Franklin e A Eletricidade
Franklin e A Eletricidade
Franklin e A Eletricidade
N
a física, o nome de Benjamin exemplo, em um livro de 1882 destinado
Humanas, Universidade Federal do Franklin (1706-1790) (Fig. 1) é a ensinar filosofia natural a crianças e
ABC, Santo André, SP, Brasil usualmente lembrado pelas suas jovens estadunidenses, encontramos uma
E-mail: breno.moura@ufabc.edu.br contribuições à eletricidade, especialmente gravura (Fig. 2) mostrando o experimento
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
pela criação dos para-raios e pelo famoso e a seguinte descrição:
experimento da pipa empinada em meio
Quem primeiro obteve raios
a uma tempestade. Com isso, Franklin
das nuvens? – Dr. Franklin
marcou seu nome na história como um
primeiro obteve eletricidade
grande inventor e experimentador, trazen-
das nuvens de tal maneira a
do novas interpretações para os fenô-
ser capaz de examiná-la e
menos elétricos estudados no século XVIII.
provar que o raio nada mais
Especificamente sobre o experimento
é que eletricidade.
da pipa, os relatos são ainda muito co-
muns nos livros didáticos e de divulgação
Como ele fez isso? – Essa des-
científica [1]. Eles dão conta de que, em
coberta da natureza dos raios
meio a uma forte tempestade, Franklin
foi uma das mais importan-
empinou uma pipa, com uma chave
tes já feitas na ciência e, não
amarrada ao barbante. Com a eletricidade
obstante, Dr. Franklin a fez
sendo transmitida das nuvens até a chave
simplesmente empinando
pelo barbante, ele pôde observar faíscas
uma pipa em um temporal
elétricas e concluir que os raios tinham a
com trovões. [2, p. 158]
mesma natureza da eletricidade produzida
Porém, é razoável nos perguntarmos:
suas únicas contribuições para o estudo
da eletricidade foram o experimento da
pipa e a invenção dos para-raios? Franklin
simplesmente empinou uma pipa em
meio a uma tempestade e descobriu que
os raios tinham a mesma natureza da ele-
tricidade comum, como sugere o livro de
1882? O estudo da história da ciência nos
fornece uma boa resposta a essas ques-
tões. Franklin fez muito mais que apenas
propor um experimento ou inventar um
Em muitos manuais escolares, Benjamin Fran- dispositivo. Imerso em um contexto em
klin é retratado única e exclusivamente como o que as pesquisas em eletricidade estavam
descobridor da natureza elétrica dos raios, espe- em ascensão, ele propôs a existência de
cialmente por meio de seu famoso experimento um único fluido elétrico e se esforçou em
da pipa. Porém, estudos historiográficos mos- estabelecer suas propriedades principais.
tram como suas contribuições foram muito A partir disso, procurou explicar os mais
mais amplas e que o experimento da pipa desem-
variados fenômenos elétricos estudados na
penhou um papel quase coadjuvante em meio a
tantas ideias importantes. Neste artigo, discuto
época, expandindo ideias já existentes e
algumas de suas principais teorias, no intuito Figura 1: Benjamin Franklin por volta de criando outras inteiramente novas. Nesse
de esclarecer como Franklin auxiliou a aprimorar 1785, em pintura de Joseph Siffred cenário, o experimento da pipa e a ideia
os estudos em eletricidade do século XVIII. Duplessis (1725-1802). dos para-raios fizeram parte de um corpo
Referências
[1] C.C. Silva e A.C. Pimentel, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 25 25, 141 (2008).
[2] L.R.C. Cooley, Natural Philosophy for Common and High Schools (Charles Scribner’s Sons, New York, 1882).
[3] S.L.B. Boss, A.K.T. Assis and J.J. Caluzi, Stephen Gray e a Descoberta dos Condutores e Isolantes: Tradução Comentada de seus Artigos sobre Eletricidade
e Reprodução de seus Principais Experimentos (Cultura Acadêmica, São Paulo, 2012).
[4] J.G. Doppelmayr, Neu-entdeckte Phænomena von Bewunderns-würdigen Würckungen der Natur ((Nurenburg, 1774), tab. II, disponível em http://
books.google.com.br/books?id=ek1NAAAAcAAJ&printsec=frontcover&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false.
[5] S.L.B. Boss e J.J. Caluzi, Revista Brasileira de Ensino de Física 29, 635 (2007).
[6] J.L. Heilbron, Electricity in the 17th and 18th Centuries: A Study of Early Modern Physics (University of California Press, Berkeley/ Los Angeles/
London, 1979).
[7] C.C. Silva, in: Brazilian Studies in Philosophy and History of Science: an Account of Recent Works, edited by D. Krause and A. Videira (Dordrecht,
Springer, 2011), p. 131-140.
[8] W.T. Jardim e A. Guerra, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 34, 774 (2017).
[9] C.C. Silva, P. Heering, History of Science 56, 314 (2018).
[10] W. Larden, Electricity for Public Schools and Colleges (New York/Bombai, Longmans, Green and Co., 1903).
[11] I.B. Cohen, Benjamin Franklin’s Experiments (Harvard University Press, Cambridge, 1941).
[12] B. Franklin, Experiments and Observations on Electricity, Made at Philadelphia in America (David Henry, London, 1769).
[13] L. Figuier, Les Grandes Inventions Anciennes et Modernes dans les Sciences, l’Industrie et les Arts (L. Hachette, Paris, 1870).
[14] I.B. Cohen, Franklin and Newton: an Inquiry into Speculative Newtonian Experimental Science and Franklin’s Work in Electricity (The American
Philosophical Society, Philadelphia, 1956).
[15] I.B. Cohen, in: Dicionário de Biografias Científicas, v. 1, editado por C. Benjamin (Contraponto, Rio de Janeiro, 2007).
[16] B.A. Moura e T. Bonfim, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 34, 460 (2017).
[17] I.B. Cohen, Benjamin Franklin’s Science (Harvard University Press, Cambridge, 1990).
[18] B. Franklin, The Autobiography of Benjamin Franklin (Dover Publications, Mineola/New York, 1996).
[19] J. Priestley. The History and Present State of Electricity, With Original Experiments (Cadell, London, 1767).
Notas
1
O leitor certamente perceberá esse fato ao ver as referências bibliográficas utilizadas neste artigo, quase todas em inglês.
2
Os dois artigos aqui referenciados trazem novas e interessantes interpretações sobre a invenção da garrafa de Leiden. O texto em inglês, de C.C.
Silva e P. Heering, traz, particularmente, uma reinterpretação historiográfica sobre a invenção, apresentando uma versão diferente da geralmente
encontrada em livros e artigos sobre o assunto.
3
Leiden era a cidade de Musschenbroek.
4
Essa, na realidade, foi a primeira parte da primeira edição. Outras duas partes foram publicadas em 1753 e 1754, complementando o texto de
1751. Juntas, elas formam o que é conhecida como a primeira edição do livro de Franklin. A publicação em partes de seu texto também foi
feita na segunda (1754, em dois momentos diferentes) e na terceira edições (1760 e 1765). A quarta e a quinta edição foram publicadas como
um texto único. Ver Ref. [11].