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Esp Hilbert

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Espaços de Hilbert, Espectro, EDP’s

Jens Mund
DF-UFJF, Perı́odo 2020-3

Conteúdo
1 Espaços de Hilbert 1
1.1 Espaços vetorias; produto escalar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Bases ortonormais e BON’s generalizadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

2 Teorema espectral 8
2.1 Operadores auto-adjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
2.2 Teorema espectral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
2.3 Análise espectral do operador Laplace . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
2.3.1 Intervalo em R. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

3 EDPs 15
3.1 Equação de Poisson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
3.2 EDP de difusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

A Convergência de sequências de funções 18

1 Espaços de Hilbert
1.1 Espaços vetorias; produto escalar
Um conjunto V é chamado de espaço vetorial1 (sobre o corpo C dos números complexos) se existe
uma operação + : V × V → V , (u, v) → u + v (“soma de vetores”) e uma operação : C × V → V ,
(c, v) 7→ cv (“multiplicação do vetor v com o escalar c”) satisfazendo as seguintes requerimentos.
Existe um elento 0 ∈ V (“vetor nulo”), tal que ∀u ∈ V vale u + 0 = u, e certas condições de
compatibilidade sejam satisfeitas: ∀u, v, w ∈ V e ∀c, c0 ∈ C vale
u + v = v + u, (u + v) + w = u + (v + w), 1u = u
c(c0 u) = (cc0 )u, c(u + v) = cu + cv, (c + c0 )u = cu + c0 u.
Exemplos: Vetores deslocamento no espaço fı́sico; C, Cn , C(R), C ∞ (R), soluções de uma EDO
homogẽnea... Pn
Uma soma (finita) da forma c1 v1 + · · · cn vn ≡ i=1 ci vi , com ci ∈ C e vi ∈ V , chamamos de
combinação linear de vetores.
Pn
Definição 1 Um número finito de vetores v1 , . . . , vn é linearmente independente :⇔ i=1 ci vi = 0
implica c1 = · · · = cn = 0.
Seja B ⊂ V um subconjunto de V .
B é linearmente independente :⇔ Cada subconjunto finito de B é linearmente independente.
O span de B, em sı́mbolos span(B), é o conjunto de todos combinações lineares finitas de
vetores em B.
1 Ou espaço linear. Os elementos de V denotaremos por u, v, . . ., ou as vezes por ψ, φ, . . ..

1
2 Hilbert, 25/01/2021

B é chamado de base de V se B é linermente independente e span(B) = V .

Definição 2 Seja H um espaço linear. Uma norma em H é uma aplicação n : H → R+


0 satisfazendo
n(ψ) = 0 ⇔ ψ = 0, n(cψ) = |c|n(ψ) e a desigualdade do triângulo,

n(ψ + φ) ≤ n(ψ) + n(φ). (1)

Definição 3 Seja H um espaço linear. Um produto escalar em H é uma applicação H × H → C,


ψ, φ 7→ ( ψ, φ ) antilinear e linear no primeiro e segundo argumento, respetivamente, que satisfaz2

( φ, ψ ) = ( ψ, φ ) ∀φ, ψ ∈ H.

e que é positivo definido no sentido que

( ψ, ψ ) ≥ 0 ∀ψ ∈ H

e a igualdade “=” vale somente se ψ = 0.

Dizemos que dois vetores ψ1 , ψ2 são ortogonais, em sı́mbolos ψ1 ⊥ ψ2 , se ( ψ1 , ψ2 ) = 0.


Dado um produto escalar, definimos
p
kψk := ( ψ, ψ ). (2)

Veremos embaixo que k · k é uma norma. Observa que ela satisfaz3

kψ1 + ψ2 k2 = kψ1 k2 + kψ2 k2 + 2<( ψ1 , ψ2 ).

Se ψ1 e ψ2 são ortogonais, segue o Teorema de Pitágoras

kψ1 + ψ2 k2 = kψ1 k2 + kψ2 k2 se ( ψ1 , ψ2 ) = 0. (3)

Para um subespaço linear D ⊂ H definimos o complemento ortogonal D⊥ por

D⊥ := {ψ ∈ H : ( φ, ψ ) = 0 ∀φ ∈ D}.

Observa que H⊥ = {0}, pois ψ ∈ H⊥ implica que ( ψ, ψ ) = 0, ou seja, ψ = 0.


O complemento ortogonal de um único vetor φ denotamos por φ⊥ ,

φ⊥ := (Cφ)⊥ .

Um fato muito útil é o seguinte. Seja φ ∈ H não-nulo. Então qualquer ψ ∈ H possui uma única
decomposição
ψ = ψ0 + ψ1 , onde ψ0 ∈ Cφ e ψ1 ∈ φ⊥ . (4)
A saber,
( φ, ψ )
ψ0 := φ (5)
kφk2
e ψ1 := ψ − ψ0 . (Verifique que eles satisfazem (4) e que a decomposição é única!) A aplicação
linear ψ 7→ ψ0 é chamado o projetor sobre φ, em sı́mbolos Pφ :

( φ, ψ )
Pφ ψ := φ. (6)
kφk2

(Exercı́cio: Mostre que este operador é um projetor no sentido que Pφ ◦ Pφ = Pφ .)


2 z̄ denota o complexo conjugado de z ∈ C.
3 <z denota a parte real de z ∈ C.
Hilbert, 25/01/2021 3

Para qualquer ψ, φ in H vale a desigualdade de Cauchy e Schwarz:4

|( φ, ψ )| ≤ kφk kψk. (7)

Comprovante. Se φ = 0, a desigualdade é trivial. Então, seja φ 6= 0. Neste caso, um dado ψ possui


a decomposição (4), ψ = ψ0 + ψ1 com ψ0 ⊥ ψ1 , então pelo Pitágoras

kψk2 = kψ0 k2 + kψ1 k2 ≥ kψ0 k2 ≡ kφk−2 |( φ, ψ )|2 ,

que dá (7). 

Exemplo 4 i) H = Cn : Denotamos os elementos por c = (c1 , . . . , cn ) etc. Produto escalar:


n
. X
( c, c0 ) = c̄i c0i .
i=1

ii) H = l2 : Os elementos são sequências infinitas c = (c1 , c2 , . . .) tal que



. X 2
kck2 = |ci | < ∞.
i=1

Produto escalar:

. X
( c, c0 ) = c̄i c0i .
i=1
2
iii) H = L (R): Produto escalar como antes,
Z
.
( ψ, φ ) = ψ(x) φ(x) dx.

Noções topológicas. Seja H um espço com norma k · k.


Uma sequência ψn converge para ψ sse kψn − ψk → 0 se n → ∞.
K ⊂ H é um subespaço fechado sse ψn ∈ K, ψn → ψ implica ψ ∈ K.
Seja D ⊂ H um subconjunto de H. O fecho de D, em sı́mbolos D– , é o menor conjunto fechado
em H que contém D, i.e.,
.
D– = {ψ ∈ H | ∃ψn ∈ D : ψn → ψ}.
Um subconjunto D ⊂ H é chamado de denso em H, se o fecho dele coincide com H.
Uma sequência ψn em H é chamada de sequência de Cauchy se para todo ε > 0 existe um
número N tal que para todos n, m > N vale

kψn − ψm k < ε.

Se toda sequência de Cauchy converge em H, o espaço é chamado de completo, ou espaço de


Banach, ou espaço de Hilbert se a norma provém de um produto escalar, veja (2).
Exemplos: Todo espaço vetorial de dimensão finita é completo; L2 (R) e l2 também são com-
pletos.
4 Agora podemos mostrar que k · k satisfaz a desigualdade do trin̂gulo (1):
kψ + φk2 = kψk2 + kφk2 + 2<( ψ, φ ) ≤ kψk2 + kφk2 + 2|( ψ, φ )| ≤ kψk2 + kφk2 + 2kψk kφk = (kψk + φk)2 .
4 Hilbert, 25/01/2021

Sejam H1 e H2 dois espaços lineares com normas k · k1 e k · k2 respetivamente. Uma aplicação


F : H1 → H2 é chamada contı́nua em ψ ∈ H1 se ψn → ψ em H1 implica F (ψn ) → F (ψ) em H2 .
Se F é linear, as seguintes afirmações são (obviamente) equivalentes:
i) F é contı́nua em algum ψ ∈ H1 ,
ii) F é contı́nua em todos ψ ∈ H1 ,
iii) F é contı́nua em 0.
(Neste caso ela é chamada simplesmente contı́nua.) Vale mencionar que isto é equivalente com
a existência de um número M > 0 tal que para todo ψ ∈ H1 vale

kF (ψ)k2 ≤ M kψk1 .

Consideremos dois casos especiais de aplicações lineares: Se H2 = H1 , chamamos F de um operador


em H1 . Se H2 = C, chamamos F de um funcional.
Exemplo 5 Seja φ ∈ H fixo. Pela desigualdade de Cauchy-Schwarz mostra-se que o funcional

ψ 7→ ( φ, ψ )

é contı́nuo. 

A inversão também vale se H é completo [7]:


Lemma 6 (Riesz) Seja H um espaço de Hilbert e F : H → C um funcional contı́nuo. Então
existe um vetor (único) φF t.q.

F (ψ) = ( φF , ψ ) para todos ψ ∈ H. (8)

1.2 Bases ortonormais e BON’s generalizadas


Todo espaço de Hilbert possui uma BON, i.e., uma familia ϕi de vetores nomalizados, onde i
percorre algum conjunto de indices, i ∈ I, que são mutuamente ortogonais,

( ϕi , ϕj ) = δij ,

e tal que todo vetor ψ ∈ H possui uma expansão5



X
ψ= ci ϕi . (9)
i=1

Os coefficientes ci naquela expansão são unicamente determinadas, a saber

ci = ( ϕi , ψ ). (10)

Vale mencionar que a norma de ψ satisfaz a identidade de Parseval (generalizada):


X
kψk2 = |ci |2 . (11)
i

Todas BON’s de um dado espaço H possuem a mesma cardinalidade, a chamada dimensão do


espaço. Ela pode ser finita, contável, ou não-contável. Nos vamos considerar somente o caso de
dimensão contável (inclusive finita). (Neste caso, o espaço de Hilbert é chamado de separável.)
Lemma 7 Seja {ϕi , i ∈ I} uma famı́lia de vetores linearmente independentes. Ela é uma BON
se, e somente se, para todos φ, ψ ∈ H vale
X
( φ, ψ ) = ( φ, ϕi ) ( ϕi , ψ ). (12)
i∈I
5A
PN
eq. (9) significa que a sequência i=1 ci ϕi converge para ψ se N → ∞.
Hilbert, 25/01/2021 5

Comprovante. Se os ϕi fornecem uma BON, as Eqs. (9) e (10) implicam a Eq. (12). Vamos
demonstrar a direção inversa. Escerevendo
X
ψ 0 := ( ϕi , ψ ) ϕi ,
i∈I

a Eq. (12) afirma que para todos φ vale ( φ, ψ ) = ( φ, ψ 0 ). Isso quer dizer que o vetor ψ − ψ 0 está
em H⊥ , que contém apenas o vetor 0, implicando em ψ = ψ 0 . Isso mostra que para todo ψ ∈ H
vale X
ψ= ( ϕi , ψ ) ϕi , (13)
i∈I

ou seja, as Eqs. (9) e (10). Falta mostrar que os ϕi são um sistema ortonormal. Para esses fins,
aplicamos a equação acima para ψ = ϕj :
X
ϕj = ( ϕi , ϕj ) ϕi .
i∈I

Pela independˆencia linear, isso implica ( ϕi , ϕj ) = δij . 

BON’s contı́nuas em L2 (RD ) [4, Cap. II.A.3]. Consideramos a famı́lia de funções (ondas pla-
nas) ek , k ∈ RD , definidas por
.
ek (x) = (2π)−D/2 eik·x . (14)
Elas não são em L2 (RD ), mas mesmo assim existe o “produto escalar” com certas outras funções:
.
Se ψ ∈ D = L2 (RD ) ∩ L1 (RD ), entaõ existe para todo k o “produto escalar”6
Z Z
( ek , ψ ) := ek (x) ψ(x)dD x = (2π)−D/2 e−ik·x ψ(x)dD x ≡ ψ̂(k), (15)

ou seja, o valor da transformada Fourier da função ψ em k. Consequentemente definimos também

( ψ, ek ) := ( ek , ψ ) ≡ ψ̂(k). (16)

Com essas definições, a identidade de Parseval


Z Z
d x φ(x)ψ(x) = dD k φ̂(k)ψ̂(k)
D

pode ser escrita como Z


( φ, ψ ) = dD k ( φ, ek ) ( ek , ψ ). (17)

Essa equação é completamente análoga à Eq. (12). Por isso a famı́lia {ek , k ∈ RD } é chamada de
uma BON contı́nua em L2 (RD ). Em analogia com a Equ. (13), escrevemos
Z
ψ = dD k ( ek , ψ ) ek . (18)

Como outro exemplo, consideramos a famı́lia de distribuições-delta δa (x) := δ(x − a). Eles
também não são em L2 (RD ), mas mesmo assim o “produto escalar” com funções contı́nuas existe:
.
Para ψ ∈ D = C(RD ) ∩ L2 (RD ) escrevemos
Z
( δa , ψ ) := δa (x) ψ(x)dD x ≡ ψ(a) e ( ψ, δa ) := ( δa , ψ ) = ψ(a).

6 Mais rigorosamente falando, e é uma aplicação linear (um “funcional”) de D em C. O valor de e aplicado em
k k
ψ ∈ D designamos, em abuso de notação, por ( ek , ψ ).
6 Hilbert, 25/01/2021

A identidade Z
( φ, ψ ) = dD a φ(a) ψ(a)

pode ser agora lida como a Eq. (12):


Z
( φ, ψ ) = dD a ( φ, δa ) ( δa , ψ ). (19)

Entaõ a famı́lia {δa , a ∈ RD } também é uma BON contı́nua em L2 (RD ). Escrevemos também
Z
ψ = dD a ( δa , ψ ) δa .

BON’s generalizadas em H arbitrário [4, Cap. II. C. 2]. Que tipo de objeto pode substituir
as funções ek (x) ou distribuições δa (x) num espaço de Hilbert geral H? Naqueles exemplos,
as funções ek (ou distribuições δa ) podem ser encaradas como aplicações lineares de um certo
subespaço denso para os números complexos, ou seja, funcionais.
Em geral, escolha-se um sub-espaço denso D ⊂ H e considera-se as aplicações lineares de D em
C (contı́nuas numa certa topologia). O conjunto de tais funcionais é também um espaço linear,
chamado o dual de D, em sı́mbolos D0 . O espaço de Hilbert H pode ser considerado como subespaço
de D0 , identificando ψ ∈ H com a aplicação7
D 3 φ 7→ ( ψ, φ ) ∈ C.
Então temos as inclusões
D ⊂ H ⊂ D0
(“Tripla de Gelfand” ou “rigged Hilbert space” [2]). Abusando a notação, vamos denotar uma
aplicação χ ∈ D0 por
χ : D → C,
φ 7→ ( χ, φ ) ,
como se tratasse de um produto escalar. Consequentemente definimos para φ ∈ D, χ ∈ D0 e c ∈ C:
. .
( φ, χ ) = ( χ, φ ), ( c χ, φ ) = c̄ ( χ, φ ).
Os elementos de D0 são chamados de vetores generalizados ou também de bra’s.
Uma BON contı́nua sobre D ⊂ H é uma famı́lia de vetores generalizados χk ∈ D0 , k ∈ Ω ,

onde Ω é um subconjunto de Rn para algum n, tal que para todo ψ ∈ D vale


Z
( ψ, φ ) = dn k ( ψ, χk ) ( χk , φ ) . (20)

Escrevemos como antes formalmente


Z
ψ= dn k ( χk , ψ ) χk . (21)

Mais geralmente, nessa construção a medida de Lebesgue dn k pode ser substituida por alguma
outra medida8 dµ(k) com suporte em Ω ⊂ Rn , i.e., a Equ. (20) é substituida por
Z
( ψ, φ ) = dµ(k) ( ψ, χk ) ( χk , φ ) . (23)

Nesse caso, chamamos a famı́lia de vetores generalizados χk ∈ D0 , k ∈ Ω de uma BON generali-




zada.
7A topologia em D deve ser tal que esta aplicação seja contı́nua.
8 Uma medida µ em Ω é uma aplicação de uma certa classe de subconjuntos de Ω (chamados de medı́veis) em

R+
0 ∪ {∞} satisfazendo µ(∅) = 0 e µ(U1 ∪ U2 ∪ . . .) = µ(U1 ) + µ(U2 ) + . . . se os Ui são mutuamente disjuntos.
Exemplos: Medida de Dirac: µa (U ) := 1 se a ∈ U e 0 se não. Medida de Lebesgue em R: λ([a, b]) := b − a. A
Hilbert, 25/01/2021 7

Relações de ortogonalidade e de completeza. Se {ϕi , i = 1, 2, . . .} e uma BON a relação


de completeza (9) pode ser escrita

X
Pϕ i = 1 , (24)
i=1
onde Pϕ é o projetor definido na Eq. (6). Analogamente, se D ⊂ H é um subespaço e χ ∈ D0 um
vetor generalizado, denotamos a aplicação φ 7→ ( χ, φ )χ de D em D0 por Pχ :
Pχ φ := ( χ, φ )χ. (25)
Se {χk , k ∈ Ω} é uma BON contı́nua sobre D, a equação (21) pode ser agora escrita como
Z
dn k Pχk = 1 . (26)

Se o espaço de Hilbert for o L2 (RD ), então a relação de completeza pode ser escrita como
X
ϕi (x)ϕi (x0 ) = δ(x − x0 ) (27)
i
Z
dn k χk (x)χk (x0 ) = δ(x − x0 ) (28)

no caso de uma BON ou BON contı́nua, respetivamente.

Notação de Dirac [4, Cap. II. B]. Dado um subespaço D com dual D0 , é costume chamar os
vetores em D de ket’s, e os vetores generalizados em D0 de bra’s.9 Na notação de Dirac, os kets
são denotados por |φi ∈ D, e os bra’s de hχ| ∈ D0 . A imagem de |φi ∈ D sob hχ| ∈ D0 (a qual nós
temos denotado por ( χ, φ )) é denotado por hχ|φi – um bra-cket. Como acima, os vetores ψ ∈ H
são considerados casos especiais de vetores generalizados, e consequentemente, o produto escalar e
escrito como hψ|φi, sendo interpretado como a imagem de |φi sob o bra hψ| ∈ H ⊂ D0 .
Com esta notação, o projetor Pφ (6) pode ser escrito como Pφ = kφk−2 |φihφ| ou, se φ é
normalizado:
Pφ = |φihφ|, se kφk = 1, (29)
e similarmente a aplicação Pχ da Eq. (25). Com isso, as relações de completeza (24) e (26)
escrevem-se
X
|ϕi ihϕi | = 1 ,
i
Z
dn k |χk ihχk | = 1 ,

medida define uma integral: Num primeiro passo, define-se a integral para funções localmente constantes. Seja cU
a função caracterı́stica de U ⊂ Rn : (
1 se x ∈ U,
cU (x) := (22)
0 se x 6∈ U,
P
e seja g da forma g = i αi cUi com constantes αi ∈ C e Ui mutuamente disjuntos. Então a integral é definida por
Z X
dµ(x) g(x) := αi µ(Ui ).
Ω i
R
Para Ruma função f mais geral, aproxima-se f por uma sequência de funções gn do tipo encima e define-se dµ f :=
limn dµ g. Ver [9, Chap. 1] para detalhes. A integral correspondente à medida de Lebesgue é a integral de
Lebesgue, dλ(x) = dx, e a integral correspondente à medida de Dirac é
Z
dµa (x) f (x) = f (a).

9 Notação de [4]: D = E, D 0 = E ∗ . Vale mencionar que, em contraste ao que esta sendo sugerido na literatura [4,

Cap. II.B.2], não existe “um subespaço discriminado”, D, de estados. Dependendo do problema, escolhe-se um
subespaço adequado, por exemplo para empregar o teorema espectral de um dado observável, ver abaixo.
8 Hilbert, 25/01/2021

respetivamente.

2 Teorema espectral
2.1 Operadores auto-adjuntos
Seja A um operador num espaço de Hilbert H. Se A é contı́nuo, o domı́nio coincide (sem perder
generalidade) com o espaço H inteiro. Neste caso, o operador adjunto A∗ é definido por: A∗ ψ é o
único vetor tal que para todo φ ∈ H vale

( A∗ ψ, φ ) = ( ψ, Aφ ). (30)

A maioria de operadores que correspondem à observáveis na MQ são não-contı́nuos. Um opera-


dor não-contı́nuo A geralmente não pode ser definido em todos vetores, mas apenas no chamado
domı́nio, D(A). Neste caso, definimos primeiro o domı́nio de A∗ por

D(A∗ ) := ψ ∈ H | φ 7→ ( ψ, Aφ ) é contı́nuo para φ ∈ D(A) .




Se ψ está em esse espaço, o Lema de Riesz afirma que existe um único vetor χ ∈ H tal que vale
( χ, φ ) = ( ψ, Aφ ) para todo φ ∈ D(A). Como χ depende obviamente linearmente de ψ, podemos
escrever χ =: A∗ ψ. Isto defino o operador adjunto A∗ de A.
O operador A é chamado de hermiteano se D(A) ⊂ D(A∗ ) e A∗ |D(A) = A. Equivalentemente,
A é hermiteano se para todo φ, ψ ∈ D(A) vale

( ψ, Aφ ) = ( Aψ, φ ). (31)

Um operador A é chamado de auto-adjunto sse

D(A∗ ) = D(A) e A∗ = A.

Obviamente, A hermiteano implica A auto-adjunto, mas a inversão vale somente para operadores
contı́nuos. Os operadores que correspondem a observáveis na Mechânica Quântica devem ser auto-
adjuntos, por que eles sempre possuem uma BON de auto-vetores (generalizados), ver abaixo,
propriedade indispensável para a interpretação do formalismo.
Exemplo para um operador auto-adjunto: O operador de multiplicação (correspondente ao
observável posição), ou funções f (X̂), f : RD → R, desse operador com domı́nio
Z
2 D
D(f (X̂)) := {ψ ∈ L (R ) : f (x)2 |ψ(x)|2 dD x < ∞}.

2.2 Teorema espectral


No seguinte seja A um operador em algum espaço de Hilbert H, com domı́nio D(A). Recordamos
que λ ∈ C é um auto-valor de A se existe um vetor ϕ 6= 0 tal que10

(A − λ1 )ϕ = 0. (32)
10 Neste caso, obviamente o operador
A − λ1
não é injetor. Mais geralmente, o espectro de A, em sı́mbolos σ(A), é o conjunto dos números λ ∈ C tal que o operador
A − λ1 não possui um inverso contı́nuo. Supomos que o operador A possui auto-valores. Ele obviamente deixa
invariante o span de todos auto-vetores para todos auto-valores. Sendo hermiteano, ele também deixa invariante o
complemento ortogonal,
Hcont := {auto-vetores}⊥ .
Então podemos considerar a restrição de A em Hcont . Este operador obviamente não tem auto-valores, e o espectro
dele é chamado de espectro contı́nuo de A, em sı́mbolos σcont (A):
σcont (A) := σ(A|Hcont ).
Hilbert, 25/01/2021 9

Se existem d auto-vetores linearmente independentes com o mesmo auto-valor λ, chamamos λ de


degenerado com multiplicidade d. Observa que a Eq. (32) é equivalente com

( ϕ, (A∗ − λ̄1 )ψ ) = 0

para todos ψ no domı́nio do adjunto A∗ . Isso motiva a definição de um auto-vetor generalizado:


Supomos que nos temos discriminado um subespaço denso D ⊂ H.
Definição 9 Um vetor generalizado χ ∈ D0 é chamado de um auto-vetor generalizado de A com
auto-valor generalizado λ se para todo ψ ∈ D ∩ D(A∗ ) com Aψ ∈ D vale

( χ, (A∗ − λ1 )ψ ) = 0. (33)

(Lembra que agora ( χ, · ) não é necessarimente o produto escalar, mas sim a ação linear χ : D → C.)
As vezes escrevemos simbolicamente
(A − λ1 )χ = 0 (34)
em vez de (33).
Recordamos que num espaço de Hilbert de dimensão finita todo operador hermiteano possui
uma BON de auto-vetores. A afirmação análoga, o teorema espectral, vale no caso de dimensão
infinita para operadores auto-adjuntos.
Exemplo 10 i) A famı́lia {δa , a ∈ R} é uma BON contı́nua em L2 (R) de auto-vetores genera-
lizados do operador de multiplicação X̂ sobre D := C0 (R),11 pois para todo φ ∈ D e a ∈ R vale
X̂ ∗ φ = X̂φ e
( δa , X̂φ ) = a φ(a) = a ( δa , φ ).
ii) A famı́lia de ondas planas {ek , k ∈ RD }, ver Eq. (14), é uma BON contı́nua em L2 (RD )
de auto-vetores generalizados do operador (correspondente ao momento na mecânica quântica),
Pj := 1i ∂x

j
, sobre D := C0∞ (RD ),12 pois para todo φ ∈ D e k ∈ RD vale Pj ∗ φ = Pj φ e

1 [
( ek , Pj φ ) = (∂j φ)(k) = kj φ̂(k) = kj ( ek , φ ).
i
Então, ek é um auto-vetor generalizado da componente-j do momento, Pj , com auto-valor gene-
ralizado kj .
iii) A mesma famı́lia de ondas planas no RD é uma BON contı́nua de auto-vetores generalizados
do operador Laplace ∆ sobre D := C0∞ (RD ), pois este operador é hermiteano e para todo φ ∈ D
e k ∈ R vale
[
( ek , ∆φ ) = (∆φ)(k) = −|k|2 ( ek , φ ).


O teorema espectral afirma que essa situação prevalece para todo operador auto-adjunto. Existem
vários enunciados equivalentes desse teorema. Os matemáticos preferem a forma usando a “medida
com valores projetores” [6, 7]. Nós vamos conhecer este teorema numa forma mais útil para a
mecânica quântica, a qual se encontra em [2] e [1].
Teorema 11 (Teorema espectral nuclear) Todo operador auto-adjunto  possui uma BON
generalizada de auto-vetores generalizados. Mais precisamente, existe
(O espectro contı́nuo pode conter auto-valores!) Os elementos chamaremos de auto-valores generalizados. Não é
difı́cil mostrar o seguinte fato:

Lemma 8 O espectro de um operador hermiteano é real.

11 Denotamos por C0 (R) as funções contı́nuas com supporte limitado.


12 Denotamos por C0∞ (RD ) as funções suaves (infinitamente deriváveis) com supporte limitado.
10 Hilbert, 25/01/2021

• um subconjunto Ω ⊂ Rn para algum n ∈ N, uma medida dµ no Rn com suporte em Ω;

• um subespaço denso D ⊂ H tal que D ∩ D(A) é denso em H;

• uma famı́lia de vetores generalizados sobre D, {χk ∈ D0 , k ∈ Ω};

tal que vale o seguinte:


i) Os χk são auto-vetores generalizados de A: Para todo k ∈ Ω existe um auto-vetor generalizado
λ(k) ∈ C tal que
Aχk = λ(k) · χk

vale no sentido da Eq. (34).


ii) A famı́lia é uma BON generalizada, i.e., para todo φ, ψ ∈ D vale a relação de completeza (23):
Z
( φ, ψ ) = dµ(k) ( φ, χk,j ) ( χk , ψ ) .

O conjunto dos auto-valores generalizados λ(k), k ∈ Ω, é o chamado espectro de A.13

Lemma 12 O espéctro de um operador auto-adjunto é real.

Comprovante. A relação de completeza (20) implica as duas equações


Z Z
( ψ, Aφ ) = dµ(k) ( χk , ψ )( χk , Aφ ) = dµ(k) λ(k) ( χk , ψ )( χk , φ ),
ZΩ ZΩ
( A∗ ψ, φ ) = dµ(k) ( χk , A∗ ψ )( χk , φ ) = dµ(k) λ(k) ( χk , ψ )( χk , φ ).
Ω Ω

(Na primeira linha escrevemos ( χk , Aφ ) = ( χk , A∗ φ ) = λ(k)( χk , φ ) pois A = A∗ e χk é um


auto-vetor generalizado no sentido da Eq. (33). Na segunda linha escrevemos ( χk , A∗ ψ ) =
λ(k)( χk , ψ ) = λ(k)( χk , ψ ).) Como A é auto-adjunto, as duas linhas coincedem, implicando
em λ(k) = λ(k) para todo k ∈ Ω. 

Os projetores espectrais. Dado um operador auto-adjunto A com uma BON generalizada


{χk , k ∈ Ω} de auto-vetores generalizados, definimos para cada I ⊂ R um operador EI por
Z
EI ψ := dµ(k) ( χk , ψ ) χk . (35)
k:λ(k)∈I

Verifique-se que este operador é um projetor ortogonal.14 (Este fato vamos também mostrar em
frente, veja Eq. (37).) Ele é chamado o projetor espectral do operador  para o intervalo I. Vale
destacar que os projetores espectrais são únicamente associados com o operador A, enquanto que
os dados D, Ω, dµ(k), χk caracterizando a BON de auto-vetores generalizados para o operador A
não são únicos. A famı́lia de projetores EI , I ⊂ R é chamada a medida com valores projetores
associada com A. O teorema espectral pode ser formulado em termos dessa medida, ver [6, 7].
13 Em geral, a definição do espectro de um operador é diferente, mas no caso de um operador auto-adjunto ela

coincide com a nossa.


14 Um projetor é um operador P com P 2 = P . (P 2 := P ◦ P .) Um projetor orthogonal é um projetor hermitiano.
Hilbert, 25/01/2021 11

Cálculo funcional. Seja  um operador auto-adjunto em H e f : R → C uma função men-


surável [8, 9]. Então define-se o operador f (Â) pela seguinte maneira: Seja {χk } uma BON ge-
neralizada de auto-vetores generalizados cuja existência foi afirmada no teorema espectral 11. O
domı́nio de f (Â) é dado por
Z
dµ(k) |f (a(k))|2 |( χk , φ )|2 < ∞ .

D(f (Â)) := φ ∈ H :
|Ω {z }
= kf (Â)φk2

Para φ ∈ D(f (Â)) define-se


Z
f (Â)φ := dµ(k) f (λ(k))( χk , φ ) χk

no sentido da Eq. (21). Um fato importante é que a aplicação f 7→ f (Â) é um isomorfismo de


álgebras involutivas: Em particular, vale
∗
(f · g)(Â) = f (Â) g(Â), f¯(Â) = f (Â) , 1(Â) = 1 , (36)

onde as funções f · g e f¯ são definidas por (f · g)(x) := f (x)g(x) e f¯(x) := f (x), e 1 é a função
constante: 1(x) = 1.
Como exemplo, aplicamos o cálculo funcional à função caracterı́stica cI de um intervalo I ⊂ R,
veja Eq. (22). Obviamente, o operador cI (Â) é justamente o operador EI definido na Eq. (35).
Como a função caracterı́stica satisfaz cI · cI = cI = cI , a Eq. (36) implica
cI (Â) cI (Â) = cI (Â) = cI (Â)∗ . (37)
Isto significa justamente que o operador cI (Â) é um projetor ortogonal, como afirmado acima.

Mecânica quântica. Na mecânica quântica, estados de um sistema são descritos por vetores
normados em um espaço de Hilbert, kψk = 1. Ademais, observáveis do sistema são descritos por
operadores auto-adjuntos neste espaço, e os possı́veis valores de um observável constituem justa-
mente o espectro do operador correspondente. A probabilidade que a medição de um observável
A resulta em algum valor no intervalo I ⊂ R, se o sistema for preparado no estado correspondente
a ψ ∈ H, é dada por
Z
2
kEI ψk ≡ ( ψ, EI ψ ) = dµ(k) |( χk , ψ )|2 , (38)
k:a(k)∈I

onde EI ≡ cI (Â) é o projetor espectral do operador auto-adjunto correpondente a A.


A evolução temporal do sistema é descrito por uma curva t 7→ ψt em H, regida pela equação
de Schrödinger:
d
i~ ψt = Ĥψt , (39)
dt
onde Ĥ é o operador Hamiltoniano do sistema. Se nos temos uma BON de auto-vetores gene-
ralizados de Ĥ na mão, a solução dessa equação pode ser construı́da usando o cálculo funcional:
Define 
Ut := exp − itĤ/~
no sentido do cálculo funcional. Este operador é unitário15 para todo t, e a famı́lia t 7→ Ut satisfaz
a propriedade
Ut Us = Ut+s , U0 = 1 .
15 Para demonstrar isto, escrevemos Ut = f (Ĥ), onde f (x) := exp(−itx/~). A Eq. (36) implica
Ut Ut∗ = f (Ĥ)f¯(Ĥ) = (f · f¯)(Ĥ) = 1(Ĥ) = 1 ,
pois f · f¯ é a função constantemente 1.
12 Hilbert, 25/01/2021

Mais importantemente, ela satisfaz a EDO


d
i~ Ut = ĤUt . (40)
dt
Isso implica que para qualquer φ no domı́nio do Hamiltoniano, a curva ψt := Ut φ satisfaz a equação
de Schrödinger (39) com condição inicial ψ0 = φ.
Hilbert, 25/01/2021 13

2.3 Análise espectral do operador Laplace


O operador Laplace ∆ no Rn é definido por
n
. X ∂2
∆f = f.
j=1
∂x2j

Nos consideramos uma região Ω ⊂ Rn limitada e conexa, cuja borda ∂Ω é uma hiper-superfı́cie
(localmente) suave. O Laplace é considerado como um operador no espaço de Hilbert L2 (Ω) com
2 domı́nios diferentes, correspondentes às condições de Dirichlet ou Neumann, respectivamente:
2
CD (Ω) := {f ∈ C 2 (Ω)| f (r) = 0 ∀r ∈ ∂Ω} (41)
2 2
CN (Ω) := {f ∈ C (Ω)| n · ∇f (r) = 0 ∀r ∈ ∂Ω}. (42)

Aquı́, n é o vetor normal à hiper-superfı́cie ∂Ω.

Lemma 13 O operador Laplace, com um dos dois domı́nios (41) ou (42), satisfaz as seguintes
propriedades.
i) Ele é hermiteano com respeito ao produto escalar em L2 (Ω).
ii) Todos auto-valores são não-positivos (≤ 0). Com domı́nio (41), 0 não é um auto-valor, enquanto
com domı́nio (42), 0 é sim um auto-valor (com auto-vetores as funções constantes).

Comprovante.


Teorema 14 O operador Laplace, com um dos dois domı́nios (41) ou (42), possui uma BON de
2
auto-funções vn ∈ CD/N (Ω), n ∈ N0 , com auto-valores λn correspondentes,

∆vn = λn · vn ,

com a seguinte propriedade: A sequência |λn | → ∞ se n → ∞ tal rápido que a serie



X 1
< ∞ (43)
n=1
|λn |2

converge.

Uma demonstração desse teorema encontra-se em [5].


A convergência da serie (43) implica na convergência uniforme da expansão de uma função em
termos das auto-funções. Recordamos que para toda função f ∈ L2 (Ω) a série16
N
X
( vn , f ) vn (44)
n=1

converge para f no sentido de L2 se N → ∞. Para r ∈ N denotamos por CD 2r


(Ω) e CN2r
(Ω)
2r r−1
os espaços de funcões f em C (Ω) tal que f , ∆f, . . . , ∆ f satisfazem a condição de contorno
respectiva:
2r
CD (Ω) := {f ∈ C 2r (Ω)| : f = ∆f = · · · = ∆r−1 f = 0 em ∂Ω}
2r
CN (Ω) := {f ∈ C 2r (Ω)| : n · ∇f = n · ∇ ∆f = · · · = n · ∇ ∆r−1 f = 0 em ∂Ω}.
16 Lembra dn r vn (r) f (r).
R
que ( vn , f ) = Ω
14 Hilbert, 25/01/2021

2
Corolário 15 Sejam vn ∈ CD/N (G) uma BON de auto-funções do operadors Laplace que satis-
fazem a seguinte propriedade: Existe um número M > 0 tal que para todo n ∈ N e todo r ∈ Ω
vale
|vn (r)| ≤ M. (45)

2r
i) Para f ∈ CD/N (Ω), r ∈ N, os coeficientes de Fourier caem como

c
|( vn , f )| ≤ . (46)
|λn |r
4 6
ii) Para f ∈ CD/N (Ω) a série (44) converge para f uniformemente, e para f ∈ CD/N (Ω) a série

N
X N
X
( vn , f ) ∆vn ≡ ( vn , f ) λn vn (47)
n=1 n=1

converge para ∆f , também uniformemente.


A última afirmação significa que o operador Laplace “age embaixo do somatório”:

X
∆f = cn λn vn ,
n=1

uniformemente.
Comprovante. Ad i). Recordamos a segunda identidade de Green:
Z I
 n 
(∆g)f − g∆f d r = (∇g)f − g∇f · da.
Ω ∂Ω

(Ela segue da regra de produto ∇ · (f ∇g) = ∇f · ∇g + f ∆g, e do teorema de Gauss.) Podemos


supor que λn 6= 0. Nesse caso podemos escrever vn = λ1n ∆vn . Então temos
Z
1 1
( vn , f ) = ( ∆vn , f ) ≡ (∆vn ) f dn r
λn λn Ω
(IG) 1
hZ I i 1
Z
vn ∆f dn r + vn ∆f dn r

= (∇vn )f − vn ∇f · da =
λn Ω ∂Ω λ n Ω

Na Eq. (IG) usamos a identidade de Green, e depois descartamos os termos de contorno, pois
ambos vn e f satisfazem a condição de contorno (ou de Dirichlet ou de Neumann). Repitindo esse
argumento r vezes, chegamos em
Z I
1 h r n r−1 r−1
 i
( vn , f ) = v n ∆ f d r + (∇v n )∆ f − v n ∇∆ f · da
(λn )r
Z Ω ∂Ω
1 r n
= vn ∆ f d r.
(λn )r Ω

Com isso temos


1 1
|( vn , f )| ≤ |( vn , ∆r f )| ≤ k∆r f kL2 (Ω) .
|λn |r |λn |r
(No último passo usamos a desigualdade de Cauchy-Schwarz e o fato que vn é normado.) Por
hipótese, ∆r f é uma função contı́nua numa região compacta e por isso é em L2 (Ω), ou seja,
k∆r f kL2 < ∞.17 Isso mostra a cota (46).
17 ...
Hilbert, 25/01/2021 15

4
Ad ii). Usando (45), concluimos que para f ∈ CD/N (Ω) (r = 2) os termos da série (44)
satisfazem a cota
c
|( vn , f ) vn (r)| ≤
|λn |2
para todo r ∈ Ω. Como a série n |λn |−2 converge pelo Teorema 14, o critério de Weierstrass
P
(“teste M de Weierstrass”) é aplicável, afirmando que a série (44) converge uniformemente. Similar-
mente, para f ∈ CD/N 6
(Ω) (r = 3) os termos da serie (47) são uniformemente limitados por c|λn |−2 ,
então essa série converge uniformemente. Ademais,
P por umaPgeneralização do Lemma 18, o Laplace
pode ser posto em evidência do somatório, cn ∆vn = ∆ cn vn . Isso conclui a demonstração. 

Daremos alguns exemplos para o Teorema 14 no seguinte. A saber, consideremos como Ω um


intervalo na reta real, um retângulo em R2 e um cubo no Rn . No capı́tulo “Funções Especiais”
consideremos ainda o disco em R2 , a esfera em R3 e a bola em R3 . A análise espectral do Laplace
em essas regiões levará às funções de Bessel, polinômios de Legendre, harmônicas esféricas e funções
de Bessel esféricas.

2.3.1 Intervalo em R.
Consideramos um intervalo Ω = [0, a] na reta real. O operador Laplace em uma dimensão é
justamente a segunda derivada, ∆f = f 00 . O teorema de Fourier implica que as seguintes três
famı́lias de funções são BON’s em L2 ([0, a]).

2
Condições de contorno de Dirichlet. Com domı́nio CD ([0, a]) , uma BON de auto-funções
do Laplace é dada por {vn , n ∈ N}, onde
r
. 2 . π
un (x) = sen (kn x), kn = n . (48)
a a

2
Condições de contorno de Neumann. Com domı́nio CN ([0, a]), uma BON de auto-funções
N
do Laplace é dada por {un , n ∈ N0 }, onde (kn como na Eq. (48))
q
 2 cos(k x), n > 0,
. n
uN
n (x) =
a
(49)
 √1 , n = 0.
a

Condições de contorno periódicos. Com domı́nio

CP2 ([0, a]) := {f ∈ C 2 ([0, a])| f (0) = f (a), f 0 (0) = f 0 (a) } (50)

uma BON de auto-funções do Laplace é dada por {ϕn , n ∈ Z}, onde


r
. 1 . 2π
ϕn (x) = exp(ikn x) , kn = n . (51)
a a

Observa que o kn aquı́ é o duplo do que nas Eqs. (48) e (49).

3 EDPs
Consideremos as EDP’s de Poisson, difusão, e de onda, todas não-homogêneas, mas com condições
de contorno homogêneas (ou de Dirichlet ou de Neumann).
16 Hilbert, 25/01/2021

3.1 Equação de Poisson


Seja h uma função dada na região Ω (limitada). Procuramos uma solução u(r) da EDP

∆u = h em Ω, (52)

a qual ainda deve satisfazer uma das condição de contorno

u(r) = 0 ∀r ∈ ∂G (D), ou (53)


n · ∇u(r) = 0 ∀r ∈ ∂G (N) (54)

A primeira (D) é chamado a condição de contorno de Dirichlet, e a segunda a de Neumann. (h


também deve satisfazer a condição de contorno correspondente.) A EDP (52) aparece na fı́sica
como equação de Poisson, onde u significa o potencial eletrostático V , e h é (−1)/ε0 vezes a
densidade de carga ρ. Em geral, u é algum campo observável do sistema, a EDP (52) carateriza
um estado estacionário (de equilı́brio) do sistema, e o lado direito (h) tem o papel de uma fonte.
Para achar a solução, o primeiro passo é determinar uma BON {vn } de auto-funções do operador
2 2
Laplace, com domı́nio CD (Ω) no caso de condição de contorno (D), e CN (Ω) no caso de condição
de contorno (N). As duas funções u e h são supostamente contı́nuas, numa região compacta, e daı́
são em L2 (Ω). Fazemos as expansões em termos da BON
X X
u= cn vn , h= ( vn , h )vn . (55)
n n

(Observa que os coeficientes de Fourier cn da função u são desconhecidos, enquanto que os coe-
ficientes ( vn , h ) de h são conhecidos.) Trocando (com justificativa posterior!) o Laplace com o
somatório infinito, a EDP (52) vira
X X
cn λn vn = ( vn , h ) vn
| {z } | {z }
n n

Por independência linear dos vn , isso implica

( vn , h )
cn = se λn 6= 0.
λn

(No caso de condições de Neumann, apenas um λ0 = 0 (!!), e o coeficiente c0 correspondente é


indeterminado.) Concluimos que a solução da EDP (52) com condição de contorno (C) ou (N)
respectivamente, deveria ser a série

. X ( vn , h )
u(r) = vn (r) (56)
λn
n:λn 6=0

mais uma constante no caso de CC de Neumann. De fato, temos:


4
Teorema 16 Supoem que os vn satisfazem a cota (45). Se h ∈ CD/N (Ω), a série (56) converge
uniformemente no fecho Ω de Ω, e satisfaz a EDP (52) e a condição de contorno correspondente.
No caso de CC de Dirichlet (todos λn são 6= 0 e) a solução é única, e no caso de CC de
Neumann a solução é única módulo uma constante.
4
O que acontece quando h não é em CD/N (Ω), ou até nem é contı́nua, ou é uma distribuição? Neste
caso, a série (56) ainda converge, mas apenas no sentido de distribuições [6, Cap. ?], e ela ainda
satisfaz a EDP— também no sentido de distribuições.
Hilbert, 25/01/2021 17

3.2 EDP de difusão


Procuramos uma solução u(r, t) da EDP

1 ∂
∆− u(r, t) = h(r, t) (57)
D ∂t
para todo (r, t) ∈ Ω × R+ , a qual ainda deve satisfazer uma das condições de contorno (D ou N)

u(r, t) = 0 ∀(r, t) ∈ ∂G × R+
0 (D), ou (58)
n · ∇u(r) = 0 ∀(r, t) ∈ ∂G × R+
0 (N) (59)

Além disso, requeremos a condição inicial (CI):

u(r, 0) = u0 (r) ∀r ∈ Ω, (60)

onde u0 é uma função dada. A EDP (57) aparece na fı́sica como equação de difusão, onde u
significa a concentração de uma substância, D é o coeficiente de difuão, e h é uma “densidade de
fonte” (dividido por D) [3].
Como antes, o primeiro passo é determinar uma BON {vn } de auto-funções do operador Laplace,
2 2
com domı́nio CD (Ω) no caso de condição de contorno (D), e CN (Ω) no caso de condição de contorno
(N). Escrevemos u(r, t) =: ut (r) e h(r, t) =: ht (r) e consideremos t como parámetro. (A função
u0 (r) ≡ u(r, 0) é dada pela condição inicial (60).) As duas funções ut e ht são supostamente
contı́nuas, numa região compacta, e daı́ são em L2 (Ω). Fazemos as expansões em termos da BON
X X
ut = cn (t) vn , ht = ( vn , ht )vn . (61)
n n

Como antes, o objetivo é determinar os coeficientes de Fourier cn (t) da função (desconhecida) ut .


Trocando (com justificativa posterior!) o Laplace com o somatório infinito, a EDP (57) vira
X 1  X
λn cn (t) − c˙n (t) vn = ( vn , ht ) vn
n | {z D } n
| {z }

Por independência linear dos vn , isso implica para cada n a EDO

c˙n (t) − Dλn cn (t) = −D( vn , ht ) =: −Dbn (t).

A solução dessa EDO é


Z t
0
cn (t) = cn (0)e λn Dt
−D dt0 bn (t0 )eλn D(t−t ) . (62)
0

(Observe que λn = −|λn | < 0.) As constantes cn (0) são determinadas pela condição inicial atraves
da expansão (61):
cn (0) = ( vn , u0 ). (63)
Concluimos que a solução da EDP (57) com condição de contorno (C) ou (N) respectivamente, e
condição inicial (60) deveria ser a série
Z t
. X
n 0
o
u(r, t) = cn (0)eλn Dt − D dt0 bn (t0 )eλn D(t−t ) vn (r), (64)
n 0

. .
com cn (0) = ( vn , u0 ) e bn (t) = ( vn , ht ). Consideramos apenas o caso homogêneo, h = 0:
18 Hilbert, 25/01/2021

4
Teorema 17 Supoem que os vn satisfazem a cota (45). Se u0 ∈ CD/N (Ω), a série

. X
u(r, t) = ( vn , u0 ) e−|λn |Dt vn (r)
n

converge uniformemente em Ω, e u é em C ∞ (G × R+ ) e satisfaz a EDP (57) homogênea (com


h = 0), a condição de contorno correspondente, e a condição inicial (60).
4
(Unicidade??) Se u0 não é em CD/N (Ω), a série (56) converge no sentido de distribuições, e ela
ainda satisfaz a EDP no sentido de distribuições. (Check!!)

A Convergência de sequências de funções


O seguinte teorema encontra-se em [8, Thm. 7.17].
Teorema 18 Seja fn uma sequência de funções diferenciáveis no intervalo [a, b] que satisfaz as
seguintes hipóteses.
1. Existe algum ponto x0 ∈ [a, b] onde a sequência fn0 (x0 ) converge ;
2. A sequência das derivadas fn0 converge uniformemente.
Então a sequência fn também converge uniformemente para uma função diferenciável f , e

f 0 (x) = lim fn0 (x), ∀x ∈ (a, b).


n→∞

Referências
[1] A. S. Barut and R. Raczka, Theory of group representations and applications, Polish Scientific
Publishers, Warszawa, 1980.

[2] A. Bohm and M Gadella, Dirac kets, Gamow vectors and Gel’fand triplets, Lecture notes in
Physics, vol. 348, Springer, 1969.
[3] E. Butkov, Fı́sica matemática, Livros Técnicos e Cientı́ficos Editora S.A., Rio de Janeiro, 1988.
[4] C. Cohen-Tannoudji, B. Diu, and F. Laloë, Quantum mechanics, vol. 1, J. Wiley, 1977.

[5] Jr. R. Iório and V. Iório, Equações diferenciais parciais: Uma introdução.
[6] N. A. Lemos, Convite à Fı́sica Matemática, Editora Livraria da Fı́sica, São Paulo, 2013.
[7] M. Reed and B. Simon, Methods of modern mathematical physics I, II, Academic Press, New
York, 1975/1980.

[8] W. Rudin, Principles of mathematical analysis, 3rd ed., McGraw-Hill, New York, 1976.
[9] , Real and complex analysis, 3rd ed., McGraw-Hill, New York, 1987.

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