A M Á H M A ': Rolf Kemmler
A M Á H M A ': Rolf Kemmler
A M Á H M A ': Rolf Kemmler
Rolf Kemmler
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
kemmler@utad.pt
RESUMO:
Com o objetivo de contribuir para a compreensão da evolução das primeiras edições
portuguesas da gramática latina de Manuel Álvares (1526-1583) com o título Emman-
velis Alvari è Societate Iesv de institvtione grammatica libri tres (Lisboa, 1572, 1573)
antes e pouco depois da morte do gramático, o presente artigo dedica-se às anotações
manuscritas que podem ser encontradas num exemplar eborense da primeira edição da
ars maior (Álvares, 1572), no único exemplar da primeira edição da ars minor (Álvares,
1573), bem como em no exemplar pessoal do autor da segunda edição da ars minor,
que oferece os paradigmas da conjugação verbal não apenas em latim, mas também
no vernáculo castelhano (Álvares, 1578). Da mesma maneira que as anotações nos
dois exemplares da ars minor parecem ter tido alguns reflexos nas edições posteriores
desta tradição textual, muitas das anotações no exemplar de Álvares (1572) parecem ter
entrado na recognitio vellesiana do que seria a última edição da ars maior em Portugal
(Álvares / Velez, 1599).
PALAVRAS-CHAVE:
Historiografia da Lingüística, gramática latina, Portugal, século XVI, Manuel Álvares
ABSTRACT:
In order to contribute to an understanding of the evolution of the earliest Portuguese
editions of Manuel Álvares’ (1526-1583) Latin grammar Emmanvelis Alvari è Societate
1
A nossa comunicação «Handwritten annotations in the early editions of Manuel Alvares’ De
institvtione grammatica libri tres» foi apresentada em língua inglesa no Annual Colloquium
of the Henry Sweet Society 2013: The Description of “Exotic“ Languages before and after
Humboldt (Berlin-Brandenburgische Akademie der Wissenschaften, Berlin 28-31. August
2013).
Iesv de institvtione grammatica libri tres (Lisbon, 1572, 1573) before and shortly after
the grammarian’s death, this paper focuses on the handwritten annotations that can be
found in a copy of the first edition of the ars maior (Álvares, 1572), in the only copy of
the first edition of the ars minor (Álvares, 1573), as well as in Álvares’ personal copy
of the second edition of the ars minor, which offers the paradigms of verbal conjugation
not only in Latin, but also in the Castilian vernacular (Álvares, 1578). In the same way
that the annotations in the two copies of the ars minor seem to have had at leas some
reflexes on posterior editions of this text tradition, many of the annotations in the copy
of Álvares (1572) seem to have found their way into the recognitio vellesiana of what
would be the last edition of the ars maior in Portugal (Álvares / Velez, 1599).
KEYWORDS:
Historiography of Linguistics, Latin grammar, Portugal, 16th century, Manuel Álvares
Introdução
2
Para mais informações sobre a ars maior e a ars minor, cf. Kemmler (2014, 2015).
530 edições em todo o mundo, devemos afirmar que no início do século XXI o
número total de edições e impressões ainda permanece desconhecido. A nossa
investigação atual permite-nos presumir que pode haver um número considera-
velmente mais elevado de edições, reedições e variantes (provavelmente mais
algumas centenas) que necessariamente teriam que ser consideradas no âmbito
de uma investigação bibliográfica mais abrangente.
Considerando que as edições quinhentistas que foram publicadas enquanto
Manuel Álvares ainda estava vivo devem ser encaradas como sendo fundamen-
tais para o estabelecimento das tradições da divulgação da gramática alvaresiana
noutros países, as quatro edições impressas em Lisboa (Álvares, 1572, 1573,
1578, 1583) parecem-nos merecer atenção especial.
Há uns anos, pudemos constatar que não sómente o único exemplar co-
nhecido de Álvares (1573) contém algumas anotações manuscritas, mas que
existem também outros exemplares impressos em Portugal com anotações
manuscritas, nomeadamente das edições de Álvares (1572) e Álvares (1578).
Como pelo menos uma destas duas gramáticas anotadas pode ser inquestiona-
velmente identificada como exemplar pessoal do gramático, apresentaremos
estes exemplares e algumas anotações metagramaticais, a fim de discutir a sua
contribuição para os estudos alvaresianos modernos.
3
O exemplar foi mencionado em Gusmão (1964, I, 16), infelizmente, sem qualquer referência
às anotações nela contidas. De acordo com as informações fornecidas na página de rosto, este
exemplar de Álvares (1572) anteriormente foi guardado sob a cota ‘Armario 147 – d – 2.º –
n.º 29’. A letra manuscrita parece pertencer a um bibliotecário do século XIX.
4
Todas as transcrições respeitarão a ortografia e constituição dos textos originais. Assim,
quaisquer alterações nossas serão devidamente anotadas entre parênteses [ ]. Para adições
manuscritas encontradas num texto impresso, usaremos os sinais < >, para rasuras e omissões
usaremos as chaves { }.
Conseruese este liuro polas annotaçoens doutas, escritas de mão, que tem (Ál-
vares, 1572, [I]).
CVM PRÆCLARVM illud Horatij dictum, Quo semel est imbuta recens se-
ruabit odorem Testa diu, verissimum esse reipsa quotidie experiamur: dabit in
primis operam præceptor, ut discipuli etiam nunc tyrones{,} & Latinæ linguæ
rudes, iam inde à principio optimæ pronunciationi assuescant: quod ut faciliùs
assequantur, studiosè diligenterque obseruabit quibus præcipuè vitijs laboret ea
regio in qua sibi commissam iuuentutem instituet: nam singulis ferè nationibus
domestica quædam, ac natiua insunt vitia, quibus Latini sermonis splendor obs-
curatur atq[ue] pæne obruitur. Nostrates pueri<,> si magistrum diligentem, ac
bene pronunciandi studiosum nacti fuerint, non malè equidem pronunciant. Sin
verò in eum inciderint, qui officio suo desit, ac de auditorum progressu parum sit
solicitus, barbarè literas M & N, extremas sonant: utũtur enim litera nescio{,}
qua<,> notha{,} & adulterina, cuius literæ P. Nigidius apud A. Gellium lib. 19
cap. 14 mencionem facit: Inter literam, [inquit], N, & G <et C> est alia vis, ut
5
Para diferenciar entre o texto primitivo de parte do primeiro escólio da ars maior e o que
encontrámos no exemplar anotado Res. 333, optámos por marcar as alterações em negritos.
in nomine Anguis, & Angaria, & Anchora, & Increpat, & Incurrit, & Ingenuus
(Álvares, 1572, fol 1 r).
6
Pelo que consta todas as outras edições portuguesas da gramática de Manuel
Álvares que foram impressas em Évora desde 1608 até 1755 pertencem à tradição
textual da ars minor.
7
Brevia já aparece como a segunda forma do vocativo na primeira edição da ars minor (Ál-
vares, 1573, fol. 4 v).
não só encontramos outros três exemplos, mas uma frase completamente nova
sobre o adjetivo puter, putris. A terceira nota marginal não é rasurada, mas se
olharmos para a composição de Álvares / Velez (1599, 11), torna-se evidente
que faz todo o sentido que os anotadores a eliminassem. Afinal, em vez de a
referência à construção similar do comparativo brevior somente acontecer
mediante a respetiva nota, a segunda edição lisboeta da ars maior oferece o
paradigma de brevior, tal como exigido pela nota «Ponhase aqui Brevior, et
Breuior, et breuius, como esta na arte pequena». Em relação à segunda nota,
no entanto, é de constatar que os exemplos foram adicionados, ao passo que a
frase referente a puter é omitida.
Aqui logo se emprima aquelle escolio da arte pequena que começa com sextus
casus nominum, et cæt. fol. 8 b (Álvares, 1572, fol. 6 r).
Dado que o anotador identifica até mesmo o fólio exato onde o escólio
pode ser encontrado, a paginação única de cada uma das primeiras edições
portuguesas leva a presumir que pelo menos aqui a segunda edição da ars minor
terá servido como fonte para o anotador:
8
O mesmo texto, se bem que com pequenas diferenças de natureza (orto)gráfica ou tipográfica,
pode ser encontrado em Álvares (1573, fol. 5 r-5 v).
Præteritum perfectum
Amatus, amata, amatum sum vel fui, Eu fuy amado. <Amatu addi-
Amatus, ta, tum es vel fuisti, Tu foste amado. ta S. Amatus
Amatus, ta, tum est vel fuit, Elle foy amado. sic in cæteris>
Pl. Amati, tæ, ta sumus vel fuimus, Nos fomos amados.
Amati, tæ, ta estis, vel fuistis, Vos fostes amados.
Amati, tæ, ta sũt, fuerũt, vel fuere, Elles forã amados.
9
Nas anotações manuscritas do exemplar eborense de Álvares (1572) conseguimos encontrar
os seguintes números de páginas que coincidem com a paginação de Álvares / Velez (1599):
65-90 (Álvares 1572, fols. 28 r-41 r), 129-141 (fols. 55 r-62 r), 145-233 (fols. 64 r-94 v),
238-375 (fols. 97 r-123 r), 413-421 (fols. 127 v-131 v), 174 [sic!], 475-480 (fols. 140 r-142
r), 523-529 (fols. 154 r-156 v), 542-555 (fols. 163 r-169 v), 563-568 (fols. 173 v-176 r),
601-608 (fols. 188 r-191 r), 620-624 (fols. 195 v-197 v), 643 (fol. 205 r), 447 [= 647?] (fol.
207 r), 652 (fol. 210 r), 656 (fol. 211 v), 650 (fol. 213 v), 678 (fol. 220 v), 689 (fol. 226 r),
720-721 (fols. 240 r-240 v), 729-731 (fols. 244 v-245 v), 735-740 (fols. 188 r-191 r).
Prætæritum perfectum
Amatu, ¶ Amatus, amata, amatum sum, vel fui, Yo fui,
addita s: o He sido amado.
sic in cæ- Amatus, amata, amatum es, vel fuisti, Tu fuiste,
teris o Has sido amado.
Amatus, amata, amatum est vel fuit, Aquel fue,
o Ha sido amado.
Pl. Amati, amatæ, amata sumus vel fuimus, Nos-
otros fuimos, o Auemos sido amados.
Amati, tæ, ta estis, vel fuistis, Vososotros fuistes, o Aueis
sido amados.
Amati, tæ, ta sunt, fuerunt, vel fuere, Aquellos
fueron, o Han sido amados.
Conuem a goardar se muito bem pera o diante, se <a> de Castella por {t}ẽpo se
for cõ{t}aminando ut fit, typographorum indiligentia. E assi se fechara em hũa
arca com os papees do P. Manoel Alu[arez]. que o P. Provincial e depois Bispo
de Iapam, D. Sebastiam de Morais mandou que esteuessem goardados.
Esta Arte se deve conservar, e guardar, como aqui se encomenda (Álvares, 1578,
fol 1 r).11
10
O livro é mencionado por Gusmão (1964, I, 16), que afirma tratar-se do exemplar pessoal
do autor.
11
Sem mais comentários, estas anotações também são reproduzidas por Ponce de León Romeo
(2002, CLXVIII), sem qualquer indicação que não se trata de anotações de mãos diferentes.
12
Na verdade, não temos conhecimento de uma reedição da ars minor alvaresiana de 1578, o
que não surpreende, pois não existe qualquer registo bibliográfico de tal edição.
esta arte deo João despanha estando em S. Roque (Álvares 1578, [II])
O livreiro João de Espanha (hoje mais conhecido como João de Molina, fl.
1565-1584)14 aqui referido foi o editor que pagou o impressor lisboeta António
Ribeiro pela produção da edição da ars minor para o mercado espanhol (ver
Álvares 1578, [I]), no âmbito do que parece ter sido uma cooperação mais ou
menos regular entre o impressor português e o livreiro espanhol que residia em
Lisboa.15 Obviamente, terá sido nesta mesma capacidade que Juan de Espanha
ofereceu um exemplar da gramática ao autor quando este esteve a visitar a Casa
Professa de São Roque em Lisboa.
Ao longo deste exemplar, encontram-se anotações em 133 páginas, ou
seja, em 29,12% dos 194 fólios do livro. Estas são principalmente correções,
obviamente destinadas a melhorar as edições existentes na altura. Vejamos
alguns casos exemplares:
NOmen est pars Orationis, quæ casus habet, neque tempora adsignificat <: ut
Musa, dominus> (Álvares 1578, fol. 65 v).
NOmen est pars Orationis, quæ casus habet, neque tempora adsignificat: ut Musa,
dominus (Álvares 1583, fol. 57 v).
13
Na nossa opinião, a letra manuscrita que consta desta obra coincide com a que encontrámos
na procuração autógrafa que Manuel Álvares outorgou em 1579 e que tivemos a oportunidade
de estudar anteriormente (Kemmler 2012).
14
Para um resumo da atividade de Molina como editor (incluindo a reprodução de alguns
privilégios para a distribuição de livros impressos), veja-se Deslandes (1888, 79-83). Molina
também é mencionado como ‘João d’Espanha’ em Freitas (1952, 17).
15
A informação ‘expensis Ioannis Hispani Bibliopolæ’, que identifica Juan de Molina como
cliente que pagou as despesas da impressão a António Ribeiro, pode ser encontrada em vários
livros contemporâneos que devem ter sido de interesse para o mercado livreiro de Portugal e
de Espanha, tais como as edições lisboetas da obra Ecclesiasticae rhetoricae sive de ratione
concionandi libri sex do dominicano espanhol Luís de Granada (1576) ou o Compendium
spiritualis doctrinæ do arcebispo bracarense Bartolomeu dos Mártires (1582).
ITem Libet, Licet, Liquet, Expedit, & quæ sunt generis eiusdem.
Terent. Adelph. Facite quod vobis libet.
Cic. de Orat. lib. 2. Si tibi id minus libebit, non te vrgebo.
Idem, In Verr. lib. 7. Non mihi idem licet, quod iis, qui nobili genere nati sunt.
{Idem, Acad. lib. 4. Si habes, quod tibi liqueat, neque respondes, superbis.}
<Idem, 1. de Nat. d. Ego ne Protagoram quidem, cui neutrum liquerit. &c.>
(Álvares, 1578, 105)
Riscaste o outro exemplo sobre o verbo liquet; e trazes hum de linquo não ser
a q[ue] proposito; poes o preterito de Liquet he licuerit, e não liquerit (Álvares
1578, 105).
Senec. lib. 3. Epist. Quod si liqueret tibi, non admirareris, nil adjuuari te regionum
varietatibus, in quas subinde, priorum tædio migras (Álvares 1583, 97).16
Conclusões
Sem dúvida, a maioria dos aspetos do universo das duas tradições textuais
latinas que o jesuíta Manuel Álvares publicou pela primeira vez em 1572 e 1573
ainda hoje oferece um leque importante de novas descobertas que nos permitem
ver o gramático e suas obras sob uma nova luz. Numa época em que a existência
da primeira edição da ars minor só foi descoberta recentemente (cf. Kemmler,
2012; Kemmler, 2014; Kemmler 2015), parece crucial para os investigadores
modernos entender um pouco mais da génese do texto das diferentes tradições
textuais das gramáticas alvaresianas para, enfim, compreender qual das inúmeras
edições pode ter servido como base para gramáticos (e gramáticas) posteriores.
Evidentemente, a editio princeps de ars maior (Álvares, 1572), que foi a única
das primeiras edições de 1571 a 1573 a ser reimpressa numa edição fac-símile
(Álvares, 1974), não pode responder a todas as perguntas, pois foi claramente
revista e aumentada durante a vida do autor e mais adiante.
Para o presente artigo, não pudemos senão oferecer uma primeira abor-
dagem das três edições do quinhentistas que contêm anotações manuscritas
sistemáticas. No que concerne à primeira edição da ars minor (Álvares, 1573)
com as suas cinco anotações que dizem sobretudo respeito às notas marginais,
parece não haver dúvida de que estas devem ter sido a fonte do texto de Álvares
(1578), onde elas aparecem pela primeira vez de forma impressa. Da mesma
Seria bastante interessante ver se esta e outras anotações do exemplar de 1583 tiveram algum
16
Referências