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Planejamento metropolitano: uma

proposta de conservação
urbana e territorial
Norma Lacerda, Sílvio Mendes
Zancheti y Fernando Diniz**
Abstract

The objective of this work is to apply the concept of sustainable urban development
to a real case of metropolitan development planning in a developing country. The
ideas of integrated conservation are used as the framework for the formulation of
strategies and action polices for the management of the metropolis. The paper
explores the concepts of conservation and areas of transformation as well those of
service networks and information. The work tries to present general concepts for new
urban planning initiatives. However, it has a strong practical sense because it is based
on the real application of the new concepts on the formulation of the Development
Plan of the Recife Metropolitan Area.

Key Words: Sustainable Development, Urban Management, Recife Metropolitan


Area.

Resumen

El objetivo de este trabajo es aplicar el concepto de desarrollo urbano sustentable a


un caso real de planificación del desarrollo metropolitano en un país en vías de
desarrollo. Las ideas de conservación integrada se utilizan como marco para la
formulación de estrategias y políticas de acción relativas a la gestión de la metrópoli.
El artículo explora los conceptos de conservación y áreas de transformación asi como
también los relacionados con información y redes de servicios. El trabajo intenta
presentar conceptos generales para las nuevas iniciativas de la planificación urbanas.
Sin embargo, tiene un fuerte sentido práctico porque se basa en la aplicación real de
los nuevos conceptos en la formulación del Plan de Desarrollo del Area Metropolitana
de Recife.

Palabras clave: Desarrollo sustentable, Gestión urbana, Area Metropolitana de


Recife.

Apresentação

O presente texto tem como objetivo apresentar uma nova proposta para o
planejamento das áreas metropolitanas do Brasil. São apresentados novos conceitos
e temas para o planejamento espacial metropolitano, que buscam responder a
questões sobre o desenvolvimento urbano sustentável.

O conteúdo do trabalho constitui uma síntese das reflexões realizadas pelos autores
durante a elaboração da proposta do Plano de Desenvolvimento da Região
Metropolitana do Recife (1998). Significa, portanto, um esforço de generalização
teórica, de maneira que as idéias apresentadas detenham um certo nível de
aplicabilidade em outras realidades metropolitanas do Brasil e de outros países
periféricos. Apesar da tentativa de teorizar sobre o problema da planificação
metropolitana, o trabalho a seguir ainda tem uma estrutura de ensaio.

1. O processo de configuração espacial das metrópoles


O Brasil é hoje um país urbano, uma vez que 78% de sua população habita em
cidades. Esse resultado foi gestado, sobretudo, nas décadas de 60 e 70, quando as
metrópoles brasileiras foram estruturadas. As grandes cidades, capitais em geral,
passaram por um intenso processo de crescimento, decorrente da expansão
populacional e industrial. Além disso, absorveram os núcleos urbanos que se
organizavam ao seu redor.

A primeira fase do processo de metropolização, correspondente sobretudo às décadas


de 60 e 70, foi caracterizada por um modelo de crescimento urbano extensivo, isto
é, de deslocamento contínuo das margens da área urbana (a fronteira
cidade/campo), gerando um desenho do território semelhante a uma mancha de óleo
com um centro e uma periferia de forma tentacular em contínua expansão. Na
mancha urbana resultante, ficaram inúmeros vazios e áreas subocupadas. São áreas
deixadas como reserva de valor, esperando a elevação do preço do solo para serem
lançadas no mercado. Capitalizaram os excedentes de valor por meio dos gastos
públicos em infra-estrutura e serviços urbanos necessários para atender as novas
áreas ocupadas. Em geral, os tentáculos seguiram os eixos viários, onde existia uma
pequena oferta de infra-estruturas básicas e serviços urbanos.

A metropolização completou-se pela conurbação dos núcleos urbanos tradicionais à


cidade central. Nesse momento, o antigo território, composto de várias urbanizações,
com qualidades distintas de tempo, espaço e processos culturais, tornou-se um
território com uma única urbanização em termos físicos —a cidade estendida—, mas
contendo inúmeras formas de ocupação urbana, isto é, criou-se uma unidade que
manteve a diversidade dos diversos tipos de ocupação histórica.

Assim, o modelo de organização do espaço, na fase inicial de formação das


metrópoles brasileiras, baseava-se na existência de um centro e uma periferia,
definindo uma forma específica de apropriação social, econômica e política do
território. O centro concentrava as principais atividades econômicas, públicas ou
privadas, as infra-estruturas urbanas e as áreas habitacionais de mais alto nível de
renda. A periferia servia para abrigar a massa da população migrante, de baixa
renda. Eram formadas por meio de invasões, loteamentos populares e/ou
clandestinos, conjuntos habitacionais e outras formas típicas de ocupação das
grandes cidades dos países periféricos.

A segunda fase, que se inicia nos meados da década de 70 e se intensifica na década


de 80, foi caracterizada pelo processo de substituição de antigas estruturas
construídas e criação de novas áreas centrais.

A substituição do estoque construído existente deu-se por meio da verticalização de


áreas residenciais de alta qualidade ambiental e bem localizadas relativamente às
infra-estruturas e aos serviços. Os bairros tradicionais de baixa densidade e alta
qualidade ambiental foram as principais vítimas da intensa verticalização. Esse
movimento foi, e ainda o é, provocado pela migração intra-urbana, causada pelo
processo de ascensão social e, sobretudo, pela busca de símbolos como status, poder
e prestígio. Alimentado pela especulação imobiliária, significou um permanente e
diferenciado processo de valorização e desvalorização da terra urbana e do estoque
de edificações para gerar novas centralidades. No interior de tal processo surgiram,
ainda, as "periferias dos ricos", isto é, áreas residenciais de alto luxo com baixa
densidade (os condomínios, por exemplo), localizadas nas margens urbanas,
próximas a eixos rodoviários conectados com as áreas centrais.

Esse mais recente modelo de metropolização penalizou fortemente os centros


históricos da cidade central. Se, na primeira fase do processo, os centros
congregavam as principais atividades econômicas e de decisão, além das infra-
estruturas e serviços urbanos, na segunda fase foram, paulatinamente, abandonados
por quase todas as atividades de prestígio do setor comercial e de serviços. Os
centros também deixaram de ser áreas residenciais para os grupos sociais de alta
renda. Neles, emergiu um capital construído ocioso, caracterizado pela baixa
rentabilidade, significando, portanto, uma desvalorização da riqueza construída,
pública e privada. Além disso, ocorreu a perda de identidade do cidadão
metropolitano, uma vez que esses centros constituíam um importante referencial
histórico e cultural. O resultado é que ficaram como lembranças que não se
materializavam enquanto espaços comunitários. Dessa forma, a perda do valor
cultural foi acompanhada de uma outra perda: a do valor social.

Na periferia pobre criou-se um ambiente urbano precário, construtivamente denso,


com poucos espaços abertos, quase sem serviços e equipamentos coletivos e com
insuficiente infra-estrutura, especialmente a de esgotamento sanitário. Acrescente-
se, ainda, que a natureza foi praticamente arrasada, sobrando apenas o relevo como
registro do passado natural. Isso criou enormes problemas de insegurança ambiental,
manifestos nos alagamentos, deslizamentos de morros, poluição de cursos d’ água
e ausência total de vegetação.

Inquestionavelmente, o modelo centro-periferia da metropolização virou as costas


aos ambientes naturais (rios, lagoas, os córregos etc.) que integram a paisagem
urbana. Se o processo histórico de formação das cidades brasileiras ocorreu, em
grande parte, condicionado pelos recursos naturais, inserindo-os como elementos
ambientais que poderiam ser apreendidos enquanto um conjunto harmônico (natural
e construído), as práticas urbanizadoras mais recentes, na maioria das vezes,
desprezaram-nos. O que se presencia, nas metrópoles, é, praticamente, um descaso
em relação aos seus recursos naturais, desconsiderando-os como recursos
estratégicos em vista de seu potencial econômico (turismo), de melhoria da
qualidade de vida, sem esquecer, evidentemente, a importância de preservá-los para
as gerações futuras.

Os anos noventa vêm significando um período de mudança de tal modelo de


urbanização. As taxas de crescimento das grandes metrópoles diminuíram, ficando,
em geral, abaixo das taxas nacionais de expansão da população. O modelo
centro/periferia deixou de ser dominante. A grande novidade é o processo de
migração intrametropolitano, responsável pela continuidade do esvaziamento de
parcela importante de bairros residenciais por meio da substituição de moradias
unifamiliares por coletivas, caracterizadas pela alta densidade, e/ou por
estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços. Esse movimento vem
criando segregações espaciais marcantes dentro de um contexto de desigualdade na
distribuição da renda e na oferta de bens e serviços públicos.

A forma de ocupação espacial das metrópoles dramatizou, portanto, os problemas de


iniqüidade da sociedade brasileira. Criou uma distribuição, no espaço, profundamente
desigual em termos de moradia, renda, oferta de serviços e de infra-estrutura
urbana, amenidades e segurança ambiental e acesso a equipamentos de consumo
coletivo e cultural. Em síntese, um território urbanizado de modo fragmentado, com
grandes problemas de adequação ambiental e pouco articulado do ponto de vista de
uma identidade cultural da população com a ocupação urbana resultante.

2. Metrópole como um território histórico

2.1. A diversidade e a unidade da metrópole

Por mais caótica que tenha sido a constituição da forma do território metropolitano,
ele é um todo, uma unidade espacial. Inúmeros estudos recentes têm mostrado a
diversidade de apropriação desse território e as suas conseqüências, em termos de
segregação social, espacial e econômica. Contudo, esses estudos, em geral,
desconsideram a dimensão da representação da metrópole enquanto cidade
expandida, que abarca os vários territórios das cidades que as integram, formando
um único território urbanizado.

A metrópole se organiza a partir de um núcleo (a cidade centro regional) que articula


espacial, econômica, política e culturalmente os outros núcleos urbanos a ele ligados
em uma relação de dependência e/ou complementaridade. A conurbação entre os
núcleos urbanos é extensa, embora não seja total, pois continuam a existir espaços
"livres" entre as diversas manchas urbanas. Apesar dessa fragmentação e
descontinuidade espacial, a metrópole compõe um conjunto articulado e
hierarquizado.

Enquanto um todo espacial, a metrópole é um produto recente, um processo histórico


que, por um lado, sintetiza inúmeros outros processo parciais de ocorrência
contemporânea e/ou mesmo simultânea. Por outro, no seu interior existem
formações urbanas antigas resultantes de vários processos sociais que terminaram
ou ainda estão em curso, como é o caso dos centros históricos tradicionais. Todos
estes processos estão articulados, mas, apesar disso, a metrópole produz
fragmentações sociais perceptíveis no nível de todas as dimensões, sejam elas
espaciais, econômicas, políticas ou culturais.

Assim, a metrópole, do ponto de vista da apropriação humana do território, é um


todo constituído de partes clara e diferentemente caracterizáveis. Existem as partes,
mas também existe o todo metropolitano. É possível identificar as partes recorrendo-
se a um estudo morfológico do tecido urbano metropolitano, capaz de individualizar
as porções do tecido a partir dos diferentes padrões de ocupação do solo, ou seja,
dos diversos artefatos que constituem a estrutura urbana.

Procedendo-se dessa forma, pode-se identificar-se, nas metrópoles centradas nas


antigas cidades brasileiras, porções do tecido urbano formadas nos séculos XVII,
XVIII e XIX, bem como inúmeras outras, típicas de padrões de ocupação do século
XX. Tais parcelas são a realização material das concepções históricas da organização
da cidade, sejam elas de origem erudita (concepções urbanísticas formais) ou
populares (os traçados e edificações vernaculares).

Todos esses registros históricos da ocupação urbana territorial coexistem na


metrópole contemporânea. Mais que coexistência, a leitura do material urbano
histórico permite identificar as várias transformações que cada uma dessas parcelas
sofreu ao longo de sua existência. Os tecidos antigos, formados nos séculos XVII e
XVIII, convivem com tecidos de constituição recente.

Desse modo, em termos de diversidade de formas de urbanização, a metrópole


apresenta-se como um conjunto de cidades e partes de cidades com origem em
diferentes épocas históricas que se integram em um todo único. Enquanto artefato
espaço/temporal, ela é uma unidade da diversidade, cuja compreensão necessita da
análise particularizada e abrangente simultaneamente.

Essa unidade somente pode ser entendida por meio da dimensão temporal do
território, portanto da sua historicidade. A metrópole brasileira é decorrente do
acúmulo histórico de práticas urbanizadoras que modelaram um território com o uso
de processos de estratificação (a arqueologia da ocupação urbana) e justaposição
dos vários produtos da ação humana de domínio da natureza. É esse acúmulo que
dá sentido humano e cultural a este artefato gigantesco que é a metrópole.
2.2. Os vários tempos da metrópole

A fragmentação metropolitana torna-se compreensível por meio da análise do tempo


histórico atuando sobre as diferentes formações espaciais da metrópole. Existem
diversos tempos sobre o território metropolitano associados a diferentes processos
históricos, que estão sobrepostos ou atuando simultaneamente (Secchi, 1998: 117-
118). Pode-se identificar, pelo menos, quatro diferentes tempos no território
metropolitano.

Primeiro, há os tempos longos, associados a determinadas localidades e a processos


culturais locais específicos de remota origem histórica. Algumas pequenas cidades e
bairros antigos, que foram envolvidos pela conurbação metropolitana, são núcleos
seculares, com processos culturais de grande resistência aos impactos
homogeneizantes da modernização e da globalização. Podem ser citados como
exemplos o sítio histórico de Olinda e a cidade de Igarassu, no interior da Região
Metropolitana do Recife. Esses lugares têm uma conformação morfológica e tipológica
estável, e os usos do solo mudam de forma mais lenta que em outras partes do
território metropolitano.

Segundo, há os tempos mais recentes, associados aos núcleos urbanos novos,


formados no interior da conurbação como resultado do crescimento da mancha
urbana. Esse é o caso, ainda na Região Metropolitana do Recife, dos municípios de
Abreu e Lima e Camaragibe, que sugiram da urbanização de trechos de rodovias
situadas nos limites do município central da metrópole. Em tais localidades, o tempo
histórico é de curtíssima duração, sem trajetória estável e ritmo definido. O processo
cultural local não está formado e as referências são aquelas da cidade central, da
cultura de massa e das reminiscências dos locais de origem dos imigrantes. O espaço
construído é precário, de feitura claramente transitória, e busca maximizar os
benefícios da pouca infra-estrutura urbana existente.

Terceiro, há o tempo da metrópole, também recente. Ele abarca todo o território mas
existe, somente, para certos processos sociais, como a formação de infra-estruturas
e a implantação de grandes investimentos produtivos. Ele se articula, em
determinados momentos, aos tempos locais, sendo que esses passam, embora nem
sempre, a assumir os ritmos do tempo metropolitano. Contudo, essa associação não
é permanente.

Quarto, existe o tempo da globalização, que é muito recente e sem características


definidas. Nas metrópoles brasileiras, é ainda um tempo fugaz, que faz suas
aparições de forma intermitente, sem grande aderência à realidade local. É um tempo
que está para se firmar.

Os tempos históricos se sobrepõem em um determinado lugar na metrópole: o seu


centro histórico. O centro é o lugar da máxima estratificação das práticas
urbanizadoras e do acúmulo de significados culturais. As suas várias camadas estão
presentes fazendo com que os tempos diferenciados permaneçam visíveis, criando
significados novos que são apoiados nos velhos. Por isso, a metrópole não perde o
seu centro cultural, apesar da criação constante de vários centros urbanos (ou
centralidades). É o centro histórico que ‘ amarra’ as diversas partes do território
metropolitano em um único significado cultural. Portanto, é por meio do centro e de
seus processos históricos que a metrópole poderá tornar-se uma unidade significante
no nível da nova cultura que a mesma está formando.

2.3. A permanência e a mudança


A questão da temporalidade das metrópoles brasileiras está diretamente associada
aos conceitos de mudança e permanência das estruturas urbanas que a compõe, bem
como da sua relação dialética.

Por um lado, as metrópoles, enquanto artefatos unos, são produtos recentes e


claramente incompletos, uma vez que estão em fase de constante mudança. Por
outro, certas estruturas urbanas que as compõem lhes conferem um significado
cultural por apresentarem uma forte tendência à permanência, ou seja, um alto grau
de estabilidade morfológica e tipológica. São essas parcelas praticamente estáveis
que passaram pelo teste histórico da longa duração e, portanto, são as partes
significantes.

Permanência e mudança são, de fato, as forças básicas de qualquer sociedade e não


podem ser interpretadas de modo compartimentado. Constituem uma unidade que,
somente pode ser diferenciada em nível analítico e não real. O tempo é uma realidade
insuperável e tem, somente, o sentido do passado ao futuro. Uma estrutura urbana
do presente está condicionada por aquilo que foi no passado e indeterminada (aberta)
naquilo que será no futuro. No presente, ela é fruto da herança histórica mais os
atributos do ambiente onde está inserida. No futuro, ela será o produto da interação
entre a herança histórica e as condições futuras do ambiente, da economia, da
sociedade e da técnica.

Devido à força das estruturas urbanas do passado, elas estão, em algum grau,
imanentes nas do presente, sendo, no entanto, impossível de se prever como serão
no futuro. As estruturas futuras, portanto, não serão predeterminadas, uma vez que
poderão assumir múltiplas formas. Os seus níveis de indeterminação serão tanto
maiores quanto maior for o período de tempo futuro considerado. A partir das
estruturas urbanas do presente, somente é factível determinar um conjunto potencial
de estruturas futuras possíveis, nas quais as estruturas herdadas do passado,
decorrentes dos processo de seleção do tempo longo, terão grande probabilidade de
ocorrência, isto é, atuarão enquanto forças de permanência.

A estrutura urbana do presente tem, por conseguinte, uma natureza transitória entre
o passado e o futuro. No processo de determinação das direções de permanência e
mudança, fica sem sentido recorrer-se a essa polaridade, pois todo o processo será
de mudança. A permanência é, portanto, uma forma de controle da mudança. Do
ponto de vista do planejamento urbano, a gestão da mudança da estrutura urbana
constitui a sua diretriz básica.

3. Os desafios do planejamento das metrópoles

3.1. Ser global e ser local

As metrópoles brasileiras dos anos 90 enfrentam o grande dilema de se inserirem no


processo de globalização. Até o presente momento, tal processo se apresenta
excludente, criando dois campos opostos: (i) o das poucas grandes cidades que
fazem parte da rede mundial de cidades globais, dela se beneficiando; (ii) o das
cidades dependentes das metrópoles globais que articulam, no máximo, territórios
subnacionais e sofrem os grandes problemas decorrentes da rede mundial.

Fechar os olhos a esse processo seria uma decisão política insensata, fadada ao
fracasso no curto prazo. Numa época de processos de homogeneização econômica
nacional e internacional, a prática urbanizadora modifica-se a partir da ação dos
novos agentes econômicos que impulsionam a integração na macroescala territorial.
O território metropolitano passa a significar, muitas vezes, território nacional ou
internacional. Assim, as áreas de domínio (no sentido estratégico) de uma cidade
passam a ser determinadas pela capacidade de comando de recursos e de geração
de informação socialmente útil para qualquer outro agente social ou econômico do
mundo. São, por exemplo, as cidades mundiais (Londres, Nova York, Frankfurt,
Tóquio, Hong Kong e São Paulo, entre outras) conectadas por redes de informação e
de finança e com alta capacidade de mobilidade dos seus atores. No Brasil, esse
processo é bastante nítido, levando a que somente algumas metrópoles, em especial
São Paulo e Rio de Janeiro, estejam participando, de forma mais intensa, do circuito
econômico mundial (Sassen, 1998: 48-57).

Pertencer a uma rede global, direta ou indiretamente, não exclui o processo local. As
cidades continuam dependentes das suas especificidades locais, de natureza
ambiental, cultural, econômica e política. Isso, por sua vez, vem dar maior valor a
tudo o que caracteriza o local. A homogeneização global restringe-se a alguns
processos econômicos e culturais, mas não abarca os processos da vida e da cultura
do cotidiano.

A globalização pode acarretar uma rápida perda de identidade das metrópoles


integrantes da rede, a não ser que cada uma consiga formar processos específicos
de geração de valor que não possam ser reprodutíveis nas demais, de tal forma que
se diferenciem umas das outras. Participar da globalização implica a construção de
uma estratégia de sobrevivência no interior da rede global. Tal estratégia significa,
em grande parte, o reforço das especificidades locais para que a diferença possa
tornar-se valor, revertendo, assim, a tendência de desvalorização geral do capital
fixo. Valor na economia pós-industrial é, basicamente, uma categoria despregada da
matéria e totalmente ligada ao intangível, isto é, a processos de criação de
informação e cultura. A metrópole que consegue criar e fazer reconhecer as suas
especificidades, no interior da rede global, passa a agregar valor à sua produção
local, independentemente do setor econômico no qual esteja atuando.

3.2. O desenvolvimento sustentável

As metrópoles brasileiras dos anos 90 enfrentam o enorme desafio de criar um


processo de desenvolvimento urbano que permita reverter a marcha de degradação
urbana instalada ao longo dos últimos trinta anos, de forma a melhor responder às
exigências do mundo contemporâneo. Foi diante da ameaça representada pela
excessiva degradação ambiental e da complexidade de intervir nas cidades que
surgiu a noção de desenvolvimento urbano sustentável. Em suas linhas essenciais,
significa um processo de mudança capaz de garantir que os esforços de
desenvolvimento gerem condições de maior eqüidade social, em consonância com a
preservação da qualidade dos recursos naturais e ambientais e com o respeito às
identidade socioculturais.

Assim, a relação entre urbanização, economia, política, natureza e cultura deve ser
mudada de forma que os processos de desenvolvimento não mais provoquem a perda
do patrimônio ambiental e cultural acumulado em séculos pelas gerações passadas.
Isso implica uma mudança radical na forma de tratar a dimensão cultural no interior
do planejamento do desenvolvimento. O resgate de tal dimensão significa considerar
a cultura não como um instrumento manipulável de acordo com os interesses do
momento, mas como a base social do desenvolvimento, possibilitando e legitimando
a malha complexa de valores existentes em toda cultura. Nesse sentido, as formas
não-monetárias de valor associadas à vida em cidade e que são a herança da
construção histórica da cidade e do território devem voltar a ser os determinantes
das políticas de desenvolvimento. Como, no entanto, articular economia, política,
natureza e cultura numa proposta de desenvolvimento sustentável metropolitano?
Como foi evidenciado, o modelo intensivo e extensivo de urbanização das metrópoles
brasileiras, nas últimas três décadas, gerou um espaço urbano profundamente
fragmentado, com grandes problemas de funcionamento e de adequação ambiental,
bem como pouco articulado em termos de uma identidade cultural da população com
a ocupação urbana resultante. Tal situação representa uma ameaça ao
desenvolvimento metropolitano, constituindo-se nas raízes primeiras dos
estrangulamentos capazes de dificultar ou, até mesmo, inviabilizar o almejado
desenvolvimento sustentável.

Nesse sentido, um dos problemas que comprometem um melhor desempenho das


atividades econômicas metropolitanas é a baixa capacidade de deslocamento das
pessoas e das mercadorias em virtude das condições do sistema de transporte,
caracterizado por uma infra-estrutura viária deficiente, uma situação precária do
transporte público de passageiros e pouca fluidez no tráfego. Tais questões remetem
necessariamente ao tipo de ordenamento territorial até então gerado nas metrópoles
brasileiras. Um outro problema é o baixo nível de competitividade das metrópoles
em decorrência das externalidades ofertadas, entre elas a qualidade de vida em
termos ambientais. Não sem razão, as cidades de porte intermediário— que, via de
regra, apresentam um melhor nível de qualidade de vida— despontam como lugares
privilegiados para os investimentos.

Além disso, a implantação das recentes propostas na área de telecomunicações a


grande velocidade, particularmente a instalação de interporto com seus teleportos,
significará a geração de fluxos de transportes qualitativamente diferenciados, o que
requer, mais do que nunca, uma sintonia entre sistema de transporte e ordenamento
territorial.

Acrescente-se, ainda, que os inadequados e preocupantes padrões de habitabilidade


de parcela significativa da população metropolitana —traduzidos pelas precárias
formas de habitação e pela baixa qualidade dos serviços urbanos ofertados— têm
comprometido não somente a saúde de um grande contingente populacional, mas
também o meio ambiente metropolitano. Esse, via de regra, caracteriza-se pela
elevada degradação para a qual muito contribui a insuficiente qualidade dos serviços
de esgotamento sanitário e de coleta de lixo, em especial nas áreas ocupadas por
populações de baixa renda que totalizam uma considerável porção do território
metropolitano.

Assim sendo, o desenvolvimento sustentável das metrópoles tem como condição


básica um ordenamento territorial que facilite a mobilidade das pessoas e da
informação, o fluxo de mercadorias e serviços e um meio ambiente que garanta a
qualidade de vida à sua população. Para tanto, é de fundamental importância que os
sistemas de mobilidade da matéria (transporte) e de informação (comunicação e,
sobretudo, telecomunicações) e os serviços (abastecimento d’ água, esgotamento
sanitário...) sejam concebidos em forma de redes, abrangendo todo o território
metropolitano, servindo, assim, de elementos de ligação entre as diversas estruturas
(unidade ambientais) e, conseqüentemente, transformando o espaço metropolitano
em um tecido urbano mais coeso.

A idéia de rede, espacialmente abrangente, é básica para o sucesso de qualquer


proposta de planejamento metropolitano, pelo seu potencial em termos de uma
maior eqüidade social, sua flexibilidade de execução e sua capacidade de expansão
por módulos. Além disso, a conexão via rede não apenas potencializa a mobilidade
da matéria e das informações no interior do espaço metropolitano, mas também com
os outros territórios nacionais e internacionais..
Em tais termos, desenvolvimento sustentável urbano significa uma forte ênfase na
revalorização dos aspectos culturais e ambientais da cidade, o que, por sua vez,
requer a existência de um provimento de redes de mobilidade e de serviços que
permitam a "aproximação" real e virtual das diversas áreas ao criar uma proximidade
sem contigüidade, evitando a homogeneização do espaço. A diversidade de espaços
que interessa ao desenvolvimento sustentável é aquela fundamentada na
especificidade cultural do lugar e não nos diferenciais de provimento de serviços
urbanos. Assim, as redes devem constituir-se em elementos de eqüidade social,
econômica e espacial da coletividade.

Só dessa forma as metrópoles passariam a oferecer condições de crescimento às


suas diversas atividades econômicas, em consonância com a melhoria da qualidade
ambiental urbana e com a ampliação do direito à cidadania da comunidade
metropolitana.

3.3. Qualidade versus quantidade

Uma visão histórica de longo prazo da urbanização do território metropolitano deve


ser retomada como orientação básica para as novas propostas de ação do organismo
metropolitano. A experiência das últimas décadas, quando se buscou desconsiderar
este passado como o determinante das novas propostas em favor de um urbanismo
de quantidade, contribuiu para gerar conflitos e frustrações nos meios técnicos, bem
como descrença política nas atividades de planejamento espacial. A visão
quantitativa perdeu a capacidade de percepção qualitativa da urbanização, portanto,
do seu sentido cultural. A sua clara opção pela expansão urbana, tanto a extensiva
como a intensiva, e a visão homogeneizadora do espaço, indiferente às
especificidades locais, levaram a:

• um urbanismo "simplista" do ponto de vista formal (construir mais ou mesmo


numa ou noutra parte da cidade),

• uma substituição acelerada de estruturas ambientais urbanas de interesse


histórico e cultural;

• uma desconsideração das características e restrições ambientais das diferentes


parcelas do território e, como conseqüência,

• uma legitimação do processo de especulação imobiliária e expansão continuada


dos limites urbanos.

Como cultura e processo histórico não puderam ser cancelados, a trajetória da


urbanização das metrópoles foi determinada pelo conflito entre a permanência dos
processos culturais e as diretrizes transformadoras emanadas do planejamento
metropolitano. A preponderância da continuidade histórica sobre a vontade
transformadora foi indubitável. Afinal, as periferias não foram criadas pelas idéias
urbanísticas dos planejadores. Contudo, tal preponderância levou a um conflito entre
as duas forças, gerando grandes custos sociais devidos aos atritos provocados pela
tentativa de cancelar as forças de permanência. A transformação a qualquer custo
criou seus própriospadrões culturais de apropriação do território.

4. Uma proposta de estruturação de um plano metropolitano

Uma nova proposta para o planejamento metropolitano deve ter como diretriz
fundamental a requalificação do espaço urbano e natural, isto é, a agregação de valor
àquilo que existe de específico, de irreprodutível, e que está vinculado à idéia de
lugar e de suas qualidades.
A consideração da especificidade requer a revalorização dos atributos culturais e
ambientais do território urbanizado, ameaçados de desaparecimento. É uma proposta
que parte da diversidade dos lugares urbanos e das unidades significantes da
metrópole, em termos de valores da natureza, cultura e história. Ao mesmo tempo,
aposta na formação das estruturas urbanas que permitem à metrópole participar do
processo de integração na macroescala espacial, especialmente nas estruturas de
mobilidade, informação, qualidade ambiental e produção cultural.

No caso do planejamento metropolitano, a maior ênfase, em termos de campo de


atuação das estruturas institucionais de regulação e governo, está no processo de
ordenamento territorial e de controle e melhoria do meio ambiente. Isso não significa
o abandono de políticas locais de desenvolvimento econômico, melhoria dos padrões
de eqüidade social e de participação política nos processos de decisão. Pelo contrário,
o reforço das ações sobre o ordenamento do território e da qualidade ambiental
necessariamente passa por iniciativas nesses outros campos. Na verdade, o
planejamento metropolitano abre a possibilidade de variações de meios nos campos
da economia e da política participativa e institucional da metrópole.

A perspectiva cultural e ambiental do reordenamento do território sob a égide da


sustentabilidade requer:

• Reconhecer o que existe de específico no espaço urbano que, ao longo do tempo,


vem mostrando o seu caráter de permanência, necessitando de pequenas alterações
no sentido de melhor se adequar às suas velhas e/ou novas funções;

• Reconhecer os espaços transitórios que deverão passar por processos de


transformação de vários dos seus elementos para melhor se adequarem aos usos
propostos;

• Reconhecer os espaços de grande valor ambiental, colocando-os em uso adequado


de forma a preservá-los para as gerações futuras;

• Reconhecer as redes como estratégia de organização espacial e como principal


meio de direcionar, com critérios de maior eqüidade social, os processos de
provimento de infra-estruturas e serviços urbanos.

4.1. O permanente e o transitório na metrópole: as áreas de conservação e de


transformação

A idéia de permanência das estruturas ambientais urbanas vem associada à idéia de


mudança. Em termos de política de ação sobre as estruturas, é possível buscar-se a
permanência por meio da conservação das estruturas existentes. Pelo lado da
mudança, a política de ação passa a ser a transformação das estruturas.

No caso do Plano de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife que serviu


de referência para este trabalho, o território metropolitano foi basicamente
desagregado em dois tipos de áreas: as de conservação e as de transformação.
Ambas dizem respeito às estruturas ambientais existentes.

4.1.1. Áreas de conservação

As áreas de conservação são aquelas que possuem um padrão de ocupação do


território caracterizado por uma certa uniformidade das tipologias de edificação e por
um traçado urbano consolidado. A qualidade dos espaços públicos, em termos
construtivos, tipológicos e infra-estruturais é maior que a de outras partes da
metrópole, não significando, porém, que não precisem de ações de reparação,
melhoria e conservação.

As principais áreas de conservação urbana são (i) os centros e bairros tradicionais;


(ii) as áreas populares mais consolidadas; (iii) os bairros originários de vilas e
conjuntos habitacionais dos anos 40 e 50; e (iv) os bairros que passam, atualmente,
por um processo de alto dinamismo imobiliário.

A conservação também é uma forma de ação para as áreas que tiveram uma origem
popular e precária, mas que conseguiram, nas décadas recentes, implantar um
processo de qualificação urbana, a exemplo de certas áreas de urbanização de morros
e de baixada. A ação pública nessas áreas tem uma mesma diretriz: a da manutenção
da qualidade do espaço público, a modernização e complementação das infra-
estruturas e melhoria dos serviços públicos.

Cabe ainda ressaltar os grandes conjuntos habitacionais construídos nas décadas de


70 e 80, que apresentam uma baixa qualidade de urbanização. São áreas que não
conseguiram criar um processo de integração com o tecido urbano existente,
transformando-se em grandes guetos de exclusão urbana. Entretanto, são enormes
áreas construídas que abrigam parcela significativa da população metropolitana e
que, portanto, devem ser melhoradas e integradas ao tecido urbano.

4.1.2. Áreas de transformação

As áreas de transformação são aquelas em que, diferentemente das áreas de


conservação, o processo histórico não produziu uma urbanização de qualidade nem
uma identidade própria. São as áreas de urbanização mais recente, onde tanto as
construções privadas como as de uso coletivo são precárias e claramente transitórias.
São as áreas de favelas, de urbanização difusa, ordenada segundo o provimento de
uns poucos serviços urbanos ou de alguma infra-estrutura, como os eixos viários.
São também aquelas áreas onde ocorreu uma degradação muito grande da qualidade
das construções devido a uma obsolescência funcional, locacional e construtiva, como
foram os casos dos eixos industriais no interior do tecido urbano. Em todos os casos,
as áreas de transformação apresentam uma grande descontinuidade relativamente
à mancha urbana. Nas áreas de transformação, existe uma clara necessidade de
complementar e/ou substituir parte significativa do ambiente construído. As áreas de
transformação podem ser classificadas em dois tipos:

As áreas de reabilitação compreendem, em primeiro lugar, aquelas áreas de morros


e das áreas baixas (alagadas ou não) ocupadas por habitações populares de estratos
de renda muito baixos e em condições precárias de construção. Existe uma clara
necessidade de uma intervenção apropriada às condições geológicas e morfológicas
dos terrenos. Em segundo lugar, as áreas de urbanização difusa ao longo dos eixos
rodoviários. Em terceiro lugar, compreendem as antigas áreas industriais internas à
mancha urbana que foram "descartadas" do processo produtivo industrial,
constituindo-se, no entanto, em potencial para a criação de áreas urbanas de uso
coletivo e de habitação. Para tais áreas, deve concorrer um processo de reabilitação
e de reconversão.

As áreas urbanizáveis, correspondem àquelas parcelas do território que devem ser


incorporadas à estrutura urbana construída. Como foi salientado, a descontinuidade
da mancha urbanizada gerou vazios, tornando-se necessário "costurar" o território
por meio da urbanização qualificada dessas lacunas, de modo a dar sentido ou
significado uno ao tecido urbano existente. Apesar do processo da expansão espacial
metropolitano ter diminuído de intensidade, sobretudo na presente década, a RMR
enfrentará ainda esse problema.
Três tipos de áreas urbanizáveis são identificados:

As áreas de interesse paisagístico são porções do território que ainda mantêm


significativas características naturais, estando semi-ocupadas ou muito próximas de
densas áreas urbanas, como margens de rios e lagoas, canais e gamboas dos
estuários, porções de mangues e alagados e remanescentes de matas. Essas áreas
encontram-se, em geral, na iminência de ser invadidas por habitações precárias ou
atividades predatórias. A sua posição no interior da estrutura urbana transforma-as
em áreas estratégicas para a reconquista da qualidade da vida urbana da metrópole.
Devido a seus atributos naturais, elas podem ser utilizadas para atividades urbanas
de recreação, lazer e instalação de equipamentos sociais, organizadas em meio a
parques urbanos de média escala.

As áreas de amenidades são aquelas áreas de urbanização que devem ser ocupadas
de forma predominantemente residencial, de baixa densidade, preservando
características naturais e amplas áreas verdes.

As áreas com tecido urbano novo são as lacunas e parcelas pequenas nas margens
da mancha urbana. Essas últimas são em número mínimo, somente necessárias à
complementação da mancha urbana.

4.2. O direito das gerações futuras: as áreas de valor ambiental e as áreas rurais

As áreas urbanas de grande valor ambiental devem ser resguardadas como recursos
estratégicos para as gerações futuras. Entre essas áreas podemos citar: os baixos
estuários com seus cursos d’ água e mangues; cursos d’ água e zonas de
alagamento temporário; restingas; morros; mananciais; matas de grande porte e
pequenos remanescentes das matas. Além do critério da eqüidade intergerações,
deve-se ter como princípio de regulação da ação a manutenção da diversidade de
formas do ambiente. A utilização extensiva e intensiva de todos os recursos
ambientais provoca, inevitavelmente, a uniformização e a perda da diversidade das
formas de urbanização, construção e apropriação da natureza.

A eminente urbanização predadora das áreas rurais elimina qualquer possibilidade


de racionalização, no sentido da eficácia do processo de provimento de infra-
estruturas, serviços, equipamentos sociais de uso coletivo e espaços públicos de
qualidade.

4.2.1. As redes metropolitanas e a eqüidade social

Como foi visto, desenvolver a metrópole pela valorização das especificidades dos
lugares, isto é, ressaltando as suas diferenças ambientais, requer um provimento de
redes de mobilidade e de serviços com dimensões metropolitanas, capaz de agregar
as suas diversas partes em um tecido único e, ao mesmo tempo, de contribuir para
uma maior eqüidade social, econômica e espacial da coletividade. Em vez de sistemas
hierarquizados, devem ser estruturadas em forma modular com opções de
movimento no espaço, podendo ser implantadas gradativamente.

4.2.2 As redes de mobilidade

As redes de mobilidade são aquelas que permitem o fluxo de pessoas de informação


com rapidez e baixo custo. A idéia de mobilidade substitui a idéia de acessibilidade
anteriormente preponderante. A mobilidade significa a existência de um leque de
possibilidades de deslocamento de pessoas, informação e cargas, por intermédio de
uma grande variedade de meios disponíveis. São as redes de transporte,
armazenagem, comunicação e informação que articulam as pessoas, as atividades e
a região tanto em nível do seu próprio território como do exterior. A metrópole do
futuro deve ser pensada como possuindo uma rede de mobilidade única, constituída
de dois fluxos básicos e complementares: o virtual (comunicações) e o material
(transporte).

4.2.3. O sistema de comunicação à distância

A grande novidade para o futuro das redes de mobilidade das metrópoles são os
serviços de comunicação por sistemas de alta capacidade e velocidade, que visam,
principalmente, à articulação do espaço regional com o restante do país. Essas redes
são organizadas em pontos nodais da estrutra urbana, que congregam os fluxos
disseminados em nível local e realizam as conexões com o exterior.

Essa nova forma de organização da comunicação refletirá sobre as atividades


econômicas e culturais e sobre a rede de transporte. O estabelecimento desses
pontos nodais induz à redistribuição das atividades de serviço e dos centros de
decisão empresarial que, por sua vez, criam novos fluxos de pessoas e veículos na
região, fluxos que serão qualitativamente diferentes, pois estarão transportando
pessoas diferenciadas, que requererão meios de transporte de qualidade.

Além disso, as mercadorias passam a ser armazenadas e transportadas de modo


qualitativamente diferente. Os processos de produção e venda são ajustados por
estoques pequenos, que são atualizados em poucos dias, por meio de sistemas
computadorizados. Os processos "just-in-time" serão dominantes nas atividades que
utilizam as redes de grande tráfego de dados. Aeroportos e portos passam, assim, a
interargir com o sistema de distribuição de mercadorias da região com muito mais
intensidade, utilizando meios diferenciados de transporte.

4.2.4. O sistema de armazenamento e transbordo

A implantação da rede de telecomunicações de grande velocidade nas metrópoles


significará uma nova reorganização dos sistemas de armazenamento e transbordo.
Esses constituirão elementos-chaves para o processo de desenvolvimento da
metrópole e de sua organização espacial. Com a rapidez da comunicação, as
empresas serão impulsionadas a diminuir consideravelmente os seus estoques.
Assim, o novo sistema tenderá a ser formado por grandes centrais de carga,
localizadas no aeroporto, nos portos e nos principais eixos rodoviários. Tais centrais
de carga distribuirão as mercadorias para uma rede disseminada, cuja localização
ocorrerá, preferencialmente, em áreas de maior concentração em termos de
atividades de comércio e serviços. A partir daí, as mercadorias seguirão os seus
destinos em pequenos veículos, tipo furgão, percorrendo um circuito fechado, várias
vezes ao dia. A tendência, portanto, é tornar obsoletos os atuais armazéns de
estocagem de mercadorias, pertencentes, em geral, às próprias empresas. O
resultado será a existência de um importante patrimônio construído, que deverá ser
requalificado para novos usos. Outra conseqüência será a diminuição considerável de
pesados veículos de carga em áreas já congestionadas da metrópole.

Diante do previsível aumento do tráfego nacional e internacional por transporte


aéreo, os aeroportos continuarão, a médio prazo, sendo uma grande porta de entrada
e saída das regiões. Nessa nova forma de organização da mobilidade, a
movimentação e a armazenagem de cargas passam a se constituir em atividades de
suma importância e de grande intensidade no aeroporto, requerendo a expansão das
áreas de armazenagem, recepção e expedição, movimentação e outras. Todas essas
mudanças colocam desafios não somente quanto às infra-estruturas aeroportuárias,
mas também à estrutura de articulação do aeroporto com os outros sistemas de
circulação regional. As articulações com os sistemas metroviário e rodoviário regional
são, portanto, de vital importância para o aumento do desempenho.

Os portos constituem pólos estratégicos de desenvolvimento de quase todas as


metrópoles brasileiras. Na medida em que articulam amplos espaços econômicos,
constituem-se no recurso econômico básico para organizar todo o sistema de
distribuição nacional e internacional da produção regional, que pode ser centrada nas
regiões metropolitanas. No caso dos portos situados em áreas históricas centrais,
deverão assumir um papel que poderá recolocá-los como centro dinâmico
metropolitano. Tal papel está associado a duas transformações básicas. A primeira é
a sua caracterização como porto turístico para os navios de passageiros de rotas
internacionais e regionais. A segunda é a reabilitação de grande parte da sua área
de armazenagem, resgatando-a para a cidade, mais precisamente para as atividades
de serviço moderno, comércio, atividades de recreação, lazer e habitação, com
ênfase especial na revalorização paisagística.

4.2.5. O sistema de transporte regional e de articulação metropolitana

As atuais condições de mobilidade das pessoas e mercadorias nas metrópoles


brasileiras são preocupantes. Se os grandes avanços tecnológicos, sobretudo na área
de telecomunicações, permitem pensar no aniquilamento do espaço pelo tempo,
aproximando instataneamente indivíduos, empresas, cidades e países, o mesmo não
ocorre em nível das metrópoles brasileiras, que estão na contra-mão da história ao
apresentarem sérios problemas em termos de mobilidade, com implicações no
funcionamento do sistema social e produtivo. Nesse sentido, o espaço não foi
aniquilado pelo tempo, mas, muito pelo contrário, as distância cresceram, uma vez
que os tempos de deslocamento aumentaram.

Assim, a nova ordem metropolitana exige intervenções no sistema de transporte


capazes de (i) garantir a articulação da metrópole com o estado, a região e o país
por meio de ações que evitem os sérios estrangulamentos, assegurando um tráfego
livre, inclusive, nas vias principais de acesso às metrópoles; (ii) garantir a eqüidade
de acesso aos indivíduos em condições adequadas de conforto e segurança; (iii)
assegurar a prioridade de circulação dos indivíduos, a pé ou por meio não motorizado
(como as bicicletas), em relação às modalidades de transporte motorizado e, entre
essas, (iv) priorizar os transportes coletivos de passageiros.

4.2.6. As redes de serviços

As redes de serviços infra-estruturais —os serviços de saneamento ambiental


(abastecimento d’ água, esgotamento sanitário, drenagem e coleta de lixo), de
oferta de energia (elétrica, combustíveis líquidos e gasosos)— devem ser moldados
pela forma do ambiente natural e construído da metrópole.

Do ponto de vista político-institucional, é necessária, primeiro, uma democratização


do processo decisório desses serviços, tendo como premissas a descentralização e o
fortalecimento do município e a criação de mecanismos de controle social. Segundo,
faz-se necessário encontrar novos formatos de gestão, buscando formas de
associação do poder público com a iniciativa privada, como concessões de parte do
serviço ou a criação de empresas nas quais os municípios são acionários, visando
criar uma maior flexibilização nos sistemas. Terceiro, deve-se considerar a
possibilidade de criação de consórcios de municípios. Nesse caso, o papel de
articulação dos municípios das regiões metropolitanas se apresentará como
primordial. Além disso, o Estado deve aperfeiçoar o seu papel de mantenedor do
controle e da racionalidade dos sistemas.
Conclusões

Diante do processo de descentralização político-administrativo brasileiro, o


planejamento urbano volta a ser valorizado como um importante instrumento de
desenvolvimento local, capaz de nortear as práticas dos diversos atores sociais.

No que se refere particularmente às metrópoles, urge avançar em termos de


propostas que articulem os seus diversos espaços fragmentados e desarticulados
—resultantes de um processo de urbanização intensivo e extensivo e que podem ser
ainda mais segmentados e desconectados pelo atual sistema municipal—, visando
reconstruí-las como entidades reais mediante a sua recomposição espacial, capazes
de gerar uma melhor qualidade de vida para seus habitantes e, ao mesmo tempo,
de garantir uma maior inserção no mundo contemporâneo. A integração da economia
urbana no processo de globalização demanda, mais do que nunca, intervenções que
venham conferir valor às especificidades locais.

Para que isso aconteça, é essencial considerar que a metrópole foi constituída por
diversos processos cujo resultado foi o acúmulo das práticas urbanizadoras, ou seja,
das diversas camadas temporais, sobrepostas e/ou justapostas, da ação do homem
sobre o meio urbano. É, portanto, formada por várias estruturas ambientais que se
constituem em materialidades com múltiplas formas que, na sua essência,
corporificam idéias e ações distintas no tempo e no espaço, possibilitando a satisfação
das diferentes necessidades social e culturalmente construídas.

Reconhecer a importância e o significado desses processos tem desdobramentos


importantes em termos do conteúdo das propostas do planejamento do
desenvolvimento metropolitano, uma vez que sua ênfase deverá ser a revalorização
dos aspectos culturais e ambientais urbanos. Sendo assim, a diretriz geral norteadora
do planejamento metropolitano deverá ser a conservação urbana por meio
da requalificação do espaço, respeitando a diversidade das unidades ambientais e
das paisagens significantes em termos de valores da natureza, cultura e história, e
reconhecendo a função das estruturas naturais (rios, lagoas etc) e construídas (as
redes de mobilidade da matéria e da informação e de serviços) enquanto elementos
indispensáveis de integração entre as diferentes partes, com vista à formação de um
tecido urbano mais coeso.

Tais procedimentos determinam os objetos do planejamento espacial metropolitano:


as unidades ambientais e as redes, que deverão servir de base para serem
trabalhadas as oportunidades de desenvolvimento sustentável dentro de uma
perspectiva de diversidade de suporte e material (ambiente natural e construído)
urbano.

Não restam dúvidas de que a conservação urbana é uma nova cultura, uma nova
forma de fazer a cidade e, mais ainda, as metrópoles, e de realizar a sua gestão
social. Nesse sentido, é ainda um projeto, uma proposta dentro do contexto de
discussão do desenvolvimento sustentável nas cidades. Além disso, é uma proposta
que causará grandes reações, pois vai contra toda uma prática de fazer a cidade,
sedimentada desde a industrialização do século XIX e a mercantilização da prática
do viver urbano. Também é uma proposta que se contrapõe aos preceitos da
modernidade, ideologia predominante na construção das cidades, especialmente as
norte-americanas, onde construir o novo era considerado a razão de ser do
urbanismo.

** Profesores do Centro de Conservação Integrada Urbana e Territorial (CECI) da


Universidade Federal de Pernambuco - Brasil.
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