Livro IV Simpósio. 2017-2018
Livro IV Simpósio. 2017-2018
Livro IV Simpósio. 2017-2018
Os Desafios do Direito
Internacional Contemporâneo
Belo Horizonte
2018
CONSELHO EDITORIAL
Álvaro Ricardo de Souza Cruz Jorge Bacelar Gouveia – Portugal
André Cordeiro Leal Jorge M. Lasmar
André Lipp Pinto Basto Lupi Jose Antonio Moreno Molina – Espanha
Antônio Márcio da Cunha Guimarães José Luiz Quadros de Magalhães
Bernardo G. B. Nogueira Kiwonghi Bizawu
Carlos Augusto Canedo G. da Silva Leandro Eustáquio de Matos Monteiro
Carlos Bruno Ferreira da Silva Luciano Stoller de Faria
Carlos Henrique Soares Luiz Henrique Sormani Barbugiani
Claudia Rosane Roesler Luiz Manoel Gomes Júnior
Clèmerson Merlin Clève Luiz Moreira
David França Ribeiro de Carvalho Márcio Luís de Oliveira
Dhenis Cruz Madeira Maria de Fátima Freire Sá
Dircêo Torrecillas Ramos Mário Lúcio Quintão Soares
Emerson Garcia Martonio Mont’Alverne Barreto Lima
Felipe Chiarello de Souza Pinto Nelson Rosenvald
Florisbal de Souza Del’Olmo Renato Caram
Frederico Barbosa Gomes Roberto Correia da Silva Gomes Caldas
Gilberto Bercovici Rodolfo Viana Pereira
Gregório Assagra de Almeida Rodrigo Almeida Magalhães
Gustavo Corgosinho Rogério Filippetto de Oliveira
Gustavo Silveira Siqueira Rubens Beçak
Jamile Bergamaschine Mata Diz Vladmir Oliveira da Silveira
Janaína Rigo Santin Wagner Menezes
Jean Carlos Fernandes William Eduardo Freire
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,
inclusive por processos reprográficos, sem autorização expressa da editora.
Impresso no Brasil | Printed in Brazil
ISBN: 978-85-8238-498-5
ISBN: 978-85-8238-499-2 (E-book)
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Belo Horizonte
2018
Organizadores
VI
Autores
MONALIZA LIMA
Licenciatura e Bacharelado em Geografia - Universidade Federal do Ceará
(UFC), Especialização em gestão pública - Universidade Estadual do Ceará
(UECE), Graduanda em Direito – UFC.
XIV
Sumário
PARTE I
OS INSTRUMENTOS DE IMPLEMENTAÇÃO DOS OBJETIVOS
PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL..................................... 1
Capítulo 1
AS LIMITAÇÕES DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO:
UMA ANÁLISE DA BANCADA RURALISTA E DO OBJETIVO
17.14 DA AGENDA 2030
Lucas Saraiva de Alencar Sousa......................................................................... 2
Capítulo 2
CHERNOBYL AMAZÔNICA: O QUE O POLÊMICO CASO
PODE ENSINAR SOBRE A RELAÇÃO ENTRE ARBITRAGEM E
SUSTENTABILIDADE?
Rafaelly Oliveira Freire dos Santos; Carlos Alfredo de Paiva John........... 16
Capítulo 3
BACIAS HIDROGRÁFICAS NUMA PERSPECTIVA GLOBAL:
UMA ANÁLISE DE CONFLITOS TRANSFRONTEIRIÇOS E
DE TRATADOS BRASILEIROS INTERNACIONAIS
Marcos Sousa França; Andréa dos Santos Teixeira;
Gertrudes de Sousa Regis...................................................................................... 35
Capítulo 4
A IMPORTÂNCIA DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO PARA
A SUSTENTABILIDADE DO MEIO AMBIENTE MARINHO:
UMA ANÁLISE DO ESTADO DO CEARÁ A LUZ DO ODS
Nº 14, DA AGENDA 2030
Jocasya Ferreira Firmeza...................................................................................... 53
XV
Capítulo 5
IMPACTOS NOCIVOS CAUSADOS PELO TERMINAL PORTUÁRIO
DO PECÉM/CE: O ÍNDICE DE DESEMPENHO AMBIENTAL (IDA)
À LUZ DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL
Ricardo da Silva Araújo; Rogério da Silva e Souza;
Juliana Wayss Sugahara....................................................................................... 65
PARTE II
A EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL
PENAL E O SEU REFLEXO NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO...... 82
Capítulo 6
LEI ANTITERRORISMO BRASILEIRA (Nº 13.260/2016):
ATENTADO CONTRA O SISTEMA PENAL ACUSATÓRIO?
Nedson Danildo da Fonseca; Ulisses Levy Silvério dos Reis....................... 83
Capítulo 7
A POSSÍVEL RESPONSABILIDADE DO EX-PRESIDENTE DA COSTA
DO MARFIM À LUZ DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
Anna Virginia Pereira Lemos de Freitas.......................................................... 101
Capítulo 8
AS REGRAS DE BANGKOK E O TRATAMENTO MÍNIMO DA
MULHER MÃE ENCARCERADA NO BRASIL
Nikaelly Lopes de Freitas; Jéssica Ferreira Araújo;
Bruna Souza Paula................................................................................................. 119
Capítulo 9
A INVISIBILIDADE DO TRÁFICO DE PESSOAS NAS MISSÕES
DE PAZ DA ONU: O CONFLITO EM KOSOVO
Ananda Pórpora Fernandes; Raquel de Santana Iraha;
Verônica Maria Teresi........................................................................................... 136
Capítulo 10
LÍBIA: ANÁLISE DO CASO PROCURADORIA V. SAIF AL-ISLAM
GADDAFI À LUZ DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
Anna Virginia Pereira Lemos de Freitas; Laryssa Figueiredo de Azevedo.... 154
Capítulo 11
O ACORDO DE PAZ NA COLÔMBIA À LUZ DO TRIBUNAL PENAL
INTERNACIONAL
Matheus Quezado de Sousa; Diego Jeferson Fernandes Marques............... 172
XVI
Capítulo 12
O TPI E OS TRIBUNAIS PENAIS INTERNACIONAIS AD HOC:
UMA ANÁLISE DAS EVOLUÇÕES E DAS DEFICIÊNCIAS
Beatriz Nogueira Caldas; Pedro Roney Dias Ribeiro.................................... 187
Capítulo 13
A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DA CRIANÇA-SOLDADO:
DIREITO INTERNACIONAL FRAGMENTADO?
Cintia Campos da Silva; Cássia Fernanda Cardoso Campos...................... 205
PARTE III
A IMPLEMENTAÇÃO DOS COMPROMISSOS
INTERNACIONAIS PELO BRASIL: AVANÇOS OU
RETROCESSOS?..................................................................................................... 223
Capítulo 14
A ADOÇÃO DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE
VICIADOS EM DROGAS PELO ESTADO BRASILEIRO E O
FERIMENTO DAS RECOMENDAÇÕES INTERNACIONAIS
PARA TRATAMENTOS BASEADOS EM DIREITOS
FUNDAMENTAIS
Cristina de Fátima Alves de Oliveira; Arielly Handhel Cavalcante de
Araújo; Zairo José de Albuquerque e Silva...................................................... 224
Capítulo 15
A LIBERDADE RELIGIOSA DOS REFUGIADOS E O
MULTICULTURALISMO
Fabiana Costa Lima de Sá; Rogério da Silva e Souza;
Sarah Dayanna Lacerda Martins Lima............................................................ 237
Capítulo 16
A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA À LUZ DO DIREITO
INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS: REFLEXOS DO
CASO XIMENES LOPES VS. BRASIL
Antônio de Freitas Freire Júnior; Adson de Souza Queiroz;
Zairo José De Albuquerque e Silva.................................................................... 254
Capítulo 17
CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE NO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL: UMA ANÁLISE DA ADPF 153
Nael Neri de Souza Júnior................................................................................... 270
XVII
Capítulo 18
CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E SEUS IMPACTOS NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Thiago Fernando de Queiroz; Sônia Alves Bezerra Lins.............................. 288
Capítulo 19
TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO: UMA ANÁLISE
SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS
Danielle Carvalho Rebouças; Liziane Paixão.................................................. 301
Capítulo 20
A PROTEÇÃO DOS REFUGIADOS NO BRASIL E A LEI DE
MIGRAÇÕES (LEI Nº 13.445/17)
Paulo Augusto Carlos Monteiro Filho; Rafael Aguiar Nogueira e Franco... 320
Capítulo 21
FAZENDA BRASIL VERDE VS. BRASIL - DOIS ANOS DA
SENTENÇA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS
Ana Paula França Rolim...................................................................................... 334
Capítulo 22
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA E DEFENSORIA
PÚBLICA: ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA NO CEARÁ À LUZ
DE DIRETRIZES GLOBAIS
Mariana Urano de Carvalho Caldas; Sara Dias Pinheiro;
Theresa Rachel Couto Correia............................................................................. 347
Capítulo 23
REFUGIADOS BRASILEIROS NO EXTERIOR: BREVE ANÁLISE
JURÍDICA DA PROTEÇÃO AO SER HUMANO
Letícia Marques Souza; Monaliza Lima; Jonh Lenon Pereira da Silva.... 361
Capítulo 24
A GARANTIA DE ACESSO AO SUS PARA O RESIDENTE
FRONTEIRIÇO: AVANÇOS E DESAFIOS NO BRASIL COM
A NOVA LEI DE MIGRAÇÕES
Livia Maria de Sousa; Fabricia Helena Linhares Coelho Da Silva Pereira . 375
PARTE IV
OS DESAFIOS DO DIREITO INTERNACIONAL: OUTROS
TEMAS RELEVANTES........................................................................................ 389
XVIII
Capítulo 25
A ATUAÇÃO CHINESA NA AMÉRICA DO SUL: MECANISMOS
DE INSERÇÃO E PERSPECTIVAS FUTURAS
Arthur Gustavo Saboya de Queiroz.................................................................... 390
Capítulo 26
RUI BARBOSA E A DEFESA DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE
ENTRE OS ESTADOS NA CONFERÊNCIA DA PAZ DE 1907
Mayna Cavalcante Felix....................................................................................... 407
Capítulo 27
ANÁLISE CRÍTICA DO FUNDAMENTO HISTÓRICO
DOS DIREITOS HUMANOS: UM RESGATE DA PROPOSTA
JUSNATURALISTA
Daniel Silva Marques............................................................................................ 418
Capítulo 28
ANÁLISE DAS MEDIDAS DA OMC PARA O COMBATE
AO PROTECIONISMO NAS RELAÇÕES DE COMÉRCIO
INTERNACIONAL
Laís Maria Belchior Gondim............................................................................... 436
Capítulo 29
MISSÕES DE PAZ DA ONU: UMA ANÁLISE DOS DIFERENTES TIPOS
DE RELACIONAMENTOS INTERPESSOAIS ESTABELECIDOS ENTRE
OS PACIFICADORES E AS MULHERES DAS COMUNIDADES LOCAIS
Ingrid Forte Moura Rocha................................................................................... 446
Capítulo 30
A ATUAL CONDIÇÃO JURÍDICA DO REFUGIADO NA FRANÇA
Alaíde Linhares Carlos; Lara Campos Arriaga;
Theresa Rachel Couto Correia............................................................................. 459
XIX
PARTE I
OS INSTRUMENTOS DE
IMPLEMENTAÇÃO DOS OBJETIVOS
PARA O DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
Capítulo 1
As Limitações do Direito Ambiental
Brasileiro: Uma Análise da Bancada
Ruralista e do Objetivo 17.14 da Agenda 2030
Lucas Saraiva de Alencar Sousa
INTRODUÇÃO
2. DESENVOLVIMENTO
A principal preocupação dos acordos internacionais relacionados ao
meio ambiente é a implementação do desenvolvimento sustentável, uma vez
que o desenvolvimento econômico tradicional está ligado à lógica capitalista,
possuindo uma visão ultrapassada da utilização dos recursos naturais. Por ou-
tro lado, o desenvolvimento sustentável prega o desenvolvimento econômico
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 3
sem a degradação ambiental, para que os recursos naturais que são esgotáveis
não comprometam as necessidades das gerações futuras1.
Nessa perspectiva, a bancada ruralista, que é a favor da expansão do agro-
negócio, ainda revela resquícios do capitalismo tradicional, principalmente,
quanto à visão ultrapassada dos recursos naturais como apenas matéria prima.
Sob a ótica da sociologia, tais resquícios podem ser explicados por meio da
nova roupagem dos interesses lucrativos2. Dessa maneira, o lucro continua
sendo o principal objetivo dos donos do agronegócio que pressionam a esfera
pública, para que seus objetivos sejam realizados.
Para explicar a origem das políticas públicas que beneficiam, proposital-
mente, a esfera privada, Raymundo Faoro desenvolve o patrimonialismo, mas
Jessé Souza entende que o conceito de patrimonialismo não é suficiente3. De
maneira breve, o patrimonialismo é fruto da sociedade estamental portuguesa
que a estrutura social brasileira herdou, assim, os interesses de quem ocupa o
cargo público se confunde com os próprios interesses privados, utilizando o
poder estatal para se beneficiar4.
Numa análise ainda mais crítica, esse mesmo autor afirma que o patrimo-
nialismo não só não evidencia o verdadeiro mecanismo de controle do estado,
mas também ocupa o lugar da escravidão, servindo como um alvo fajuto
para o ataque da sociedade5. Em verdade, as raízes da sociedade brasileira são
originadas na escravidão, que não existe de maneira significativa em Portugal,
deixando seus resquícios nas relações sociais. Jessé Souza aprofunda a sua crí-
tica ao patrimonialismo:
1
MENDES, Luís Marcelo.; TYBUSCH, Jerônimo Siqueira. Desenvolvimento econômico versus susten-
tabilidade: um prognóstico sobre o protagonismo do direito tradicional na materialização do equilíbrio
intergeracional. In: CONGRESSO DO CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUA-
ÇÃO EM DIREITO, 25., 2016, Curitiba. Direito e sustentabilidade III: cidadania e desenvolvimento
sustentável: o papel dos atores sociais no Estado Democrático de Direito. Florianópolis: CONPEDI,
2016, p. 223- 243. Disponível em: <>. Acesso em: 25 jan. 2018.
2
SOUZA, Jessé. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. 1. ed. Rio de Janeiro: Leya, 2017, p. 19- 24.
3
SOUZA, Jessé. op. cit., p. 191- 199.
4
SOUZA, Jessé. op. cit., p. 200- 206.
5
SOUZA, Jessé. op. cit., p. 202.
4 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
lizando a ação da elite real, que está no mercado, tanto nos oligopólios quanto
na intermediação financeira6.
Frente esse entendimento, esse autor conclui que, em verdade, existe uma
elite de empresas encrustadas no estado, permeando as decisões a partir dos
seus interesses comuns, colaborando entre si para alcançarem suas finalidades.
Além disso, numa perspectiva política, a bancada ruralista é um grupo
de interesse e, quando necessário, manifesta-se como um grupo de pressão, ou
seja, quando um grupo de interesse pressiona o congresso para que aprove ou
rejeite determinados projetos7. A ação dos grupos de pressão é lecionada por
Paulo Bonavides:
12
MARQUES, H. R.; SAMBUICHI, R. H. R.; SILVA, A. P. M. (Org.). op. cit., p. 12.
13
MARQUES, H. R.; SAMBUICHI, R. H. R.; SILVA, A. P. M. (Org.). op. cit., p.11- 19.
14
LOZARDO, Ernesto. Apresentação. In: MARQUES, H. R.; SAMBUICHI, R. H. R.; SILVA, A. P. M.
(Org.). Mudanças no código florestal brasileiro: desafios para a implementação da nova lei. 1. ed. Rio
de Janeiro: Ipea, 2016, p. 9.
15
MARQUES, H. R.; SAMBUICHI, R. H. R.; SILVA, A. P. M. (Org.). op. cit., p. 11- 13.
16
MARQUES, H. R.; SAMBUICHI, R. H. R.; SILVA, A. P. M. (Org.). op. cit., p. 13.
6 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
17
PLATAFORMA AGENDA 2030. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível
em: <http://www.agenda2030.com.br/sobre/>. Acesso em 25 jan. 2017.
18
PLATAFORMA AGENDA 2030. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível
em: <http://www.agenda2030.com.br/sobre/>. Acesso em 25 jan. 2017.
19
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração final da Conferência das Nações Unidas
sobre o Desenvolvimento Sustentável: O Futuro que Queremos. Rio de Janeiro, 2012, p. 48. Tra-
dução de: Júlia Crochemore Restrepo. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/proces-
sos/61AA3835/O-Futuro-que-queremos1.pdf >. Acesso em: 25 jan. 2018.
20
PLATAFORMA AGENDA 2030. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível
em: <http://www.agenda2030.com.br/sobre/>. Acesso em 25 jan. 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 7
O primeiro relatório dedicado à futura agenda foi o “Uma Vida Digna
para Todos”21, que afirmava o início de uma nova era, a pós-2015, exigindo
uma nova visão e uma estrutura responsiva. Dessa maneira, o documento
“Transformando o Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável” adotado na Assembleia Geral da ONU em 2015, destaca-se em
relação aos acordos anteriores, por que contou com o envolvimento de 70
países e das mais diversas partes interessadas por meio do Grupo de Trabalho
Aberto para a Elaboração dos ODS (GTA-ODS)22.
A partir desse entendimento, a Agenda 2030 é um plano de ação compos-
to por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e suas 169 metas
que devem ser alcançadas até o ano de 2030. Para António Guterres “a Agenda
2030 é a nossa declaração global de interdependência”23. Convém lembrar que
essa agenda não requer sua ratificação pelos parlamentos de cada país, mas
se recomenda que cada um, em âmbito nacional e subnacional, realizem um
diagnóstico geral e um acompanhamento, para que os meios de implementa-
ção das ODS sejam revisados24.
Portanto, a Agenda 2030 é fruto de um trabalho coletivo entre os gover-
nos e os cidadãos de todo o mundo. Além disso, a sua implementação deve ser
realizada não só no âmbito nacional e subnacional, mas também por meio do
trabalho conjunto global, pois os países participantes se comprometeram em
“[...] não deixar ninguém para trás”25. Finalmente, essa nova agenda é a elabo-
ração de um novo modelo global ambicioso e audaz, almejando à erradicação
da pobreza e ao desenvolvimento econômico, social e ambiental até 203026.
21
UNITED NATIONS. A Life of Dignity for All: accelerating progress towards the Millennium Devel-
opment Goals and advancing the United Nations development agenda beyond 2015. Paris, 2013, p. 1.
Disponível em: <http://www.un.org/millenniumgoals/pdf/A%20Life%20of%20Dignity%20for%20All.
pdf>. Acesso em 25 jan. 2018.
22
PLATAFORMA AGENDA 2030. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível
em: <http://www.agenda2030.com.br/sobre/>. Acesso em 25 jan. 2017.
23
GUTERRES, Antonio apud PLATAFORMA AGENDA 2030. A Agenda 2030 para o Desenvolvimen-
to Sustentável. Disponível em: <http://www.agenda2030.com.br/sobre/>. Acesso em 26 jan. 2017.
24
AGUIAR, Marcela Nunes. Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável e coerência em políticas:
recomendações da OCDE na edição 2016 de Better Policies for Sustainable Development. Material
didático-instrucional complementar para vídeo-aulas. In: RIO DE JANEIRO. Superintendência de do-
cumentação. Repositório institucional UFF. Fluminense: RIUFF, 2017, p 3. Disponível em: <http://
www.repositorio.uff.br/jspui/handle/1/2853>. Acesso em: 26 jan. 2018.
25
UNITED NATIONS. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development. 2015,
p. 1. Disponível em: <http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/70/1&Lang=E>.
Acesso em: 26 jan. 2018.
26
CAMÕES INSTITUTO DA COOPERAÇÃO E DA LÍNGUA. Agenda 2030: Objetivos de Desen-
volvimento Sustentável. Disponível em: <http://www.instituto-camoes.pt/activity/o-que-fazemos/
cooperacao/cooperacao-portuguesa/mandato/ajuda-ao-desenvolvimento/agenda-2030>. Acesso em:
26 jan. 2018.
8 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
27
AGUIAR, Marcela Nunes. op. cit., p. 3.
28
GURRÍA, Angel. Foreword. In: ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND
DEVELOPMENT. Better policies for Sustainable Development 2016: a new framework for
Policy Coherence. Paris: OECD Publishing, 2016, p. 3. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1787/
9789264256996-en>. Acesso em: 26 jan. 2018.
29
AGUIAR, Marcela Nunes, op. cit., p. 3.
30
AGUIAR, Marcela Nunes, op. cit., p. 3.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 9
também com a elaboração do Plano de Ação da Comissão para o período
2017-201931
31
VILLA, Henrique apud PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. O
Brasil avança na implementação da Agenda 2030. PNUD Brasil, 5 Jan. 2018 . Disponível em: <http://
www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/presscenter/articles/2018/01/05/brasil-avan-a-na-implementa
-o-da-agenda-2030.html>. Acesso em: 26 jan. 2018.
32
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Portifólio dos projetos
PNUD Brasil à luz dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: <http://www.
br.undp.org/content/brazil/pt/home/library/ods/portfolio-dos-projetos-do-pnud-brasil-a-luz-dos-objeti-
vos-de-des.html>. Acesso em: 26 jan. 2018.
33
GAUTO, Maitê apud PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. O
Brasil avança na implementação da Agenda 2030. PNUD, 5 jan. 2018. Disponível em: <http://www.
br.undp.org/content/brazil/pt/home/presscenter/articles/2018/01/05/brasil-avan-a-na-implementa-o-da
-agenda-2030.html>. Acesso em: 26 jan. 2018.
34
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA apud MINISTÉRIO DA AGRICUL-
TURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Agropecuária puxa PIB de 2017. Mapa, 4 dez. 2017.
10 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
45
BORTOLOTTO, F.; BRAGA, L.; LOPES, G. R.; REIS, Tiago. op. cit., p. 15.
46
BORTOLOTTO, F.; BRAGA, L.; LOPES, G. R.; REIS, Tiago. op. cit., p. 16.
47
OBSERVATÓRIO ABC. Monitoramento é desafio da agricultura de baixo carbono em 2018. Ob-
servatório ABC, 28 dez. 2017. Disponível em: <http://observatorioabc.com.br/2017/12/monitoramento
-e-desafio-da-agricultura-de-baixo-carbono-em-2018/>. Acesso em: 29 jan. 2018.
48
GURGEL, Angelo apud OBSERVATÓRIO ABC. Monitoramento é desafio da agricultura de bai-
xo carbono em 2018. Observatório ABC, 28 dez. 2017. Disponível em: <http://observatorioabc.
com.br/2017/12/monitoramento-e-desafio-da-agricultura-de-baixo-carbono-em-2018/>. Acesso em:
29 jan. 2018.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 13
as mudanças que vão de encontro aos seus interesses. Por fim, os meios de
propagação de informação meios de propagação de informações mostram,
premeditadamente, para a nação brasileira os grandes avanços econômicos da
agropecuária, mas é importante frisar as consequências que um crescimento
sem limitações pode trazer.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Marcela Nunes. Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável e coerência em políticas: recomen-
dações da OCDE na edição 2016 de Better Policies for Sustainable Development. Material didático-instrucional
complementar para vídeo-aulas. In: RIO DE JANEIRO. Superintendência de documentação. Repositório insti-
tucional UFF. Fluminense: RIUFF, 2017. Disponível em: <http://www.repositorio.uff.br/jspui/handle/1/2853>.
Acesso em: 26 jan. 2018.
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Acesso em: 27 jan. 2018.
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CAFFARELLI, Paulo apud BRASIL. BB anuncia R$ 103 bilhões para a safra de 2017 e 2018. Governo do
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CAMÕES INSTITUTO DA COOPERAÇÃO E DA LÍNGUA. Agenda 2030: Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável. Disponível em: <http://www.instituto-camoes.pt/activity/o-que-fazemos/cooperacao/cooperacao-
-portuguesa/mandato/ajuda-ao-desenvolvimento/agenda-2030>. Acesso em: 26 jan. 2018.
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Capítulo 2
Chernobyl Amazônica:
O que o Polêmico Caso pode Ensinar Sobre a
Relação entre Arbitragem e Sustentabilidade?
Rafaelly Oliveira Freire dos Santos
Carlos Alfredo de Paiva John
1. INTRODUÇÃO
2
Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a
direitos patrimoniais disponíveis.
18 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
3
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário a Lei nº 9.307/96. São Paulo:
Atlas, 2009. P. 15.
4
BELTRÃO, Antônio F. G. Manual de direito ambiental. São Paulo: Método, 2008. Pagina.288
5
SCAVONE, Luiz Antônio. Manual de Arbitragem Mediação e Conciliação. Rio de Janeiro: Forense,
2014
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 19
Por sua vez, a cláusula compromissória define que diante de conflitos
surgidos no decorrer da relação, estes serão solucionados por meio da arbitra-
gem. A cláusula pode já estar inserida no corpo do contrato, sendo contem-
porânea a este, ou ser definida após a sua pactuação, sendo convencionada na
troca de e-mails ou cartas, por exemplo. Já o compromisso arbitral será invo-
cado sempre que as partes, diante de um conflito, optem pelas vantagens que
a jurisdição arbitral lhes pode oferecer, afastando assim a jurisdição estatal.
De tal modo, em suma, com a cláusula compromissória se estabelece
a convenção de arbitragem antes do conflito surgir, enquanto que no com-
promisso arbitral, a convenção se institui após o surgimento do litígio entre
as partes.
A arbitragem pode ser dividida em duas espécies, a arbitragem institu-
cional e a arbitragem do tipo ad hoc. Na primeira, também denominada de
administrada, as partes submetem o conflito a uma entidade chamada de câ-
mara arbitral, a qual administrará a matéria de acordo com procedimentos
processuais previamente firmados por esta, tais como pratica dos atos, prazos,
escolha dos árbitros, direito aplicado, entre diversos outros.
Já na arbitragem ad hoc, não há qualquer entidade arbitral propriamente
dita que solucione o conflito. Deverão as partes definir o árbitro, bem como
o procedimento a ser seguido por este em todo o processo. Sendo assim, nesta
espécie de arbitragem, também conhecida como avulsa, as partes têm maior li-
berdade e os custos tendem a ser mais baixos. No entanto, há de se reconhecer
uma maior insegurança quando comparada com a arbitragem institucional.
Dentre as mais notórias câmaras, figura a Corte Permanente de Arbitragem,
instituída pela Convenção sobre a Resolução de Controvérsias Internacionais
durante 1ª Conferencia da Paz realizada em 1899 em Haia, conhecida como Tri-
bunal Arbitral de Haia. Esta foi criada para solucionar conflitos internacionais
que não o foram pela via diplomática, fazendo uso das regras apresentadas pela
Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional - UNCI-
TRAL (United Nations Commission on International Trade Law).
6
LEME MACHADO, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2005. p.116.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 21
bens disponíveis, em conflitos que envolvam o direito a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado, o qual, como visto, tem natureza indisponível.
Para autores como Paulo de Bessa Antunes, diversos exemplos na legis-
lação brasileira comprovam que não há nenhum óbice ao uso da arbitragem
mesmo quando envolvendo direitos de natureza ambiental.7 Entende o pro-
fessor que a indisponibilidade conferida ao direito ambiental nada mais é que
uma exceção constitucional.
O constituinte, ao mencionar a indisponibilidade das “terras devolutas
ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à pro-
teção dos ecossistemas naturais” no artigo 225, § 5º apenas buscou impedir
a alienação das terras por parte dos Estados, aplicada exclusivamente a tais
situações. Portanto, segundo o autor, não haveria de se falar em uma regra,
dotando o direito ambiental de caráter indisponível, mas sim de uma exceção,
aplicada apenas a alguns cenários.
Neste sentido, o referido autor ainda menciona diversos outros dispositivos
legais os quais visam a tutela do meio ambiente e que, ao contrário do entendi-
mento doutrinário majoritário, mitigam o caráter indisponível deste, permitindo
que a proteção do meio ambiente possa ser convencionada entre as partes.
Destaca-se, por exemplo, a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 a qual
dispõe acerca da Política Nacional do Meio Ambiente, tendo atribuída ao
Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) a competência para “homo-
logar acordos”, precisamente quando envolvendo interesses ambientais. Con-
forme o art. 8º, inc. IV da Lei, in verbis: “compete ao Conama (...) homologar
acordos visando à transformação de penalidades pecuniárias na obrigação de
executar medidas de interesse para a proteção ambiental.”
Ao passo, no âmbito internacional, há tempos a arbitragem vem sendo
utilizadas em conflitos ambientais. Como ocorrido no ano de 2002, no caso
envolvendo o Brasil e a Argentina, solucionado pelo Tribunal Arbitral Ad Hoc
do Mercosul, em seu sétimo laudo.
No referido caso, o Governo brasileiro impediu a entrada de produtos
fitossanitários/agrotóxicos argentinos, alegando que os mesmos poderiam afe-
tar o ecossistema brasileiro, configurando um risco à fauna e flora. Assim,
necessitaria de um registro especial para a sua comercialização.
Em contrapartida, alegava o Governo Argentino que tal medida violava a
livre circulação de bens e produtos, princípio basilar do Mercosul. O Tribunal
Arbitral, então, consentindo com a argumentação argentina, entendeu que o
Brasil tinha o dever de liberar a entrada de tais produtos no mercado.
7
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental ...DIREITO AMBIENTAL, INDISPONIBILIDADE
DE DIREITOS, SOLUÇÃO ALTERNATIVA DE CONFLITOS E ARBITRAGEM. Doutrinas Essen-
ciais Arbitragem e Mediação, Recife, v. 4, p.1263-1296, set. 2014.
22 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
8
PUGLIESE, Antônio Celso Fonseca; SALAMA, Bruno Meyerhof. A Economia da Arbitragem: Escolha
Racional e Geração de Valor. Revista Direito Gv, São Paulo, v. 4, n. 7, p.15-28, maio 2008.
24 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
13
HURTIG, Anna-karin; SEBASTIAN, Miguel San. Incidence of Childhood Leukemia and Oil Exploita-
tion in the Amazon Basin of Ecuador. International Journal Ou Occupational And Environmental
Health. Londres, p. 245-250. set. 2004. Disponível em: <http://chevrontoxico.com/assets/docs/chil-
dhood-leukemia.pdf>. Acesso em: 22 jul. 2017. P. 2
14
SEBASTIAN, Miguel San; CORDOBA, Juan António. The impact of oil development on the health
of the people of the Ecuadorian Amazon. Londres: London School Of Hygiene And Tropical Medi-
cine Medicus Mundi, 1999. Disponível em: <https://chevrontoxico.com/assets/docs/yana-curi-eng.pdf>.
Acesso em: 22 jul. 2017. P. 14.
15
ESTADOS UNIDOS. Tratado de Investimento Bilateral nº Doc. 103-15, de 27 de agosto de 1993. Tratado
de Investimento Com A República do Equador: Tratado entre os Estados Unidos da América e a Republica
do Equador sobre incentivo e proteção reciproca de investimentos. Washington-DC, Disponível em: <https://
www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0ahUKEwjXjeiViYPPAhWL-
fZAKHe9WAMsQFggfMAA&url=http://www.state.gov/documents/organization/43558.pdf&usg=AFQjC-
NHwqHrFvErXdGJVa9vX7ITHYVo7rg&bvm=bv.131783435,d.Y2I&cad=rja>. Acesso em: 09 set. 2016.
16
Cf. Nota supra.
17
CHEVRONTOXICO: THE CAMPAIGN FOR JUSTICE IN EQUADOR. Trial Timeline. 2011. Dis-
ponível em: <http://chevrontoxico.com/pop-ups/trial-timeline>. Acesso em: 09 set. 2016.
18
Cf. Nota supra.
26 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
19
EQUADOR. Contrato nº 1, de 14 de maio de 1995. Contrato para A Execução de Trabalhos de Repa-
ração Ambiental e Liberação de Obrigações, Responsabilidades e Demandas. Quito, Disponível em:
<http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw1585.pdf>. Acesso em: 09 set. 2016.
20
CORTE DISTRITAL DE HAIA. Case number/ cause-list number: C/09/477457 / HA ZA 14-1291.
República do Equador VS. Chevron e Texaco. Mr. D.R. Glass e Mr. D. Aarts and mr. J.W. Julgado em
20/01/2016. Publicado em 20/01/2016. Disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-
documents/italaw7104.pdf. Acesso em 09/09/2016. Parágrafo 2.4.
21
Permanent Court Of Arbitration Of Hague. Third Interim Award nº 3. Parágrafo 3.24.
22
CORTE DISTRITAL DE HAIA. C/09/477457 / HA ZA 14-1291. 2016. Parágrafo 2.6.
23
G1 (Brasil). Equatorianos abrem no Brasil processo para cobrar multa milionária à Chevron. 2012.
Disponível em:<http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/06/equatorianos-abrem-no-brasil-processo
-para-cobrar-multa-milionaria-a-chevron.html>. Acesso em: 09 set. 2016.
24
TRIBUNAL ARBITRAL DE HAIA. Notice of arbitration. Disponível em: <.https://www.italaw.com/
sites/default/files/case-documents/ita0155_0.pdf>. Acesso em: 09/10/2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 27
proferidas contra as empresas, bem como a sua responsabilização pela reme-
diação dos estragos ambientais causados em Lago Agrio.
Como já previsto, em 2011, o processo na Justiça Equatoriana teve seu
desfecho concluído com a condenação da Chevron e da Texaco a indenizar
os reclamantes no valor total de US$18 bilhões, dos quais US$ 8,6 bilhões
eram devidos a títulos de danos morais e materiais decorrentes dos prejuízos
socioambientais; US$ 8,6 bilhões a título de multa caso as petroleiras não pe-
dissem desculpas publicamente por sua conduta; e, por fim, US$ 86 milhões
para o pagamento dos ônus sucumbenciais.25
Notadamente insatisfeitas, as empresas apelaram para a segunda instân-
cia, a qual, em setembro de 2012, confirmou a decisão do juiz singular, re-
duzindo, no entanto, a condenação para o montante de US$ 9,46 bilhões,
excluindo a multa pela ausência de retratação das companhias. Novamente, as
condenadas recorram e, em novembro de 2013, a Suprema Corte Equatoriana
confirmou a decisão proferida em segunda instância.26
Para melhor compreender os fatos do caso, é preciso destacar a extensão
do dano ambiental e o capital gasto para recuperar a região amazônica, te-
cendo um comparativo entre esse desastre e o acidente ocorrido em 2010 no
Golfo do México.
Enquanto no primeiro houve o lançamento de 16 bilhões de galões de lí-
quidos tóxicos nos rios e nas florestas amazônicas, durante 9 anos, no segundo
houve o vazamento de 5 milhões de galões de petróleo no mar, durante apenas
três meses. No entanto, apesar da floresta de Lago Agrio ter sido contaminada
com um volume cerca de tóxicos 3.200 vezes maior, o valor direcionado à sua
recuperação foi 350 vezes menor que o montante investido na recuperação
ambiental do Golfo do México. Em Lago Agrio foram empregados 40 milhões
de dólares, ao passo que ao Golfo do México foi destinado o montante de 14
bilhões de dólares para a recuperação da área.27
O apelo feito pela Chevron e pela Texaco foi recebido pelo Tribunal
Arbitral de Haia em setembro de 2009, dando início ao processo arbitral
25
CORTE DISTRITAL DE HAIA. Case number/ cause-list number: C/09/477457 / HA ZA 14-1291.
República do Equador VS. Chevron e Texaco. Mr. D.R. Glass e Mr. D. Aarts and mr. J.W. Julgado em
20/01/2016. Publicado em 20/01/2016. Disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-
documents/italaw7104.pdf. Acesso em 09/09/2016. Parágrafo 2.6.
26
Cf. Nota supra.
27
GREENPEACE (Brasil). Desastre no Golfo do México completa cinco anos. 2015. Disponível em:
<http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/Pior-vazamento-de-petroleo-completa-cinco-anos/>.
Acesso em: 22 jul. 2017.
28 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
28
Tribunal Permanente de Arbitragem de Haia. Decision on Track 1B. Disponível em: <http://www.
italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw4222.pdf>. Acesso em: 10 set. 2016.
29
PERMANENT COURT OF ARBITRATION OF HAGUE. Third Interim Award nº 3. Claimants
Chevron e Texaco. Respondant Equador. Relator: Dr. Horacio A. Grigera Naón; Professor Vau-
ghan Lowe; V.V. Veeder (President). Hague, 27 de fevereiro de 2012. Disponível em: <http://www.
italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0175.pdf>. Acesso em: 10 set. 2016.
30
WASHINGTON COLLEGE PF LAW (Estados Unidos). Horacio Grigera Naón Distinguished Prac-
titioner in Residence Director of the Center on International Commercial Arbitration. 2012. Dis-
ponível em: <https://www.wcl.american.edu/faculty/grigeranaon/>. Acesso em: 22 jul. 2017.
31
ESSEX COURT CHAMBER (Inglaterra). PROFESSOR VAUGHAN LOWE QC. 2017. Disponível
em: <https://essexcourt.com/barrister/professor-vaughan-lowe-qc/>. Acesso em: 22 jul. 2017.
32
ESSEX COURT CHAMBERS (Inglaterra). V V VEEDER QC. 2017. Disponível em: <https://essex-
court.com/barrister/v-v-veeder-qc/>. Acesso em: 22 jul. 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 29
disposição para suspender ou causar a suspensão da execução ou do reco-
nhecimento, dentro ou fora do Equador, de qualquer julgamento contra a
Chevron no caso de Lago Agrio33.”34
Em julho do mesmo ano, o Equador apresentou seu memorial, alegando
que o Tribunal Arbitral não possuía competência para julgar o caso, posto que
a disputa de Lago Agrio, diferentemente do que afirmavam os autores, não
envolvia diretamente um investimento internacional, não dizendo respeito,
portanto, ao objeto do Tratado de Proteção ao Investimento de 1993.35
O Estado consignou ainda que, mesmo se fosse considerado que o litígio
de Lago Agrio envolvia o contrato de concessão realizado entre ele e a Texaco,
o Acordo de Proteção ainda não poderia ser aplicado, pois o contrato expirara
em 1992, antes mesmo da assinatura do BIT.36
Afirmou também que nem o acordo de 1998 – “Final Release” –, tam-
pouco o de 1995 tinham caráter de investimento internacional, vez que não
tratavam da aplicação de capital estrangeiro com o intuito de obter lucro, mas
sim de formas de remediação de danos advindos da exploração de petróleo de
forma irresponsável.37
No entanto, a Corte Arbitral rechaçou tais argumentos, afirmando que
existia uma intrínseca ligação entre o Contrato de exploração petrolífera e o
Acordo de liberação de responsabilidades decorrentes de tal atividade, pois o
segundo jamais teria sido firmado sem a existência do primeiro.38
Nesse raciocínio, o Tribunal considerou: uma vez que o contrato de explo-
ração petrolífera de 1973 se enquadra no conceito de investimento internacional,
os acordos dele decorrentes, como o de liberação de responsabilidades, também se
enquadrarão. Destarte, dado que o caso de Lago Agrio se relaciona com o contrato
de 1973, torna-se aplicável a ele o Tratado de Proteção ao Investimento de 1993.39
Em 2012, as empresas peticionaram à Corte de Arbitragem que reforças-
se a medida provisória concedida, tornando-a definitiva, argumentando que,
33
“Tomasse todas as medidas necessárias para suspender ou fazer com que suspenda a execução, bem
como o reconhecimento, dentro ou fora da jurisdição do Equador, de qualquer julgamento contra a Che-
vron no caso de Lago Agrio” (tradução nossa).
34
CORTE DISTRITAL DE HAIA. C/09/477457 / HA ZA 14-1291. 2016. Parágrafo 2.9.
35
EQUADOR, República do. Memorial on Jurisdictional Objections of The Republic of Ecua-
dor. 2010. Disponível em: <http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0161.pdf>.
Acesso em: 10 set. 2016.
36
Cf. Nota supra
37
Cf. Nota supra.
38
PERMANENT COURT OF ARBITRATION OF HAGUE. Third Interim Award nº 3. Claimants
Chevron e Texaco. Respondant Equador. Relator: Dr. Horacio A. Grigera Naón; Professor Vau-
ghan Lowe; V.V. Veeder (President). Hague, 27 de fevereiro de 2012. Disponível em: <http://www.
italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0175.pdf>. Acesso em: 10 set. 2016.
39
Cf. Nota supra.
30 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
mesmo após sua concessão, o Equador não apenas haveria permitido que a
empresa fosse condenada, como também que os afetados de Lago Agrio com-
prassem a decisão judicial.40
Atendendo aos reclamantes, no mesmo ano, o Tribunal Arbitral reafirmou
a medida provisória, reconhecendo que o Equador havia violado a determinação
do tribunal ao permitir a condenação das empresas pelo seu Poder Judiciário.41
Em 2013, novamente, as empresas buscaram a Corte para denunciar no-
vas transgressões à medida provisória, dessa vez, traduzidas pela tentativa dos
Afetados de Lago Agrio de executar a decisão fora dos limites do território
equatoriano, como em tribunais do Canadá, Argentina e Brasil.42
Em setembro do mesmo ano, a primeira decisão de mérito do Tribunal
Arbitral foi prolatada. Nela, foram acolhidas as pretensões das petroleiras, sob
o argumento de que a Chevron e a Texaco haviam sido liberadas das respon-
sabilidades de Lago Agrio pela cláusula 5.1 do Acordo 1995.43
O Tribunal Arbitral, como quem faz surgir uma faísca luminosa no fim
do túnel, ressaltou que apesar de tal cláusula vedar a responsabilização das em-
presas em face de reclamações difusas pelos danos socioambientais causados,
ela não poderia proibir as reclamações individuais de mesma natureza.44
Em março de 2015, houve mais uma decisão, na qual, a pedido do Equa-
dor, a Corte declarou que no caso de Lago Agrio haviam reclamações indivi-
duais envolvendo direitos ambientais reconhecidos pela legislação equatoriana,
em razão das quais o acordo de liberação de responsabilização não poderia exi-
mir as multinacionais de serem executadas. Por essa razão, declarou que a deci-
são de Lago Agrio não se encontra inteiramente invalidada pelo citado acordo.45
Muito embora a última decisão arbitral tenha sido favorável ao Equador,
o Estado sucumbira na maioria das decisões.46 Razão pela qual o Tribunal con-
denou o Equador a pagar custas processuais no valor de 1 milhão de euros.47
Insatisfeito, o Equador apelou para a Corte Distrital de Justiça de Haia,
pedindo que as decisões arbitrais fossem anuladas e que a Chevron fosse con-
denada a pagar os custos do procedimento. Todavia, a Corte, no julgamento
proferido em 2016, entendeu que razão não assistia ao Estado, condenando-o
ao pagamento de mais custas no valor de € 7.030,00.48
40
SPALDING, King &. Claimantes Letter of Information. 2012. Disponível em: <http://www.italaw.
com/sites/default/files/case-documents/ita0171.pdf>. Acesso em: 10 set. 2016.
41
CORTE DISTRITAL DE HAIA. C/09/477457 / HA ZA 14-1291. 2016. Parágrafo 2.10.
42
Cf. Nota supra.
43
Cf. Nota supra.
44
Cf. Nota supra.
45
HAIA, Tribunal Permanente de Arbitragem de. Decision on Track 1B. 2015. P. 59
46
Cf. Nota supra.
47
CORTE DISTRITAL DE HAIA. C/09/477457 / HA ZA 14-1291. 2016. Parágrafo 4.42.
48
CORTE DISTRITAL DE HAIA. C/09/477457 / HA ZA 14-1291. 2016. Parágrafo 5.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 31
CONCLUSÃO
49
BRASIL. Dispõe Sobre A Política Energética Nacional, As Atividades Relativas Ao Monopólio do
Petróleo, Institui O Conselho Nacional de Política Energética e A Agência Nacional do Petróleo e Dá
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 33
É por esse motivo que o debate sobre o papel da arbitragem no
desenvolvimento sustentável é tão atual e tão relevante. É com essa discussão
que a visão individualista e limitada que se tem hoje da arbitragem poderá ser
modificada, tornando-a um eficaz instrumento para a efetivação do direito
universal ao meio ecológico sadio.
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LIMA, Bernardo Silva de. A arbitralidade do dano ambiental e seu ressarcimento. Tese (Mestrado em Direito)
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1. INTRODUÇÃO
1
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Curso Água e Educação Ambiental. Disponível em: <http://
ava.mma.gov.br/>. Acesso: 20 jul. 2017.
38 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
iria subir muito e onde ainda choveria o mínimo para poder plantar, esses
locais o próprio autor chamou de “ilhas-botes-salva-vidas”2.
O grande gerador da catástrofe iminente, segundo Lovelock, é a superpopula-
ção humana, que emite muitos gases e que destrói grandes áreas para a agricultura.
A continuidade das atuais atitudes, no que diz respeito à exploração dos recursos
da Terra, ao contrário do que se pensa não destruiria esse organismo, pois segundo
o autor, Gaia seria mais forte que os homens e somente atingida superficialmente
por suas ações. Assim a grande questão é encontrar uma saída para não permitir a
extinção humana, pois foram necessários 3,5 bilhões de anos para desenvolver-se
um animal capaz de pensar e agir conscientemente e talvez não surja outra espécie
com essas capacidades. E como dito pelo autor, seriamos o sistema nervoso de
Gaia, nossa extinção seria uma grande perda para o planeta3.
O pensamento de Lovelock se faz importante para este trabalho justa-
mente porque ele considera o planeta um “superorganismo”, onde todos os
integrantes agem juntos em uma espécie de cooperação4. Foi essa ajuda mútua
que possibilitou o desenvolvimento do ser humano e é ela que tem se mos-
trado a alternativa para tentar atenuar, e talvez reverter, o presente estado do
planeta. O entendimento de que ações em uma parte do mundo resultam em
efeitos em outro é um grande passo para a responsabilização internacional de
agentes que degradam o meio ambiente.
A gestão das águas passou a ser pensada no mundo após as grandes trans-
formações causadas pelas Revoluções Industriais e pelas duas Grandes Guer-
ras. A partir das Revoluções Industriais ocorridas primeiro na Inglaterra e
depois estendidas ao restante do mundo, com a incorporação de máquinas
para produção de bens de consumo, a capacidade industrial de processamento
de matérias primas cresceu vertiginosamente. É crível salientar que atrelado a
esse aumento da produção industrial, houve um equivalente aumento no uso
da água. Os recursos hídricos passaram a ser afetados tanto em quantidade,
devido ao uso nas indústrias e pelo consumo humano, quanto em qualidade,
pelo despejo de esgoto doméstico e industrial5.
2
LOVELOCK, JAMES. Gaia: alerta final. Título original “the vanishing face of gaia: a final warning”.
Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010.
3
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Curso Água e Educação Ambiental. Disponível em: <http://
ava.mma.gov.br/>. Acesso 20 jul. 2017.
4
LOVELOCK, op. cit., p. 16-17.
5
CÁNEPA, Eugênio Miguel; PEREIRA, Jaildo Santos; LANNA, Antonio Eduardo. Água e economia.
In: BICUDO, Carlos E. de M.; TUNDISI, José Galizia; SCHEUENSTUHL, Marcos C. Barnsley (orgs.).
Águas do Brasil: Análises estratégicas. São Paulo, Instituto de Botânica, 2010, p. 43-54.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 39
Nos últimos séculos, a superprodução do capitalismo levou a exploração
desmedida do meio ambiente, além do que, não se tinha noção dos problemas
que essa exploração desenfreada poderia trazer. Devido à demanda exacerbada
de água para suprir as necessidades industriais, ainda no fim do século XX co-
meçaram a surgir os primeiros indícios de que medidas teriam que ser tomadas
diante de tal problemática6. Muitas conferências começaram a surgir promoven-
do pactos a nível mundial para com a responsabilidade sobre o uso da água.
O grande impulsionador, nesse período, do movimento ambientalista
foi o livro de Rachel Carson intitulado de Primavera Silenciosa, publicado
em 1962, que alertava sobre os perigos do uso de inseticidas como o DDT -
Dicloro-Difenil-Tricloroetano. Seu título poético, na verdade, é uma alusão ao
que poderia ocorrer com o prolongamento do uso de pesticidas, a primavera
silenciosa seria provocada pela morte dos pássaros, quando não se ouviria
mais o seu canto na estação das flores.
A obra contribuiu para que surgisse em 1972 um relatório intitulado “Os
limites do crescimento” elaborado pelo Clube de Roma, formado por cientis-
tas, industriais, políticos e ambientalistas, que alertavam sobre os problemas
que essa exploração poderia trazer. A partir daí, cabe destaque a Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente de 1972 em Estocolmo e em es-
pecial a Conferência Internacional sobre Água e Meio Ambiente de 1992,
realizada em Dublin. Esta começa a alertar sobre a disponibilidade hídrica e
a discutir temas como a participação social na gestão desse recurso, além da
importância de dar um valor econômico a água, buscando criar uma forma de
consciência ecológica.
Ainda em 1992, ocorre a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento - ou Cúpula da Terra - no Rio de Janeiro, onde
se percebe claramente a necessidade de conciliar o desenvolvimento e a sus-
tentabilidade, sendo aprovada a Agenda 21, uma tentativa de desenvolvimento
sustentável em escala global.
Nesse contexto, os estados brasileiros começam a criar leis pautadas em
alguns princípios abordados nessas conferências como a gestão descentraliza-
da da água, ou seja, a participação social nas decisões, um dos marcos da Lei
das Águas7. Visava-se ainda uma análise da água como um bem público e com
valor econômico, para fomentar um uso consciente desse bem, porém não
6
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CAPTAÇÃO E MANEJO DE ÁGUA DE CHUVA, ABCMAC.
Declaração de Dublin sobre água e desenvolvimento sustentável. Disponível em: <http://www.ab-
cmac.org.br/files/downloads/declaracao_de_dublin_sobre_agua_e_desenvolvimento_sustentavel.pdf>.
Acesso em: 25 out. 2017.
7
Ao analisar mais profundamente, nota-se que a grande aceitação desse modelo de participação está rela-
cionada ao momento político vivenciado, pois o país acabara de sair de uma ditadura e a democracia era
proclamada em todos os cantos da sociedade brasileira.
40 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
8
CARNEIRO, Júlia Dias. Enquanto Rio privatiza, por que Paris, Berlim e outras 265 cidades rees-
tatizaram saneamento? Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/brasil-40379053>. Acesso
em: 31 ago. 2017.
9
TENDER, Sílvio. Encontro com Milton Santos: O mundo global visto do lado de cá. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=-UUB5DW_mnM>. 2006. Acesso: 10 out. de 2017.
10
CARNEIRO, op. cit.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 41
3. LEI DAS ÁGUAS E O DESTAQUE DADO ÀS BACIAS
HIDROGRÁFICAS
A Lei n° 9.433 de 1997 que ficou conhecida como Lei das Águas, acaba
de completar 20 anos e é o grande marco da legislação brasileira no tocante
ao meio ambiente. Essa lei institui a Política Nacional de Recursos Hídricos
(PONAREH) que é a responsável pela criação do Sistema Nacional de Geren-
ciamento de Recursos Hídricos (SINGREH). O SINGREH é o encarregado
pela aplicação de tudo que é previsto na PONAREH, sendo constituído de
diversos órgãos com diferentes níveis de atuação, em âmbitos nacional, esta-
dual e local11.
Tal lei é baseada no modelo francês de participação social nas decisões,
tendo em vista que a França foi um dos pioneiros a assumir uma forma
de gestão descentralizada. No Brasil, assim como na França, o território é
dividido em bacias hidrográficas, e as decisões sobre os problemas de cada
bacia devem ser resolvidos pelos diferentes atores sociais durante os comitês
de bacia. A Lei das Águas ainda regulamenta a outorga de direito de uso dos
recursos hídricos, a cobrança pelo uso desse bem e garante enorme impor-
tância às bacias e seus comitês.
11
BRASIL, Lei Nº. 9.433, 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria
o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21
da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a
Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
L9433.htm>. Acesso em: 25 out. 2017.
42 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
gestão dos recursos hídricos. A divisão de duas bacias é feita pelos chamados
divisores de água, normalmente em uma elevação onde a água que escoa por
um lado insere-se em uma bacia, enquanto a que escoa para o outro lado inse-
re-se numa outra bacia. A Lei das Águas definiu essas regiões como o local de
atuação do SINGREH e de implementação da Política Nacional de Recursos
Hídricos (PONAREH)12.
Outro bom exemplo para entender essa relação sistêmica nas bacias hi-
drográficas são as tão comuns usinas hidrelétricas. Para isso devemos estar
cientes dos impactos ambientais que a construção de uma hidrelétrica pode
produzir, onde os mais notórios são: mudança no percurso dos rios, inun-
dações em áreas antes não inundadas, afetando a sua fauna e flora, além do
desmatamento de áreas que serão ocupadas pelo novo leito do rio. No caso
de hidrelétricas construídas no leito do Rio Amazonas ou de algum de seus
afluentes, os efeitos provavelmente serão sentidos em mais de um país diante
da dimensão da Bacia do Rio Amazonas, desse modo as discussões acerca da
utilização da água dessa bacia não podem ser tomadas apenas por um dos
países, mas em conjunto com todos os outros integrantes desta bacia, sendo
necessária a implementação de Tratados Internacionais.
12
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Curso Água e Educação Ambiental. Disponível em: <http://
ava.mma.gov.br/>. Acesso 20 jul. 2017.
13
BRASIL, Lei Nº. 9.433, 8 de janeiro de 1997, loc. cit.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 43
não representam verdadeiramente as classes populares . Logo, percebe-se uma
14
grande falha na realização dos comitês, pois grande parte da população desco-
nhece a existência desses conselhos que vivem da “participação social”, outro
motivo para a não participação desses grupos é a extrema burocratização des-
ses debates.
14
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Curso Água e Educação Ambiental. Disponível em: <http://
ava.mma.gov.br/>. Acesso 20 jul. 2017.
44 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
15
TATEMOTO, Letícia CB. Poder e conflito em bacias hidrográficas internacionais. Dissertação
(Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-graduação em Rela-
ções Internacionais. Programa de Pós-graduação, Belo Horizonte, p. 30-31, 2011.
16
Ibid., p. 70.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 45
Uganda, elevando o nível do lago Vitória deixando mais água para irrigação
no Egito. Em 1959, Sudão e Egito determinaram que o volume de 84 bilhões
de metros cúbicos de água fosse dividido, cabendo ao Egito 55,5 bilhões e ao
Sudão 18,5 bilhões de metros cúbicos. O que mostra justamente a soberania
dos países a jusante, no Nilo17.
Desenvolveram-se, no plano internacional, projetos de estudos e ajuda na
formação de cooperação dos países da bacia. No entanto, esses esforços não
foram bem-sucedidos, mas contribuíram para o surgimento de um espírito
cooperativo, originando a Iniciativa da Bacia do Nilo – NBI - em 1999, um
projeto de transição até que se forme um acordo permanente18.
Nos últimos anos algumas convenções entre os países menos privilegia-
dos da bacia têm deixado Egito e Sudão insatisfeitos, um exemplo é o “Acordo
de Entebbe”, assinado por Etiópia, Uganda, Tanzânia, Quênia e Ruanda, em
2010. O acordo se opõe aos antigos tratados que beneficiaram Egito e Sudão
na utilização das águas do Nilo, como o de 1959, propondo uma distribuição
mais equitativa da água, gerando mais tensão na região. Egito e Sudão são de-
pendentes economicamente do Nilo, por isso, essa é uma questão de segurança
para os países19. A situação no Nilo é uma questão de conflitos históricos e
não estamos perto de resolver tais conflitos, talvez estejamos até mesmo dando
um passo adiante no conflito.
A Índia é um dos países com uma das maiores populações e com maior
desigualdade social no mundo. Possui conflitos históricos com seus vizinhos,
principalmente Paquistão e Bangladesh, esses três países no tempo de coloni-
zação britânica - de 1858 à 1947 - formavam um único país. A divisão desse
vasto território acabou por dividir duas grandes bacias, de um lado Paquistão
e Índia agem cooperativamente na bacia do Nilo, já no Ganges a Índia domina
totalmente o seu curso, afetando a população de Bangladesh.
O rio Indo banha parte do território da Índia e do Paquistão, sua princi-
pal nascente está localizada no Tibet, cruzando a fronteira indiana para depois
chegar ao Paquistão, além disso, seus principais tributários estão na Índia. A
economia do Paquistão é dependente de seus sistemas de irrigação, ou seja, em
um conflito entre esses dois países a Índia poderia sufocar a economia paquis-
tanesa. Uma questão importante de se levantar é que ambos os países possuem
conflitos históricos na busca do domínio da região da Caxemira, fonte de
17
TATEMOTO, 2011, p. 73.
18
Ibid., p. 77-79.
19
Ibid., p. 80.
46 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
20
TZINGUÍLEV, Wladimír. Os conflitos internacionais sobre recursos hídricos. Disponível em:
<http://www.jornal.ceiri.com.br/os-conflitos-internacionais-sobre-recursos-hidricos/>. Acesso: em
31 out. 2017.
21
TATEMOTO, 2011, p. 90-92.
22
BRASIL. Decreto nº 85.050, de 18 de agosto de 1980. Promulga o Tratado de Cooperação Ama-
zônica, concluído entre os Governos República da Bolívia, da República Federativa do Brasil,
da República da Colômbia, da República do Equador, da República Cooperativa da Guiana, da
República do Peru, da República do Suriname e da República da Venezuela. Tratado de Coo-
peração Amazônica. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto-
85050-18-agosto-1980-434445-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 7 out. 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 47
Entretanto, tal acordo não responsabiliza verdadeiramente os países,
pois como mostra o artigo quarto do referido tratado: “As Partes Contratan-
tes proclamam que o uso e aproveitamento exclusivo dos recursos naturais
em seus respectivos territórios é direito inerente à soberania do Estado e
seu exercício não terá outras restrições senão as que resultem do Direito
Internacional”23. Aqui se reconhece mais uma vez o princípio da soberania,
que dessa forma passa a servir a interesses individualistas, já que, apesar da
preservação dos recursos naturais produzir ganhos universais, nem sempre
traz ganhos econômicos. Deste modo, entende-se que é necessário que a
civilização dita “evoluída” passe a espelhar-se mais nos povos “primitivos”,
nas comunidades tradicionais, para buscarem um desenvolvimento que não
agrida o meio ambiente.
Outro tratado importante na América do Sul é o Tratado da Bacia do
Prata adotado por Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai, em 1969,
onde afirmam que: “As partes contratantes convêm em conjugar esforços com
o objetivo de promover o desenvolvimento harmônico e a integração física da
Bacia do Prata e de suas áreas de influência direta e ponderável”24.
Contudo, este acordo ganha ares mais voltados para as relações econô-
micas do que as ambientais. Alguns de seus pontos principais são a facilitação
e assistência em matéria de navegação, ao aperfeiçoamento das interconexões
rodoviárias, ferroviárias, fluviais, aéreas, elétricas e de telecomunicações e a
complementação regional mediante a promoção e estabelecimento de indús-
trias de interesse para o desenvolvimento da Bacia25.
Já o Acordo de Cooperação entre Brasil e Paraguai para o Desenvolvi-
mento Sustentável e a Gestão Integrada da Bacia Hidrográfica do Rio Apa,
assinado em 2006, possui uma perspectiva voltada justamente para a sustenta-
bilidade, o desenvolvimento não é apriorístico como afirma o artigo primeiro:
“As partes estabelecerão uma estreita cooperação para promover o desenvolvi-
mento sustentável e a gestão integrada da Bacia Hidrográfica do Rio Apa”26.
As principais diretrizes desse acordo dizem respeito à utilização racional, equi-
tativa e sustentável da água para fins domésticos, urbanos, agropecuários e
industriais; a solução dos problemas decorrentes do uso indevido das águas;
23
Ibid., Artigo IV.
24
BRASIL. Decreto n° 67.084, de 19 de agosto de 1970. Promulga o Tratado da Bacia do Prata.
Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-67084-19-agosto-
1970-408584-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 26 out. de 2017.
25
Id. Ibid.
26
BRASIL. Decreto n° 7.170, de 6 de maio de 2010. Promulga o Acordo de Cooperação entre o
Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República do Paraguai para o
Desenvolvimento Sustentável e a Gestão Integrada da Bacia Hidrográfica do Rio Apa. 11 set.
2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7170.
htm>. Acesso em: 7 out. 2017.
48 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
27
Id. Ibid.
28
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Curso Água e Educação Ambiental. Disponível em: <http://
ava.mma.gov.br/>. Acesso: 20 jul. 2017.
29
BRZEZINSKI, Maria Lúcia Navarro Lins. O direito à água no direito internacional e no direito bra-
sileiro. Confluências. vol. 14, n. 1. Niterói: PPGSD-UFF, dezembro de 2012, páginas 60 a 82. ISSN
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Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 49
Considerando esse cenário, Leonardo Boff afirma a necessidade de se criar
uma cultura da água. Ainda segundo Boff é essencial o uso da racionalização
para preservá-la e para isso é necessário um pacto de uso da água, que deve ser
seguido por todos os governos e cidadãos do mundo. Essa cultura promoveria
um uso consciente que afetaria o próprio capitalismo, pois a racionalização
desse bem não traz nenhum tipo de lucro para o sistema, reafirmando que este
é pautado, muitas vezes, numa exploração irracional30.
A cultura da água seria uma forma de gerenciamento racional da água,
promovida a partir do engajamento dos diversos atores e usuários de tal re-
curso. Pautando-se na deliberação a respeito da gestão da água, o atendimento
as necessidades da população e a manutenção do meio ambiente equilibrado,
surgiriam como principal objetivo e não somente o favorecimento das grandes
corporações. Nesse aspecto, o principal exemplo de uma gestão participativa é
a França, cujo modelo inspirou o Brasil, como já citado.
CONCLUSÃO
30
PENA, João Carlos Firpe. ‘Sem uma cultura da água, passaremos por grandes catástrofes’, alerta Leo-
nardo Boff. Revista do Minas. N° 114. Março de 2015.
50 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
que a soberania dos Estados. Esta é usada como pretexto para convalidar os
maiores desrespeitos ao meio ambiente e a humanidade, como o vivido atual-
mente onde o desenvolvimento exploratório e degradador do meio ambiente
são mais importantes do que o respeito à vida e o direito das próximas gera-
ções. A soberania brasileira transforma o país no dono de uma floresta que
serve a toda a humanidade, uma distorção de princípios. A soberania não deve
ser considerada superior à vida, ferindo diretamente esse bem, ao servir de base
para um discurso de exploração sem fim.
Assim, os tratados internacionais devem servir justamente para responsa-
bilizar os países e tentar impedir que destrua-se o planeta com o objetivo de
um desenvolvimento que no fim das contas pode ser inútil. Nosso objetivo
com esse trabalho não é indicar como tais acordos devem ser estabelecidos,
com suas condições próprias, mas sim explicar a importância de suas imple-
mentações, visto que para sua formulação muitos aspectos interferem em sua
elaboração, como os interesses políticos e econômicos, por exemplo.
É importante citar ainda o novo constitucionalismo latino-americano, as
propostas de países como Bolívia e Equador são assustadoramente inovadoras.
A personificação de entes como o rio, faz surgir inúmeras críticas de pessoas
que não buscam entender o objetivo de caracterizá-lo como ente jurídico,
passando a ser representados em tribunais. A valorização e a preservação desse
bem deve ser vista sempre como algo positivo.
Nota-se também através dos inúmeros tratados uma tentativa de coope-
ração, os gastos altíssimos com guerras fazem os países buscarem acordos. A
questão no Nilo é uma questão de conflitos históricos, tais conflitos não estão
próximos de serem resolvidos, estão, talvez, até mais próximos de serem agra-
vados, pois a chance de desabastecimento humano, previstas para as próximas
décadas, tem grandes chances de levar a uma guerra nessas regiões, por isso são
necessários acordos para regular a distribuição equitativa desse bem, partindo
inicialmente pela responsabilização dos países que agredindo a natureza ofen-
dam a vida humana na terra.
Contudo, vimos que a água é um bem que não pode ser apropriado nem
mesmo por um Estado, tendo em vista que os rios são móveis, nem por em-
presas, sabendo-se que o sistema capitalista volta-se para o lucro e a exploração
desse bem é diferente da exploração de outros recursos como o petróleo, por
exemplo, pois quando este recurso desaparecer, com certeza buscar-se-á outra
fonte de energia para substitui-lo, enquanto a água é insubstituível, reafirman-
do mais uma vez a necessidade de se buscar acordos internacionais para sua
preservação. No entanto, percebe-se a importância destas instituições como
gestoras da água, possibilitando uma distribuição mais equitativa desse bem.
Um pacto mundial não pode ser visto como utópico, a sobrevivência da
humanidade passa a priori pelo respeito à água e a responsabilização pelo seu
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 51
mau uso, a cultura da água é urgente, não se pode deixar que a situação piore
até o ponto de um estado de degradação irreversível, como também não é cor-
reto que a escassez desse elemento sirva de discurso para a sua mercantilização.
É necessário preservar a água e por isso o pacto mundial é fundamental.
Nesse pacto devem estar incluídas a manutenção de todos os elementos que
condicionam a preservação da água, como a preservação das matas ciliares e
a preservação das florestas, esta última disseminadora da água para outras re-
giões. Nesse sentido é essencial entender que a água não possui um dono, não
é algo apropriável, ninguém a produziu ela já estava lá, assim, a humanidade
não pode agir como dono dela, sendo no máximo gestores desse elemento.
A população humana possui o direito fundamental de acesso à água, a não
preservação da água é a não preservação da vida.
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ao petróleo, à mineração e a energia renovável. Curitiba: Juruá, 2015, p. 255-287.
54 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
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5
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Cadastro Nacional de Unidades de Conservação. Disponível
em <http://www.mma.gov.br/areas-protegidas/cadastro-nacional-de-ucs>. Acesso em: 13 dez. 2016.
6
BRASIL. Decreto nº 5.758, de 13 de abril de 2006. Institui o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas
– PNAP, seus princípios, diretrizes, objetivos e estratégias, e dá outras providências. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5758.htm> Acesso em 1 ago. 2015.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 55
Para uma tomada de posição mais realista acerca da matéria, demonstrar-
-se-á as necessidades de proteger os interesses ambientais, expressamente con-
sagrados na ordem constitucional, bem como as possibilidades de promover
uma fiel implementação de UCs. Afinal, é necessário que junto com a criação
desses espaços de proteção haja aplicação de políticas públicas efetivas e com-
patíveis com a realidade ambiental local, capaz de exercer influência direta no
contexto econômico e socioambiental.
Por tudo isso, faz-se importante o estudo e a pesquisa sobre a referida
temática, a fim de esclarecer os pontos relevantes sobre o assunto e, sobretudo,
para fomentar estratégias efetivas que permitam o equilíbrio entre a conser-
vação dos ecossistemas marinhos, a geração de renda, o desenvolvimento e a
melhora na qualidade de vida das populações em geral, garantindo, assim, um
direito fundamental ao meio ambiente.
2. UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
7
LEUZINGER, Márcia Dieguez; SILVA, Solange Teles da. Unidades de Conservação Marinhas. In:
OLIVEIRA, Carina Costa de (Coord.). Meio ambiente marinho e direito: exploração e investigação
na zona costeira, na plataforma continental e nos fundos marinhos. Curitiba: Juruá, 2015, p. 255-287.
8
Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição
Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9985.htm> Acesso em 8 ago. 2015.
56 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
9
WANDSCHEER, Clarissa Bueno. Unidades de Conservação e violação dos objetivos legais de prote-
ção. In: Revista Direito Ambiental e sociedade. v. 6, n. 2. 2016. p. 201-224.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 57
buscam alcançar o desenvolvimento sustentável por meio do equilíbrio das
três dimensões: econômica, social e ambiental.
10
NAÇÕES UNIDAS. Plataforma Agenda 2030. Disponível em: <http://www.agenda2030.com.br/>.
Acesso em 02 out. 2017.
11
NAÇÕES UNIDAS. ONU divulga versão em português do documento final da Conferência dos
Oceanos. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/onu-divulga-versao-em-portugues-do-documento-
final-da-conferencia-oceanos/>. Acesso em 30 ago. 2017.
12
Id. Ibid.
13
Id. Ibid.
58 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
destacamos o item 13, j, pois menciona a atenção que deve ser oferecida para
as áreas marinhas protegidas, vejamos:
15
MARCON, Victor Trevilin Benatti. A vinculação do poder público na criação de unidade de conserva-
ção. In: Revista Veredas do Direito: direito ambiental e desenvolvimento sustentável. v. 11. n. 22.
Belo Horizonte: Arraes, jul/dez 2014, p. 175-198.
16
CEARÁ. Secretaria do Meio Ambiente. UCs estaduais. Disponível em: <http://www.semace.ce.gov.br/
monitoramento/areas-naturais-protegidas/ucs-estaduais/>. Acesso em: 5 jul. 2017
17
LIMA FILHO, Joseilton Ferreira de. Análise da efetividade de manejo de áreas marinhas protegidas:
um estudo do Parque Estadual Marinho da Pedra da Risca do Meio. Tese de Dissertação de Mestrado
– Curso Desenvolvimento e Meio Ambiente, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/CE, 2006.
18
CEARÁ. Secretaria do Meio Ambiente. Parque Estadual Marinho da Pedra da Risca do Meio. Dis-
ponível em: <http://www.semace.ce.gov.br/2010/12/parque-estadual-marinho-da-pedra-da-risca-do-
meio/> Acesso em: 20 ago. 2017.
60 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
19
LIMA FILHO, Joseilton Ferreira de. Análise da efetividade de manejo de áreas marinhas protegidas:
um estudo do Parque Estadual Marinho da Pedra da Risca do Meio. Tese de Dissertação de Mestrado
– Curso Desenvolvimento e Meio Ambiente, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/CE, 2006.
20
SOARES, Marcelo de Oliveira; et al. Gestão de unidades de conservação marinhas: o caso do Parque Esta-
dual Marinho da Pedra da Risca do Meio, NE – Brasil. In: Revista de Gestão Costeira Integrada. v. 11, n.
2. jun 2011, p. 257-268. Disponível em: <http://www.aprh.pt/rgci/rgci261.html>. Acesso em 3 ago. 2015.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 61
proibição da pesca em todos os segmentos; ou, para evitar qualquer vedação
às atividades permitidas, deverá haver a modificação da categoria de UC de
proteção integral para UC de uso sustentável.
Dentre as duas alternativas apresentadas, entende-se que a segunda opção
é a mais vantajosa, tendo em vista que essa adequação possui compatibilidade
com os objetivos propostos na criação do PERPRIM. Logo, a sua escolha evi-
taria maiores prejuízos para as comunidades tradicionais.
É preciso ter em mente que o termo “Parque” agregado ao nome da UC
em análise pode ter ocorrido de maneira aleatória e diante da posterior regu-
lamentação da legislação ambiental federal se faz necessário sua modificação
para uma categoria de manejo coerente com as atividades propostas em sua
criação, até porque a UC não tem como objetivo prejudicar as atividades co-
mumente praticadas ali naquela região.
A criação de plano de manejo também possui fundamental importância
para a efetivação dos objetivos do PERPRIM, tendo em vista que esse docu-
mento é responsável por estabelecer diretrizes para o “uso da área e o manejo
dos recursos naturais” 21.
Nesse aspecto, interessante destacar que a SEMACE realizou reunião22 em
prol do PERPRIM, objetivando traçar ações que protejam ambientalmente o
espaço, por meio da integração de algumas instituições que colaborem com
a gestão da unidade de conservação, elaborando estratégias para o desenvol-
vimento de trabalhos e estudos no local. Na oportunidade foram discutidos
assuntos como a sinalização da UC, levantamento de espécies existentes, plano
de manejo e revisão de sua extensão.
É essencial que haja a cooperação de todos os envolvidos necessários à
concretização dos objetivos de uma UC, sejam eles integrantes das comuni-
dades tradicionais, da sociedade civil ou do Poder Público, pois como bem
pontua Paula Emília23 “o Estado sozinho não poderia realizar com a necessá-
ria eficiência a tarefa da salvaguarda ambiental. Para alcançar o cumprimento
deste mister, precisa ser ajudado pelo corpo social”.
Com isso, percebe-se que o Estado do Ceará obteve grande avanço na
busca pela conservação ambiental sustentável com a especial proteção desti-
nada ao espaço marinho pertencente ao PEMPRIM. Todavia, a fragilidade
21
ARAÚJO, Luis Cláudio Martins. Espaços Territoriais Especialmente Protegidos. In: Revista da AGU.
Disponível em: <www.agu.gov.br/page/download/index/id/1312626>. Acesso em: 20 ago. 2015.
22
PATRÍCIA, Luanna. Unidade de conservação marinha cearense é tema de reunião na Semace.
Disponível em: <http://www.semace.ce.gov.br/2011/05/unidade-de-conservacao-marinha-cearense-e-
tema-de-reuniao-na-semace/>. Acesso em 13 ago. 2015.
23
BRASIL, Paula Emília Moura Aragão de Sousa. A proteção do meio ambiente como dever funda-
mental. Tese de Dissertação de Doutorado – Curso de Direito, Universidade Federal do Ceará, Fortale-
za/CE, 2016.
62 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
em sua gestão demonstra forte violação a seus objetivos legais, o que dificulta
a concretização dos propósitos para os quais foi criado e consequentemente
distancia-se das metas estabelecidas no ODS nº 14, da Agenda 2030.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Luis Cláudio Martins. Espaços Territoriais Especialmente Protegidos. In: Revista da AGU. Disponí-
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Revista Direito Ambiental e sociedade. v. 6, n. 2. 2016. p. 201-224.
Capítulo 5
Impactos Nocivos Causados pelo Terminal
Portuário do Pecém/CE: O Índice de Desempenho
Ambiental (IDA) à Luz da Legislação Ambiental
Ricardo da Silva Araújo
Rogério da Silva e Souza
Juliana Wayss Sugahara
INTRODUÇÃO
que visa tutelar (o bem ambiental)4, observou-se que isto não foi suficiente
para tolher os vários efeitos negativos ocorridos desde a sua construção.
1
SILVA, R. S. Produção de Biosurfactante por linhagens de Penicillium spp. Monografia. Recife. UFPE. 2007.
2
CEARÁPORTOS. Companhia de Integração Portuária do Ceará. Disponível em: <http://www.cearapor-
tos. ce.gov.br/index.php/institucional/apresentacao>. Acessado em 03 out. 2017.
3
Modelo Off Shore é considerado como uma alternativa de avanço tecnológico, principalmente no
que se refere à preservação da linha da costa, pois a corrente litorânea não é muito comprometida e o
transporte de sedimentos continua a ocorrer por entre os pilares de ligação entre a estrutura do porto
e a retroágua portuária.
4
ARAÚJO, S. C. O licenciamento ambiental no Brasil: Uma análise jurídica e jurisprudencial. Disserta-
ção de Mestrado. Ceará. UFC. 2012. p. 47.
66 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
5
FREITAS, M. C. et al. Impact of the Construction of the Harbor at Pecém (Ceará, Brazil) upon Reef Fish
Communities in Tide Pools. Food Science and Technology. vol. 52, n. 1, p. 187-195, Jan-Feb, 2009.
6
MOREIRA, L. B. et al. Effects of harbor activities on sediment quality in a semi-arid region in Brazil.
Ecotoxicology and Environmental Safety. vol. 135, p. 137-151. Jan. 2017.
7
BRASIL. Agência Nacional de Transportes Aquaviários. Disponível em: <http://portal.antaq.gov.br/
index.php/ institucional/a-antaq/>. Acessado em: 10 out. 2017.
8
ANTUNES, P. B. Direito Ambiental. 4ª ed. Versão ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 93.
9
SARLET, I. W. et al. Constituição e Legislação Ambiental comentadas. São Paulo. Ed. Saraiva. 2015.
10
BRASIL. Lei nº 7661, de 16 de maio de 1988. Institui o plano nacional de gerenciamento costeiro e dá
outras providências. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/L7661.htm>.
Acessado em 03 out. 2017.
11
FRANCO NETO, D. S. Direito Internacional do Meio Ambiente: Reconstruindo seus Fundamentos.
Revista de Direito Constitucional e Internacional. vol. 76. p. 307-322. Jul-set, 2011.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 67
Logo, considerando o crescente desequilíbrio dos ecossistemas ocasio-
nado pelo aumento da atividade portuária, o presente trabalho possui os ob-
jetivos de identificar os principais impactos ambientais nocivos na área do
Terminal Portuário do Pecém, exemplificar a normatização ambiental vigente
acerca do tema e analisar os valores e parâmetros ambientais de maior impor-
tância do IDA do Terminal Portuário do Pecém.
12
GESAMP. Pollution in the open ocean: a review of assessment and related studies. Joint Group of Ex-
perts on the Scientific Aspects of Marine Pollution, n. 79, p.68. 2009.
13
BRASIL. Agência Nacional de Transportes Aquaviários. ANTAQ. Disponível em: <http://portal.antaq.
gov.br/ index. php/meio-ambiente/indice-de-desempenho-ambiental/estrutura-e-indicadores/>. Acesso
em: 09 out. 2017.
14
FREITAS, M. C; et al. Impact of the Construction of the Harbor at Pecém (Ceará, Brazil) upon Reef Fish
Communities in Tide Pools. Food Science and Technology. vol. 52, n. 1, p. 187-195, jan-feb, 2009.
15
MAGINI, C. et al. A influência da estrutura portuária na dinâmica costeira da Vila do Pecém, Ceará,
Brasil. Revista de Geologia. vol. 24, n. 2, 136-149, 2011.
68 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
16
FREITAS, M. C. et al. loc.cit.
17
MOREIRA, L. B. et al. loc. cit.
18
COSTA, B. V. M. Toxicidade do Tributilestanho (TBT) para o Copépodo marinho Tisbe biminiensis.
Dissertação de Mestrado. Recife. UFPE. 2013. p. 19.
19
BORGES, L. M. S. Alguns aspectos da biologia de Thais haemastoma (Gastropoda: Muricidae) e a sua
utilização como espécie indicadora de poluição por TBT, nas águas do porto e marina de Ponta Delgada.
Estágio de licenciatura em biologia, Universidade dos Açores, Ponta Delgada. 1997. 133 p.
20
KIRSCHNER, C. M.; BRENNAN, A. B. Bio-inspired antifouling strategies. Annual Review of Mate-
rials Research. 42: 211-229 p. 2012.
21
CASTRO, I. B. Estudo do Imposex em Muricídeos do gênero stramonita (Mollusca: Gastropoda) no
nordeste do Brasil. Dissertação de mestrado. Ceará. UFC. 2005. p. 26.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 69
Democrático de Direito que tem como parâmetro a questão sustentável é tomar
como referência os contornos de um Estado de terceira dimensão.22
Assim, a boa doutrina vai refletir por uma coletividade sócio-estatal con-
figurada à luz do meio ambiente, decorrendo assim, um Direito ambiental que
venha a conformar as realidades de cada Estado no comprometimento que se
deve satisfazer progressivamente.23
3. LEGISLAÇÕES AMBIENTAIS
22
De acordo com Dimoulis, D. & Martins, L. (2007, p. 34-35), Estado de terceira dimensão ou Terceira
geração é definido como o Estado que garante os Direitos da Solidariedade ou Fraternidade, no qual está
o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, progresso, etc. Essa geração
é dotada de um alto teor de humanismo e universalidade, pois não se destinavam somente à proteção
dos interesses dos indivíduos, de um grupo ou de um momento. Refletiam sobre os temas referentes ao
desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.
23
Ibid., p. 34-35.
24
BRASIL. Lei nº 5.357, de 17 de novembro de 1967. Coletânea da Legislação Ambiental Aplicável no
Estado de Santa Catarina. Florianópolis. 2002, p. 481.
25
BRASIL. loc. cit.
26
Art. 3º. “O PNGC deverá prever o zoneamento de usos e atividades na Zona Costeira e dar prioridade
à conservação e proteção, entre outros, dos seguintes bens: I - recursos naturais, renováveis e não re-
nováveis; recifes, parcéis e bancos de algas; ilhas costeiras e oceânicas; sistemas fluviais, estuarinos e
70 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
Sempre que ocorre um dano ambiental, o gozo dos direitos humanos é colo-
cado potencialmente em perigo. Uma situação-padrão observada cada vez com
maior frequência é, por conseguinte, a exposição de indivíduos à poluição do
ar, água contaminada ou substâncias químicas poluentes.30
lagunares, baías e enseadas; praias; promontórios, costões e grutas marinhas; restingas e dunas; florestas
litorâneas, manguezais e pradarias submersas; II - sítios ecológicos de relevância cultural e demais
unidades naturais de preservação permanente; e III - monumentos que integrem o patrimônio natural,
histórico, paleontológico, espeleológico, arqueológico, étnico, cultural e paisagístico”. Lei nº 7.661/88.
Institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e dá outras providências.
27
Art. 225. “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988.
28
SILVEIRA, T. A.: SOUZA, L. R. O conflito de interesses econômicos e proteção ambiental na atividade
de dragagem portuária. Prima Facie. João Pessoa. PPGCJ. v. 15. n. 30. p. 05. 2016.
29
SARLET, I. W. et al. loc. cit.
30
BOSSELMANN, K. O Princípio da Sustentabilidade. Transformando direito e governança. Editora Re-
vista dos Tribunais. São Paulo, SP. 2015, p. 147.
31
SAENGSUPAVANICH, C. et al. Environmental performance evaluation of an industrial port and state:
ISO14001, port state control-derived indicators. Journal of Cleaner Production. n. 17, p. 154-161, 2009.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 71
objetivos específicos desta política e o artigo sexto cria o Sistema Nacional do
Meio Ambiente – SISNAMA.32,33
Os instrumentos mencionados nesta referida lei encontram a sua base
constitucional no artigo 225 da nossa Carta Magna, especificamente no pa-
rágrafo primeiro e seus incisos, dando maior importância ao licenciamento
ambiental como principal instrumento de prevenção do ambiente, servindo
estes de base para os demais instrumentos.34, 35
Desta forma, o licenciamento de empreendimentos e atividades com
significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, fica sob a
atribuição do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis – IBAMA, conforme preceitua a Resolução do Conselho Nacio-
nal do Meio Ambiente – CONAMA 237/97. E tal resolução também impõe
o licenciamento das atividades portuárias, possibilitando uma análise apro-
fundada do órgão licenciador competente em relação aos padrões ambientais
exigidos na legislação. 36
Na sequência, e com interesse em promover a auto-modernização e amplia-
ção do comércio internacional perante o mercado globalizado, a atividade portuá-
ria necessitou alongar a qualidade da gestão de seus serviços e de sua mão-de-obra.
Desse modo, nascia a Lei nº 8.630 de 25 de fevereiro de 1993, também conhecida
como Lei de Modernização dos Portos, que através de suas definições tinha como
objetivo promover amplas reformas na estrutura dos portos brasileiros.37
Além disso, ela pretendia ser um marco no segmento estruturante dos
portos por inserir questões ambientais nessas reformas portuárias. O tema, até
os dias atuais, ainda não foi adequadamente incorporado ao sistema portuário
brasileiro, uma vez que é possível observar ações desarticuladas resultantes
de uma visão que considera a regulamentação ambiental um fator que pode
ameaçar a competitividade das empresas.38
Esta lei manteve a sua vigência por um período de vinte anos, uma vez
que foi revogada por lei posterior de nº 12.815/2013. Assim, tal instrumento
32
ANTUNES, P. B. Direito Ambiental. 4ª ed. Versão ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2004, p. 93.
33
BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Coletânea da Legislação
Ambiental Aplicável no Estado de Santa Catarina. Florianópolis. 2002, p. 343.
34
______. Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Resolução nº 237, de 19 de dezembro de
1997. Coletânea da Legislação Ambiental Aplicável no Estado de Santa Catarina. Florianópolis. 2002,
p. 390-394.
35
TRINDADE, A. A. C. Direitos Humanos e Meio Ambiente. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1993, p. 23.
36
BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. op. cit. p. 390-394.
37
STEIN, A. S. Curso de Direito Portuário. São Paulo: LTr, 2002, p. 266.
38
KITZMANN, D. I. S.; ASMUS, M. L. Gestão ambiental portuária: desafios e possibilidades. Revista de
Administração Pública. Rio de Janeiro, 40(6):1041-60, 2006.
72 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
39
BRASIL. Presidência da República. Lei 8630, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre o regime jurídi-
co da exploração dos portos organizados e das instalações portuárias e dá outras providências. Disponí-
vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8630.htm> Acessado em 02 out. 2017.
40
______. Lei 9433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a política nacional de recursos hídricos e dá outras providên-
cias. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9433.htm>. Acessado em 03 out. 2017.
41
SARLET, I. W. et al. loc. cit.
42
MACHADO, P. A. L. Direito Ambiental Brasileiro. 12ª ed. Atual Amp. São Paulo: Malheiros Editores.
2004, p. 870-871.
43
Ibid., p. 870-871.
44
SOARES, G. F. S. Direito Internacional do Meio Ambiente: emergência, obrigações e responsabilida-
des. São Paulo: Atlas, 2001, p. 234-236.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 73
Esta convenção consagrou regras gerais comuns a todas as formas de po-
luição marinha estabelecendo aos Estados, em seu artigo 211, várias obrigações
de proteção e preservação do ambiente marinho, conforme texto:
45
MARTINS, E. M. O. Direito marítimo internacional: da responsabilidade internacional pelos danos
causados ao meio ambiente marinho. Verba Juris. Ano 7, n. 7, p. 257-288, jan./dez. 2008.
46
ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Agenda 2030. ODS 14. Disponível em: https://
nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/. Acessado em: 10/10/2017.
47
SILVA, J. R. Agenda 2030 e Felicidade Interna Bruta: Uma Aproximação? Trabalho de Conclusão de
Curso. Niterói. UFF, 2016.
48
Segundo Siche et al. (2007, p.139-140), “o termo índice como um valor numérico que representa a cor-
reta interpretação da realidade de um sistema simples ou complexo (natural, econômico ou social),
74 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
utilizando, em seu cálculo, bases científicas e métodos adequados. O índice pode servir como um ins-
trumento de tomada de decisão e previsão, e é considerado um nível superior da junção de um jogo de
indicadores ou variáveis. O termo indicador é um parâmetro selecionado e considerado isoladamente ou
em combinação com outros para refletir sobre as condições do sistema em análise. Normalmente um
indicador é utilizado como um pré-tratamento aos dados originais”.
49
BRASIL. Agência Nacional de Transportes Aquaviários. ANTAQ. Disponível em: <http://portal.antaq.
gov.br/ index. php/institucional/a-antaq/>. Acessado em: 10 out. 2017.
50
Ibid. Acessado em: 10 out. 2017.
51
______. Agência Nacional de Transportes Aquaviários. ANTAQ. Resolução Nº 2650, de 26 de setembro
de 2012. Aprova os instrumentos de acompanhamento e controle de gestão ambiental em instalações
portuárias. Brasília, 2012.
52
BRASIL Agência Nacional de Transportes Aquaviários. ANTAQ. Disponível em: <http:// portal.antaq.
gov.br/index.php/ meio-ambiente/indice-de-desempenho-ambiental/>. Acessado em: 10 out. 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 75
Quadro 1: Indicadores e categorias que compõem o IDA
53
Segundo Jesus, R. D. (2015, p. 11), o termo Green Ports ou Portos Verdes refere-se aos portos que
adotam as boas práticas reconhecidas internacionalmente como forma de ações sustentáveis.
54
WOOLDRIDGE, C. F. et al. Environmental management of ports and harbours – implementation of
policy through scientific monitoring. Marine Policy. v. 23, n. 4-5, p. 413-425, 1999.
55
BRASIL. Agência Nacional de Transportes Aquaviários. Disponível em: <http://portal.antaq.gov.br/
index.php/meio-ambiente/indice-de-desempenho-ambiental/>. Acessado em: 12 out. 2017.
56
CASTRO, M. C. T. Porto do Rio de Janeiro: caracterização da atividade portuária, inserção no cenário
nacional e bioinvasão. Revista Marítima Brasileira. v. 128, n. 10-12, p. 223-230, 2008.
57
KITZMANN D.; ASMUS M. loc cit.
76 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
64
DABRA, R. M.; CASAL, J. Historical analysis of accidents in seaports. Safety Science, v. 42, n.2, p.
85–98, 2004.
65
ACSELRAD, H. Ambientalismo espetáculo? Ciência Hoje. v. 50, p. 66-68, 2012.
66
GOULIELMOS, A. M. European policy on port environmental protection. Global Nest. v.2, n.2, p.189-
197, 2000.
67
BRASIL. Agência Nacional de Transportes Aquaviários. ANTAQ. Disponível em: <http://portal.antaq.
gov.br/ index.php /institucional/a-antaq/>. Acessado em: 12 out. 2017.
68
BRASIL. Agência Nacional de Transportes Aquaviários. ANTAQ. Disponível em: <http://portal.antaq.
gov.br/ index.php /institucional/a-antaq/>. Acessado em: 12 out. 2017.
78 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
CONCLUSÃO
69
CASTRO, M. C. T., 2008, loc. cit.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 79
válida e vigente, o programa de prevenção de riscos ambientais, no qual o
porto contempla os cinco planos determinados pela legislação, e no controle
de espécies exóticas e/ou invasoras, no qual o terminal portuário já realizou
um levantamento e caracterização dessas espécies presentes em sua área, bem
como já realizou um monitoramento com periodicidade regular e a adoção de
ações de controle e combate a tais organismos.
Já os indicadores que o Terminal Portuário do Pecém precisa adotar me-
didas para uma melhora em seu desempenho são o treinamento e capacitação
ambiental, onde consta que menos de 50% dos funcionários do núcleo ambien-
tal do terminal portuário participaram de treinamento/capacitação, a base de
dados oceano meteorológica, a qual se pode afirmar que o porto não possui, e
nunca possuiu desde a sua construção, o número de acidentes ambientais, que
no semestre do estudo em questão verificou de um a três acidentes ambientais
no Terminal Portuário do Pecém, o indicador do tipo de energia utilizada, que
no caso do porto verifica-se que não há uso de energia limpa e/ou renovável,
bem como também se observa que não há certificação voluntária e nenhuma
iniciativa para tal. E, como último indicador analisado, verifica-se que o porto
executa um programa de monitoramento contínuo ou periódico da qualidade
da água, mas não possui um banco de dados desse monitoramento.
Com efeito, vale observar que tanto a legislação nacional quanto a inter-
nacional, criaram diversas normatizações que contemplam os perigos advin-
dos da atividade portuária, restando, neste ponto, a toda sociedade, bem como
aos usuários dos sistemas portuários, a responsabilidade pela fiscalização do
cumprimento desses regramentos no tocante à sua aplicação, bem como ao
cumprimento das demais normas que regem o setor.
REFERÊNCIAS
A EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA
INTERNACIONAL PENAL E O
SEU REFLEXO NO SISTEMA
PENAL BRASILEIRO
Capítulo 6
Lei Antiterrorismo Brasileira (Nº 13.260/2016):
Atentado Contra o Sistema Penal Acusatório?
Nedson Danildo da Fonseca
Ulisses Levy Silvério dos Reis
1. INTRODUÇÃO
2
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 9 Ed, São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2015, p. 1203.
3
CAVALCANTI, Sabrina Correia Medeiros; GOMES, Olívia Maria Cardoso. Lei Antiterrorismo no
Brasil e seus Reflexos no Estado Democrático de Direito. In: MARTINS, Argemiro Cardoso Moreira
(Coord).Constituição e Justiça. Florianópolis: CONPEDI, 2016. Disponível em: <http://www.conpedi.
org.br/publicacoes/y0ii48h0/509my5cz/x7eG0d1rOWz9PuPg.pdf>. Acesso em: 28 jan. 2017, p. 385.
4
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 9 Ed, São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2015, p. 1202.
5
GUERRA, Bernardo Pereira de Lucena Rodrigues. O Terrorismo, A luta contra o Terror e o Direito
Internacional dos Direitos Humanos. 2008. 291f. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universi-
dade Católica de São Paulo, São Paulo. p.35.
86 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
os direitos e garantias em conformidade com a legislação do Estado em cujo território se encontre e com
as disposições pertinentes do direito internacional.
8
GUERRA, Bernardo Pereira de Lucena Rodrigues. O Terrorismo, A luta contra o Terror e o Direito
Internacional dos Direitos Humanos. 2008. 291f. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universi-
dade Católica de São Paulo, São Paulo. p. 116.
9
Art. 4º - A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes prin-
cípios: [...] VII – repúdio ao terrorismo e ao racismo.
10
Art. 20 - Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depre-
dar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou
para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos. Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-
-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo.
11
LASMAR, Jorge Mascarenhas. A legislação Brasileira de Combate e Prevenção do Terrorismo Quator-
ze Anos após 11 de Setembro: Limites, Falhas e Reflexões para o Futuro. Rev. Sociol. Polit., v. 23, n.
53, p. 47-70, mar. 2015, p. 48.
88 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
15
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 4 ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2014.p. 35.
16
PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 3
Ed, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 178.
17
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema Acusatório: Cada Parte no seu Lugar Constitucional-
mente Demarcado. Revista de Informação Legislativa, v. 46, n. 183, p. 103-115, jul./set. 2009, p. 106.
90 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
18
PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 3
Ed, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 149.
19
BARROS, Ivone da Silva. A Identidade Física do Juiz no Processo Penal Brasileiro. 2008.183f. Disser-
tação. (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, p. 32.
20
LOPES JR., Fundamentos do Processo Penal: Introdução Crítica. 2 Ed. São Paulo: Saraiva, 2016,
p.143-144.
21
LUZ, Denize. A Opção Constitucional por um Sistema Acusatório: Algumas Breves Reflexões sobre
o Inquérito Policial na Reforma do Código de Processo Penal. Congresso Internacional de Ciências
Criminais, II Edição, 2011, p. 49
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 91
é possível deixar de levar em conta a complexa fenomenologia do processo,
de modo que a divisão das funções processuais também implica na gestão e
iniciativa das provas, o que deve ser atribuído às partes. Assim, a falta dessa
separação aproxima o órgão julgador do embate das partes e cria sérios em-
pecilhos à ‘atuação imparcial’ do magistrado. Logo, se estaria aderindo a um
pensamento reducionista ao se ponderar que basta a existência de um órgão
acusador distinto do julgador para a formação de um processo acusatório22.
Outra questão permeada de divergência é a possibilidade de iniciativa
probatória do julgador e sua relação com o modelo acusatório assumido pelo
Brasil. Neste caso, os poderes instrutórios clássicos conferidos ao juiz se re-
lacionariam com o caráter público e a função social do processo, de modo
que a busca por uma suposta verdade real possibilitaria uma postura ativa do
julgador, não violando a imparcialidade decisória23.
No entanto, considera-se que o caráter público do processo não pode legi-
timar a participação instrutória do juiz. Essa justificativa só poderia ser aceita
se a regra geral fosse da acusação proveniente da iniciativa privada; no entanto,
a regra é que as ações penais são de iniciativa pública, existindo, inclusive, ór-
gão oficial para realizar a persecução penal e resguardar os interesses públicos.
Em se tratando da previsão trazida pela Lei n. 13.260/2016, que autoriza a
atuação do magistrado como um juiz de instrução, podendo decretar de ofício
medidas cautelares, tanto na fase de investigação criminal quanto no curso do
processo, observa-se que o legislador seguiu uma tendência assumida por vários
Estados de combater o terrorismo indo de encontro a várias garantias antes con-
quistadas, como as alterações incorporadas pelos Estados Unidos e pelo Reino
Unido destacando, respectivamente, a USA Patriot Act e o Terrorism Act 2000 e 2006.
Todavia, atribuir poderes instrutórios/investigatórios de ofício ao magistra-
do em qualquer fase é acarretar a destruição completa do processo penal democrá-
tico. Neste sentido, dar ao juiz a prerrogativa para a colheita de provas é antecipar
a formação do juízo, pois este ao ter essa iniciativa estará ciente do que pretende
encontrar e de que consequências essa prova trará ao seu julgamento, de modo que
“nessa matéria, não existe investigador parcial, seja ele juiz ou promotor24”.
O Supremo Tribunal Federal (STF) também tem se inclinado neste sentido.
Na relatoria do HC n. 105.01525, o Ministro Teori Zavascki observou claramente
22
LOPES JR., Fundamentos do Processo Penal: Introdução Crítica. 2 Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p.145.
23
VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. O “Sistema Acusatório” do Processo Penal Brasileiro: Apon-
tamentos Acerca do Conteúdo da Acusatoriedade a partir de Decisões do Supremo Tribunal Federal.
Direito, Estado e Sociedade, n. 47, p. 181-204, jul./dez. 2015, p. 190.
24
LOPES JR., Fundamentos do Processo Penal: Introdução Crítica. 2 Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 172-173.
25
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 115.015. Relator: Min. Teori Zavascki . Dispo-
nível em:<https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24150845/habeas-corpus-hc-115015-sp-stf/intei-
ro-teor-111888258>. Acesso em: 05 abr. 2017.
92 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
26
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 5.104/DF. Relator: Min Roberto Barroso. Disponível em:<
https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25342451/medida-cautelar-na-acao-direta-de-inconstitucio-
nalidade-adi-5104-df-stf >. Acesso em: 06 abr. 2017.
27
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema Acusatório: Cada Parte no seu Lugar Constitucional-
mente Demarcado. Revista de Informação Legislativa, v. 46, n. 183, p. 103-115, jul./set. 2009, p. 111.
28
Art. 5º […] XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da
tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hedion-
dos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 93
caráter de urgência por força da proximidade das Olimpíadas e Paraolimpíadas
Rio 2016. Entretanto, tal instrumento normativo vem sofrendo críticas da aca-
demia por trazer uma conceituação ampla para o terrorismo e por ferir garantias
constitucionais do ordenamento pátrio, além de acompanhar uma tendência
mundial de restringir direitos humanos na justificativa do “combate ao terror”.
É nesta medida que o terrorismo acaba demonstrando um problema
para os Estados democráticos, de modo que, por medo de suas consequências
nefastas, o cidadão, em certa medida, mesmo diante de todas as críticas, acaba
por aceitar a restrição a seus próprios direitos fundamentais.
Contudo, a falta de um instrumento legal específico também poderia
trazer sérios problemas, muito embora qualquer conduta terrorista pudesse ser
subsumida perante outros tipos penais, demonstrando verdadeiro desafio para
as normas penais até então existentes Neste aspecto, embora passível de muitas
considerações, a referida lei se demonstra necessária, sem, no entanto, perder
de vista que devem ser observadas as garantias fundamentais e processuais
presentes na Constituição Federal de 1988.
Partindo disso, no que tange ao aspecto da justiça criminal, pode-se des-
tacar três importantes pilares para análise da Lei Antiterrorismo brasileira: o
bem jurídico tutelado, a teoria da pena e o sistema acusatório. O foco aqui
tratado se deu sobre este último.
O art. 12 da Lei n. 13.26029 traz a autorização para a atuação do magis-
trado como um juiz de instrução, podendo decretar de ofício medidas assecu-
ratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, tanto na fase
de investigação criminal quanto no curso do processo, indo diretamente de
encontro ao sistema acusatório. O referido artigo trata de maneira confusa
um elemento básico do sistema acusatório, qual seja: a separação da atuação
dos agentes que formam a tríade processual, e dá plenos poderes para órgão
julgador atuar sem provocação na fase de inquérito policial.
Ora, não há dúvida que o juiz é o destinatário da prova no processo, no
entanto, dotá-lo de poder para atuar de ofício numa fase em que ainda não
existe contraditório e ampla defesa é desequilibrar demais a relação processual
e principalmente a gestão das provas, que, nesta fase pré-processual, compete
ao Ministério Público e às polícias judiciárias. Esta possibilidade descaracte-
riza demasiadamente o que se considera como o mais importante elemento
constitutivo do modelo teórico acusatório: a separação entre juiz e acusação.
O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou acerca dessa impossibili-
dade quando julgou a ADI n. 157030, ao apreciar a constitucionalidade do art.
29
30
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 1570. Relator: Min. Maurício Correia. Disponível em: <http://
www.stf.jus.br/portal/pesquisa/listarPesquisa.asp?termo=adi%201570>. Acesso em: 22 mar. 2017.
94 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
31
Art. 3º Nas hipóteses do inciso III do art. 2º desta lei, ocorrendo possibilidade de violação de sigilo pre-
servado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais
rigoroso segredo de justiça. § 1º Para realizar a diligência, o juiz poderá requisitar o auxílio de pessoas
que, pela natureza da função ou profissão, tenham ou possam ter acesso aos objetos do sigilo.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 95
Tal postura parece violar a paridade de armas necessária ao procedimento.
Dessa forma, não deveria caber ao julgador garantir efetividade à acusação
atuando de ofício em fase investigativa. Se, na fase processual, perdurar dúvi-
das sobre a autoria/materialidade, compete a este absolver o réu com fulcro no
princípio da presunção de inocência.
Ainda com relação à temática do modelo processual acusatório, o STF já
se posicionou em outras oportunidades. No Agravo Regimental referente ao
Inquérito n. 2.91332, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, em 01 de março
de 2012, foi observada a acusação do crime de peculato em sede de foro por
prerrogativa de função parlamentar. A investigação preliminar da suposta con-
duta criminosa foi trancada de ofício por membro do Poder Judiciário, sem
observância da manifestação do órgão competente.
Embora tenha havido divergência ao voto do relator, a maioria do cole-
giado entendeu que o processo acusatório, em especial na fase de investigação
preliminar, apresenta como característica a posição inerte do órgão julgador,
devendo ser respeitada a formação da opinião do Ministério Público. Ade-
mais, explicitou que, mesmo nos inquéritos concernentes a autoridades com
foro por prerrogativa de função, deve o Judiciário atuar apenas quando provo-
cado e limitando-se a coibir ilegalidades manifestas.
Nas palavras do relator, “um processo penal justo [...], instrumento garan-
tístico que é, deve promover a separação entre as funções de acusar, defender e
julgar, como forma de respeito à condição humana do sujeito passivo”. Logo,
o trancamento do inquérito policial só se justifica em situações excepcionais
em que não esteja presente a existência de um crime nos fatos apresentados;
caso contrário, deve prosseguir a investigação preliminar33.
Por seu turno, no Habeas Corpus n. 115.015, apreciado pela Segunda Turma
do STF em 27 de agosto de 2013, cuja relatoria pertenceu ao Ministro Teori Zavasc-
ki, analisou-se o caso em que supostamente teria ocorrido crime contra a ordem
tributária, de modo que ocorreu requisição de indiciamento pelo magistrado já na
fase processual, após o recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério Público.
Como o indiciamento policial tem o fito de fazer com que o delegado for-
malize sua convicção de que um agente investigado em sede de inquérito policial
é suspeito de ser autor de determinado delito, o juiz não pode determinar, após
aberta a ação penal, o indiciamento formal de um dos réus. De acordo com o
32
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental Inquérito nº 2.913. Relator: Min. Dias Toffoli.
Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/Ementa.asp?s1=000189346&base=baseA-
cordaos. Acesso em: 05 abr. 2017.
33
Precedentes: RHC n.º 96.713, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em
07/12/2010; HC n.º 103.725, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 14/12/2010;
HC n.º 106.314, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 21/06/2011; RHC n.º
100.961, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 06/04/2010.
96 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
34
PARANÁ. 14ª Vara Federal de Curitiba. Sentença Ação Penal nº 504686367.2016.4.04.7000. Juiz:
Marcos Josegrei da Silva. Disponível em: file:///C:/Users/pc/Downloads/347373614-Operacao-Hash-
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 97
No dia 04 de maio de 2017, o juiz federal Marcos Josegrei da Silva, titular
da 14ª Vara Federal de Curitiba, Seção Judiciária do Paraná, usou pela pri-
meira vez a Lei Antiterrorismo para condenar oito acusados de praticar atos
preparatórios de terrorismo.
Os condenados em primeira instância foram presos temporariamente
pela Polícia Federal no dia 21 de julho de 2017, no âmbito da denominada
Operação Hashtag. De acordo com as apurações realizadas, os envolvidos, su-
postamente, planejavam adquirir armamentos para o cometimento de crimes
no Brasil e no exterior.
Nas pesquisas realizadas do sítio eletrônico do Tribunal Regional Federal
da Quarta Região, bem como em veículos de comunicação, o único docu-
mento que se teve acesso foi a sentença condenatória dos oito réus. A decisão
proferida nos autos do processo n. 504686367.2016.4.04.7000/PR em nenhum
momento faz menção à autorização conferida aos magistrados para decretar,
de ofício, medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores dos investigados
e acusados, conforme previsão do art. 12 da Lei n. 13.260/2016.
Neste aspecto, ainda será necessário aguardar a aplicação da norma em
outros processos judiciais para que se permita desenvolver análises mais con-
cretas acerca da utilização do supracitado artigo, tanto no âmbito dos inqué-
ritos policiais quanto nas instruções processuais dos crimes enquadrados na
lei em questão. Ainda se espera que o STF seja provocado a se manifestar pela
incongruência que o art. 12 apresenta com relação ao sistema acusatório ado-
tado pela Constituição Federal.
No entanto, é possível esperar que o diploma legal em estudo venha
a sofrer a cada dia mais críticas da comunidade acadêmica, sobretudo por-
que traz em seu bojo a previsão de políticas preventivas e repressivas muito
sensíveis no plano nacional e internacional. Trata-se de um desafio enfren-
tado por todos os Estados Democráticos de Direito, qual seja, prevenir
ou punir os que cometem atos terroristas sem perder de vista as garantias
processuais constitucionais.
CONCLUSÃO
tag-Sentenca-do-Juiz-Federal-Marcos-Josegrei-da-Silva-da-14%C2%AA-Vara-Federal-de-Curitiba.
pdf. Acesso em: 08 mai 2017.
98 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
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Capítulo 7
A Possível Responsabilidade do
Ex-Presidente da Costa do Marfim à
Luz do Tribunal Penal Internacional
Anna Virginia Pereira Lemos de Freitas
INTRODUÇÃO
1
NETHERLANDS, International Criminal Court. Understanding the international criminal court.
The Hague, Netherlands. 2015. p. 3.
102 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
2
BARNETT, Laura. The international criminal court: history and role. Library of Parliament. Ottawa,
Canada, 2013. p. 5.
3
SCHABAS, William A. An Introduction to the International Criminal Court. Third Edition. Cam-
bridge University. New York. 2007. p. 174.
4
NETHERLANDS. International Criminal Court. Understanding the International Criminal Court.
op.cit., p. 176.
5
Ibid., p. 171.
6
SCHABAS, William A. An Introduction to the International Criminal Court. op.cit., p. 173.
7
Ibid., p. 173.
8
NETHERLANDS. International Criminal Court. Understanding the International Criminal Court.
op.cit., p. 9.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 103
Procurador. Além da função administrativa, a Presidência é responsável por
uma variedade de funções especializadas estabelecidas no Estatuto.
Neste sentido, entre suas atribuições, a presidência decide sobre a carga de
trabalho adequada dos outros quinze juízes, e pode propor que o número de juí-
zes seja aumentado, quando isso for considerado necessário e apropriado, embo-
ra qualquer aumento tenha de ser autorizado pela Assembleia de Estados Partes9.
Por outro lado, as Câmaras de Julgamento, são atribuídos às três divisões
judiciais do Tribunal: a divisão de Pré-julgamento, a divisão de Julgamento e
a divisão de Recursos10.
Neste sentido, a fase de julgamento e a fase de pré-julgamento são
compostas por no mínimo seis juízes que devem servir por pelo menos três
anos dentro de sua câmara. Sobre isso, os juízes são atribuídos às várias
divisões de processamento com base em suas qualificações e experiência,
e para garantir uma combinação adequada de conhecimentos em direito
penal internacional11.
As câmaras de pré-julgamento, resolvem todas as questões que surjam
antes da fase de julgamento começar. Neste ponto, o seu papel é essencial-
mente supervisionar a forma como o Gabinete do Procurador realiza as suas
atividades de investigação e fiscalização, para garantir os direitos dos acusados,
vítimas e testemunhas durante a fase de investigação e a integridade dos pro-
cedimentos. Ainda, as câmaras de pré-julgamento decidem se devem ou não
emitir mandados de prisão ou convocação para comparecer na audiência e
confirmar ou não as acusações contra uma pessoa suspeita do crime12.
Neste caso, após o exame do pedido e do material de apoio feito pela câmara
de pré-julgamento, os juízes decidirão pela competência do TPI no caso especifico
e pela existência de uma base razoável para proceder à fase de julgamento13.
Em relação as câmaras de julgamento, uma vez emitido um mandado de
prisão, o suposto agressor preso e os autos confirmados por uma câmara de
primeira instância, a Presidência constitui uma câmara de julgamento compos-
ta por três juízes para julgar o caso. Sobre isso, a principal função da câmara
de primeira instância é garantir que os julgamentos sejam justos e conduzidos
com pleno respeito pelos direitos do acusado, das vítimas e das testemunhas14.
9
SCHABAS, William A. An Introduction to the International Criminal Court. op.cit., p. 345.
10
NETHERLANDS. International Criminal Court. Understanding the International Criminal Court.
op.cit., p. 9.
11
SCHABAS, William A. An Introduction to the International Criminal Court. op.cit., p. 346.
12
NETHERLANDS. International Criminal Court. Understanding the International Criminal Court.
op.cit., p. 10.
13
SHAW, Malcolm N. International Law. op.cit., p. 413.
14
NETHERLANDS. International Criminal Court. Understanding the International Criminal Court.
op.cit., p. 10.
104 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
15
SHAW, Malcolm N. International Law. op.cit., p. 417.
16
NETHERLANDS, International Criminal Court. Understanding the International Criminal Court.
op.cit., p. 10.
17
Ibid., p. 10.
18
NETHERLANDS. International Criminal Court. The Prosecutor v. Laurent Gbagbo and Charles Blé
Goudé. Case Information Sheet. The Hague, Netherlands. 2015. p. 1.
19
Ibid.
20
Ibid.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 105
3.2. As acusações imputadas ao ex-presidente da Costa do Marfim
21
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-02/11-01/11. Decision on the con-
firmation of charges against Laurent Gbagbo. The Hague, Netherlands, June 12, 2014. p. 6.
22
NETHERLANDS. International Criminal Court. The Prosecutor v. Laurent Gbagbo and Charles Blé
Goudé. Case Information Sheet. op.cit., p. 2.
23
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-02/11-01/11. Decision on the con-
firmation of charges against Laurent Gbagbo. op.cit., p. 10.
24
Ibid., p. 13.
25
Ibid.
106 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
aliança política Union of Houphouetists for Democracy and Peace com vários
dias de antecedência, sendo anunciada atráves de vários canais da mídia.
Ainda, sabe-se que o objetivo da manifestação feita evidenciou-se na esco-
lha de um novo diretor para a TNC, acabando com o controle de Laurent
Gbagbo sobre ela26.
Além disso, de acordo com a evidência, a intenção de realizar tal manifes-
tação era conhecida pelos altos comandantes das forças de segurança e defesa.
Em complemento, concluiu-se que uma reunião ocorreu na noite de 14 de
dezembro de 2010 na residência presidencial, durante a qual Laurent Gbagbo
proibiu a manifestação e instruiu os altos comandantes das forças armadas a
tomarem medidas necessárias para preveni-la27.
Em detalhe, a operação das forças armadas estava sob o controle do Chefe
do Estado-Maior, que delegou o comando das unidades no terreno ao Diretor-
-Geral da Polícia Nacional. Assim, entende-se que a ordem geral atribuída às
unidades de polícia era impedir todo acesso à TNC28.
Dessa forma, a câmara concluiu que a repressão violenta da manifesta-
ção de partidários do Union of Houphouetists for Democracy and Peace em 16 de
dezembro de 2010 e a violência nos dias que se seguiram resultaram no assas-
sinato de pelo menos 45 pessoas, a violação sexual de pelo menos 16 mulheres
e meninas e a lesão de pelo menos 54 pessoas29.
Ademais, a câmara observou que a repressão à manifestação foi planejada
e coordenada, demonstrando que:
Neste caso, a câmara entendeu que Laurent Gbagbo foi mantido infor-
mado sobre os acontecimentos por meio de chamadas telefônicas do Chefe de
Gabinete, havendo no final da tarde ou à noite de 16 de dezembro de 2010,
26
Ibid.
27
Ibid., p. 14.
28
Ibid.
29
Ibid., p. 19.
30
Ibid., p. 20.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 107
uma reunião no edifício do Estado-Maior para discutirem as mortes de civis
durante a operação31.
Em segundo momento, a Procuradoria do TPI alegou que, em 3 de março
de 2011, as forças pró-Gbagbo mataram sete mulheres e feriram pelo menos três
pessoas que participaram de uma manifestação feminina pró-Ouattara na comuna
de Abobo em Abidjan. Sobre isso, as provas apresentadas à câmara indicam que,
na manhã de 3 de março de 2011, um grande número de mulheres se reuniram
para uma manifestação em Abobo para exigir a renúncia de Laurent Gbagbo32.
Prosseguindo, a evidência demonstra que, enquanto a manifestação ocor-
ria, um comboio das forças armadas, incluindo um veículo blindado montado
com uma metralhadora, abriu fogo na multidão, dirigindo tiros contra mani-
festantes desarmados. Sobre isso, várias testemunhas, que assistiram à marcha
ou estavam presentes nas proximidades, relatam que ouviram tiros de armas
depois que o comboio passou pelos manifestantes33.
A partir disso, levando em consideração a totalidade das evidências co-
lhidas pelo TPI em relação ao evento, a câmara considera que existem provas
suficientes para concluir que esse ataque é atribuível as forças armadas34.
Em terceiro momento, a Procuradoria do TPI alegou que, em 17 de mar-
ço de 2011, as forças pró-Gbagbo mataram pelo menos 40 pessoas e feriram
pelo menos 60 pessoas no mercado de Abobo, bombardeando uma área den-
samente povoada35.
Neste caso, a evidência demonstra que, em 17 de março de 2011, uma sé-
rie de bombas foram despejadas em Abobo, resultando em várias mortes, bem
como, que tais bombardeios foram ordenados pela presidência36.
E finalmente, em quarto momento, a Procuradoria do TPI alegou que,
em torno de 12 de abril de 2011, em Yopougon, as forças pró-Gbagbo mata-
ram pelo menos 75 pessoas provenientes, principalmente, do norte da Costa
do Marfim e países vizinhos da África Ocidental, e praticaram violência sexual
em pelo menos 22 mulheres37.
Sobre isso, a análise das evidências indica que, em 12 de abril de 2011,
as forças pró-Gbagbo atacaram os bairros de Yopougon de Doukouré e Mami
Faitai. Neste ponto, os acusados, armados, atacaram pessoas na rua e invadi-
ram casas, matando, praticando estupros e ferindo pessoas38.
31
Ibid., p. 21.
32
Ibid.
33
Ibid., p. 22.
34
Ibid., p. 25.
35
Ibid.
36
Ibid.
37
Ibid., p. 31.
38
Ibid.
108 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
39
Ibid., p. 34.
40
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-02/11-01/11. Decision on the con-
firmation of charges against Laurent Gbagbo. op.cit.
41
Ibid., p. 46.
42
Ibid., p. 49.
43
Ibid., p. 52.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 109
tra civis. Além disso, as evidências estabelecem certos eventos antes ou durante
os estágios iniciais da crise pós-eleitoral44.
Por outro lado, a câmara também entende que o ex-presidente da Costa
do Marfim tomou medidas específicas para assegurar a fidelidade dos mem-
bros das forças armadas, antes do início da violência pós-eleitoral. Prosseguin-
do, as evidências demonstram que, em julho e agosto de 2010, vários oficiais
das forças armadas foram promovidos para cargos mais altos através de decre-
tos presidenciais emitidos por Laurent Gbagbo45.
Ademais, entendeu-se que, além do recrutamento oficial nas forças arma-
das, outros esforços concentraram-se na construção e manutenção de grupos
de milícias leais. Isto porque, a evidência mostra que diferentes grupos re-
crutaram e treinaram jovens em vários bairros de Abidjan, em particular em
Yopougon, a partir de 2004 e continuando durante a crise pós-eleitoral46.
Em seguida, a câmara entendeu que o Sr. Gbagbo foi regularmente in-
formado e participou ativamente dos desenvolvimentos nos ataques através
de seus contatos, inclusive em reuniões, com os altos comandantes das forças
armadas, bem como, outros membros do círculo interno47.
Ainda, as informações disponíveis para a câmara indicam que não foram
realizadas consultas sérias em relação a alegações de possíveis mortes de civis
no contexto da crise pós-eleitoral48. Sobre isso, a câmara observou que a co-
missão de inquérito criada pelo Sr. Gbagbo não abordou alegações específicas
relativas, por exemplo, aos acontecimentos no contexto das manifestações no
edifício de televisão, bem como, não abordou nenhuma investigação séria e
aprofundada sobre as denúncias de violações de direitos humanos49.
Prosseguindo, em 12 de junho de 2014, a câmara concluiu, na confir-
mação das acusações, que existem provas suficientes para acreditar que Lau-
rent Gbagbo, nascido em 31 de maio de 1945 em Mama, Costa do Marfim,
é criminalmente responsável pelos crimes contra a humanidade de assassi-
nato, violência sexual, atos desumanos e perseguição, em Abidjan, Costa do
Marfim. Ademais, alega-se que as acusações foram cometidas entre 16 e 19
de dezembro de 2010 durante e após uma marcha pró-Ouattara na sede da
televisão nacional; em 3 de março de 2011, em uma manifestação feminina
em Abobo; e em 17 de março de 2011, ao bombardear uma área densamente
povoada em Abobo.
44
Ibid., p. 58.
45
Ibid., p. 63.
46
Ibid., p. 69.
47
Ibid., p. 75.
48
Ibid., p. 87.
49
Ibid., p. 90.
110 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
50
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-02/11-01/11-680. Decision on the
Defence request for leave to appeal the “Decision on the Confirmation of Charges against Laurent
Gbagbo”. Haia, September 11, 2014. p. 6.
51
Ibid., p. 7.
52
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-02/11-01/11-682. Decision re-
constituting Trial Chamber I and referring to it the case of The Prosecutor v. Laurent Gbagbo.
Haia, September 17, 2014. p. 3.
53
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-02/11-01/11-718. Seventh deci-
sion on the review of Mr. Laurent Gbagbo’s detention pursuant to Article 60(3) of the Statute.
Haia, November 11, 2014.
54
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-02/11-01/11-735. Prosecu-
tion’s Communication of Evidence Disclosed to the Defence on 3 December 2014. Haia. De-
cember 4, 2014.
55
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-02/11-01/11-759. Prosecution’s
submission of its List of Witnesses and List of Evidence. Haia, February 6, 2015.
56
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-02/11-01/11-245. Order reclas-
sifying documents. Haia, June 11, 2015.
57
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-02/11-01/11-75. Further Submis-
sions on the Modalities of Victims’ Participation at Trial. Haia, May 21, 2015.
58
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-02/11-01/11-806. Order reclas-
sifying documents. op.cit.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 111
4. ANÁLISE DA POSSÍVEL RESPONSABILIDADE DE LAURENT
COMO SUPERIOR HIERÁRQUICO
59
WELZEL, Hans. Derecho Penal: Parte General. Buenos Aires: Roque Depalma, 1956. p. 57.
60
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Derecho Penal: Pane General. Buenos Aires: Ediar, 2005. p. 324.
61
SHAW, Malcolm N. International Law. op.cit., p. 437.
62
Ibid., p. 439.
63
SCHABAS, William A. An Introduction to the International Criminal Court. op.cit., p. 101.
112 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
64
Ibid., p. 102.
65
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-02/11-01/11. Decision on the con-
firmation of charges against Laurent Gbagbo. op.cit., p. 90.
66
Ibid., p. 94.
67
Ibid., p. 95.
68
Ibid.
69
Ibid., p. 97.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 113
Ainda, a natureza sistemática do ataque relaciona-se ao nível de planeja-
mento. Nesse sentido, a evidência de planejamento ou organização, por um Es-
tado pode ser relevante para provar a política e a natureza sistemática do ataque,
embora os dois conceitos não sejam confundidos. Ademais, a câmara conside-
rou consistentemente que a política pode estar ligada a grupos que governam
um território específico ou a uma organização que tem capacidade para cometer
um ataque generalizado ou sistemático contra a população civil70.
Por conseguinte, a câmara considera que existem motivos substanciais
para acreditar que o ataque, tal como definido acima, foi realizado de acordo
com uma política estatal ou organizativa71.
Em continuidade, a câmara entende que o termo “generalizado” conhece
a natureza em larga escala do ataque e o número de pessoas visadas. No caso
em apreço, a câmara adotou anteriormente a abordagem que a larga escala
do ataque, tem sentido de que “deve ser massivo, frequente, realizado coleti-
vamente com considerável seriedade e dirigido contra uma multiplicidade de
vítimas” e que esta avaliação não é exclusivamente quantitativa ou geográfica,
mas deve ser realizada com base em fatos individuais72.
Por outro lado, o caráter sistemático relaciona-se a natureza organizada dos atos
de violência e à improbabilidade de sua ocorrência aleatória. Assim, a câmara enten-
deu pela existência dos elementos que compõem o crime contra a humanidade73.
70
Ibid., p. 98.
71
Ibid., p. 100.
72
Ibid.
73
Ibid. p. 102.
74
VÄRK, René. Superior Responsibility. Estonian National Defence College Proceedings. Vol. 15.
2012. Estonian. p. 143.
114 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
75
AMBOS, Kai. La parte general del Derecho Penal Internacional: bases para uma elaboración
dogmática. Trad.: Ezequiel Malarino. Uruguay: Fundación Konrad-Adenauer, 2008. p. 296.
76
Ibid., p. 298.
77
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-02/11-01/11. Decision on the con-
firmation of charges against Laurent Gbagbo. op.cit., p. 124.
78
Ibid., p. 49.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 115
Sobre as forças armadas, especificamente, sabe-se que as mesmas eram co-
mandadas pela presidência, bem como, desprovidas de qualquer desobediência
pelas ordens de seu superior. Assim, existem provas suficientes para demons-
trar que Laurent Gbagbo e seus subordinados exerciam o controle sobre as
forças de segurança através da hierarquia oficial do Estado79.
Em complemento, existem evidências suficientes para demonstrar que há
intenção por parte de Laurent Gbagbo e seu círculo interno em manter o po-
der a qualquer custo, inclusive se utilizando da força contra civis80. Além disso,
entende-se também que o ex-presidente da Costa do Marfim tomou medidas
específicas para assegurar a fidelidade dos membros das forças armadas, antes
do início da violência pós-eleitoral. Sabendo disso, as evidências demonstram
que, em julho e agosto de 2010, vários oficiais das forças armadas foram pro-
movidos para cargos mais altos através de decretos presidenciais emitidos por
Laurent Gbagbo81.
Ademais, de maneira a enfatizar o controle material do ex-presidente, en-
tendeu-se que, além do recrutamento oficial nas forças armadas, outros esfor-
ços concentraram-se na construção e manutenção de grupos de milícias leais.
Isto porque, a evidência mostra que diferentes grupos recrutaram e treinaram
jovens em vários bairros de Abidjan, em particular em Yopougon, a partir de
2004 e continuando durante a crise pós-eleitoral82.
Ainda, a câmara entendeu que o Sr. Gbagbo foi regularmente informado
e participou ativamente dos desenvolvimentos nos ataques através de seus con-
tatos, inclusive em reuniões, com os altos comandantes das forças armadas,
bem como, outros membros do círculo interno83.
Dessa forma, não existem dúvidas sobre o controle efetivos e a capaci-
dade de emitir e impor ordens aos seus subordinados, bem como, o conheci-
mento e planejamento do Sr. Gbagbo com os demais comandantes das forças
armadas para que os eventos criminosos ocorressem.
Nesse diapasão, o artigo 28, do Estatuto de Roma, acrescenta, em seu pará-
grafo primeiro, a hipótese de responsabilidade do superior quando o mesmo não
adota as medidas necessárias e razoáveis ao seu alcance para prevenir ou reprimir
a ocorrência do ilícito, alertando as autoridades competentes sobre os incidentes.
Sobre isso, as informações disponíveis para a câmara indicam que não
foram realizadas consultas sérias em relação a alegações de possíveis mortes de
civis no contexto da crise pós-eleitoral84.
79
Ibid., p. 52.
80
Ibid., p. 58.
81
Ibid., p. 63.
82
Ibid., p. 69.
83
Ibid., p. 75.
84
Ibid., p. 87.
116 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
CONCLUSÃO
85
Ibid., p. 90.
86
AMBOS, Kai. La parte general del Derecho Penal Internacional: bases para uma elaboración
dogmática. op.cit., p. 332.
87
CASSESE, Antonio. International Criminal Law. Oxford University. New York. 2003. Tradução
nossa. p. 208.
88
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-02/11-01/11. Decision on the con-
firmation of charges against Laurent Gbagbo. op.cit., p. 124.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 117
dantes, a intenção de manter o poder a qualquer curso, a ausência de investi-
gações sérias e especificas sobre as violações ocorridas, e finalmente, o enten-
dimento da câmara pela possível responsabilidade de Gbagbo perante o artigo
28 do Estatuto de Roma, tendo em vista a o não cumprimento do seu dever
de impedir ou reprimir a conduta ilegal dos seus subordinados ou submeter o
assunto às autoridades competentes.
Dessa forma, a partir da anterior exposição de conhecimentos ligados ao
caso Laurent Gbagbo, acredita-se fielmente que existem indícios de práticas
criminosas relacionadas a crimes contra a humanidade de assassinato, violên-
cia sexual, atos desumanos e perseguição possivelmente praticados pelo Sr.
Gbagbo, e que estão sendo investigados pelo TPI.
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Trad.: Ezequiel Malarino. Uruguay: Fundación Konrad-Adenauer, 2008.
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the Defence on 3 December 2014. Haia. December 4, 2014.
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detention pursuant to Article 60(3) of the Statute. Haia, November 11, 2014.
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it the case of The Prosecutor v. Laurent Gbagbo. Haia, September 17, 2014.
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“Decision on the Confirmation of Charges against Laurent Gbagbo”. Haia, September 11, 2014.
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118 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
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Capítulo 8
As Regras de Bangkok e o Tratamento Mínimo
da Mulher-Mãe Encarcerada no Brasil
INTRODUÇÃO
2. MULHERES E CÁRCERE
1
FRANÇA, M. H. O. Vigiadas e punidas: como vivem as mulheres criminosas? In: XVI Encontro Lati-
no Americano de Iniciação Científica, XII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação e VI Encontro
Latino Americano de Iniciação Científica Júnior. 2012.
2
MOLONEY, K. P.; VAN DEN BERGH, B. J.; MOLLER, L. F. Women in prison: The central issues of
gender characteristics and trauma history. Public Health, v. 123, p. 426–430, 2009.
3
Organizado por Roy Walmsley, Diretor do World Prison Brief. Disponível em: <http://www.prisons-
tudies.org/sites/default/files/resources/downloads/world_female_imprisonment_list_third_edition_0.
pdf>. Acesso em: 16. out. 2017
4
Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Femininas − Infopen Mulheres. 2014. Dispo-
nível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/estudo-traca-perfil-da-populacao-penitenciaria-feminina-
no-brasil/relatorio-infopen-mulheres.pdf >. Acesso em: 14 set. 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 121
O referido estudo além de demonstrar o fenômeno crescente do encarce-
5
5
Ibid.
6
SWAVOLA, E.; RILEY, K.; SUBRAMANIAN, R. Overlooked: Women and Jails in an Era of Reform.
New York: Vera Institute of Justice, 2016. Disponível em: <https://www.vera.org/publications/over-
looked-women-and-jails-report>. Acesso em: 16. jan. 2018.
7
COELHO, R. Mulheres presas. Aumentam as criminosas da pobreza. Diário de notícias, 2016. Dispo-
nível em: <https://www.dn.pt/sociedade/interior/mulheres-presas-aumentam-as-criminosas-da-pobre-
za-5343703.html>. Acesso em: 16. jan. 2018.
8
ESPINOZA, O. A mulher encarcerada em face do poder punitivo. IBCCRIM: São Paulo, 2004.
122 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
penitenciário deve estar preparado não só para puni-las, mas também para
oferecer o necessário para sua reintegração social, respeitando todos os direitos
inerentes a sua dignidade tutelados em âmbito nacional e internacional.
3. REGRAS DE BANGKOK
9
CERNEKA, H. A. Regras de Bangkok – está na hora de fazê-las valer! Boletim IBCCRIM, v. 20, n.
232, p. 18−19, 2012. Disponível em: <http://carceraria.org.br/wp-content/uploads/2012/09/As-Regras-
de-Bangkok-ibccrim.pdf>. Acesso em: 11 out. 2017.
10
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Regras de Bangkok: regras das Nações Unidas para o trata-
mento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras. Brasília, 2016.
Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/03/a858777191da58180724ad-
5caafa6086.pdf>. Acesso em: 20 set. 2017.
11
ESPINOZA, O. A mulher encarcerada em face do poder punitivo. IBCCRIM: São Paulo, 2004.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 123
seres humanos desconsiderando o fato de que permanecem sendo seres huma-
nos quando adentram o sistema penitenciário.
Diante disso, é imperioso analisar a forma que a mulher se relaciona
com seus vínculos familiares e sua forma de envolvimento com as práticas
criminosas, entendendo como o cárcere as atinge de forma peculiar quando
comparado à forma com que atinge os presos do sexo masculino, visto que,
as mulheres envolvidas com práticas criminosas, ainda aquelas não envolvidas
em crimes de grande reprovabilidade, são culpabilizadas tanto pelo sistema
judiciário em razão do crime cometido, como pela sociedade que enxerga com
espanto a mulher que comete um crime e que, consequentemente, não cum-
priu os papéis sociais pré-estabelecidos.
Além disso, a aprisionada ainda é colocada em um sistema penitenciário
predominantemente masculino. Fatores que aliados a inobservância discrimi-
natória das necessidades da mulher contribuem para a sua ruptura, não só
com mundo exterior, mas com a ideia de quem era antes do cárcere.
É possível enxergar esse esquecimento das especificidades femininas, inclu-
sive, ao observar os serviços oferecidos dentro das penitenciárias, como pela falta
de médicos ginecologistas12 ou pela escassez de absorventes para uso durante o
período menstrual e produtos de higiene, ou ainda, na falta de locais adequados
ao acolhimento de mães presas e seus filhos e a não-sensibilização do poder pú-
blico para adequação das unidades prisionais para sanar esses problemas.
Dessa forma, as Regras tem especial importância diante do cenário atual,
onde se destaca a crise dos direitos humanos dentro das instituições peniten-
ciárias e tendo em vista os benefícios que a efetiva aplicação das Regras de
Bangkok podem trazer ao modo de tratamento das mulheres encarceradas,
assim como ao seu processo de ressocialização e manutenção dos seus laços
familiares, busca-se no presente trabalho analisar o reflexo das Regras de Bang-
kok no sistema penitenciário feminino brasileiro, assim como no ordenamen-
to jurídico interno.
12
O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (2014) apontou que haviam 37 médicos gine-
cologistas em atividade no sistema penitenciário nacional, dos quais 23 eram funcionários efetivos.
124 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
13
BRASIL. Relatório Sobre Mulheres Encarceradas no Brasil. Org: Centro pela Justiça e pelo Direito
Internacional, CEJIL; Associação Juízes para a Democracia, AJD; Instituto Terra, Trabalho e Cidadania,
ITCC et. al. Brasília, DF, 2007.
14
Estima-se de 5,5 milhões de crianças não tenham o nome do pai sem seu registro. Disponível em:
https://exame.abril.com.br/brasil/brasil-tem-5-5-milhoes-de-criancas-sem-pai-no-registro/. Acesso
em: 14 out. 2017.
15
O INFOPEN (2014), cita em seu relatório um estudo sobre o impacto do aprisionamento parental reali-
zado pela Bendheim-Thoman Center for Research on Child Wellbeing, da Universidade de Princeton em
que se demonstrou que entre outras consequências, crianças que têm o pai privado de liberdade têm 44%
mais chances de apresentar comportamento agressivo. Disponível em: <https://fragilefamilies.princeton.
edu/briefs/ResearchBrief42.pdf>.
16
Muito embora determine as Regras de Bangkok que momento do ingresso da apenada na penitenciária
devem ser registrados os dados pessoais não só da mulher, mas também de seus filhos, assim como suas
idades e quando não acompanharem a mãe, sua localização e situação de custódia ou guarda, quando
da realização do INFOPEN em 2014, 88% dos estabelecimentos prisionais não souberam informar a
quantidade de filhos que teriam os detentos.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 125
elaboradas legislações tendentes a regulamentar a situação da mãe-presa, bus-
cando garantir o respeito aos direitos não atingidos pela sentença ou lei17.
À Lei de Execução Penal (LEP) foi acrescentado pela Lei 11.942/2009 que
nos estabelecimentos penais destinados a mulheres, deverão haver berçários,
onde possam cuidar dos seus filhos e inclusive amamentá-los por no mínimo 06
(seis) meses, respeitando o direito à convivência familiar e criação de vínculos
maternos. Porém, somente 32% dos poucos presídios femininos existentes e 3%
dos presídios mistos, onde há uma ala ou cela dentro de um presídio masculino,
possuem berçários18. Além disso, faltam locais adequados à visitação de crianças,
sendo mais um fator contributivo do afastamento da mulher de seus filhos
e consequentemente, da não efetivação dos direitos estabelecidos. Ainda que,
vários autores acreditem “que as visitas das crianças ajudam na manutenção do
vínculo entre pais e filhos, de modo a diminuir o impacto nocivo da separação
e ajudar as mães a ajustar-se melhor ao ambiente prisional”19.
Nesse sentido, também foi elaborada a Resolução do Conselho Nacional
de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP20, que disciplinou prioridades
com relação a amamentação e continuidade do vínculo materno em espaço
adequado ao desenvolvimento humano, além de orientar a garantia da perma-
nência mínima de crianças de até 01 (um) ano e 06 (seis) seguida de separação
gradual, considerando o saudável desenvolvimento da criança utilizando-se de
fases que não comprometam o seu crescimento e minimizem os danos à saúde
psicológica de mãe e filho.
A referida resolução ainda trata da possibilidade de permanência de crian-
ças de até sete anos junto das mães na unidade prisional quando equipadas
com dormitórios, banheiros, espaço de lazer e alimentação adequados, assim
como garantidos o direito à educação. No mesmo sentindo, a LEP estabelece
em seu artigo 89, que além dos requisitos básicos de salubridade e espaço
mínimo, as penitenciárias femininas devem ser dotadas de seção para gestante
e parturiente, assim como a implementação de creches destinadas as crianças
com idades entre seis meses e sete anos, cuja responsável esteja presa.
De outro modo, das 103 unidades penitenciárias que custodiam mulhe-
res, apenas 34% possuem dormitório para gestantes e somente 6% das 238
17
Artigo 3º da Lei de Execuções Penais, ipsis litteris: “Ao condenado e ao internado serão assegurados
todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.”.
18
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Femininas − In-
fopen Mulheres. 2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/estudo-traca-perfil-da-popu-
lacao-penitenciaria-feminina-no-brasil/relatorio-infopen-mulheres.pdf >. Acesso em: 14 set. 2017.
19
GUIMARÃES, A. C. R. S. Reclusão feminina: maternidade e nacionalidade. 2015. 100 f. Dissertação
(Mestrado em Psicologia)–Universidade Católica Portuguesa, Porto, 2015.
20
Disponível em: <https://www.ibccrim.org.br/noticia/13345-Resolucao-do-CNPCP-disciplina-situacao-
de-filhos-de-mulheres-encarceradas>. Acesso em: 16 out. 2017.
126 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
5. MÃES ALGEMADAS
21
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Femininas − In-
fopen Mulheres. 2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/estudo-traca-perfil-da-popu-
lacao-penitenciaria-feminina-no-brasil/relatorio-infopen-mulheres.pdf >. Acesso em: 14 set. 2017.
22
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Infopen. 2014.
Disponível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-ter-
ca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf>. Acesso em: 18 set. 2017.
23
Regra 24 das Regras de Bangkok.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 127
constrangimento e violência ferem os direitos humanos mais básicos de res-
peito à integridade física, psicológica e moral da parturiente.
De forma que, em 2017 foi regulamentado por meio da Lei 13.434/201724, a
vedação do emprego de algemas em mulheres durante o atendimento médico prepa-
ratório para a realização do parto, assim como durante e imediatamente após. A lei
veio para reforçar o já tratado pelo Supremo Tribunal Federal por meio da súmula
vinculante n.1125 que determinou que é ilícita a utilização de algemas sem fundada
situação que a justifique, sob pena de responsabilização disciplinar, civil e penal do
agente ou autoridade, sem prejuízo ainda da responsabilização civil do Estado.
Tais providências, corroboram com o que determina também o Conse-
lho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, e todos esses dispositivos
resultam de pensamentos que refletem os ideais de humanização do processo
de penalização, pressuposto básico que em verdade, acaba não sendo respeita-
do sob a justificação de um suposto risco de fuga e insegurança.
A referida lei também provocou mudanças no Código de Processo Penal26
Brasileiro, positivando, por meio parágrafo único do artigo 292, a vedação do
uso de algemas em mulheres grávidas desde o início do trabalho de parto até
o período de puerpério imediato.
24
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13434.htm>. Acesso
em: 17 out. 2017.
25
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1220>. Acesso
em: 17 out. 2017.
26
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso
em: 17 out. 2017.
27
RICARDO, I. Família de presa que deu à luz na solitária só soube do parto 15 dias depois. Jornal Extra,
28 out. 2015. Disponível em: <https://extra.globo.com/casos-de-policia/familia-de-presa-que-deu-luz-
na-solitaria-so-soube-do-parto-15-dias-depois-17899691.html>. Acesso em: 10 out. 2017.
128 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
Desse modo, tendo em vista o caráter angustiante que tem o cárcere, que
expropria não só a liberdade da mãe, mas também a infância de crianças e
adolescentes que aguardam a concessão da liberdade de suas mães e que tem
28
MAYOR, F. B. S.; GONÇALVES, H. S. Mulheres e prisão. Sociologia, São Paulo, n. 70, p. 20−27, 2017.
29
Relatório de Visita à Unidade Prisional Talavera Bruce, Defensoria Pública do RJ, 2015, p 37. Disponí-
vel em: <http://www.defensoria.rj.def.br/uploads/arquivos/39207a2ac9c947a58abc753edec0b3b3.pdf>.
Acesso em: 10 out. 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 129
“seus sonhos e planos interrompidos por uma sentença condenatória e toda
sua vida negligenciada e violentada pela perversidade que ultrapassa os muros
da prisão”30 o Estatuto da Primeira Infância traz disposições para atender
àqueles que nem sempre estão intramuros das penitenciárias, mas sofrem os
seus efeitos de modo muito contundente.
O Estatuto da Primeira Infância é o nome de batismo da Lei 13.257/16
que em conformidade com a doutrina da proteção integral que preza pelo me-
lhor interesse da criança, trouxe diretrizes especificas e significativas mudanças
no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT) e no Código de Processo Penal.
O Estatuto prioriza a faixa etária de até 6 anos de idade, chamada legisla-
tivamente de primeira infância, e já no artigo quarto31 estipula que as políticas
públicas voltadas a este público deverão atender o interesse superior da criança
e no artigo seguinte32 constitui como área prioritária para tais políticas a con-
vivência familiar, ao lado da saúde, alimentação e educação infantil.
Dentro das relações familiares, o princípio do melhor interesse a criança
assume estreita relação com o princípio da convivência familiar, uma vez que
este direito é assegurado à criança e ao adolescente como prioridade absoluta,
reflexo do abrigo constitucional do princípio da afetividade.
A convivência familiar reflete o direito dos membros do agregado fa-
miliar a viverem juntos33. Os elementos do princípio irão assegurar direitos
e deveres envolvidos na relação entre as pessoas do grupo familiar, como a
inviolabilidade da casa.
Diferente do princípio da afetividade, o princípio da convivência fami-
liar encontra-se expresso da Constituição Brasileira34, que o estabelece como
30
SILVA, A. D. Encarceramento e monoparentalidade feminina: as reclusas e suas famílias. In: Mãe/
mulher atrás das grades: a realidade imposta pelo cárcere à família monoparental feminina. São Paulo:
Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015, p. 153-209.
31
Art. 4o As políticas públicas voltadas ao atendimento dos direitos da criança na primeira infância serão
elaboradas e executadas de forma a: I - atender ao interesse superior da criança e à sua condição de
sujeito de direitos e de cidadã. BRASIL. Lei 13.257, 8 de março de 2016. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13257.htm>. Acesso em: 18 de maio de 2017.
32
Art. 5o Constituem áreas prioritárias para as políticas públicas para a primeira infância a saúde, a alimentação
e a nutrição, a educação infantil, a convivência familiar e comunitária, a assistência social à família da criança,
a cultura, o brincar e o lazer, o espaço e o meio ambiente, bem como a proteção contra toda forma de violência
e de pressão consumista, a prevenção de acidentes e a adoção de medidas que evitem a exposição precoce
à comunicação mercadológica. BRASIL. Lei 13.257, 8 de março de 2016. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13257.htm>. Acesso em: 18 de maio de 2017.
33
CANOTILHO, J. G.; MOREIRA, V. Constituição da República Portuguesa anotada - vol. I, p.198.
Nesse sentido, PAULO LÔBO, Direito Civil: Família, p. 74 afirma que a convivência familiar “é a re-
lação afetiva diuturna e duradoura entretecida pelas pessoas que compõem o grupo familiar, em virtude
de laços de parentesco ou não, no ambiente comum”.
34
Artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil.
130 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
35
Artigo 9º, item 3 da Convenção dos Direitos da Criança.
36
LÔBO, P. Direito Civil: Família. 4. ed. Saraiva: São Paulo, 2011, p. 295.
37
MARTINS, R. Menoridade, (IN) Capacidade e Cuidado Parental. Coimbra Editora: Coimbra,
2008, p. 178.
38
BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 18 de maio de 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 131
incompletos, mas também o pai quando único responsável pelos cuidados dos
filhos até 12 anos incompletos, mas também uma busca para colher informa-
ções sobre a existência de filhos, até mesmo na lavratura do auto de prisão em
flagrante deverá constar a presença de eventual filho sob a reponsabilidade da
pessoa presa. Conforme se verifica em alguns dos artigos do diploma proces-
sual39 modificados pelo citado Estatuto:
39
BRASIL. Decreto Lei 3689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em 18 de maio de 2017.
40
Artigo 36, item 3, da Constituição da República Portuguesa.
41
Artigo 36, item 5, da Constituição da República Portuguesa.
42
Artigo 36, item 6, da Constituição da República Portuguesa.
43
MARTINS, R. Menoridade, (IN) Capacidade e Cuidado Parental. Coimbra Editora: Coimbra,
2008, p. 170.
44
Ibid., p. 173-174.
132 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
45
LÔBO, P. Direito Civil: Família. 4. ed. Saraiva: São Paulo, 2011, p. 298.
46
De acordo com os enunciados de MARTINS, R. Menoridade, (IN) Capacidade e Cuidado Parental.
Coimbra Editora: Coimbra, 2008, p. 177.
47
HC 362922. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipo-
Pesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=HC%20362922>. Acesso em: 18 maio 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 133
voltasse ao regime anterior sob a justificativa de quebra da isonomia, em razão
de outras mães que não possuíam tal benefício.
Não podemos deixar de destacar que as citadas modificações no caderno
processual penal, ora citado, apesar de serem frutos das Regras de Bangkok,
regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas, tais diretrizes
reconheceram o papel de ambos os pais na vida da criança e tiveram foco no
impacto do encarceramento dos pais e de crianças. Contudo, independente
das regras focarem em ações voltadas as necessidades especiais de mulheres
presas, o Estatuto focaliza na criança.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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Capítulo 9
A Invisibilidade do Tráfico de Pessoas nas
Missões de Paz da ONU: O Conflito Em Kosovo
Ananda Pórpora Fernandes
Raquel de Santana Iraha
Verônica Maria Teresi
1. INTRODUÇÃO
O texto pretende fazer uma aproximação entre dois temas importantes, re-
levantes e difíceis de abordar no âmbito internacional: as intervenções humani-
tárias, por meio das missões de paz da ONU e as violações dos direitos humanos
por parte das tropas da ONU, principalmente com exploração sexual e abusos
de mulheres e meninas, estimulando, em alguns casos, o tráfico de pessoas.
A pesquisa para a realização do artigo foi feita principalmente com rela-
tórios de organizações não governamentais de garantia de direitos humanos,
relatórios da ONU, tratados internacionais e doutrinas de direito internacio-
nal e específicos.
O estudo pretende trazer uma análise sobre situações identificadas com
sérias violações de direitos humanos cometidas por integrantes das tropas de
missões de paz. É claro que essas formas de violações são profundamente con-
traditórias, uma vez que são cometidas por indivíduos que estão participando
de operações que deveriam zelar pelos direitos humanos dos civis em situações
de conflitos. Por outro lado, contribuem para o crescimento de abusos sexuais,
tráfico de drogas e pessoas. Ainda mais quando estes agentes dificilmente serão
responsabilizados individualmente por deterem imunidade diplomática.
2. INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS
1
As graves violações de direitos humanos ocorridas na Segunda Guerra Mundial intensificaram a in-
ternacionalização do indivíduo como sujeito de direito internacional – antes centrado em Estados e
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 137
direitos humanos não fossem somente considerados matéria exclusiva da ju-
risdição dos estados soberanos, sendo incorporados como prerrogativas da
sociedade internacional. Como tal, pode-se interpretar que a defesa dos direi-
tos humanos pode ser feita independente das limitações territoriais estatais.
Entrementes, nota-se que os conflitos intraestatais passaram a ser considerados
como ameaça à paz e segurança coletiva desde o pós-Guerra Fria, permitindo
a realização das intervenções com objetivos humanitários, baseadas nos Capí-
tulo VI, VII e VIII2 da Carta das Nações Unidas3.
O Conselho de Segurança (CS), principal órgão responsável pela seguran-
ça coletiva pós-Segunda Guerra Mundial, é a concretização da preocupação da
ONU de criar uma nova ordem internacional de segurança4. Contudo, com
o início da Guerra Fria e o acirramento das tensões entre os Estados Unidos
e a União Soviética (URSS), o órgão ficou paralisado por falta do consenso
entre os Membros Permanentes. O término da Guerra Fria permitiu um “des-
congelamento” do CS, e dada a maior aplicação de normas internacionais, da
preocupação com a proteção do homem, da fluidez no CS e da securitização
internacional de conflitos intraestatais relacionados às violações de direitos
humanos, o número de intervenções de cunho humanitário aumentou, tendo
na primeira década após a Guerra Fria cinco grandes operações: Iraque, Somá-
lia, Ruanda, Haiti e Bósnia Herzegovina.5
Segundo Krieg6, intervenção humanitária é um oximoro que combina
benevolência com um termo ligado relacionado à força. Ainda na mesma
obra, define-se como “[…] ação coercitiva de Estados que envolve o uso de
forças armadas em outro Estado […] com o objetivo de prevenir ou inter-
romper violações graves e massivas de direitos humanos ou do direito inter-
nacional humanitários […]”7.
Na Agenda for Peace, o então secretário geral Boutros-Ghali definiu fun-
ções as quais o CS deveria desempenhar no que condiz às missões de paz: di-
organizações internacionais – tendo sua consagração na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
em 1948, da Organização das Nações Unidas. (RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos
Humanos na Ordem Internacional. São Paulo: Saraiva, 2015.)
2
Os Capítulos VI, VII e VIII contém artigos referentes a Solução Pacífica de Controvérsias, Ação Re-
lativa a Ameaças à Paz, Ruptura da Paz e Atos de Agressão, e Acordos Regionais, respectivamente. A
Carta, em sua integralidade, pode ser consultada em: <https://nacoesunidas.org/carta/>.
3
JUBILUT, Liliana. Não Intervenção e Legitimidade Internacional. São Paulo: Saraiva, 2010; RO-
DRIGUES, Simone Martins. Segurança Internacional e Direitos Humanos: a prática da intervenção
humanitária no Pós-Guerra Fria. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 33.
4
RODRIGUES, op. cit., p. 11.
5
A recorrência das intervenções humanitárias denota um novo paradigma na solução de conflitos interna-
cionais, apesar de suas inequações iniciais (RODRIGUES, 2000, op. cit., p. 12).
6
KRIEG, Andreas. Motivations for Humanitarian Intervention: Theoretical and Empirical Consider-
ations. Heidelberg: Springer, 2013, p.7
7
Ibidem
138 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
8
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. An agenda for Peace. 1992. Disponível em: <http://
www.un-documents.net/a47-277.htm>. Acesso em: 03 fev 2017.
9
RODRIGUES, op. cit., p. 38-39.
10
GRASSI, Pietro. A Responsabilidade dos Estados por Crimes Sexuais Cometidos por Agentes de
Paz da ONU. 2011. Disponível em: <https://www2.direito.ufmg.br/revistadocaap/index.php/revista/ar-
ticle/download/.../28>. Acesso em: 24 jul. 2017.
11
Primeiro, essa prática opõe-se aos princípios de soberania estatal, positivado na Carta da ONU, no Arti-
go II, inciso 7 (PATRIOTA, Antônio de Aguiar. O Conselho de Segurança após a Guerra do Golfo: a
articulação de um novo paradigma de segurança coletiva. Brasília: Instituto Rio Branco, 1998). Em
segundo lugar, a força armada é vedada no mesmo Artigo, inciso 4. Entretanto, o Capítulo VII da Carta
das Nações Unidas apresenta as condições as quais seu emprego seria autorizado (RODRIGUES, op. cit,
p. 49).
12
JUBILUT, op. cit., p. 155-156.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 139
a dificuldade de responsabilização individual na relação entre a ONU, que
detém de imunidade diplomática, Estados Membros fornecedores de tropas e
o próprio soldado, é mais um obstáculo no enfrentamento das violações por
peacekeepers (integrantes das missões de paz).
Este assunto será melhor estudado nas seções seguintes, com a apresen-
tação de conceitos importantes, visto que é fundamental a compreensão do
que engloba o fenômeno do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual,
assim como um estudo de caso, em Kosovo.
13
Os artigos I (liberdade, igualdade e dignidade), II (não discriminação), III (vida, liberdade e segurança
pessoal), IV (não ser mantido em escravatura ou servidão), XII (não sofrer intromissões arbitrárias em
suas vidas privadas, XVI (direito de asilo) e XXIII (direito ao trabalho e à livre escolha do trabalho)
desta declaração estão diretamente ligados ao Tráfico Humano.
140 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
14
O crime caracteriza-se por meio de três elementos: um “ato” (recrutamento, um transporte, uma trans-
ferência, um alojamento ou um acolhimento), um “meio” (uso da força, ameaça, raptos, abuso de auto-
ridade, abuso de uma situação de vulnerabilidade, e outros), e uma “finalidade” (a exploração laboral,
sexual, infantil, como também serviços forçados e extração de órgãos, etc). (MINISTÉRIO DA JUSTI-
ÇA. Guia de Referência Para a Rede de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil. Secretaria
Nacional da Justiça, 2012, p. 50. Disponível em: http://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pes-
soas/publicacoes/anexos/cartilhaguiareferencia.pdf. Acesso em: 05 set. 2015.)
15
PROTOCOLO DE PALERMO. Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Cri-
minalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico
de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças, 2000. Disponível em: <http://sinus.org.br/2014/wp-
content/uploads/2013/11/OIT-Protocolo-de-Palermo.pdf>. Acessado em 06 out. de 2016
16
É essencial para o entendimento da constituição do Tráfico de Pessoas a sua diferenciação frente ao Con-
trabando de Migrantes. O primeiro sempre terá um ato de exploração da vítima, em âmbito doméstico
ou internacional, enquanto o último se dá somente por deslocamento internacional, com fins de facilitar
a migração irregular (cruzar a fronteira de forma clandestina) de uma pessoa ou grupo, por meio de ali-
ciamento de um terceiro, que visa apenas os benefícios financeiros pagos por aqueles que buscam seus
serviços. O migrante, neste caso, não será explorado em seu destino final. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA,
2012, op. cit., p. 50.)
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 141
escravidão sexual e até mesmo casamento forçado. Aqui se faz necessário reali-
zar uma diferenciação entre a “exploração sexual” e “abuso sexual”. O “abuso
sexual” está associado a atos de violências sexuais através de coerções, como o
estupro, não apresentando um caráter comercial17. Já na “exploração sexual”,
há um tipo de intermediação (aliciador) e lucro (monetário, social ou políti-
co), com base na oferta e demanda de serviços sexuais, podendo esta trazer, em
alguns casos, o abuso sexual junto18.
Aqui a ideia de obter um lucro através de serviços sexuais na maioria das
vezes é priorizada pela representação da prostituição, que por sua vez leva a
uma visão de consentimento da vítima, mesmo apresentando um caráter ex-
plorativo19. Além disso, por mais que a vítima tenha consentido na realização
das atividades sexuais20, a escolha de ser explorada ou escravizada não é volun-
tária, a mesma não opta por abrir mão de seus direitos fundamentais, a razão
pelo qual o consentimento não deve ser levado em consideração21.
23
GRASSI, op. cit., p. 203.
24
FAGANELLO, Priscilla Liane Fett. Operações de Paz da ONU: De que forma os Direitos Humanos
Revolucionaram a principal ferramenta internacional da paz. 2013, p. 48. Disponível em <http://funag.
gov.br/loja/download/1078-operacoes-de-manutencao-de-paz.pdf>. Acesso em 27 jul. 2017.
25
ALLRED, Keith. Peacekeepers and Prostitutes: How Deployed Forces Fuel the Demand for Traf-
ficked Women and New Hope for Stopping It. 2006, p. 6-7. Disponível em: <journals.sagepub.com/doi/
abs/10.1177/0095327X06288803>.Acesso em: 4 ago. 2017.
26
ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório Zeid: A Comprehensive Strategy to
Eliminate Future Sexual Exploitation and Abuse in United Nations. 2005. Disponível em: <http://
reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/421DA870DF78A2BCC1256FDA0041E979-Zeid%20
report%20_A-59-710_%20English.pdf>. Acesso em 4 ago. 2017.
27
FAGANELLO, op. cit., p. 190
28
DEPARTAMENTO DE ESTADO DOS ESTADOS UNIDOS. Trafficking in Persons Report. 2017, p. 439.
Disponível em < https://www.state.gov/documents/organization/271339.pdf >. Acesso em 4 ago. 2017.
29
As violações não se limitam ao âmbito sexual, incluindo tortura e violência contra locais, inclusive em
campos de refugiados. A prática é transcultural, dada as variadas nacionalidades dos perpetradores.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 143
um número elevado de mulheres e crianças sem suporte familiar; o alto nível
de extrema pobreza; a falta de oportunidades de emprego; más condições de
saúde e alimentação; a falta de segurança pela inexistência do rule of law (Esta-
do de direito); a criação de um ambiente de impunidade pela falta de um bom
funcionamento do sistema legal e judicial. Em relação às violações cometidas
pelas tropas, pode-se ainda destacar a imunidade dos soldados, o poderio eco-
nômico dos agentes, a ideia machista de “natureza masculina”30, treinamento
falho31 das tropas quanto essa temática, e dificuldades para realizar denúncias,
investigação e identificação dos acusados32. O pessoal das Nações Unidas não
pode sofrer processos criminais por parte dos países anfitriões, somente pelo
seu país de origem, segundo a Convenção sobre Privilégios e Imunidades33.
Como consequência das violações, o aumento da prostituição, do tráfico
de pessoas, dos índices de contaminação de HIV, entre outros, foi impactan-
te nas comunidades locais. O abuso sexual também acirrou a discriminação
contra mulheres e crianças, que passam a ser segregadas em suas comunidades.
Muitos soldados “presentearam” suas vítimas com o intuito de parecer caso de
prostituição quando não o foi, e outros chegaram a administrar os bordeis34.
Ademais, muitas dessas vítimas engravidaram, e os chamados peacekeeping ba-
bies (filhos de soldados das missões de paz), foram abandonados por seus
“pais”, deixando a mãe ainda mais vulnerável35.
Duas regiões são muito importantes para a análise de tráfico de pessoas
durante as missões de paz, a Bósnia e o Kosovo, devido ao grande número
de casos. O artigo analisará aqueles ocorridos em Kosovo, por terem uma
visibilidade menor comparado aos da Bósnia, e uma vez que a região já apre-
sentava grandes violações de direitos humanos, principalmente o tráfico de
órgãos, anterior a chegada das tropas internacionais, demonstrando a grande
Contrabando e tráfico de armas também foram realizados pelos peacekeepers. (FONTOURA, op. cit., p.
31; GRASSI, op. cit., 290)
30
Allred aponta que os soldados contribuem muitas vezes para o aumento da demanda de prostitutas,
aumentando consequentemente a demanda por mulheres e crianças traficadas (ALLRED, op. cit., p. 7).
Grassi (op. cit., p. 207) destaca a declaração de Yasushi Akashi, maior oficial da ONU na operação em
Camboja, em resposta às críticas de abuso sexual: “boys will be boys”, e nada poderia ser feito.
31
Allred afirma que atualmente os treinamentos são mais incisivos, contudo, em 1998, um manual de trei-
namento da ONU continha as informações da possibilidade de pessoas que poderiam ter sido forçadas à
prostituição, e que o soldado “deveria considerar cuidadosamente” se deveria “apoiar e realizar” este tipo
de circunstância ao “utilizar seus serviços”. Quanto ao estupro e violência sexual, o manual instruía que o
soldado “deveria considerar se eles poderiam ser capazes de evitar tais situações infelizes”. (ibidem)
32
Zeid relata a dificuldade das vítimas na identificação dos acusados por estarem assustadas e terem um nível
baixo de educação para identificar os soldados estrangeiros, e adiciona que, em casos envolvendo prostitui-
ção, não há incentivo econômico. (ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, op. cit., p. 9)
33
FORTE, op. cit., p. 60
34
ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, op. cit, p. 8; GRASSI, op. cit. p.204.
35
FONTOURA, op. cit., p. 34.
144 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
36
A questão de Kosovo engloba um aspecto territorial, histórico, étnico, religioso e demográfico. Sérvios
e albaneses raramente se viam como vizinhos, amigos e parceiros de casamento. Com o um cenário cul-
tural-religioso diverso, o conflito pode agravar da situação da mulher, uma vez que se encontravam em
uma posição inferior em próprias culturas, ficando mais vulneráveis a situações de estupros e exploração
sexual. (CALIC, Marie-Janine. Kosovo in twentieth century: a historical account. In: SCHNABEL, A.;
THAKUR, R. (Org.). Kosovo and the Challenge of Humanitarian Intervention: selective indigna-
tion, collective action, and international citizenship. Estados Unidos: United Nations, 2000).
37
Tudo se intensifica em 1990, quando o governo sérvio cria medidas de segurança para Kosovo que beneficia-
vam somente os sérvios, incentivando a saída dos albaneses da região. Agravada a situação, surge o Exército
de Libertação do Kosovo (KLA), formado por albaneses nacionalistas visando unir o Kosovo à Albânia,
levando ao ápice do conflito, chamando a atenção da comunidade internacional. Tendo a Sérvia discordado
do acordo de cessar-fogo da ONU, a OTAN inicia Operação Força Aliada em 1999. A Operação não obteve
aval do Conselho de Segurança, sendo uma intervenção humanitária controversa até hoje. (Ibidem)
38
VARELA, Águeda. A acção da ONU na prevenção e no combate aos crimes contra a Humanidade
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39
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40
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Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 145
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estabilidade e autogovernação para a região, em busca de uma vida normal
para a população local. Em 2008, Kosovo declarou sua independência unilate-
ralmente, por meio do primeiro-ministro kosovar Hashim Thaci. Contudo, o
ex-presidente da Sérvia, Boris Tadic, não a reconheceu.41
Durante o conflito, diversas violações dos Direitos Humanos42 foram
identificadas, cometidas por militares e políticos, como o tráfico de pessoas
para fins de extração de órgãos no território kosovar, além do tráfico para ex-
ploração sexual abordado mais afrente, levando ao desaparecimento de vários
civis. As primeiras suspeitas de tráfico de pessoas, durante e após o conflito43,
se deram com a publicação do livro “A caça: Eu e os Criminosos de Guerra”44,
escrito por Carla Del Ponte, ex-procuradora do Tribunal Penal Internacional
para a ex-Iugoslávia. A obra chamou a atenção da comunidade internacional
e de organizações internacionais protetoras dos direitos humanos, que busca-
ram comprovar tais alegações.
Assim, é possível perceber que a região já apresentava fatores de vulnerabili-
dade, principalmente no campo do tráfico de pessoas, demonstrando a importân-
cia da compreensão contexto o qual as violações de direitos humanos ocorrem.
41
ESTADO-MAIOR-GENERAL DAS FORÇAR ARMADAS, 2012, op. cit., loc. cit.
42
“Entre eles encontram-se as violações dos direitos humanos da população civil que envolveram torturas
e maus-tratos; prisões e julgamentos ilegais; destruição de propriedade privada; ameaças físicas e psico-
lógicas; e assassínios”. (VARELA, 2012, op. cit., p. 66)
43
Durante o período de tempo que demorou a transição do poder dos militares sérvios para a UNMIK
44
De acordo com Varela (2012, op. cit, p. 67), o livro apresentava: Em causa estavam alegações do de-
saparecimento de cerca de 300 indivíduos, sendo que estes seriam raptados, presos e transferidos para
uma clínica na Albânia, onde lhes eram retirados os órgãos e vendidos a pacientes ricos. Havia ainda a
suspeita de elementos dos cargos mais altos do KLA poderem estar envolvidos no negócio do tráfico
humano, sendo que as vítimas seriam maioritariamente sérvias ou com origem das minorias étnicas.
45
ANISTIA INTERNACIONAL. So does that mean I have rights? Protecting the human rights of
women and girls trafficked for forced prostitution in Kosovo. 2004, p.1. Disponível em: <http://www.
146 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
Mulheres e garotas são vendidas para a escravidão. Elas são ameaçadas, espan-
cadas, estupradas e efetivamente presas por seus donos. Com uma clientela que
inclui tropas e a polícia internacional, as garotas e mulheres muitas vezes têm
muito medo de escapar, e as autoridades não realizam o seu devido trabalho
em ajudá-las48. - Tradução Nossa
amnesty.eu/en/news/press-releases/eu/violence-against-women/gender-based-violence/fgm/kosovo-so-
does-that-mean-i-have-rights-0197/#.WYnJ4YTyvIU>. Acesso em: 08 ago. 2017.
46
Ibidem
47
Ibidem
48
Ibidem
49
CUESTA, Brandon; SMITH, Charles. Human Trafficking in Conflict Zones: The Role of Peace-
keepers in the Formation of Networks. 2010, p. 292. Disponível em: <https://link.springer.com/arti-
cle/10.1007/s12142-010-0181-8>. Acesso em: 09 ago. 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 147
No fim das contas, cheguei em um bar em Kosovo, e fui presa e forçada a me
prostituir. Pegaram meu passaporte bem antes disso, e os traficantes o passa-
vam de um a outro conforme eu ia sendo vendida. No bar, nunca me paga-
ram, eu não podia sair sozinha, e o proprietário ficava cada vez mais violento
conforme as semanas passavam. Ele me batia e me estuprava, assim como as
outras garotas. Nós éramos sua “propriedade”, ele dizia; por nos comprar, ele
comprou o direito de nos bater, nos estuprar, nos deixar passando fome, nos
forçar a fazer sexo com clientes […]50 – Tradução Nossa
50
OFFICE OF THE SPECIAL ADVISER ON GENDER ISSUES AND ADVANCEMENT OF WOM-
EN. Faces: Women as Partners in Peace and Security. New York, 2004. Disponível em: <http://www.
un.org/womenwatch/osagi/resources/faces/index-en.htm>. Acesso em 09 ago. 2017.
51
SLAVKOVIC, Filip. German Soldiers Spurring Sex Trade?. Deutsche Welle (DW), 2004. Disponível
em: <http://www.dw.com/en/german-soldiers-spurring-sex-trade/a-1365134>. Acesso em: 09 ago. 2017.
52
THE ADVOCATES FOR HUMAN RIGHTS. UN Peacekeeping Missions and Trafficking in Wom-
en. Stop Violence Against Women, 2005. Disponível em: <http://www.stopvaw.org/un_peacekeep-
ing_missions>. Acesso em: 09 ago. 2017.
148 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
CONCLUSÃO
anfitrião, e não sendo possível, tentar viabilizá-los para facilitar o acesso a testemunhas e evidências;
métodos mais modernos na obtenção de provas; entre outros. (ALLRED, 2006, op. cit., p. 14)
65
ALLRED, 2006, op. cit., p. 9; FONTOURA, 2009, op. cit., p. 50; ORGANIZAÇÃO INTERNACIO-
NAL DE MIGRAÇÃO (IOM). Return and Reintegration Project. Situation Report, 2002. Disponível
em: <http://www.childtrafficking.org/pdf/user/iom_return_and_reintegration_counter_trafficking_situ-
ation_report_in_kosovo.pdf>. Acesso em: 09 ago. 2017.
66
A Resolução 2272 está disponível em: http://www.refworld.org/docid/56e915484.html.
67
DW. UN names first victims’ rights official to combat sexual abuse by soldiers. 2017. Disponível
em: <http://www.dw.com/en/un-names-first-victims-rights-official-to-combat-sexual-abuse-by-soldier-
s/a-40212377>. Acesso em 23 ago. 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 151
são atualmente implementadas em casos graves de violações de direitos huma-
nos, e as violações perpetradas pelos próprios peacekeepers, que, no caso estuda-
do, intensificaram o tráfico e exploração de mulheres em Kosovo.
O descumprimento dos valores das Nações Unidas, como o respeito à
dignidade humana e direitos humanos, pelos chamados capacetes azuis, levanta
dúvidas quanto à credibilidade dessas operações e da própria ONU. Com isso
em mente, a Organização tem tomado medidas para reverter este quadro atual-
mente. No estudo de caso apresentado, no entanto, foram identificadas dificul-
dades de responsabilização dos violadores, seja por conta de atitudes da ONU e
dos próprios Estados Membros fornecedores de tropas para abafar o caso, pro-
blemas para o recolhimento de evidências, e a questão da imunidade concedida
àqueles que compõem o contingente das tropas. Ainda que o Estado Membro da
nacionalidade do perpetrador seja o responsável pela investigação e condenação
do acusado, é inegável os danos causados à imagem e legitimidade da ONU.
O texto aponta que muitas das falhas ao combate do tráfico, violações
de direitos humanos e exploração de pessoas ocorridas em Kosovo permane-
cem em demais operações atualmente, justificando a importância deste estudo.
Nota-se que as táticas recentes ao combate à exploração de pessoas pelas tropas
têm sido voltadas aos Estados fornecedores de tropas, encarregados da inves-
tigação e punição do acusado. A nomeação de uma defensora dos direitos das
vítimas de abuso representa um grande avanço na questão de comunicação de
denúncias e investigação, contudo, desafios culturais tanto locais quanto dos
nacionais das tropas são impedimentos para cessar tais violações.
Verifica-se que há mais ações a serem tomadas para que os obstáculos
postos entre a ONU, o país fornecedor de tropas e o indivíduo que atua nessas
missões, não perpetuem a cultura de impunidade vigente atualmente, pon-
do em cheque os valores da Organização como um todo. Ademais, reflexões
acerca do machismo, patriarcado e até mesmo racismo na seara militar devem
ser feitas, uma vez que podem também constituir as razões as quais os capace-
tes azuis cometem tais violações, explorando a vulnerabilidade de mulheres e
crianças e abusando de sua posição de poder. O tráfico de pessoas, o abuso e
exploração sexual e demais descumprimentos dos direitos humanos não são
limitados às operações de paz, e assim como ocorrem na sociedade em que
vivemos, também são reproduzidos nas missões. Ao delimitar seu combate
somente em termos de treinamento e punições e não em um diálogo mais
abrangente de direitos humanos, há o risco de essas violações nunca cessarem.
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Capítulo 10
Líbia: Análise do Caso Procuradoria
v. Saif Al-Islam Gaddafi à Luz do
Tribunal Penal Internacional
Anna Virginia Pereira Lemos de Freitas
Laryssa Figueiredo de Azevedo
INTRODUÇÃO
1
SWITZERLAND. United Nations. Human Rights Council. Report of the International Commission
of Inquiry on Libya. Geneva, Switzerland. 2012. p. 36.
2
Ibid., p. 36.
3
ELJAHMI, Mohamed. Libya and The US: Qadhafi Unrepetant. Review: Middle East Quaterly. Win-
ter, 2006. p.2
4
Ibid., p.4
5
SWITZERLAND. United Nations. Human Rights Council. Report of the International Commission
of Inquiry on Libya. op.cit., p. 36.
156 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
Sobre isso, acredita-se que esta rejeição esteja relacionada com as quatro décadas
de severa repressão de todas as dissidências e abusos generalizados à direitos
humanos de Muammar Gaddafi6.
Em continuidade, as manifestações contra o governo Gaddafi, objeto de
análise pelo TPI, tiveram início na primeira quinzena de fevereiro de 2011. So-
bre isso, até 16 de fevereiro de 2011, os protestos se intensificaram em Benghazi
e começaram a se espalhar para as cidades da Líbia, incluindo al-Bayda, Darnah,
Tobruq no leste, Zintan no oeste, e os subúrbios de Tripoli de Fashloum e Souq
al-Jum’a. Em consequência às manifestações, as forças de Gaddafi responderam
com força letal, disparando munições em manifestantes sem aviso prévio7.
A partir de informações da ONU, entre 16 e 21 de fevereiro de 2011,
alguns manifestantes e espectadores foram mortos em Benghazi e al-Bayda e
mais de 200 foram mortos em Tripoli. Ainda, no final de fevereiro de 2011,
pessoas tomaram armas confiscadas dos depósitos abandonados do governo
e entraram em confronto com as forças de segurança. Em 22 de fevereiro
de 2011, Muammar Gaddafi, em seu primeiro discurso público na Televisão
Nacional da Líbia, desde o início dos protestos, culpou os estrangeiros pelos
problemas e disse que o país precisava ser “purificado” dos manifestantes, a
quem ele chamava de “ratos”8.
Em seguida, no final de fevereiro de 2011, um conflito armado se de-
senvolveu entre as forças de Gaddafi e Thuwar. Em 26 de fevereiro de 2011,
visando resposta à escalada de violência e relatos de graves violações de direitos
humanos, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) aprovou a
resolução 1970 que impõe um embargo de armas e remete a situação na Líbia
para o TPI. Após tais incidentes, em 2 de março de 2011, o ex-ministro de
Justiça da Líbia, Mustafa Abdul Jalil, declarou ser o único representante de
toda a Líbia, prometendo respeitar os direitos humanos, o Estado de direito e
defender as obrigações internacionais da Líbia9.
No início de março de 2011, em um esforço para recuperar o território
perdido, as forças de Gaddafi lançaram uma campanha militar. Neste ponto, os
confrontos foram realizados em várias frentes, incluindo Al Zawiyah, Zintan,
Misrata e Ben Jawad. Posteriormente, em 10 de março de 2011, as forças de Gad-
dafi recuperaram o território controlado pela oposição nas montanhas de Nafu-
sa e Misrata e avançaram para o leste. Neste sentido, à medida que as forças de
Gaddafi recapturaram cidades, surgiram ataques indiscriminados, assassinatos,
prisões arbitrárias, desaparecimentos e maus tratos de prisioneiros10.
6
Ibid.
7
Ibid., p. 46.
8
Ibid., p. 47.
9
Ibid.
10
Ibid.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 157
Em seguida, o CSNU aprovou a resolução 1973 em 17 de março de 2011,
autorizando uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia e a tomada de medidas
necessárias para proteger civis contra as forças de Gaddafi. A partir disso,
os ataques aéreos começaram em 19 de março de 2011, evitando a potencial
recaptura da cidade de Benghazi. Finalmente, em março de 2011, a OTAN
assumiu o controle das operações militares, inicialmente coordenada por uma
aliança internacional liderada pelos Estados Unidos, Reino Unido e França11.
Apesar disso, o conflito armado prosseguiu em Misrata e na montanha de
Nafusa, havendo meses de uma paralisação militar do governo Gaddafi. Neste
sentido, em agosto de 2011 os combatentes de Thuwar, em Misrata confrontaram
as forças de Gaddafi e passaram a controlar Al Zawiyah e Tripoli. Em relação ao
conflito em questão, os combatentes de Thuwar assumiram o controle da grande
maioria do território da Líbia, com as notáveis exceções da cidade natal de Sirle,
Bani Walid e Sabha. A partir disso, Muammar Gaddafi se escondeu enquanto
vários de seus parentes fugiram da Líbia para a Argélia, Tunísia e Nígeria12.
Em 20 de outubro de 2011, Gaddafi e seu filho Mutassim, foram cap-
turados depois que os jatos da OTAN bombardearam seu comboio blindado
enquanto tentavam escapar de Sirte. Nestas circunstâncias, ambos foram mor-
tos em circunstâncias pouco claras após a captura, mas é evidente que ambos
foram inicialmente capturados vivos13.
Após isso, Mustafa Abdel Jalil declarou formalmente a libertação da Lí-
bia com a “Declaração de Libertação” desencadeadora de um processo de tran-
sição. Dessa forma, a mencionada declaração marcou o fim oficial das hostili-
dades na Líbia, levando o CSNU a aprovar a resolução 2016 em 27 de outubro
de 2011, levantando a zona de exclusão, bem como, a OTAN interrompendo
suas operações na Líbia em 31 de outubro de 201114.
11
Ibid.
12
Ibid., p. 48.
13
Ibid., p. 49.
14
Ibid., p. 49.
15
NETHERLANDS. International Criminal Court. Understanding the International Criminal Court.
The Hague, Netherlands. 2015. p. 3.
158 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
16
Artigo 25 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.
17
NETHERLANDS. International Criminal Court. Understanding the International Criminal Court.
op.cit. p. 9.
18
Ibid.
19
Ibid., p. 10.
20
SHAW, Malcolm N. International Law. Sixth edition. Cambridge University. New York. 2008. p. 413.
21
NETHERLANDS. International Criminal Court. Understanding the International Criminal Court.
op.cit., p. 10.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 159
Após isso, a Câmara de Primeira Instância determina se o acusado é ino-
cente ou culpado das acusações e, se ele for declarado culpado, pode impor
uma pena de prisão por um determinado número de anos que não exceda um
máximo de trinta anos ou prisão perpétua22. Ademais, a câmara pode impor
sanções financeiras, visando a reparação do prejuízo sofrido pelas vítimas,
incluindo compensação, restituição ou reabilitação23.
E finalmente, a Câmara de Recurso é composta pelo Presidente da Corte
e por outros quatro juízes. Neste ponto, todas as partes no julgamento podem
recorrer ou solicitar autorização para apelar as decisões das Câmaras de Pré-
-julgamento e de julgamento. Ademais, a Câmara de Recurso pode defender,
reverter ou alterar a decisão apelada, incluindo julgamentos e decisões de sen-
tença, e pode até mesmo solicitar um novo julgamento perante uma outra
Câmara de julgamento24.
22
SHAW, Malcolm N. International Law. op.cit., p. 417.
23
NETHERLANDS. International Criminal Court. Understanding the International Criminal Court.
op.cit., p. 10.
24
Ibid., p. 10.
25
NETHERLANDS. International Criminal Court. The Prosecutor v. Saif Al-Islam Gaddafi. Case In-
formation Sheet. The Hague, Netherlands. June 13, 2016. p. 1.
26
Ibid., p. 1.
27
Ibid.
160 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
28
Ibid.
29
SHAW, Malcolm N. International Law. op.cit., p. 1206.
30
Ibid., p. 412.
31
NETHERLANDS. International Criminal Court. The Prosecutor v. Saif Al-Islam Gaddafi. Case In-
formation Sheet. op.cit.
32
SWITZERLAND. United Nations. Human Rights Council. Report no.: A/HRC/19/68. Report of the
International Commission of Inquiry on Libya. Geneva, Switzerland. March 8, 2012. p. 51.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 161
nível, este teria dito à comissão Muammar Gaddafi havia dado ordens para
suprimir manifestações “com todos os meios necessários”33.
Sobre isso, observe-se que segundo René Värk34 um comandante militar
deve ser criminalmente responsável por crimes cometidos por forças sob o seu
comando e controle efetivo como resultado de sua incapacidade de exercer
controle corretamente sobre essas forças.
A partir de informações que abrangiam diversas cidades, a comissão con-
firmou muitas das suas conclusões anteriores. Neste caso, há evidências sufi-
cientes para sugerir que as forças de Gaddafi se dedicaram ao uso excessivo da
força contra manifestantes nos primeiros dias dos protestos, levando a mortes
e mortes significativas35.
Em continuidade, o inquérito da comissão estabeleceu que, além de tiro-
teios de manifestantes e grande número de assassinatos individuais durante o
conflito armado, a escala de execuções das forças de segurança de Gaddafi aumen-
tou à medida que sua derrota se aproximava. Ademais, a comissão preocupou-se
com o fato de que nenhuma investigação ou perseguição completa, imparcial e
independente parece ter sido instigada em quaisquer execuções e mortes36.
Em relação as detenções arbitrárias, a comissão concluiu que as forças de
Gaddafi detiveram pessoas que fossem contrárias ao seu governo. Além disso,
a comissão observou uma ampla variação no tratamento dos detidos pelo go-
verno. Sobre isso, algumas instalações, incluindo as não oficiais, pareciam es-
tar cumprindo alguns padrões internacionais, enquanto outras instalações de
detenção, mesmo aquelas sob controle do governo interino, pouco atendiam
às condições básicas37.
Neste ponto, de acordo com as informações recebidas em fevereiro de
2012, cerca de oito centros de detenção em toda a Líbia agora estão sob o
controle do governo interino. Assim, este governo parece estar avançando
para ampliar seu controle sobre os centros de detenção conhecidos, declaran-
do à comissão o compromisso de encerrar o mais rápido possível todos os
centros de detenção não oficiais e não reconhecidos e tomar medidas para
conter os maus tratos38.
Por outro lado, a comissão também confirmou que houve tortura e
outras formas de tratamento cruel, desumano ou degradante cometidas pelo
33
Ibid. p. 52.
34
VÄRK, René. Superior Responsibility. Estonian National Defence College Proceedings. Vol. 15. Es-
tonian, 2012. p. 143-161.
35
Ibid. p. 56.
36
SWITZERLAND. United Nations. Human Rights Council. Report no.: A/HRC/19/68. Report of the
International Commission of Inquiry on Libya. op.cit., p. 87.
37
Ibid., p. 101.
38
Ibid.
162 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
39
Ibid., p. 116.
40
Ibid., p. 104.
41
Ibid., p. 116.
42
Ibid., p. 117.
43
Ibid., p. 139.
44
Ibid., p. 143.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 163
os membros da sua unidade, incluindo o comandante, entraram em casas no
meio da noite usando uma artimanha e estupraram todas as meninas e mulhe-
res, com os familiares presentes45.
Ainda, houve 15 alegações de violência sexual dentro de centros de de-
tenção mantidos por forças de Gaddafi e duas cometidas pelo Thuwar. Neste
caso, acredita-se que a violência sexual ocorria durante os interrogatórios nos
escritórios de agências locais de segurança, bases militares, acampamentos não
oficiais e em outros locais que a vítima não conseguiu reconhecer46.
Ademais, a comissão encontrou-se com uma testemunha que disse ter desco-
berto um centro de detenção não oficial com homens, mulheres e crianças encon-
tradas detidas no porão. Neste porão, afirmaram haver uma sala com barras de
ferro, mangueiras de borracha, fios elétricos, cabos e sangue. Sobre isso, alegaram
que 6 mulheres e 16 a 18 meninos foram abusados sexualmente, e que, ainda, a
testemunha afirmou que 260 pessoas foram detidas neste centro de detenção47.
A partir dos crimes apresentados anteriormente, bem como, outros cons-
tantes do inquérito feito pela CIL, recolheu-se informações que ligam vítimas
à crimes cometidos diretamente ou por meio da responsabilidade do superior
hierárquico, ou seja, pessoas que sabiam ou deveriam ter conhecimento de
violações ou crimes de direitos humanos, e não conseguiram tomar medidas
para preveni-las, não investigaram ou não puniam os responsáveis48.
Neste sentido, atente-se que o atual processamento desempenhado pelo
Tribunal Penal Internacional em relação a Gaddafi, considera estes questiona-
mentos de responsabilidade do superior hierárquico a partir do que expressa
o artigo 28 do Estatuto de Roma. Assim, tal responsabilidade será discutida e
aferida ou não, de acordo com os critérios objetivos e subjetivos seguidos pelo
TPI em fase de julgamento.
Além disso, a comissão considera imperativo que sejam estabelecidos me-
canismos adequados para garantir a responsabilidade por violações de direitos
humanos e crimes a longo prazo de acordo com os padrões internacionais de
julgamento justo e impondo sentenças que cumpram as normas internacio-
nais. Neste contexto, a comissão congratula-se com declarações consistentes
das autoridades da Líbia sobre a sua intenção de estabelecer um sistema jurídi-
co que assegure a responsabilização por violações durante a era de Gaddafi e
durante os recentes acontecimentos49.
Em continuidade, entendeu-se que a legislação existente na Líbia não pre-
vê adequadamente o julgamento de crimes internacionais, incluindo crimes de
45
Ibid., p. 145.
46
Ibid., p. 146.
47
Ibid., p. 147.
48
Ibid. p. 195.
49
Ibid.
164 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
50
Ibid.
51
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-01/11-1. Decision Assigning the Situa-
tion in the Libyan Arab Jamahiriya to Pre-Trial Chamber I. The Hague, Netherlands, March 4, 2011.
52
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-01/11-01/11-1. Prosecutor’s Ap-
plication Pursuant to Article 58 as to Muammar Mohammed Abu Minyar Gaddafi, Saif Al-Islam
Gaddafi and Abdullah Al-Senussi. The Hague, Netherlands, June 27, 2011.
53
HAIA. Tribunal Penal Internacional. Decisão no.: ICC-01/11-14-Tpor. Mandado de detenção contra
Saif al-Islam Qadhafi. Haia, 26 de julho de 2011.
54
HAIA. Tribunal Penal Internacional. Decisão no.: ICC-01/11-01/11. Pedido de detenção e entrega
de Muammar Mohammed Abu Minyar Qadhafi, Saif al-Islam Qadhafi e Abdullah Al-Senussi,
dirigido ao conjunto dos Estados Partes do Estatuto de Roma. Haia, 4 de julho de 2011.
55
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-01/11-01/11-28. Decision to Ter-
minate the Case Against Muammar Mohammed Abu Minyar Gaddafi. The Hague, Netherlands,
November 22, 2011.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 165
da complementariedade. Em detalhe, o governo Líbio alegou que todo Estado
soberano, incluindo a Líbia, tem o dever de exercer a sua jurisdição criminal
sobre os responsáveis por crimes internacionais. Dessa forma, a Líbia solici-
tou a declaração de inadmissibilidade do caso, em razão de estar buscando o
cumprimento desse dever e enviando todos os esforços para tomar medidas a
nível nacional56.
Em 31 de maio de 2013, apesar de reconhecerem os esforços da Líbia para
restaurar o estado de direito, rejeitou-se os pedidos do governo Líbio. Sobre
esta decisão, os juízes da câmara de pré-julgamento analisaram pontos sobre
a admissibilidade, evidências, e a capacidade de investigação do atual governo
sobre este determinado caso.
Sobre esta decisão, a câmara apontou que a Líbia desafia a admissibilida-
de do caso com base no fato de seu sistema judicial nacional estar investigando
ativamente o Sr. Gaddafi por sua alegada responsabilidade penal em múltiplos
atos de assassinato e perseguição57.
Em 8 de janeiro de 2012, o Procurador-Geral Líbio iniciou uma investiga-
ção contra o Sr. Gaddafi por crimes graves (incluindo assassinatos e estupros)
alegadamente cometidos durante o período compreendido entre 15 de feverei-
ro e 28 de fevereiro de 2011. Neste sentido, a Líbia sustentou que foram utili-
zados recursos muito substanciais para entrevistar testemunhas, reunir provas
e descrever os novos passos de investigação que pretende levar no futuro. Além
disso, alegou-se que, nos termos do artigo 59 do Código de Processo Penal da
Líbia, durante a fase de inquérito dos processos, as investigações feitas seriam
confidenciais e os serviços de acusação da Líbia só poderiam divulgar relató-
rios resumidos58.
No entanto, a Líbia alegou que, apesar do atraso ocasionado pela ex-
tradição de Abdullah Al-Senussi da Mauritânia, a investigação em relação a
Gaddafi progrediu, confirmando que cerca de cinquenta testemunhas foram
entrevistadas no total. Ademais, o país enfatizou que sua investigação abrange
os mesmos fatos criminosos analisados pelo TPI, e está buscando lidar com os
inúmeros desafios que enfrenta como um país em transição59.
Em relação às provas, a Líbia argumentou que a imposição de um exame
legal ou padrão de prova muito oneroso e exigente seria incompatível com
56
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-01/11-01/11-130-Red. Applica-
tion on behalf of the Government of Libya pursuant to Article 19 of the ICC Statute. The Hague,
Netherlands, May 3, 2012.
57
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-01/11-01/11-344-Red. Deci-
sion on the admissibility of the case against Saif Al-Islam Gaddafi. The Hague, Netherlands,
May 31, 2013.
58
Ibid., p. 12.
59
Ibid., p. 15.
166 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
60
Ibid., p. 18.
61
Ibid., p. 22.
62
Ibid., p. 23.
63
Ibid.
64
Ibid.
65
Ibid., p. 25.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 167
Líbia alega que a sua investigação nacional deve abranger «substancialmente a
mesma conduta», mas não precisa “espelhar” o caso abordado no TPI peran-
te seu tribunal. Sobre isso, argumentou-se que a imposição de um padrão tão
oneroso não seria razoável porque os Estados normalmente não têm acesso ao
material investigativo da Procuradoria66.
Além disso, o representante da Líbia alegou que não pode ser compe-
lido a acusar internamente o Sr. Gaddafi das mesmas qualificações legais
que as aplicáveis no caso perante o TPI. Por outro lado, a Procuradoria do
TPI argumentou que, os atos e incidentes devem ser os mesmos do caso
perante este tribunal em relação ao processo nacional, salvo a caracteriza-
ção legal dos atos67.
Neste sentido, no caso Lubanga, a câmara de pré-julgamento decidiu pela
primeira vez que, para que um caso seja inadmissível perante o TPI, os proces-
sos nacionais devem “englobar a pessoa e o comportamento que é objeto do
caso nesta Corte”68.
Portanto, nas circunstâncias do caso em apreço e tendo em conta o pro-
pósito do princípio da complementaridade, a câmara considera que não seria
apropriado esperar que a investigação da Líbia cubra exatamente os mesmos
atos de assassinato e perseguição mencionados no artigo 58 do Estatuto. Em
vez disso, a câmara avaliará, com base nas provas fornecidas pela Líbia, se a
alegada investigação interna aborda o mesmo comportamento subjacente ao
mandado de detenção e à decisão do artigo 58 do Estatuto, a saber: a conduta
do Sr. Gaddafi ao usar seu controle sobre partes relevantes da Líbia se utili-
zando das forças de segurança para dissuadir e reprimir, por qualquer meio,
inclusive pelo uso da força letal, as manifestações de civis, que começaram em
fevereiro de 2011 contra o regime de Muammar Gaddafi69.
Em seguida, a câmara, avaliando os fatos e os elementos de prova apre-
sentados pela Líbia, com o objetivo de concluir se, no momento do processo,
há uma investigação ou processo em curso sobre o caso a nível nacional, en-
tende que a Líbia não conseguiu realmente levar a cabo a acusação de Gaddafi
e considerou que as provas apresentadas não eram suficientes para considerar
que as investigações nacionais analisem o mesmo caso em curso no TPI70.
66
Ibid., p. 26.
67
Ibid.
68
NETHERLANDS. International Criminal Court. Prosecutor v. Thomas Lubanga Dyilo. Decision
no.: ICC-01/04-01/06-8-Corr. Decision conceming Pre-Trial Chamber I’s Decision of 10 Febru-
ary 2006 and the Incorporation of Documents into the Record of the Case against Mr Thomas
Lubanga Dyilo. The Hague, Netherlands, February 24, 2006. para. 31.
69
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision no.: ICC-01/11-01/11-344-Red. Decision
on the admissibility of the case against Saif Al-Islam Gaddafi. op.cit., p. 34.
70
Ibid., p. 36.
168 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
71
Ibid., p. 44.
72
Ibid., p. 45.
73
Ibid.
74
Ibid., p. 57.
75
Ibid.
76
Ibid., p. 58.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 169
extremamente difíceis para melhorar as condições de segurança, reconstruir
instituições e restaurar o Estado de Direito77.
Apesar disso, a Líbia continua enfrentando dificuldades substanciais no
exercício de seus poderes judiciais em todo o território. Por isso, devido a estas
dificuldades, a câmara considera que o seu sistema nacional ainda não pode ser
aplicado integralmente em áreas ou aspectos relevantes para o caso. Em con-
sequência, a Líbia é “incapaz de obter o acusado” e o testemunho necessário e
também “não é possível realizar os” processos no caso contra o Sr. Gaddafi em
conformidade com as suas leis nacionais, de acordo com a mesma disposição78.
Ainda, complemente-se que a câmara não recebeu provas suficientes com
um grau próprio de especificidade e valor probatório para demonstrar que
as investigações da Líbia e do TPI cobrem a mesma conduta e que a Líbia
pode efetivamente realizar uma investigação contra Sr. Gaddafi. A câmara
considerou que o presente caso é admissível perante esta Corte Internacional
e lembrou a obrigação da Líbia de entregar o suspeito79.
Assim, em 21 de maio de 2014, a câmara de recurso do TPI confirmou a
decisão da câmara de pré-julgamento, declarando admissível o caso contra Saif
Al-Islam Gaddafi80.
Em 10 de dezembro de 2014, a câmara emitiu uma declaração de não
cumprimento pelo Governo da Líbia no que diz respeito à não execução dos
pedidos de cooperação transmitidos pelo TPI em relação a entrega de Gaddafi
e a apresentação dos documentos originais do acusado, apreendidos pelas au-
toridades da Líbia em junho de 201281.
Diante das informações expostas anteriormente, sabe-se que, atualmente,
o processo contra Gaddafi está na fase de pré-julgamento, aguardando a con-
firmação das acusações, e que, posteriormente, será decidido pelos juízes, se
existem evidencias suficientes para o início da fase de julgamento82.
CONCLUSÃO
77
Ibid., p. 84.
78
Ibid.
79
Ibid., p. 90.
80
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision.: ICC-01/11-01/11-547-Red. Judgment on the
appeal of Libya against the decision of Pre-Trial Chamber I of 31 May 2013 entitled Decision on the
admissibility of the case against Saif Al-Islam Gaddafi. The Hague, Netherlands, May 21, 2014.
81
NETHERLANDS. International Criminal Court. Decision.: ICC-01/11-01/11-577. Decision on the
non-compliance by Libya with requests for cooperation by the Court and referring the matter to
the United Nations Security Council. The Hague, Netherlands, December 11, 2014.
82
NETHERLANDS. International Criminal Court. Understanding the International Criminal Court.
op.cit., p. 25.
170 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
REFERÊNCIAS
ELJAHMI, Mohamed. Libya and The US: Qadhafi Unrepetant. Review: Middle East Quaterly. Winter, 2006.
NETHERLANDS. International Criminal Court. The Prosecutor v. Saif Al-Islam Gaddafi. Case Information
Sheet. The Hague, Netherlands. June 13, 2016.
_________. Understanding the International Criminal Court. The Hague, Netherlands. 2015.
_________. Decision.: ICC-01/11-01/11-577. Decision on the non-compliance by Libya with requests for
cooperation by the Court and referring the matter to the United Nations Security Council. The Hague,
Netherlands, December 11, 2014.
_________. Decision.: ICC-01/11-01/11-547-Red. Judgment on the appeal of Libya against the decision of
Pre-Trial Chamber I of 31 May 2013 entitled Decision on the admissibility of the case against SaifAl-Islam
Gaddafi. The Hague, Netherlands, May 21, 2014.
_________. Decision no.: ICC-01/11-01/11-344-Red. Decision on the admissibility of the case against Saif
Al-Islam Gaddafi. The Hague, Netherlands, May 31, 2013.
_________. Decision no.: ICC-01/11-01/11-130-Red. Application on behalf of the Government of Libya
pursuant to Article 19 of the ICC Statute. The Hague, Netherlands, May 3, 2012.
_________. Decision no.: ICC-01/11-01/11-28. Decision to Terminate the Case Against Muammar Moham-
med Abu Minyar Gaddafi. The Hague, Netherlands, November 22, 2011.
_________. Decision no.: ICC-01/11-01/11-1. Prosecutor’s Application Pursuant to Article 58 as to Muam-
mar Mohammed Abu Minyar Gaddafi, Saif Al‐Islam Gaddafi and Abdullah Al‐Senussi. The Hague,
Netherlands, June 27, 2011.
_________. Decision no.: ICC-01/11-1. Decision Assigning the Situation in the Libyan Arab Jamahiriya to
Pre-Trial Chamber I. The Hague, Netherlands, March 4, 2011.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 171
_________. Prosecutor v. Thomas Lubanga Dyilo. Decision no.: ICC-01/04-01/06-8-Corr. Decision conce-
ming Pre-Trial Chamber I’s Decision of 10 February 2006 and the Incorporation of Documents into the
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SCHABAS, William A. An Introduction to the International Criminal Court. Third Edition. Cambridge
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SHAW, Malcolm N. International Law. Sixth edition. Cambridge University. New York. 2008.
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-Islam Qadhafi. Haia, 26 de julho de 2011.
_________. Decisão no.: ICC-01/11-01/11. Pedido de detenção e entrega de Muammar Mohammed Abu
Minyar Qadhafi, Saif al-Islam Qadhafi e Abdullah Al-Senussi, dirigido ao conjunto dos Estados Partes do
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SWITZERLAND. United Nations. Human Rights Council. Report of the International Commission of In-
quiry on Libya. Geneva, Switzerland. 2012.
VÄRK, René. Superior Responsibility. Estonian National Defence College Proceedings. Vol. 15. Estonian,
2012. p. 143-161.
Capítulo 11
O Acordo de Paz na Colômbia à Luz do
Tribunal Penal Internacional
Matheus Quezado de Sousa
Diego Jeferson Fernandes Marques
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objeto de análise o recente acordo de paz que
está sendo proposto e aplicado pelo governo do Estado da Colômbia e as forças
guerrilheiras em seu território, mais especificamente, as Forças Armadas Revolu-
cionarias da Colômbia (as FARC), mas também outros grupos armados, cujo a
violência desencadeada pela guerra entre a busca pelo poder, idealismo, influência
por territórios, tráfico de armas e drogas levaram à maior guerra civil da história.
Autoridades colombianas violaram diversas leis de direito internacional
na prática de suas ações para o combate dos grupos guerrilheiros e estes come-
teram diversos crimes contra a humanidade no manuseio de suas atribuições
para conseguir seus objetivos.
Importante destacar que o teor deste trabalho não é proteger ou deixar
de citar qualquer lado do conflito, e sim demonstrar na base do direito penal
internacional os respectivos crimes cometidos por ambos os lados, de compe-
tência do direito internacional, mais especificamente do Tribunal Penal Inter-
nacional, ressalvados os crimes de âmbito interno da qual seja competência da
justiça colombiana julgar.
1
COSOY, Natalio. Como a guerra entre o governo da Colômbia e as Farc começou e por que ela durou
mais de 50 anos. BBC Brasil, 2016, disponível em < http://www.bbc.com/portuguese/brasil-37181620>,
Acesso em 07 de outubro de 2017.
2
Report on Preliminary Examination Activities 2015: Disponível em <https://www.icccpi.int//Pages/
item.aspx?name=otp-rep-pe-activities-2015>. Acesso em 07 de outubro de 2017.
174 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
3
Cruz Vermelha, Comitê Internacional. Colômbia: o impacto do conflito e da violência armada sobre as
mulheres e a infância. 2015. Disponível em < https://www.icrc.org/pt/document/colombia-o-impacto-
do-conflito-e-da-violencia-armada-sobre-mulheres-e-infancia>. Acesso em 07 de outubro de 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 175
precisos, estima-se que durante a primeira década do século 21 cerca de 500
mil moradores de regiões com a presença de atores armados foram vítimas de
violência sexual na Colômbia4.
As violações do deslocamento de diversas vítimas de suas casas, também tem
sido relatadas. Colombianos deslocados internamente são mortos e enfrentam
ameaças de morte por tentarem recuperar suas terras, afirmou a ONG Human
Rights Watch. Em um relatório, a ONG narra que os abusos sofridos por famílias
deslocadas por tentarem retornar para casa, quase sempre ficam impunes, assim
como os crimes originais que resultaram na sua expulsão e tomada de suas terras5.
Desde 1985, abusos e violência associados ao conflito armado interno da
Colômbia retiraram mais de 4,8 milhões de colombianos de suas casas, geran-
do a maior população mundial de pessoas deslocadas internamente, até então.
Estima-se que os colombianos deslocados tenham deixado para trás 6 milhões
de hectares de terras, muitas das quais foram tomadas e ainda estão na posse
de grupos armados, seus aliados e outros.
2.3. Os militares
4
Brasil, Nações Unidas. Agência da ONU apoia vítimas de violência sexual no conflito colombiano.
2016. Disponível em < https://nacoesunidas.org/agencia-da-onu-apoia-vitimas-de-violencia-sexual-no-
conflito-colombiano/>. Acesso em 07 de outubro de 2017.
5
Watch, Human Rights. Colômbia: Vítimas do conflito enfrentam represálias por tentarem voltar para casa.2013.
Disponível em< https://www.hrw.org/pt/news/2013/09/17/251147> Acesso em 07 de outubro de 2017.
6
SILVIA, Vanessa Martina. Relatório mostra envolvimento da alta cúpula do Exército colombiano
em assassinatos de civis. 2015.Disponível em < http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/40822/
relatorio+mostra+envolvimento+da+alta+cupula+do+exercito+colombiano+em+assassinatos+de+ci-
vis.shtml>. Acesso em 07 de outubro de 2017.
7
Judicial, Redaccíon. Fiscal debe avanzar contra general (r) Mario Montoya: Human Rights Watch.
2016. Disponível em < https://www.elespectador.com/noticias/judicial/nuevos-testimonios-contra-el-
general-r-mario-montoya-articulo-671281>. Acesso em 07 de outubro de 2017.
176 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
13
Idem.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 179
Apesar desses compromissos, o cessar ainda foi violado com alguma fre-
quência por parte de ambos os lados após essas conversações, mas as lideranças
permaneceram com o acordo. Em 2016 foi feito um plebiscito sobre o tratado
no qual o povo colombiano se manifestou pela não aprovação deste, devido a
certos pontos de discordância por parte de lideranças da sociedade colombiana.
O principal argumento dos críticos ao acordo era a ausência de punição
aos culpados de crimes, pois tanto os integrantes das forças oficiais quanto
os da FARC acabariam anistiados caso o acordo de paz fosse confirmado nas
urnas, exceto para crimes como torturas, chacinas e estupros14.
Apesar da vitória do NÃO, as autoridades do governo tais como o pró-
prio presidente Juan Manuel Santos e o principal líder das FARC, Rodrigo
Londoño se posicionaram para o reinício das conversações e assim tentar
chegar a um acordo que satisfizesse a todas as partes. Em 2016 o próprio pre-
sidente Juan Manuel Santos foi agraciado com o prêmio Nobel da Paz pelos
esforços de seu governo para pôr fim ao conflito.
Em primeiro de dezembro de 201615, o Governo da Colômbia e as FARC
assinam o acordo de Paz pondo fim a até então 52 anos de hostilidades. Os
rebeldes das Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia recebem 150 dias
para entregar todas as suas armas a ONU. Após o fracasso do primeiro acordo
as negociações levaram a uma nova proposta que resultou numa segunda ver-
são, menos tolerante com os rebeldes – como pediam os que votaram contra
na consulta popular.
Fora mantido a promessa feita aos guerrilheiros, de que poderiam for-
mar um partido político, disputar eleições e ocupar cargos públicos. A opo-
sição, liderada pelo ex-presidente e atual senador Álvaro Uribe, queria que o
documento fosse submetido a um novo plebiscito. Santos decidiu submetê-
-lo à aprovação do Congresso, onde o governo possui maioria e conseguiu
ratificar o acordo.
Além do desarmamento das FARC, o acordo prevê a erradicação dos
cultivos de drogas ilegais (que financiavam as atividades guerrilheiras, depois
da queda do comunismo no Leste Europeu) e programas sociais para integrar
mais de 6 mil rebeldes à sociedade civil. Opositores ao acordo argumentavam
que a Colômbia iria gastar uma fortuna em um momento de desaquecimento
da economia. O tema fará parte dos debates nas eleições presidenciais colom-
bianas previstas para 2018.
14
BRASIL, BBC: Em votação apertada, colombianos rejeitam acordo de paz com as Farc. 2016.
Disponível em < http://www.bbc.com/portuguese/internacional-37532788>. Acesso em 07 de outu-
bro de 2017.
15
YANAKIEW, Monica: Acordo de paz entre governo colombiano e as Farc entra em vigor hoje.
2016. Disponível em < http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2016-12/acordo-de-paz-en-
tre-governo-colombiano-e-farc-entra-em-vigor-hoje>. Acesso em 07 de outubro de 2017.
180 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
3.1. Histórico
16
GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Ed. Renovar,
2005. Pág. 641.
182 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
3.3. Competência
• O genocídio;
• Os crimes contra a humanidade;
• Os crimes de guerra;
• Os crimes de agressão, cujo tipo penal só foi acordado em 2010, na
Conferência de Kampala, Uganda.
17
DERECHO INTERNACIONAL: LOS DD.HH Y LA JUSTICIA TRANSICIONAL FRENTE AL
ACTUAL PROCESO DE PAZ EN COLOMBIA. 2013. Disponível em < http://www.iccnow.org/?mo-
d=country&iduct=37&lang=es> Acesso em 07 de outubro de 2017.
18
CANEDO, Eloisa: Os Direitos Humanos e o Tribunal Penal Internacional. 2017. Disponível em
< http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/tpi-estatutoro-roma.
html> .Acesso em 07 de outubro de 2017.
19
MANETTO, Francesco: Colômbia já anistiou mais de 7.000 membros das FARC. 2017. Disponível
em < https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/10/internacional/1499710434_528714.html> acesso em
11 de outubro de 2017.
184 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
CONCLUSÃO
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-farc-entra-em-vigor-hoje> acesso em 07 de outubro de 2017..
Capítulo 12
O TPI e os Tribunais Penais Internacionais
Ad Hoc: Uma Análise das Evoluções
e das Deficiências
INTRODUÇÃO
1
GILBERT, Martin. A Segunda Guerra Mundial: os 2.174 dias que mudaram o mundo. Tradução de
Ana Luísa Faria, Miguel Serras Pereira. 1. ed. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014.
2
Apesar da sede permanente do TMI ser em Berlim, na forma do artigo 22 do seu Estatuto, este mesmo
artigo prevê que o primeiro julgamento aconteceria em Nuremberg, razão pela qual o TMI ficou conhe-
cido como Tribunal de Nuremberg e seus julgamentos como Julgamentos de Nuremberg.
3
UN. Charter of the International Military Tribunal, 1945. Disponível em: <http://www.un.org/en/genocide-
prevention/documents/atrocity-crimes/Doc.2_Charter%20of%20IMT%201945.pdf>. Acesso em: 21 out. 2017.
4
Não desconhecemos a concepção de um tribunal para julgar Peter Von Hagenbach, 1474, na Alemanha,
por haver consentido com saques, estupros e mortes de civis, executados por seus soldados, nem a
188 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
proposta de Gustav Moynier, de um tribunal internacional contra os crimes de guerra, para julgar vio-
lações das convenções de Viena de 1864, tampouco as pretensões do Tratado de Versalhes de julgar o
ex-Kaiser Guilherme II e do Tratado de Sévres de julgar o governo otomano pelo massacre de armênios
(todos citados por REIS JÚNIOR, Sebastião. Algumas notas sobre o Estatuto de Roma e o Tribunal
Penal Internacional. In: STJ – Doutrina: edição comemorativa 25 anos, abr. 2014). No entanto, no nosso
entender, em nenhum desses casos houve a efetiva criação de um tribunal, de caráter internacional, para
julgar indivíduos.
5
GILBERT, Martin. A Segunda Guerra Mundial: os 2.174 dias que mudaram o mundo. Tradução de
Ana Luísa Faria, Miguel Serras Pereira. 1. ed. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014.
6
UN. Charter of the International Military Tribunal for the Far East, 1946. Disponível em: <http://
www.un.org/en/genocideprevention/documents/atrocity-crimes/Doc.3_1946%20Tokyo%20Charter.
pdf>. Acesso em: 21 out. 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 189
é criado um tribunal internacional para processar as pessoas responsáveis pelo
genocídio e por outras violações do DIH ocorridas em Ruanda e em territó-
rios de Estados vizinhos.
Por fim, sem relação com um conflito específico, em 17 de julho de 1998,
é aprovado em conferência diplomática o Estatuto de Roma, que cria um
tribunal permanente, o Tribunal Penal Internacional (TPI), com competência
para julgar crimes cometidos após a entrada em vigor do Estatuto, que ocorreu
em 1º de julho de 2002.
Toda essa introdução histórica, contextualizando a criação de cada tri-
bunal penal internacional, foi feita para que possamos melhor compreender
nossos problemas de pesquisa. Indagamos: quais características dos tribunais
anteriores ao TPI não estão de acordo com os princípios do processo penal ga-
rantista? Como e em que medida a criação do TPI contemplou tais princípios,
superando as eventuais deficiências dos tribunais anteriores? Que deficiências
do TPI ainda precisam ser superadas para prestigiar o processo penal garantis-
ta. Entenderemos por processo penal garantista aquele praticado por um tri-
bunal justo (independente e imparcial), que respeita os direitos fundamentais
do acusado, consagrados em tratados e convenções internacionais.
Para tentar solucionar os problemas trazidos usaremos o método tipoló-
gico. Inicialmente, buscaremos fazer uma descrição do tipo ideal de tribunal e
de processo penal, que denominaremos no trabalho de tribunal justo e processo
penal garantista, através de pesquisa documental em declarações e convenções
internacionais sobre direitos humanos. Após, levantaremos os princípios aplicá-
veis e as características dos tribunais penais internacionais anteriores ao TPI, em
duas fases – uma acerca dos tribunais criados para julgar crimes cometidos pelo
Eixo na Segunda Guerra Mundial e outra acerca dos tribunais criados pelo CSO-
NU. Será realizada, então, a comparação entre os princípios e as características
dos tribunais penais internacionais anteriores ao TPI e os princípios do processo
penal garantista, para determinar quais seriam as deficiências destas Cortes, de
acordo com as diferenças encontradas. Seguindo esses passos metodológicos,
serão levantados os princípios aplicáveis ao processo no TPI e suas característi-
cas evidenciadas pelo Estatuto de Roma. Logo em seguida, será realizada nova
comparação, desta feita entre as deficiências deduzidas no primeiro passo e o
resultado encontrado em relação ao TPI, para, enfim, definir como e em que me-
dida o TPI conseguiu superá-las e quais problemas ainda persistem para alcançar
o tipo ideal de tribunal e de processo penal.
1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumi-
do inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com
a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as
garantias necessárias à sua defesa.
2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no mo-
mento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional.
Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento
da prática, era aplicável ao ato delituoso.
7
No caso concreto, a função de presidência do TMIEO foi delegada para o austrialiano Sir William Webb,
no entanto, conforme relatos históricos, a influência política de Douglas MacArthur se fez presente no
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 193
parciais, pois destinados a julgar apenas pessoas que estiveram no combate
ao lado das Forças do Eixo, deixando impunes as pessoas que cometeram os
mesmos atos criminosos enquanto lutavam a favor das Forças Aliadas. Por
fim, destacamos que foram tribunais de exceção, estabelecido após os fatos e
especificamente para o julgamento de determinados fatos.
Ainda assim, eram garantidos aos acusados, ao menos em tese, os direitos
de conhecer da acusação, de compreender o julgamento mediante tradução
para idioma de sua compreensão, de se defender com a ajuda de advogado
e de produzir provas em sua defesa. No entanto, não havia possibilidade de
recurso e era nítida a diferenciação pela origem nacional, considerando que
esses tribunais julgavam apenas os criminosos de guerra pertencentes ao Eixo.
Tribunal, notadamente quanto ao julgamento do Imperador Hirohito, que seria usado para legitimar as
mudanças efetivadas pela ocupação das Forças Aliadas. Cf. BIX, Herbert P. Hirohito and the Making
of Modern Japan. Haper Collins, 2000.
194 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
O Tribunal Penal Internacional para Ruanda (TPIR) foi criado pela Re-
solução CSONU nº 955, de 8 de novembro de 1994 para julgar genocídios e
outras práticas que violam o DIH, cometidas em Ruanda ou por ruandenses
nos territórios vizinhos, e ocorridas durante o ano de 1994. Também foram
foi utilizada a jurisdição concorrente, com vedação ao bis in idem. A compo-
sição do tribunal e a eleição dos juízes se deu de forma semelhante, a exceção
do Procurador e dos juízes da Câmara de Recursos, que foram aproveitados do
TPII. Os direitos dos acusados são exatamente os que foram acima transcritos.
Fazendo agora comparação destes tribunais ad hoc com os tribunais mi-
litares, percebemos que ganharam maior independência, apesar dos juízes se-
rem indicados pelo CSONU, que é ainda formado por cinco potências das
Forças Aliadas na Segunda Guerra Mundial. No entanto, nesse novo contexto,
a priori, os acusados não são inimigos, em um sentido estrito, dos países com-
ponentes do CSONU. Podemos afirmar também que esses tribunais ganha-
ram imparcialidade, ao menos em tese, pois julgam pessoas em determinado
contexto de conflito, independentemente do lado que apoiam. Uma ressalva
se deve fazer, no entanto, quanto à previsão do TPIR de julgar, nos territó-
rios vizinhos, apenas cidadãos de Ruanda, em uma demonstração de diferen-
ciação conforme origem nacional. Por fim, destacamos que também houve
temperamento quanto ao fato de serem tribunais de exceção, pois, apesar da
competência para julgar fatos pretéritos e de terem sido constituídos para um
contexto específico, já possuem competência de julgar fatos após sua consti-
tuição. Quanto às garantias aos acusados, surge a possibilidade de recurso, em
respeito ao duplo grau de jurisdição
Apesar desses avanços, é possível notar uma série de deficiências em rela-
ção ao processo penal garantista, tomado como tipo ideal, que será tratada em
uma visão comparativa com o TPI.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 195
4. O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
O TPI é competente para julgar quatro tipos penais, sendo eles crimes de
genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão.
Em seu artigo 6°, o Estatuto de Roma define o tipo penal do crime
de genocídio como atos que tenham a intenção de destruir, no todo ou em
parte, um grupo nacional, racial, étnico ou religioso, das seguintes formas:
prática de homicídio a membros do grupo, ofensas graves à integridade fí-
sica e psicológica do grupo, sujeitar o grupo à condições de vida que visem
8
CARDOSO, Elio. Tribunal Penal Internacional: Conceitos, Realidades e Implicações para o Brasil.
1. Ed. Brasília: FUNAG, 2012, p. 26
9
CRETELLA NETO, José. Curso de direito internacional penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.187
10
TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Os Tribunais Internacionais Contemporâneos. 1. Ed. Bra-
sília: FUNAG, 2013, p. 32
11
CRETELLA NETO, José. Curso de direito internacional penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.189
12
Ibidem, p. 187
13
ICC. About the ICC. 2017. Disponivel em:<https://www.icc-cpi.int/> Acesso em: 27 out. 2017
196 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
15
ICC. Judicial Divisions: Who’s Who. 2017. Disponivel em:< https://www.icc-cpi.int/about/judicial-
divisions/biographies/Pages/default.aspx> Acesso em: 28 out. 2017
200 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
Assim como no TPI, os juízes dos Tribunais Penais ad hoc deviam ser de países
diferentes, buscando distribuição igualitária entre homens e mulheres16. Não
havia, contudo, uma previsão de distribuição geográfica igualitária, ou limi-
tação do tempo de mandato, algo que foi acrescentado ao Estatuto de Roma.
Ademais, o Estatuto do Tribunal Penal para Ex-Iugoslávia previa divisão
em Seção de Julgamento e Seção de Recurso. Inexistia uma fase instrutória,
como há no TPI, e a fase recursal era mais limitada, havendo apenas a previsão
de recurso em caso de erro de direito que invalide a decisão ou erro de fato que
gere injustiça no julgamento. Sobre as penas, os Tribunais Penais ad hoc não
possuíam previsão de penas de morte, como existia nos Tribunais de Berlim e
Tóquio, mas não existia um limite de tempo para as penas de prisão.
O maior problema é a crítica sobre o fato dos tribunais ad hoc serem post
facto, ou seja, são tribunais criados após a ocorrência dos fatos. Isso gerou um
debate acerca da legitimidade dos julgamentos, uma vez que os crimes sobre o
qual os indivíduos foram acusados não existiam na época que os fatos ocorre-
ram17. A reflexão acerca desse problema foi um dos fatores que mais motiva-
ram o surgimento do TPI. É possível observar que a instituição de uma Corte
penal permanente soluciona o problema dos tribunais ad hoc no sentido se ha-
ver prévia delimitação dos crimes, das penas e de toda a estrutura do tribunal.
Outro problema que também envolve a questão da legitimidade é o fato
dos Tribunais Penais ad hoc para Ex-Iugoslávia e Ruanda terem sido criados
pelo Conselho de Segurança. Essa questão trouxe muitas preocupações para a
comunidade internacional, como menciona Elio Cardoso18:
Se os temores de que o Conselho pudesse exercer influência sobre os
tribunais acabaram se desvanecendo, causavam desconforto a muitos países
as características básicas das instituições: o caráter ad hoc dos tribunais estava
associado à sua condição de órgãos criados pelo CSNU. Essas preocupações
decorriam, naturalmente, do poder de veto dos membros permanentes, pois a
criação de tribunais “sob medida” pelo CSNU excluía, desde logo, a possibili-
dade de que tais órgãos viessem a atuar sobre situações relativas aos membros
permanentes ou a seus aliados.
Para solucionar essa questão, o TPI foi elaborado nos moldes citados
no Capítulo anterior, de forma que pudesse ser votado por todos os países-
-membros da ONU, além de que todos esses países tiveram a oportunidade
16
ICTY. Updated Statute for the International Criminal Tribunal for the Former Yugoslavia. 2009.
Disponível em: < http://www.icty.org/x/file/Legal%20Library/Statute/statute_sept09_en.pdf> Acesso
em: 29 out. 2017.
17
CARDOSO, Elio. Tribunal Penal Internacional: Conceitos, Realidades e Implicações para o Brasil.
1. Ed. Brasília: FUNAG, 2012, p. 32.
18
CARDOSO, Elio. Tribunal Penal Internacional: Conceitos, Realidades e Implicações para o Brasil.
1. Ed. Brasília: FUNAG, 2012, p. 32
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 201
de expressar suas opiniões acerca de sua criação, além de haver a opção por
ratificar o Estatuto de Roma, aceitando a jurisdição do TPI, ou não fazê-lo,
opção essa que não existiu para os países da Iugoslávia e Ruanda, que foram
obrigados a aceitar a jurisdição dos Tribunais Penais ad hoc em seus países.
Assim, pode-se observar que o TPI solucionou os maiores problemas que
existiam nos tribunais ad hoc, e aperfeiçoou alguns dispositivos elaborados por
esses tribunais, de forma a deixá-los mais claros e mais específicos. Entretanto,
o TPI não é isento de críticas, e seu funcionamento deu ensejo a diversos ques-
tionamentos relativos a sua eficácia e sua legitimidade.
19
ICC. Rome Statute of the International Criminal Court. 1998. Disponível em: <https://www.icc-
cpi.int/NR/rdonlyres/ADD16852-AEE9-4757-ABE7-9CDC7CF02886/283503/RomeStatutEng1.pdf>
Acesso em: 27 out. 2017
20
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<https://www.icc-cpi.int/iccdocs/PIDS/publications/AlBashirEng.pdf> Acesso em: 26 out. 2017.
21
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202 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
22
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23
RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 5. Ed. São Paulo: Sa-
raiva, 2016, p. 306.
24
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https://www.icc-cpi.int/libya/gaddafi/Documents/GaddafiEng.pdf> Acesso em: 29 out. 2017.
25
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tails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=XVIII-10-b&chapter=18&lang=en> Acesso em: 29 out. 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 203
do Estatuto de Roma, ocorrido durante uma operação estabelecida ou au-
torizada pelas Nações Unidas, fica vedada, por um período de doze meses,
a começar do dia 1 de julho de 2002, a possibilidade de iniciar ou proceder
uma investigação ou persecução de qualquer tipo, a menos que o Conselho de
Segurança decida o contrário26. Vale destacar que essa Resolução foi proposta
pelos Estados Unidos, um dos opositores ao TPI e membro permanente do
Conselho de Segurança.
Por mais que o TPI tenha obtido um aparente sucesso na tentativa de
corrigir os erros e aperfeiçoar os procedimentos dos Tribunais Penais ad hoc
para Ex-Iugoslávia e Ruanda, ele possui suas próprias falhas estruturais, que
comprometem seu funcionamento e levantam questionamentos acerca da legi-
timidade e eficácia do Tribunal.
CONCLUSÃO
26
UNSC. Resolution 1422. 2002. Disponivel em: < http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?sym-
bol=S/RES/1422(2002)> Acesso em: 29 out. 2017.
204 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
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___. Charter of the International Military Tribunal for the Far East, 1946.
___. United Nations Treaty Collection. 2017.
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Capítulo 13
A Proteção Internacional da Criança-Soldado:
Direito Internacional Fragmentado?
Cintia Campos da Silva
Cássia Fernanda Cardoso Campos
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Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 207
A Convenção sobre os Direitos das Crianças, criada em 1989 pelas Nações
Unidas, que constitui a base da proteção internacional dos direitos humanos
das crianças, considera que criança é “todo ser humano com menos de dezoito
anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a
maioridade seja alcançada antes” (art.1°) e determina em seu artigo 38 que os
Estados Parte deveriam adotar todas as medidas possíveis para que os menores
de quinze anos de idade não participem diretamente de hostilidades.
Os Princípios de Cabo Verde (1997) definem criança-soldado como qual-
quer pessoa que seja menor de dezoito anos e que esteja envolvida em qualquer
grupo armado, desempenhando uma função, incluindo, mas não limitada a:
carregadores, mensageiros, cozinheiros, acompanhantes de grupo, familiares,
funções sexuais. Entendendo assim que uma criança-soldado não necessaria-
mente precisa carregar uma arma ou estar em uma frente de batalha.
Em 2000, a Assembleia Geral das Nações Unidas, frente ao número cada
vez maior de crianças-soldado, adotou um Protocolo Facultativo para a Con-
venção sobre os Direitos das Crianças, com mais de 120 países signatários,
que prevê que os Estados Parte “elevarão a idade mínima para o recrutamento
voluntário de pessoas em suas forças armadas nacionais acima daquela fixada
no Artigo 38, parágrafo 3, da convenção sobre os Direitos das Crianças” e
condena o recrutamento, formação e utilização de crianças em hostilidades
por grupos armados distintos das forças armadas de um Estado.5
Mesmo com todas as iniciativas e o processo de fortalecimento dos
instrumentos de direitos humanos e do direito internacional humanitá-
rio, pós Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria, estima-se que, segundo o
Child Soldiers global Report (2001), existam 300 mil crianças em situação de
combate no mundo. Esses números são difíceis de conter porque muitos
grupos e pessoas encontram diversos benefícios na exploração de crianças
como soldados, seja pela conveniência ou pelo baixo custo, uma vez que a
manutenção e sobrevivência de crianças em região de conflito custe menos
do que a de adultos.6
É preciso frisar que, além da vulnerabilidade física das crianças em con-
flitos armados, há a exposição destas à exploração e violência sexual, principal-
mente as meninas, sendo abusadas sexualmente e possuindo um grande risco
de contrair doenças sexualmente transmissíveis, como HIV e AIDS. As me-
ninas que sofrem violência sexual se sujeitam ao risco de contrair gravidezes
indesejadas, que são naturalmente prejudiciais a corpos ainda tão imaturos, e
5
UNICEF, Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimen-
to de crianças em conflitos armados, 2000.
6
WESSELLS, Michael. Child Soldiers: From Violence to Protection. Cambridge, MA: Harvard: Uni-
versity Press, 2006.
208 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
que podem ser ainda mais prejudiciais àquelas que são desnutridas e que vivem
em condições insalubres.7
O relatório de 2004 da ONG internacional Coalition to Stop the Use of
Child Soldiers afirma que crianças podem ser encontradas lutando em quase
todos os conflitos de grande porte, seja em forças de governo ou nas forças
de oposição. Dentre esta grande diversidade de grupos armados, alguns con-
tam com orientações políticas, como grupos paramilitares apoiados pelos
governos e milícias; grupos de oposição ao governo e grupos compostos por
minorias étnicas, religiosas, dentre outras, e facções ou clãs que lutam contra
o governo ou entre com o fim de defender territórios ou recursos também
se encontram nesse meio. 8
Ademais, as tarefas designadas a estas em conflitos armados são geral-
mente as que as expõem aos maiores riscos porque são atividades relacionadas
à espionagem, busca por minas terrestres e a posição de linha de frente no
combate. As crianças são fisicamente suscetíveis a ferimentos e à exposição de
riscos não calculados, o que as leva a terem uma taxa de mortalidade mais alta
se comparada aos adultos nas mesmas situações de conflitos.9
Mesmo sujeitas à situações de risco e à explorações, muitas crianças que
crescem em no contexto de guerras civis encontram na violência um instru-
mento de mudança social, abrindo espaço para o aliciamento e para a inserção
voluntária aos grupos armados. Nestes grupos, as crianças se sentem respei-
tadas e pertencentes a uma família, obtém privilégios que não tinham antes,
como proteção, comida e assistência médica. 10
O período que a criança se dedica ao serviço em combate é crucial para a
formação do seu ser social e de seus valores, que são distorcidos pela falta de
estudos e pelo testemunho ou participação em repetitivas ações violentas. Elas
obtêm um referencial em seus líderes e se transformam em agentes geradores
de violência, ao invés de paz.11
Em contrapartida à noção de que as crianças são atraídas voluntariamen-
te ao combate, a moçambicana Graça Machel em seu Relatório Machel (1996),
publicado no âmbito da ONU, trouxe a noção de que as escolhas de uma
criança não são voluntárias, mesmo que seja possível assim considerá-las, as
7
Ibid.
8
COALITION to stop the use of child soldier, Child Soldier 2004 Global Report. Disponível em:
<http://www.child-soldiers.org/home>. Acesso em: 10 out. 2017.
9
LOREY, Mark. Child Soldiers: Care & Protection of Children in Emergencies, A Field Guide, Save
the Children Foundation. 2001. Disponível em:< http://resourcecentre.savethechildren.se/>. Acesso
em: 08 dez. 2017.
10
WESSELLS, op. cit.
11
WESSELLS, Michael. Child Soldiers: From Violence to Protection. Cambridge, MA: Harvard: Uni-
versity Press, 2006.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 209
crianças podem ser impelidas por “qualquer uma das várias forças de pressão,
designadamente culturais, sociais, econômicas e políticas”. Mostrando que as
decisões das crianças, mesmo que aparentemente voluntárias, não devem ser
consideradas como livres.
As crianças precisam de proteção e de métodos eficazes para a diminui-
ção do recrutamento infantil em conflitos. Houveram poucos avanços no que
diz respeito aos programas que lidam diretamente com as crianças-soldado,
muito por causa da falta de respostas coordenadas entre os diferentes atores
envolvidos, como o Estado, organizações não governamentais, organizações
intergovernamentais e sociedade civil, além de haver a necessidade de reco-
nhecimento do problema dentro das agências que lidam com a prevenção de
conflitos e a reconstrução das sociedades pós-conflito.12 São muitos os aspectos
que são consideráveis para que as práticas convirjam em uma modificação
eficaz do panorama atual.
Em termos positivos, não há uma única fonte que trata do direito inter-
nacional da criança, como se passa a analisar no próximo capítulo, há quatro
áreas do direito que se ocupam da mesma temática e que se relacionam entre
si, fragmentando o direito internacional ora homogêneo e unificado.
Não existe uma única fonte para o direito internacional da criança, tal
matéria encontra-se espalhada em tratados específicos e gerais tanto a nível
mundial como regional, em normas do direito internacional humanitário, no
direito internacional consuetudinário e na legislação dos Estados.
Como aponta Gabriela Riva13, o uso e o recrutamento de crianças-solda-
dos é um assunto tratado por quatro áreas do direito que estão relacionadas
entre si. São elas o Direito Internacional Humanitário, o Direito Internacio-
nal dos Direitos Humanos, o Direito Internacional do Trabalho e o Direito
Internacional Penal.
Essa dispersão do tratamento da matéria em diversos ramos e regras es-
pecializados e relativamente autônomos do Direito Internacional reflete a ten-
dência da fragmentação da comunidade internacional, especificamente no que
diz respeito à seara jurídica. 14
12
COALITION to stop the use of child soldier, Child Soldier 2008 Global Report. Disponível em:
<http://www.child-soldiers.org/home>. Acesso em: 11 out. 2017.
13
RIVA, Gabriela Rodrigues Saab. Criança ou Soldado? O Direito Internacional e o Recrutamento de
Crianças por Grupos Armados. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2012.
14
KOSKENNIEMI, Martti. Fragmentation of International Law: Difficulties Arising from the Di-
versification and Expansion of International Law. Report of the Study Group of the International
210 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
Law Commission. Assembleia Geral das Nações Unidas. 2006. Disponível em:<http://legal.un.org/ilc/
documentation/english/a_cn4_l682.pdf>. Acesso em: 08 dez. 2016.
15
AFONSO, Henrique Weil. Unidade e Fragmentação do Direito Internacional: O Papel dos Direitos
Humanos como Elemento Unificador. CEDIN. Revista Eletrônica de Direito Internacional, v. 4, p.
53-90. 2009.
16
COMITÊ Internacional da Cruz Vermelha. O que é o direito internacional humanitário? 1998. Dispo-
nível em: <https://www.icrc.org/por/resources/documents/misc/5tndf7.htm>. Acesso em: 09 dez. 2016.
17
RIVA, Gabriela Rodrigues Saab. Criança ou Soldado? O Direito Internacional e o Recrutamento de
Crianças por Grupos Armados. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2012.
18
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 14ª edição. São Pau-
lo, Saraiva, 2013.
19
DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos. O que são os direitos humanos? 2016. Disponível
em:<http://www.dudh.org.br/definicao/>. Acesso em: 08 dez. 2016.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 211
Diante da distinção apresentada, resta claro que “merece destaque o tra-
tamento dado pelo Direito Internacional Humanitário ao recrutamento e uti-
lização de crianças-soldado, uma vez que esses fenômenos ocorrem de forma
mais acentuada em tempos de guerra.”20
Apesar da proeminência do Direito Humanitário no tratamento da pre-
sente problemática, todos os ramos do Direito Internacional Público mencio-
nados anteriormente apresentam uma grande pertinência para a compreensão
do assunto em estudo, de forma que um número impressionante e sem prece-
dentes de instrumentos internacionais de diversos âmbitos de aplicação está
em vigor para apoiar os esforços para impedir o uso de crianças-soldados,
testemunhando o consenso global emergente sobre esta prática prejudicial.
20
RIVA, Gabriela Rodrigues Saab. Criança ou Soldado? O Direito Internacional e o Recrutamento de
Crianças por Grupos Armados. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2012.
21
TIEFENBRUN, Susan. Child Soldiers, Slavery and the Trafficking of Children. Fordham Internatio-
nal Law Journal, v. 31, n. 2, 2007.
22
COMITÊ Internacional da Cruz Vermelha. Aos 60 anos, Convenções de Genebra continuam fortes.
2009. Disponível em: <https://www.icrc.org/por/resources/documents/interview/geneva-convention-in-
terview-120809. htm>. Acesso em: 08 dez. 2016.
23
RIVA, Gabriela Rodrigues Saab. Criança ou Soldado? O Direito Internacional e o Recrutamento de
Crianças por Grupos Armados. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2012.
212 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
26
UNICEF. Convention on the Rights of the Child. 2014. Disponível em:<https://www.unicef.org/crc/
index_30160. html>. Acesso em: 08 dez. 2016.
27
ORGANIZAÇÃO das Nações Unidas. Convention on the Rights of the Child. 1989. Disponível em:
<http://www. ohchr .org/ Documents/Professional Interest/ crc.pdf>. Acesso em: 10 out. 2017.
28
PETERS, Lilian. War is no Child’s Play: Child Soldiers from Battlefield to Playground. Occasional
Paper 08, Geneva Centre for the Democratic Control of Armed Forces (DCAF), 2005.
214 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
29
ORGANIZAÇÃO das Nações Unidas. Convention on the Rights of the Child. 1989. Disponível em:
<http://www. ohchr .org/ Documents/Professional Interest/ crc.pdf>. Acesso em: 10 out. 2017.
30
PETERS, op. cit.
31
COHN, Ilene. Progress and Hurdles on the Road to Preventing the Use of Children as Soldiers
and Ensuring Their Rehabilitation and Reintegration. Cornell International Law Journal, v. 32, n. 3,
artigo 16, 2004.
32
PETERS, Lilian. War is no Child’s Play: Child Soldiers from Battlefield to Playground. Occasional
Paper 08, Geneva Centre for the Democratic Control of Armed Forces (DCAF), 2005.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 215
com menos de 15 anos, ou usá-las ativamente nas hostilidades, tanto em con-
flitos armados internacionais como não internacionais, configura crime de
guerra segundo o Estatuto de Roma, que rege o Tribunal Penal Internacional.33
Paralelamente à atuação da Organização das Nações Unidas, a antiga
Organização da Unidade Africana, atualmente União Africana, buscou
implementar medidas visando a proteção de crianças nas situações de con-
flitos armados. 34
Esta organização adotou, em 1990, a Carta Africana sobre o Direito e
Bem-Estar da Criança. Este documento entrou em vigor em 29 de novembro
de 1999 e é o único instrumento regional no mundo que aborda diretamente
a questão das crianças soldados, contando hoje com a adesão da maioria dos
Estados membros da União Africana. 35
A Carta Africana está de acordo com a CDC, na medida em que define
criança como todos aqueles que não atingiram os 18 anos de idade, além de
especificar em seu artigo 22.2, que os Estados partes devem tomar todas as me-
didas necessárias para assegurar que nenhuma criança participe diretamente
nas hostilidades. A utilização do termo “todas as medidas necessárias” inten-
ciona reduzir o espaço para o surgimento de subjetividade na aplicação desta
norma, problema presente em outros documentos sobre a matéria onde consta
a expressão “todas as medidas possíveis”.36
Outra característica da Carta Africana que a transforma no documento
mais rígido sobre a dispensar tratamento ao fenômeno das crianças-soldados
é o estabelecimento da idade de 18 anos como mínima para o recrutamento,
não havendo abertura de exceções a essa regra.
Apesar de a Carta Africana sobre o Direito e Bem-Estar da Criança esta-
belecer padrões louváveis na abordagem da problemática em estudo, a trágica
realidade é que estes altos parâmetros não estão sendo cumpridos por vários
Estados africanos signatários do documento.37
Outro problema diz respeito inclusive ao âmbito de influência desse re-
ferido documento. Apesar de que uma grande parte das crianças afetadas por
conflitos armados encontrarem-se no continente africano, as crianças preju-
dicadas em nas demais regiões do globo não podem contar com a mesma
33
ORGANIZAÇÃO das Nações Unidas. Statute of the Special Court for Sierra Leone. 2000. Disponí-
vel em: <https://www.hrw.org/news/2012/03/12/child-soldiers-worldwide>. Acesso em: 08 ou. 2017.
34
RIVA, Gabriela Rodrigues Saab. Criança ou Soldado? O Direito Internacional e o Recrutamento de
Crianças por Grupos Armados. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2012.
35
FREELAND, Steven. Mere Children or Weapons of War – Child Soldier and International. Uni-
versity of La Verne Law Review, v. 29, p. 19-55, 2008
36
RIVA, op. cit.
37
FREELAND, Steven. Mere Children or Weapons of War – Child Soldier and International. Uni-
versity of La Verne Law Review, v. 29, p. 19-55, 2008.
216 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
38
RIVA, Gabriela Rodrigues Saab. Criança ou Soldado? O Direito Internacional e o Recrutamento de
Crianças por Grupos Armados. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2012.
39
Ibdem.
40
ORGANIZAÇÃO Internacional do Trabalho. Child labour and armed conflict. 2016. Disponível em:
<http://ilo.org/ipec/areas/Armedconflict/lang--en/index.htm>. Acesso em: 10 out. 2017.
41
RIVA, Gabriela Rodrigues Saab. Criança ou Soldado? O Direito Internacional e o Recrutamento de
Crianças por Grupos Armados. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2012.
42
ORGANIZAÇÃO Internacional do Trabalho. Child labour and armed conflict. 2016. Disponível em:
<http://ilo.org/ipec/areas/Armedconflict/lang--en/index.htm>. Acesso em: 10 out. 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 217
3.4. Direito Internacional Penal e a criminalização do recrutamento
e do uso de crianças-soldado
43
FREELAND, Steven. Mere Children or Weapons of War – Child Soldier and International. Uni-
versity of La Verne Law Review, v. 29, p. 19-55, 2008.
44
RIVA, op. cit.
45
FREELAND, op. cit.
46
ORGANIZAÇÃO das Nações Unidas. Statute of the Special Court for Sierra Leone. 2000. Disponí-
vel em:<https://www.hrw.org/news/2012/03/12/child-soldiers-worldwide>. Acesso em: 08 ou. 2017.
47
Ibidem.
218 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
52
RIVA, Gabriela Rodrigues Saab. Criança ou Soldado? O Direito Internacional e o Recrutamento de
Crianças por Grupos Armados. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2012.
53
FREELAND, Steven. Mere Children or Weapons of War – Child Soldier and International. Uni-
versity of La Verne Law Review, v. 29, p. 19-55, 2008.
54
Ibdem. p. 47
55
RIVA, Gabriela Rodrigues Saab. Criança ou Soldado? O Direito Internacional e o Recrutamento de
Crianças por Grupos Armados. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2012.
220 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
56
COALITION to stop the use of child soldier, Child Soldier 2008 Global Report. Disponível em:
<http://www.child-soldiers.org/home>. Acesso em: 11 out. 2017.
57
GALESI, Rafaella Homsi. A Atuação das Nações Unidas Frente ao Contexto das Novas Guerras:
Uma Análise sobre a Questão das Crianças-Soldado. Disponível em: <periodicos.ufpb.br/index.php/
ricri/article/ download/32871/18114> Acesso em: 10 jan. 2018.
58
Ibdem.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 221
CONCLUSÃO
59
RAPOSO, Rodrigo Bastos. Quem tem medo da fragmentação do direito internacional?
Textos&Debates, n.23, Boa Vista: 2013.
60
COALITION to stop the use of child soldier, Child Soldier 2008 Global Report. Disponível em:
<http://www.child-soldiers.org/home>. Acesso em: 11 out. 2017.
222 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
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PARTE III
A IMPLEMENTAÇÃO DOS
COMPROMISSOS INTERNACIONAIS
PELO BRASIL:
AVANÇOS OU RETROCESSOS?
Capítulo 14
A Adoção da Internação Compulsória de
Viciados em Drogas pelo Estado Brasileiro e o
Ferimento das Recomendações Internacionais para
Tratamentos Baseados em Direitos Fundamentais
Cristina de Fátima Alves de Oliveira
Arielly Handhel Cavalcante de Araújo
Zairo José de Albuquerque e Silva
1. INTRODUÇÃO
1
DECRETO Nº 19.841, DE 22 DE OUTUBRO DE 1945. Promulga a Carta das Nações Unidas, da qual
faz parte integrante o anexo Estatuto da Corte Internacional de Justiça, assinada em São Francisco, a 26
de junho de 1945, por ocasião da Conferência de Organização Internacional das Nações Unidas.
226 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
Dessa forma, em sete de abril de 1948, foi fundada uma das mais im-
portantes agências da ONU, a Organização Mundial de Saúde (OMS), que
visava à manutenção da saúde dos povos, mesmo daqueles países que não
são signatários da Carta da ONU. Esta agência entende a saúde como um
status de bem estar que vai além da ausência de doença, é uma junção de
bem-estar físico, mental e social. Hoje, a OMS é o órgão que possui os dados
mais completos e atualizados sobre a saúde mundial, além de terem um acer-
vo científico profundo e renovado constantemente, que são usados como
parâmetros globais de revitalização, tratamento e prevenção de epidemias de
doenças fisiológicas, acometimentos de doenças virais e bacterianas, enfer-
midades psiquiátricas e danos causados por abuso de substâncias psicoativas
lícitas e ilícitas, que comumente acabam entrando nas estatísticas de desor-
dens mentais e criminalidade.2
Segundo dados da própria OMS, pelo menos 15,3 milhões3 de pessoas
no mundo sofrem de desordens provocadas pelo vício em drogas psicoativas.
Tendo esse cenário em vista, a agência desenvolve planos de abordagem ao
problema de forma multidisciplinar e sempre buscando preservar o direito da
autonomia da vontade e autodeterminação.
A constância em pesquisa científica e apuração de dados sobre as dro-
gas no âmbito da saúde a nível global do Órgão, bem como, o caráter de
parâmetro para Países se organizarem internamente em seus programas de
saúde, reforçam a relevância da OMS no desenvolvimento de intervenções e
tratamentos, que em decorrência da sua natureza de agência do principal or-
ganismo de proteção de direitos humanos, são comprovadamente ideais para
a revitalização dos indivíduos que precisam de atenção não só fisiológica, mas
em todos os demais campos que compõe a dignidade e bem-estar humano.
2
World Health Organization (WHO). The Global Guardian of Public Health, 2016.
3
United Nations Office On Drugs and Crime (UNODC). World Drug Report - 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 227
Direito Internacional Público para justificar o direito dos povos de constituí-
rem estados em face de suas peculiaridades gentílicas.”4
Atualmente o termo ganhou um sentido social, que trata agora não de
uma imposição de Estados, e sim, de seus concidadãos diante de seus gover-
nos. O movimento neoconstitucionalista foi o respaldo jurídico para essa
nova concepção. As liberdades individuais agora se encontram protegidas em
Constituições humanistas e progressistas. Rodrigues Júnior compartilha o
pensamento de Ripert:
4
RODRIGUES JÚNIOR, Otaviano Luís. Autonomia da vontade, autonomia privada e autodetermi-
nação Notas sobre a evolução de um conceito na Modernidade e na Pós-modernidade. Brasília a.
41 n. 163 jul./set. 2004
5
Opus citaum. RODRIGUES JÚNIOR, 2004, p. 114. APUD Ripert, 2000, p. 52.
6
Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas Prevenção dos problemas relacionados ao uso de
drogas capacitação para conselheiros e lideranças comunitárias / Ministério da Justiça, Secretaria
Nacional de Políticas sobre Drogas. – 6. ed. – Brasília, DF : SENAD-MJ/NUTE-UFSC, 2014.
228 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
7
Opus citaum. RODRIGUES JÚNIOR, 2004, p. 114. APUD Ribeiro, 1999, p. 22.
8
Opus citaum. RODRIGUES JÚNIOR, 2004, p. 114. APUD Henri de Page, 1948, p. 15, t. 2
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 229
dividuo e, em regra, costuma apresentar a resposta de um juiz, acompanhada
de uma solicitação médica podendo ou não ter o consentimento dos familia-
res do interno.
Para os casos onde não há o consentimento da família ou a ausência das
mesmas, o Estado poderá autorizar essa internação em conformidade com a
Lei 10.216/2001 e na Portaria Federal nº 2.391/2002/GM, que regulamenta o
controle de quatro modalidades de internações. As voluntárias que contam
com o elemento da vontade o paciente, as voluntárias que no seu decorrer
perdem esse caráter, as involuntárias que cabem ser pedidas por terceiros como
familiares ou o Ministério Público e as compulsórias que são expedidas me-
diante ordem judicial quando provocado. O Ministério da Saúde através desta
Portaria prenuncia a responsabilidade da gestão dos estados-membros do SUS
em estabelecer uma Comissão Revisora das Internações Involuntárias (IPI e
IPVI), que dará respaldo no acompanhamento dessas internações, no prazo de
sete dias depois de feita a comunicação pertinente – devendo emitir laudo que
confirme ou suspenda a medida em caráter imediato.
Dentre todas as formas de internações, o modelo compulsório é o mais
questionado em termos de aplicação e eficácia. Sua finalidade está baseada na
retirada de forma forçada dos usuários de substâncias tóxicas de seus lares ou
das ruas, para que sejam submetidos a um tratamento que visa restabelecer a
saúde e ressocializá-los, já que muitos já apresentam comportamento agressivo
e danoso a si próprio ou terceiros. No entanto, ela só deverá acontecer nos
termos previstos na Lei nº 10.216 de 06 de Abril de 2001. A compulsoriedade,
em qualquer de suas modalidades, só será aplicada quando os recursos extra-
-hospitalares se mostrarem insuficientes.
Todavia, existem algumas contradições acerca da eficácia desta modalida-
de de intervenção, que vem sendo decisão característica do Poder Judiciário.
Mesmo sendo condenada pela Conferência Nacional de Saúde, a internação
compulsória consta no Plano Nacional de Combate ao Crack do Governo Fe-
deral o que sustenta a tese de muitos especialistas que acreditam que a medida
tem sido usada primordialmente quando deveria ser aplicada em ultima ratio.
Segundo dados colhidos pelo Conselho Federal de Psicologia em rela-
tório de inspeção nacional de locais de internação para usuários de drogas,
a maior parte das clínicas usam de métodos de cunho religioso para o tra-
tamento, que baseados em princípios moralistas, impõem constrangimentos
a pacientes que são homoafetivos ou possuem identidade de gênero diversa.
Somado a isto, em todas as instituições inspecionadas foram detectados sinais
e denúncias de maus-tratos aos internos. Lê-se no documento:
9
Conselho Federal de Psicologia. Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos: locais de
internação para usuários de drogas / Conselho Federal de Psicologia. - Brasília: Conselho Federal de
Psicologia, 2011. 200 p.
10
MESQUITA, J. F. de. Quem Disse Que Lugar de Louco É no Hospício? Um estudo sobre os Servi-
ços Residenciais Terapêuticos, Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Popula-
cionais, ABEP, realizado em Caxambu- MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 231
seguindo as informações acima dispostas, sobre como os órgãos que vociferam
as bases principiológicas da ONU, tais como a OMS, aqui traremos uma nova
acepção acerca do valor jurídico-normativo da legislação internacional à luz
do ferimento de documentos recomendatórios para efetivação e proteção de
direitos humanos.
Documentos que abrigam meras recomendações sobre como Estados so-
beranos devem tratar de questões da alçada dos direitos humanos, por si só,
não apresentam nenhuma prerrogativa de exigência que possa ser cobrada de
forma que possa impor sanção. Porém, é possível entender que, recomenda-
ções de órgãos como a Organização Mundial de Saúde, que estiliza os valores
da Carta da Organização das Nações Unidas, documento que foi ratificado
pelo Estado Brasileiro e hoje possui status jurídico de norma supralegal e
infraconstitucional, transmitem as acepções dos princípios defendidos nessa
legislação, logo, possuem força normativa que faça julgar o Estado na ausência
de honraria a estes mandamentos jurídicos banhados pelo Direito Internacio-
nal Público. Maués leciona:
11
MAUÉS, Antônio Moreira. Supralegalidade Dos Tratados Internacionais De Direitos Humanos E
Interpretação Constitucional. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos 215-235 (2013)
12
Brasil (2008) apud Maués, 2013, p. 218
232 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
13
BARROSO, Luís Roberto. BARCELLOS, Ana Paula. O COMEÇO DA HISTÓRIA: A NOVA IN-
TERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E O PAPEL DOS PRINCÍPIOS NO DIREITO BRASI-
LEIRO. Revista da EMERJ, v. 6, n. 23, 2003.
14
6. “Que as organizações, associações e demais participantes desta Conferência se comprometam so-
lidariamente a advogar e desenvolver, em seus países, programas que promovam a Reestruturação da
Assistência Psiquiátrica e a vigilância e defesa dos direitos humanos dos doentes mentais, de acordo com
as legislações nacionais e respectivos compromissos internacionais.” Declaração de Caracas (1990).
15
BARROSO, op. cit., 2003., p. 35.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 233
os serviços comunitários de saúde e incentivassem a voluntariedade, e que a
utilização da internação compulsória deve ser excepcional, em casos plena-
mente justificados e temporários, resguardando sempre os direitos humanos
previstos em legislação internacional.16
III. Dignidade da pessoa humana é a fundamentação jurídica das recomen-
dações de órgãos internacionais especializados em saúde, bem como a da
própria lei interna, 10.216/2001. Sob o enfoque constitucional, o principal
princípio normativo da Carta Maior do Estado Brasileiro é precisamente
esta dignidade humana, que nas suas muitas formas, se traduz no seu Art.
196 que trata da saúde como um “direito de todos e dever do Estado”17
CONCLUSÃO
Aduz-se com o visto, que o Brasil tem sido agente ativo na regressão dos
direitos humanos consagrados internacionalmente fazendo uso abusivo de sua
16
JOINT STATEMENT. Compulsory Drug Detention and Rehabilitation Centers. Março 2012.
17
Constituição da República Federativa do Brasil (1988).
234 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
18
GIOVANELLA, Ligia (org). Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil./ et al . – Rio de Janeiro: Editora
FIOCRUZ, 2008. p. 749.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 235
do poder investido na figura paternal do Estado, entre críticas que desafiam o
caráter legítimo da medida, sua eficácia no plano social e sua bandeira diante
dos compromissos internacionais do Brasil, há uma última que se refere ao
desenvolvimento deste estudo por si, já que os entes estatais não possuem
dados oficiais, apurados e atualizados do quantitativo dos indivíduos que pas-
saram, ou estão passando, por uma internação em caráter compulsório. Isso
é uma demonstração latente da desorganização administrativa e da falta de
consonância entre os Poderes, visto que bastaria um projeto de colaboração
entre os tribunais que dão procedência a este tipo de demanda e os órgãos de
fiscalização administrativa da saúde para que fosse feito o levantamento desses
preciosos dados.
A internação compulsória possui limbos que tomam uma face dolorosa
quando vivenciados na prática desde os operadores do direito que se defron-
tam com famílias desesperadas e que estão igualmente sem apoio estatal, para
que resolvam a situação degradante de seus entes. O que traduz na realidade o
que aqui se apresentou em teoria. É necessário que o Estado encoraje-se e abra
o debate a cerca do que tem sido feito e o que é necessário fazer para que os
dependentes químicos não necessitem de uma intervenção compulsória e que
para isso, se considere em mais alto grau os compromissos de ordem interna-
cional que foram firmados em vista de proteger valores humanos.
REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
1
E.g: Na Síria, a guerra civil teve início em 2011 e os conflitos entre o Exército Nacional e diversos gru-
pos rebeldes ainda persistem, deixando o país em situação catastrófica. Em junho de 2015, a Comissão
de Investigação Independente para a Síria denunciou ataques indiscriminados contra a população civil,
tanto por forças do governo quanto dos grupos rebeldes. (NAÇÕES UNIDAS. Centro de Notícias. Síria:
Comisión Investigadora denuncia ataques contra civiles por fuerzas del gobierno y la oposición.
2015. Disponível em: << http://www.un.org/spanish/News/story.asp?NewsID=32676#.V1M6upEr-
LIU>> Acesso em: 4 jun. 2016) No Afeganistão, os combates entre grupos rebeldes e o Exército têm
se intensificado desde que as forças da OTAN deixaram o país (em 2013, as forças francesas e, no fim
de 2014, as forças britânicas e norte-americanas), provocando um aumento no número de vítimas civis
no decorrer do último semestre de 2015. Assim como no Afeganistão, a saída das forças norte-ameri-
canas não colaborou para melhorar a situação do Iraque. Este país está entregue a uma sangrenta guerra
civil entre sunitas e xiitas que já dura mais de dois anos, e a população enfrenta desafios humanitários,
como deslocamentos forçados, destruição de casas e dificuldade de acesso a assistência humanitária.
(ONU. Centro de Notícias. Oficial da ONU alerta para a necessidade de financiamento a resposta
humanitária no Iraque. 2016. Disponível em: << https://nacoesunidas.org/oficial-da-onu-alerta-para-
necessidade-de-financiamento-a-resposta-humanitaria-no-iraque/>> Acesso em: 4 jun 2016.)
2
A rota Bodrum (Turquia) – Kos (Grécia) é a mais curta – mas não menos perigosa – utilizada pelos
emigrantes da Ásia Ocidental para atingir a Europa a partir das ilhas gregas.
3
Diversos jornais e sites de notícias de todo o mundo publicaram matérias sobre a morte do menino
sírio, Aylan Kurdi. Vide: HURTADO, Luís Miguel. Cinco sueños infantiles varados en la playa. In:
238 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
10
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Caderno de Direito
ConstitucionalEMAGIS, 2006, p. 7. Disponívelem<http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/flavia-
piovesan/piovesan_dh_direito_constitucional.pdf>. Acesso em: 14 de mai. 2017
11
PIOVESAN Idem, p.8.
12
PIOVESAN Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Caderno de Direito
ConstitucionalEMAGIS, 2006, p. 7. Disponívelem<http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/flavia-
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 241
e políticos está unido ao rol de direitos sociais, econômicos e culturais. Em
1993, com a Declaração dos Direitos Humanos de Viena a concepção contem-
porânea dos direitos humanos, como universais e indivisíveis, foi reforçada.
A partir da globalização foi viável a “[...] organização e concretização dos
diversos organismos de defesa e proteção internacional dos direitos humanos
[...]” e diante da verificação de que os direitos do homem diferenciavam-se de
país para país “[...] inicia-se a cobrança de um padrão universal dos direitos
humanos, a partir de uma espécie de núcleo duro, ou padrão mínimo, possui-
dor dos direitos tidos como essenciais a todos os seres humanos, apenas por
serem humanos”.13
18
TEÓFILO, Anna Mayra Araújo e BRAGA, Romulo Rhemo . In: XXIII Congresso Nacional do CONPE-
DI. Direitos Humanos e Multiculturalismo como horizontalização da Justiça Internacional no Sé-
culo XXI. João Pessoa: CONPEDI/UFPB, 2014, p. 230 .
19
TEÓFILO e BRAGA, Idem.
244 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
20
TEÓFILO e BRAGA, Idem.
21
TEÓFILO e BRAGA, Idem, p. 236.
22
TEÓFILO e BRAGA, Idem, p. 237.
23
FLORES, Joaquin Herrera. Direitos humanos, interculturalidade e racionalidade de resistência. Sequên-
cia –UFSC. Florianópolis, v.23, n.44, 2002. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/se-
quencia/article/view/15330>. Acesso em: 14 de mai. 2017, p.14.
24
FLORES, Idem, p.16.
25
FLORES, Idem, p. 20.
26
FLORES, Idem, p. 21.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 245
ponto de desencontros (visão localista). Deve-se se chegar a uma concepção
universal dos direitos humanos depois de um processo envolvido em con-
flitos, de um processo envolvido em discussões pautadas pelo diálogo, onde
haverá o entrelaçamento de propostas e não a superposição.
O autor propõe um diálogo intercultural, um universalismo de chegada
em que corresponderia ao entrelaçamento de diferentes culturas e não a super-
posição de uma cultura sobre outras, propõe a chegada ao universalismo pela
convivência dialógica entre diferentes culturas.
27
SANTOS, Boaventura de Sousa.Por uma concepção multicultural de direitos humanos. Revista Crítica
de Ciências Sociais, n. 48, jun., 1997. Disponível em:<http://www.boaventuradesousasantos.pt/media/
pdfs/Concepcao_multicultural_direitos_humanos_RCCS48.PDF>. Acesso em: 14 de mai. 2017, p 18.
246 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
28
SANTOS, Idem, p. 18 e 19.
29
SANTOS, Idem, p. 19 e 20.
30
SANTOS, Idem, p. 30.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 247
em razão da intolerância turco-otomana, o que antecede ao contexto da Primeira
Guerra Mundial. Uma breve pesquisa no sítio eletrônico do Museu da Imigração,
a antiga hospedaria localizada no bairro da Lapa em São Paulo, registra uma cen-
tena de armênios que aportaram em terras brasileiras, a princípio por motivação
econômica ou mesmo social, e a despeito de número diminuto formaram uma
comunidade emergente, sobremaneira em Osasco, mas não há que se negar um
fundamento latente pela qual os armênios se dissiparam pelo mundo, vale dizer,
o caráter religioso.31
É de se destacar que os armênios se declararam cristãos enquanto na
compreensão que se tem hoje de Estado confessional e, por essa conversão
soberana, pagaram o preço da intolerância emergente, a qual historiadores
afirmam tratar-se do primeiro genocídio do século XX, e, por consequência,
uma manifesta dimensão multicultural étnico-linguística e religiosa se propa-
gara pelo mundo sob o segmento classificatório de refugiados.32
A questão, porém, é remota, basta compreender a matriz histórico-judai-
ca em que a diáspora do povo hebreu se dá à luz do Velho Testamento, e en-
quanto não se firmasse uma Israel perene e segura, o povo apátrida peregrinou
com sua cultura atávico-confessional, e prevalentemente econômica, a viver
pelos confins do mundo. 33 34
Mas sob o advento do Estado de Israel e a questão sionista surgem confli-
tos cíclicos, agora com o povo da Palestina35, dá-se o que a boa doutrina chama
31
É fato que as datas ali expressas no Museu da Imigração do Estado de São Paul (MI) o demandam o pe-
ríodo entre guerras, sobretudo a II Grande Guerra, em que, embora o manifesto genocídio tenha ocorrido
no primeiro quartel do século XX, o êxodo armênio se caracteriza como forma de organização crescente
neste período sobremaneira para a América. Afora os dados do MI, não é difícil empreender a chegada
de armênios informalmente pelo mundo. Veja-se os registros do MUSEU DA IMIGRAÇÃO. inci.org.
br. Disponível em: <http://inci.org.br/acervodigital/livros.php?pesq=1&nome=&sobrenome =&nacio-
nalidade=arm&chegada=& vapor-=&Reset2=Pesquisar>. Acesso em: 12/10/2017.
32
Vale ainda a leitura a respeito da organização armênia na capital paulista, sob o advento político e comu-
nicativo que se dera por meio da imprensa local conforme LOUREIRO, Heitor de Andrade Carvalho. “A
voz do povo armênio”: imprensa armênia em São Paulo (1940-1970). Escritos IX. P.183-219. Disponí-
vel em: “<http://www.casaruibarbosa.gov.br/escritos/numero09/cap_07.pdf>”. Acesso em 12/10/2017.
33
SOMBART, Werner. Os judeus e a vida econômica. Trad. Nélio Schneider. São Paulo: UNESP, 2014.
34
Curiosamente mesmo após a criação do Estado de Israel a tensão ainda continua ali mesmo é o que ex-
plica Claude Geffré: “Devo somente observar que, no caso do judaísmo, seu pecado de intolerância não
é tanto por invocar uma verdade revelada por Deus, mas por se ter a consciência de ser um Povo eleito,
com exclusão dos outros. E ainda hoje, desde a criação do Estado de Israel, as autoridades religiosas
do judaísmo têm muita dificuldade para gerir a tensão entre a justiça inerente à mensagem da Torá e o
direito ao uso da violência que todo Estado se dá para a sua própria defesa.” GREFFRÉ, Claude. De Ba-
bel a Petencostes: ensaios de teologia inter-religiosa. Trad. Margarida Maria Cichelli Oliva. São Paulo:
Paulus, 2013. (Coleção Dialogar). p.387.
35
Neste contexto, vale a pena fazer menção ao reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, em
dezembro de 2017, pelo Presidente norte-americano Donald Trump, o que colocou os Estados Unidos
em desacordo com o restante da sociedade internacional e acentuou os conflitos no Oriente Médio. Vide
248 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
LIMA, Sarah. A (im)parcialidade dos EUA no reconhecimento de Jerusalém como capital. O Povo,
Fortaleza, 16 dez. 2017. Disponível em: <https://www.opovo.com.br/jornal/opiniao/2017/12/sarah-lima
-a-im-parcialidade-dos-eua-no-reconhecimento-de-jerusalem.html> Acesso em: 25 jan. 2018.
36
SANTOS Boaventura de Sousa. Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos. 2a.ed. São Paulo:
Cortez, 2014. p.121.
37
OSNOS, Evan. A era da ambição: em busca da riqueza, da verdade e da fé na nova China. Trad. Berilo
Vargas, Christina Baum. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
38
TAYLOR, Charles. A ética da autenticidade. Trad. Talyta Carvalho. São Paulo: É realizações, 2011.
p.85.
39
TAYLOR, Idem.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 249
o mesmo não se na ordem mundial, a exemplo do governo turco que nunca
admitiu o genocídio de armênios, como se disse alhures.
Um exemplo comum enfrentado pelos doutrinadores multiculturalistas
diz respeito ao Pacto Internacional dos Direitos Culturais, Econômicos e Sociais
contemplado em 16 de dezembro de 1966 pela Assembleia Geral das Organiza-
ções das Nações Unidas, e não raro, assinalam, de logo, o artigo 1º. da referida
Convenção pela qual os países podem expressar reservas. Com efeito, assinala
o primeiro dispositivo do Pacto: “Todos os povos têm direito à autodetermi-
nação. Em virtude deste direito estabelecem livremente sua condição política e
perseguem livremente o próprio desenvolvimento econômico, social e cultural”.
Ocorre que o certame da liberdade religiosa das minorias não se faz men-
ção nas políticas governamentais, e assim cria-se a tensão entre as liberdades
femininas, como o uso ou não do véu islâmico em espaços públicos ociden-
talizados, ou mesmo as mutilações genitais em países que não participam de
prática semelhante. É o caso mundialmente conhecido pela ativista e modelo
somali Waris Dirie, que levou sua voz ao mundo revelando as sujeições pela
qual as mulheres somalis sofrem em detrimento de suas vontades.40
Se por um lado as religiões e sectários argumentam pela liberdade reli-
giosa além de suas territorialidades originais, é de se ouvir, também, a voz
desses mesmos sectários no que se refere a (des)filiação dessas mesmas matrizes
religiosas, e, sobretudo a não-ingerência pelo Estado receptivo de estrangeiros
confessionais seja ou não pela condição de refugiados em suas manifestações
litúrgicas que não ofensivas, ou não desproporcionais às culturas do povo que
alberga. Assim é Lucetta Scaraffia coloca em questão o segmento da Santa Sé
no que se refere à condição de refugiados migrantes:
42
BERGER, Peter L. Os múltiplos altares da modernidade: rumo a um paradigma da religião numa época
pluralista. Trad. Noéli Correia de Melo Sobrinho. Petrópolis: Vozes, 2017.
43
É que se pode abstrair de CAF World Giving Indez 2107: a global view of giving trends (2017, p.6):
“For the fourth year running Myanmar tops the CAF World Giving Index The high proportion of
people donating money in Myanmar once again ensures its place at the top of the rankings. This is
likely due to the prevalence of small, frequent acts of giving in support of those living a monastic life-
style. However, Myanmar’s score is five percentage points lower than last year, when we reported its
highest ever score. We hypothesised that this high score may have been driven by a sense of optimism
ahead of the country’s first openly contested election for 25 years3 . In late 2015, the National League
for Democracy swept to power with Aung San Suu Kyi sworn in as the country’s de facto leader after
two decades of house arrest. However, transition from military dictatorship to civilian government is
proving extremely difficult. Conflict escalated in Myanmar during 2016, with allegations of serious
human rights abuses against the country’s displaced Rohingya Muslims being levelled by the United
Nations and other agencies”.
44
Vide em: MYANMAR: Solidariedade com a insurreição dos muçulmanos Rohingya! – Não ao Chauvi-
nismo Budista do Regime! Pelo Direito de autodeterminação nacional do povo Rohingya!. Disponível
em: <https://www.thecommunists.net/home/portugu%C3%AAs/solidariedade-com-rohingya/>. Acesso
em: 14/10/2017.: “1. Mais de 1.000 combatentes armados da minoria perseguida muçulmana Rohingya
de Myanmar lançaram uma onda de ataques contrapostos militares e policiais em mais de 25 locais
diferentes. O denominado Exército de Salvação Arakan Rohingya reivindicou a responsabilidade pelos
ataques. Afirmou que esses ataques reagiram a “um bloqueio [do município de Rathetaung no norte de
Rakhine, Ed.] Por mais de duas semanas, que está fazendo morrer de fome o povo de Rohingya. [...]. À
medida que se preparam para fazer o mesmo em Maungdaw[...] devemos eventualmente intensificar-nos
para afastar as forças colonizadoras birmanes “. (Al Jazeera, 26.8.2017). No mínimo menos 77 muçul-
manos Rohingya e 12 membros das forças de segurança foram mortos durante esses ataques, de acordo
com o regime.
2. Essas ações de guerrilha são o resultado do horrível tratamento dado aos muçulmanos Rohingya que
foram descritos pelas Nações Unidas “como a minoria mais perseguida do mundo”. Os muçulmanos
Rohingya são uma minoria étnica de cerca de 2 milhões de pessoas que sofreram perseguição sistemática
pelo regime de Myanmar desde muitas décadas. Principalmente localizado em Arakan (agora chamado
estado de Rakhine pelo regime) no noroeste do país, eles têm exigido independência ou pelo menos
autonomia desde o início de Myanmar (Birmânia) como um estado independente em 1948.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 251
CONCLUSÃO
3. Myanmar é um estado altamente multinacional com 135 grupos étnicos diferentes reconhecidos ofi-
cialmente pelo governo (e muitos mais que não são reconhecidos). Juntas, essas minorias constituem
pelo menos 32% da população (as maiores minorias são os muçulmanos Shan, Karen, Mon e Rohingya).
No entanto, o regime - que sempre foi capitalista, independentemente da sua ideologia pseudo-socialista
no passado – tem praticado uma política de opressão chauvinista contra as minorias nacionais e étnicas
(“Burmanização”) que se baseia na ideologia ultranacionalista da “ pureza” racial.
4. Em outubro de 1982, a ditadura militar introduziu a Lei de Cidadania da Birmânia que negou oficial-
mente a cidadania birmanesa aos muçulmanos Rohingya. É negado a eles o acesso à educação universi-
tária e aos empregos no setor público. Os Rohingya vivem em condições extremamente empobrecidas e
60% não possuem terra. Eles têm uma taxa de mortalidade infantil de até 224 óbitos por 1.000 nascidos
vivos, mais de 4 vezes a taxa para o resto de Myanmar! O regime nega a sua existência como uma mino-
ria étnica e alega que os muçulmanos Rohingya são imigrantes ilegais do Bangladesh. Como resultado,
o exército implementa uma política de limpeza étnica sistemática, resultando na expulsão de centenas
de milhares de muçulmanos Rohingya que atualmente vivem como refugiados em Bangladesh e em
outros países. Hoje, apenas 1,1 a 1,3 milhões de muçulmanos Rohingya ainda vivem em Mianmar. Eles
constituem cerca de 90% da população no norte do estado de Rakhine.”
252 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
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TRINDADE, Antônio Augusto Cançado; PEYTRIGNET, Gérard; RUIZ DE SANTIAGO, Jaime. As três ver-
tentes da proteção internacional dos direitos da pessoa humana: Direitos Humanos, Direito Humanitário e
Direito dos Refugiados. San José; Brasília: ACNUR, 1996.
Capítulo 16
A Reforma Psiquiátrica Brasileira à Luz do
Direito Internacional dos Direitos Humanos:
Reflexos do Caso Ximenes Lopes vs. Brasil
Antônio de Freitas Freire Júnior
Adson de Souza Queiroz
Zairo José De Albuquerque e Silva
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo terá como objeto o estudo do caso Ximenes Lopes vs.
Brasil, como a primeira condenação de mérito desse país frente a uma Corte
Internacional de Direitos Humanos, tendo como objetivo identificar quais os
reflexos do caso para a Reforma Psiquiátrica Brasileira a partir da criação de
políticas públicas voltadas à assistência da saúde mental no período de 1999,
ano de recebimento, em âmbito internacional, da carta-denúncia da morte de
Damião Ximenes Lopes e 2010, última supervisão de cumprimento de senten-
ça. Durante esse período, diversas políticas foram adotadas tendo como ob-
jetivo atender ao cumprimento total da sentença internacional, o que ajudou
consideravelmente para que a discussão da Reforma Psiquiátrica, movimento
este também conhecido como Luta Antimanicomial, começasse a dar frutos
práticos no Brasil.
O conceito moderno de Reforma Psiquiátrica começou a ser colocado
como pauta com a atuação de movimentos reformistas a partir dos anos 60,
que buscavam a substituição dos antigos manicômios por centros de integra-
ção, onde a pessoa que sofre com algum transtorno mental, ao ser internada,
pudesse ter a chance de usufruir de um tratamento humanizado, integrado
com a comunidade, ao contrário do que era posto em prática homogeneamen-
te, em que a pessoa era internada em leitos hospitalares à par da sociedade,
geralmente sendo submetido a violências físicas e verbais por profissionais
totalmente despreparados.
Até começarem a exigir novas práticas dentro do campo da assistência
à saúde mental, o sistema manicomial proliferou-se por diversos países do
ocidente, incluindo a Casa de Repouso Guararapes, em Sobral/CE, hospital
onde Damião Ximenes Lopes morreu e que, depois de uma autópsia onde
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 255
constatou-se as diversas lesões corporais que o mesmo sofreu e com a ajuda
das investigações feitas no caso na Corte Interamericana de Direitos Huma-
nos (CtIDH), foi permitido quantificar suas outras vítimas e como o Estado
brasileiro teve responsabilidade ao não gerir políticas públicas eficientes para
evitar as violações ocorridas.
O grau de importância desse estudo permeia a condenação em órbita
internacional de um país, por violação de uma gama de direitos garantidos
normativamente e qual sua influência para alterar o modo como tal Estado
até então tratava determinado problema. Fazendo o estudo de quais pautas
sobre direito à saúde mental eram importantes para a proteção pelo Sistema
Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) é que se pôde constatar a preo-
cupação em garantir os princípios básicos inerentes a todas as pessoas, incluin-
do aquelas acometidas de transtornos mentais, que veio a se construir desde
meados das décadas de 80 e 90, principalmente a partir de 1990 com a realiza-
ção da “Conferência Regional para a Reestruturação da Atenção Psiquiátrica
na América Latina” e a instituição da “Declaração de Caracas”, que tiveram
forte atuação dos órgãos componentes do Sistema Regional de Proteção dos
Direitos Humanos.
Para a realização da pesquisa, adotou-se o método dedutivo via revisão
literária no que concerne à legislação doméstica produzida antes e após a
sentença da CtIDH no caso Ximenes Lopes vs. Brasil, bem como, através do
estudo de caso, investigou-se intrinsecamente o trâmite processual do citado
caso na Corte. Por fim, foi realizada uma pesquisa qualitativa para identificar
a realidade da reforma psiquiátrica antes e após o caso Damião Ximenes.
A divisão metodológica dos tópicos se dará de modo a compreender a
importância do SIDH na efetivação dos direitos humanos e os princípios liga-
dos à saúde mental, tendo a atuação dos seus principais órgãos, investigando
o trâmite processual internacional do caso Ximenes Lopes vs. Brasil e o estudo
do lastro histórico da Reforma Psiquiátrica Brasileira para identificarmos os
reflexos do caso supracitado em suas mudanças, o que nos levou a quantificar
as políticas públicas adotadas pelo Estado brasileiro que ajudaram para desen-
volver a Reforma Psiquiátrica no país.
1
Artigo 1, item 3 da Carta das Nações Unidas (1945).
2
Sobre o tema, Cristina Figueiredo ressalta: “A declaração Universal dos Direitos Humanos apresenta-se
como um marco legal na fase de internacionalização dos Direitos Humanos, tornando-se um instrumento
universal, não apenas por reproduzir direitos que advém da própria natureza humana, com características
de abstração e de universalidade, por referir-se a homens e a mulheres, como fazia a Declaração Fran-
cesa e Inglesa e como constitucionalismo incipiente do Ocidente, mas assim, determina que incumbe
ao Estado colocar à disposição os meios materiais e implementar as condições fáticas que possibilitem
o efetivo exercício das liberdades fundamentais, exigindo-se uma postura positiva em prol dos direitos
ali consagrados” (TEREZO, Cristina Figueiredo. A atuação do Sistema Interamericano de Proteção
dos Direitos Humanos na defesa dos direitos econômicos, sociais e culturais. Tese (Doutorado) –
Universidade Federal do Pará, Belém, 2011, p. 32-33).
3
No caso do Brasil, tem-se como um exemplo de adoção de medidas incorporativas dos tratados interna-
cionais que versem sobre direitos humanos o Art. 109, § 5º da Constituição Federal de 1988.
4
GONTIJO, André Pires. Constitucionalismo compensatório como discurso em matéria de direitos
humanos: limites e possibilidades da interação dos julgamentos da Corte Interamericana de Direitos
Humanos com os Estados da América Latina. Brasília: UniCEUB, 2016, pág. 71.
5
GONTIJO, André Pires. Constitucionalismo compensatório como discurso em matéria de direitos
humanos: limites e possibilidades da interação dos julgamentos da Corte Interamericana de Direitos
Humanos com os Estados da América Latina. Brasília: UniCEUB, 2016, pág. 73-75.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 257
No caso das Américas, pôde-se vislumbrar a construção de um sistema regio-
nal a partir da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), assina-
da pelos países-membros6 da Organização dos Estados Americanos (OEA) em
22 de novembro de 1969 na cidade de San José da Costa Rica e entrou em
vigor no dia 18 de julho de 1978.
O Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), que teve suas
atribuições previstas pela Parte II da CADH, encontra-se situado, se tratando
de competência jurisdicional, em uma região marcada por democracias frágeis,
desigualdades sociais e um processo de justiça doméstica que desenvolve-se de
forma lenta no que diz respeito à garantia dos direitos humanos, por isso foi
de suma importância a atuação do SIDH e seus respectivos órgãos: a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de
Direitos Humanos (CtIDH).
A CIDH, de acordo com os artigos 41-51 da CADH, tem como principal
objetivo a observância e a defesa dos direitos humanos, recebendo as petições
encaminhadas a ela7 quando os recursos da jurisdição interna dos países se
mostrarem insuficientes; formulando recomendações aos governos dos Esta-
dos membros para adotarem medidas em suas normatizações internas em prol
dos direitos humanos; tendo um caráter investigativo dos casos, recebendo as
necessárias facilidades dos Estados para a realização das possíveis investiga-
ções; e, esgotando-se todos os meios pacíficos de resolução do que foi denun-
ciado previstos nos artigos 48 a 50, submetendo casos à CtIDH.
Segundo o que se pode aferir do artigo 63 da CADH, há um caráter de di-
reito privado da CtIDH, já que, na averiguação de violação de direitos humanos,
é determinado que sejam reparadas as consequências da situação fática violadora
de direitos através do pagamento de justa indenização aos prejudicados. No en-
tanto, há, ainda, um caráter de direito público nessa reparação de consequências
dos fatos que causaram a violação, já que, na sentença prolatada pela CtIDH,
também existem recomendações proferidas aos Estados, devendo segui-las, o que
causa uma verdadeira modificação das práticas normativas e institucionais com
6
Entre os países que assinaram a CADH em 1969 estão Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador,
Equador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Uruguai e Venezuela. O Brasil ra-
tificou a CADH em 07 de setembro de 1992. Estas informações e a lista completa dos signatários
e do estado atual das ratificações podem ser conferidas em ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS
AMERICANOS. B-32: Convenção Americana de Direitos Humanos (“Pacto de San José da Costa
Rica”). Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica,
1969. Disponível em: <http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/d.Convencao_Americana_Ratif..
htm>. Acesso em: 24.10.2017.
7
No Artigo 44 da Convenção Americana de Direitos Humanos, está disposto que: “Qualquer pessoa ou
grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros
da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta
Convenção por um Estado Parte.”
258 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
a adoção de políticas públicas a fim de evitar que novas violações parecidas com
a do caso analisado aconteçam8 (garantias de não repetição).
De acordo com o artigo 68 da CADH, os Estados-partes da Convenção
obrigam-se a cumprir a decisão da CtIDH em todos os casos em que forem
partes. Desta forma, percebe-se que as decisões da Corte fazem coisa julgada
formal e material desde a data da sua publicação, tratando-se, ainda, de julga-
mento definitivo e irrecorrível9.
Em caso de descumprimento, por parte de um país condenado, das
decisões (que incluem as indenizações e recomendações) feitas pela CtIDH
no momento da prolatação da sentença gerar um comportamento rechaçado
pelo plano internacional10 graças ao comprometimento do Estado-membro
na construção do SIDH, estudos apontam que o grau efetivo do cumpri-
mento das decisões pelos países sul-americanos ainda é baixo, chegando a
1/3, segundo parâmetros de casos julgados pela CtIDH até 23 de março de
200911. Nesse sentido, mesmo que não exista uma força coercitiva na obriga-
ção de cumprimento dessas sentenças, outras sanções políticas e vantagens
diante dos outros Estados que compõem o sistema regional de proteção dos
direitos humanos, visto o respeito às regras do Direito Internacional, podem
ser empregadas12.
8
Sobre esse tema, Evorah Lusci Costa diz: “O Estado tem a obrigação de organizar todo o aparato go-
vernamental e as estruturas do poder público para o respeitos aos direitos contidos na Convenção Ame-
ricana. A sentença da CrIDH conclui que o Estado tem a obrigação de prevenir, investigar e julgar as
violações de direitos humanos. O entrevistado 4 entende que ‘organizar o aparato governamental’ pode
também ser interpretado como ‘modificar’, o que traria para o Estado a obrigação de elaborar políticas
públicas em direitos humanos. A CrIDH, por conseguinte, tem a possibilidade de positivamente exigir
a modificação de práticas institucionais do Estado.” (CARDOSO, Evorah Lusci Costa. Litígio estra-
tégico e sistema interamericano de direitos humanos. Belo Horizonte: Fórum, 2012. 220 p. ISBN
978-85-7700-535-2. (Coleção Fórum Direitos Humanos, 4), p. 69).
9
JAYME, Fernando G. Direitos Humanos e sua Efetivação pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos. Belo Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 2005, p. 95.
10
Nesse sentido, Marcelo Varella emprega que: “Os Estados vinculam-se aos tribunais internacionais, de
acordo com regras de direito internacional público. Em caso de descumprimento pode haver responsabi-
lidade internacional do Estado. O descumprimento de uma decisão internacional, contudo, é uma opção
política do Estado, do chefe do Poder Executivo.” (VARELLA, Marcelo D. Internacionalização do
direito: Direito internacional, globalização e complexidade. Tese (Livre-Docência) – Universidade de
São Paulo: São Paulo, 2012, p. 237)
11
GARBIN, Isabelli Gerbelli. Inter-American Court rulings in South-America: compliance crisis as
the result of a local human rights reality. World International Studies Committee, Third Global Stud-
ies Conference, Porto, Brasil, 2011, p. 10-11. In: NEVES, R. T. S.; FRANCO, L. D. N. Dez Anos da
Primeira Condenação Internacional do Brasil: Sistema Interamericano e o problema da compliance.
Direito internacional dos direitos humanos I [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UNI-
CURITIBA, Florianópolis, 2016, p. 76-81.
12
NEVES, R. T. S.; FRANCO, L. D. N. Dez Anos da Primeira Condenação Internacional do Brasil:
Sistema Interamericano e o problema da compliance. Direito internacional dos direitos humanos I [Re-
curso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UNICURITIBA, Florianópolis, 2016.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 259
No entanto, uma forma de garantir esse cumprimento está nas super-
visões de cumprimento de sentenças, realizadas através de atividades como
relatórios por parte do Estado, mostrando o que foi feito em relação ao dever
de cumprir, perícias e audiência com a CIDH e as partes do caso. Essas su-
pervisões de cumprimento de sentença foram essenciais para a efetivação das
recomendações feitas ao Estado brasileiro no Caso Ximenes Lopes vs. Brasil,
como poderá ser visto no tópico 4 do presente trabalho.
13
Relatos da vida de Damião Ximenes Lopes podem serem encontrados em: MONTEIRO, Rita Paiva,
Dizem que sou louco: o caso Damião Ximenes e a Reforma Psiquiátrica em Sobral-Ce. 2015. Tese
(Doutorado em Sociologia).
14
O momento final da vida de Damião Ximenes Lopes foi escrito pela sua irmã, Irene Ximenes, em carta-
denúncia enviada ao sistema virtual da CIDH em 22 de novembro de 1999.
15
Para ver as fases procedimentais em CIDH, Demanda en el caso Damião Ximenes Lopes (Caso
12.237) contra la República Federativa de Brasil, 1º de octubre de 2004.
16
CIDH, Relatório Anual 2002, Relatório No. 38/02 – Damião Ximenes Lopes, Caso 12.237 (Brasil).
17
CIDH, Relatório Anual 2002, Relatório No. 38/02 – Damião Ximenes Lopes, Caso 12.237 (Brasil), par. 28.
260 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
18
Argumentou-se a violação dos direitos previstos nos arts. 4º (Direito à Vida), 5º (Direito à Integridade
Pessoal), 8º (Garantias Judiciais) e 25 (Proteção Judicial) da Convenção Americana.
19
Análise geral e completa de todo trâmite do caso na CtIDH, Caso Ximenes Lopes vs. Brasil, sentença
de 04 de junho de 2006. Mérito, Reparação e Custas. Brasília, 2006. Disponível em: < http://www.cor-
teidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_149_por.pdf.>
20
O Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) foi o precursor em 1978 quando reuniu
pessoas envolvidas no movimento sanitário, familiares de deficientes mentais, sindicalistas e todos
aqueles que de alguma maneira estavam aliados à política de reversão da realidade manicomial à
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 261
Psiquiátrica já vinha se desenvolvendo em diferentes partes do mundo desde o
início dos anos 6021 levantando questionamentos acerca da demonização das
pessoas que sofrem com transtornos mentais, da eficácia do supracitado siste-
ma asilar-manicomial e das repetidas práticas de maus-tratos que se averigua-
vam nos manicômios. Desde então, o caminho para a desinstitucionalização
de tal sistema começou a ser trilhado e importantes avanços foram conquista-
dos pela busca da Reforma Psiquiátrica no Brasil.
A Reforma Psiquiátrica passou a ser discutida no âmbito do sistema re-
gional da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 1990, quando enti-
dades governamentais, organizações, legisladores e juristas foram convidados
para participar da Conferência Regional para a Reestruturação da Atenção
Psiquiátrica na América Latina, promovida pela Organização Pan-americana
de Saúde (OPAS) em Caracas, na Venezuela. A Conferência elaborou como
documento final a Declaração de Caracas que teve como copeticionária a
CIDH e foi proclamada em 14 de novembro de 1990. A Declaração teve sua
importância dentro do sistema regional por estabelecer padrões, normas téc-
nicas22 e cuidados referentes à atenção psiquiátrica, notando que o modelo
convencional do hospital psiquiátrico, ao provocar o isolamento do paciente
e condições desfavoráveis violadoras dos direitos humanos e civis daqueles
que atendem, dificulta o alcance dos objetivos de uma atenção comunitária,
integral, descentralizada, contínua, participativa e preventiva23.
Ainda em um contexto regional, a Assembleia Geral da Organização
das Nações Unidas (ONU), na data de 17 de dezembro de 1991, aprova os
24
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso
Ximenes Lopes vs. Brasil. Sentença de mérito, reparações e custas, de 4 de julho de 2006, p. 12.
25
Segundo o que consta na sentença do caso Ximenes Lopes vs. Brasil prolatada pela CtIDH (2006, p. 53),
“entende-se sujeição como qualquer ação que interfira na capacidade do paciente de tomar decisões ou
que restrinja sua liberdade de movimento”.
26
PONTES, Maria Vânia Abreu. Damião Ximenes Lopes: a “condenação da saúde mental” brasileira
na Corte Interamericana de Direitos Humanos e sua relação com os rumos da reforma psiquiátrica.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Departamento de
Psicologia. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Fortaleza, 299 f., 2015, p. 86.
27
PONTES, Maria Vânia Abreu. Damião Ximenes Lopes: a “condenação da saúde mental” brasileira
na Corte Interamericana de Direitos Humanos e sua relação com os rumos da reforma psiquiátrica.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Departamento de
Psicologia. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Fortaleza, 299 f., 2015, p. 86-87.
28
Para acompanhar a legislação em saúde mental entre 1990 e 2004, ver Legislação em saúde mental:
1990-2004 / Ministério da Saúde, Secretaria-Executiva, Secretaria de Atenção à Saúde. – 5. Ed. ampl. –
Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 263
Todas regulamentavam sobre um novo redirecionamento desse modelo e
uma inversão na política de saúde mental.
29
Criado pela lei federal nº 10.708/03, trata-se de inserção social das pessoas com deficiência mental
egressas dos hospitais psiquiátricos através de um auxílio-reabilitação no valor de R$ 240,00 (duzentos
e quarenta reais).
30
Trata-se do sistema de reabilitação através de moradias ou casas, preferencialmente na comunidade, para
egressos de hospitais psiquiátricos com longo histórico de internação e que não possuam laços familiares
nem um devido suporte para inserção social. Criado pela Portaria GM nº106 de Fevereiro de 2000 do
Ministério da Saúde.
31
Pode-se perceber que a partir do ano de 2001 obtêm-se mudanças nesses recursos em relação ao ano
de 1997, aumentando ainda mais em 2004. Ver BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à
Saúde. DAPE. Coordenação Geral de Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental
no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental:
15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília, novembro de 2005, p. 9.
32
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Caso Ximenes Lopes vs. Brasil. Sentença de mérito, reparações e custas, de 4 de julho de 2006,
parágrafo 125.
264 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
33
Depoimento testemunhal do médico psiquiatra Luís Fernando Farah de Tofóli, que trabalhou na Secre-
taria de Desenvolvimento Social de Saúde do Município de Sobral à época das investigações internacio-
nais sobre o caso. O depoimento completo encontra-se em ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AME-
RICANOS, Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Ximenes Lopes vs. Brasil. Sentença de
mérito, reparações e custas, de 4 de julho de 2006, p. 10.
34
Parte do depoimento testemunhal do médico psiquiatra José Jackson Coelho Sampaio, que pode ser encontrado
na íntegra em ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, Corte Interamericana de Direitos Huma-
nos. Caso Ximenes Lopes vs. Brasil. Sentença de mérito, reparações e custas, de 04 de julho de 2006, p. 9.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 265
manicomial, percebe-se, ainda, uma hegemonia de tal modelo, como destaca
Milton Freire Pereira no seu depoimento testemunhal perante a CtIDH. Além
disso, o Tribunal Internacional reconheceu que, estando o tratamento médi-
co cruel e violento dado a Damião Ximenes Lopes como uma das formas de
violações de seus direitos, as práticas induzidas pelos profissionais ligados à
saúde mental ainda estavam em desacordo com os princípios protetores da
vida e dignidade da pessoa humana constantes na CADH, com a Conven-
ção de Caracas, bem com os Princípios para a Proteção das Pessoas Acometi-
das de Transtorno Mental e para a Melhoria da Assistência à Saúde Mental.
Nesse sentido, compreendeu “que o Estado deve continuar a desenvolver um
programa de formação e capacitação para o pessoal médico, de psiquiatria e
psicologia, de enfermagem e auxiliares de enfermagem, bem como para todas
as pessoas vinculadas ao atendimento de saúde mental, em especial sobre os
princípios que devem reger o tratamento a ser oferecido às pessoas com de-
ficiência mental, de acordo com as normas internacionais sobre a matéria e
as dispostas nesta Sentença”35. Esse último ponto, em específico, foi debatido
constantemente entre o Estado brasileiro e a CtIDH durante as supervisões de
cumprimento de sentença em 2008, 2009 e 2010.
Durante os relatórios feitos pelo Brasil em resposta às supervisões de
cumprimento de sentença, o país informou que tem tomado providências
concernentes às melhorias no âmbito da saúde mental. Dentre tais melhorias
citadas, destacam-se o contínuo desenvolvimento, desde 2002, do Programa
Permanente de Formação de Recursos Humanos para a Reforma Psiquiátrica,
cursos de especialização em diversos estados brasileiros, a criação do Programa
de Qualificação dos CAPS em 2005 e a instauração do Programa Emergencial
de Ampliação do Acesso para a Atenção de Problemas relacionados ao Álcool
e outras Drogas.
Na resolução de 2010 da CtIDH na fase de supervisão de cumprimento
de sentença, porém, o Tribunal, apesar de reconhecer as iniciativas de caráter
geral direcionadas às melhorias na assistência no campo da saúde mental,
declarou que o Estado brasileiro se esquivou da sua obrigação de cumprir a
obrigação, pois “apesar de ter mencionado de modo geral a realização de di-
versos cursos de especialização em saúde mental, que teriam beneficiado mais
de 800 profissionais, o Brasil não especificou o conteúdo nem o período no
qual tais cursos foram empreendidos; não precisou a quantidade de cursos de
aperfeiçoamento e de atualização realizados com posterioridade da Sentença,
nem o conteúdo e o número de profissionais beneficiados com os mesmos; e
35
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Caso Ximenes Lopes vs. Brasil. Sentença de mérito, reparações e custas, de 4 de julho de 2006,
parágrafo 250.
266 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
CONCLUSÃO
36
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Caso Ximenes Lopes vs. Brasil. Supervisão de cumprimento de sentença, de 17 de maio de 2010,
parágrafo 19.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 267
Psiquiátrica no Brasil, levando a concluir que, apesar de ter sido necessária
a intervenção de um tribunal internacional para se discutir práticas huma-
nizadas no âmbito da assistência à saúde mental no Brasil, o Estado adotou
medidas em forma de políticas públicas que fizeram desenvolver, mesmo que
de forma lenta, a Reforma Psiquiátrica brasileira. No entanto, para se chegar
ao cumprimento total da sentença, o Brasil falta mostrar à CtIDH se adotou
medidas satisfatórias no tocante aos cursos de formação e capacitação dos
profissionais ligados à assistência da saúde mental e, para se provar isso ao
tribunal, é necessário que o país se manifeste acerca do conteúdo, período e
quantidade de cursos de capacitação, bem como o número de profissionais
beneficiados com os mesmos, devendo especificar quantos destes profissionais
trabalham em instituições psiquiátricas similares à Casa de Repouso Guara-
rapes de Sobral/CE, local em que Damião Ximenes foi violentado e morto.
A importância deste trabalho se debruça no sentido de incentivar o con-
tínuo avanço da Reforma Psiquiátrica revelando os impactos das políticas
públicas adotadas pelo Brasil a fim de cumprir as obrigações declaradas na
sentença que mostram resultados até a atualidade, já que a expansão dos CAPS
(que hoje servem como modelo de substituição do sistema manicomial), pro-
gramas como o Programa de Volta para Minha Casa, Programa Permanente
de Formação de Recursos Humanos para a Reforma Psiquiátrica, Programa de
Qualificação dos CAPS e o Programa Emergencial de Ampliação do Acesso
para a Atenção de Problemas relacionados ao Álcool e outras Drogas, além
dos cursos de capacitação e formação dos profissionais que atuam no âmbito
da saúde mental, modificaram as práticas de cuidado para com as pessoas
que sofrem com transtornos mentais e o olhar da própria sociedade para os
doentes mentais.
Portanto, conclui-se que houve um significativo avanço para a Reforma
Psiquiátrica brasileira fruto do caso Ximenes Lopes vs. Brasil, tendo uma gran-
de influência das normas internacionais sobre o tratamento humanizado de
doentes mentais e dos princípios protegidos por documentos importantes no
Sistema Regional como a Declaração de Caracas e os Princípios para a Prote-
ção das Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e para a Melhoria da As-
sistência à Saúde Mental. Porém, o Estado deve continuar em busca de adotar
medidas que garantam a não repetição das violações aos direitos humanos das
pessoas com deficiência mental, como um maior investimento na formação
dos profissionais responsáveis pelo tratamento destas pessoas, criando novas
práticas dentro do campo da saúde mental que respeitem os direitos básicos
de todo paciente.
A realização dos cursos de formação e capacitação para o pessoal médico,
de psiquiatria e psicologia, e todas as pessoas vinculadas ao atendimento da
saúde mental, ponto resolutivo importante da sentença proferida pela CtIDH,
268 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
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Capítulo 17
Controle de Convencionalidade no Supremo
Tribunal Federal: Uma Análise da ADPF 153
Nael Neri de Souza Júnior
1. INTRODUÇÃO
3
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 4. ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 211.
4
Cf. CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (Pacto de San José da Costa Rica),
artigo 61. Assinada em 22 de novembro de 1969.
5
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, op. cit., p. 39.
6
GUERRA, Sidney, op. cit., p. 179.
7
RAMOS, A. de Carvalho. Supremo tribunal federal brasileiro e o controle de convencionalidade: levan-
do a sério os tratados de direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, v. 104, p. 241-246jan./dez. 2009.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 273
Para a Corte Interamericana, o juiz nacional, como longa manus do Estado,
tem o dever de compatibilizar a normativa doméstica com os ditames dos tra-
tados de direitos humanos ratificados e em vigor no país, devendo proceder ex
officio (para além, evidentemente, de quando há iniciativa da parte.8
8
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, op. cit., p.40.
9
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Almonacid Arellano e outros Vs. Chile.
Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Julgamento de 26 de setembro de 2006, p. 52.
10
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, ibidem.
11
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (“guerrilha do
Araguaia”) vs. Brasil. Voto do juiz ad hoc Roberto de Figueiredo Caldas, p. 3.
274 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
Na esfera nacional, este controle se dará por intermédio da atuação dos tri-
bunais e juízes internos, que terão a competência de aplicar a Convenção em
detrimento da legislação interna, em um caso concreto, a fim de proteger
direitos mais benéficos à pessoa humana. 14
12
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (“guerrilha
do Araguaia”) Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Julgamento de 24 de
novembro de 2010, p. 65.
13
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, op.cit., p. 41.
14
GUERRA, Sidney, op. cit., p. 182 e 183.
15
MAZZOLI, Valerio de Oliveira, op. cit., p.40.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 275
promoção do “diálogo das fontes”, ele deve, ao observar as diferentes disposi-
ções, visar o fim de encontrar a solução mais benéfica à pessoa humana16. Esse
é o mesmo posicionamento Ramos, ao proferir que a solução de um conflito
entre normas interna e externa pode ser resolvido pela primazia da norma que
mais favorece ao indivíduo, seja ela nacional ou internacional.17
Feitas essas considerações genéricas sobre o controle jurisdicional interno
de convencionalidade, pode-se dar sequência à investigação e remeter atenção
à jurisdição brasileira, mais especificamente ao STF e a sua interação com es-
sas exigências internacionais, já que, somente levando a sério18 o controle de
convencionalidade e adequando sua jurisprudência em relação aos tratados e
ao entendimento internacional, esse Tribunal poderá se adequar às obrigações
assumidas pelo Estado brasileiro nas convenções de que é parte.
19
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 88.420/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pri-
meira Turma, julgado em 17/04/2007. Voto do Min. Ricardo Lewandowski, p. 11.
20
LEWANDOWSKI, Ricardo, ibidem.
21
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário 511.961/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes,
Tribunal Pleno, julgado em 17/06/2009. Voto do Min. Gilmar Mendes, p. 79.
22
MENDES, Gilmar, ibidem.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 277
A ministra Cármen Lúcia, no mesmo julgado, também exerce, a exemplo
do ministro Ricardo Lewandowski no HC supracitado, além do controle de
constitucionalidade, o expresso controle de convencionalidade, ao proferir
este posicionamento:
23
LÚCIA, Cármen, op. cit., p. 96.
24
LEWANDOWSKI, Ricardo, op. cit., p. 99.
25
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário 466.343/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Tri-
bunal Pleno, julgado em 03/12/2008. Voto do Min. Ricardo Lewandowski, p. 93.
278 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
E, posteriormente, ele vai lançar uma resposta a essa reflexão por ele es-
timulada, tecendo considerações a respeito da inadequação da jurisprudência
aos ditames contemporâneos: “Tudo indica, portanto, que a jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal, sem sombra de dúvidas, tem de ser revisitada
criticamente”27. O ministro utiliza a palavra “criticamente” com a finalidade
de alertar ao fato de que a atualização jurisprudencial deve observar os precei-
tos internacionais de Direitos Humanos e não só aos precedentes do Tribunal.
Gilmar Mendes ainda vai consignar, de forma categórica, o seguinte:
26
MENDES, Gilmar, op. cit., p. 42.
27
Ibidem, p. 47.
28
Ibidem, p. 55.
29
Ibidem, págs. 55 e 56.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 279
Diante desses termos, o ministro exerceu o controle de convencionalida-
de interno pela via difusa, adequando a norma jurídica brasileira à Convenção
Americana de Direitos Humanos, ao afastar os efeitos da incidência de regra
constitucional em questão.
O ministro Celso de Mello, neste mesmo precedente, também, como
o ministro Gilmar Mendes, vai fazer importantes considerações acerca dos
tratados internacionais de Direitos Humanos e de sua posição hierárquica no
sistema jurídico brasileiro:
Inicialmente, atento para o que foi observado pela Senhora Advogada repre-
sentante do amicus curiae Cejil, Dra. Helena de Souza Rocha, no sentido de
que a postulação encampada pela entidade por ela representada fundamenta-
-se no direito à verdade, hoje reconhecido pela legislação internacional como
inerente a todos os povos.33
32
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153/DF,
Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 24/04/2010. Voto do Min. Eros Grau.
33
LÚCIA, Cármen, op. cit., p. 78.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 281
estatal de investigar as violações aos direitos humanos cometidas no período
em questão:
Ainda que se admita, apenas para argumentar, que o País estivesse em uma
situação de beligerância interna ou, na dicção do Ato Institucional 14/1969
– incorporado à Carta de 1967, por força da EC 1/1969 – enfrentando uma
“guerra psicológica adversa”, “guerra revolucionária” ou “guerra subversiva”,
mesmo assim os agentes estatais estariam obrigados a respeitar os compromis-
sos internacionais concernentes ao direito humanitário, assumidos pelo Brasil
desde o início do século passado.35
34
Ibidem, p. 79.
35
LEWANDOWSKI, Ricardo, op. cit., p. 118.
282 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
36
Ibidem, p. 128.
37
Ibidem, p. 129.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 283
inciso XLIII do art. 5° da Constituição Federal. Admitindo, assim como o
ministro Lewandowski, a responsabilização dos infratores.38
No entanto, em relação às disposições internacionais, o ministro, a exem-
plo do relator, demonstrou omissão. Não se referiu a convenções de direitos
humanos e tampouco ao entendimento jurisprudencial da CTIDH. Por isso,
ao se limitar ao ordenamento jurídico interno e ignorar as disposições inter-
nacionais, é possível inferir que seu posicionamento careceu de maior funda-
mentação jurídica sedimentada em matéria de direitos humanos.
Dando continuidade à análise, remeteremos atenção ao voto da ministra
Ellen Gracie, que apresenta um voto bastante curto, pouco fundamentado,
que acompanha inteiramente o relator do caso.
O entendimento da ministra, talvez, seja o que mais se opõe aos precei-
tos de direitos humanos internacionais. Não somente pelo fato de ela não
observar os tratados e muito menos a jurisprudência das cortes externas,
mas também por demonstrar posicionamento que contraria todo o espírito
de proteção dos direitos humanos que se desenvolveu internacionalmente,
como nos reiterados julgamentos da CTIDH, o qual foi rapidamente expla-
nado no tópico anterior, no sentido de identificar e responsabilizar quem
venha a transgredi-los.
Ela, ao admitir o sentido grego de anistia, consigna os seguintes termos:
38
BRITTO, Ayres, op. cit.
39
GRACIE, Ellen., op. cit., p. 152.
40
Ibidem.
284 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
41
Cf. AURÉLIO, Marco, op. cit.
42
MELLO, Celso de., op. cit., p. 162.
43
Ibidem, p. 183.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 285
Além desse reconhecimento, ele ainda expôs quais os fundamentos ju-
rídicos convencionais que embasam as decisões internacionais a respeito das
violações de Direitos Humanos:
44
Ibidem, p. 183 e 184.
45
Ibidem, p. 184.
286 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
CONCLUSÃO
46
PELUSO, Cezar, op. cit., p. 210.
47
O voto do ministro Gilmar Mendes, apesar de ser expressado anteriormente, é reiterado com uma fun-
damentação mais consistente por meio de um voto-vogal, que se encontra, no documento em análise,
posterior a todos os outros votos de seus pares.
48
Cf. MENDES, Gilmar, op. cit.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 287
os precedentes mais antigos, que dedicavam maior atenção aos postulados do
ordenamento jurídico interno.
No entanto, no precedente ora investigado, curiosamente, a postura do
STF relativa às disposições internacionais foi outra, predominantemente omis-
sa e contraposta ao entendimento internacional de direitos humanos. Seria
essa postura do Pretório Excelso incoerente em relação à própria jurisprudên-
cia? Essa suposta incoerência teria força suficiente para ensejar uma revisão
da decisão pelo mesmo Supremo? Uma eventual revisão da decisão poderia
produzir efeitos reais na atualidade? Essas reflexões, algumas das possíveis em
torno da investigação sobre o julgamento da ADPF 153, demonstram que o
interesse crítico acerca desse precedente não se esgotou e este ainda se mostra
um bom objeto de debate.
Em suma, sob uma perspectiva geral, é possível compreender que a ju-
risdição brasileira necessita de uma maior proximidade e afinidade com os
preceitos internacionais de direitos humanos com o objetivo de que o Estado
brasileiro cumpra de forma eficiente suas obrigações, assumidas mediante a
ratificação perante os tratados internacionais, a fim de que se garanta cada vez
mais proteção à pessoa humana. E que as instituições dos Estados jamais sejam
coniventes novamente com as violações de direitos humanos características
dos períodos de governos autoritários.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153/DF, Rel.
Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 24/04/2010.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 88. 420/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira
Turma, julgado em 17/04/2007.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário 466.343/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal
Pleno, julgado em 03/12/2008.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário 511.961/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal
Pleno, julgado em 17/06/2009.
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Almonacid Arellano e outros Vs. Chile.
Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Julgamento de 26 de setembro de 2006.
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (“guerrilha do Ara-
guaia”) Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Julgamento de 24 de novembro de 2010.
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GUERRA, Sidney. O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o controle de convencio-
nalidade. São Paulo: Atlas, 2013.
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 4. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2016.
RAMOS, A. de Carvalho. Supremo tribunal federal brasileiro e o controle de convencionalidade: levando a sério
os tratados de direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 104, p.
241-246jan./dez. 2009.
Capítulo 18
Convenção Internacional Sobre os Direitos
das Pessoas Com Deficiência e seus Impactos no
Ordenamento Jurídico Brasileiro
Thiago Fernando de Queiroz
Sônia Alves Bezerra Lins
1. INTRODUÇÃO
1
Artigo 5º, § 3º os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em
cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,
serão equivalentes às emendas constitucionais
2
Mazzuoli elucida que essa “tendência do constitucionalismo contemporâneo de se igualar hierarquica-
mente os tratados de proteção dos direitos humanos às normas constitucionais.” (2002, pág. 121)
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 289
tas pactuadas nos referidos documentos. Um dos tratados internacionais que
trouxe significantes avanços nas garantias e direitos das PCD’s foi a Conven-
ção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CIDPCD);
esse documento foi elaborado por uma comissão da Organização das Nações
Unidas (ONU), à qual a República Federativa do Brasil pactuou em uma reu-
nião em Nova York no dia 30 de março de 2007.
A conquista do reconhecimento dos direitos das PCD’s asseveradas pela
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi
resultante de movimentos organizados com muitas lutas em protestos e reivin-
dicações de medidas que visassem a superação dos diversos males sofridos por
essas pessoas, na prática de sua cidadania e protagonismo que reivindicavam
igualdade de oportunidades à semelhança dos demais cidadãos. Diante disso,
a internacionalização da Convenção pela nação brasileira ratificou os direitos
assegurados e reconheceu muitas outras necessidades, dando maior consistên-
cia à política de Direitos Humanos e à vida em sociedade, à medida que trouxe
mais dignidade e valoração a esse público que, no Brasil, somaram cerca de 45
milhões3 de pessoas nessa condição de algum tipo de deficiência.
Outro avanço significante ocorreu quando, por influência da referida
Convenção, o Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência
(CCONADE), que está vinculado à Secretaria de Direitos Humanos, lança
uma portaria exprimindo o conceito da terminologia4 que deve ser utilizada
para as PCD’s, pois, anteriormente, as mesmas eram denominadas como pes-
soas portadoras de deficiência. Contudo, existe uma dúvida no tocante ao ter-
mo necessidades especiais, o Artigo 3º5 do Decreto nº 914, de 06 de setembro
de 1993, abrangia pessoas com necessidades especiais às pessoas com deficiên-
cia, porém, tal decreto foi revogado pelo Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro
de 1999. Pessoas com necessidades especiais pode ser pessoas com deficiência
ou não, pois, como o próprio nome elucida, pessoa com necessidade especial é
aquela que necessita de algum apoio diferenciado para cumprir com algum as-
pecto laboral, como por exemplo, um idoso que utiliza a bengala para andar,
uma criança com dificuldade na aprendizagem que tem aulas de reforço para
melhorar seu índice de aprendizagem, ou até mesmo uma pessoa obesa que
necessita de assentos especiais para se acomodar em transportes.
Essa mudança na terminologia reflete um processo de quebra de paradig-
ma, o qual, historicamente, esse grupo de pessoas que eram relegadas à própria
3
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE de 2010.
4
Portaria SEDH Nº 2.344, de 3 de novembro de 2010, sancionada em 05.11.2010 – Art. 2º - I: “Onde se
lê “Pessoas Portadoras de Deficiência”, leia-se “Pessoas com Deficiência””
5
Art. 3º Considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que apresenta, em caráter permanente, per-
das ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem inca-
pacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.
290 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
sorte, sem a valoração devida, enquanto ser humano, nem pelo Estado e nem
pela sociedade e tratados como coisa qualquer, passam a serem vistos como
pessoas que, independentemente de suas limitações, têm potencialidades e di-
reitos inalienáveis; isto significa que os direitos fundamentais não podem ser
legitimamente negados a nenhuma pessoa; por outro lado, são irrenunciáveis,
visto que uma pessoa não pode renunciar o seu direito fundamental e sub-
meter-se de forma voluntária às ordens de terceiros, ainda que seja do Estado.
A organização do documento legal da Convenção delineia-se em seu
preâmbulo, nos 40 artigos temáticos onde abrange sobre os direitos funda-
mentais e sociais, 10 artigos administrativos e o Protocolo Facultativo para
monitoramento. Há de se salutar que a Convenção abrange em seu documen-
to princípios basilares que traz a lume garantias que primam por uma maior
dignidade a pessoa com deficiência, dentre os tais princípios, pode-se citar o da
autonomia das vontades, da igualdade e da não discriminação. Os princípios
supramencionados ganharam um forte peso no Ordenamento Jurídico bra-
sileiro, bem como os Estados-partes6 que consignaram com esse documento.
No Brasil, a Convenção tem caráter de emenda à Constituição, isso porque tal
documento foi aprovado pelo Congresso nacional por três quintos dos votos.
A CIDPCD influenciou fortemente no processo de elaboração da Lei Bra-
sileira de inclusão e em demais parâmetros. Neste exposto, este artigo acadêmico
abrangerá algumas dessas influências ao Ordenamento Jurídico brasileiro, para
tanto, foi realizada uma pesquisa documental7, ao qual são fontes primárias
do estudo em análise, foi também explorado brevemente uma contextualização
histórica das pessoas com deficiência, com a finalidade de compreender qualita-
tivamente a importância de tal documento ao Ordenamento Jurídico brasileiro.
6
De acordo com o Decreto nº 3.045/99, item 1, a) Estado Parte significa cada um dos países signatários
do presente acordo e aqueles que a ele aderirem posteriormente.
7
Conforme Severino (2007), a pesquisa documental “tem-se como fonte documento amplo [...]. Nestes ca-
sos, os conteúdos dos textos ainda não tiveram nenhum tratamento analítico, são ainda matéria-prima [...]”;
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 291
Alguns povos também entediam que a pessoa que nascia com deficiência
era mediante à um fato errôneo da natureza ou pecado de seus genitores, ou
mesmo pelo próprio ser que teria cometido um erro grave. Observa-se esse
fato em um texto bíblico , ao qual João narra a história de uma pessoa com
cegueira total e que, Jesus, ao passar por ela, a mesma lhe pediu que a curasse
e, atendendo ao pedido, essa pessoa voltou a ver; daí Jesus foi questionado por
seus discípulos quem tinha pecado para que a pessoa com deficiência nascesse
cega; o Líder cristão respondeu-lhes que a deficiência era para ser manifestada
a glória de Deus, modificando assim o entendimento de seus discípulos ao
que tangia ao paradigma da época que associava a deficiência ao pecado e a
transgressão de um princípio divino. Passando por essa contextualização his-
tórica citado no texto bíblico, desse momento até o período onde começou-se
a falar de direitos humanos e direitos fundamentais, pouca coisa avançou no
que tange aos direitos das PCD’s.
Adentrando sobre a perspectiva dos direitos humanos e direitos funda-
mentais, pode-se ressaltar o marco do documento da Declaração Universal do
Direito do Homem e do Cidadão de 1789, tal documento fora fomentado no
período da Revolução Francesa, e, a partir dele começou-se a falar em dimen-
sões ou também chamada gerações de direitos humanos.
Passados esses períodos, outro fato iria advir para a promoção e para
o desenvolvimento das garantias e direitos das pessoas com deficiência. No
início do Século XX houveram duas grandes guerras mundiais, das quais, em
função das mazelas delas advindas, muitos outros direitos foram conquista-
dos, como a igualdade de oportunidades, visto que muitos dos homens que
voltaram dessas guerras estavam mutilados, alguns ficaram cegos, surdos, com
deficiência física e até com deficiência intelectual/mental. Para tanto, muitas
nações buscaram reabilitar esses homens que lutaram por sua pátria, buscando
diminuir os impactos que as deficiências lhes trouxeram. Esse período his-
tórico foi conhecido como da integração, pois, de algum modo buscou-se a
participação da pessoa com deficiência na sociedade, porém, na realidade de
fato elas não eram incluídas.
Após esse período de guerras, os Estados começaram a criar parcerias,
atuarem de forma regionalizada, para que assim fosse garantido a efetividade
dos direitos humanos. Na América, no ano de 1948 foi fundado a Organiza-
ção dos Estados Americanos (OEA); tendo como objetivo fundante resguardar
os direitos humanos aos Estados-membros que compusessem a esse bloco.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida
como o Pacto de São José da Costa Rica, foi adotada no âmbito da Organiza-
ção dos Estados Americanos, em São José da Costa Rica, em 22 de novembro
de 1969. Tal documento foi assinado pela República Federativa do Brasil e
promulgada através do Decreto Nº 678, em 6 de novembro de 1992. O arti-
292 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
8
Sassaki (1997) aborda que a inclusão somente ocorre quando existe a bilateralidade entre a sociedade e
a pessoas com deficiência.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 293
Direitos humanos no que abrange aos direitos das pessoas com deficiência;
é importante compreender que todos esses documentos foram importantes
para auxiliar na elaboração da Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência
No ano de 2002 uma Comissão da ONU começa os trabalhos na cons-
trução no documento ao qual conhecemos hoje como a “Convenção Inter-
nacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”. O diferencial da
elaboração da Convenção foi a participação das entidades de pessoas com
deficiência, tendo esses sujeitos na discussão das matérias abrangidas na cons-
trução do documento.9
Como abordado, a CIDPCD teve uma participação ativa das pessoas com
deficiência, tanto nas discussões nas comissões, como na construção do docu-
mento final. Isso viabilizou veementemente nas garantias e direitos que estão
contidos no documento. Pela participação ativa das pessoas com deficiência
na elaboração da Convenção, os membros das Comissões utilizaram o seguin-
te tema “Nada Sobre Nós, Sem Nós”10, pois, é de se convir que as pessoas com
deficiência sabem e sentem realmente os fatores que implicam em sua vida co-
tidiana. Por este viés que a CIDPCD trouxe um caráter que realmente atendeu
as necessidades das pessoas com deficiência, norteando outros Estados no que
abrange aos direitos mínimos para as PCD’s.
Tendo levado em média quatro anos de elaboração do documento, no
dia 13 de dezembro de 2006, em uma reunião da Assembleia Geral da Organi-
zação das Nações Unidas (ONU) em Nova York o texto final foi aprovado. A
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência detém
de 50 artigos, sendo o documento dividido, tendo o preâmbulo, 40 artigos
temáticos e 10 artigos administrativos; além de conter o Protocolo Facultativo
para monitoramento, os quais condensam e asseguram, na forma do direito,
os anseios desse grupo de pessoas.
Ao ter sido apresentado o texto final, somente em 30 de março de 2007
foi exposto aos Estados-Partes para assinarem e pactuarem com o tratado, ao
qual o Brasil foi um desses Estados partes que consignaram com a Convenção.
Após a assinatura da Convenção, houve a tramitação e aprovação do Decreto
legislativo nº 168 do dia 09 de julho de 2008. Por fim, ao ter sido aprovado o
9
ATALIA, Regina. Entrevista com Luis Gallegos Chiriboga, presidente (2002-2005) do comitê Ad Hoc
que elaborou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. 2011.
10
Nesse ponto, Soares (2010) diz que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com De-
ficiência foi: construída a partir da ótica de que as próprias pessoas com deficiência são as que sabem o
que é melhor para elas e por isso devem ser ouvidas em todas as ações que as envolvam. O lema NADA
SOBRE NOS SEM NOS concede a essa obra, desde a sua concepção até seu desfecho final, a exata di-
mensão do que as pessoas com deficiência são capazes de fato (SOARES, 2010, pág. 63 apud BRASIL,
2008, p. 15)
294 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
dessa autonomia, tal artigo ainda admoesta a importância do uso das tecnolo-
gias assistivas ao expor no Artigo 26º Item 317. De igual modo no que concerne
a autonomia das pessoas com deficiência, as tecnologias assistivas possibilitam
essa quebra de barreiras da informação. Neste ponto, o Artigo 4º Item 1, alí-
neas g e h18 da CIDPCD elenca que é dever dos Estados partes promoverem
essas tecnologias para a diminuição das barreiras concernentes a informação.
Na promoção da igualdade de oportunidades, as tecnologias assistivas
é uma das formas pela qual isso realmente pode ocorrer, porém, realmente
é necessário que haja a aplicabilidade de tais recursos para essa efetivação. A
CIDPCD em seu Artigo 5º aborda sobre a “igualdade e não-discriminação”,
o Brasil tem até expresso em sua Carta Magna no Artigo 5º o princípio da
igualdade, conhecido também como Princípio da Isonomia.
A CIDPCD estarrece a questão do princípio da não-discriminação, pois,
a discriminação é algo vivenciado recorrentemente pelas pessoas com deficiên-
cia. É importante até se atentar no que consta no Artigo 5º Itens do 1 ao 419
que todas as pessoas com deficiência são iguais perante a lei e que o Estados
Partes deve diminuir os fatores que fomentem a discriminação. O princípio da
não-discriminação também é apontado na Lei Brasileira de Inclusão, ao ponto
em que tal lei dispõe de uma norma penal em que torna crime a discriminação
contra as pessoas com deficiência. Assim, deste modo, buscar-se-á ao máximo
diminuir os fatores que envolve a discriminação às pessoas com deficiência.
Assim, deste modo, a Lei nº 13.146/15 trouxe enormes avanços nas ga-
rantias e direitos das pessoas com deficiência; não somente no aspecto do que
fora mencionado neste artigo, mas, a LBI traz vários artigos e incisos no que
concerne o direito a educação, a saúde, ao trabalho, ao lazer; sintetizando, a
Lei Brasileira de Inclusão, que foi influenciada pela Convenção Internacional
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é realmente um estatuto que
elenca os direitos principais para o mínimo de uma vida digna para as pessoas
com deficiência.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ATALIA, Regina. Entrevista com Luis Gallegos Chiriboga, presidente (2002-2005) do comitê Ad Hoc que
elaborou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. 2011. Disponível em: < http://www.co-
nectas.org/pt/acoes/sur/edicao/14/1000412-entrevista-com-luis-gallegos-chiriboga-presidente-2002-2005-do-comite-
-ad-hoc-que-elaborou-a-convencao-sobre-os-direitos-das-pessoas-com-deficiencia> Acesso em: 15 de outubro de 2017.
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cia (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
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nalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm> Acesso em: 15 de outubro de 2017.
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ccivil_03/decreto/d0914.htm> Acesso em: 28 de janeiro de 2018.
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de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000,
que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras
de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.
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300 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
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Capítulo 19
Trabalho Escravo Contemporâneo:
Uma Análise sobre as Políticas Públicas Brasileiras
Danielle Carvalho Rebouças
Liziane Paixão Silva Oliveira
1. INTRODUÇÃO
1
WALK FREE FOUDATION. The Global Slavery Index. 2016. Disponível em: <https://www.global-
sla veryindex.org/findings/>. Acesso em: 11 jun. 2017.
302 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
A partir do tema proposto a pesquisa será realizada por uma abordagem quali-
tativa, caracterizada principalmente pelo levantamento de dados por meio do
órgão das Nações Unidas responsável pelo assunto em questão, a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), além de importantes veículos de comunica-
ção e Organizações Internacionais Não-Governamentais. Utiliza-se o método
descritivo-analítico que, segundo Martins2, seria capaz de descrever um deter-
minado fenômeno, estabelecendo as relações entre as variáveis e os fatos.
2
MARTINS, Gilberto de Andrade. Manual para Elaboração de Monografias e Dissertações. Editora
Atlas S.A., 3 ed. 2002.
3
ALBORNOZ, S. O que é trabalho. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1994.
4
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 12. Ed. rev. – Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015. p. 9-22.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 303
de uma ideia de sofrimento e falta de liberdade, ligado, principalmente, ao su-
primento das necessidades biológicas e sobrevivência do ser humano, para um
papel central na efetividade da dignidade do Homem, enquanto ser político.
O trabalho, passa a ter, então, uma posição central no espaço político en-
quanto papel social, onde a vida e a busca pela felicidade só são possíveis atra-
vés dele, e que sua perda ou possível falta apagaria o sentido da própria vida5.
Em sua obra, a autora estabelece primeiramente uma crítica ao papel cen-
tral que o trabalho assumiu na esfera política, onde observa que houve uma
inversão da política para a economia, por meio de uma inversão de valores, em
que o centro agora está em uma produção interminável de bens e da “vitória”
do animal laborans6. Assim, a modernidade transformou o trabalho em algo
essencial, como própria atividade do viver.
Deste modo, o trabalho, estando no centro da Vita activa7 humana, as
condições de trabalho também precisam ser delimitadas para sua efetiva reali-
zação social e assegurem a dignidade humana.
2.1. O conceito
5
Idem, Ibidem.
6
Idem, Ibidem.
7
Conceito presente no livro A Condição Humana, de Hannah Arendt, onde a autora realiza uma reflexão
filosófica sobre o que chama de Vita activa (vida ativa) do homem moderno, dividindo-o em três pontos:
ação, trabalho e labor.
304 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
8
BALES, Kevin. Disposable People: New Slavery in the Global Economy. Berkley, EUA: University of
California Press Limited, 1999.
9
WALK FREE FOUNDATION. The Global Slavery Index. 2016. Disponível em: <https://www.glo-
balsl averyindex.org/findings/>. Acesso em: 11 jun. 2017.
10
WALK FREE FOUNDATION. Tackling Modern Slavery In Supply Chains. 2014. Disponível em: <http://
s3-ap-southeast-2.amazonaws.com/business.walkfreefoundation.org-assets/content/uploads/2016/09/081
01240/TacklingModernSlaveryInSupplyChains20141-1.pdf>. Acesso em: 11 jun. 2017.
11
Idem. The Global Slavery Index. 2016. Disponível em: <https://www.globalslaveryindex.org/findin-
gs/>. Acesso em: 11 jun. 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 305
dos produtos fabricados por mão de obra escrava é consumido principalmente
por estes países de menor índice em seus territórios.
Uma das principais formas assumidas pelo que se compreende por
escravidão moderna é o trabalho forçado, ou seja, quando se é coerciti-
vamente obrigado a trabalhar. Na maior parte dos casos o trabalhador
também não tem jornada máxima definida, horas para descanso, ambiente
ou estrutura inadequados ou insalubres além de não receber pelos serviços
prestados, e em algumas situações o confisco de documentos. A Organi-
zação Internacional do Trabalho refere-se sobre o trabalho forçado como
“situações em que pessoas são forçadas a trabalhar através do uso de vio-
lência ou intimidação, ou por meios mais sutis, como dívida acumulada
ou retenção de identidade”12.
Além desta, as maneiras mais comuns de escravidão moderna encontra-
das são: a) a servidão por dívidas, quando o trabalhador tem que pagar por
instrumentos do seu trabalho ou acumula dívidas com o empregador, o que
o obriga a trabalhar para pagar algo que nunca poderá realmente ser sanado;
b) o tráfico humano, por aliciamento ou transferência de pessoas para explo-
ração, comerciais ou pessoais, incluindo-se, nessa parte, também a exploração
sexual e; c) a venda e exploração de crianças13.
A tabela 0114 abaixo apresenta o caminho normalmente percorrido nessas
situações, onde o trabalhador primeiramente é aliciado por uma pessoa paga
especificamente para identificar e recrutar pessoas vulneráveis ou desemprega-
das, que estejam a busca ou necessitando alguma oportunidade. Em todas as
situações a lógica da escravidão está ligada à ideia de lucro, pagar por mão-de-
-obra barata e “descartável”.
Tabela 01
12
Idem. Tackling Modern Slavery In Supply Chains. 2014. Disponível em: <http://s3-ap-southeast-2.
amazona ws.com/business.walkfreefoundation.org-assets/content/uploads/2016/09/08101240/Tack-
lingModernSlaveryIn SupplyChains20141-1.pdf>. Acesso em: 11 jun. 2017.
13
Idem, Ibidem.
14
Tradução livre da tabela que se encontra no documento The Global Slavery Index 2014, p. 17.
306 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
15
BALES, Kevin. Disposable People: New Slavery in the Global Economy. Berkley, EUA: University of
California Press Limited, 1999.
16
Idem, Ibidem.
17
BALES, Kevin. Disposable People: New Slavery in the Global Economy. Berkley, EUA: University of
California Press Limited, 1999.
18
Idem, Ibidem.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 307
nova conjuntura ou forma em que se apresenta ainda são inimagináveis em sua
potencialidade, uma vez que, por meio do processo de “descartabilidade do ho-
mem”, este se torna algo supérfluo. E afirma que mesmo que o viés econômico
e o lucro sejam os principais pilares para a existência e persistência da escravidão
moderna, outro fator importante que encoraja sua existência é o desconheci-
mento sobre o assunto, por parte dos governos e da opinião pública.
19
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris,
1948. Disponível em: <http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf>. Acesso em: 05 jun. 2017.
20
Idem, Ibidem.
21
OIT. Report of the Director-General: decent work, 87th Session, Geneva, 1999. Disponível em: <http://
www.ilo.org/public/english/standards/relm/ilc/ilc87/rep-i.htm>. Acesso em: 19 jun. 2017.
308 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
22
ONU. Objetivo 8: Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego
pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos. Brasília, 2015. Disponível em: <https://nacoe-
sunidas.org/pos201 5/ods8/>. Acesso em: 09 jun. 2017.
23
OIT. Global estimatives of modern slavery: forced labour and forced marriage. Geneva, 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 309
3.1. Organização Internacional Do Trabalho (OIT)
24
OIT. Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho. Genebra, 1998.
Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/oit/doc/declaracao_oit_547.pdf >.
Acesso em: 09 jun. 2017.
25
OIT. História da OIT. Brasília, S/A. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/conheca-a-oit/his-
t%C3% B3ria/lang--pt/index.htm >. Acesso em: 16 Jun. 2017.
26
OIT. Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho. Genebra, 1998.
Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/oit/doc/declaracao_oit_547.pdf >.
Acesso em: 09 jun. 2017
27
OIT. Declaração da OIT sobre a Justiça social para uma Globalização Equitativa. Genebra, 2008.
Disponível em: <http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/docu-
ments/genericdocument/wcms_336918.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2017.
310 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
28
OIT. Constituição da Organização Internacional Do Trabalho (OIT) e seu anexo (Declaração de
Filadélfia). Genebra, 1948, p. 19. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/t opic/
decent_work/doc/constituicao_oit_538.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2017.
29
Idem. Campanha 50th For Freedom. Genebra, 2017. Disponível em: <http://50forfreedom.org/pt/
protocol o/>. Acesso em: 23 out. 2017.
30
Idem. Trabalho Forçado. Brasília, S/A. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho
-escravo/lang--pt/index.htm>. Acesso em: 10 jun. 2017.
31
Idem. Convenção nº 29 sobre Trabalho Forçado ou Obrigatório. Genebra, 1930. Disponível em: <http://
www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235021/lang--pt/index.htm>. Acesso em: 09 jun. 2017.
32
OIT. Convenção nº 105 sobre a Abolição do Trabalho Forçado. Genebra, 1957. Disponível em: <http://
www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235195/lang--pt/index.htm>. Acesso em: 09 jun. 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 311
Devido as necessidades de um novo contexto, diferente do qual surgi-
ram as convenções que norteiam o combate ao trabalho forçado, e o grande
número de pessoas ainda submetidas ao trabalho escravo, em 2014, surge um
novo Protocolo sobre trabalho forçado, que pretende agir de maneira a com-
plementar a Convenção 29. O protocolo se propõe a agir de três maneira:
na prevenção, na proteção, dos indivíduos e trabalhadores, e na reabilitação
dessas pessoas, não só pelos danos físicos e psicológicos, mas como uma for-
ma de impedir que possam cair nas mesmas armadilhas e serem submetidos
novamente ao trabalho escravo.
Porém, um grande obstáculo ao novo protocolo sobre trabalho forçado é
que poucos países o ratificaram. Por conta disso foi criada a campanha “50 For
Freedom”, que tem a meta de conseguir que cinquenta países ratifiquem o proto-
colo até 2018. No momento apenas 2033 países se comprometeram a adotar as
novas medidas propostas e o Brasil está entre os países que ainda não o adotou34.
33
Os países que já ratificaram o novo protocolo sobre o trabalho forçado criado em 2014 são: Argentina,
Panamá, Jamaica, Mauritânia, Mali, Nigéria, Espanha, França, Reino Unido, Holanda, República Che-
ca, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Polônia, Noruega, Suíça, Estônia, Chipre e Islândia. Essa ordem não
representa uma ordem cronológica de adesão.
34
OIT. Campanha 50th For Freedom. Genebra, 2017. Disponível em: <http://50forfreedom.org/pt /
protocolo/>. Acesso em: 23 out. 2017.
35
WALK FREE FOUNDATION. The Global Slavery Index. 2016. Disponível em: <https://www.glo-
balslaveryindex.org/findings/>. Acesso em: 11 jun. 2017.
312 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
36
BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos. Cadastro de Empregadores que tenham submetido
trabalhadores a condições análogas à de escravo. Brasília, 2017. Disponível em: <http://estaticog1.
globo.com/2017/10/22/lista_suja.pdf>. Acesso em: 23 out. 2017.
37
BALES, Kevin. Disposable People: New Slavery in the Global Economy. Berkley, EUA: University of
California Press Limited, 1999.
38
MAISONNAVE, Fabiano. Fim da escravidão depende de punição a beneficiários finais: Especialista
norte-americano contabiliza 27 milhões de pessoas escravas no mundo, 200 mil no país. Folha de São
Paulo, São Paulo . 2004. ENTREVISTA DA 2ª. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/
brasil/fc0202 200428.ht m>. Acesso em: 10 jun. 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 313
por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o
empregador ou preposto”39.
Atualmente o Brasil empenha-se na busca por erradicar qualquer tipo
de trabalho forçado e formas de escravidão modernas, principalmente pela
adesão as convenções sobre o tema junto à OIT e pela formulação de políti-
cas públicas nas últimas décadas, tais como a criação dos Grupos Móveis de
Fiscalização. Estes, desde sua criação em 1995 foram responsáveis pelo resgate
de mais de 50 mil trabalhadores daquelas condições, destes, registram-se 43
mil trabalhadores do ano de 2003 a 2017, segundo o Observatório Digital de
Trabalho Escravo.40
Instrumentos como o Observatório Digital do Trabalho Escravo permi-
tem que além de estatísticas sejam traçados perfis de maior vulnerabilidade e
características que influenciam a chamada “curva de oferta do trabalho escra-
vo”, permitindo assim o desenvolvimento de ações concretas e direcionadas.
A curva de oferta do trabalho escravo é desenhada com base nos locais de natu-
ralidade de trabalhadores egressos e está relacionada ao grau de vulnerabilida-
de experimentado por segmentos populacionais específicos. A vulnerabilidade
socioeconômica facilita o aliciamento dessas pessoas por exploradores. Assim,
a curva de oferta do trabalho escravo está radicada em fatores como pobreza,
desigualdade de renda, concentração da posse da terra, violência, entre outros
(Observatório Digital de Trabalho Escravo, 2003).
39
BRASIL. Lei nº 10.803 n. 149, Código Penal. Redução a condição análoga à de escravo. Brasília,
11 de dez. 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.
htm>. Acesso em: 09 jun. 2017.
40
Importante mecanismo de monitoramento, criado em 2003, por uma parceria entre Ministério Público do
Trabalho e OIT (https://observatorioescravo.mpt.mp.br/).
41
ONU. Sistema ONU no Brasil divulga nota sobre portaria do trabalho escravo. 2017. Disponível
em: <https://nacoesunidas.org/sistema-onu-no-brasil-divulga-nota-sobre-portaria-do-trabalho-escra-
vo/>. Acesso em 23 out. 2017.
314 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
42
BRASIL. Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de es-
cravo. Brasília, 2017. Disponível em: < http://estaticog1.globo.com/2017/10/22/lista_suja.pdf>. Acesso
em: 23 out. 2017
43
Idem. Portaria Nº 1.129, De 13 De Outubro De 2017. São Paulo, 2017. Disponível em: < http://
sintse.tse.jus .br/documentos/2017/Out/16/portaria-no-1-129-de-13 -de-outubro-de-2017-dispoe-sobre-
-os-conceitos-de-trabalho-forcado-jornada-exaustiva-e-condicoes-analogas-a-de-escravo-para -fins-de-
concessao-de-seguro-desemprego-ao-trabalhador-que-vier-a-ser-resgatado-em-fiscalizacao-do-minis-
terio-do-trabalho-nos-termos-do-artigo-2-c-da-lei-n-7998-de-11-de-janeiro-de-1990-bem-como-altera-
dispositivos-da-pi-mtps-mmirdh-no-4-de-11-de-maio-de-2016>. Acesso em: 23 out. 2017
44
Idem. Nota Oficial Sobre A Portaria Nº 1.129/2017. Brasília, 2017. Disponível em: <http://trabalho.
gov.br /noticias/5122-nota-oficial-sobre-portaria-n-1-129-2017>. Acesso em: 23 out. 2017
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 315
ao que se entendia por escravidão nos séculos passados. A Organização das
Nações Unidas (ONU) divulgou uma nota em que critica a portaria:
45
ONU. Sistema ONU no Brasil divulga nota sobre portaria do trabalho escravo. 2017. Disponível
em: <htt ps://nacoesunidas.org/sistema-onu-no-brasil-divulga-nota-sobre-portaria-do-trabalho-escra-
vo/>. Acesso em 23 out. 2017.
46
Idem. ONU manifesta preocupação com projeto de lei que altera conceito de trabalho escravo
no Brasil. 2016. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/onu-manifesta-preocupacao-com-projeto-de
-lei-que-altera-conceito-de-trabalho-escravo-no-brasil/> Acesso em 13 jun. 2017.
47
ONU. ONU manifesta preocupação com projeto de lei que altera conceito de trabalho escravo
no Brasil. 2016. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/onu-manifesta-preocupacao-com-projeto-de
-lei-que-altera-conceito-de-trabalho-escravo-no-brasil/> Acesso em 13 jun. 2017.
48
Idem, Ibidem.
316 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
1
RODRIGUES, Gilberto Marcos Antonio. Direito Internacional dos Refugiados: uma perspectiva bra-
sileira. II Anuário Brasileiro de Direito Internacional, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p.164-178, dez. 2007.
Anual. Pág. 165-166.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 321
humanitário e social, que se relaciona com grupos de refugiados e governos
de diversos países de forma simultânea e democrática2.
Os Estados logo começaram a buscar meios internos de se adaptar a essa
nova realidade, necessitando concretizar os compromissos internacionais as-
sumidos com relação ao trato com os refugiados. Contudo, o Brasil somente
normatizou essa questão em 1997 ao criar uma lei de tutela específica aos
Refugiados, a Lei nº 9.474/97, que surge após o compromisso assumido pelo
País na Convenção de Cartagena de 1984.
Vinte anos após a edição dessa norma nacional, ainda em vigência, é
aprovada a então Lei nº 13.445/17, denominada de Nova Lei de Migrações, a
qual revogará3 o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80) e trará novidades
com relação ao trato com os refugiados que ainda é normatizado de forma
específica pela Lei nº 9.474/97.
Nesse sentido, visando analisar a Nova Lei de Migrações e seus dispositi-
vos concernentes à proteção dos refugiados, o presente artigo fará inicialmente
um relato de como se desenvolveu e se desenvolve a proteção internacional
dos Refugiados no cenário internacional. Em seguida, adentrará mais ao cerne
da temática, analisar alguns dos principais dispositivos da nova lei de migra-
ções brasileira e identificar quais foram os seus avanços e quais serão os seus
desafios em relação aos refugiados e sua proteção no cenário nacional.
2
JUBILUT, L. L. O direito Internacional dos refugiados e sua aplicação no Ordenamento Jurídico Brasi-
leiro. São Paulo: Método, 2007. Pág. 78.
3
No momento da elaboração do presente artigo, a Lei nº 13.445/17 ainda não entrou em vigor.
322 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
§2. Para os fins do presente Protocolo, o termo «refugiado», salvo no que diz
respeito à aplicação do §3 do presente artigo, significa qualquer pessoa que
se enquadre na definição dada no artigo primeiro da Convenção, como se as
palavras «em decorrência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro
de 1951 e...» e as palavras “...como consequência de tais acontecimentos” não
figurassem do §2 da seção A do artigo primeiro.
§3. O presente Protocolo será aplicado pelos Estados Membros sem nenhuma
limitação geográfica; entretanto, as declarações já feitas em virtude da alínea “a”
do §1 da seção B do artigo1 da Convenção aplicar-se-ão, também, no regime
do presente Protocolo, a menos que as obrigações do Estado declarante tenham
sido ampliadas de conformidade com o §2 da seção B do artigo 1 da Convenção.
[...] qualquer pessoa que em temendo ser perseguida por motivos de raça, re-
ligião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do
país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer
valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra
fora do país no qual tinha sua residência habitual, não pode ou, devido ao
referido temor, não quer voltar a ele.
4
RODRIGUES, Gilberto Marcos Antonio. Direito Internacional dos Refugiados: uma perspectiva bra-
sileira. II Anuário Brasileiro de Direito Internacional, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p.164-178, dez. 2007.
Anual. Pág. 166-167.
5
RODRIGUES, Gilberto Marcos Antonio. Direito Internacional dos Refugiados: uma perspectiva bra-
sileira. II Anuário Brasileiro de Direito Internacional, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p.164-178, dez. 2007.
Anual. Pág. 167.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 323
Em meio a tais questões conceituais, Alto Comissariado das Nações Uni-
das para os Refugiados (ACNUR), que fora criado em 1950, já atuava para
garantir a proteção dos refugiados. A Assembléia Geral das Nações Unidas
(AGNU) possuía o objetivo de que este novo organismo tutelasse aqueles que
seriam considerados como refugiados, além de buscar “soluções duradouras
para os problemas dessas pessoas [os refugiados]”6.
Ao longo dos anos, as problemáticas envolvendo os migrantes interna-
cionais se tornaram mais complexas, fazendo com que não só se alterasse o
conceito de “refugiado” como também que fosse ampliada a atuação do Alto
Comissariado. Desta forma, o mesmo passou a tutelar outras pessoas além dos
refugiados, como os apátridas, os deslocados internos e as pessoas cuja nacio-
nalidade seja controversa7.
Para implementar seus objetivos com os diversos povos que tutela, o Alto
Comissariado utiliza-se de, basicamente, três estratégias: a integração local, a
repatriação voluntária e o reassentamento8.
A integração local seria a inclusão do refugiado como membro do Estado
que lhe concedeu o refúgio. Nesse caso, haveria todo um processo complexo,
com dimensões jurídicas, sócio-econômicas e culturais, vez que muitas vezes
os refugiados passariam a viver em nações com costumes bastante diferentes
dos do seu país de origem9.
O segundo método descrito seria o considerado ideal: os refugiados pode-
riam voltar ao seu país de origem, possuindo seus direitos respeitados. É pre-
ciso ressaltar que, uma vez repatriado, o refugiado deixa de ser protegido pelo
Direito Internacional dos Refugiados, passando a ser tutelado pelo Direito do
seu Estado, uma vez que não seria mais considerado um refugiado10.
Por fim, os reassentados são aqueles que não podem permanecer no Es-
tado que lhes concedeu o refúgio – principalmente por decorrência de alguma
necessidade específica que não pode ser solucionada por este país – e que
buscam integra-se em outros territórios11. Com o fim de promover a proteção
jurídica e física dos refugiados – incluindo o acesso a direitos semelhantes
6
ACNUR. O ACNUR no Brasil. Disponível em: <http://www.acnur.org/portugues/informacao-geral/o-
-acnur-no-brasil/>. Acesso em: 01 nov. 2017.
7
ACNUR. A missão do ACNUR. Disponível em: <http://www.acnur.org/portugues/informacao-geral/a-
missao-do-acnur/>. Acesso em: 08 maio 2017.
8
JUBILUT, L. L. O direito Internacional dos refugiados e sua aplicação no Ordenamento Jurídico Brasi-
leiro. São Paulo: Método, 2007. Pág. 75.
9
ACNUR. A missão do ACNUR. Disponível em: <http://www.acnur.org/portugues/informacao-geral/a-
missao-do-acnur/>. Acesso em: 08 maio 2017.
10
JUBILUT, L. L. O direito Internacional dos refugiados e sua aplicação no Ordenamento Jurídico Brasi-
leiro. São Paulo: Método, 2007. Pág. 75.
11
De acordo com o site oficial do ACNUR, as principais zonas de reassentamentos encontram-se nos
Estados Unidos, Austrália, Canadá e países nórdicos. Além destes, os Estados europeus e da América
324 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
Latina (notadamente Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai) também têm se envolvido cada vez
mais com tais medidas (ACNUR, 2017).
12
ACNUR. A missão do ACNUR. Disponível em: <http://www.acnur.org/portugues/informacao-geral/a-
missao-do-acnur/>. Acesso em: 08 maio 2017.
13
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 8. ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais Ltda, 2014.Pág. 268.
14
MERELES, Carla. A CRISE HUMANITÁRIA DOS REFUGIADOS. Disponível em: < http://www.
politize.com.br/crise-dos-refugiados/>. Acesso em 29 jan. 2018.
15
CREVILARI, Vinícius. Crise na Venezuela faz crescer o número de refugiados no Brasil. 2017.
Disponível em: <http://jornal.usp.br/atualidades/crise-na-venezuela-faz-crescer-o-numero-de-refugia-
dos-no-brasil/>. Acesso em 29 jan. 2018.
16
G1. Brasil autoriza permanência definitiva a 44 mil refugiados haitianos. 2015. Disponível em:
<http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2015/11/brasil-autoriza-permanencia-definitiva-44-mil-re-
fugiados-haitianos.html>. Acesso em: 27 maio 2017.
17
Para mais detalhes dessa situação, ver: <http://expresso.sapo.pt/internacional/2016-04-04-Grecia-come-
ca-a-devolver-refugiados-e-migrantes-a-Turquia-sob-controverso-acordo> . Acesso em 05/04/2016.
18
Para mais detalhes dessa situação, ver: <http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/expulsao-de-refugia-
dos-e-legitima-diz-merkel-e-davutoglu>. Acesso em 05/04/2016
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 325
Executivo do ACNUR, assumindo desde logo responsabilidade internacional
pela tomada de decisões do Alto Comissariado19.
Entretanto, em que pese o vanguardismo brasileiro, somente em 1997
adotou-se no País uma lei que tutelasse especificamente os Refugiados, a Lei
nº 9.474/97. Esta norma foi resultado de uma determinação da Convenção de
Cartagena de 1984, a qual em seu 2º tópico define que os Estados-Parte que
ainda não tiverem incorporado em seu ordenamento a Convenção de 1951
deveriam fazê-lo. Além disso, estabeleceu-se, entre outras recomendações, que
os países deveriam criar os mecanismos internos necessários para se oferecer
proteção humanitária aos refugiados20.
Foi nesse ínterim que se editou o Estatuto do Refugiado, como é conhe-
cida a lei nacional responsável pela temática. Tal norma também adota uma
definição muito semelhante a da Convenção de 1951 e Protocolo de 1967,
vez que, logo em seu artigo 1º, o diploma legal trata de definir a condição de
refúgio como sendo:
Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
Perceba-se, entretanto, que no inciso III confere uma leve abertura à definição
nacional com relação ao documento internacional de 1951, por influência das
novas conjunturas internacionais que deram origem a Declaração de Cartagena.
Ressalte-se ainda que o art. 3º da referida lei também elenca os casos em
que não deverá ser concedida a condição de refugiado:
19
ACNUR. O ACNUR no Brasil. Disponível em: <http://www.acnur.org/portugues/informacao-geral/o-
-acnur-no-brasil/>. Acesso em: 01 nov. 2017.
20
Declaração de Cartagena. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES. 1984. Disponível em: <http://
www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/BD_Legal/Instrumentos_Internacionais/Declara-
cao_de_Cartagena.pdf?view=1>. Acesso em: 01 jun. 2017.
326 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
III - tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a hu-
manidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas;
IV - sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das
Nações Unidas.
21
AGÊNCIA SENADO. Senado aprova projeto da nova Lei de Migração, que segue para sanção
presidencial. Congresso em Foco. Brasília. 18 abr. 2017. Disponível em < http://congressoemfoco.uol.
com.br/noticias/senado-aprova-projeto-da-nova-lei-de-migracao-quesegue-para-sancao-presidencial/>.
Acesso em: 18 jun. 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 327
tantes e apátridas – e ratifica que as normas específicas para os refugiados no
Brasil não serão prejudicadas.
Todavia, em meio aos seus artigos, faz várias alusões aos refugiados e, ora
distingue estes últimos dos demais imigrantes, prevendo condições diferentes
a cada um, ora os trata de forma igualitária, sendo possível antever que de
alguma forma eles serão afetados por suas normas.
Em seu início, no artigo 2º, a nova lei faz a ressalva de que ao entrar em
vigor, não prejudicará a aplicação de normas internas e internacionais especí-
ficas sobre refugiados. Logo, pode-se concluir que a nova norma, em que pese
ter revogado o Estatuto do Estrangeiro, não prejudicará os demais normativos
específicos existentes ou ratificados no Brasil, a exemplo da Lei 9.474/97 que
trata dos refugiados no País em consonância com os documentos internacionais
existentes, veja: “Art. 2º Esta Lei não prejudica a aplicação de normas internas e
internacionais específicas sobre refugiados, asilados, agentes e pessoal diplomá-
tico ou consular, funcionários de organização internacional e seus familiares”.
Dentre os motivos para a criação da nova lei de migrações tem-se o fato
de que o Estatuto do Estrangeiro de 1980 carecia de adequações para a reali-
dade internacional globalizada e integrada em que o país se encontra, de fato
atento aos diversos tipos de movimentos migratórios e formas de refúgio.
Podemos destacar como o principal fator dessas alterações o novo paradigma
com relação aos estrangeiros: eles não seriam mais vistos como uma ameaça a
soberania nacional, entendimento este que estava presente de forma sublimi-
nar no Estatuto do Estrangeiro.
Visando essa maior adequação aos novos movimentos migratórios, a lei
instituiu no rol de seus princípios da política migratória do país o repúdio à
xenofobia, ao racismo e qualquer outra forma de discriminação. O texto tam-
bém garante aos migrantes o direito de uma acolhida humanitária e de amplo
acesso à Justiça. Além disso, aponta para outros importantes princípios, quais
sejam: a garantia ao imigrante de condição de igualdade com os nacionais;
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à pro-
priedade; e acesso à documentação, como a carteira de trabalho, registro da
documentação que permite ingresso no mercado de trabalho formal e direito
à previdência social22.
Ocorre que, embora a nova lei tenha ampliado o rol de direitos e garan-
tias dos migrantes, algo bastante inexpressivo no anterior dispositivo legal, ela
não irá satisfatoriamente sanar as principais causas da desigualdade e xenofo-
bia pelos quais passam os migrantes. Uma dessas causas é a falta de conheci-
mento sobre o que ocorre no mundo da migração. As informações enganosas
que circulam, principalmente nas redes sociais, podem ser devastadoras em
22
(LEI Nº 13.445, 2017, art. 3º)
328 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
Art. 14º. O visto temporário poderá ser concedido ao imigrante que venha ao
Brasil com o intuito de estabelecer residência por tempo determinado e que se
enquadre em pelo menos uma das seguintes hipóteses:
I - o visto temporário tenha como finalidade:
[...]
c) acolhida humanitária;
[...]
§ 3º O visto temporário para acolhida humanitária poderá ser concedido ao
apátrida ou ao nacional de qualquer país em situação de grave ou iminente
instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande
proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos
ou de direito internacional humanitário, ou em outras hipóteses, na forma
de regulamento.
[...]
23
Podemos citar como exemplo de tais efeitos devastadores a comemoração de nacionais alemães pelo
incêndio em um centro de refugiados na cidade de Bautzen, no interior da Alemanha. MÜLLER, Enri-
que. Moradores de cidade alemã comemoram incêndio de centro de refugiados. 2016. Disponível
em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/21/internacional/1456068378_388905.html>. Acesso em
29 jan. 2018.
24
A Resolução Normativa do Conselho Nacional de Imigração número 97, de 2012, foi editada com o fim
de regular a entrada e estadia dos haitianos no território nacional por meio de visto de caráter humani-
tário. Tal medida foi tomada em face da crescente quantidade de haitianos que vinham buscar proteção
no Brasil após o terremoto que abalou a ilha Hispaniola em 2010. G1. Brasil autoriza permanência
definitiva a 44 mil refugiados haitianos. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/distrito-federal/
noticia/2015/11/brasil-autoriza-permanencia-definitiva-44-mil-refugiados-haitianos.html>. Acesso em:
27 maio 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 329
A medida acima permite, dentre outras coisas, que pessoas em situação de
risco, sejam eles decorrentes de catástrofes ambientais ou mesmo decorrentes
de situação de guerra e/ou problemas econômicos, possam chegar ao Brasil
de maneira segura e humanitária, com amparo legal e instituições preparadas
para lidar com tais situações que são cada vez mais comuns perante a socieda-
de internacional.
No entanto, em que pese a visão romântica dos objetivos acima que ad-
vêm com a nova legislação, na prática o amparo ao migrante no Brasil ainda
é bastante precário e muitas vezes discriminatório.
Os migrantes que adentram no País de forma irregular e sem documen-
tação acabam sendo recepcionados pelo governo brasileiro de forma precária
e com pouco ou quase inexistente amparo institucional. Podemos citar como
exemplo o caso da acolhida concedida aos refugiados venezuelanos no ano de
2017, quando o Brasil, para conceder residência temporária, passou a cobrar
uma taxa de mais de R$ 300,00 (trezentos reais) de cada solicitante de refúgio,
cobrança esta desarrazoada diante da situação de inconsistência econômica
dessas pessoas25.
Ademais, cumpre salientar que a figura do visto humanitário ainda care-
ce de regulamentação futura, por meio de Decretos Legislativos, em aspectos
procedimentais importantes, como no estabelecimento dos requisitos neces-
sários para a concessão do visto, vez que a normatização existente ainda é a
Resolução 97/12, aplicada de forma discricionária apenas em casos especiais
de solicitação.
Em relação aos Direitos Políticos a Lei 13.445/17 trouxe inovações se
comparada com o Estatuto do Estrangeiro. Apesar de ainda não possuírem
direito ao voto, pois isto obrigatoriamente deveria decorrer de uma Proposta
de Emenda Constitucional, os imigrantes poderão, no entanto, obter filiação
sindical, bem como participar de reuniões de debates de cunho político, o que
não era permitido no Estatuto do Estrangeiro.
O fim da prisão por situação irregular foi outra relevante mudança com
relação ao antigo Estatuto. Agora, nenhum imigrante no Brasil pode ser preso
pelo fato de sua situação documental estar irregular. Os migrantes que foram
criminalizados por este tipo de situação deverão ser anistiados pelo Estado
brasileiro, de acordo com a nova regra.
Deve-se aqui salientar que a nova proibição exigirá, para que possa ser
efetivamente cumprida, de uma melhor preparação e treinamento da polícia
de fronteira, evitando-se assim a perpetuação de prisões indevidas. Ademais,
25
CREVILARI, Vinícius. Crise na Venezuela faz crescer o número de refugiados no Brasil. 2017.
Disponível em: <http://jornal.usp.br/atualidades/crise-na-venezuela-faz-crescer-o-numero-de-refugia-
dos-no-brasil/>. Acesso em 29 jan. 2018.
330 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
AGÊNCIA SENADO. Senado aprova projeto da nova Lei de Migração, que segue para sanção presiden-
cial. Congresso em Foco. Brasília. 18 abr. 2017. Disponível em < http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/
senado-aprova-projeto-da-nova-lei-de-migracao-quesegue-para-sancao-presidencial/> acesso em: 18 jun. 2017.
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www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/RELACOES-EXTERIORES/535365-SANCIONADA-COM-VE-
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VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Público. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
Capítulo 21
Fazenda Brasil Verde vs. Brasil -
Dois Anos da Sentença da Corte
Interamericana de Direitos Humanos
Ana Paula França Rolim
1. INTRODUÇÃO
Quase quatro horas depois, chegava com as quentinhas, frias, numa mistura
de arroz e mandioca e carcaça de carne, sem tempero. Comiam “no tempo” – à
céu aberto e, quando era o caso, embaixo de chuva - no máximo em meia hora.
“Comida que nem porco no Piauí come”, diz Marcos. Para matar a sede, água
quente e suja. Às 18h, molhados - de suor, do trabalho dentro d’água ou da
chuva-, voltaram à(sic) pé e escoltados para o barraco. Um dos trabalhadores
fez a conta de quanto ganhariam por dia: R$ 0,75.2
2
LAZZERI, Thais. Eu fui escravo. Repórter Brasil, Piauí, 12 maio 2017. Disponível em: https://reporter-
brasil.org.br/brasilverde/reportagem.html#carousel_timeline. Acesso em: 29 jan. 2018.
3
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença de 20 de outubro de 2016.
Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil. Parágrafo 304.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 337
O que se constatou, portanto, é que havia um vínculo, sim, de posse estabe-
lecido entre os empregados e o empregador, mediado pelos aliciadores conhecidos
como “gatos”. Na sentença, ainda, é analisado o conceito de escravidão, servidão e
tráfico de pessoas para transpor a interpretação de forma evolutiva na atualidade.
3. NA JUSTIÇA BRASILEIRA
Será tratada a seguir a longa trajetória desse caso na justiça nacional para
que seja demonstrada a inépcia do Estado brasileiro em conseguir reprimir
a prática do trabalho escravo a contento, mesmo após denúncias reiteradas
durante cerca de uma década.
Adailton Martins dos Reis relatou as condições de cárcere na Fazenda
após fugir em 21 de dezembro de 1988. A polícia federal vinha recebendo de-
núncias de várias fazendas localizadas também no sul do Pará, todas acusadas
de manter trabalhadores em condições análogas a de escravo4.
No mesmo ano a Comissão Pastoral da Terra (CPT) junto ao pai de Iron
Canuto da Silva de 17 anos e o irmão de Luis Ferreira da Cruz de 16 anos pres-
taram denúncia formal à Polícia Federal (PF) devido as condições de trabalho
e ao desaparecimento desses dois jovens menores de 18 anos. De acordo com
os familiares, os dois rapazes foram aliciados com mais 40 pessoas na cidade
Arapoema, no estado de Tocantins, pelo “gato” para trabalhar na limpeza do
pasto na Fazenda Brasil Verde5.
Em 24 de fevereiro de 1989 a PF emite relatório de vistorias feitas em
várias fazendas do sul do Pará. Apesar de ter encontrado sérias violações aos
direitos trabalhistas, como não pagamento do salário e imposição de dívidas,
mas concluí pela não configuração de trabalho escravo.
Em 1992 a CPT apresentou nova denúncia, junto à Procuradoria-Geral
da República, pelos desaparecimentos e pela prática de trabalho escravo.
Em 1993 foram realizadas novas vistorias à Fazenda Brasil Verde pela
Delegacia Regional do Trabalho juntamente quatro policiais federais. O resul-
tado da vistoria constatou novamente inúmeras violações aos direitos traba-
lhistas, entre elas 92 empregados sem carteira de trabalho e que manifestaram
vontade de abandonar o local. Fora determinado o regresso desses trabalha-
dores aos seus locais de origem. O Ministério do Trabalho concluiu pela não
comprovação do trabalho escravo, mais uma vez6.
Em relação às fiscalizações de 1989, o Subprocurador Geral da Repú-
blica teceu severas críticas quanto a precária coleta de informações feita pela
4
De acordo com o relatório de admissibilidade do caso nº 69/11 apud DIAS, 2016.
5
Idem.
6
Idem.
338 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
7
LAZZERI, Thais. Eu fui escravo. Repórter Brasil, Piauí, 12 maio 2017. Disponível em: https://reporter-
brasil.org.br/brasilverde/reportagem.html#carousel_timeline. Acesso em: 29 jan. 2018.
8
ROCHA, Cristiana. O caso “Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil”: trajetórias de luta por
justiça de trabalhadores escravizados. Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro: n.11, p.357-374, 2016. Disponível em: http://wpro.rio.rj.gov.br/revistaagcrj/wp-content/
uploads/2016/12/Dossi%C3%AA_Artigo-3.pdf. Acesso em: 30 jan. 2018.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 339
Finalmente em 2000 a DRT reconheceu a presença de trabalho escravo
na fazenda Brasil Verde após uma fiscalização realizada dia 15 de março do
mesmo ano, realizada após Antonio Francisco da Silva e o menor Gonzalo
Luiz Furtado terem conseguido fugir e efetuar mais uma nova denúncia con-
tra a Brasil Verde9. Nesse ano pelo menos 82 trabalhadores foram resgatados e
o Ministério Público do Trabalho ajuizou uma ação civil pública que resultou
um termo de compromisso do empregador, João Luiz Quaglianato Neto.
Em 2002 há uma nova fiscalização que extingue a ação penal contra o
fazendeiro devido ao aparente cumprimento do compromisso firmado. Em
2008 a ação penal contra o “gato” é extinta devido à prescrição10 do crime.
9
DIAS, Priscila. TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL: DO CASO JOSÉ PEREIRA AO CASO FA-
ZENDA BRASIL VERDE. CAPÍTULO 4 - O CASO FAZENDA BRASIL VERDE VS. BRASIL. In:
______. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica, p. 84-85, 2016. Disponível em: https://www.
maxwell.vrac.puc-rio.br/30340/30340.PDF. Acessado em 30 jan. 2018.
10
LAZZERI, Thais. Eu fui escravo. Repórter Brasil, Piauí, 12 maio 2017. Disponível em: https://reporter-
brasil.org.br/brasilverde/reportagem.html#carousel_timeline. Acesso em: 29 jan. 2018.
11
Ano em que o estado brasileiro aceitou a competência contenciosa da CorteIDH. Por esse motivo a
Corte só pode se pronunciar a respeito dos fatos ocorridos após essa aceitação ou em relação a violações
continuadas, como o possível desaparecimento forçado de Iron Canuto e Luis Ferreira Cruz.
12
Idem.
13
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resumo oficial. Disponível em: http://
www.mdh.gov.br/assuntos/atuacao-internacional/sentencas-da-corte-interamericana/pdf/resumo-oficial
-emitido-pela-corte-interamericana-de-direitos-humanos. Acesso em: 30 jan. 2018.
340 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
Como bem salientou o Juiz Eduardo Ferrer, em seu voto fundamentado, foi
a primeira vez que o Tribunal expressamente determinou a responsabilidade
internacional de um Estado por tolerar a perpetuação dessa situação estrutural
histórica de exclusão14.
237. O Estado afirmou que não pode ser responsável por toda violação de di-
reitos humanos cometida por particulares em seu território; o contrário signi-
ficaria uma presunção de responsabilidade internacional do Estado. O Brasil
argumentou que não existe nenhuma prova de participação ou aquiescência de
agentes estatais no presente caso, tal como requer a jurisprudência da Corte15.
entretanto como bem apontado pelos juízes da Corte “316. Como fez em
outras oportunidades, a Corte reitera que não basta que os Estados se abste-
nham de violar os direitos, mas é imperativa a adoção de medidas positivas,
determináveis em função das particulares necessidades de proteção do sujeito
de direito, seja por sua condição pessoal ou pela situação específica em que se
encontre”16 o que foi de fato analisado foi a inércia do Estado em não prover
a defesa das vítimas dessa situação, não responder satisfatoriamente às denún-
14
FREUND, Rita Lamy. O primeiro caso de trabalho escravo decidido pela Corte Interamericana de Di-
reitos Humanos é brasileiro. Jornal da Escola Superior da Defensoria Pública da União. Brasília.
Distrito Federal: 8ª ed., p.6.
15
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença de 20 de outubro de 2016.
Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil.
16
Idem.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 341
cias reiteradas junto à PF ou ao MTE, tampouco prestar assistência jurídica ou
financeira para os submetidos a essa condição humilhante – proporcionada
em grande parte pela situação de vulnerabilidade dessas comunidades onde os
“gatos” conseguiam ludibriar os trabalhadores devido à condição emergente
precária de desenvolvimento.
De fato, não por ter praticado uma ação, mas uma séria omissão é que o
Estado brasileiro, em sua posição de garantidor dos direitos humanos em sua
nação, fora submetido nesse caso contencioso. Como foi possível constatar pe-
las tentativas de denúncia, as fiscalizações feitas, os processos arquivados por
motivos pífios, os conflitos de competência negativa entre a Justiça Federal e a
Justiça Estadual no decurso do processo, a penalidade parca para o desrespeito
às leis trabalhistas ao qual fora sujeito o dono da propriedade – pagamento
de seis cestas básicas a uma instituição – a qual sequer contemplou as vítimas,
a Justiça brasileira se mostrou incompetente e ineficiente para prestar contas
aos seus cidadãos e ao sistema internacional de defesa dos direitos humanos
do qual faz parte.
Pereira ao escrever sobre o cumprimento das sentenças da CorteIDH traz
uma reflexão acerca de como é exercido a vinculação do Estado à sentença
procedido do seu respectivo cumprimento
19
BRASIL. Cumprindo sentença, MDH convoca vítimas do caso Fazenda Brasil Verde, no Pará, para
processo de indenização. Novembro, 2017. Disponível em: http://www.mdh.gov.br/noticias/2017/no-
vembro/cumprindo-sentenca-mdh-convoca-vitimas-do-caso-fazenda-brasil-verde-no-para-para-proces-
so-de-indenizacao. Acesso em 31 jan. 2018.
20
Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/128622>. Acesso em:
31 jan. 2018.
21
FERNANDES, Marcella; “Ministério Público volta a investigar trabalho escravo na Fazenda Brasil
Verde”, Huffpost Brasil, 2018. Disponível em <http://www.huffpostbrasil.com/2018/01/25/ministe-
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 343
Em contrapartida 2016 também houve uma ameaça visível ao combate
ao trabalho escravo. O então Ministro do Trabalho editou uma importante
portaria que alterou as definições de trabalho escravo, tornando a legislação
mais conivente com práticas abusivas ao trabalhador. Sobre isso escreveu Fer-
nandes “Em ação de improbidade administrativa contra Nogueira, o Ministé-
rio Público Federal no Distrito Federal (MPF/DF) afirma que a finalidade da
portaria foi atender os interesses da bancada ruralista do Congresso Nacional,
de forma a influenciá-los na votação da denúncia contra o presidente Michel
Temer e os ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e Eliseu
Padilha(Casa Civil) 22.” Felizmente, a portaria está suspensa.
Nesse ínterim também temos alarmantes notícias recentes, como a de
mais de 50 deputados que teriam recebido financiamento de campanha de
empresas suspeitas de empregarem trabalho escravo. A notícia é de Piero Loca-
telli23 e data de 30 de janeiro de 2018. Segundo a matéria o partido que mais
recebera contribuição é o MDB, com 20% da bancada representada por 13
membros. O segundo partido seria o PT com 11 deputados, 16% da bancada
na Câmara. Notícias como essa nos fazem pensar na antiga política clientelista
da troca de favores. No total teriam sido repassados R$ 3,5 milhões para os
deputados. A maior preocupação consta no fato de que 21 dos 51 deputados
são da chamada “bancada ruralista”, uma porção da Câmara que defende
incondicionalmente os grandes proprietários de terra. Tais proprietários são
o principal grupo de empregadores de trabalho análogo a escravista e à servi-
dão por dívida, semelhante ao grupo dos irmãos Quagliato responsáveis pela
Fazenda Brasil Verde e muitas outras denunciadas na década de 90 no sul do
Pará. Por isso é com receio que é recebida essa notícia da proveniência dos
fundos de campanha desses deputados.
CONCLUSÃO
rio-publico-volta-a-investigar-trabalho-escravo-na-fazenda-brasil-verde_a_23343633/>. Acesso em
30/01/2018.
22
Idem.
Idem
23
LOCATELLI, Piero. Empresas flagradas com trabalho escravo financiaram 10% dos deputados
federais. Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/2018/01/empresas-flagradas-com-trabalho-escra-
vo-financiaram-10-dos-deputados-federais/. Acesso em: 31 jan. 2018.
344 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
atualmente a essas condições, porém pelo menos 7.763 vítimas são reconhecidas
pela Procuradoria-Geral da República, isso apenas no período de 1993 a 200424.
Isto sem consideração às “cifras-negras” e o longo percurso de 14 anos desde
2004 até o presente momento.
Casos que envolvem violações e práticas tão sérias como a de trabalho es-
cravo certamente não deveriam permanecer em trâmite décadas tal qual ocor-
reu com o caso Fazenda Brasil Verde, pois a carga negativa que isso acarreta
para as vítimas e para a economia nacional é um retrocesso imenso na pasta
de Direitos Humanos e no desenvolvimento brasileiro. Uma condenação na
CorteIDH por mais que não tenha poder vinculador absoluto ainda é um
atestado de culpabilidade e ineficiência governamental, visto que um caso para
chegar a Corte antes deve passar pela Comissão e o Estado recebe prazos para
responder satisfatoriamente as recomendações da mesma. No caso, o Brasil
teve cerca de 15 anos para prestar contas com a Comissão Interamericana.
De fato, a sentença condenatória está mostrando paulatinamente resulta-
dos que dificilmente seriam colhidos sem ela, como por exemplo a retomada
das investigações e as indenizações às vítimas.
Em relação às políticas públicas, esse é o grande desafio para o país:
uma mudança de pensamento, propriamente cultural. Uma questão de ensina-
mento de valores, valorização dos Direitos Humanos, atenção a comunidades
vulneráveis e conscientização nacional acerca dos limites que devem ser respei-
tados nas relações trabalhistas.
Além do que é necessário maior comprometimento das instituições es-
tatais como a Polícia Federal e o Ministério do Trabalho para que situações
similares não cheguem a ser fiscalizadas novamente sem todas as diligências
necessárias resultando na falta de coleta de provas suficientes, atrasando as
investigações e empatando a identificação do(s) culpado(s). Nas palavras de
Conforti
24
25
FELICIANO, Guilherme Guimarães; CONFORTI, Luciana Paula. O caso dos escravizados na Fazenda
Brasil Verde, IN. Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, 2017, disponível em
<https://www.anamatra.org.br/artigos/25860-o-caso-dos-escravizados-na-fazenda-brasil-verde>. Aces-
so em 30 jan. 2018.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 345
Será que o Brasil, mesmo com tantos esforços não estaria mais compro-
metido devido a um problema generalizado no sistema e não somente nas po-
líticas públicas adotadas? A notícia exposta acerca dos fundos de campanha de
empresas empregadoras de trabalho escravo é apenas um exemplo de inúmeras
trocas de favores que sustentam a política nacional. Isso evidencia que direitos
indisponíveis podem estar sendo leiloados por grandes grupos corporativos
que financiam eleições e acordos de outra monta.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Ministério dos Direitos Humanos. Cumprindo sentença, MDH convoca vítimas do caso Fazen-
da Brasil Verde, no Pará, para processo de indenização. 2017. Disponível em http://www.mdh.gov.br/no-
ticias/2017/novembro/cumprindo-sentenca-mdh-convoca-vitimas-do-caso-fazenda-brasil-verde-no-para-para-pro-
cesso-de-indenizacao. Acesso em 30 jan. 2018.
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resumo oficial. Disponível em: http://www.mdh.
gov.br/assuntos/atuacao-internacional/sentencas-da-corte-interamericana/pdf/resumo-oficial-emitido-pela-corte-
-interamericana-de-direitos-humanos. Acesso em: 30 jan. 2018.
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença de 20 de outubro de 2016. Caso Traba-
lhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/images/Banco_de_ima-
gens/Sentenca_Fazenda_Brasil_Verde.pdf. Acesso em 30 jan. 2018.
DIAS, Priscila Vazquez. TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL: DO CASO JOSÉ PEREIRA AO CASO FA-
ZENDA BRASIL VERDE, 2016, 117f., Dissertação (Bacharelado em Direito) - Universidade Católica do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/30340/30340.PDF. Acesso
em 30 jan. 2018.
FELICIANO, Guilherme Guimarães; CONFORTI, Luciana Paula. O caso dos escravizados na Fazenda Brasil
Verde, IN. Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, 2017, disponível em <https://www.
anamatra.org.br/artigos/25860-o-caso-dos-escravizados-na-fazenda-brasil-verde>. Acesso em 30 jan. 2018.
FERNANDES, Marcella; “Ministério Público volta a investigar trabalho escravo na Fazenda Brasil Verde”,
Huffpost Brasil, 2018. Disponível em <http://www.huffpostbrasil.com/2018/01/25/ministerio-publico-volta-a-
-investigar-trabalho-escravo-na-fazenda-brasil-verde_a_23343633/>. Acesso em 30 jan. 2018.
FRANCO, Thalita Leme. EFETIVIDADE DAS DECISÕES PROFERIDAS PELA CORTE INTERAME-
RICANA DE DIREITOS HUMANOS: IDENTIFICAÇÃO DOS MARCOS TEÓRICOS E ANÁLISE DA
CONDUTA DO ESTADO BRASILEIRO, 149f., Dissertação (Mestrado em em Ciências – Programa de Pós-
-Graduação em Relações em Internacionais), Universidade de São Paulo, 2014. Disponível em http://www.iri.
usp.br/documentos/defesa_20140924_Thalita_Leme_Franco_ME.pdf. Acesso em 30 jan. 2018.
FREUND, Rita Lamy; “O primeiro caso de trabalho escravo decidido pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos é brasileiro”, Jornal da Escola Superior da Defensoria Pública da União, 1o Trimestre de 2017/
Ed. No 08, Ano 3, disponível em http://www.dpu.def.br/images/esdpu/jornaldpu/edicao_8/forum-8-edicao.pdf.
Acesso em 30 jan. 2018.
LAZZERI , Thaís; “O passado e o presente de trabalhadores resgatados há 17 anos, em caso que gerou con-
denação internacional, revela os avanços e as derrotas do Brasil no combate ao crime”, Repórter Brasil,
12/05/2017. Disponível em https://reporterbrasil.org.br/brasilverde/reportagem.html#carousel_timeline.
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LOCATELLI, Piero. Empresas flagradas com trabalho escravo financiaram 10% dos deputados federais.
Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/2018/01/empresas-flagradas-com-trabalho-escravo-financiaram-10-
-dos-deputados-federais/. Acesso em: 31 jan. 2018.
SENADO, Agência. PEC que torna trabalho escravo imprescritível será analisada na CCJ, 2018. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/01/05/pec-que-torna-trabalho-escravo-imprescritivel-sera-
-analisada-na-ccj. Acesso em: 31 jan. 2018.
346 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
PEREIRA, Marcela Harumi Takahashi. Cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Huma-
nos no âmbito interno. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 67, ago 2009. Disponível em: <http://www.am-
bito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6491>. Acesso em 30 jan. 2018.
PIOVESAN, Flávia, “Direitos humanos: um balanço”, Jornal O Globo, 2017. Disponível em: <http://noblat.
oglobo.globo.com/geral/noticia/2017/11/direitos-humanos-um-balanco.html>. Acesso em 30 jan. 2018.
Capítulo 22
Transtorno do Espectro Autista e
Defensoria Pública: Análise da Experiência
no Ceará à Luz de Diretrizes Globais
1. INTRODUÇÃO
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com di-
versas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
3
DIAS, Eduardo Rocha; LEITÃO, André Studart; SILVA Alexandre Antonio Bruno da. O Caminho da
Inclusão de Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho: onde estamos? Revista Opinião Jurídi-
ca, Fortaleza, ano 14, n. 18, jan./jul. 2016, p. 17.
4
Ibid., p. 16.
5
VERDÚ, Pablo Lucas. O Sentimento Constitucional: aproximação ao estudo do sentir constitucional
como modo de integração política. Tradução de Agassiz Almeida Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2004,
p. 178.
6
BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari
(Org.). Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 4.
350 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
7
OMS. Transtornos del espectro autista. Central de imprensa da OMS, abr. 2017. Disponível em:
<http://www.who.int/mediacentre/factsheets/autism-spectrum-disorders/es/>. Acesso em: 2 out. 2017.
8
ONU. Resolução nº 67/82. Assembleia Geral das Nações Unidas, 19 mar. 2013. Disponível em:
<http://www.un.org/es/comun/docs/?symbol=A/RES/67/82>. Acesso em: 20 out. 2016.
9
Ibid.
10
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2003,
p. 501.
11
DIAS, Eduardo Rocha; LEITÃO, André Studart; SILVA Alexandre Antonio Bruno da, op. cit., p. 18.
12
Ibid., p. 18.
13
OMS. Medidas integrales y coordinadas para gestionar los transtornos del espectro autista. 67ª Assem-
bleia Mundial da Saúde, 21 mar. 2014. Acesso em: <http://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/WHA67/
A67_17-sp.pdf>. Acesso em: 17 out. 2016.
14
BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 247.
15
FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner; SARLET, Ingo Wolfgang. O direito fundamental à proteção e pro-
moção da saúde no Brasil: principais aspectos e problemas. In: RÉ, Aluisio Iunes Monti Ruggeri (Org.).
Temas aprofundados da Defensoria Pública. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 146.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 351
sociais”. Estes, albergados pelo princípio da igualdade , encontram na Lei 16
16
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 564.
17
ONU. Resolução nº 62/139. Assembleia Geral das Nações Unidas, 21 jan. 2008. Disponível em:
<http://www.un.org/es/comun/docs/?symbol=A/RES/62/139>. Acesso em: 20 out. 2016.
18
SCHWARTZMAN, José Salomão. Autismo e outros transtornos do espectro autista. Revista Autis-
mo, 15 set. 2010. Disponível em: <http://www.revistaautismo.com.br/index.php?view=article&cati-
d=35%3A00&id=70%3Aautismo-e-outros-transtornos-do-espectro-autista-jose-salomao-schwartzman
&tmpl=component&print=1&layout=default&page=&option=com_content&Itemid=53 >. Acesso em:
10 out. 2016.
19
OMS. Transtornos del espectro autista. Central de imprensa da OMS, abr. 2017. Disponível em:
<http://www.who.int/mediacentre/factsheets/autism-spectrum-disorders/es/>. Acesso em: 2 out. 2017.
20
IBDFAM. Estatuto da Pessoa com Deficiência entra em vigor em janeiro e garante mais direitos.
2016. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/5870/estatuto>. Acesso em: 25 out. 2016.
21
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 20. ed. Rio de Janeiro: Impetus,
2015, p. 13.
22
AMADO, Frederico. Direito Previdenciário. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 42.
352 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
Sem embargo dos avanços exibidos pelo Brasil na seara legislativa nos
últimos anos, as pessoas com deficiência, mais especificamente as acometidas
por TEA, “continuam a compor percentuais elevados nas estatísticas de ex-
clusão social”23. Como afirma Barroso24, instrumentos legais para a efetivação
da isonomia desses indivíduos já existem, mas falta a adoção de uma postura
mais dialógica por parte dos Três Poderes e das demais instituições para o
cumprimento desse objetivo.
Com o redescobrimento da cidadania, ocasionado pela ampliação do
conceito de acesso à justiça25, pacificou-se o entendimento de que os Poderes
da República não são suficientes para a plena concretização dos clamores
da população. Para Sadek26, percebeu-se, enfim, que a possibilidade de trans-
formação dos mandamentos igualitários em realidade acha na Defensoria
Pública o seu motor mais importante. Ao encontro dessas ilações, observe-se
o art. 79, § 3º, do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que confere ao órgão
estatal o dever de tomar as medidas necessárias para a garantia dos direitos
nele referidos.
Para comprovar a imprescindibilidade da Defensoria Pública para a ma-
terialização das normas atinentes às pessoas com transtorno do espectro autis-
ta, essencial se mostra a transcrição do caput do atual art. 134 da CRFB/1988:
23
DIAS, Eduardo Rocha; LEITÃO, André Studart; SILVA Alexandre Antonio Bruno da, op. cit., p. 18.
24
BARROSO, Mônica. Na Trincheira da Defensoria Pública. Fortaleza: INESP, 2002, p. 90.
25
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil). Revista Direito Administrativo, Rio de Janeiro, abr./jun. 2005, p. 36.
26
SADEK, Maria Tereza Aina. Defensoria Pública: a conquista da cidadania. In: RÉ, Aluisio Iunes Monti
Ruggeri (Org.). Temas aprofundados da Defensoria Pública. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 20.
27
SILVA, Otto Marques da. A Epopeia Ignorada: A Pessoa Deficiente na História do Mundo de Ontem
e de Hoje. São Paulo: Cedas, 1987, p. 198.
28
LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Defensoria Pública. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 80.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 353
desigualdades cumulativas e dos reflexos do dissenso estrutural ocasionado
29
29
SADEK, Maria Tereza Aina, op. cit., p. 26.
30
NEVES, Marcelo. A força simbólica dos direitos humanos. Revista Eletrônica de Direito do Estado –
REDE, Salvador, n. 4, out./nov. 2005, p. 9.
31
SADEK, Maria Tereza Aina, op. cit., p. 26.
32
BESSA, Leandro Sousa. O sistema prisional brasileiro e os direitos fundamentais da mulher en-
carcerada: propostas de coexistência. 2007. 213 f. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional)
– Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2005, p. 189.
33
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 59.
34
AMADO, Frederico, op. cit., p. 21.
354 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
na LOAS, como a existência de renda mensal per capita inferior a 1/4 (um
quarto) do salário-mínimo, nos moldes do art. 20, §§ 2º e 3º.
Em 2015, com a inclusão do § 11 ao art. 20 do diploma acima citado,
o aludido critério foi explicitamente relativizado, permitindo-se a compro-
vação da miserabilidade do requerente por outros meios. O Poder Judi-
ciário, todavia, continua impondo obstáculos infundados à concessão do
benefício. Os juízes, não raras vezes, alegam que a família da pessoa com
TEA não exibe gastos extraordinários ou, de maneira oposta, gera despesas
que vão muito além da renda declarada, sugerindo a existência de outras
fontes de custeio35.
Percebe-se que o principal entrave é a comprovação da baixa renda, e
não da deficiência36. Assim, não basta se provar o que é gasto, devendo-se
apontar também as necessidades não supridas37. Por oportuno, ressalte-se
que a justiça social exige a distribuição da riqueza nacional38, o que implica
na dissolução de barreiras indevidamente impostas pelas esferas do poder
público.
Consoante a redação do art. 20, § 6º, da LOAS, a concessão do benefício
assistencial depende ainda da análise da deficiência e do grau de impedimento
que dela decorre. Às avaliações, realizadas por médicos peritos e assistentes
sociais, os magistrados devem conferir um peso bastante relevante no processo
de tomada de decisão. Honório39, que já efetuou perícias médicas em 29 reque-
rentes com TEA na Defensoria Pública da União, aduz que sempre procura
prever os reflexos das síndromes no futuro dos indivíduos, notadamente no
que concerne ao mercado de trabalho e à vida social.
Esses 29 casos datam de 2010 a 2016, percebendo-se um aumento con-
siderável na demanda das pessoas com TEA por assistência jurídica integral
e gratuita entre 2014 e 201540. Dentre os assistidos envolvidos, encontra-se
apenas um maior de idade, e os homens constituem a maioria, em conformi-
dade com os dados fornecidos pela OMS41 e com estatísticas apontadas em
pesquisas recentes42.
A procura das crianças e dos adolescentes pela Defensoria Pública pode
ter se multiplicado em razão da melhoria da atenção básica em saúde e do
35
DEUS, Carolina Botelho Moreira de. Entrevista. Fortaleza, Defensoria Pública da União, 28 out. 2016.
36
Ibid.
37
Ibid.
38
IBRAHIM, Fábio Zambitte, op. cit., p. 6.
39
HONÓRIO, Rodrigo Schuler. Entrevista. Fortaleza, Defensoria Pública da União, 9 nov. 2016.
40
Ibid.
41
ONU. Resolução nº 62/139. Assembleia Geral das Nações Unidas, 21 jan. 2008. Disponível em:
<http://www.un.org/es/comun/docs/?symbol=A/RES/62/139>. Acesso em: 20 out. 2016.
42
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5: manual diagnóstico e estatístico de transtornos
mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p. 57.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 355
crescimento do número de diagnósticos precoces . Para Aragão , assistente
43 44
43
DEUS, Carolina Botelho Moreira de. Entrevista. Fortaleza, Defensoria Pública da União, 28 out. 2016.
44
ARAGÃO, Gisele Timbó. Entrevista. Fortaleza, Defensoria Pública da União, 28 out. 2016.
45
NOTBOHM, Ellen. Dez Coisas que Toda Criança com Autismo Gostaria que Você Soubesse. Tra-
dução de Mirtes Pinheiro. Florianópolis: Inspirados pelo Autismo, 2014, p. 40.
46
ARAGÃO, Gisele Timbó. Entrevista. Fortaleza, Defensoria Pública da União, 28 out. 2016.
47
Ibid.
48
ROCHA, Amélia Soares da. Defensoria Pública: fundamentos, organização e funcionamento. São Pau-
lo: Atlas, 2013, p. 183.
49
ARAGÃO, Gisele Timbó. Entrevista. Fortaleza, Defensoria Pública da União, 28 out. 2016.
50
DEUS, Carolina Botelho Moreira de. Entrevista. Fortaleza, Defensoria Pública da União, 28 out. 2016.
51
Ibid.
52
OMS. Medidas integrales y coordinadas para gestionar los transtornos del espectro autista. 67ª Assem-
bleia Mundial da Saúde, 21 mar. 2014. Acesso em: <http://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/WHA67/
A67_17-sp.pdf>. Acesso em: 17 out. 2016.
53
DEUS, Carolina Botelho Moreira de. Entrevista. Fortaleza, Defensoria Pública da União, 28 out. 2016.
54
Ibid.
356 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
55
Ibid.
56
Ibid.
57
Ibid.
58
SANTIN, Janaína Rigo; SANTOS, Katiane Scharlesi Gehlen dos. Precariedade na saúde pública mu-
nicipal: aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e o respeito aos direitos fundamentais.
Revista Nomos, Fortaleza, v. 33.2, jul./dez. 2013, p. 134.
59
OMS. Transtornos del espectro autista. Central de imprensa da OMS, abr. 2017. Disponível em:
<http://www.who.int/mediacentre/factsheets/autism-spectrum-disorders/es/>. Acesso em: 2 out. 2017.
60
FEITOZA, Silvana Matos. Ação Diálogos da Defensoria com a Saúde Mental. Fortaleza, Defensoria
Pública do Estado do Ceará, 10 out. 2016.
61
ROCHA, Amélia Soares da, op. cit., p. 97.
62
MONTORIL, Weimar Salazar. Entrevista. Fortaleza, Defensoria Pública do Estado do Ceará, 21 out. 2016.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 357
qualidade de vida das pessoas com deficiência, o que engloba os indivíduos
com TEA.
Em consideração às reivindicações relativas ao transporte, o NDHAC
tem lutado pela efetivação dos seguintes direitos: veículo público escolar para
os menores de idade; passe livre aos comprovadamente carentes; e vagas espe-
ciais em estacionamentos, cogitando-se, inclusive, a propositura de ação civil
pública diante da recorrente negativa de credenciamento por parte da Autar-
quia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC)63. Saliente-se que as ações
coletivas “são o meio, por excelência, de solução de conflitos envolvendo os
direitos sistematizados em políticas públicas”64, pondo-se em prática a nova
legislação dedicada às pessoas com deficiência.
Já quanto ao direito à educação, sublinhe-se que a Defensoria Pú-
blica do Estado do Ceará tem se voltado para o processo de inclusão nas
escolas, com vistas a diminuir a evasão de alunos com deficiência65 e a
conferir aplicabilidade ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº
8.069/1990). A maioria das pessoas com TEA sequer é assistida por pro-
fissionais de apoio escolar66, o que impede o máximo desenvolvimento de
suas habilidades, em patente descumprimento do disposto nos arts. 3º,
XIII, e 27, do Estatuto da Pessoa com Deficiência, e no art. 3º, parágrafo
único, da Lei Berenice Piana.
Em observância aos ensinamentos de Bucci67, pode-se afirmar que o
implemento de políticas públicas como as acima citadas permite a aferição
do lugar de um país no cenário mundial. E a República Federativa do Bra-
sil, alicerçada por objetivos como a redução das desigualdades sociais e a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária, como prevê o art. 3º, I
e III, da CRFB/1988, precisa, com urgência, conferir aplicabilidade às nor-
mas relativas à inclusão, em consonância com a legislação pátria e com as
diretrizes internacionais.
Por obra dos integrantes da Defensoria Pública, que ainda apresenta gra-
ves necessidades estruturais, muitos cearenses com transtorno do espectro au-
tista puderam concretizar direitos que, não raras vezes, soaram “como pura
abstração ou como componentes de uma carta de intenções”68. Ao adotar uma
postura intersetorial, a novel função essencial à justiça pode ultrapassar barrei-
ras e oferecer à pessoa com deficiência o respeito frequentemente negado pelo
poder público.
63
Ibid.
64
Ibid.
65
Ibid.
66
Ibid.
67
BUCCI, Maria Paula Dallari, op. cit., p. 4.
68
SADEK, Maria Tereza Aina, op. cit., p. 20.
358 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
CONCLUSÃO
A fruição de uma vida digna por parte das pessoas com transtorno do es-
pectro autista demanda diversas ações estatais nesse sentido, não se mostrando
suficiente a previsão constitucional e legal dos seus direitos. A precariedade
de acesso a serviços básicos nega às crianças e adolescentes acometidas pelas
síndromes o pleno desenvolvimento de suas capacidades sociais e cognitivas,
devendo o poder público, de fato, acompanhar a tendência mundial de in-
centivo à inclusão e à oferta de atendimento especializado e multidisciplinar.
Integrando a essência do acesso à justiça em sentido lato, a Defensoria
Pública exibe um comprometimento pelas causas dos indivíduos com TEA
dificilmente constatado em outras esferas. Além de concretizar as pretensões
desse público pela via jurisdicional, a instituição prioriza uma cultura de paz,
o que viabiliza a execução de políticas públicas de forma consensual. Con-
tudo, em desrespeito aos esforços engendrados por ela, ainda se identifica,
por parte, principalmente, dos Poderes Executivo e Judiciário, a imposição de
condições extralegais à satisfação das súplicas dessas pessoas, o que contraria
todos os diplomas citados neste estudo e a própria concepção de cidadania.
O benefício de prestação continuada, por exemplo, frequentemente plei-
teado pela Defensoria Pública, ao garantir ao hipossuficiente acometido pelo
transtorno uma renda mensal, confere a ele a possibilidade de suprir necessida-
des urgentes, mesmo que de forma insuficiente. E a moderna análise do grau
de miserabilidade do impetrante, muito bem desempenhada por defensores
públicos federais, médicos peritos e assistentes sociais, resta, em várias oca-
siões, ignorada pelo Poder Judicante, que, assim como o INSS, tem apresenta-
do óbices indevidos à assistência social.
Em oposição à lógica do ensino em massa, à má prestação de tratamen-
tos de saúde, à falta de transporte, dentre outras falhas conjunturais, a Defen-
soria Pública do Estado do Ceará, ao lado da Defensoria Pública da União, de-
senvolve políticas públicas em favor da inclusão das pessoas com deficiência,
sem embargo da sua fragilidade financeira frente aos demais órgãos estatais.
Ao invés de desistirem diante das diárias negativas, as instituições analisadas se
mostram cada vez mais enérgicas e determinadas, proporcionando às pessoas
com TEA e suas famílias um tratamento verdadeiramente humano.
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
3
JABULIT, Liliana Lyra. O Direito Internacional dos refugiados e sua aplicação no orçamento jurí-
dico brasileiro. São Paulo: Método, 2007.p.51
4
Ibid., p.51
5
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito Internacional privado: curso elementar. Rio de Janeiro:
Forense, 2014. p.207.
364 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
6
Ibid., p.207
7
ONU. Protocolo de 1967 sobre o Estatuto dos Refugiados.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 365
1 Os Estados membros no presente Protocolo, comprometem-se a cooperar
com o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados ou qualquer
outra instituição das Nações Unidas que lhe suceder, no exercício de suas
funções e, especialmente, a facilitar seu trabalho de observar a aplicação das
disposições do presente Protocolo. § 2.A fim de permitir ao Alto Comissaria-
do, ou a toda outra instituição das Nações Unidas que lhe suceder, apresentar
relatórios aos órgãos competentes das Nações Unidas, os Estados membros
no presente Protocolo comprometem-se a fornece-lhe, na forma apropriada,
as informações e os dados estatísticos solicitados sobre: a) O estatuto dos
refugiados. b) A execução do presente Protocolo. C) As leis, os regulamentos
e os decretos que estão ou entrarão em vigor, no que concerne aos refugiados.
8
ONU. Alto Comissionário das Nações Unidas para refugiados. Convenção Relativa ao Estatuto dos
Refugiados. 1951.
366 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
gião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora de seu país
de nacionalidade e não possa ou não queira se acolher sob a proteção de tal país.
Os relatos dos brasileiros refugiados, em sua maioria, mostram o receio
de viver no Brasil por questões de diversidade de gênero, verificado por fatos
reais de desrespeito aos indivíduos pela sua orientação sexual ou à mulher que
se encontra em situação de perseguição por seus cônjuges ou companheiros.
Apesar dos depoimentos falarem de asilo, essa denominação não é apro-
priada, apesar de certa divergência doutrinária sobre a definição de asilo e a
sua confusão incorreta, por alguns autores, com o instituto do refúgio, pode-
-se destacar que o asilo se refere a fenômeno relacionado a questões políticas.
Portanto, diferentemente do refúgio, o qual é concedido ao imigrante por
fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, gru-
po social ou opiniões políticas, o asilo é concedido em casos envolvendo, por
exemplo, perseguição política individualizada ou por perseguição por crimes
políticos, estando colocado o asilo político como um dos pilares que rege as
relações internacionais, disciplinado no artigo 4º da Constituição Federal.
O conceito de asilo, conforme assevera JUBILUT: “Consiste, em linhas
gerais, no instituto pelo qual um Estado fornece imunidade a um indivíduo
em face de perseguição sofrida por esse em outro Estado” 9. Por sua vez, afirma
Mazzuoli: “Perceba-se que a concessão do status de refugiado dá-se não em vir-
tude de uma perseguição baseada em crime de natureza política ou ideológica
(como ocorre no caso do asilo)”.10
A vontade pelo respeito à diversidade de gênero encontra-se como princi-
pal alegação para a solicitação do refúgio nos outros países. O preceito cons-
titucional de igualdade consagrado no caput do artigo 5° deve assegurar os
direitos de expressar sua livre orientação sexual a todos, porém nota-se que,
ao analisar casos concretos de violação desse preceito fundamental, a realidade
distancia do que está assegurado no diploma constitucional e também nos
demais instrumentos internacionais ratificados pelo Brasil.
9
JABULIT, Liliana Lyra. O Direito Internacional dos refugiados e sua aplicação no orçamento jurí-
dico brasileiro. São Paulo: Método, 2007.p.37
10
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito Internacional privado: curso elementar. Rio de Janeiro:
Forense, 2014. p.207
11
GARCIA, JANAINA. Não volto de jeito nenhum: aqui sou um ser humano, não uma condição”,
desabafa brasileiro que vive no Canadá. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 371
discriminação por ser homossexual. A situação de André revela afronta a dig-
nidade humana, preceito valorado pela ordem constitucional Brasileira. Por
haver temor de perseguição no Brasil motivado, sobretudo, pela orientação
sexual, André enquadra-se nos critério de solicitação de refúgio. Apesar da fala
de André aduzir se tratar de caso de solicitação de asilo, como dito anterior-
mente, o correto seria é o instituto de refúgio. O brasileiro desabafou “não
volto de jeito nenhum. Porque aí no Brasil eu serei pra sempre uma condição.
Aqui, sou um ser humano”
noticias/2012/04/04/nao-volto-de-jeito-nenhum-aqui-sou-um-ser-humano-nao-uma-condicao-desabafa
-brasileiro-que-vive-no-canada.htm . Acesso em: 01 nov.2016.
12
FERREIRA, Leonardo. Homossexual brasileiro consegue asilo nos Estados Unidos. Data da pu-
blicação: 03/02/2011. Disponível em: http://www.brazilianvoice.com/bv_noticias/bv_comunida-
de/40855-homossexual-brasileiro-consegue-asilo-nos-estados-unido HYPERLINK “http://www.
brazilianvoice.com/bv_noticias/bv_comunidade/40855-homossexual-brasileiro-consegue-asilo-nos
-estados-unidos.html”s.html. Acesso em: 01 nov.2016.
372 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
nas fronteiras dos Estados Unidos, a fim de solicitar refugio. Dentre os motivos
alegados para conquistar o status de refugiado, tem-se o fato de sua mulher ao
testemunhar o crime cometido por um policial no Rio, tornou-se vítima de
perseguição. Mostra-se o caráter subjetivo do temor de perseguição nas palavras
de Aluizio Ribeiro: “Tínhamos medo de retaliação”. O órgão responsável em
avaliar o processo de solicitação de refúgio o deferiu, além disso, também foram
consideradas refugiadas a mulher e as duas filhas de Aluizio.
Inúmeros são os casos reais de brasileiros refugiados, especialmente, nos
Estados Unidos. Emblemático foi o pedido de refugio negado ao brasileiro
Jonathan Castilho de Oliveira13, contudo a corte de apelação de Chicago ao
conceder nova audiência verificou as condições favoráveis para conquistar o
status de refugiado.
CONCLUSÃO
13
TERRA. Brasileiro que pediu asilo nos EUA ganha nova audiência. Disponível em: https://www.
terra.com.br/noticias/brasil/brasileiro-que-pediu-asilo-nos-eua-ganha-nova-audiencia,12c94999eed4b-
310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html. Acesso em: 20 out.2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 373
questões de raça, religião, opinião política, pertencimento a grupo social ou
nacionalidade. Reportando-se ao cenário do Brasil, constatam-se os casos de
brasileiros refugiados, especialmente, nos Estados Unidos, Canadá e Alema-
nha. Esses casos revelam a fragilidade do ordenamento jurídico em efetivar os
seus preceitos constitucionais de igualdade e de dignidade da pessoa humana.
Os refugiados brasileiros são vítimas de preconceito pelo simples fato de
expressar sua orientação sexual, por serem vítimas de violência doméstica ou
por terem testemunhado algum crime envolvendo agentes da segurança públi-
ca. A positivação de direitos aos concidadãos deveria fundamentar o Estado
Democrático de Direito, contudo, ainda há óbices na concretização do con-
teúdo jurídico positivado em normas para a realidade prática, contribuindo
para o aumento de brasileiros temerosos em viver no território.
O retorno dos brasileiros é imprescindível para assegurar os seus direitos
como cidadãos nacionais. De fato, o emigrante brasileiro tem uma série de di-
reitos que possam incentivar o seu retorno ao Brasil com ânimo de residência,
uma vez que o nacional poderá ingressar com isenção de impostos de impor-
tação e taxas aduaneiras sobre os bens novos e usados destinados ao seu uso
pessoal e profissional, bem como é direito do emigrante a assistência especial
pelas repartições brasileiras em casos de ameaça à paz social e à ordem pública.
Entretanto, tais medidas de proteção ao imigrante se tornam inócuas
quando esses sujeitos não têm os motivos que os levaram a solicitar o
refúgio em outro Estado combatidos pelo Estado brasileiro, o que seria a
principal medida viável a tornar o caminho apropriado para resguardar o
temor de viver no Brasil, com o fim de promover a aproximação prática dos
preceitos constitucionais.
Nesse sentido, o Poder Público deve criar políticas públicas para refugia-
dos brasileiros, necessitando que essas políticas atrelem diretrizes e mecanis-
mos de resolução dos problemas enfrentados pelos brasileiros, especialmente,
envolvendo diversidade de gênero e agentes de segurança pública.
É inaceitável que o Brasil, como país signatário de tratados e acordos in-
ternacionais, viole os direitos dos seus cidadãos, tornando estes refugiados em
outros países. Dessa forma, o caminho para alcançar a transformação social
transpassa pela igualdade e, fundamentalmente, pela dignidade humana.
O reconhecimento e a proteção da dignidade da pessoa humana pelo Di-
reito é resultado da evolução do pensamento humano. Dentro desse contexto,
a Constituição Federal de 1988 a traz como fundamento da República Fede-
rativa do Brasil. Torna-se evidente, portanto, o papel desse relevante funda-
mento como elemento referencial para a interpretação e aplicação das normas
jurídicas, de modo que a garantia constitucional seja devidamente aplicada,
considerando a realidade social a que se insere e que, muitas vezes, motivou a
busca de refúgio em outros países.
374 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
1
Disponível em : <http://www.mercosur.int/innovaportal/file/2810/1/DEC_67-10_PT_PEAS.pdf> Aces-
so em: 29.out.2017.
376 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
8
FERRARO, Daiana. Políticas e Iniciativas en Mercosur en el ámbito de la Integración Fronteriza.
IN: XXIV Reunión de Directores de Cooperación Internacional de América Latina y el Caribe. Coope-
ración Regional en el Ámbito de la Integración Fronteriza.2013, San Salvador – El Salvador. Publicado
em: SP/XXIV-RDCIALC/Di N° 14 -13. p. 01.
9
Disponível em: <http://www.sela.org/media/265470/t0236000051420politicas_e_iniciativas_en_mer-
cosur_en_integracion_fronteriza.pdf> . Acesso em 29.Out.2017.
380 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
10
Muitas vezes uma rua divide duas cidades como Rivera, no Uruguai, e Santana do Livramento, no Brasil.
E ainda a cidade brasileira de Chui e a uruguaia de Chuy.
11
Conceito estabelecido na Portaria nº 125/2014, do Ministério da Integração Nacional, publicada no Diá-
rio Oficial da União, de 24/03/2014, Seção 01.
12
RHI-SAUSI, José Luis; ODDONE, Nahuel. Cooperación e integración transfronteriza en América
Latina y el MERCOSUR. [Online], 2009, p.94. Disponível em: <https://www.academia.edu/6032926/
Cooperaci%C3%B3n_e_integrac%C3%B3n_transfronteriza_en_Am%C3%A9rica_Latina_y_el_Mer-
cosur_AECID_2009_Integraci%C3%B3n_Fronteriza_en_el_Mercosur?auto=download>. Acesso em
28.jan.2018.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 381
e carentes do Uruguai, [o que] ilustra essa realidade quanto às diferenças nos
aspectos financeiros” quando comparados com as ações e serviços públicos
de saúde no Brasil13.
Diante da ausência de um órgão específico para cuidar da temática
no âmbito do MERCOSUL, o Brasil vem tentando avançar em termos de
proteção, ao estabelecer um conceito mais ampliado de residente fronteiriço
sem limite de distância do centro populacional do município limítrofe, bus-
cando garantir o regular exercício de direitos à essa população independente
de sua nacionalidade.
A Lei de Migrações, nº 13.445/2017 garantiu o acesso ao sistema sanitário
considerando a zona de fronteira na medida em que possibilitou que os resi-
dentes fronteiriços, mediante requerimento, que obtenham autorização para
a prática de atos da vida civil e assegurando-lhe o exercício de direitos sociais,
inclusive o acesso ao sistema de saúde (artigos 23 e 24), representando uma
intervenção do Brasil em zonas fronteiriças visando à garantia de direitos para
esses cidadãos independente de sua nacionalidade.
O Decreto nº 9.199, de 20 de novembro de 2017, regulamentou a nova
Lei de Migrações e estabeleceu procedimento para que o residente fronteiriço
solicite autorização para realização de atos da sua vida civil no Brasil, pelo
prazo de cinco anos, prorrogáveis por igual período, e após podendo ser con-
cedida autorização para esse mesmo fim por prazo indeterminado. (artigos 86
a 94 do Decreto 9.199/2017)
Mesmo diante da inovadora e louvável previsão de direitos aos residentes
fronteiriços pelo ordenamento brasileiro, a assimetria dos sistemas de saúde
entre países vizinhos tem trazido desafios para operacionalizar o acesso ao
sistema de saúde pública da forma como prevista na lei. Como explicado ante-
riormente, pelas diretrizes da política do sistema sanitário brasileiro, o acesso
ao sistema é universal e a assistência integral, independente de coparticipação
do usuário, e, portanto, caracterizado pela gratuidade ao usuário.
Ocorre que em países vizinhos, como Uruguai e Paraguai, o sistema sa-
nitário prevê a necessidade de coparticipação do usuário no financiamento, o
que faz com que brasileiros residentes nos países vizinhos cruzem constante-
mente a fronteira para utilizar o sistema de saúde no Brasil, o que pode alterar
os indicadores de saúde, prejudicando a confiabilidade dos dados e conse-
quentemente o planejamento operacional e orçamentário das ações e serviços
de saúde, os quais se baseiam nos dados da população residente no Brasil,
sendo exemplo a vacinação contra poliomielite nos Municípios brasileiros
13
NOGUEIRA, Vera Maria Ribeiro; DALPRÁ, Kely Regina; FERMINANO Sabrina. Mercosul: expres-
sões das desigualdades em saúde na linha da fronteira. Ser social. Brasília: UNB, v.1, p. 159-168, 2006.
p. 164-165.
382 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
14
CAZOLA, Luiza Helena de Oliveira; PÍCOLI, Renata Palópoli; TAMAKI, Edson Mamoru; PONTES,
Elenir R.J.C.; AJALLA, Maria Elizabeth. Atendimentos a brasileiros residentes na fronteira Brasil-Pa-
raguai pelo Sistema Único de Saúde. Rev Panam Salud Publica. 2011:29(3):185–90.
15
Idem.
16
JIMÉNEZ, Roser Pérez;NOGUEIRA, Vera Maria Ribeiro. La Construicción de los derechos sociales
y los sistemas sanitários: Los desafios de las fronteiras. Rev.KatálFlorianópolis v. 12, n. 1, p. 50-58,
Jan/Jun 2009.
17
GIOVANELLA, Ligia; GUIMARÃES, Luisa; NOGUEIRA, Vera Maria Ribeiro; LOBATO, Lenaura
de Vasconcelos Costa; DAMACENA, Giseli Nogueira. Saúde nas fronteiras: acesso e demandas de
estrangeiros e brasileiros não residentes ao SUS nas cidades de fronteira com países do Mercosul
na perspectiva dos secretários municipais de saúde. Cad Saude Publica. 2007;23(2 suppl):251–66.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 383
contíguas à fronteira brasileira. A previsão desse direito existe, mas ao ser
recentemente regulamentado pela nova Lei de Migrações não teve contem-
plada a forma como seria executado pelos Entes sub-nacionais, notadamente
no que se refere ao financiamento dessas ações e serviços públicos, como
trataremos no tópico seguinte.
18
CORTI, Horacio Guillermo. Derecho Financiero. Buenos Aires: Abeledo-Perrot. 1997. p. 197.
384 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
viabilizar esse acesso foi desenvolvido pelo Ministério da Saúde o SIS FRON-
TEIRAS – Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras, cujo objetivo é promo-
ver a integração de ações e serviços de saúde na região fronteiriça e contribuir
para a organização e o fortalecimento dos sistemas locais de saúde nos Muni-
cípios fronteiriços, os quais, por não serem sujeitos de direito internacional
e não poderem estabelecer relações com outros Países, são celebrados acordos
bilaterais/multilaterais com cláusulas que asseguram a assistência médica e
farmacêutica e tratamentos recíprocos.
A Portaria nº 622, de 23 de abril de 2014, e a Portaria nº 204/GM/MS, de
29 de janeiro de 2007, dispõem sobre o financiamento da implementação das
ações previstas no Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras (SIS Fronteiras
- regulado pela Portaria nº 1.120/GM/MS, de 6 de julho de 2005) e sobre o
repasse de incentivo financeiro dado pelo Ministério da Saúde, na forma de
transferência dos recursos federais para as ações e os serviços de saúde, na for-
ma de blocos de financiamento, com o respectivo monitoramento e controle,
por meio do Fundo Nacional de Saúde.
Contudo, há grande diversidade nos países vizinhos no campo de prote-
ção à saúde, não só relativa ao financiamento, que, em geral, prevê a coparti-
cipação do usuário, como em relação à cobertura, extensão dos programas a
qualidade da atenção e da própria rede instalada, onde a distinta especificida-
de da política sanitária e da organização do sistema, dificultam o tratamento
da desigualdade nas formas de acesso aos sistemas de saúde.
Ademais, os entes subnacionais, como Estados e Municípios em áreas de
fronteiras, são os responsáveis pela prestação de saúde dos residentes frontei-
riços. Contudo, há limitação ao tratamento da matéria em âmbito local. Des-
tacando a necessidade de colaboração do Governo federal com os Municípios
brasileiros fronteiriços, Ventura e Fonseca19 destacam que isso não conduz a
uma atuação de política exterior aos Municípios, inclusive porque do ponto
de vista jurídico, a autonomia dos entes municipais tem limites. Entretanto,
é de se reconhecer que os Municípios, ainda que prestem assistência integral
aos residentes fronteiriços, por possuírem gestão das ações e serviços de saúde
em sua área de abrangência, não podem ver seus orçamentos comprometidos
pelo aumento na prestação de saúde de estrangeiros, em face da nova Lei de
Migrações, que garante a mesma atenção à saúde que os brasileiros possuem
aos residentes fronteiriços, mediante um procedimento simplificado de entra-
da no Brasil (regulamentado no Decreto), sem que seja estabelecido quais os
mecanismos financeiros e estruturais que permitam a ampliação da rede de
19
VENTURA, Deisy; FONSECA, Marcela Garcia. La participación de los entes subnacionales en la po-
lítica exterior de Brasil y en los procesos de integración regional. Revista CIDOB d’afers internacio-
nals, n.º 99 (septiembre 2012), p. 55-73. p. 66.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 385
atenção à saúde no Brasil. Em face desses desafios, Ventura e Fonseca chegam 20
20
Como, por exemplo, a Reunión Especializada de Municipios e Intendencias del Mercosur (REMI),
criando uma rede de “Mercocidades” que impulsiona cidades membros a terem seu próprio Conselho
Diretivo a integrar unidades temática e sessões nacionais, adotado apenas no Uruguai, onde o sistema
jurídico permite maior autonomia aos Entes municipais de indicação de componentes em uma represen-
tação regional no Bloco. No Brasil, apenas a Casa Civil indica representantes. Defendendo a atuação do
Uruguai na REMI, Deisy Ventura pontua: “La creación de la REMI significó el cumplimiento del primer
objetivo de la Red, que observa el proceso de integración de los países del Mercosur como un proceso
que debe ir más allá de los gobiernos centrales, porque son los municipios los que poseen el nivel más
descentralizado y están en contacto con la vida cotidiana de los pueblos, idea que se refleja en uno de los
lemas de la Red: «El Mercosur más cerca del ciudadano».”
VENTURA, Deisy. FONSECA, Marcela Garcia. La participación de los entes subnacionales en la políti-
ca exterior de Brasil y en los procesos de integración regional. Revista CIDOB d’afers internacionals,
n.º 99 (septiembre 2012), p. 55-73. p. 67.
21
GIOVANELLA, Ligia; GUIMARÃES, Luisa; NOGUEIRA, Vera Maria Ribeiro; LOBATO, Lenaura
de Vasconcelos Costa; DAMACENA, Giseli Nogueira. Saúde nas fronteiras: acesso e demandas de
estrangeiros e brasileiros não residentes ao SUS nas cidades de fronteira com países do Mercosul na
perspectiva dos secretários municipais de saúde. Cad Saude Publica. 2007;23(2 suppl):251–66.
386 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
CONCLUSÃO
22
O MERCOSUL, como bloco econômico, vem fazendo pactuações para a compra conjunta de medica-
mentos de alto custo o, como o Eculizumabe, o Trastuzumabe e o Rituximabe, indicadas para o trata-
mento de artrite reumatóide e câncer, que representa boa parcela das ações judiciais que determinam a
compra desses medicamentos a preços de venda ao particular, no varejo. Disponível em: <http://portal-
saude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/18047-paises-vao-criar-plataforma-para
-aquisicao-de-medicamentos)>. Acesso em 16.out.2017.
23
VENTURA, Deisy de Freitas Lima. Uma visão internacional do direito à saúde. In O Direito achado na
rua : Introdução crítica ao direito à saúde. / Alexandre Ber p.nardino Costa ... [et al.](organizadores) –
Brasília: CEAD/ UnB, 2009. p.86.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 387
bem como controle de endemias, vacinação, entre outras atividades eminen-
temente preventivas.
E numa infinidade de elementos que compõe o sistema sanitário brasilei-
ro, importa para o regular funcionamento do sistema, cuidados com a saúde
de pessoas que residem em espaço de fronteira, isso porque além da facilidade
de propagação de doença e outros agravos, já que alguns centros populacionais
contam com menos de 20 km de distância, ainda há um constante intercâm-
bio de pessoas, seja para fins laborais, educacionais, laços afetivos entre outros.
Dessa forma, o princípio da livre circulação de pessoas reafirmado atra-
vés do plano de ação do MERCOSUL tem que vir acompanhado da garantia
da efetivação e respeito aos direitos, notadamente o direito de acesso às ações
e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde.
A assimetria entre nosso sistema sanitário e dos países vizinhos tem sido
um grande desafio na garantia desse direito, notadamente quando se analisa
princípios essenciais do sistema único de saúde, como a universalidade e in-
tegralidade de cobertura e atendimento. Por outro lado, o funcionamento do
sistema sanitário ocorre a partir de responsabilidade compartilhada entre di-
versos entres públicos, embora os municípios por serem gestores imediatos do
SUS acabem por conviver com a realidade de receber uma demanda flutuante
e de difícil previsão, impossibilitando ações mais efetivas de planejamento
operacional e, notadamente, orçamentário.
A União estabeleceu uma forma especifica de financiamento para ga-
rantia do direito à saúde das pessoas que residem em zona de fronteira, o
Programa SIS Fronteiras, contudo, os recursos previstos não têm sido sufi-
ciente, o que compromete a qualidade e eficiência da rede. Outrossim a zona
de fronteira é área sob a jurisdição de mais de um Estado, de forma que o
financiamento pode e deve ser buscado a partir da cooperação internacional.
No âmbito do MERCOSUL, as iniciativas de harmonização das legis-
lações são fracas, resultando em grande diversidade dos países no campo de
proteção da saúde. O Brasil vem avançando em seu direito interno no sentido
de reconhecer a zona de fronteira como espaço para garantia de direitos, evi-
tando discriminações entre iguais mas vizinhos. O que se observa é que de um
lado da fronteira tem-se recursos suficientes para atenção de saúde e do outro
lado não se tem a mesma situação, gerando uma desigualdade territorial para
os cidadãos de um país frente ao do outro, inclusive separados por poucos
metros entre serviços fronteiriços.
Contudo, a distinta gestão das necessidades de saúde na fronteira nos
países que apresentam um sistema sanitário centralizado, no planejamento e
gestão e em outros em que descentralização da gestão e organização dos recur-
sos tem dificultado a cooperação internacional entre países vizinhos visando
objetivos similares que é a universalidade da saúde.
388 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
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PARTE IV
OS DESAFIOS DO DIREITO
INTERNACIONAL:
OUTROS TEMA RELEVANTES
Capítulo 25
A Atuação Chinesa na América do Sul:
Mecanismos de Inserção e Perspectivas Futuras
Arthur Gustavo Saboya de Queiroz
1. INTRODUÇÃO
Ao final do século XX, muito foi escrito sobre o impacto benéfico que
os países emergentes proporcionariam à economia mundial. Chegado o mo-
mento de consolidação desses Estados, contudo, vários ainda encontram difi-
culdades para firmar posição entre as principais potências mundiais. Não é o
caso da China. O país mais populoso do mundo firmou-se como segundo em
volume de Produto Interno Bruto (PIB), tendo não raro alcançado um cres-
cimento percentual anual de mais de 10%. Passou assim a ser uma verdadeira
potência econômica, apesar dos inegáveis problemas sociais que persistem.
Para alcançar essa posição proeminente, foi necessária a consecução de
um projeto sólido, estável, adequado a um regime de partido único que não se
dispunha a uma abertura econômica. Assim, chegou-se a um sistema generica-
mente intitulado socialismo de mercado.
O socialismo de mercado, latu sensu, consiste em um sistema formalmen-
te socialista, com controle dos meios de produção pelo Estado, ente regulador
da economia. Não obstante, atua financeiramente no comércio internacional,
buscando o lucro que sustentará a sua estrutura administrativa. A economia
mais próxima a adotar esse padrão é sem dúvida a China, país cuja atuação é
analisada nesse trabalho. Não obstante, é possível visualizar elementos de um
socialismo de mercado mesmo em Cuba e na antiga União Soviética.
Dessa forma, atuante na economia mundial, passou a China a enxergar
esse espaço como mais um campo a auxiliar na construção do seu desenvol-
vimento. Buscou, assim, a tratar com mercados estrangeiros de maneira mais
intensa, sobretudo aqueles inseridos em regiões ainda em desenvolvimento,
como é o caso da América do Sul, investindo, sobretudo, no financiamento de
grandes obras de infraestrutura por meio de instituições de fomento. Pretende,
assim, obter um retorno financeiro garantido pelo sucesso desses empreendi-
mentos, de modo a não apenas lucrar com os países dessa região, cuja ascensão
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 391
oferece uma demanda por esses investimentos e potencialidade de benefícios
aos investidores, mas também uma perspectiva de aumento de sua capacida-
de de influência, dado não somente ao reforço nas relações de amizade, mas
também nas relações de dependência que um maciço investimento estrangeiro
acaba por proporcionar.
O presente trabalho se propõe a promover uma análise da atuação da
China na América do Sul, com objetivo maior de visualizar a sua dimensão,
tanto em termos financeiros quanto políticos e sociais. Serão expostas as prin-
cipais semelhanças e diferenças que regem a atuação chinesa na região.
Inicialmente, no primeiro tópico, buscará apresentar uma síntese do sis-
tema econômico e da formação política chinesa, com o fito de embasar as
razões de sua atuação no cenário internacional. Em seguida, na segunda parte,
analisará a inserção da China no espaço já apontado, ressaltando o histórico
de relações entre ambos e em que pontos ela tem ocorrido. Finalmente, ao
final, abordará as perspectivas futuras para a parceria, sem evitar necessárias
críticas à postura chinesa em alguns contextos. Para tanto, o presente trabalho
parte de um método dedutivo, substanciado por uma pesquisa bibliográfica,
pautada na leitura de livros, artigos e dados sobre a China e a América do Sul
e suas dimensões comerciais.
O estudo dos caminhos adotados pelas nações em busca do desenvolvi-
mento consiste em importante seara de estudo de sua política interna. Con-
tudo, frisa-se aqui que a análise de suas relações exteriores não deve ficar em
segundo plano, vistos os efeitos positivos que a arrecadação por meio de inves-
timentos pode proporcionar ao somar-se com àquela decorrente da tributação
para as receitas do Poder Público.
chinesa pode nos permitir compreender que razões possibilitam a sua bem-
-sucedida manutenção.
No segundo ponto, trataremos do modelo chinês de sistema econômico,
ressaltando o diálogo entre o socialismo e o mercado. Esse ponto aborda tema
crucial para essa monografia, pois permite, ainda que brevemente, expor o
funcionamento das nuances de capitalismo na China, e como possibilita uma
ostensiva atuação de intercâmbio econômico em parceria com os continentes
sobre os quais essa monografia também trata.
Finalmente, finalizando a parte, passaremos a estudar de que forma a
atuação da política externa chinesa em prol do investimento em países emer-
gentes pela China se encaixa em sua política desenvolvimentista. Busca-se as-
sim, verificar as contribuições dessa política ao país, tanto no campo econômi-
co, de geração de riquezas, quanto no político, por meio do qual se consolida
o regime no plano internacional.
1
KISSINGER, Henry. Sobre a China. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011. p. 32.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 393
feudal. O país estava agora desintegrado em literalmente centenas de estados
de vários tamanhos, cada um controlado por um Senhor da Guerra e seu
exército particular.2
Com a Expedição do Norte (1926-27) e a retomada dos feudos dos Senho-
res da Guerra, ocorreu a ascensão dos nacionalistas do Kuomintang, dirigidos
pelo general Chiang Kai-Shek. Todavia, a repúblicas dos nacionalistas ainda
não trouxe estabilidade administrativa ao país, dadas as intensas hostilidades
entre estes e o comunistas, interrompidas por alguns anos durante a Segun-
da Guerra Sino-Japonesa (1937-1945). Com a retomada do embate, o Partido
Comunista de Mao Zedong acabou por tomar o poder que mantém até hoje,
limitando a influência do rendido Kuomintang a região de Taiwan.
A proclamada República Popular da China se mantém até hoje. Ape-
sar de períodos de tensão, como o da Revolução Cultural (1966-69) e do
Massacre da Praça da Paz Celestial em 1989, o regime tem sobrevivido de
maneira estável, mesmo quando do rompimento com a União Soviética, até
a atualidade. Dessa maneira, com a estabilização governo unipartidário e do
Estado, foi possível a manutenção do intenso crescimento econômico que
lhe é marcante.
Estabilizada e crescendo ainda fortemente, não há perspectivas de alte-
ração do regime político que a dirige, nem mesmo do sistema econômico.
Não parece exagerado, portanto, apontar o momento atual, iniciado a partir
das reformas de Xiaoping, como seu momento de maior representatividade
no cenário mundial. Apesar de previsível a manutenção de menores taxas de
crescimento do PIB, esta medida faz-se necessária, dada a dificuldade de mover
tão pesadas engrenagens a garantir tão grande produtividade.
Insólito é atestar que a qualidade de gigante econômico decorre da
adoção de um sistema, pode-se dizer, misto entre socialismo e capitalismo.
Uma terceira via, pragmática, moderadamente ideológica, consolidada com
tanta força que restou impossível qualquer tentativa de triturar esse formato
por países rivais, algo recorrente na Guerra Fria, onde o intervencionismo
americano não hesitou em tentar intervir em países como Cuba e Vietnã.
Isso ocorre em razão da China representar uma força, se não equiparável,
pelo menos a mais próxima em relevância dos Estados Unidos, a ponto de
até mesmo se acreditar que a era americana está chegando ao fim, à medida
em que a ordem mundial ocidental é substituída por outra cada vez mais
dominada pelo Oriente.3 Passemos agora a um breve estudo acerca do socia-
lismo com peculiaridades chinesas.
2
LOWE, Norman. Mastering Modern World History. 5. ed. Hampshire: Palgrave MacMillan,
2013. p. 422.
3
NEDAL, Dani; SPEKTOR, Matias (Orgs.). O que a China quer? Rio de Janeiro: FGV, 2010. p. 63.
394 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
4
SANTORO, Maurício. Ditaduras contemporâneas. Rio de Janeiro: FGV, 2013. p. 46.
5
POMAR, Wladimir. A Revolução chinesa. São Paulo: Unesp, 2003. p. 148.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 395
locais de maior abertura ao capital estrangeiro, promovida por meio de in-
centivos ao investimento, como redução de impostos, mão de obra barata e
infraestrutura de boa qualidade. Representam, assim, boa parte do Produto
Interno Bruno (PIB) do país.
Essa abertura do regime não se resumiu às ZEEs. Foram criadas também
Zonas de Desenvolvimento Econômico e Tecnológico (ZDET), Novas Áreas
(NA), Zonas de Desenvolvimento de Indústrias de Alta Tecnologia (ZDIAT),
Zonas de Livre Comércio (ZLC), Zonas de Processamento de Exportação
(ZPE), Zonas Fronteiriças de Cooperação Econômica (ZFCE), Zonas de De-
senvolvimento Taiwanês (ZDT) e Zonas de Turismo (ZT). Percebe-se assim a
sofisticação do projeto chinês, buscando alinhar as benesses da manutenção de
nichos de capitalismo em um regime socialista.
Como reflexo dessa postura, o crescimento chinês tem sido vertiginoso.
Se à época da abertura econômica o Produto Interno Bruno chinês fora cal-
culado em cerca de 149,5 bilhões de dólares, passou a 11 trilhões em 2015.6
Esse crescimento, cujo meta articulada por Xiaoping em 1978 propõe oito
duplicações até 2050, almeja atingir o nível de uma nação moderadamente
desenvolvida, com vistas a consagração do socialismo como opção superior
ao capitalismo.7 Assim, só pela prévia superação da pobreza que o caminho
socialista poderia ser implementado.
Não há perspectiva de que os incentivos estatais à dinamização da econo-
mia findem. Essa realidade permite inferir que, nesse modelo chinês, a passa-
gem ao comunismo não implicaria necessariamente em uma drástica remoção
dos mecanismos de geração de riqueza, a despeito das desigualdades econômi-
cas e sociais que estes provocam. O socialismo chinês é, portanto, pragmático.
Alinha-se a elementos capitalistas, ciente da sua condição de regime de tran-
sição, não acabado, afastando os impactos que o mero dogmatismo anticapi-
talista acabaria por ocasionar a um intento de busca pelo desenvolvimento.
6
Dados do Banco Mundial. Para consulta, acessar: THE WORLD BANK. World Bank Open Data.
Disponível em <http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.CD?locations=CN&view=chart>.
Acesso em 05 fev. 2017.
7
JABBOUR, E. M. K. Projeto nacional, desenvolvimento e socialismo de mercado na China de hoje.
2010. 389 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Hu-
manas, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2010. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/
disponiveis/8/8136/tde-18012011-103155/en.php>. Acesso em 05 jan. 2017. p. 67.
396 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
8
Dados do Banco Mundial. Para consulta, acessar: THE WORLD BANK. World Bank Open Data.
Disponível em <http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.KD.ZG?locations=CN&view=-
chart>. Acesso em 05 fev. 2017.
9
Dados extraídos de: THE OBSERVATORY OF ECONOMIC COMPLEXITY. Trade Balance of Chi-
na (1962-2014). Disponível em: <http://atlas.media.mit.edu/39sswl>. Acesso em 23 fev. 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 397
A ideia de política externa, definida de forma geral como o instrumento
pelo qual um Estado tenta formar seu ambiente político internacional,10 permi-
te, através da atuação no exterior, obter diversos ganhos tanto políticos quanto
econômicos. Os ganhos serão políticos sobretudo quando proporcionarem um
aumento de sua influência na ordem global, seja, por exemplo, por meio da
nomeação de seus nacionais para postos estratégicos de órgãos multilaterais, ou
pela prevalência de suas posições em resoluções de mecanismos de governança
global. Os ganhos econômicos, por sua vez, decorrem sobretudo da formação
do ambiente de negócios decorrente da atuação política desse Estado.
Com efeito, desde o Governo Xiaoping a política externa chinesa tem se
subordinado à estratégia de desenvolvimento do país.11 Nesse nicho, importante
maneira de geração de riqueza utilizada pela China tem sido o investimento em
outros países. Esse investimento, direcionado a países igualmente emergentes,
possibilita a expansão dos negócios das empresas chinesas a novos mercados
consumidores, garantindo assim a manutenção do ritmo de sua atividade eco-
nômica, imprescindível para a continuidade das altas taxas de crescimento do
PIB experimentadas nas últimas décadas. Ademais, permite o retorno do inves-
timento por meio de juros dado ao sucesso dos empreendimentos. Finalmente,
garante o posicionamento estratégico em zonas de recursos naturais, produtos
dos quais a China muito demanda, sendo o país que mais os consome, segundo
o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
De fato, o comércio exterior chinês é bastante intenso, tendo sido a sua
promoção um componente essencial do seu desenvolvimento.12 A China, por
exemplo, tem como principal produto de importação o petróleo (205 bilhões
de dólares), além de ser grande demandante no mercado internacional de mi-
nério de ferro (73,4 bilhões de dólares).13 Sem o acesso a esses produtos, seu
crescimento acabaria por frear, provocando uma danosa estagnação. Sua pauta
de exportação, a despeito da aos poucos afastada má fama acerca da qualidade,
tem comportado produtos cada vez mais sofisticados, com razoável técnica na
produção, consistindo sobretudo em componentes de eletrônicos. Funciona
na China, por exemplo, a maior fábrica da Foxconn, empresa responsável por
imensa parte da produção de produtos da gigante Apple. Passemos agora a
análise da atuação chinesa no continente africano.
10
BATTISTELA, Dario. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: SENAC, 2014. p. 304.
11
ALVES, A. G. M. P. Os interesses econômicos da China na África. Boletim de Economia e Política Inter-
nacional. Brasília, v. 1, pp. 25-31, 2010. Disponível em: <http://ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/
boletim_internacional/100621_boletim_internacional01_cap5.pdf >. Acesso em 21 fev. 2017. p. 25.
12
GUIMARÃES, Alexandre Queiroz. A Economia Política do Modelo Econômico Chinês: o Estado, o
mercado e os principais desafios. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, v. 20, n. 44, p. 103-120,
2012. Disponível em: <http://bit.ly/2mdQtFJ>. Acesso em 22 fev. 2017. p. 106.
13
Dados de 2014, extraídos de: THE OBSERVATORY OF ECONOMIC COMPLEXITY. China. Dispo-
nível em: <http://atlas.media.mit.edu/pt/profile/country/chn/>. Acesso em 23 fev. 2017.
398 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
14
FERCHEN, Matt. As relações entre China e América Latina: impactos de curta ou longa duração? Re-
vista de Sociologia e Política. Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 105-130, 2011. Disponível em: <http://
www.scielo.br/pdf/rsocp/v19s1/08.pdf>. Acesso em 02 mar. 2017.
15
FOOT, Rosemary; HURRELL, Andrew; SOARES DE LIMA, M. R.; HIRST, Mônica; MACFARLA-
NE, Neil; NARLIKAR; Amrita. Os Brics e a Ordem Global. Rio de Janeiro: FGV, 2014. p. 125.
400 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
Bank), também chamado de Banco dos BRICS se propõe, por exemplo, como
uma alternativa ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional, ins-
tituições onde os Estados Unidos possuem poder de voto bastante amplo.
A ideia de uma China forte agrada, portanto, os países da América do Sul.
Não obstante o ganho político e a relevância econômica, nesse último aspecto al-
guns desgastes passam a ser sentidos. Esses atritos decorrem da difícil concorrência
com os produtos chineses, produzidos a baixíssimo custo, prejudiciais, portanto,
para o desenvolvimento das indústrias locais. Apesar disso, e com base no intenso
aprofundamento dos laços, os acordos vem se intensificando, de modo que anali-
saremos agora os ganhos que ensejam a manutenção desses acertos.
16
Dados de 2014, extraídos de: OBSERVATORY OF ECONOMIC COMPLEXITY. Brazil. Disponível
em: <http://atlas.media.mit.edu/en/profile/country/bra/>. Acesso em 02 mar. 2017.
17
VADELL, Javier Alberto. A China na América do Sul e as implicações geopolíticas do Consenso do
Pacífico. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 57-79, 2011. Disponível
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18
GALLAGHER, Kevin P; IRWIN, Amos; KOLESKI, Katherine. Os novos bancos em cena: financia-
mentos chineses na América Latina. Informe: Diálogo interamericano. Disponível em: <http://www.
ase.tufts.edu/gdae/Pubs/rp/GallagherNewBanksPortuguese.pdf>. Acesso em 03 mar. 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 401
Bastante relevante é o investimento chinês no setor de hidrocarbonetos
da região, recurso onde Brasil e Venezuela possuem relevância. Nesse sentido,
a Corporação Nacional de Petróleo da China (CNPC), maior companhia pe-
trolífera chinesa, e a Companhia Petroquímica da China (SINOPEC), segunda
maior empresa energética do país, vem mantendo acordos de exploração e
desenvolvimento de campos de petróleo e gás natural no Brasil, na Argentina,
no Equador, na Venezuela, Colômbia e no Peru desde a década passada, apos-
tando no crescimento percentual da produção nessas regiões em comparação
com o resto do mundo.19
Muitas dessas parcerias são acertadas através de diálogos multilaterais. A
China é membro observadora da Organização dos Estados Americanos (OEA)
desde 2004. Ademais, tem buscado uma aproximação com a Comunidade dos
Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), grupo que exclui Estados
Unidos e Canadá, através de instrumentos como o foro CELAC-China.20
O Fórum CHINA-CELAC (FCC) foi estabelecido em 17 de julho de 2014,
tendo sua primeira reunião ministerial acontecido nos dias 8 e 9 de janeiro de
2015, em Pequim, tendo previsão para a sua próxima reunião em janeiro de 2018,
no Chile. Tem como objetivo promover o desenvolvimento de seus componen-
tes com base na igualdade, no benefício mútuo e no desenvolvimento comparti-
lhado.21 Em sua reunião ministerial, importante documento foi emitido: o Pla-
no de Cooperação dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos e China, com
planejamento para o quinquênio 2015-2019. Mediante o Plano de Cooperação
foram fixadas as áreas prioritárias de atuação conjunta, alcançando 13 pontos,
quais sejam: política e segurança, assuntos internacionais, comércio, inversão e
finanças, infraestrutura e transportes, energia e recursos naturais, agricultura, in-
dústrias, ciência e tecnologia, cooperação aeroespacial, educação e capacitação de
recursos humanos, cultura e esportes, imprensa, meios de comunicação e edição,
e turismo, proteção ambiental, gestão de risco de desastres naturais e mitigação de
calamidades naturais.22 São áreas estratégicas para o desenvolvimento dos países da
América do Sul, pontos nos quais a China em muito cresceu, possibilitando assim
um compartilhamento de experiências bastante promissor.
19
SOUZA, L. S. Os investimentos da China no setor de hidrocarbonetos da América do Sul. Conjuntura
Austral. Porto Alegre, v. 2, n. 3-4, p. 24-30, 2011. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/index.php/Con-
junturaAustral/article/view/18502/10933>. Acesso em 03 mar. 2017.
20
PINI, A. M. A crescente presença chinesa na América Latina: desafios ao Brasil. Boletim de Economia
e Política Internacional. Brasília, v. 21, p. 21-31. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/bits-
tream/11058/6473/1/BEPI_n21_Crescente.pdf>. Acesso em 03 mar. 2017.
21
FÓRUM CHINA-CELAC. ABC sobre el Foro China-CELAC. Pequim, 2016. Disponível em: <http://
www.chinacelacforum.org/esp/ltjj_2/P020161207457618108481.pdf>. Acesso em 03 mar. 2017.
22
FÓRUM CHINA-CELAC. Plan de Cooperación de los Estados Latino-Americanos y Caribeños
– China (2015-2019). Pequim, 2015. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/images/ed_integra-
cao/docs_CELAC/PLCOOP.2015ESP.pdf>. Acesso em 03 mar. 2017.
402 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
23
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUISTA FILHO. Faculdade de Filosofia
e Ciências – Campus Marília. China e América Latina: encontro de interesses. Disponível em: <ht-
tps://www.marilia.unesp.br/Home/Extensao/BRICs/china.pdf>. Acesso em 03 mar. 2017.
24
TROYJO, Marcos. O que os chineses querem no Brasil e na América Latina? Instituto Brasileiro de
Executivos de Finanças de São Paulo. 26 de agosto de 2015. Disponível em: <http://www.ibefsp.com.
br/artigos/o-que-os-chineses-querem-no-brasil-e-na-america-latina/>. Acesso em 03 mar. 2017.
25
Dados extraídos de: CONSELHO EMPRESARIAL BRASIL-CHINA. Pauta de Exportações. Dispo-
nível em: <http://www.cebc.org.br/pt-br/dados-e-estatisticas/comercio-bilateral/pauta-de-exportacoes>.
Acesso em 03 mar. 2017.
26
Dados extraídos de: CONSELHO EMPRESARIAL BRASIL-CHINA. Pauta de Importações. Dis-
ponível em: <http://www.cebc.org.br/pt-br/dados-e-estatisticas/comercio-bilateral/pauta-de-importa-
coes>. Acesso em 03 mar. 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 403
território chinês, de aproximadamente US$ 250 milhões, sugerem um novo
impulso nesta relação.27 Alguns setores onde o mercado local é bastante recep-
tivo a produtos em que a América do Sul em geral possui expertise são carne
(bovina, suína e de frango), soja, café e suco de laranja.
A coligação com determinados países é bastante estratégica, e mesmo
diversificada. No caso da Argentina, por exemplo, chamou atenção o anda-
mento da construção de uma base espacial na Patagônia. A China também é
parceira do Brasil na construção de um satélite de observação.28 Com o Chile,
vigora um Tratado de Livre Comércio desde 2006.29 O mesmo acontece com
o Peru, desde 2010.30
São boas também as perspectivas de parceria no contexto das Nações
Unidas. Na medida em que os países sul-americanos foram importantes para
garantir o ingresso da China na Organização Mundial de Comércio, estes
também podem garantir importantes conquistas no Conselho de Segurança
da maior organização internacional. Tendo em vista a necessidade de aprova-
ção de resolução no Conselho de Segurança por 9 de seus 15 membros, onde
atualmente três, Uruguai, Bolívia e Venezuela, são sul-americanos, faz-se desde
já um bloco com boas perspectivas de aprovação de medidas do seu interesse
(ainda mais coligados com os quatro países africanos que o compõe).
Assim, a China muito ganhou e ainda deve muito ganhar em termos finan-
ceiros com a aproximação promovida com a América do Sul. Se ainda restam
incertezas acerca dos benefícios políticos, esses são esperados na medida em que
temas de maior impacto mundial forem à tona das discussões multilaterais, ten-
do em vista a tendência de os países desse subcontinente buscarem um parceiro
protagonista a defender seus interesses em oposição às potências do Norte.
27
AGÊNCIA BRASILEIRA DE PROMOÇÃO DE EXPORTAÇÕES E INVESTIMENTOS (APEX);
CONSELHO EMPRESARIAL BRASIL-CHINA. Oportunidades de comércio e investimento na
China para setores selecionados. 2015. Disponível em: <http://www.cebc.org.br/sites/default/files/
pesquisa_cebc_-_apex_versao_final-oficial.pdf>. Acesso em 03 mar. 2017.
28
SPUTNIK NEWS. Brasil e China retomam projeto de satélite a ser lançado em 2018. 30 de dezem-
bro de 2015. Disponível em: <https://br.sputniknews.com/brasil/201512303196978-brasil-china-reto-
mam-projeto-satelite-2018/>. Acesso em 04 mar. 2017.
29
CHINA FREE TRADE AGREEMENT NETWORK. China-Chile Free Trade Agreement Overview.
2006. Disponível em: <http://fta.mofcom.gov.cn/topic/enchile.shtml>. Acesso em 04 mar. 2017.
30
CHINA FREE TRADE AGREEMENT NETWORK. China-Peru Free Trade Agreement Overview.
2006. Disponível em: <http://fta.mofcom.gov.cn/topic/enperu.shtml>. Acesso em 04 mar. 2017.
404 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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Capítulo 26
Rui Barbosa e a Defesa do Princípio da
Igualdade Entre os Estados na
Conferência da Paz de 1907
Mayna Cavalcante Felix
1. INTRODUÇÃO
3
VISENTINI, Paulo Fagundes. “A Águia de Haia”: Rui Barbosa Diplomata. In Rui Barbosa: uma
personalidade multifacetada. Brasília: FUNAG, 2012. P. 53.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 409
Apesar dos importantes passos no campo da solução amistosa de contro-
vérsias e limitação aos meios e métodos de combate, a Primeira Conferência não
foi bem sucedida no seu escopo inicial de frear a corrida armamentista. Com
relação a isso, a Ata Final cingiu-se a declarar que a Conferência acreditava que
a restrição dos gastos militares, os quais representavam um fardo para o mundo,
seria extremamente desejável para o bem-estar material e moral da humanidade4.
O cenário mundial passava então por um período de polarização, for-
mando-se uma divisão cada vez mais clara entre os Estados mais fortes e os
mais fracos. Nesse período, batizado por Eric Hobsbawn, como a “era dos
impérios”5, o imperialismo das grandes potências acabou por gerar conflitos
entre estas, surgindo grandes rivalidades, que culminaram posteriormente com
a Primeira Guerra Mundial.
O Brasil, apesar de convidado para comparecer à Primeira Conferência,
declinou do convite. Em nota assinada pelo representante brasileiro em São
Petersburgo, o país informou que passava por um período de instabilidade
interna, por isso sua ausência, mas reforçou seu compromisso com a reorgani-
zação das forças militares com vistas a um fim pacífico.
No contexto do continente americano, o imperialismo mudava de rou-
pagem, visto que não existiam muitas superpotências para disputar território,
como acontecia no caso europeu. Nas Américas, havia apenas uma grande
potência mundial, os Estados Unidos, que exerciam grande influência sobre
as demais nações daquele continente.
O então presidente norte-americano, Theodore Roosevelt, reavivando a
Doutrina Monroe, conhecida pela célebre frase “a América para os america-
nos”, desenvolve o chamado Corolário Roosevelt, procurando dessa forma jus-
tificar a política de coerção desenvolvida contra os Estados latino-americanos6.
O corolário representou o marco inicial de um período de controle di-
reto pelos Estados Unidos sobre as demais nações americanas. É certo que,
ao fazer uso dessa doutrina, Washington procurava assegurar sua influência
exclusiva sobre o continente.
Além disso, os Estados Unidos se firmavam como uma grande liderança
mundial, demonstrando que, através de sua supervisão, as nações americanas
conseguiam preservar a ordem pública e manter seus compromissos em dia.
4
Hague Peace Conference. The Proceedings of the Hague Peace Conferences – The Conference of
1899. Oxford University Press: New York, 1920. P. 233
5
HOBSBAWN, Eric J. A Era dos Impérios. 13ª Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011, p. 583.
6
“O conceito de proteção do hemisfério contra agressões extracontinentais, cerne daquela doutrina, foi retrabalhado
pelo então Presidente norte-americano, de forma que desse justificativa à política de coerção contra os Estados
latino-americanos. Como contrapartida, os Estados Unidos garantiram à Europa que as nações latinas da América,
sob sua supervisão, preservariam a ordem pública e manteriam seus compromissos em dia.”. BUENO, Clodoaldo;
CERVO, Amado Luiz. História da Política Exterior do Brasil. 3 ed. Ed. UnB: Brasília, 2008, p. p. 180 e 181.
410 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
7
BURNS, Bradford. A aliança não escrita: o Barão do Rio Branco e as relações Brasil - Estados
Unidos. Rio de Janeiro: EMC, 2003.
8
RICUPERO, Rubens. “O Brasil, América Latina e os EUA desde 1930: 60 Anos de uma Relação
Triangular” in Visões do Brasil: Ensaios sobre a História e a Inserção Internacional do Brasil. Ed.
Record: Rio de Janeiro, 1995.
9
LAFER, Celso. Conferências da Paz de Haia (1899 e 1907). Disponível em < http://cpdoc.fgv.br/si-
tes/default/files/verbetes/primeira-republica/CONFER%C3%8ANCIAS%20DA%20PAZ%20DE%20
HAIA.pdf>. Último acesso em 08/07/2017
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 411
Como visto acima, o mundo passava por um momento de intensa pola-
rização, por essa razão optou-se por não se realizar as Conferências em algu-
ma cidade das grandes potências, pois além de haver o perigo de influências
políticas, a escolha do local poderia acabar por gerar conflitos. Diante disso,
decidiu-se por realiza-las, na Holanda, que era vista como um país neutro.
Assim, em meados de 1907, o Brasil recebe o convite formal para se fazer
presente na Segunda Conferência da Paz, em Haia, convocada pelo então czar da
Rússia, Nicolau II, atendendo a proposta do presidente norte-americano Theo-
dore Roosevelt, que respondia aos anseios dos movimentos pacifistas da época.
Nesta conferência, participaram 44 (quarenta e quatro) nações. Diferen-
temente da primeira, onde compareceram apenas Estados Unidos e México
do continente americano, nesta segunda, compareceram Argentina, Bolívia,
Chile, Colômbia, República Dominicana, Cuba, Equador, Guatemala, Haiti,
Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai, Venezuela e Nicarágua10, dando grande re-
presentatividade aos países Latino-Americanos.
A delegação brasileira seria inicialmente chefiada por Joaquim Nabuco,
mas a imprensa e a opinião pública acabaram por apontar o nome de Rui Bar-
bosa, então vice-presidente do Senado. Diante disso, Joaquim Nabuco, amigo
pessoal de Rui, opta por recusar o convite em favor do colega, dispondo-se a
auxiliá-lo no que fosse preciso.
Num primeiro momento, Barbosa relutou em aceitar o encargo, mas
eventualmente concordou em chefiar a delegação brasileira11 e, em 15 de junho
de 1907, acontecia a cerimônia de abertura da Segunda Conferência de Paz em
Haia, com a presença do Brasil, um fato marcante para a história das relações
internacionais brasileiras.
Joaquim Nabuco, então embaixador nos Estados Unidos, fez intensa
campanha internacional em favor do amigo. Barbosa foi nomeado presidente
de honra da Primeira Comissão da Conferência, responsável pelas discussões
a respeito da solução pacífica de conflitos internacionais e pela organização
do Tribunal de Presas.
A aclamação inicial, entretanto, cedeu lugar a grande hostilidade com o
delegado brasileiro. O trabalho intenso de Rui, na elaboração de seus discursos
e no oferecimento de pareceres sobre as mais diversas questões, acabou por
gerar certa antipatia dos representantes das grandes potências, a quem não
interessava um país latino-americano com um representante tão participativo.
10
HAGUE PEACE CONFERENCE. The Proceedings of the Hague Peace Conferences, Volume I – Ple-
nary Meetings of the Conference. Oxford University Press: New York, 1920. P. 2-15.
11
Foram também designados Eduardo dos Santos Lisboa (2° delegado), Roberto Trompowski e Tancredo
Burlamaqui (delegados adjuntos), Artur de Carvalho Moreira e Rodrigo Otávio (1°s secretários) e Antô-
nio Batista Pereira (2° secretário, juntamente com outros).
412 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
12
Sobre a política, Rui Barbosa assim discursou: “Ela transformou o direito privado, ela revolucionou o
direito penal, ela fez o direito constitucional, ela criou o direito internacional. É a vida dos povos em si, é
a força ou o direito, é a civilização ou a barbárie, é guerra ou paz. Como então proibi-la em uma Assem-
bleia de homens livres, reunidos no início do século XX com o fim de atribuir uma forma convencional
para o direito das Nações?”. BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa. Vol. XXXIV, Tomo II.
Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1966. P. 65. Tradução livre do original em francês.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 413
mais como o Brasil poderia continuar na Conferência, diante do que caracte-
rizara como tamanha e amarga humilhação13.
Ao se pronunciar a respeito do projeto, afirmou que este seria a proclama-
ção da desigualdade entre as soberanias nacionais. Para ele, a proposta dava a
todos as nações o direito de nomear um dos membros da Corte. Porém, uma vez
nomeado, uns teriam o direito de fazer parte por um tempo mais ou menos cur-
to, enquanto outros exerceriam suas funções durante o período de duração total.
A desigualdade no exercício de um direito implicava na desigualdade no
próprio direito, segundo Rui Barbosa, porque o valor de um direito só pode-
ria ser medido pela possibilidade jurídica de o exercer. No direito de nomear,
seriam todos iguais, entretanto seriam desiguais no direito de fazer parte. Afir-
mou, por fim, que o governo brasileiro não subscreveria nenhum projeto que
ofendesse a igualdade entre os Estados.
O discurso de Barbosa chamou a atenção da imprensa internacional. Os
jornais das importantes nações criticavam sua tese, pois ainda não conseguiam
vislumbrar um princípio da igualdade entre as nações. Os países da América
Latina, entretanto, adotaram a bandeira levantada pelo brasileiro que passou a
atuar como um líder dos países subdesenvolvidos, os quais seriam diretamente
prejudicados pelo projeto.
O princípio da igualdade jurídica entre os Estados passou a ganhar nu-
merosos adeptos, o que levou o grupo de países autores do projeto a oferece-
rem um lugar permanente na Corte para o Brasil, mas o Barão do Rio Branco
recusou veementemente a proposta, afirmando que o país ficaria do lado do
Direito, e não da força.
Por iniciativa de Rui Barbosa, foi criada uma comissão para discutir a
criação dessa Corte chamada de Comissão dos Sete Sábios14, da qual além do
13
“Por amigo comum tive confidência completa tribunal terá dezessete membros base população. França
Inglaterra Alemanha Áustria Itália Rússia Estadosunidos Japão Holanda cada uma um membro. Os mais
por grupos seguinte modo: Espanha e Portugal, Bélgica Suíça e Luxemburgo, Turquia e Pérsia, China e
Sião, Suécia Noruega e Dinamarca, Bálcãs. Nosso continente: México e América Central um; América
do Sul um. Vocência verá se por meio Washington nos poupam tamanha e amarga humilhação. Verifi-
cada ela não compreendo Brasil possa dignamente continuar conferência.” Telegrama de Rui Barbosa
ao Barão do Rio Branco. BARBOSA, Rui. II Conferência da Paz Haia, 1907 - A correspondência tele-
gráfica entre o Barão do Rio Branco e Rui Barbosa. FUNAG: Rio de Janeiro, 2014 P. 87
14
Surge o grupo dos sete sábios (Comitê des Sept ou Sept Sages) formado por: Joseph Hodges Choa-
tes – embaixador plenipotenciário dos EUA; Leon Bourgeois – primeiro delegado plenipotenciário da
França; Barão Marschall von Bieberstein – primeiro delegado plenipotenciário da Alemanha; Alexandre
Ivanovitch Nélidow – delegado plenipotenciário da Rússia; Gaëtan Mérey Kapos-Mére – embaixador
extraordinário e plenipotenciário do Império Austro-Húngaro; Conde Joseph Tornielli Brusati di Verga-
no – delegado plenipotenciáro da Itália; Rui Barbosa – embaixador extraordinário e plenipotenciário e
delegado do Brasil. (Atendendo à proposta de RB, ao grupo se reuniu Sir Edward Fry, um dos delegados
plenipotenciários da Grã-Bretanha, que sugeriu uma proposta conciliatória, sem que a Junta perdesse a
denominação de Comitê des Sept).
414 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
15
BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa. Vol. XXXIV, Tomo II. Rio de Janeiro: Ministé-
rio da Educação e Cultura, 1966. P. 383. Tradução livre do original em francês.
16
Apud, p. 389.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 415
Barbosa, representando um país com uma população de pouco mais de
25 milhões de pessoas enfrentou em pé de igualdade as demais delegações que
representavam 800 milhões de pessoas e todos os exércitos e armadas efetivos
do mundo. No fim, quem se sagrou vitorioso foi o princípio da igualdade
entre os Estados.
CONCLUSÃO
17
GERRIT GONG, The Standard of ‘Civilisation’ in International Society. Oxford: Clarendon
Press, 1984.
416 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
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Capítulo 27
Análise Crítica do Fundamento
Histórico dos Direitos Humanos:
Um Resgate Da Proposta Jusnaturalista
Daniel Silva Marques
1. INTRODUÇÃO
1
Cf. KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. 1 Ed. São Paulo: Martins Claret. 2011.
2
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 7 Ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 34
420 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
Por outro lado, se se admite que o Estado nacional pode criar direitos hu-
manos, e não apenas reconhecer a sua existência, é irrecusável admitir que
o mesmo Estado também pode suprimi-los, ou alterar de tal maneira o seu
conteúdo a ponto de torná-los irreconhecíveis. Ademais, a criação dos direitos
3
Ibidem, p. 38
4
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 7 Ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 41
5
Ibidem, p. 42-43
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 421
humanos pelo Estado nacional conduziria à impossibilidade de se lhes atri-
buir o caráter de exigências postas por normas universais, sem as quais, como
salientou Kant, não há ética racionalmente justificável. Não se trataria, logica-
mente falando, de atributos inerentes à condição humana, mas unicamente a
determinada nacionalidade.
É irrecusável, por conseguinte, encontrar um fundamento para a vigência dos
direitos humanos além da organização estatal. Este fundamento, em última
instância, só pode ser a consciência ética coletiva, a convicção, longa e larga-
mente estabelecida na comunidade, de que a dignidade da condição humana
exige o respeito a certos bens ou valores em qualquer circunstância, ainda que
não reconhecidos no ordenamento estatal, ou em documentos normativos
internacionais. Ora essa consciência ética coletiva, como se procura mostrar
nestas páginas, vem se expandindo e aprofundando no curso da História.6
9
Ibidem, p. 18-19.
10
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 7 Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 19.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 423
Bobbio parece concluir, assim como Comparato, que o problema da jus-
tificação hoje tem menos importância, por causa do alegado consenso geral a
respeito dos Direitos Humanos: “A Declaração Universal dos Direitos do Ho-
mem representa a manifestação da única prova através da qual um sistema de
valores pode ser considerado humanamente fundado e, portanto, reconheci-
do: e essa prova é o consenso geral acerca da sua validade.”11 Embora a metade
do século XX tenha experimentado uma nova ordem mundial com reconhe-
cimento global de direitos, esse consenso ainda está longe da universalidade.
Soma-se a isso o fato de que o argumento mais aceito nem sempre significa o
melhor ou mais justo, como se observa, por exemplo, na escravatura que foi
aceita normalmente por gerações.
Norberto Bobbio considera com tanta firmeza a desnecessidade do pro-
cesso de fundamentação dos Direitos Humanos que afirma: “O problema
fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de jus-
tificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas
político.”12 A afirmação, embora aponte para uma necessidade mais urgente,
de efetivação dos direitos que se sabe corretos, ainda não responde o por quê
de esses direitos serem, efetivamente, corretos e justos.
É perceptível que existem - como reconheceu o próprio Bobbio -, e precisam
existir, certos direitos incontestáveis, um conteúdo mínimo, essencial, o núcleo
dos Direitos Humanos, que proteja a dignidade humana e perpetue civilizações
que respeitem o indivíduo, limitem o poder estatal e garantam certas condições
mínimas aos homens (aqui entendidos como sinônimos de humanidade, nunca
apenas o gênero masculino), conforme se pretendia pelas Declarações de Direi-
tos. As razões para isso serão melhor apresentadas mais à frente.
11
Ibidem, p. 26.
12
Ibidem, p. 23.
424 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
Mas o que fez com que o mundo aceitasse a realização de um juízo de exceção,
algo que costuma ser intensamente rechaçado pela doutrina e jurisprudência
internacional e dos Estados democráticos?
Diante de uma análise estritamente legalista, é perfeitamente possível que
diversos atos terríveis, atentatórios à humanidade e à dignidade de um povo,
passem impunes por conta de previsões legais específicas (ou a falta delas) em
ordenamentos jurídicos internos, ou pela falta de regulamentação internacional.
Por isso, para que um juízo de exceção internacional aconteça, é necessário
que duas coisas aconteçam: que a jurisdição ou a soberania de um Estado sejam
relevadas, o que implica a incidência de certas teorias do Direito Internacional
— algumas das quais expostas posteriormente; e que as ações praticadas pelas
pessoas ou governo daquele país justifiquem uma jurisdição supra-jurídica. Os
campos de concentração, a eugenia e o extermínio de massas pareceram motivos
suficientes para que os Estados não ficassem inertes para sempre.
A Inglaterra, a França e a Polônia queriam estabelecer uma punição para os
comandantes do regime nazista já durante o processo de expansão germânico.
Numa declaração conjunta em 1940, manifestaram o desejo “de realizar um pro-
testo formal e público para a consciência do mundo contra a ação do governo
alemão, o qual deve ser responsabilizado por esses crimes, que não podem per-
manecer impunes”13. A referência à consciência do mundo é primordial para se
entender que o que se passava não era só a quebra de tratados internacionais ou
de leis, mas uma afronta ao senso de bondade e justiça do mundo, à moralidade
e à própria humanidade. Era simplesmente um regime abominável.
Algumas nações continuaram discutindo uma forma de punir a Ale-
manha após a sua derrota. Nova declaração foi publicada, em 1943, pelos
Aliados União Soviética, Estados Unidos e Reino Unido, condenando as
atrocidades germânicas, num documento que foi chamado Declaração sobre
as Atrocidades Germânicas na Europa Ocupada, que reafirmava a intenção
de penalizar os crimes de guerra germânicos, inclusive por meio de uma
Justiça conjunta dos Aliados.14
A consciência do mundo foi realmente abalada pela inércia dos países
diante da ameaça nazista, até que ela ficou grande demais para ser detida sem
os enormes males que causou. Com o fim da guerra, o sentimento de que algo
13
Uma declaração britânica-francesa-polonesa foi emitida em abril de 1940, a partir de um pedido de apoio
do governo polonês às nações francesa e inglesa, e é referida na obra KOCHAVI, Arieh J. Prelude to
Nuremberg: allied war crimes policy and the question of punishment. Univ of North Carolina Press:
North Carolina, 1998, p. 8.
14
A Declaração sobre as Atrocidades Germânicas na Europa Ocupada foi parte das Declarações de Mos-
cou, realizadas durante a Conferência de Moscou entre os maiores países dentre os Aliados da Segunda
Guerra. Cf. HELLER, Kevin Jon. The Nuremberg Military Tribunals and the origins of interna-
tional criminal law. Oxford University Press: Oxford, 2011, p. 9.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 425
precisava ser feito permaneceu, especialmente para os milhões que sofreram
consequências diretas da ação do governo hitlerista.
Após diversas discussões e planos sem um grande avanço, a ideia de um
tribunal de exceção continuou. Conferências entre os Aliados desde anos antes
do fim da guerra resultaram no Acordo de Londres15 (originalmente “Acordo
para a acusação e punição dos principais criminosos de guerra do Eixo Euro-
peu”), que estabelecera a concordância na persecução penal dos criminosos de
guerra do Eixo através de um tribunal militar internacional.
Junto a ele foi redigida a Carta de Nuremberg ou Carta de Londres16 (ori-
ginalmente intitulada “Carta do Tribunal Militar Internacional”), um anexo
ao Acordo, que finalmente criou o Tribunal de Nuremberg.
O julgamento de diversas autoridades nazistas capturadas aconteceram,
embora vários comandantes poderosos já estivesse morta, frequentemente por
suicídio. A sede de justiça do povo foi, em grande parte, satisfeita, mas a Corte
também não ficou imune a críticas por parcialidade e supressão de regras do
direito internacional.17
Uma matéria do The Guardian de 2012 explica a importância do Tribunal
e sua polêmica:
A mesma matéria sintetizou bem a visão de alguns que preferem seu re-
sultado do que alternativas de impunidade: “justiça imperfeita é melhor que
anarquia”19 (tradução livre).
15
NAÇÕES UNIDAS. Agreement for the prosecution and punishment of the major war criminals of the
European Axis (“London Agreement”). Disponível em: <http://www.refworld.org/docid/47fdfb34d.
html>. Acesso em 30 jan 2018.
16
NAÇÕES UNIDAS. Charter of the International Military Tribunal - Annex to the Agreement for the
prosecution and punishment of the major war criminals of the European Axis (“London Agreement”),
de 8 de Agosto de 1945, 82 U.N.T.C. 280. Disponível em: <http://www.refworld.org/docid/3ae6b39614.
html>. Acesso em 30 jan 2018.
17
WHITE, Michael. Shooting top Nazis? The Nuremberg option wasn’t apple pie either. The Guardian,
Londres, 26 outubro 2012. Disponível em: <https://www.theguardian.com/world/blog/2012/oct/26/nazi
-shooting-nuremberg-international-justice>. Acesso em: 30 jan. 2017.
18
Idem.
19
WHITE, Michael. Shooting top Nazis? The Nuremberg option wasn’t apple pie either. The Guardian,
Londres, 26 outubro 2012. Disponível em: <https://www.theguardian.com/world/blog/2012/oct/26/nazi
-shooting-nuremberg-international-justice>. Acesso em: 30 jan. 2017.
426 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
20
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Tribunal Penal Internacional. Brasília: MRI, 2017. Dis-
ponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/paz-e-seguranca-internacionais/152-
tribunal-penal-internacional>. Acesso em: 30 jan. 2017.
21
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado — incluindo noções de
direitos humanos e de direito comunitário. 7 Ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015,, p. 72
22
NAÇÕES UNIDAS. Declaration on Principles of International Law concerning Friendly Relations and
Co-operation among States in accordance with the Charter of the United Nations, de 24 de outubro de
1970. Disponível em: <http://www.un-documents.net/a25r2625.htm>. Acesso em: 30 jan. 2017.
23
NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas, de 26 de junho de 1945. Cap. VII. São Francisco. Dispo-
nível em português em: <https://nacoesunidas.org/carta/>. Acesso em: 30 jan. 2017.
24
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 5 ed. rev. atual. e ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 803-805.
25
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado — incluindo noções de
direitos humanos e de direito comunitário. 7 Ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 685.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 427
Segundo Mazzuoli, a teoria dualista do Direito Internacional afirma que
os direitos interno e internacional formam dois conjuntos independentes, ou
seja, são igualmente válidos e autônomos. Assim, a adoção de uma norma
internacional dependeria sempre da aceitação pelo Estado, cujas normas te-
riam primazia. Já a teoria monista idealiza um direito uno, em que o Direito
Internacional tem, em tese, aplicação imediata, em virtude de ser um conjunto
concêntrico ao direito estatal, gerando uma homogeneidade final.26
No entanto, no monismo, existe o problema de eventual conflito norma-
tivo entre lei interna e internacional, quando tratarem dos mesmos assuntos.
O monismo nacionalista prevê a primazia estatal; o monismo internaciona-
lista, com Hans Kelsen como grande fenômeno, entende pela supremacia do
Direito Internacional, o que encontra coro na Convenção de Viena.27
Esse pensamento tem mais afinidade com a doutrina internacional das
últimas décadas, que dá importância renovada às regras aderidas em tratados e
convenções entre países. O mundo tem questionado muito a possibilidade de
um país simplesmente ignorar o Direito Internacional e valores universais de
justiça em prol de governos opressores ou totalitários.
Mazzuoli fala ainda num monismo internacionalista dialógico, em que,
especialmente no que tange a Direitos Humanos, as normas internas e inter-
nacionais dialogariam para aplicar o Direito mais benéfico ao sujeito do caso
concreto, o que vai em consonância com o tratamento especial contemporâ-
neo a esses direitos essenciais. É uma hierarquia de valores superando a hierar-
quia formal28, o que serve de reforço ao argumento pela realização de um juízo
de exceção numa situação extrema como a de Nuremberg.
26
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 5 ed. rev. atual. e ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 74-82
27
Ibidem, p. 85-90
28
Ibidem, p. 90-91
29
O Preâmbulo da Carta das Nações Unidas explana muito bem as finalidades e valores da ONU enquanto
entidade em prol da paz, dos Direitos Humanos e do desenvolvimento mundial. Cf. NAÇÕES UNIDAS.
Carta das Nações Unidas, de 26 de junho de 1945. Preâmbulo. São Francisco. Disponível em português
em: <https://nacoesunidas.org/carta/>. Acesso em: 30 jan. 2017.
428 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
30
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Método, 2015, p. 24.
31
Ibidem, p. 27.
32
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado — incluindo no-
ções de direitos humanos e de direito comunitário. 7 Ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm,
2015, p. 685.
33
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, volume 1. Tradução: Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 127.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 429
[...] a universalidade dos direitos humanos decorre de sua própria concepção,
ou de sua captação pelo espírito humano, como direitos inerentes a todo ser
humano, e a ser protegidos em todas e quaisquer circunstâncias. Não se ques-
tiona que, para lograr a eficácia dos direitos humanos universais, há que tomar
em conta a diversidade cultural, ou seja, o substratum cultural das normas ju-
rídicas; mas isto não se identifica com o chamado relativismo cultural. Muito
ao contrário, os chamados “relativistas” se esquecem de que as culturas não são
herméticas, mas sim abertas aos valores universais, e tampouco se apercebem
de que determinados tratados de proteção dos direitos das pessoa humana já
tenham logrado aceitação universal.34
34
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Desafios e Conquistas do Direito Internacional dos Direitos
Humanos no Início do Século XXI. In: XXXIII Curso de Direito Internacional da OEA, 2006, Rio de
Janeiro. Conferências… Rio de Janeiro: Comissão Jurídica Interamericana da OEA, 2006, p. 418. Dis-
ponível em https://www.oas.org/dil/esp/407-490%20cancado%20trindade%20OEA%20CJI%20%20.
def.pdf. Acesso em dezembro de 2015.
430 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
35
LIMA, George Marmelstein. Curso de Direitos Fundamentais. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 5.
36
Para mais informações e conhecimento das teorias de Radbruch, ver RADBRUCH, Gustav. Cinco mi-
nutos de filosofia do direito. 1945 e RADBRUCH, Gustav. Introdução à Filosofia do Direito. 1947.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 431
mas sim da própria natureza das coisas. É Montesquieu quem o exprime no
primeiro capítulo de sua obra magna [Espírito das Leis]: “as leis são as relações
necessárias que derivam da natureza das coisas”.37
Mas, obviamente, não é tão fácil assim. Fábio Konder Comparato lem-
bra o perigo de um Direito Canônico abusivo que usou a justificativa da lei
natural para ignorar o direito positivo e estabelecer autoridade absoluta.39 No
entanto, os valores democráticos da liberdade e igualdade, como dito, são hoje
conteúdo indiscutível dos Direitos Humanos — e não por acaso.
Não há, necessariamente, ingenuidade na defesa do Jusnaturalismo. É
óbvio que estabelecer um padrão objetivo universal não é uma tarefa fácil,
mas as alternativas, até o momento, parecem ser insuficientes para formar um
Direito secular confiável e preciso, que não seja eivado das dúvidas esperadas
a respeito de que, porque o mundo resolveu, existe a absoluta certeza de um
conjunto tão essencial e complexo de direitos.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho aborda aspectos controversos dos Di-
reitos Humanos, incluindo o problema de sua fundamentação. Abaixo alguns
excertos importantes:
37
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 13 Ed. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 20.
38
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 13 Ed. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 40-41.
39
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 7 Ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 32
432 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
que se inspira numa evidência que fala por si só à mente humana. É a posição
que tantos assumem no Brasil, confundindo suas convicções com as evidên-
cias e propondo a sua boa razão como medida de todas as coisas. Fácil, toda-
via, é refutá-la, bastando lembrar a votação da Assembleia Geral da ONU - ou
será que os marxistas ou os islamitas são desprovidos de razão, ou cegos para
as evidências?42
[...] quem perquirir as principais Declarações editadas após 1945, vai encontrar
veladamente a velha tese jusnaturalista. Com efeito, ela se faz presente pelo viés da
invocação da dignidade da pessoa humana ou dos atributos da pessoa humana.
40
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 13 Ed. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 216-217.
41
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 13 Ed. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 217-218
42
Ibidem, p. 218.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 433
[...]
Veja-se que a própria Declaração Universal se refere, no primeiro item do
Prêambulo, ao “reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros
da família humana”.
E suas pegadas são seguidas por muitas outras. [...]
Sem dúvida, persiste, envergonhada, a invocação do direito natural como base
dos direitos fundamentais.43
CONCLUSÃO
Existe uma razão bastante simples para que o Direito Natural permaneça,
ainda que escondido, fazendo parte de declarações, tratados, constituições e
outras fontes formais de Direitos Humanos e Fundamentais: o estudo da base
filosófica desses direitos não encontrou outra alternativa viável para plena-
mente substituir o Jusnaturalismo.
O historicismo não permite concluir que a solução alcançada e os direitos
elencados são os melhores possíveis. A ideia do consenso universal se limita pelo
fato de haver eterno dissenso entre diferentes povos e culturas — e, sem a existên-
cia de um referencial específico, um padrão de justiça, a relativização cultural e
o multiculturalismo imperam na impossibilidade de mitigação da soberania de
uma nação, que, afinal, pode estar tão certa quanto qualquer outra.
Finalmente, nem mesmo o entendimento de Bobbio foge muito dessa
ideia de consenso histórico e, a menos que a história siga alguma espécie de
finalismo secreto, dificilmente haverá o direcionamento de todas as sociedades
em direção à mesma conclusão pró-Direitos Humanos, por vontade própria
dos governantes e do povo. Afinal, a ideia iluminista do eterno progresso ci-
vilizatório já foi derrubada, na medida em que países mais “civilizados” que
nunca perpetraram terríveis genocídios. Dessa forma, agora é compreensível
que nações e culturas podem evoluir e involuir, na garantia ou retirada de
direitos, na adoção de leis mais ou menos justas.
A determinação do que torna elas justas, portanto, não é ponto tangente,
mas crucial a toda a Teoria do Direito, ao Direito Internacional e a toda a
doutrina dos Direitos Humanos e Fundamentais. Não se pode olvidar da rele-
vância da discussão do fundamento dos Direitos Humanos, sob pena de não
haver justificativa ética contrária à ameaça de direitos básicos.
Mesmo assim, não se deve esquecer as palavras do próprio Norberto
Bobbio, quando afirmou:
43
Ibidem, p. 218-219.
434 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Tribunal Penal Internacional. Brasília: MRI, 2017. Disponível
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BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 7 Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
44
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 7 Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p.16.
45
KERSTING, Wolfgang. Em Defesa do Universalismo Sóbrio. In: Revista Veritas, v. 46, n. 4. Dez.
Porto Alegre: PUCRS, 2001.
46
O art. 4º da Carta da ONU afirma que a membresia da organização é aberta para todos os países
“amantes da paz” que aceitam e podem cumprir as obrigações da Carta — embora alguns frequente-
mente a descumpram. Cf. NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas, de 26 de junho de 1945. Art,
4º, Cap. II. São Francisco. Disponível em português em: <https://nacoesunidas.org/carta/>. Acesso
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Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 435
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Capítulo 28
Análise das Medidas da OMC para o
Combate ao Protecionismo nas
Relações de Comércio Internacional
Laís Maria Belchior Gondim
1. INTRODUÇÃO
1
CERVO, A.L. Relações internacionais do Brasil: um balanço da era Cardoso. Rev. bras. polít. int.,
v. 45, n.1, 2002. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-7329200200010000. Acesso em
28.10.2017.
2
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Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 437
configuram regras outras que estão fora do alcance desta instituição, pondo
em risco as relações da mundialização2. Isso se deve à amplitude das normas
da OMC, a qual facilita esse comportamento.
Tendo em vista a necessidade de regulação do comércio internacional
a fim de ordenar essa prática, regulamentos devem ser criados para nortear
obrigatoriamente os governos. Já as normas técnicas constam das demandas
voluntárias de mercado, podendo ser formuladas por entidades privadas ou
reconhecidas pelo governo como organismo normalizador nacional. Essa prá-
tica é utilizada por países em todo o mundo a fim de reger a economia3.
Com relação à utilização de medidas protecionistas pelos países, a OMC
procura combatê-las4. O protecionismo econômico demanda vantagens como
o aumento da empregabilidade e fomento ao desenvolvimento tecnológico.
Entretanto, essa prática também pode constituir prejuízos ao comércio in-
ternacional dada a indolência de mercado para novas criações, perdendo este
espaço no mercado de ponta e gerenciamento escasso de recursos5.
Além disso, este protecionismo comercial é criticado por frentes liberais
que usaram, inclusive, deste fim para acumular suas riquezas e atingirem os
padrões internacionais que hoje apresentam. Porém, elas negam aos países em
desenvolvimento o uso da mesma ferramenta com semelhante fim através de
pressão política ou refreamento econômico6.
Essa pesquisa tem como objetivo analisar o protecionismo na regulação
das relações de comércio internacional, descrever a trajetória do comércio in-
ternacional pautada nas relações de trabalho e com base no Direito e identifi-
car formas de combate ao protecionismo adotadas pela OMC e a sua eficácia.
2. DESENVOLVIMENTO
3
AMARAL, M. “Protecionismo Privado”: A Atuação da Sociedade Civil na Regulação do Comércio
Internacional. Contexto Internacional, v. 36, n.1, p. 201-228, 2014. Disponível em http://www.scielo.
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4
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5
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6
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7
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8
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9
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10
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11
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Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 439
diversidade nas trocas comerciais mundiais, favorecendo o surgimento de um
mundo globalizado12.
2.3. Protecionismo
12
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440 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
15
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19
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Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 441
2.4. OMC e protecionismo
20
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442 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
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27
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28
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Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 443
2.4.1. Acordo de Facilitação de Comércio da OMC e combate a delitos
aduaneiros
sistema de gestão de risco no que tange aos parâmetros de seleção dos bens em
questão, sendo permitida a utilização posterior pela justiça de dados obtidos
durante o processo relatado30.
Além disso, os Membros poderão instituir medidas para simplificar o
comércio que precisam ter no mínimo três dos sete itens previstos no acordo,
a saber: menor volume de documentos e informações obrigatórios, menos
inspeções e exames físicos, tempo de liberação de cargas inferior, pagamento
distinto de direitos, tributos e encargos, uso de garantias globais ou reduzidas,
declaração aduaneira unificada de importações e exportações em certo período
e despacho aduaneiro das cargas em qualquer local autorizado30.
O Acordo de Facilitação de Comércio da OMC demonstra, portanto,
uma tentativa de estabelecer medidas comuns aos seus países-membros a fim
de combater delitos aduaneiros, como o protecionismo, de permitir maior
transparência nos processos fiscais e de tornar o comércio internacional me-
nos complexo e mais fluido, embora essa não seja sempre eficaz.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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30
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Capítulo 29
Missões de Paz da ONU:
Uma Análise dos Diferentes Tipos de
Relacionamentos Interpessoais Estabelecidos
entre os Pacificadores e as Mulheres
das Comunidades Locais
1. INTRODUÇÃO
1
UNITED NATIONS PEACEKEEPING. Peacekeeping Fact Sheet. Disponível em <http://www.
un.org/en/peacekeeping/resources/statistics/factsheet.shtml> Acesso em 14 de setembro de 2017.
2
ONU marca o Dia Internacional dos trabalhadores das Forças de Paz: brasileiro será homenageado. Nações
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Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 447
de maneira consentida e que são decorrentes da mera integração na comu-
nidade em que o pacificador está vivendo são enquadradas como abuso e
exploração sexual.
Este artigo pretende expor e analisar as diversas situações que envolvem
as relações entre os pacificadores e as mulheres maiores de idade das popula-
ções onde se instalam as missões de paz, enfatizando a importância de dife-
renciar as relações sexuais decorrentes da integração na comunidade daquelas
oriundas de abusos e de exploração sexual. Será abordado também o posicio-
namento e o tratamento dado a este tema pelas Nações Unidas e pelos países
implicados e a consequência deste na realidade fática das missões de paz.
Previamente, será feita uma apresentação de em que consistem as missões
de paz da Organização das Nações Unidas, sendo discutidas, posteriormente,
as situações de abuso e de exploração sexual nestas e a integração dos pacifi-
cadores na comunidade local. Por fim, restará uma abordagem da política de
tolerância zero da ONU e dos países envolvidos e as problemáticas resultantes
desta, com ênfase em uma construção dialética que envolva diferentes perspec-
tivas da questão suscitada.
3
ARTIFON, A. L. et al. A importância das Missões de Paz para a Estratégia de Inserção Internacio-
nal do Brasil. Disponível em < http://www.aman.eb.mil.br/artigos-congresso-academico/udf-a-impor-
tancia-das-missoes-de-paz-para-a-estrategia-de-insercao-internacional-do-brasil.pdf> Acesso em 12 de
setembro de 2017.
448 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
Estas operações, ao longo dos anos, têm se provado uma das ferramentas
mais efetivas para a prestação de auxilio, por parte dos pacificadores das Na-
ções Unidas, aos países vulneráveis hospedeiros, possibilitando, desta manei-
ra, que estes superem as dificuldades resultantes de conflitos e que consigam
reestabelecer a paz.
Ainda que não constem na Carta das Nações Unidas, definem-se ainda,
como um importante instrumento para a ratificação da presença da ONU em
áreas frágeis, possuindo, portanto, uma ampla importância, com implicações
políticas, estratégicas, éticas e sociais.
As missões de paz possuem duas categorias, a primeira são as operações de
manutenção da paz, empreendimentos multinacionais que precisam ter sido
acordados anteriormente pelas partes envolvidas e que servem para converter
esforços sobre uma área conflituosa ou com indícios de que está se tornando
conflituosa, para assegurar a vida e para promover a segurança; e a segunda,
são as operações de imposição da paz, as quais tratam do restabelecimento da
paz entre envolvidos beligerantes, sem prévio consentimento entre as partes.
Estas operações não são formadas unicamente para manter a paz e a
segurança nos países hospedeiros, pois, além disto, facilitam os processos po-
líticos, protegem os civis, auxiliam no desarmamento, na desmobilização e
na reintegração de antigos combatentes, remedeiam a organização de eleições,
protegem e promovem os direitos humanos, entre outras atribuições.4
No sentido de concretizar os propósitos das Nações Unidas, surgiu
o ideal da R2P (Responsabilidade de Proteger), acolhido pelo ex-Secretário
Geral da ONU, Kofi Annan e incluído na resolução final da World Summit
Outcome 2005.
Nessa resolução encontram-se os três pilares da responsibility 2 protect, sen-
do estes: a responsabilidade dos Estados, em primeira instância, de proteger a
sua população do genocídio, da limpeza étnica, dos crimes contra a humani-
dade e dos crimes de guerra; da comunidade internacional de promover auxí-
lio aos Estados na construção da aptidão de exercer a sua responsabilidade pri-
mária; e ainda da comunidade internacional de utilizar meios diplomáticos,
humanitários, entre outros para preservar as populações contra tais crimes.
Dessa forma, caso o Estado falhe na tutela de sua população, é necessário,
no contexto da Carta das Nações Unidas, que a comunidade internacional
adote ações coletivas para proteger a população, tendo como um dos princi-
pais exemplos as missões de paz da ONU.
Atualmente, existem 15 missões de paz sob a liderança das Nações Uni-
das, estando estas localizadas no Haiti, Saara Ocidental, Libéria, Mali, Repú-
4
UNITED NATIONS PEACEKEEPING. What is peacekeeping? Disponível em <http://www.un.org/
en/peacekeeping/operations/peacekeeping.shtml > Acesso em 14 de setembro de 2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 449
blica Centro-Africana, República Democrática do Congo, Darfur, Abyei, Su-
dão do Sul, Kosovo, Chipre, Líbano, Oriente Médio, Síria e Índia e Paquistão.
Algumas missões foram estabelecidas há mais de 50 anos, como as locali-
zadas no Oriente Médio, 1948, na Índia e Paquistão, 1949, e no Chipre, 1964.
Outras datam em média 40 anos, como as da Síria, 1974, e do Líbano, 1978.
Há ainda as que possuem 15 anos ou mais, como as no Saara Ocidental, 1991
e no Kosovo, 1999. Por fim, as mais recentes surgiram há 10 anos ou menos,
sendo a última estabelecida em 2014 na República Centro-Africana.5
Desta forma, a tendência das missões é de que se perpetuem ao longo
dos anos, sem prazo para supressão, conquanto haja a concretização dos seus
objetivos.
Individuals who work under the United Nations flag are deeply convinced
that they can make a difference to help alleviate hardship, restore economic ca-
pacity, bridge divides or strengthen a fragile peace. Each one of us comes with
personal and professional expectations that we hope to fulfil in the United
Nations. We come to find a home for our passions, our ideas, our values and
our principles. We come hoping to unleash our expertise and our energies to
confront the harshest conditions and the worst suffering with steadfast effort
and grace. We come expecting to add our voices and our deeds to those of
colleagues and others who, like each of us, come ready to serve, not just work.67
5
UNITED NATIONS PEACEKEEPING. Current peacekeeping operations. Disponível em <http://
www.un.org/en/peacekeeping/operations/current.shtml> Acesso em 15 de setembro de 2017.
6
UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY. Special measures for protection from sexual exploi-
tation and abuse: a new approach. Report f the Secretary-General, 2017, p. 4.
7
Cada um de nós veio com expectativas pessoais e profissionais que nós esperamos satisfazer dentro
das Nações Unidas. Nós viemos encontrar morada para nossas paixões, nossas ideias, nossos valores e
nossos princípios. Nós viemos esperando utilizar nosso conhecimento e nossas energias para confrontar
450 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
as severas condições e os piores sofrimentos com firmes esforços e com graça. Nós viemos esperando
adicionar nossas vozes e nossas obras àqueles colegas e a outros que, como cada um de nós, estão pron-
tos para servir e não só para trabalhar. (tradução livre)
8
DICIONÁRIOS, Infopédia. Estrangeiro. Porto Editora. Disponível em <https://www.infopedia.pt/di-
cionarios/lingua-portuguesa/estrangeiro> Acesso em 15 de setembro de 2017.
9
FONSECA, M. L. Integração dos imigrantes: estratégias e protagonistas. In: CONGRESSO IMI-
GRAÇÃO EM PORTUGAL – DIVERSIDADE, CIDADANIA E INTEGRAÇÃO, 1., 2003, Lis-
boa. Anais... Lisboa, 2003.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 451
Tais processos envolvem uma aprendizagem mútua, composta por coope-
ração, diálogo, troca de saberes, experiências e práticas culturais entre indivíduos,
grupos sociais ou comunidades étnicas que partilham o mesmo espaço geográfico.
Desta maneira, é natural e inevitável que, em decorrência desta interação
dos pacificadores com a população local, surjam relações sexuais, amorosas ou
amigáveis, entre estes e mulheres maiores de idade, desde que conscientes e,
portanto, consentidas.
10
FONTOURA, N. R. Heróis ou vilões? O abuso e a exploração sexual por militares em missões de paz
da ONU. 2009. 130 f. Tese (Mestrado em Relações Internacionais) – Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2009.
11
UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY. Special measures for protection from sexual exploi-
tation and abuse: a new approach. Report f the Secretary-General, 2017, p. 5.
452 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
12
INTERNATIONAL CRIMINAL COURT. Rome Statute of the International Criminal Court. Docu-
mento das Nações Unidas número A/CONF.183/9, DE 17 DE JULHO DE 1998.
13
HUMANS RIGHTS WATCH. We will kill you if you cry, 2003, p. 2. Disponível em <https://www.
hrw.org/reports/2003/sierraleone/> Acesso em 16 de setembro de 2017.
14
Organização das Nações Unidas. Secretariado. Special Measure for protection from sexual exploitation
and abuse, Secretary-General’s Bulletin. Documento das Nações Unidas No. ST/SGB/2003/13, 09.10.2013.
15
Qualquer abuso ou tentativa de abuso de uma posição de vulnerabilidade, de assimetria de poder ou de
confiança, com propósitos sexuais, incluindo, mas não se limitando a, benefícios monetários, sociais ou
políticos decorrentes da exploração sexual de alguma pessoa. (tradução livre)
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 453
na década de 90, o tema só ganhou espaço nos documentos e nas políticas
da organização em 2002, quando o Alto Comissariado das Nações Unidas
para Refugiados (ACNUR) e a organização inglesa Save the Children acusaram
milhares de missões de paz e de trabalhadores humanitários de abuso sexual a
crianças refugiadas na África Ocidental.
A partir dessas denúncias e de sua extensa veiculação na mídia, inúmeras
medidas foram implementadas pela ONU, tais como o estabelecimento de pon-
tos focais para investigar os casos, de grupos de trabalho, de medidas disciplina-
res e de manuais e diretrizes para utilização em todas as Operações de Paz. As
primeiras diretrizes determinaram o padrão de conduta esperado das tropas de
paz e marcaram o início de uma mudança gradual na forma como a questão do
abuso e da exploração sexual era tratada nos materiais da Organização.16
Tais providências demonstraram que a ONU estaria dando certa impor-
tância ao problema, proibindo formalmente tais práticas, consideradas, então,
como um comportamento inaceitável.
Estas medidas, no entanto, não se revelaram tão eficazes para uma dimi-
nuição relevante dos casos de abuso e de exploração sexual, devido, principal-
mente, à diversidade das imunidades dos indivíduos envolvidos, que acabava
por contribuir com o clima de impunidade entre os participantes das missões
de paz, e à impossibilidade de eliminar o problema através de políticas intro-
duzidas nas próprias missões, como a implementação de programas de trei-
namento sobre abuso e exploração sexual e de códigos de condutas objetivos.
Em decorrência disto, instituiu-se a política de tolerância zero na Organiza-
ção das Nações Unidas. A partir dos casos da África Ocidental, a ONU estabeleceu
formalmente a proibição total de tais atos, de uma maneira geral e inespecífica.
Em outubro de 2003, Kofi Annan redigiu o Boletim sobre medidas es-
peciais de proteção contra o abuso e a exploração sexual.17 Os dois principais
pontos consistiram na proibição de relações sexuais com pessoas menores de
18 anos e de relações sexuais em situações nas quais, independente da idade do
indivíduo, tira-se vantagem deste.18
Esta é a questão de grande importância e de inúmeras controvérsias sobre
o Boletim, que reconhece que todas as relações sexuais entre os pacificadores e a
mulheres da população local possuem um aspecto significativo de desigualdade.
16
SIMIC, Olivera. Regulation of Sexual Conduct in UN Peacekeeping Operations. Berlim: Springer, 2012.
17
Organização das Nações Unidas. Secretariado. Special Measure for protection from sexual exploita-
tion and abuse, Secretary-General’s Bulletin. Documento das Nações Unidas No. ST/SGB/2003/13,
09.10.2013.
18
NDULO, Muna. The United Nations Responses to the Sexual Abuse and Exploitation of Women and
Girls by Peacekeepers During Peacekeeping Missions. Berkeley Journal of International Law, v.27,
n.1, p.127-161, 2009. Disponível em: < http://scholarship.law.berkeley.edu/bjil/vol27/iss1/5/>. Acesso
em 18 de setembro de 2017.
454 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
19
Dado que as atuais políticas da ONU para proteger as mulheres do abuso e da exploração sexual são
superprotetoras e informadas por gênero e estereótipos imperiais, elas estão em tensão com os direitos
humanos dos envolvidos. (tradução livre).
20
SIMIC, Olivera. Regulation of Sexual Conduct in UN Peacekeeping Operations. Berlim: Springer, 2012.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 455
de missões de paz, que são submetidos a quadros jurídicos diferentes e que
gozam de distintas imunidades, dificultando o estabelecimento de medidas de
respostas únicas. Policias civis, trabalhadores humanitários da ONU, de suas
agências e de ONGs, observadores militares, membros de contingentes milita-
res nacionais, voluntários da ONU, consultores e trabalhadores terceirizados
etc. são algumas das muitas categorias hoje presentes nas missões de paz.
Pelos acordos estabelecidos entre a ONU e os países contribuintes de tropas,
os soldados gozam de imunidade total com relação às leis locais, e, em troca, os
países de origem destes se comprometem a exercer jurisdição criminal e discipli-
nar sob eles. Assim, a reponsabilidade de punir quaisquer suspeitos fica a cargo
dos países e a ONU possui, portanto, jurisdição limitada sob os soldados que
trabalham em seu nome, podendo somente repatriar, sob ordem do Secretário-
-geral, qualquer membro militar que tenha sido considerado culpado de séria má-
-conduta através de investigação. Além disso, militares são empregados como parte
do contingente e não como indivíduos, o que dificulta sua punição individual.
Já os observadores militares e policiais civis têm status de experts on mission
e são recrutados como indivíduos, por isso respondem juridicamente e crimi-
nalmente ao seu país natal, mas sua imunidade é funcional e não total, ou seja,
o individuo está protegido de processos legais relacionados apenas a ações que
forem levadas a cabo durante o cumprimento de seus deveres.21
Com relação aos funcionários da ONU, há diferentes níveis entre os vá-
rios civis internacionais participantes de missões de paz. Os que possuem nível
hierárquico superior podem gozar de imunidade total e os que possuem o sta-
tus de funcionários oficiais são protegidos, assim como observadores militares
e policiais civis, por imunidade funcional. Os que não têm esse status também
são protegidos por imunidade funcional, mas esta apenas os protegem da ju-
risdição do país hóspede e não do Secretário-geral, a quem respondem. Na ver-
dade, funcionários da ONU acabam por gozar de imunidade também de seu
país natal, já que respondem ao Secretário-geral e não ao seu país de origem.
No que tange aos funcionários de ONGs, normalmente estes não gozam
de nenhum tipo de status especial e tendem a responder pelos seus atos indi-
vidualmente. Contudo, a maior punição que estas organizações podem aplicar
a seus funcionários é a demissão.
Acontece que, na maioria dos países receptores de missões de paz, o sis-
tema judiciário e policial é absolutamente falho ou mesmo inexistente, o que,
na prática, garante certa imunidade ao perpetrador. Além disso, há o fato de,
em contexto pós-conflito, a existência de corrupção generalizada dentre as
autoridades locais, seja do setor policial ou judicial.
21
A. Kihara-Hunt and F. Hampson, The Accountability of Personnel Associated with Peacekeeping Opera-
tions, in Unintended Consequences of Peacekeeping (United Nations University Press, May 2007). P. 200.
456 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
CONCLUSÃO
22
“Adressing the Sexual Misconduct of Peacekeepers.” Refugees International, 23/09/2014. Disponível
em http://www.refugeesinternational.org/content/article/detail/4047/. Acesso em 21/10/2017.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 457
internacional de repúdio à prática do abuso e da exploração sexual e da neces-
sidade imediata de resolver esse problema.
Dessa forma, prefere-se ignorar os contratempos decorrentes dessa polí-
tica e os diversos casos concretos de integração entre pacificadores e mulheres
locais em prol de um suposto bem maior, que é a erradicação deste tipo de
conduta das missões de paz.
Ocorre que, a adoção dessa espécie de política não traz benefícios para a
comunidade internacional, uma vez que não resolve o cerne da questão, que
é a dificuldade de definir a jurisdição e a forma de punição dos abusadores.
Além disto, a implementação destas medidas traz consigo outros proble-
mas, como a supressão da vontade conjunta da mulher e do pacificador e a
exclusão de uma variante imprescindível para o sucesso das missões de paz,
que é a integração dos pacificadores na comunidade e o seu relacionamento
interpessoal com os moradores do local onde passará a residir.
Concluiu-se, portanto, que é necessário que sejam estabelecidas agendas
mais esclarecidas e realista, que possibilitem a análise dos diversos casos existen-
tes, observando sempre o fenômeno da integração social e da vontade das partes,
possibilitando uma real mudança no ambiente desafiador das missões de paz.
REFERÊNCIAS
A. Kihara-Hunt and F. Hampson. The Accountability of Personnel Associated with Peacekeeping Opera-
tions, in Unintended Consequences of Peacekeeping (United Nations University Press, May 2007). P. 200.
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sil. Disponível em < http://www.aman.eb.mil.br/artigos-congresso-academico/udf-a-importancia-das-missoes-de-
-paz-para-a-estrategia-de-insercao-internacional-do-brasil.pdf> Acesso em 12 de setembro de 2017.
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PORTUGAL – DIVERSIDADE, CIDADANIA E INTEGRAÇÃO, 1., 2003, Lisboa. Anais... Lisboa, 2003.
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2009. 130 f. Tese (Mestrado em Relações Internacionais) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
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Disponível em: <http://scholarship.law.berkeley.edu/bjil/vol27/iss1/5/>. Acesso em 18 de setembro de 2017.
ORGANIZAÇÃO das nações unidas. Secretariado. Special Measure for protection from sexual exploitation
and abuse, Secretary-General’s Bulletin. Documento das Nações Unidas No. ST/SGB/2003/13, 09.10.2013.
ORGANIZAÇÃO das Nações Unidas. Secretariado. Special Measure for protection from sexual exploitation
and abuse, Secretary-General’s Bulletin. Documento das Nações Unidas No. ST/SGB/2003/13, 09.10.2013.
458 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
ONU marca o Dia Internacional dos trabalhadores das Forças de Paz: brasileiro será homenageado. Nações
Unidas do Brasil, 18 de maio de 2016. Disponível em <https://nacoesunidas.org/onu-marca-dia-internacional-
-dos-trabalhadores-das-forcas-de-paz-brasileiro-sera-homenageado/> Acesso em 17 de setembro de 2017.
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UNITED NATIONS PEACEKEEPING. Peacekeeping Fact Sheet. Disponível em <http://www.un.org/en/pea-
cekeeping/resources/statistics/factsheet.shtml> Acesso em 14 de setembro de 2017.
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keeping/operations/peacekeeping.shtml > Acesso em 14 de setembro de 2017.
UNITED NATIONS PEACEKEEPING. Current peacekeeping operations. Disponível em <http://www.
un.org/en/peacekeeping/operations/current.shtml> Acesso em 15 de setembro de 2017.
UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY. Special measures for protection from sexual exploitation and
abuse: a new approach. Report f the Secretary-General, 2017, p. 4.
UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY. Special measures for protection from sexual exploitation and
abuse: a new approach. Report f the Secretary-General, 2017, p. 5.
Capítulo 30
A Atual Condição Jurídica do
Refugiado na França
Alaíde Linhares Carlos
Lara Campos Arriaga
Theresa Rachel Couto Correia
1. INTRODUÇÃO
1
LOCHAK, Danièle. Qu’est-ce qu’un réfugié? La construction politique d’une catégorie juridique. Re-
vista Pouvoirs, Paris, v.1, p.33-47, jan. 2013. Disponível em: <http://www.cairn.info/revue-pouvoirs-
2013-1-page-33.htm> Acesso em: 07 set 2017, p. 192, tradução nossa.
460 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
2
AUBIN, Emmanuel. Droit des étrangers. 3. Ed. Issy-les-Moulineaux; GUALINO, 2014, p. 325, tradu-
ção nossa.
3
CASTILLO, Justine. Les interprètes de la Convention de Genève du 28 juillet 1951 relative au
statut des refugies : Etude du point de vue de la France. 2016, p.62, online, tradução nossa.
4
MINISTÈRE DE L’INTÉRIEUR. Les demandes d’asile (statistiques). Disponível em: <https://www.
immigration.interieur.gouv.fr/fr/Info-ressources/Donnees-statistiques/Statistiques/Essentiel-de-l-immigra-
tion/Chiffres-clefs/Les-demandes-d-asile-statistiques>. Acesso em: 12 setembro 2017, tradução nossa.
5
COUR NATIONALE DU DROIT D’ASILE. Ressources juridiques et géopolitiques, Disponível em:
<http://www.cnda.fr> Acesso em: 09 de setembro de 2017, tradução nossa.
6
COMITÊ NACIONAL PARA OS REFUGIADOS. Dados sobre refúgio no Brasil – Balanço até de-
zembro de 2016, Disponível em: <http://www.acnur.org/portugues/recursos/estatisticas/dados-sobre
-refugio-no-brasil/>. Acesso em: 11 setembro. 2017..
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 461
geiros da República Democrática do Congo representaram a segunda categoria
de migrantes que solicitaram o status de refugiado.
O artigo 1º da atual constituição francesa – a Carta Magna de 1958 – asse-
gura a igualdade de todos perante a lei, sem levar em consideração a origem, a
raça ou a religião da pessoa. Em nível regional, o direito de refúgio é previsto
no Tratado de Lisboa de 2007, que reforçou a existência da União Europeia.
Esse instrumento jurídico internacional defende também a existência de uma
política comum dos Estados Europeus em matéria de refúgio e imigração.
Desse modo, insta dizer, também, que outro importante documento re-
gional o qual prevê a proteção ao direito de refúgio é a Carta de Direitos
Fundamentais da União Europeia de 2000. Vale destacar, ainda, que a Con-
venção Europeia dos Direitos do Homem não trata acerca do asilo, mas, nas
palavras de BELORGEY7, “oferece diversos dispositivos de apoio importantes
aos solicitantes de refúgio pela defesa de seus direitos, podendo ser invocados
não somente perante a Corte Europeia de Direitos do Homem, mas também
perante as jurisdições nacionais.”
Diante das considerações acima elaboradas, questiona-se: A França, país
berço dos direitos humanos, possui atualmente um quadro jurídico suficiente e
capaz de garantir aos refugiados a efetiva proteção a seus direitos fundamentais?
Este artigo objetiva, portanto, expor a forma na qual a legislação fran-
cesa regulamenta o refúgio, mostrando o procedimento de concessão desse
instituto naquele País e suas outras formas de proteção aos indivíduos vulne-
ráveis e descrevendo quais direitos fundamentais os solicitantes de refúgio e
os refugiados possuem. Para a realização deste artigo, utilizar-se-á a pesquisa
bibliográfica, com a consulta de materiais publicados em livros, artigos e teses,
bem como a análise de documentos de sites oficiais do governo francês, de
dados estatísticos, de jurisprudências dos tribunais franceses, de textos legais
nacionais e internacionais.
7
BELORGEY, Jean-Michel. Le droit d’asile. Paris; LGDJ, 2013, p.42, tradução nossa.
462 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
Insta afirmar que o temor por motivo de raça leva em consideração a cor
da pele e o grupo étnico ao qual o indivíduo pertence. Com relação à naciona-
lidade, JAULT-SESEKE, CORNELOUP E BARBOU DES PLACES9 levam em
conta não apenas a noção de cidadania, mas também o grupo com identidade
cultural e linguística da pessoa. No que se refere à religião, a proteção pode ocor-
rer pelo fato pelo fato de a perseguição ter como causa a prática ou não da fé.
Já no que toca ao pertencimento a um grupo social, JAULT-SESEKE,
CORNELOUP E BARBOU DES PLACES10 defendem que ele consiste na
“posse de uma característica ou uma crença comum por um grupo de pessoas,
tomando, também, em conta aspectos de gênero.” Por fim, pode-se dizer que o
temor por motivo de opinião política relaciona-se ao fato de alguém manifes-
tar ou não seu ponto de vista acerca de uma determinada ideologia ou partido.
Vale ressaltar que a outorga da proteção convencional pressupõe temores
pessoais, atuais e graves do perseguido. Ademais, nas palavras de JAULT-SESE-
KE, CORNELOUP E BARBOU DES PLACES11, a Corte Europeia de Direitos
Humanos tem atuado no sentido de “verificar se o reenvio da pessoa que alega
8
Code de l’entrée et du séjour des étrangers et du droit d’asile (CESEDA). Code de l’entrée et du
séjour des étrangers et du droit d’asile du 24 novembre 2004. Le Journal officiel de la République
française. Paris, 1 março 2005. Disponível em: <https://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do?cidTex-
te=LEGITEXT000006070158>. Acesso em: 11 setembro 2017, tradução nossa.
9
BARBOU DES PLACES, Ségolène; CORNELOUP, Sabine; JAULT-SESEKE, Fabienne. Droit de La
Nactionalité et Des Étrangers. Ed. Thémis, 2015, p.344, tradução nossa.
10
BARBOU DES PLACES, Ségolène; CORNELOUP, Sabine; JAULT-SESEKE, Fabienne. Droit de La
Nactionalité et Des Étrangers. Ed. Thémis, 2015, p.345, tradução nossa.
11
BARBOU DES PLACES, Ségolène; CORNELOUP, Sabine; JAULT-SESEKE, Fabienne. Droit de La
Nactionalité et Des Étrangers. Ed. Thémis, 2015, p.343, tradução nossa
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 463
a perseguição a seu país de origem a expõe ao risco de tratamentos desumanos
proibidos pelo artigo 3º da Convenção Europeia de Direitos Humanos.”
Relativamente à proteção constitucional, ela é prevista no preâmbulo da
Constituição Francesa de 1946, embora, atualmente, esteja em vigor a Cons-
tituição de 1958, a qual reafirma em seu corpo o apego do povo francês aos
princípios de direitos humanos e aos princípios da soberania nacional, elenca-
dos na Carta Magna anterior, na Declaração dos Direitos do Homem de 1749
e na Carta Ambiental de 2004.
Nota-se que a alínea IV do preâmbulo da Carta Magna de 1946 afirma que
“qualquer homem perseguido por suas ações em favor da liberdade tem direito
ao asilo nos territórios da República.” Ademais, o CESEDA, lei que regula a en-
trada e permanência de estrangeiros e refugiados no País da qual diversos artigos
foram alterados pelo advento da lei do 29 de julho de 2015 relativa à reforma do
direito de asilo, prevê esse tipo de proteção em seu artigo L. 711-A.
Conforme o Ofício Francês de Proteção aos Refugiados e Apátridas
(OFPRA)12, para ter direito ao asilo constitucional, o demandante deve provar
que teve “um compromisso ativo com o estabelecimento de um regime de-
mocrático ou para defender os valores que lhe são inerentes, como liberdade
de expressão e opinião, liberdade de associação, liberdade de associação, etc.”
Para obter o tipo de proteção acima mencionado, o solicitante deve
comprovar que lutava de alguma forma pela liberdade e que, devido a isso,
passou efetivamente a ser perseguido. Ademais, pode-se dizer que esse modelo
de proteção ao indivíduo assemelha-se ao asilo político na América Latina,
pois ele é concedido a uma determinada pessoa com base na prova de perse-
guição a ela, e não a um determinado grupo, tendo sido aplicado a jornalistas,
militares, artistas, etc. Segundo AUBIN13, “essa proteção visa os estrangeiros
qui são engajados, em seu país de origem, em uma luta política cujo objetivo
é defender o respeito aos direitos do homem e a democracia e, que, por esses
motivos, o indivíduo torna-se vítima de perseguição.”
Insta dizer que ao solicitante de refúgio, pode ser-lhe concedido o status
de refugiado ou a proteção subsidiária, diferentemente do que ocorre com a le-
gislação brasileira, que outorga ou não a condição de refugiado, não existindo
uma proteção intermediária como existe na legislação francesa. Essa proteção
é prevista no artigo L.712-1 do CESEDA, o qual afirma que:
12
OFFICE FRANCAIS DE PROTECTION AUX REFUGIES ET APATRIDES. Asile. Disponível em: <ht-
tps://www.ofpra.gouv.fr/fr/asile/les-differents-types-de-protection/l-asile> . Ano 2016, tradução nossa.
13
AUBIN, Emmanuel. Droit des étrangers. 3. Ed, 2014, p. 325, tradução nossa.
464 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
14
BELORGEY, Jean-Michel. Le droit d’asile. Paris; LGDJ, 2013, p.62, tradução nossa.
15
BARBOU DES PLACES, Ségolène; CORNELOUP, Sabine; JAULT-SESEKE, Fabienne. Droit de La
Nactionalité et Des Étrangers. Ed. Thémis, 2015, p.341, tradução nossa.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 465
Ademais, de acordo com a legislação francesa, para que o solicitante con-
siga trazer seus familiares para perto de si, é necessário que ele esteja legal-
mente no País após no mínimo 18 meses. O reagrupamento familiar pode ser
solicitado, também, pelos menores de dezoito anos e pode não ser concedido
ao demandante no caso de ele não possuir recursos financeiros suficientes para
o sustento da sua família ou de não possuir uma moradia digna para acolhê-la.
Nas palavras de CASTILLO16, “o princípio da unidade familiar é um
princípio geral de direito dentro dos princípios gerais de direito aplicáveis
aos refugiados e um princípio geral no direito relativo à proteção da vida
familiar.” Constata-se, desse modo, que os indivíduos que conseguirem o rea-
grupamento familiar receberão uma carta de residente temporária e possuirão
o direito de trabalhar.
Todavia, é importante destacar a existência da proteção temporária, pre-
vista no artigo L811-1 do CESEDA e no artigo 63 do Tratado de Lisboa de
2007 que é uma medida excepcional criada para proteger pessoas no caso de
grandes fluxos de deslocamentos. CASTILLO estabelece uma crítica entre a
criação desse tipo de proteção e a Convenção de Genebra de 1951, pois a Con-
venção leva sempre em consideração a situação individual do indivíduo vítima
de perseguição, enquanto a proteção temporária considera o movimento de
uma coletividade:
Destaca-se, ainda, o artigo L811-3 do CESEDA, que prevê que com a pro-
teção temporária o indivíduo terá o direito de trabalhar, ademais a proteção
poderá durar no máximo três anos:
16
CASTILLO, Justine. Les interprètes de la Convention de Genève du 28 juillet 1951 relative au
statut des refugies : Etude du point de vue de la France. 2016, p. 271, tradução nossa.
466 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
18
GAEREMYNCK, Jean. L’arrivée et la demande d’asile. Revista Pouvoirs, Paris, v.1, p. 49, online,
tradução nossa.
468 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
De acordo com o que fora destacado até agora neste artigo, nota-se que o
direito à posse de documentos pessoais de identidade é uma garantia que passou
a ser concedida aos refugiados na França, tendo o OFPRA papel essencial nesse
aspecto. Nesse sentido, BELORGEY20 afirma que: “Nesse momento, o OFPRA
substitui as autoridades do país de origem para conceder aos refugiados os docu-
mentos necessários à realização dos atos da vida cotidiana, compreendendo os
documentos de identidade civil de si e dos membros da família.”
A lei francesa que regulamenta os direitos dos refugiados e dos solicitantes
de refúgio possui um caráter bastante protetivo, estabelecendo diversos direitos
desde a demanda do asilo, bem como após a outorga desse dispositivo. A primei-
ra garantia que merece destaque é o direito à um alojamento (droit au logement),
pois ele consiste em uma condição mínima para que o acolhimento do estran-
geiro no País seja realizado de forma a respeitar devidamente a sua dignidade.
Nesse contexto, a fim de fornecer um local digno para a instalação desse
indivíduo vulnerável, o governo francês dispõe de centros de acolhimento
denominados Centro de Acolhimento para os Demandantes de Asilo (CADA)
que estão presentes em todo o território nacional para acolher refugiados e
familiares, onde pessoas profissionalmente capacitadas para acolher esses es-
trangeiros estão presentes e lhes auxiliam nos procedimentos administrativos
necessários para a instalação no País. Conforme afirma AUBIN21, “A lei de
19
SUDRE, Frédéric. Droit européen et international des droits de l’homme. 12. Ed. Paris; PUF, 2015,
p.868, tradução nossa.
20
BELORGEY, Jean-Michel. Le droit d’asile. Paris; LGDJ, 2013, p.123, tradução nossa.
21
AUBIN, Emmanuel. Droit des étrangers. 3. Ed. Issy-les-Moulineaux; GUALINO, 2014, p. 338, tradu-
ção nossa.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 471
coesão social do 18 de janeiro de 2005 fez do alojamento dos solicitantes de
asilo uma prioridade.” Dessa forma, percebe-se que o artigo 744-3 do CESEDA
legisla acerca do direito de asilo a esses indivíduos, estabelecendo que:
22
BELORGEY, Jean-Michel. Le droit d’asile. Paris; LGDJ, 2013, p.133,tradução nossa.
472 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
23
BELORGEY, Jean-Michel. Le droit d’asile. Paris; LGDJ, 2013, p. 131, tradução nossa.
24
AUBIN, Emmanuel. Droit des étrangers. 3. Ed. Issy-les-Moulineaux; GUALINO, 2014, p.430, tradu-
ção nossa.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 473
O direito fundamental à proteção da saúde deve ser exercido por todos os
meios disponíveis em benefício de qualquer pessoa. Profissionais, estabeleci-
mentos e redes de saúde, órgãos de seguro de saúde ou outros organismos en-
volvidos em prevenção e cuidados, e as autoridades de saúde, juntamente com
os usuários, contribuem para o desenvolvimento da prevenção, garantindo o
acesso igual para garantir a continuidade dos cuidados e a melhor segurança
sanitária possível.
Observa-se do artigo acima mencionado que o direito à saúde deve ser ga-
rantido a todos, não levand em consideração o fato de indivíduo ser portador
ou não da nacionalidade francesa. Ocorre, entretanto, que, por dois motivos,
o acesso à saúde ao estrangeiro pode ser limitado, os quais consistem, nas
palavras de AUBIN25:
25
AUBIN, Emmanuel. Droit des étrangers. 3. Ed. Issy-les-Moulineaux; GUALINO, 2014, p.422, tradu-
ção nossa.
26
TOPPINO, Agnès. Guide pratique des droits des étrangers. Issy-les-Moulineaux; ESF, 2012, p.193.
27
BELORGEY, Jean-Michel. Le droit d’asile. Paris; LGDJ, 2013, p.132, tradução nossa.
474 Tarin Cristino F. Mont’Alverne / Silvana Paula M. de Melo/ Arthur Gustavo S. de Queiroz (Orgs.)
CONCLUSÃO
De acordo com o que foi analisado ao longo deste artigo, percebe-se que
o “droit d’asile”, que compreende o direito de asilo (direito de refúgio no sis-
tema jurídico francês) é uma proteção que, no direito francês, possui origem
no artigo 120 da Constituição de 1793 – período da Revolução Francesa – que
previa, segundo BELORGEY28 que: “O povo francês daria asilo aos estran-
geiros banidos de sua pátria de origem em razão da liberdade e o recusa aos
tiranos.” Posteriormente, essa garantia veio prevista no preâmbulo da Consti-
tuição francesa de 1946 e fora adotado, novamente, na atual constituição da
Vª República, que é a Carta Magna de 1958.
Não obstante, a França, país berço dos direitos humanos, é signatária de
diversos tratados internacionais de direitos humanos que prevêm esse direito,
28
BELORGEY, Jean-Michel. Le droit d’asile. Paris; LGDJ, 2013, p. 24, tradução nossa.
Os Desafios do Direito Internacional Contemporâneo 475
como a Convenção de Genebra de 1951, o principal documento mundial de
proteção aos refugiados, o Protocolo de 1967 relativo aos direitos dos refugia-
dos e de outros tratados europeus que regulamentam o instituto do refúgio,
como a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, o Tratado de
Lisboa de 2007 e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Outrossim, conforme o explicado neste trabalho, percebe-se que a prote-
ção ao ser vulnerável vítima de algum tipo de perseguição pode ser concedida
ao indivíduo, na França, por meio de seis formas: asilo convencional, constitu-
cional, estatutário; proteção subsidiária; reagrupamento familiar e, finalmente,
proteção temporária. Constata-se, ademais que, consoante o que foi analisado,
o Ofício Francês de Proteção aos Refugiados e Apátridas (OFPRA) possui um
papel fundamental no que alude à proteção dos demandantes de asilo e refu-
giados, pois é o órgão nacional responsável por toda a burocracia referente à
outorga ou não-outorga do estatuto refugiado ao estrangeiro.
Impossível deixar de destacar o papel crucial da Corte Nacional de Asilo
(CNDA), jurisdição contenciosa e consultiva, que possui, dentre suas funções,
reanalisar as decisões do OFPRA, onde os juízes podem substituí-las por suas
próprias decisões, dispondo acerca da concessão ou não do estatuto de refugia-
do ou do benefício da proteção subsidiária.
Insta dizer, relativamente à garantia de certos direitos previstos na legis-
lação francesa, que muitas dificuldades ainda são constatadas, por exemplo,
relativamente à obtenção de um alojamento para os refugiados, tendo em vista
as crescentes demandas e a burocracia a qual o solicitante necessita enfrentar.
Acerca desse tema, dispõe o Relatório anual sobre o asilo na França e na Eu-
ropa de 2017 que:
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SUDRE, Frédéric. Droit européen et international des droits de l’homme. 12. Ed. Paris; PUF, 2015
TOPPINO, Agnès. Guide pratique des droits des étrangers. Issy-les-Moulineaux; ESF, 2012.
A obra reúne, em trinta capítulos, temas relacionados aos desafios do Direito Internacional
contemporâneo, dividindo-se em quatro partes, a saber, “Os instrumentos de implementação
dos objetivos para o desenvolvimento sustentável”, “A evolução da jurisprudência internacional
penal e o seu reflexo no sistema penal brasileiro”, “A implementação dos compromissos inter-
nacionais pelo Brasil: avanços ou retrocessos?” e “Os desafios do Direito internacional: outros
temas relevantes”. Entre os autores da obra, encontram-se graduandos(as) e graduados(as),
mestrandos(as) e mestres(as), doutorandos(as), doutores(as) e pós-doutores(as) de inúme-
ras instituições de ensino superior, nacionais e internacionais, o que possibilita crescente in-
tercâmbio de conhecimento.
ISBN 9788582384985
9 788582 384985