Planejamento-Metropolitano Sim
Planejamento-Metropolitano Sim
Planejamento-Metropolitano Sim
proposta de conservação
urbana e territorial
Norma Lacerda, Sílvio Mendes
Zancheti y Fernando Diniz**
Abstract
The objective of this work is to apply the concept of sustainable urban development
to a real case of metropolitan development planning in a developing country. The
ideas of integrated conservation are used as the framework for the formulation of
strategies and action polices for the management of the metropolis. The paper
explores the concepts of conservation and areas of transformation as well those of
service networks and information. The work tries to present general concepts for new
urban planning initiatives. However, it has a strong practical sense because it is based
on the real application of the new concepts on the formulation of the Development
Plan of the Recife Metropolitan Area.
Resumen
Apresentação
O presente texto tem como objetivo apresentar uma nova proposta para o
planejamento das áreas metropolitanas do Brasil. São apresentados novos conceitos
e temas para o planejamento espacial metropolitano, que buscam responder a
questões sobre o desenvolvimento urbano sustentável.
O conteúdo do trabalho constitui uma síntese das reflexões realizadas pelos autores
durante a elaboração da proposta do Plano de Desenvolvimento da Região
Metropolitana do Recife (1998). Significa, portanto, um esforço de generalização
teórica, de maneira que as idéias apresentadas detenham um certo nível de
aplicabilidade em outras realidades metropolitanas do Brasil e de outros países
periféricos. Apesar da tentativa de teorizar sobre o problema da planificação
metropolitana, o trabalho a seguir ainda tem uma estrutura de ensaio.
Por mais caótica que tenha sido a constituição da forma do território metropolitano,
ele é um todo, uma unidade espacial. Inúmeros estudos recentes têm mostrado a
diversidade de apropriação desse território e as suas conseqüências, em termos de
segregação social, espacial e econômica. Contudo, esses estudos, em geral,
desconsideram a dimensão da representação da metrópole enquanto cidade
expandida, que abarca os vários territórios das cidades que as integram, formando
um único território urbanizado.
Essa unidade somente pode ser entendida por meio da dimensão temporal do
território, portanto da sua historicidade. A metrópole brasileira é decorrente do
acúmulo histórico de práticas urbanizadoras que modelaram um território com o uso
de processos de estratificação (a arqueologia da ocupação urbana) e justaposição
dos vários produtos da ação humana de domínio da natureza. É esse acúmulo que
dá sentido humano e cultural a este artefato gigantesco que é a metrópole.
2.2. Os vários tempos da metrópole
Terceiro, há o tempo da metrópole, também recente. Ele abarca todo o território mas
existe, somente, para certos processos sociais, como a formação de infra-estruturas
e a implantação de grandes investimentos produtivos. Ele se articula, em
determinados momentos, aos tempos locais, sendo que esses passam, embora nem
sempre, a assumir os ritmos do tempo metropolitano. Contudo, essa associação não
é permanente.
Devido à força das estruturas urbanas do passado, elas estão, em algum grau,
imanentes nas do presente, sendo, no entanto, impossível de se prever como serão
no futuro. As estruturas futuras, portanto, não serão predeterminadas, uma vez que
poderão assumir múltiplas formas. Os seus níveis de indeterminação serão tanto
maiores quanto maior for o período de tempo futuro considerado. A partir das
estruturas urbanas do presente, somente é factível determinar um conjunto potencial
de estruturas futuras possíveis, nas quais as estruturas herdadas do passado,
decorrentes dos processo de seleção do tempo longo, terão grande probabilidade de
ocorrência, isto é, atuarão enquanto forças de permanência.
A estrutura urbana do presente tem, por conseguinte, uma natureza transitória entre
o passado e o futuro. No processo de determinação das direções de permanência e
mudança, fica sem sentido recorrer-se a essa polaridade, pois todo o processo será
de mudança. A permanência é, portanto, uma forma de controle da mudança. Do
ponto de vista do planejamento urbano, a gestão da mudança da estrutura urbana
constitui a sua diretriz básica.
Fechar os olhos a esse processo seria uma decisão política insensata, fadada ao
fracasso no curto prazo. Numa época de processos de homogeneização econômica
nacional e internacional, a prática urbanizadora modifica-se a partir da ação dos
novos agentes econômicos que impulsionam a integração na macroescala territorial.
O território metropolitano passa a significar, muitas vezes, território nacional ou
internacional. Assim, as áreas de domínio (no sentido estratégico) de uma cidade
passam a ser determinadas pela capacidade de comando de recursos e de geração
de informação socialmente útil para qualquer outro agente social ou econômico do
mundo. São, por exemplo, as cidades mundiais (Londres, Nova York, Frankfurt,
Tóquio, Hong Kong e São Paulo, entre outras) conectadas por redes de informação e
de finança e com alta capacidade de mobilidade dos seus atores. No Brasil, esse
processo é bastante nítido, levando a que somente algumas metrópoles, em especial
São Paulo e Rio de Janeiro, estejam participando, de forma mais intensa, do circuito
econômico mundial (Sassen, 1998: 48-57).
Pertencer a uma rede global, direta ou indiretamente, não exclui o processo local. As
cidades continuam dependentes das suas especificidades locais, de natureza
ambiental, cultural, econômica e política. Isso, por sua vez, vem dar maior valor a
tudo o que caracteriza o local. A homogeneização global restringe-se a alguns
processos econômicos e culturais, mas não abarca os processos da vida e da cultura
do cotidiano.
Assim, a relação entre urbanização, economia, política, natureza e cultura deve ser
mudada de forma que os processos de desenvolvimento não mais provoquem a perda
do patrimônio ambiental e cultural acumulado em séculos pelas gerações passadas.
Isso implica uma mudança radical na forma de tratar a dimensão cultural no interior
do planejamento do desenvolvimento. O resgate de tal dimensão significa considerar
a cultura não como um instrumento manipulável de acordo com os interesses do
momento, mas como a base social do desenvolvimento, possibilitando e legitimando
a malha complexa de valores existentes em toda cultura. Nesse sentido, as formas
não-monetárias de valor associadas à vida em cidade e que são a herança da
construção histórica da cidade e do território devem voltar a ser os determinantes
das políticas de desenvolvimento. Como, no entanto, articular economia, política,
natureza e cultura numa proposta de desenvolvimento sustentável metropolitano?
Como foi evidenciado, o modelo intensivo e extensivo de urbanização das metrópoles
brasileiras, nas últimas três décadas, gerou um espaço urbano profundamente
fragmentado, com grandes problemas de funcionamento e de adequação ambiental,
bem como pouco articulado em termos de uma identidade cultural da população com
a ocupação urbana resultante. Tal situação representa uma ameaça ao
desenvolvimento metropolitano, constituindo-se nas raízes primeiras dos
estrangulamentos capazes de dificultar ou, até mesmo, inviabilizar o almejado
desenvolvimento sustentável.
Uma nova proposta para o planejamento metropolitano deve ter como diretriz
fundamental a requalificação do espaço urbano e natural, isto é, a agregação de valor
àquilo que existe de específico, de irreprodutível, e que está vinculado à idéia de
lugar e de suas qualidades.
A consideração da especificidade requer a revalorização dos atributos culturais e
ambientais do território urbanizado, ameaçados de desaparecimento. É uma proposta
que parte da diversidade dos lugares urbanos e das unidades significantes da
metrópole, em termos de valores da natureza, cultura e história. Ao mesmo tempo,
aposta na formação das estruturas urbanas que permitem à metrópole participar do
processo de integração na macroescala espacial, especialmente nas estruturas de
mobilidade, informação, qualidade ambiental e produção cultural.
A conservação também é uma forma de ação para as áreas que tiveram uma origem
popular e precária, mas que conseguiram, nas décadas recentes, implantar um
processo de qualificação urbana, a exemplo de certas áreas de urbanização de morros
e de baixada. A ação pública nessas áreas tem uma mesma diretriz: a da manutenção
da qualidade do espaço público, a modernização e complementação das infra-
estruturas e melhoria dos serviços públicos.
As áreas de amenidades são aquelas áreas de urbanização que devem ser ocupadas
de forma predominantemente residencial, de baixa densidade, preservando
características naturais e amplas áreas verdes.
As áreas com tecido urbano novo são as lacunas e parcelas pequenas nas margens
da mancha urbana. Essas últimas são em número mínimo, somente necessárias à
complementação da mancha urbana.
4.2. O direito das gerações futuras: as áreas de valor ambiental e as áreas rurais
As áreas urbanas de grande valor ambiental devem ser resguardadas como recursos
estratégicos para as gerações futuras. Entre essas áreas podemos citar: os baixos
estuários com seus cursos d’ água e mangues; cursos d’ água e zonas de
alagamento temporário; restingas; morros; mananciais; matas de grande porte e
pequenos remanescentes das matas. Além do critério da eqüidade intergerações,
deve-se ter como princípio de regulação da ação a manutenção da diversidade de
formas do ambiente. A utilização extensiva e intensiva de todos os recursos
ambientais provoca, inevitavelmente, a uniformização e a perda da diversidade das
formas de urbanização, construção e apropriação da natureza.
Como foi visto, desenvolver a metrópole pela valorização das especificidades dos
lugares, isto é, ressaltando as suas diferenças ambientais, requer um provimento de
redes de mobilidade e de serviços com dimensões metropolitanas, capaz de agregar
as suas diversas partes em um tecido único e, ao mesmo tempo, de contribuir para
uma maior eqüidade social, econômica e espacial da coletividade. Em vez de sistemas
hierarquizados, devem ser estruturadas em forma modular com opções de
movimento no espaço, podendo ser implantadas gradativamente.
A grande novidade para o futuro das redes de mobilidade das metrópoles são os
serviços de comunicação por sistemas de alta capacidade e velocidade, que visam,
principalmente, à articulação do espaço regional com o restante do país. Essas redes
são organizadas em pontos nodais da estrutra urbana, que congregam os fluxos
disseminados em nível local e realizam as conexões com o exterior.
Para que isso aconteça, é essencial considerar que a metrópole foi constituída por
diversos processos cujo resultado foi o acúmulo das práticas urbanizadoras, ou seja,
das diversas camadas temporais, sobrepostas e/ou justapostas, da ação do homem
sobre o meio urbano. É, portanto, formada por várias estruturas ambientais que se
constituem em materialidades com múltiplas formas que, na sua essência,
corporificam idéias e ações distintas no tempo e no espaço, possibilitando a satisfação
das diferentes necessidades social e culturalmente construídas.
Não restam dúvidas de que a conservação urbana é uma nova cultura, uma nova
forma de fazer a cidade e, mais ainda, as metrópoles, e de realizar a sua gestão
social. Nesse sentido, é ainda um projeto, uma proposta dentro do contexto de
discussão do desenvolvimento sustentável nas cidades. Além disso, é uma proposta
que causará grandes reações, pois vai contra toda uma prática de fazer a cidade,
sedimentada desde a industrialização do século XIX e a mercantilização da prática
do viver urbano. Também é uma proposta que se contrapõe aos preceitos da
modernidade, ideologia predominante na construção das cidades, especialmente as
norte-americanas, onde construir o novo era considerado a razão de ser do
urbanismo.