der execução ao disposto no artigo seguinte.
Art.6º - O Governo federal não poderá intervir em negócios peculiares aos Estados
[...]
Apesar do Decreto n. 6, o voto durante a Primeira República, ou mesmo depois, não foi livre
Explor
como se supõe e a lei não garantiu a liberdade de escolha do cidadão, pois o sistema eleito-
ral estava subordinado, em cada região, à vontade de um “coronel”, homem rico, geralmente
fazendeiro, que impunha aos seus subordinados sua vontade política, através do abuso de
sua autoridade, uso da violência, ou mesmo pela compra de votos, elegendo seus apadri-
nhados para os diversos cargos políticos e judiciários. Esse sistema de imposição é conhecido
na historiografia como “voto de cabresto”.
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UNIDADE Primeira República ou “A República do Café com Leite”:
As Oligarquias e a Organização Política (1889-1930)
O primeiro ano da República foi marcado por forte entusiasmo nos negócios;
foi uma verdadeira febre de negócios e, consequentemente, de grande especulação
financeira. No final do Império, a quantidade de papel moeda que circulava no país
era incompatível com as novas demandas do mercado financeiro, em grande parte
por causa da entrada de imigrantes, a abolição da escravatura e a nova realidade
do mercado de trabalho com mão de obra assalariada.
Rui Barbosa, desde o início de sua gestão no Ministério da Fazenda, tentou solu-
cionar o problema do “meio circulante” com vasta oferta de crédito, e isso foi reali-
zado por decreto; foram vários decretos na tentativa de aumentar a oferta de moeda
e facilitar a formação de sociedades anônimas. Entre seus decretos estava o que
dava aos bancos autonomia para emitir papel moeda. O banco emissor do Rio de
Janeiro, administrado por um dos maiores empresários da época, Francisco de Paula
Mayrink, teve o papel fundamental de emissor do Rio de Janeiro. “As iniciativas de
Rui Barbosa concorreram para expandir o crédito e gerar a ideia de que a República
seria o reino dos negócios” (FAUSTO, 2000).
Mas, nem tudo que reluz é ouro. A oferta de crédito fácil colaborou para a
criação de muitas empresas, entre elas empresas que estavam fora do mundo real,
gerando especulação na bolsa de valores e elevando fortemente o custo de vida,
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criando assim uma alta inflação, que corroeu muitos negócios. “No início de 1891
veio a crise, com a derrubada do preço das ações, a falência de estabelecimentos
bancários e empresas. O valor da moeda brasileira, cotado em relação à lira ingle-
sa, começou a despencar” (FAUSTO, 2000). Contribui para essa situação de crise
no Brasil uma forte crise ocorrida na Argentina no ano de 1890 e que tinha como
sustentáculo os mesmos investidores estrangeiros, ou seja, os ingleses, que segura-
ram suas aplicações na América do Sul.
Figura 5
Fonte: Fundação Rui Barbosa
O Encilhamento, nome pelo qual ficou conhecida a política econômica de Rui Barbosa, teve
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Fonte: Info Escola. Disponível em: https://goo.gl/hoZoS8. Acesso em: 19 fev. 2015.
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As Oligarquias e a Organização Política (1889-1930)
Organizando a República...
Os diversos grupos que disputavam o poder tinham concepções e interesses
diferentes de como organizar a República. As classes dominantes das ex-províncias
de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul defendiam a ideia de república
federativa com considerável grau de autonomia em relação ao poder central. Em
relação à organização do poder, tanto os paulistas do PRP quanto os políticos
mineiros defendiam o modelo liberal. “A base da República seria constituída de
cidadãos, representados na direção do Estado por um presidente eleito e pelo Con-
gresso” (FAUSTO, 2000). Os maiores adversários dessa concepção de república,
positivistas ou não, estavam aninhados no Exército.
Entre os gaúchos republicanos, predominava o positivismo, tanto no Exército
como na vida pública, sob a influência de Júlio de Castilhos. Os militares do Exér-
cito, alinhados a marechal Deodoro, antigo monarquista, não tinham uma visão
elaborada de república, mas sabiam de antemão que deveriam ter mais participa-
ção no poder do que tiveram com a monarquia. Os militares do Exército defendiam
um Poder Executivo forte, com um curto período de ditadura republicana, ou até
o regime se consolidar. A autonomia das ex-províncias era vista com certa descon-
fiança, o principal motivo era a possibilidade de fragmentação do país. A Marinha,
capitaneada por Floriano Peixoto, era vista como monarquista, mas os jovens sol-
dados da escola militar, ligados a Floriano, propunham uma inserção maior na
sociedade como “soldados-cidadãos”, desejavam uma sociedade com “Ordem” e
“Progresso” e por eles influenciada. Os militares governaram o país até 1894,
quando assumiu o primeiro presidente civil de nossa história, o paulista Prudente
de Morais, colocando um fim nas pretensões de uma República fardada linha dura.
2 Para saber mais sobre Canudos, leia o livro: MACEDO, José Rivair; MAESTRI, Mário. Belo Monte: uma história da
guerra de Canudos. São Paulo: Expressão Popular, 2004.
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Boa parte do comércio carioca estava nas mãos dos portugueses, que eram cons-
tantemente atacados pelos jacobinos.
Oligarquia: é uma forma de governo na qual o poder político se encontra concentrado nas
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mãos de um pequeno número de pessoas privilegiado por algum motivo [...] O governo de
poucos sugerido pela expressão Oligarquia pode ser consequência de variados privilégios na
sociedade, ou seja, distinções provenientes da nobreza, de laços familiares, de poder militar,
de partidos políticos ou da própria riqueza. Como consequência da concentração do poder
nas mãos de grupos pequenos, ocorre o impedimento que amplas parcelas da população
participem do processo político e de seus debates [...] O Brasil tem sua história republica-
na muito marcada pela Oligarquia. O período designado como Primeira República, entre
1889 e 1930, é o mais emblemático nessa questão, pois os grandes proprietários de terras se
beneficiavam de seus poderes econômicos para promover apropriação dos meios políticos,
influenciando diretamente o futuro do país.
Devido a esses problemas entre elites rivais nos Estados, o presidente Campos
Sales concebeu um arranjo que ficou conhecido na historiografia brasileira como
“política dos governadores”, cujos principais objetivos foram:
reduzir ao máximo as disputas políticas no âmbito de cada estado, presti-
giando os grupos mais fortes; chegar a um acordo básico entre a União e
os Estados; pôr fim à hostilidade existente entre Executivo e Legislativo,
domesticando a escolha dos deputados. O governo central sustentaria
assim os grupos dominantes nos estados, enquanto que estes, em troca,
apoiariam a política do presidente da república. Para ajustar a Câmara
dos Deputados [...] processou uma pequena, mas importante modificação
em seu regimento [...] um exemplo vivo de como se manipulava a repre-
sentação popular [...] os candidatos eleitos recebiam um diploma [...] ele
era muitas vezes contestado [...] a validade do diploma dependia de exame
por parte de uma comissão de verificação de poderes, constituída de de-
putados escolhidos pelo plenário da Câmara [...]. Este era em regra uma
figura afinada com o presidente da república. (FAUSTO, 2000)
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UNIDADE Primeira República ou “A República do Café com Leite”:
As Oligarquias e a Organização Política (1889-1930)
São Paulo tratou logo de garantir sua autonomia. Com a economia em expansão
e uma Força Pública poderosa, os políticos paulistas se articularam para apoiar o
governo federal e com isso ter dele o apoio para as políticas de valorização do café.
A economia paulista se diversificava bastante durante os primeiros anos da Repúbli-
ca, mas a força política do estado ainda era substancialmente alimentada pela elite
cafeeira, que é quem investia boa parte de seus lucros na industrialização do estado.
A habilidade política dos paulistas estava centrada no fato de que na década de
1890 a produção das fazendas paulistas cresceu demais, causando problemas para os
lucros dos barões do café. A grande oferta do produto fazia o preço baixar no mercado
internacional. Para evitar as perdas geradas pelo aumento da oferta do produto, ou da
oscilação da moeda nacional em relação à libra esterlina, o governo federal foi pres-
sionado pelos políticos paulistas, na sua maioria pertencentes à elite dos cafeicultores,
para que se criassem mecanismos legais para evitar a falência dos barões do café.
Campos Sales fez vários planos de intervenção governamental no mercado ca-
feeiro; o mais conhecido, de 1906, foi o “Convênio de Taubaté”. Esse acordo foi
assinado pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O governo
federal fez um empréstimo de 15 milhões de libras para comprar o café “exce-
dente” dos cafeicultores; com isso, evitou que os barões tivessem prejuízo. O café
comprado era estocado e vendido no mercado internacional. A compra do café
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pelo governo fazia diminuir a oferta do produto, com isso equilibrava a dinâmica
produção-consumo, fazendo o preço do café se elevar novamente.
No ano de 1907, São Paulo, por oposição dos outros estados do convênio, se
associou a um grupo de exportadores americanos, cujo líder era Hermann Sielcken,
o que possibilitou a São Paulo retirar até o final de 1907 8,2 milhões de sacas de
café, armazenadas em cidades da Europa e Estados Unidos, mas também era uma
situação provisória, pois o volume de negócios era muito grande para se manter
sem um empréstimo de grande vulto e a longo prazo.
O presidente Afonso Pena, no final de 1908, encaminhou um pedido de ga-
rantia federal para um empréstimo de 15 milhões de libras para São Paulo levar
adiante seu projeto de estocagem do excedente da produção cafeeira. O pedido foi
aprovado sem emendas, mas não sem contar com alguns votos contrários. A maior
crítica era sobre o favorecimento de São Paulo em detrimento dos demais estados
da federação. O deputado mineiro Pandiá Calógeras achava que os paulistas es-
tavam cometendo desatinos na lavoura, e que a nação não deveria arcar com as
irresponsabilidades de São Paulo. Em julho de 1913, o empréstimo dos paulistas
foi pago aos banqueiros estrangeiros.
Outras valorizações forçadas da produção cafeeira se deram durante a Primeira
Guerra Mundial (1914-1919), com o presidente Venceslau Brás, e mais outra no
governo do paraibano Epitácio Pessoa, que contou com o apoio dos políticos mi-
neiros (1921). A economia de São Paulo estava se diversificando cada vez mais,
mas os políticos paulistas não abandonaram a defesa dos barões do café na esfera
federal, de onde ainda se abastecia boa parte dos políticos paulistas. Em 1924, o
mineiro Arthur Bernardes, preocupado com as contas da União, quebrou a tradi-
ção de proteção aos cafeicultores paulistas, que a partir daí assumiram a defesa
permanente do “ouro negro”, que ajudou a alavancar a riqueza dos paulistas.
Diferentemente dos políticos paulistas, que defendiam em bloco a elite cafeicul-
tora do estado, os mineiros representavam um estado com uma economia diversifi-
cada em produtos, como leite, café, gado e indústria. Minas Gerais, diferentemente
de São Paulo, dependia muito mais dos recursos da União. Com isso, os políticos
mineiros se “profissionalizaram”, sem defender interesses específicos, acumulando
assim bastante poder. O poder e a influência dos mineiros na Câmara dos Deputa-
dos, onde contavam com 37 membros, era muito maior que o poder e a influência
dos paulistas, que contavam com 15 representantes a menos nesta Casa.
Os mineiros capitalizaram sua força política para indicação de seus correligioná-
rios a vários cargos federais. Essas indicações lhes valeram também oportunidades
de expansão econômica. Na década de 1920, quase 40% das novas construções
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UNIDADE Primeira República ou “A República do Café com Leite”:
As Oligarquias e a Organização Política (1889-1930)
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Prudente de Morais, Campos Sales e Rodrigues Alves. As elites paulistas abandonaram
suas divergências e ocuparam em bloco o PRP, enquanto que os mineiros só conse-
guiram se acertar a partir do ano de 1897, com a chamada “segunda fundação” do
partido republicano mineiro, o PRM; com isso a força política dos mineiros só cresceu.
A partir do ano de 1909, abriu-se uma ferida na relação entre São Paulo e Mi-
nas Gerais. Foi a deixa para a volta dos militares ao campo de batalha político e,
na esteira, dos políticos gaúchos. Na campanha presidencial (1909-1910), com a
ruptura Minas-São Paulo, o candidato marechal Hermes da Fonseca, sobrinho de
Deodoro, obteve o apoio de gaúchos e mineiros, além, é claro, dos militares. Rui
Barbosa, candidato com o apoio de São Paulo e Bahia, saiu derrotado.
Nesse cenário, os políticos gaúchos ganhavam mais projeção. Conservadores se
uniram ao senador mineiro Pinheiro Machado, que fazia dupla com Borges de Me-
deiros, herdeiro político de Júlio de Castilhos, que controlava o partido republicano
rio-grandense, o PRR, onde se elegeu presidente de seu estado por diversas vezes
(1898-1908 e 1913-1928). Pinheiro Machado controlava seus aliados espalhados
pelo país, através de seu cargo na Comissão de Verificação de Poderes do Senado
e na Câmara dos Deputados. Esses cargos o aproximaram bastante de políticos do
nordeste, cujo conservadorismo também os aproximava dos gaúchos.
Em 1910, foi fundado o PRC – partido republicano conservador – mas a eli-
te política de São Paulo não aderiu a esse projeto, que foi passageiro. Pinheiro
Machado, político sagaz, evitou conflitos com os paulistas, chegando inclusive a
defender os projetos de valorização do café. Talvez essa proximidade se devesse
aos seus pais serem paulistas e a ele ter frequentado a faculdade de Direito de São
Paulo. A força de Pinheiro Machado e suas ligações com gaúchos e nordestinos
atrapalhavam os planos das oligarquias paulista e mineira. Esse fato colaborou
para que não houvesse mais dissenções entre mineiros e paulistas. “Um pacto
não escrito foi concluído na cidade mineira de Ouro Fino, pelo qual mineiros e
paulistas tratariam de se revezar na presidência da república”. Com isso, “o pres-
tígio de Pinheiro Machado declinou e ele terminou seus dias assassinado no Rio
de Janeiro (1915)” (FAUSTO, 2000).
São Paulo e Minas, a partir de 1910, assistiram à ascensão gaúcha no cenário
político nacional. Os paulistas se concentravam cada vez mais na política caseira,
os gaúchos passaram a ocupar diversos ministérios importantes: Fazenda, Viação,
Obras Públicas, Justiça. São Paulo e Minas esboçaram um novo atrito com a morte
de Rodrigues Alves, candidato paulista eleito novamente presidente em 1918 e que
morreu sem tomar posse. A solução foi indicar um candidato “neutro” – elegeu-se
o paraibano Epitácio Pessoa – que se curvou aos interesses dos dois estados.
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UNIDADE Primeira República ou “A República do Café com Leite”:
As Oligarquias e a Organização Política (1889-1930)
Figura 6 – 3.º Prudente Figura 7 – 4.º Campos Sales Figura 8 – 5.º Rodrigues Figura 9 – 6.º Afonso Pena
de Morais 1894–1898 1898–1902 Alves 1902–1906 1906–1909
Piracicaba - SP Campinas - SP Guaratinguetá - SP Santa Barbara - MG
Fonte: Wikimedia Commons Fonte: Wikimedia Commons Fonte: Wikimedia Commons Fonte: Wikimedia Commons
Figura 10 – 9.º Venceslau Figura 11 – 10.º Delfim Figura 12 – 12.º Artur Figura 13 – 13.º Washington
Brás 1914–1918 Moreira4 1918–1919 Bernardes 1922–1926 Luís 1926–1930
Brasópolis – MG Cristina - MG Viçosa - MG “Paulista” de Macaé- RJ
Fonte: Wikimedia Commons Fonte: Wikimedia Commons Fonte: Wikimedia Commons Fonte: Wikimedia Commons
A República do “café com leite” se liquefez com a quebra do jogo por parte do
“paulista” Washington Luís, que indicou seu sucessor, o paulista Júlio Prestes, que
se elegeu, mas não tomou posse. Esse fato foi muito importante, pois dele surgiu
não apenas outro governo, mas um novo capítulo da história da República brasi-
leira, a “Revolução de 1930”. Os projetos de República estiveram todos ligados
às elites do país. A população pobre, durante toda a Primeira República, esteve
alienada da república, dominada que foi pelas oligarquias estaduais; os direitos dos
cidadãos se resumiram à defesa dos interesses de poucos cidadãos.3
3 Delfim Moreira foi candidato a vice-presidente de Rodrigues Alves, que faleceu antes de tomar posse de seu segundo
mandato. Como Presidente da República, assumiu provisoriamente a presidência durante as eleições vencidas por
Epitácio Pessoa, após um acordo entre Paulistas e Mineiros para substituir o presidente morto.
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