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01 - Introdução Do Dr. James Dubois À Versão Americana Da Obra "Teoria e Terapia Das Neuroses", de Viktor Emil Frankl.

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Introdução do Dr.

James Dubois à Versão


Americana da Obra “Teoria e Terapia das
Neuroses”, de Viktor Emil Frankl

Notas e Reconhecimentos do tradutor


O livro original em alemão, Theorie und Therapie der Neurosen, foi
publicado pela primeira vez em 1956 e está agora em sua oitava edição.
Dos seis ou mais livros que Viktor Frankl escreveu que ainda precisam ser
traduzidos para o Inglês, este é o livro que ele mais urgentemente queria
ver traduzido porque apresenta mais sistematicamente a sua teoria geral dos
transtornos mentais e a maneira como a logoterapia pode ser inserida no
tratamento de quase todos os transtornos, como uma terapia primária ou
derivada. Por causa da complexidade deste livro, uma introdução do editor
foi escrita para torná-lo mais acessível. Por isso, limito-me aqui a poucas
observações sobre a própria tradução.

Eu tentei produzir uma tradução que usasse a linguagem inclusiva


traduzindo "homem" (der Mensch) como "seres humanos", "pessoas
humanas" ou "pessoas", e, consequentemente, usando o pronome "eles" em
vez de "ele". Apesar de ter tomado esta liberdade na tradução, eu, ao
mesmo tempo, reproduzi fielmente sua referência ao especificamente
"humano" (menschliche) e, especificamente, dimensões "pessoais"
(personale) da natureza humana.

Em geral, procurei ser fiel a terminologia psiquiátrica de Frankl.


Assim, eu não traduzi o termo "neuroses de órgãos", que é um pouco
arcaico, como transtornos somatoformes, nem abandonei o seu uso dos
termos "pseudoneuroses" ou "doenças funcionais" – porque estes não têm
equivalentes exatos na psiquiatria americana (Além disso, todos os três
termos mencionados ainda são usados por logoterapeutas em locais que
falam a língua alemã). Em alguns casos em que americanizar um termo
causaria confusão (por exemplo, o termo "psicopático" não tem nada a ver
com o comportamento antissocial), eu ofereci o equivalente mais próximo
de diagnóstico (neste caso, "transtorno de personalidade") e o expliquei em
uma nota de rodapé após a sua primeira aparição.

A maior mudança na terminologia ocorreu no título do livro: o


original referia-se a teoria e terapia das neuroses, e não transtornos mentais.
Essa alteração foi feita com dois objetivos em mente: em primeiro lugar,
para evitar que leitores que abandonaram o termo "neurose" tivessem
ressalvas acerca do livro; em segundo lugar, para refletir o fato de que a
maioria dos transtornos tratados no livro não são neuroses, mesmo que de
acordo com a utilização do termo feita por Frankl. Dito isto, em nenhum
lugar no texto substituí o termo "neurose" pelo termo "transtorno mental”.

Um glossário foi fornecido na parte de trás do livro para fornecer


definições de termos médicos. Esses termos estão marcados em negrito na
primeira vez que aparecerem no texto do livro.

Quando um termo alemão importante fosse capaz de ser traduzido de


várias maneiras, eu decidi a maneira que pensei ser mais adequada e
coloquei o termo em alemão entre parênteses a primeira vez que ele
aparecesse.

Notas do tradutor aparecem em itálico e são denotadas com as


minhas iniciais, JMD. Todas as outras notas são do Professor Frankl.

Agradecimentos

Eu gostaria de reconhecer a ajuda de várias pessoas. Agradeço Dr.


Kateryna Cuddeback que forneceu um excelente projeto de tradução da
segunda metade do livro. Agradeço ao Dr. Robert Hutzell pela revisão da
tradução inteira em relação ao estilo e uso de terminologias da logoterapia.
Eu agradeço ao Dr. Franz Vesely pela revisão da tradução, verificando
erros, e ajudando com algumas palavras e frases particularmente difíceis.
Harold Mori também ofereceu sua opinião muito bem vinda acerca da
tradução de várias passagens difíceis. Agradeço ao Dr. Jay Levinson pelos
comentários sobre um rascunho da tabela que relaciona o esquema de
categorização de Frankl ao Manual Diagnóstico e Estatístico. Agradeço ao
Dr. Bob Barnes e o Instituto Viktor Frankl de Logoterapia localizado em
Abilene, Texas que conseguiu fundos provenientes de uma fonte anônima
que tornou essa tradução possível. Eu agradeço ao Dr. Robin Goodenough
pelo seu encorajamento durante todo o processo desse projeto. Agradeço ao
Dr. George Zimmar, o editor na Brunner-Routledge, por apoiar a
publicação deste manuscrito. Como sempre, agradeço a minha esposa,
Susan, por seu amor e pelo apoio da família que permitiu que esse trabalho
fosse feito em meio a tudo. Sem a ajuda e incentivo de todas essas pessoas,
esta tradução não existiria.

Dedico esta tradução para as famílias Frankl e Vesely em gratidão


pelo convite para realizar este trabalho e na admiração de seu profundo
compromisso de ver o trabalho de Viktor Frankl continuar vivo.

Compreendendo “A Teoria e Terapia dos Transtornos Mentais”


de Viktor Frankl
James M. DuBois
Este livro fornece uma correção à maneira como Viktor Frankl é
normalmente compreendido. Ele é frequentemente visto como um escritor
popular. Isto não é sem razão. Seu livro “A Busca do Sentido” (Frankl,
1962), vendeu mais de 9 milhões de cópias em todo o mundo e ele é citado
em muitos livros populares, como Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente
Eficazes (Covey,1989). Frankl também é frequentemente visto como um
existencialista ou psicólogo humanístico. Isso também não é sem razão.
Gordon Allport introduziu seus escritos nos Estados Unidos e, muito
parecido com Allport, Maslow, Fromm, e Rogers, Frankl abordou os temas
existenciais do ser humano como liberdade, responsabilidade, valores,
espiritualidade e morte1. No entanto, ver Frankl simplesmente como um
psicólogo humanista popular é fundamentalmente não compreender quem
ele era como pessoa e o que ele representou.

Frankl foi um médico e professor de neurologia e psiquiatria da


Universidade de Viena. Seu ponto de vista acerca do tratamento
psiquiátrico foi além do aconselhamento existencial e incluiu as
ferramentas médicas de sua época: hipnose, eletroconvulsoterapia,
psicofármacos e exercícios de relaxamento. Enquanto a abordagem
humanista da psicoterapia é, por vezes, vista como fundamentalmente
contra abordagens psiquiátricas padrão, a teoria de transtornos mentais de

1
Gordon Allport escreveu o prefácio de A Busca de Sentido (Frankl, 1962). Na ultima linha, ele chama a
logoterapia de “o movimento psicológico mais importante da atualidade”.
Viktor Frankl lhe permitiu conciliar estes dois mundos: os mundos da
experiência vivida e da ciência e prática médica.

Este livro, mais do que qualquer outro livro que ele escreveu,
apresenta Frankl como um filósofo-psiquiatra, um teórico imerso na prática
médica. Como o título sugere, apresenta sua teoria e terapia abrangentes
dos transtornos mentais. E, neste livro, vemos que os dois elementos da
teoria e terapia estão intimamente relacionados. Não importa qual
transtorno ou tratamento é discutido, a abordagem que Frankl desenvolve
em Teoria e terapia de Transtornos Mentais (TTTM) segue um caminho
consistente:

Ontologia → Etiologia → Classificação → Terapia

Ou seja, a escolha de Frankl de terapia é correspondente a um


transtorno com uma etiologia específica ou uma causa que reflete uma
característica humana fundamental. No capítulo 4, lemos que uma
reposição hormonal como hidrocortisona (Terapia) pode ser prescrita para
tratar uma "doença funcional" marcada por irritabilidade e uma
incapacidade de se concentrar (classificação) devido à insuficiência
adrenocortical (etiologia); tais transtornos mentais só são possíveis porque
as diferentes dimensões humanas interagem – neste caso, desequilíbrios
biológicos estão afetando as funções mentais (ontologia). No capítulo 12,
nós vemos que a técnica de derreflexão (terapêutica) pode ser utilizada para
tratar impotência (classificação), que pode surgir a partir de uma
hiperreflexão ou foco excessivo em conseguir uma ereção (etiologia), que é
um problema apenas porque as relações sexuais entre humanos saudáveis
dependem de autotranscedência no envolvimento de uma pessoa com outra
(ontologia). E, na Introdução, lemos que o questionamento socrático
(terapia) pode ser utilizado na psicoterapia de uma depressão noogênica
(classificação), que surge a partir de uma percepção de falta de sentido no
sofrimento (etiologia), o que é explicado pelo fato de que os seres humanos
florescem somente quando sua "vontade de sentido" não é deturpada
(ontologia).

Estes exemplos ilustram duas coisas. Primeiro, que a teoria dos


transtornos mentais de Frankl e seu sistema de classificação não podem ser
plenamente compreendidos ou apreciados sem primeiro compreender a sua
“metapsicologia" – sua filosofia da natureza humana e da ciência
psicológica. Em segundo lugar, algumas das terminologias de diagnóstico
de Frankl são alheias à psiquiatria americana. Por conseguinte,
esta introdução visa proporcionar uma visão geral da metapsicologia de
Frankl e explicar como a terminologia de Frankl diz respeito à terminologia
mais familiar do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais,
Quarta Edição, Revisão de Texto (DSM-IV-TR).

Logoterapia como uma teoria metapsicológica

No capítulo 14 de TTTM, Frankl escreve:

Análise existencial é a tentativa de uma antropologia


psicoterapêutica, uma antropologia que precede toda a psicoterapia,
não só a logoterapia. Na verdade, toda a psicoterapia se desenrola
sob um horizonte anterior. Há sempre uma concepção antropológica
em seu fundamento, não importa quão pouco consciente disto esta
psicoterapia seja2.

Enquanto TTTM não desenvolve a antropologia psicoterapêutica de


Frankl de forma completa, ele depende bastante dela3. A seguir, vamos
brevemente olhar apenas três elementos desta antropologia psicoterapêutica
ou metapsicologia: a teoria do conhecimento; as dimensões da pessoa
humana; e a teoria do significado e valores.

Teoria do Conhecimento

Em sua autobiografia, Frankl recorda as falas finais de um discurso


seu no V Congresso Internacional de Psicoterapia em 1961:

Enquanto não temos acesso à verdade absoluta, devemos nos


contentar que nossas verdades relativas se corrigem, e que
encontramos a coragem de ter um viés. Na orquestra pluralista da

2
Como é comum na filosofia continental, Frankl usa o termo antropologia como filosofia da pessoa
humana.
3
Frankl desenvolve sua metapsicologia principalmente nos seguintes trabalhos: The Unheard Cry for
Meaning (1978), Psicoterapia e Existencialismo (1985), Psicoterapia e Sentido da Vida (1986), A Vontade
de Sentido (1988), o livro de mesmo titulo com conteúdo diferente, Der Wille zum Sinn (1991) e Der
Leidende Mensch (1990), que inclui reedições de Homo Patiens e Der unbedingte Mensch.
psicoterapia nós temos não só o direito, mas o dever de afirmar nosso
viés, desde que estejamos conscientes disso (Frankl, 2000, p. 126).

Ao falar de viés, Frankl se refere à nossa necessidade de ver e


articular as coisas a partir de uma perspectiva definida. Em outra parte, ele
observa que o termo latino perspectum significa "visto através". Ver o
mundo através de certa lente, ou a partir de uma dada perspectiva, implica
que o nosso conhecimento é sempre limitado, como o homem que conhece
um elefante apenas segurando sua tromba. Mas, embora seja verdade que
todo o conhecimento humano é adquirido a partir de uma perspectiva
subjetiva, a única coisa que é subjetiva é a perspectiva através da qual nos
aproximamos da realidade: "essa subjetividade não diminui a objetividade
da própria realidade" (1988, p. 59).

Ao escrever isto, Frankl foi profundamente influenciado pela


epistemologia dos primeiros fenomenólogos. Às vezes, a fenomenologia é
entendida como uma tradição que é metafisicamente idealista e
epistemologicamente subjetivista, negando que possamos alcançar um
conhecimento genuíno do mundo. Mas isso não era nem a visão dos
primeiros fenomenólogos nem a de Frankl. Frankl (1967) explica que
"fenomenologia, como eu a entendo, fala a língua da auto-compreensão
pré-reflexiva do homem, em vez da interpretação de um dado fenômeno
depois de padrões pré-concebidos" (p. 18)4. Lida com os "dados imediatos
da experiência [humana]" (p. 18). Esta é, de maneira simplificada, a noção
realista da fenomenologia defendida por Scheler (1973) e Reinach
(1914/1989).

Por que o conhecimento só é adquirido a partir de uma perspectiva


específica? Em parte, porque diferentes tipos de objetos são dados ou
apresentados de diferentes maneiras: cores são vistas, os sons são ouvidos,
conclusões lógicas podem ser deduzidas, conclusões científicas podem ser
inferidas, verdades básicas são intuídas (como a responsabilidade
pressupõe liberdade), e o valor de um objeto é sentido ou conhecido
intuitivamente (por exemplo, o valor de uma bela paisagem ou de uma
pessoa amada). Da mesma forma, diferentes dimensões da pessoa humana
são reveladas de maneiras diferentes. Este fato poderia representar uma
séria limitação para alguém que está trabalhando com uma abordagem
4
Embora tenha tentado usar uma linguagem inclusiva na minha tradução de TTTM, não mudei a
linguagem que Frankl ou seus tradutores usaram em seus outros livros em inglês.
científica específica que é voltada para apenas uma dimensão. Mas, como
notado acima, a abordagem de Frankl foi baseada, sobretudo, na
fenomenologia de Max Scheler, que escreveu: "o que constitui a unidade da
fenomenologia não é uma região particular de fatos, tal como, por exemplo,
objetos mentais ou ideais, a natureza, etc., mas apenas caráter de
autodoação em todas as regiões possíveis" (1973, p. 145).

Estes pressupostos epistemológicos explicam o que Frankl quis dizer


com ter um viés ou falar a partir de uma perspectiva limitada. Mas eles
também nos ajudam a entender porque ele estava se opondo tão
veementemente ao reducionismo. Ele escreveu, "O que temos a lamentar...
Não é que os cientistas estejam se especializando, mas que os especialistas
estejam generalizando" (1988, p. 21). Especialistas compreensivelmente
descrevem fenômenos multidimensionais, como pessoas humanas, a partir
de apenas uma perspectiva. Isso não só é compreensível, como inevitável.
No entanto, tal abordagem torna-se problemática quando o especialista
propõe que o fenômeno possa ser adequadamente compreendido a partir da
perspectiva de um (por exemplo, observação comportamental,
eletroencefalograma, ou análise de sonhos).

Estes pressupostos epistemológicos subjacentes diferenciam Frankl


da maioria dos pensadores originais e fundadores de movimentos. Dada a
sua ampla noção de evidência e sua insistência em que objetos nunca sejam
reduzidos ao que é dado a partir de uma perspectiva, os leitores não
deveriam ficar chocados ao descobrirem – como eles irão descobrir neste
livro – que Frankl por vezes cita o trabalho de behavioristas, Konrad
Lorenz, conselheiros budistas, Goethe, Freud e cientistas médicos para
apoiar as suas próprias conclusões. Enquanto alguns destes sistemas de fato
contradizem a logoterapia (por exemplo, o behaviorismo radical de Skinner
[1976, 1990] nega a existência de liberdade e da mente inconsciente), a
logoterapia é bastante capaz de integrar insights destes outros sistemas
porque trabalha com uma ampla teoria do conhecimento e uma noção
multidimensional de pessoa.

No entanto, a prática eclética de Frankl está em nítido contraste com


a multicolorida abordagem que livros de psicologia americanos tipicamente
defendem (ou seja, apresentando todas as principais teorias, talvez com
alguns comentários críticos, mas sem orientação sobre como escolher de
forma inteligente). DuBois (1993) distinguiu entre ecletismo orientado pela
teoria, que coerentemente incorpora aspectos de diferentes teorias e
terapias em um sistema maior, e sincretismo, que usa simplesmente tudo o
que parece apropriado no momento, sem uma lógica mais compreensiva e
abrangente. Sincretismo é teoricamente problemático na medida em que
carece de consistência interna e de poder para explicar e prever. Frankl
evita este problema teórico na medida em que sua metapsicologia orienta
sua prática eclética.

Para resumir, a teoria do conhecimento de Frankl contribui com dois


aspectos para seus objetivos teóricos e sua metodologia:

1. Sua noção ampla de evidência abre a possibilidade de adquirir


conhecimentos sobre toda a pessoa e não apenas do que ciências
individuais revelam.

2. Sua epistemologia realista justifica uma teoria e prática


psicoterapêutica ecléticas: o critério para a adoção de várias proposições e
abordagens é o objeto conhecido (o ser humano), não o método
de conhecer.

O elemento mais básico da metapsicologia de Frankl é sua teoria do


conhecimento, mas sua visão acerca do ser humano e dos valores que eles
perseguem são igualmente importantes para sua teoria dos transtornos
mentais.

Dimensões do ser humano

De acordo com Frankl, os seres humanos são seres integrados e


naturais com três dimensões básicas: a somática, a psíquica e a espiritual ou
noética (1985, cap. 11). Ele se refere a isso como sua "ontologia
dimensional".

O nível somático é o nível do corpo ou soma, o nível biológico.


Em TTTM, o nível somático recebe bastante atenção na fala de Frankl
acerca da influência da hereditariedade e fatores constitucionais
fundamentados nas funções endócrinas e neurológicas de uma pessoa, e na
sua discussão sobre o tratamento de doenças endógenas utilizando
medicamentos psicotrópicos e outros tratamentos de base biológica.
O psíquico (mental) é o nível dos processos psicológicos. Este é o
nível no qual transtornos mentais se manifestam e, consequentemente, é a
dimensão
com a qual a maioria dos modelos psicológicos tradicionais está
preocupada. Como a dimensão somática, leis causais naturais determinam a
dimensão psicológica. Mesmo que o mental não seja redutível ao biológico,
ele é claramente determinado por fatores biológicos, bem como as suas
próprias leis (por exemplo, princípios de associação ou da percepção
Gestáltica).

A dimensão espiritual, ou noológica, é a que recebeu menos atenção


das áreas da psiquiatria e psicologia. Frankl repetidamente lamentou que o
termo spiritual tivesse conotações religiosas em Inglês, o que o termo
alemão geistig não tem (1988, p. 17). A este respeito, o termo noológico é
preferível, em parte devido à sua falta de familiaridade. Embora a dimensão
noológica seja como a psíquica, na medida em que é imaterial, elas se
distinguem de várias maneiras. Primeiro, é a única dimensão em que a
liberdade e a responsabilidade existem. Enquanto as pessoas são
determinadas pelo nível somático e psicológico, a logoterapia reconhece o
"poder desafiador do espírito" (Trotzmacht des Geistes), a capacidade de
tomar uma posição livre face ao nosso destino e às coisas que nos
determinam a qualquer momento (1985, p. 133). Em segundo lugar, a
consciência, o "órgão" para perceber o sentido, opera no nível noológico
(1997, pp. 39ff). Suas operações são naturais aos seres humanos, que são
caracterizados por uma "vontade de sentido”. Em terceiro lugar, a
dimensão noológica é a dimensão propriamente humana; é o que distingue
as pessoas humanas de animais subpessoais (1985, p. 134). Em quarto
lugar, Frankl postula que a pessoa, como um ser espiritual, não pode ficar
doente; pessoas adoecem apenas nas dimensões somática ou psíquica
(TTTM, cap. 10). Em quinto lugar, a dimensão noológica interage com as
dimensões somática e psíquica. Uma falta perceptível de sentido na vida
pode contribuir para o desenvolvimento de neuroses (como transtornos de
ansiedade ou depressão), assim como um forte senso de sentido pode ser
psicohigiênico e oferecer resistência até mesmo para a doença física (1985,
TTTM). E, embora o espírito ou a pessoa no nível noológico não possa
adoecer, um transtorno mental de causas biológicas como a depressão pode
afetar o funcionamento do espírito; por exemplo, pode deixar as pessoas
incapazes de se expressarem plenamente e incapazes de perceber valores
com exatidão (TTTM, cap. 2).

Esta ontologia dimensional dá origem a três características centrais


da teoria da logoterapia assim como foi desenvolvida em TTTM:

1. A concepção da logoterapia como uma terapia da dimensão espiritual ou


noológica;
2. Uma visão tripla da causalidade, o que tem implicações para a
classificação de transtornos mentais: transtornos podem ser somatogênicos,
psicogênicos, ou noogênicos, dependendo se sua causa é biológica, mental
ou espiritual;

3. Uma visão dos seres humanos como capazes de se distanciarem de


eventos psicossomáticos.

Teoria do sentido e valores

No centro da logoterapia está a ideia de que os seres humanos têm


uma “vontade de sentido”. O tema do sentido é muito amplo e tem sido o
foco de muitos livros de Frankl (1962, 1978, 1985 e 1988) e de estudiosos
da logoterapia (Fabry, 1987; Wong & Fry, 1998; Riemeyer, 2002), mas não
pode ser explorado em grande profundidade aqui. No entanto, quatro
elementos da teoria do sentido de Frankl são centrais para a sua teoria e
terapia de transtornos mentais.

Em primeiro lugar, Frankl afirma que "O homem está sempre em


busca de sentido, sempre orientado à sua busca por sentido; em outras
palavras, o que eu chamo de ‘vontade de sentido’ pode mesmo ser
considerado como a ‘preocupação primária’ do ser humano...” (1978, p.
31).

Em segundo lugar, o sentido que buscamos não é o "sentido da vida",


ou algum sentido genérico e abstrato, mas sempre o sentido da minha vida,
aqui mesmo, agora. Como Frankl disse,

Procurar o sentido geral da vida do homem seria comparável a


perguntar a um jogador de xadrez: "Qual é a melhor jogada". Não
existe tal coisa como "a melhor jogada" para além do que é melhor
dentro do contexto de uma situação particular de um jogo em
particular. (1985, p. 67)
Em terceiro lugar, nós encontramos significado em nossas vidas
através da procura de três diferentes tipos de valores: o criativo, o de
experiência e os valores de atitude. Valores criativos surgem ao
produzirmos coisas novas no mundo, por exemplo, através do trabalho ou
filhos. Valores experienciais surgem à medida que apreciamos ou
participamos de valores, por exemplo, o valor de uma pessoa amada ou o
valor de uma música bela. Finalmente, os valores de atitude surgem das
atitudes livres que adotamos em face de nosso destino ou situação, por
exemplo, a nossa forma de enfrentar um câncer incurável ou o
confinamento em um campo de concentração (1962; 1985, p 127).

Em quarto lugar, embora Frankl jamais negasse que os seres


humanos fazem juízos de valor ou têm respostas afetivas para as coisas, ele
não está falando sobre propriedades subjetivas quando fala de valores. Para
Frankl, o valor de uma possibilidade, de uma ação, de uma pessoa ou de
uma coisa é objetivo no sentido de que ele é descoberto. Ele fala desta
descoberta como uma espécie de percepção Gestáltica (1988, pp. 62ff). Um
padrão musical, ou uma Gestalt, não é uma entidade substantiva e
autossuficiente, nem é uma propriedade extramundana ou mística de ondas
sonoras. Contudo, padrões musicais, por exemplo, melodias e harmonias,
são "descobertos" por ouvintes, eles são percebidos contra um fundo. É
semelhante com a percepção de valores.

Quando combinada à sua teoria do conhecimento e visão


dimensional da pessoa, a visão de valores de Frankl produz três princípios
para a prática logoterapêutica:

1. A possibilidade de abordar questões que envolvem valores e


sentidos sem "imposição de valores" aos pacientes. O papel do terapeuta é
de um facilitador que ajuda os pacientes a descobrirem valores e sentidos
que são únicos a eles5;

2. A possibilidade de utilização da capacidade humana de


autotranscedência – a capacidade de ir além de si mesmo para descobrir o
sentido em valores – na terapia através da derreflexão e da modificação de
atitudes;

5
Ao longo da introdução, falo frequentemente de “pacientes”. Isto é porque o foco de Frankl em TTTM
está no cuidado dos pacientes psiquiátricos. Naturalmente, o termo clientes ou simplesmente pessoas
seriam muito mais apropriados em certos contextos.
3. A possibilidade de aplicar a logoterapia, mesmo diante de doença
incurável – uma vez que valores de atitude podem sempre ser realizados.

Enquanto TTTM não desenvolve de maneira sistemática qualquer


um dos três aspectos da teoria metapsicológica de Frankl que foram
apresentados – a sua teoria do conhecimento, a ontologia dimensional e
teoria do sentido e valores – o livro desenvolve as suas implicações para a
teoria e terapia dos transtornos mentais de forma mais completa do que
qualquer um de seus outros escritos.

Teoria dos Transtornos Mentais de Frankl

Enquanto os leitores se aproximam dos capítulos da primeira parte


que demonstram 10 categorias de transtornos mentais, é útil recordar algo
que Frankl observa em seu prefácio à primeira edição, ou seja, que este
livro é baseado em palestras que ele deu na Universidade de Viena e nos
Estados Unidos, e, sob tais condições, é inevitável que haja lacunas e áreas
que se sobrepõem6. Compreender as origens deste livro em palestras nos
ajuda a entender por que o seu tratamento de várias doenças é um pouco
irregular: eles se desenvolveram organicamente dentro de um contexto
histórico e educacional. Para manter suas palestras relevantes para os
estudantes, ele ofereceu regularmente respostas a alguns dos movimentos
mais influentes de sua época. Por conseguinte, quase metade dos capítulos
da parte I é principalmente de natureza crítica; isto é, o seu principal
objetivo é adicionar equilíbrio, ou corrigir um erro em uma abordagem
dominante. O que se segue é uma tentativa de destilar e explicar as
principais contribuições sistemáticas (em vez de críticas) dos capítulos da
parte I.

O capítulo 1 de TTTM começa por apresentar um esquema de


classificação de eixo duplo para transtornos mentais. No entanto, antes de
examinar este esquema original e discutir seus méritos, será melhor
começar com uma pesquisa sobre sua divisão real de transtornos mentais
como foi desenvolvida nos capítulos 2 a 9; porque, como veremos, a sua

6
Isso inclui sobreposições com outros livros. Mesmo que o sistema de categorização e a maioria dos
casos em TTTM sejam exclusivos dele, aqueles familiares com seus livros em inglês irão reconhecer
algumas histórias, exemplos e comentários. Em parte, isso é porque alguns de seus livros em inglês,
como A Vontade do Sentido, não são meramente traduções, foram escritos em inglês. Então, é natural
que ele tenha incorporado eles algum material de obras não traduzidas.
categorização de transtornos mentais rapidamente se desvia de seu esquema
de eixo duplo anterior.

Dez categorias de Transtornos

A Tabela 1 apresenta as 10 categorias básicas de transtornos que


Frankl discute na parte I. Os leitores vão perceber imediatamente que suas
classes diferem significativamente das 16 classes encontradas no DSM.
Enquanto esta introdução procura fornecer uma ponte entre a logoterapia e
a DSM, é importante primeiro entender as classes de Frankl em seus
próprios termos.

Psicoses endógenas. O Capítulo 2 discute psicoses endógenas ou


transtornos mentais que têm uma base biológica. Frankl esclarece que
doenças psicóticas podem ser (embora não necessariamente) desencadeadas
por eventos psicológicos críticos, tais como a experiência de estresse
extremo ou alívio muito repentino. No entanto, elas permanecem
principalmente somatogênicas.

Embora a categoria de psicoses endógenas também inclua


esquizofrenia e transtornos bipolares, o foco principal do capítulo 2 está na
depressão endógena ou o que o DSM chama hoje de "Transtorno
depressivo com características melancólicas".

Neste capítulo Frankl lembra aos leitores que, por definição,


logoterapia é uma terapia que envolve a dimensão espiritual da pessoa.
Mas, se for o caso e se a depressão endógena tem uma base orgânica, então
o que a Logoterapia pode adicionar à compreensão de suas origens e
tratamento?

TABELA 1 REVISÃO DA CLASSIFICAÇÃO DE TRANSTORNOS


MENTAIS DE FRANKL

*TERMINOLOGIA **DESCRIÇÃO EXEMPLO


DE ILUSTRATIVO
CLASSIFICAÇÃO DO TTTM
DE FRANKL

Psicoses Endógenas Transtornos mentais de Depressão


(Capítulo 2) origem biológica.
Doenças Doenças físicas Asma
Psicossomáticas desencadeadas por fatores
(Capítulo 3) psicológicos, mas que não
são causadas por eles.
Neuroses de órgãos Transtornos que envolvem Transtorno de
(Capítulo 4) sintomas físicos que Conversão
parecem ser causados por
uma condição médica, mas
são causados por fatores
psicológicos.
Doenças Funcionais Transtornos que Despersonalização
ou pseudo-neuroses apresentam sintomas secundária à
(capítulo 4) psicológicos típicos de insuficiência
neuroses, mas têm uma corticoadrenal
causa psicológica (Pseudo-neurose
Addisoniana)
Neurose Reativa Transtornos mentais que Fobia de suar por
(capítulo 5) aparecem a partir de uma causa de ansiedade
reação psicológica a uma antecipatória
perturbação somática ou
psíquica
Transtornos de Traços de personalidade Transtorno de
personalidade constitucionais que personalidade
(Psicopatias) (capítulo parecem traços neuróticos, obsessivo compulsivo
5) mas em menor gravidade.
Como são constitucionais,
são traços invasivos,
inflexíveis e estáveis.
Neuroses Iatrogênicas Transtornos mentais Fobia de desenvolver
(capítulo 6) causados ou exarcerbados psicose por causa de
por intervenções falha médica ao
terapêuticas explicar ou
compartilhar um
diagnóstico
Neuroses Transtornos mentais Transtorno de tique
Psicogênicas causados por fatores em reação a conflitos
psicológicosTranstornos familiares estressores
Mentais causados por
fatores psíquicos
Neuroses Noogênicas Transtornos mentais que tTranstorno de
emergem de causas ajustamento com
espirituais ou existenciais humor deprimido em
reação a divórcio
Neuroses Coletivas Atitudes doentias Fatalismo
pandêmicas que são
chamadas de coletivas por
causa de influência e
prevalência social. Como
pessoas saudáveis podem
ter esses traços, isto é um
conceito para-clínico
*o esquema de Frankl divide as classes primeiramente de acordo com a
etiologia, não pela apresentação clínica como no DSM. (a) A maioria de
suas classes não tem equivalências no DSM, mesmo nos casos em que a
psiquiatria moderna reconhece a etiologia, e (b) o mesmo transtorno no
DSM pode aparecer em uma ou mais classes de Frankl, dependendo da sua
etiologia.
**Frankl percebe que fatores causais, como hereditariedade, ambiente e
fatores espirituais, interagem. Então, suas categorias representam
diagnósticos ideais.

Frankl parece ter essa questão em mente quando ele observa que doenças
psicóticas são capazes de serem moldadas por muitas variáveis, incluindo
traços de personalidade, o Zeitgeist e as atitudes livres de uma pessoa. A
análise existencial, que é um aspecto da logoterapia, procura revelar a
pessoa que pode aparecer escondida atrás de sintomas psicóticos. Isso,
então, permite que a logoterapia ofereça terapia suplementar do tipo
descrito na parte II. Embora a depressão deva ser tratada
farmacologicamente, uma psicoterapia complementar pode ter três
finalidades:

1. Para evitar uma depressão secundária decorrente de causas


psicogênicas ou noológicas (por exemplo, uma pessoa tornar-se ainda mais
deprimida devido à sua incapacidade de trabalhar);

2. Para consolar pacientes, para ajudá-los a viver com a doença e


talvez encontrar sentido em seu sofrimento;

3. Para evitar o suicídio.

Doenças psicossomáticas. O capítulo 3 é principalmente dedicado a


oferecer reflexões importantes sobre teorias psicossomáticas desenvolvidas
nos Estados Unidos e Alemanha. Na opinião de Frankl, ambos se apoiam
em uma compreensão defeituosa da relação entre o espírito, psiquismo e
corpo. A medicina psicossomática americana frequentemente identifica a
mente com o corpo, enquanto a medicina psicossomática alemã
frequentemente vê a mente como determinante de todos os estados
corporais. Em contraste com as duas abordagens, Frankl insiste que é
possível que uma pessoa mentalmente saudável esteja fisicamente doente,
assim como é possível que alguém com uma doença mental seja
fisicamente saudável.

Porque a maior parte do capítulo é de natureza crítica, seus


argumentos sistemáticos originais podem ser facilmente ignorados. O
primeiro destes é de definição (e aqui ele desvia significativamente do
DSM). De acordo com Frankl, doenças psicossomáticas são entendidas
melhor como doenças que são "desencadeadas", mas não causadas por
fatores psicológicos. Por exemplo, um ataque de um indivíduo asmático
pode ser desencadeado por um evento estressante, mas a etiologia deste
transtorno não é estritamente psicológica.

Em segundo lugar, Frankl sugere que nós faríamos bem em nos


concentrarmos mais no papel psicohigiênico da interação psicossomática
do que em doenças psicossomáticas. Ele observa que os estados
psicológicos podem afetar o status do nosso sistema imune, e, assim,
determinar se uma infecção vai ou não manifestar-se. Assim, em vez de
procurar causas psicológicas para doenças corporais, devemos investigar
por que algumas pessoas permanecem saudáveis apesar de serem expostas
aos mesmos agentes patogênicos que causam a doença
em outros. A este respeito, a visão frankliana acerca das interações
psicossomáticas antecipou muito do que viria a ser debatido e pesquisado
pelo movimento da psicologia positiva (Snyder & Lopez,
2002), incluindo estudos sobre fatores pessoais que influenciam a
resiliência (Masten & Reed, 2002).

Neuroses de órgãos. Em nenhum lugar de TTTM as chamadas


neuroses de órgãos são sistematicamente discutidas. No total, três frases
são dedicadas para elas; duas no capítulo 1 e uma no capítulo 4. No
entanto, Frankl claramente pressupõe que o leitor está familiarizado com
tais transtornos e dado o seu uso restrito do termo "doenças
psicossomáticas", é necessário reconhecer as poucas passagens que ele
dedica às neuroses de órgãos. Ele define neuroses de órgãos como os
efeitos somáticos de causas psicológicas. Embora ele não forneça qualquer
exemplo, é claro que ele está se referindo a transtornos somatoformes como
transtorno de conversão.7

Assim, Frankl, de fato, reconhece que fatores psicológicos podem


fazer mais que desencadear sintomas físicos; mas, quando o fazem, ele fala
de neuroses de órgãos em vez de transtornos psicossomáticos ou
somatoformes.

As doenças funcionais ou Pseudoneuroses. De todos os capítulos em


TTTM, a terminologia usada no capítulo 4 será a mais estranha para os
leitores. Sem maiores explicações, a maioria dos leitores pode achar que
toda a conversa sobre pseudoneuroses Addisoniana, Basedowiana e
Tetanoide seja bobagem. Frankl estava bem ciente deste fato, e geralmente
evitava discutir os fenômenos apresentados neste capítulo quando falava
nos Estados Unidos8. No entanto, é neste capítulo, mais do que em
qualquer outro, que revela que Frankl era um psiquiatra astuto, bem à
frente de seu tempo ao explorar o uso de tratamentos psicofarmacológicos.

Os transtornos que ele descreve como pseudo-neuroses ou doenças


funcionais foram categorizados usando o DSM como "Transtornos Mentais
Devido a uma Condição Médica”. Doenças funcionais do tipo I
(Basedowiana) envolvem os chamados sintomas neuróticos, tais como
agorafobia, provocados por hipertireoidismo. Doenças funcionais do tipo II
(Addisoniana) envolvem sintomas neuróticos, tais como despersonalização,
causada por hipocortisolismo. Doenças funcionais do tipo III (Tetanoide)
envolvem sintomas neuróticos, como a claustrofobia ou
espasmos, que surgem de transtornos dos sistemas nervoso central e
periférico, geralmente resultante de baixos níveis de cálcio ionizado ou,
mais raramente, magnésio.

A razão pela qual Frankl chama esses transtornos de "pseudo-


neuroses" será discutido abaixo na seção que aborda a CID.

7
Esta interpretação está confirmada no apêndice de Lehrbuch der Logotherapie, 2ª edição, que fornece
equivalências no CID-10 para a maioria dos diagnósticos logoterapêuticos (Lukas, 2002, p245).
8
Quando discursou sobre a teoria e terapia das neuroses na Universidade Internacional da Califórnia,
um aluno que havia lido o livro de Frankl em alemão perguntou se ele iria discutir as pseudoneuroses.
Frankl respondeu que fazer isso iria confundir a sala porque a terminologia e classificação usadas nos
EUA são muito diferentes da dele. Viktor Frankl, fita cassete, “Teoria e Terapia das Neuroses: série de
palestras na USIU California, Janeiro a Março de 1974”.
Neuroses reativas. Dois dos capítulos da parte I apresentam classes
de transtornos para os quais a logoterapia pode fornecer a terapia principal.
O capítulo 5 apresenta uma destas, a classe das chamadas neuroses reativas.
As neuroses reativas surgem da luta a favor ou contra alguma coisa.

A gama de neuroses reativas específicas é extremamente ampla.


Algumas neuroses reativas envolvem reações às doenças funcionais
primárias (por exemplo, o paciente ter medo de sofrer despersonalização),
enquanto outras envolvem reações a sintomas que não são por si só
patológicos (por exemplo, um medo neurótico de ficar corado).

Frankl, no entanto, se concentra em três padrões principais de reação


neurótica. O padrão de reação de ansiedade envolve ansiedade
antecipatória em que uma reação ansiosa (digamos, gagueira ou sudorese
excessiva) é temida e combatida; este medo, em seguida, dá origem a uma
reação ansiosa, formando um círculo vicioso. O segundo padrão é a reação
obsessiva-compulsiva. Ela envolve uma ideia obsessiva-compulsiva que é
temida e combatida, o que aumenta a tensão psicológica e aumenta a
probabilidade de comportamento compulsivo. Finalmente, o padrão de
reação sexual envolve uma elevada autoanálise que surge quando a atenção
do paciente torna-se fixada numa reação sexual (por exemplo, a potência
ou orgasmo) tirando, assim, a atenção do paciente do estímulo sexual (o
parceiro) e interferindo com a reação sexual espontânea.

O capítulo 12 é inteiramente dedicado para o tratamento de


transtornos reativos.

Neuroses iatrogênicas. O capítulo 6 é dedicado à discussão de


neuroses iatrogênicas, ou aquelas neuroses que surgem em reação à
intervenção do médico ou terapeuta. Enquanto Frankl dedica um capítulo
às neuroses iatrogênicas e, de fato dá-lhes um nome único, elas podem ser
entendidas como um subconjunto de neuroses reativas.

A atenção especial que ele dedica às neuroses iatrogênicas é melhor


compreendida ao recordarmos que Frankl viveu e trabalhou em Viena,
onde a psicanálise freudiana governava suprema. Enquanto Frankl
admirava e alegava ser profundamente grato a Sigmund Freud, ele nunca
escondeu sua convicção de que a psicanálise muitas vezes faz mais mal do
que bem. Embora o capítulo contenha avisos e advertências diversas, ele
tem dois temas principais.
Em primeiro lugar, ao realçar um sintoma na terapia, é possível que
isso provoque uma ansiedade antecipatória, o que, por sua vez, serviria
para consolidar os sintomas. Por exemplo, a psicanálise pode levar a um
escrutínio forçado de sintomas neuróticos, aumentando a ansiedade
antecipatória dos sintomas e o medo de que os sintomas sejam precursores
de uma doença psicótica. Isto pode contribuir para um padrão de reação
ansioso ou obsessivo-compulsivo do tipo descrito no capítulo 5.

Em segundo lugar, Frankl oferece várias recomendações a


terapeutas, para ajudá-los a evitar desencadear neuroses iatrogênicas. Os
terapeutas devem permitir que os pacientes falem e objetivem seus
sintomas. Eles devem validar a realidade de seus sintomas e evitar a
banalização destes sintomas, mesmo quando não há causa orgânica. Acima
de tudo, eles devem evitar diagnósticos prematuros e a estigmatização dos
pacientes, ser franco e oferecer conforto apropriadamente. Por exemplo,
quando eles parecerem estar preocupados, os pacientes com transtorno
obsessivo-compulsivo devem ser assegurados de que os seus sintomas não
são precursores de transtornos psicóticos.

Neuroses psicogênicas. Dado que Frankl chamou a obra TTTM de


teoria e terapia das neuroses, e que ele define neuroses em sentido estrito
como transtornos mentais com causas psicológicas, é irônico que no
capítulo 7, o único capítulo dedicado às neuroses psicogênicas, ele (a) dá
muito poucos exemplos de transtornos genuinamente psicogênicos, e (b)
dedica mais tempo para mostrar como supostas causas psicológicas das
neuroses ou de não têm nenhum papel causal (mas são, na verdade, os
sintomas de transtornos ou meramente moldam os transtornos) ou pelo
menos pressupõem condições causais específicas (como uma faísca apenas
faz o fogo quando o oxigênio e combustível estão disponíveis).

Assim, ele dá um exemplo de uma mulher cujo conflito conjugal foi


supostamente o culpado por seus sintomas neuróticos, quando na realidade
ela sofria de hipertireoidismo. A prova: seu conflito conjugal manteve-se
mesmo depois de ela ser tratada com sucesso para o hipertireoidismo e seus
sintomas neuróticos desaparecerem. Ele nos adverte que os conflitos e
traumas psicológicos são onipresentes, mas raramente patogênicos. Na
verdade, eles podem ser saudáveis na construção de uma "imunidade
psicológica".
Frankl passa a discutir as condições causais que são necessárias para
que uma neurose crie raízes, ou seja, as variáveis constitucionais, como
transtornos de personalidade ou histórico familiar. Após esta breve
discussão, ele escreve: "Tudo isso pode nos servir de precaução em
entender a psicogênese literalmente demais, mesmo que sejam doenças
neuróticas em sentido estrito”. Mesmo que ele qualifique esta observação,
ela continua a ser uma declaração chocante vinda de um psiquiatra
vienense!

É bastante claro que, neste capítulo, ele está desafiando a psicanálise


de sua época, que via todas as neuroses como resultado de conflitos e
traumas psicológicos. No entanto, Frankl manteve a ideia de que a mente
tem uma dimensão inconsciente, que inclui tanto elementos irracionais
quanto racionais. E ele afirmou que transtornos poderiam surgir do
processamento inconsciente de conflitos. Em TTTM, ele cita o caso de uma
modelo que desenvolveu um tique em resposta a um cenário que
inconscientemente a lembrou das exigências que sua mãe e seu pai
colocavam sobre ela. Em suas palestras gravadas em fita sobre a teoria das
neuroses, ele dá um exemplo ainda mais marcante de um transtorno que
provavelmente tem suas raízes em conflitos inconscientes: um homem com
um fetiche sexual envolvendo rãs e cola9. No entanto, mesmo aqui, ele se
apressa a acrescentar que, embora a compreensão das causas de um
transtorno provavelmente requeresse psicanálise, o tratamento não
precisava.

Neuroses Noogênicas. Considerando que os capítulos anteriores


concentraram-se em contribuições psicológicas e somáticas para
transtornos mentais, este capítulo explora o papel que fatores espirituais
podem ter na origem de neuroses. Reiteramos que Frankl não está
trabalhando com uma noção religiosa do espiritual; ao contrário, ele usa o
termo para se referir a pessoas como livres, responsáveis e orientadas para
o sentido. Porque o psicológico está tão intimamente ligado a variáveis
constitucionais10, e está sujeito a leis próprias, ele acha necessário

9
Veja a nota 5
10
No final do capítulo 10, Frankl fala que a personalidade (Transtorno de personalidade), neurologia
(simpaticotonia) e funções endócrinas (hipertireoide) são elementos chave da constituição. Em outra
parte do livro ele deixa claro que a hereditariedade pode ter uma grande influência nestes três
elementos.
distinguir claramente o psicológico da dimensão de liberdade das pessoas, a
que ele chama de espiritual.

A intenção de Frankl neste capítulo não é "medicalizar" problemas


existenciais. Ele insiste que nem todas as crises existenciais ou espirituais
são patogênicas ou neuróticas. Algumas crises são parte de processos de
maturação normais. Outras são aspectos inevitáveis da condição humana.
(Em outro lugar ele fala sobre a tríade trágica de sofrimento, culpa e morte,
que são essenciais para toda vida humana [Frankl, 1985].) E, de fato, no
passado, as pessoas não consultavam médicos sobre suas crises espirituais.
Mas, como Frankl observa (e ele cita um bom número de outros psiquiatras
que fizeram a mesma observação), cada vez mais pessoas estão se voltando
para os psiquiatras e terapeutas com problemas que anteriormente teriam
sido levados aos religiosos. E terapeutas não devem ignorar os problemas
existenciais, porque, embora eles não precisem ser patogênicos, eles podem
causar ansiedade, depressão e outras perturbações.

Neuroses coletivas. O Capítulo 9 apresenta uma ruptura do resto da


parte I. Depois de apresentar os resultados de vários estudos que
supostamente mostram que a taxa de transtornos psiquiátricos tem-se
mantido relativamente constante através do tempo, Frankl escreve:

Além de neuroses, no sentido mais estrito da palavra, nós


compreendemos neuroses num sentido mais amplo, por exemplo
neuroses somatogênicas, noogênicas e sociogênicas. No caso de
cada uma destas, nós estamos lidando com neuroses no sentido
clínico. Mas também existem neuroses em um sentido meta-clínico e
neuroses em um sentido para-clínico. As neuroses coletivas
pertencem a este último. Elas são quase-neuroses, neuroses num
sentido ampliado.

Assim, ao falar de neuroses coletivas, ele não está falando de uma


pandemia de neuroses clínicas. Os traços sociais doentios que aborda
podem contribuir para a doença mental, e quando o fazem Frankl fala de
uma sociogênese da doença. Mas as pessoas que sofrem de traços
neuróticos coletivos não precisam ficar mentalmente doentes ou
clinicamente neuróticas. Em vez disso, ao falar de uma neurose coletiva,
ele refere-se a quatro características disfuncionais que as pessoas
amplamente possuem e que caracterizam a época. Enquanto Frankl
publicou TTTM pela primeira vez em 1956, não tenho conhecimento de
que a sua descrição dos traços mudou significativamente nas mais de
quatro décadas em que ele revisou o livro. Em seus escritos, e no capítulo
9, ele refere-se às seguintes características como caracterizando a neurose
coletiva da era presente:

• A atitude existencial provisória: imergir-se inteiramente nos dias atuais,


sem preocupação com o futuro;

• A atitude fatalista em relação à vida: Acreditar que a vida está fadada ou é


controlada por fatores externos tais como os que se afirmam na astrologia;
• Pensamento coletivista: desejo de ser absorvido pela multidão, e
abandonar a visão de si mesmo como livre e responsável;
• Fanatismo: ignorar a personalidade dos outros e a validade do
sentidos defendidos por outros.

Por que, podemos perguntar, a sociedade contemporânea sofre desses


sintomas neuróticos coletivos? Frankl sugere o seguinte:

Todos os quatro sintomas da neurose coletiva – a atitude


existencial provisória, as atitudes fatalistas em relação à vida, o
pensamento coletivista e o fanatismo – podem ser rastreados até uma
fuga da responsabilidade e um medo da liberdade. Liberdade e
responsabilidade, no entanto, constituem a espiritualidade
(Geistigkeit) das pessoas humanas.

Por alguma razão, Frankl descobriu que as pessoas hoje "estão


espiritualmente cansadas; e este cansaço espiritual é precisamente a
natureza do niilismo contemporâneo". Talvez mais precisamente, ele
poderia ter dito que o cansaço espiritual ajuda a explicar as atitudes
reducionistas que ele em outros lugares classificou como o niilismo da
época (1978, p. 61).

O niilismo permaneceu um tema constante ao longo da carreira de


Frankl. A razão para isso é talvez mais claramente exposta em Psicoterapia
e o Sentido da Vida, publicado em 1946, logo depois que ele foi liberado
do último dos campos de concentração nazistas, onde ele esteve detido:
"Estou absolutamente convencido de que as câmaras de gás de Auschwitz,
Treblinka e Majdanek não foram preparadas em algum Ministério ou outro
em Berlim, mas, sim, nas mesas e nas salas de aula de cientistas e filósofos
niilistas" (Frankl, 1986, p. XXVII). Ou seja, o nazismo foi fruto de ideias
desordenadas que se tornaram amplamente aceitas na sociedade. Não é de
se admirar, então, que Frankl estivesse preocupado com atitudes e
pensamentos doentios para além do ambiente clínico.

Esquema de categorização

Passamos agora para os princípios gerais de categorização que


Frankl desenvolve no capítulo 1. Ele começa por propor dois eixos:

1. A fenomenologia ou sintomatologia (isto é, a forma como uma


doença se apresenta);

2. Etiologia (isto é, a causa ou gênese de uma doença).

Cada eixo é então ainda definido como somático ou psicológico.


Frankl usa esse esquema para produzir quatro definições importantes.
Neuroses no sentido estrito podem ser definidas como doenças
psicogênicas e feno-psíquicas. Psicoses são doenças somatogênicas e feno-
psicológicas. Neuroses de órgãos são transtornos psicogênicos feno-
somáticos. Transtornos médicos tradicionais como doença cardíaca ou
gripe são feno-somáticas e somatogênicas (ver tabela 2).

TABELA 2 ESQUEMA DE CATEGORIZAÇÃO DUPLO AXIAL


FENO-PSÍQUICA FENO-SOMÁTICA
PSICOGÊNICA Neuroses Neuroses de órgãos
SOMATOGÊNICA Psicose Transtornos médicos
tradicionais

Neste ponto, é fácil entender por que esta introdução primeiro


apresentou as categorias de transtornos mentais antes de apresentar o
esquema global de categorização. Das nove categorias de transtornos
clínicos, apenas duas se encaixam muito bem no esquema; as restantes
cabem de forma ambígua, mal, ou de forma alguma. Ver tabela 3.

TABELA 3 A adequação de cada classe ao esquema de classificação


Classe Adequação Comentário
(endógena) Psicose Boa Definido no esquema
(o que torna o adjetivo
endógeno redundante)
(Psicogênica) Neuroses Boa Definido no esquema
(o que torna o adjetivo
psicogênico
redundante)
Neurose Reativa Ambígua Em resumo, Frankl as
chama de psicogênica,
mas, em outros lugares,
elas aparecem como
criptogênica –
dependendo da
genética ou fatores
constituintes.
Neurose Iatrogênica Ambígua São tratadas como as
neuroses reativas.
Contudo, em um
sentido amplo, males
iatrogênicos podem ser
mediados pelo corpo
ou pela mente.
Transtorno de Ambíguo A causa dos
personalidade transtornos
constitucionais de
personalidade não são
claras.
Noogênico Ruim Causas noogênicas não
são reconhecidas pelo
esquema.
Doenças Ruim A noção de
Psicossomáticas desencadeamento não
está incluída na
etiologia
Pseudo-neuroses Antitética Tecnicamente
caberiam na definição
de psicoses, mas são
chamadas de pseudo-
neuroses.
Neuroses de órgão Antitética São chamadas de
neurose, mas não
cabem na definição
porque a
sintomatologia não é
psicológica.

Frankl, certamente, não se afastou de seu próprio esquema


involuntariamente. Ele deixa claro que, para fins didáticos e heurísticos, é
útil distinguir entre diferentes categorias de transtornos. No entanto, no
prefácio à primeira edição de TTTM, ele escreve:

Na verdade não há neuroses puramente somatogênicas,


psicogênicas ou noogênicas, apenas casos mistos – casos em
que os aspectos somatogênicos, psicogênicos ou noogênicos
vão para a dianteira da teoria ou da terapia.

Além disso, ele indica expressamente que o termo neurose pode ser
usado em um sentido estrito (como foi definido), bem como, num sentido
mais frouxo. No capítulo 8, ele escreve "Há crises existenciais de
maturação que procedem de acordo com o padrão clínico de uma neurose
sem ser neuroses no sentido estrito da palavra, ou seja, no sentido de uma
doença psicogênica".

No entanto, mesmo quando ele usa o termo neurose num sentido


mais amplo, é claro que ele não o vê como sinônimo de transtornos mentais
em geral. Ele vê neuroses, mesmo no sentido mais amplo, como tendo um
padrão clínico distinto de psicoses e transtornos de personalidade. Entender
o que significa este padrão clínico padrão vai exigir que nós investiguemos
o contexto de sua prática de psiquiatria.

A CID-9: A chave para entender a terminologia de Frankl

Pelo menos uma das razões para Frankl apresentar uma classificação
ideal e, em seguida, desviar-se imediatamente dela pode ser encontrada no
fato de que ele trabalhou como psiquiatra em uma grande clínica. Entre
outras coisas, isso significava que ele precisava se comunicar com os
colegas e escrever prontuários11. Na Europa, a Classificação Internacional
da Organização Mundial da Saúde de Doenças (CID) é o manual de
diagnóstico padrão utilizado por psiquiatras, e sua linguagem influenciou
muito Frankl. A CID-9 foi a edição da CID usada entre 1979-1998,

11
Pode haver a argumentação de que não só sua divisão dos transtornos, como seu esquema de eixo
duplo são uma concessão para a abordagem diagnóstica padrão da psiquiatria porque ela deixa as
causas noogênicas de fora.
período durante o qual a maioria das edições do TTTM foi produzida12.
Uma olhada rápida na forma como a CID-9 define psicoses e neuroses
pode ser útil.

A ICD-9 define psicoses como:

Transtornos mentais em que o comprometimento da função


mental está desenvolvido em um grau que interfere grosseiramente
com o discernimento, a capacidade de atender a algumas exigências
comuns da vida ou manter um contato adequado com a realidade.
Não é um termo exato ou bem definido. Retardo Mental é excluído.

A CID-9 inclui neste verbete não só esquizofrenia e transtornos


delirantes afins, mas também a melancolia e o transtorno maníaco-
depressivo, assim como Frankl fez (em contraste com o DSM).

Enquanto a mais recente CID-10 abandonou a distinção entre


psicoses e neuroses (Organização Mundial de Saúde, 1992), a CID-9 diz
que, embora a "distinção entre a neurose e a psicose seja difícil
e continue a ser objeto de debate”, ela foi mantida “tendo em vista sua
ampla utilização”. Ela ofereceu a seguinte definição de neuroses:

Transtornos neuróticos são transtornos mentais, sem qualquer


demonstrável base orgânica em que o paciente pode ter um
considerável discernimento e passa sem prejuízo por teste de
realidade, em que ele geralmente não confunde suas experiências e
fantasias morbidamente subjetivas com a realidade exterior. O
comportamento pode ser muito afetado, embora geralmente
permaneça dentro de limites socialmente aceitáveis, mas a
personalidade não é desorganizada.
As principais manifestações incluem ansiedade excessiva,
sintomas histéricos, fobias, sintomas obsessivos e compulsivos,
e depressão. (CID-9 no código 300, Transtornos neuróticos).

Assim, na CID-9, a diferença entre psicoses e neuroses era uma


questão de gravidade dos sintomas psicológicos, isto é, se o paciente
mantinha uma noção e capacidade de distinguir fantasia e realidade, não
uma diferença na etiologia.
12
A CID-9 foi substituído pela CID-10. Entanto, o Centro de controle e prevenção de doenças americano
(CDC) publicou um sistema de classificação online em
ftp://ftp.cdc.gov/pub/Health_Statistics/NCHS/Publications/ICD-9/ucod.txt.
Isso nos ajuda a entender por que Frankl chamaria doenças
funcionais de "pseudo-neuroses" em vez de psicoses: embora tenham uma
causa orgânica e manifestações psicológicas (cabendo, portanto, na
definição de psicoses), o conjunto de sintomas é mais suave do que os
típicos das psicoses, isto é, eles aparecem como uma neurose no sentido da
CID-9, mas, por causa de suas bases orgânicas, são "pseudo-neuroses".

Mais uma vez, à luz da CID-9, entendemos por que Frankl falou de
neuroses noogênicas. Embora elas não sejam psicogênicas (um elemento
essencial da definição de Frankl de neuroses), elas aparecem como
neuroses como descrito na CID-9.

Ao pesquisar a CID-9, percebe-se que o esquema de classificação de


Frankl, embora original, também estava, em grande parte, de acordo com a
estrutura de diagnósticos usada predominantemente na Europa. A CID-9
falou em formas de depressão psicogênica (298,0) e endógena (296,1), bem
como formas de depressão neuróticas e psicóticas13.

O Sistema de classificação de Frankl e o DSM: Uma Ponte para a


Psiquiatria Americana

Como muitos leitores vão estar mais familiarizados com o sistema de


classificação utilizado no DSM, tentei apresentar equivalentes do DSM
para a terminologia de diagnóstico de Frankl na tabela 4. No entanto, este
quadro deve ser lido com diversas advertências em mente.

Em primeiro lugar, eu não tentei fornecer equivalentes do DSM para


suas 10 classes ou categorias de transtornos, mas apenas para doenças
específicas. A razão é simples: Porque o sistema de classificação do DSM é
baseado principalmente na apresentação ou sintomatologia, enquanto o de
Frankl é baseado principalmente na etiologia, então, na maioria dos casos,
não existem correlações.

13
Dito isso, a CID-9 alerta seus leitores que “vários termos populares têm significados diferentes no uso
atual” (Introdução à parte 5. Transtornos Mentais). Por exemplo, o uso do termo “reativo” pela CID-9 é
mais para se adequar ao termo “transtorno de adequação” usado pelo DSM do que os padrões reativos
de Frankl. Além disso, a CID-10 foi mais além da terminologia tradicional de Frankl. Elisabeth Lukas
(1997, 2002) explora como a categorização e vocabulário de Frankl se equivalem à CID-10. Ela descobriu
que a abordagem da CID é falha, mas contém equivalências que podem ser usadas. Minha própria
pesquisa aproveitou muito do trabalho dela.
Em segundo lugar, eu não listei todos os transtornos que Frankl
abordou em seus escritos, mas apenas os principais transtornos que ele
apresentou em TTTM.

Em terceiro lugar, o fato de o DSM ter uma equivalência significa


apenas que a Associação Americana de Psiquiatria (APA) reconhece o
mesmo fenômeno sintomatológico. Isso não implica, de forma alguma, que
o DSM explique o transtorno da mesma forma (Por exemplo, o DSM não
está comprometido com o reconhecimento de uma dimensão noológica).

Por fim, a tabela não pode ser entendida como verdade absoluta.
Diagnosticar é uma arte, e outros podem discordar sobre a melhor forma de
rotular o mesmo transtorno que Frankl discutiu.

TABELA 4 Classificação para a Terminologia dos Transtornos de Frankl


Terminologia de Frankl Classificação no DSM
Classe: Psicose Endógena
Depressão Endógena 296.2x Transtorno depressivo grave,
episódio único;
296.3x Transtorno depressivo grave,
recorrente (Frankl foca em casos
com características melancólicas);
300.4 Transtorno Distímico.
Esquizofrenia 295.xx Esquizofrenia

Classe: Doença Psicossomática


Asma Desencadeada (não causada) 316 Fatores psicológicos afetando
por stress ou outro fator psicológico uma condição médica.
Classe: Neurose de Órgão
Vários Transtornos Somatoformes (485) Transtornos Somatoformes,
ex 300.11 transtorno de conversão.
Classe: Doenças funcionais ou pseudo-neuroses
Pseudo-neurose Basedowiana 293.84 Transtorno de Ansiedade
(hipertireoidismo disfarçado) causado por uma condição médica
geral (hipertireoidismo). Eixo III.
CID-9 código:242.9 tireotoxicose
sem menção à bócio ou outra causa.
Pseudo-neurose Addisoniana 293.9 Transtorno mental não
(hipocortisolismo disfarçado) especificado causado por uma
condição médica geral (transtorno
de despersonalização causado por
Doença de Addison ou
hipocortisolismo). Eixo III. CID-9
Código:252.1 Insuficiência cortico-
adrenal.
Pseudo-neurose tetanoide 293.84 Transtorno de ansiedade
causado por uma condição médica
geral (paratireoide tetânia) Eixo III
CID-9 Código:252.1
Hipoparatireoidismo
Síndrome vegetativa (incluindo 293.9 Transtorno mental não
vagotonia e simpaticotonia) especificado causado por uma
condição médica geral (ex.
hipocondria causada por doença no
sistema nervoso autônomo) Eixo III
CID-9 Código:337 Doenças do
sistema nervoso autônomo. Nota: o
CID-10 oferece um equivalente
direto: F06.6
Classe: Neurose Reativa
Neurose de Ansiedade (fobias) 300.29 Fobia específica (especifique
o tipo)
Transtorno obsessivo-compulsivo 300.3 Transtorno obsessivo-
compulsivo
Padrões sexuais neuróticos (535) Transtornos sexuais e de
identidade sexual
Impotência 302.72 Disfunção erétil masculina
Frigidez 302.73 Disfunção orgásmica
feminina; 301.71 Transtorno do
desejo sexual hipoativo
Vaginismo 306.51 Vaginismo
Insônia 307.42 Insônia Primária
Classe: Neurose Iatrogênica
Neurose de ansiedade iatrogênica Use o diagnóstico que melhor se
adeque aos sintomas ou 300.0
Transtorno de ansiedade não
especificado
Classe: Neurose Psicogênica
Depressão Neurótica 300.4 Transtorno Distímico
Classe: Neurose Noogênica
Síndrome Vegetativa Noogênica 309.9 Transtorno de adaptação não
Branda especificado; ou use outro código
que se adeque à etiologia como
V62.82 Luto v62.2 Problema
ocupacional V62.89 Problema
religioso ou espiritual V62.89
Problema de fase da vida
Neurose de ansiedade noogênica 309.24 Transtorno de adaptação
com ansiedade 300.xx transtorno de
ansiedade com outros sintomas; ou
use outro código dependendo da
etiologia, como v62.89 Problema
espiritual ou religioso
Depressão noogênica 309.0 Transtorno de adaptação com
humor depressivo; 300.4 Transtorno
distímico; ou, dependendo da
etiologia, considere: 313.82
Problema de Identidade, V62.82
Luto. V62.2 Problema Ocupacional,
v62.89 Problema espiritual ou
religioso
Classe: Transtorno de Personalidade (Psicopatia)
Transtorno de Personalidade 301.4 Transtorno de Personalidade
Anancástica obsessivo-compulsivo.
Legenda DSM: .x ou.xx = o diagnóstico requer maiores especificações ou
subtipos. Números em parênteses indicam a página do DSM, não códigos,
estes são apresentados em classes, ao contrário de transtornos específicos,
que têm códigos.

Avaliação do Sistema de Classificação

O sistema de classificação de Frankl é, ao mesmo tempo, sofisticado


e original (especialmente quando se considera o contexto histórico do
livro). Mas enquanto transtornos individuais podem ser facilmente
traduzidos da língua de Frankl para o idioma contemporâneo de
diagnóstico da CID ou DSM (ver tabela 3), muitas de suas categorias
abrangentes ou classes não podem ser traduzidas (ver tabela 1). Será que
isto torna seu sistema de categorização geral obsoleto?

Em grande parte, a resposta depende de se o leitor acha convincente


sua razão para falar de uma determinada categoria de transtornos. Uma
intervenção terapêutica pode causar ansiedade ou exacerbar a depressão?
Se assim for, então, reconhecer uma categoria de transtornos iatrogênicos
serve como um lembrete útil para ser um terapeuta perspicaz. Existe uma
livre e responsável dimensão noológica ou espiritual da pessoa que não seja
redutível ao psicológico? Podem sintomas neuróticos como a depressão ou
a ansiedade surgirem de coisas como conflitos de consciência ou de uma
percepção de falta de sentido na vida? Se sim, então, reconhecer uma
categoria de transtornos noogênicos nos ajudará a evitar tendências
reducionistas e oferecer tratamentos adequados. Nós podemos,
por exemplo, sermos mais lentos para prescrever e mais rápidos para nos
envolvermos em diálogos socráticos com os pacientes.

A introdução do DSM lembra aos leitores que, uma "nomenclatura


oficial deve ser aplicável em uma ampla diversidade de contextos. O DSM-
IV é utilizado por clínicos e pesquisadores de muitas orientações diferentes
(por exemplo, biológica, psicodinâmica, cognitiva, comportamental,
interpessoal, familiar/sistemas)". Sem dúvida, é mais fácil conseguir que
profissionais de saúde mental concordem que um padrão clínico de
sintomas pode significar um transtorno específico do que é fazê-los chegar
a um acordo acerca da causa da doença. Portanto, é compreensível que a
classificação dos transtornos do DSM e da CID se concentre mais na
apresentação clínica do que na etiologia.

No entanto, poderíamos argumentar que o sistema de classificação


etiológica (do tipo que Frankl demonstra) pode ser traduzido mais
facilmente para terapias adequadas, especialmente onde uma síndrome ou
padrão psicológico pode ser consequência de qualquer um de vários
fatores. No entanto, assim como Engelhardt (1996) faz uma distinção entre
conjuntos de julgamentos éticos que são apropriados para guiar a ação entre
amigos morais (por exemplo, membros de um partido político ou religião)
versus a sociedade em geral, talvez tenhamos que distinguir entre sistemas
de categorização apropriados entre os médicos que compartilham uma
visão etiológica do mundo e o grupo restante de profissionais da saúde
mental.

Prática Logoterapêutica: Eclética e Única

Aqueles que estão familiarizados com a obra de Frankl irão saber


que praticamente não há uma técnica bem conhecida que ele não tenha
usado em sua prática. Na introdução ao TTTM ele menciona o uso da
terapia de grupo para o alcoolismo, e ele faz inúmeros paralelos entre a
intenção paradoxal e uma variedade de técnicas de aprendizagem
comportamental; no Capítulo 2 somos estimulados a usar medicações
psicotrópicas para tratar a depressão endógena; no capítulo 7 lemos sobre o
uso da interpretação dos sonhos para tratar neuroses psicogênicas e
algumas neuroses noogênicas; no capítulo 12 Frankl descreve o uso de
tratamento de eletrochoque, e até menciona um paciente que foi avaliado
para uma lobotomia pré-frontal para tratar seu transtorno obsessivo-
compulsivo grave; e, no mesmo capítulo, ele descreve o uso de treinamento
autógeno para complementar derreflexão. Em outro livro, Die
Psychotherapie in der Praxis, ele também discute sobre o uso da sugestão,
hipnose e terapia de relaxamento.

Então, o que é distintivo sobre o tratamento logoterapêutico? Três


técnicas destacam-se14:

1. A intenção paradoxal;

2. Derreflexão;

3. Questionamento socrático/modificação de atitudes.

As duas primeiras técnicas são amplamente discutidas em TTTM.


Ele explica os mecanismos por trás deles e fornece exemplos com
numerosos casos, tanto em sua introdução quanto no capítulo 12.

A intenção paradoxal faz uso da capacidade humana de


"autodistanciamento”. Ela é indicada quando os pacientes se "defendem
contra" sintomas – quer pela luta ou pela fuga (ou seja, resistência ou
medo). Considere o exemplo de uma pessoa que gagueja, e lida com isso
ansiosamente, tentando não gaguejar. Pode-se dizer que a pessoa sofre de
uma ansiedade antecipatória que torna a situação pior. A intenção
paradoxal o encorajaria a tentar gaguejar, tanto quanto possível, portanto,
tirando o fôlego da ansiedade antecipatória. Frankl explica que esta técnica
funciona ao criar uma distância entre o paciente e seus sintomas. O fato de
que a intenção paradoxal pode ser bem-humorada também só ajuda nisto.

A derreflexão mobiliza a capacidade humana de autotranscedência.


Ela é indicada quando os pacientes lutam por um estado positivo (por

14
Distinta não significa exclusiva. Como dito acima, Frankl parecia ter orgulho do fato de que vários
terapeutas comportamentais observaram como intenções paradoxais têm técnicas antecipatórias como
terapia implosiva, provocação de ansiedade e modificação de expectativas.
exemplo, o sono ou uma ereção). Lutar por um estado positivo cria
hiperreflexão. Isto se torna problemático quando a atenção da pessoa está
focada em algo que deve acontecer naturalmente como um efeito colateral.
O sono vem quando menos esperamos; respostas sexuais são respostas
naturais a um parceiro sexual. A derreflexão promove a autotranscedência,
ao ajudar o paciente a praticar o "autoesquecimento", a fim de permitir que
os processos naturais produzam o estado desejado.

Enquanto Frankl distingue entre as técnicas e argumenta que elas têm


mecanismos diferentes, elas podem ser facilmente confundidas, uma vez
que o mesmo transtorno – digamos, insônia ou impotência – pode ser
tratada com intenção paradoxal em um caso e derreflexão em outro. A
razão para isto é que a etiologia de um mesmo transtorno pode ser
entendida de diferentes maneiras. A insônia pode ser entendida como o
resultado de uma hiperintenção do sono (caso em que é indicado
derreflexão) ou como o resultado de um medo ansioso da insônia (caso em
que a intenção paradoxal é indicada). Da mesma forma, a impotência pode
surgir a partir de um foco indevido em ficar ereto ao invés de focar no
parceiro (derreflexão) ou de antecipação ansiosa de impotência (intenção
paradoxal). Assim, conhecer o diagnóstico é insuficiente para determinar o
tratamento; é preciso primeiro procurar compreender a dinâmica
psicológica por trás do transtorno ou experimentar alguns tratamentos.

Frankl ilustra a última técnica, o diálogo socrático ou modificação de


atitude, em vários casos que ele apresenta em TTTM. Por exemplo, em seu
capítulo sobre a pastoral médica, ele descreve sua interação com um
homem que está contemplando suicídio após a perda de sua esposa:

Perguntamos ao paciente gravemente deprimido se ele tinha


considerado o que teria acontecido se ele tivesse morrido antes de
sua esposa. "Que pensamento insuportável", ele respondeu, "minha
esposa teria entrado em desespero”. E então simplesmente
respondemos: "Basta olhar, a sua esposa foi poupada disso, e você
não a poupou, assumidamente ao preço de agora ter que lamentar sua
passagem”. Neste momento, seu sofrimento assumiu um sentido: o
sentido do sacrifício.
A pergunta bem colocada de Frankl permitiu que o paciente visse a
situação sob uma nova luz; encontrar sentido em uma situação trágica pela
primeira vez.

Ao discutir o tratamento de neuroses noogênicas no capítulo 10, ele


fornece outro exemplo, desta vez, de uma mulher que tinha se tornado
nervosa e chorosa devido a um conflito. Ela sentia que precisava escolher
entre a sua fé (e criar seus filhos na fé) e seu marido, que era um ateu
declarado. Frankl deixa claro que, como o seu terapeuta, ele não tinha
autoridade para tomar essa decisão por ela. Mas, ao escutá-la, ele percebeu
que ela estava usando a linguagem que revelou o que sua consciência
estava lhe dizendo, que ela iria sacrificar a si própria, abandonando sua
religião. Ele então sondou a própria linguagem da senhora para ajudá-la a
entender e resolver o conflito que deu origem a seus sintomas nervosos.

Curiosamente, a técnica terapêutica de diálogo socrático ou


modificação de atitude não é de fato mencionada por Frankl em TTTM. Na
verdade, ele não fala nisso como uma técnica logoterapêutica em qualquer
de seus outros livros orientados para a clínica (Frankl, 1982, 1986). Eu
suspeito que a razão para isso seja simples: ele frequentemente ouviu a
acusação de que um terapeuta que acredita em espírito, que acredita em
uma hierarquia de valores, e acredita que os pacientes precisam encontrar
sentido em suas vidas... Que um terapeuta assim, inevitavelmente, deve
impor valores e uma visão de mundo em pacientes (Klingberg, 2002). Em
A Vontade de Sentido, Frankl escreveu: "um psicoterapeuta não irá impor
um valor sobre o paciente. O paciente deve ser encaminhado para sua
própria consciência" (1988, p. 66). Em Psicoterapia e o Sentido da Vida,
ele amplia esse debate, explicando que "O médico nunca deve ser
autorizado a assumir a responsabilidade do paciente; ele nunca deve
permitir que a responsabilidade se desloque para si mesmo... Ele deve se
contentar em
levar o paciente a uma experiência profunda no interior de sua própria
responsabilidade", (1986, p. 276). Ele oferece as mesmas advertências no
capítulo 10 do TTTM. No entanto, os críticos repetidamente negligenciam
este ponto.

Mas, mesmo que Frankl tenha hesitado em falar de diálogo socrático


como uma técnica central da logoterapia, seus alunos e colegas de
logoterapia não fizeram isso. Por exemplo, Fabry (1987) apresentou "O
Diálogo Socrático" e Lukas (1984, 2002) e Riemeyer (2002) apresentaram
"A Modificação de Atitudes" (Einstellungsmodulation) ao lado da intenção
paradoxal e derreflexão como técnicas corretamente logoterapêuticas. Eles
a viram como tão importante quanto a intenção paradoxal e a derreflexão
para a caixa de ferramentas da logoterapia.

Uma vez que seus alunos e colegas têm discutido essa técnica mais
sistematicamente, eles também têm discutido de forma mais explícita como
o terapeuta pode atingir um equilíbrio em não impor valores sobre os
pacientes ao mesmo tempo em que leva o paciente a atitudes mais
saudáveis e à descoberta do sentido. Num artigo intitulado, "Palavras-chave
como uma garantia contra a imposição de Valores pelo terapeuta", Lukas
(1999) lembra aos logoterapeutas que a voz da consciência do paciente (o
poder de discernir seu sentido) muitas vezes é ouvida nos diálogos. Apenas
o paciente pode resolver conflitos de valor ou encontrar sentido em uma
situação; ainda que muitas vezes achem isso difícil, muitas vezes eles não
ouvem a voz de sua própria consciência ou veem o que está na frente deles.
O terapeuta pode ajudá-los neste processo, procurando "pistas" ou
"palavras-chave" no discurso do paciente. Em outros casos mais
complicados em que os pacientes "pisoteiam tudo o que é valioso na sua
vida", Lukas sugere que o terapeuta pode se envolver em um diálogo
socrático mais amplo, investigando por que eles acreditam que seu
comportamento é justificado. Mais uma vez, o objetivo é o de permitir que
a consciência do paciente trabalhe.

Fabry explica o significado do conceito de um diálogo socrático nos


seguinte termos:

O diálogo socrático tira seu nome do conceito socrático de


professor. O trabalho do professor não era despejar informação em
seus estudantes, mas fazer com que os alunos se tornassem
conscientes do que eles já sabiam profundamente dentro de si (1987,
p. 135).

A ideia de que os pacientes já sabe o que é significativo ou útil está


em muitos casos precisos. No entanto, a fim de enfatizar o caráter
autotranscendente da descoberta de sentido (que não necessita sempre
acontecer primeiro num nível inconsciente e não revelado), nós podemos
invocar uma segunda metáfora educacional, uma metáfora que Platão
atribui a Sócrates na República:

Educação, logo, é a arte de fazer exatamente isto, esta virada; é


o conhecimento de como a aldma pode mais fácil e eficazmente
girada em torno de si. Não se trata a arte de pôr a capacidade de
visão na alma; a alma já a possui, mas não está
virada para o lado certo ou mirando onde deve. É isto que a educação
deve ser. (518d)

Talvez a melhor palavra para este processo seja redirecionamento


(Umstellung), o termo que Frankl utiliza no capítulo 2, quando ele discute a
necessidade de ajudar os pacientes a tomarem uma atitude em relação à sua
depressão endógena, a fim de evitar uma depressão secundária15.

No capítulo final de TTTM, o seu resumo, Frankl fala de cinco


esferas de indicação da logoterapia:

1. Como um tratamento específico para neuroses noogênicas,


particularmente para tratar problemas relacionados ao sentido;

2. Como um tratamento não específico de uma variedade de padrões de


reações psicogênicas e neuróticas usando intenção paradoxal e derreflexão.
Aqui ele pode servir como um tratamento primário, porque pode tratar a
causa raiz do problema;

3. Como uma "pastoral médica", destinada a ajudar pacientes com


transtornos somatogênicos incuráveis para encontrar sentido em seu
sofrimento, mesmo até o fim;

4. Como resposta preventiva não médica para fenômenos sociogênicos que


podem se tornar patológicos;

5. Como resposta corretiva para modelos reducionistas ou subumanos de


prática médica em um esforço para evitar neuroses iatrogênicas.

15
Obviamente, a analogia com Sócrates é apropriada e problemática. Sócrates viveu sua vida em busca
do conhecimento e o oráculo de Delphos proclamou que ele era o homem mais inteligente de Atenas.
Às vezes, Frankl lembra a figura de Sócrates ou de um sábio escritor da tradição judaica. Elisabeth Lukas
juntou seus “provérbios” em um artigo (1995) e recentemente publicou um livro (2001) intitulado
Sabedoria como Medicina: a Contribuição de Viktor Frankl para a Psicoterapia (em alemão). Sem dúvida,
achar a coisa certa para fazer no momento certo é terapêutico, mas, como Sócrates diria, pode ser isso
ensinado?
Por "logoterapia" ele parece querer designar precisamente a
utilização das três técnicas listadas acima, talvez mais especialmente a
técnica de diálogo socrático ou modificação de atitude.

Avaliação e Perspectivas

No espírito de TTTM, que apresenta a teoria e terapia de doenças


mentais segundo a logoterapia, eu gostaria de concluir esta introdução com
uma avaliação abrangente, não de TTTM, mas do estado atual e das
perspectivas da logoterapia.

Pesquisa Empírica e a Mudança da Periferia para a Psicoterapia


Mainstream

Desde pelo menos os anos 1970, Viktor Frankl e muitos


logoterapeutas encontraram um problema no desenvolvimento da
logoterapia. Por um lado, a logoterapia é muito popular entre as pessoas.
Como observado acima, Em Busca de Sentido já vendeu mais de 9 milhões
de cópias. Ela também juntou um número relativamente pequeno, mas
estável e crescente, de profissionais que se identificam como
logoterapeutas em todo o mundo. O Instituto Viktor Frankl em Viena lista
em seu site mais de 50 associações e institutos dedicados à logoterapia
localizados em 24 países.16 Muitas destas organizações têm programas
voltados para terapeutas que desejam se especializar em logoterapia. A
logoterapia também tem uma publicação internacional contínua desde
197817. No entanto, por outro lado, a logoterapia normalmente tem, no
máximo, um ou dois parágrafos de menção em livros de psicologia; cursos
especiais sobre logoterapia são escassos nas universidades, e nenhum
programa de doutorado ou residência médica dedicada à logoterapia já
existiu.

Pode-se dizer que através dos populares livros de Viktor Frankl a


logoterapia continua a ter sucesso como uma forma de enriquecimento
pessoal ou de autoajuda. E desenvolveu o que poderia ser chamado de uma
presença duradoura em pequenos círculos profissionais. Mas, dentro do

16
Curiosamente, vinte destes institutos estão em países que falam alemão, outros vinte estão em países
latino-americanos: apenas um está em um país de língua inglesa.
17
O Fórum Internacional de Logoterapia, publicado pelo Instituto Viktor Frankl de Logoterapia, Abilene,
Texas.
campo da saúde mental, ela não possui a força ou influência que muitos
acreditam que deveria ter.

Por que isso? Proponho que há dois obstáculos à mudança da


logoterapia da periferia para o mainstream da psicoterapia, o último sendo
o mais significativo.

Primeiro, em 1978, na edição inaugural do Fórum Internacional de


Logoterapia (Forum) Frankl escreveu:

Você não pode voltar no tempo e você não vai conseguir uma
audiência a menos que tente satisfazer as preferências do pensamento
ocidental da atualidade, que é a orientação científica ou, para colocá-
lo em termos mais concretos, o nosso mentalidade estatística e
orientada a testes... É por isso que eu acolho toda pesquisa sóbria e
empiricamente consistente em logoterapia, mesmo que o resultado
não seja ideal (Fabry, 1978/1979, pp. 5-6).

No entanto, apesar desta convocação do fundador da logoterapia,


pouca pesquisa empírica rigorosa foi conduzida sobre o modelo. De 1978 a
1999, cerca de 440 artigos foram publicados no Fórum. Robert Hutzell, o
editor, analisou esses artigos para determinar quantos "empregaram o que
seriam considerados métodos de coleta de dados científicos" (1999, p.
112). Métodos científicos incluíam métodos descritivos (incluindo estudos
de casos clínicos), os métodos de correlação e experimentos formais. Ele
concluiu que,

Ao todo, cerca de 1/3 dos artigos publicados até à data no


Fórum utilizou claramente os métodos de coleta de dados científicos
no modelo das profissões de saúde. Mas a maior parte desses artigos
não é rigorosa, e menos de um por cento são verdadeiros
experimentos. Poderia ser dito que certamente há espaço e
necessidade para um aumento do número de artigos de pesquisa
projetados mais rigorosamente, se a logoterapia almeja "conseguir
uma audiência”,
como Frankl solicitou, por parte da comunidade acadêmica e de
pesquisadores modernos (1999, p. 113).

Hutzell observa, então, que o problema não é simplesmente que o


Fórum prefira artigos curtos de interesse para um público amplo de
profissionais; uma vez que uma revisão da seção de Publicações Recentes
de Interesse para Logoterapeutas do Fórum revelou uma falta similar de
artigos usando um projeto empírico rigoroso.

As conclusões de Hutzell reforçaram os achados de outro artigo de


revisão, "Pesquisa a Serviço da Logoterapia”. Neste artigo, Guttmann
(1996a) concluiu que "o uso do método científico em sua totalidade é
talvez o ponto mais fraco em todas as pesquisas logoterapêuticas" (p. 28).
Ele insistiu no uso de grupos de controle, tanto para verificar as alegações
logoterapêuticas básicas, quanto para comparar tratamentos
logoterapêuticos com tratamentos concorrentes. Hutzell (1999) e Guttmann
(1996a) reconhecem, no entanto, que não é fácil projetar estudos rigorosos
que testam construções como autotranscedência, noogênese, e a busca de
sentido.

No entanto, existe um segundo problema significativo. Como


acabamos de ver, Frankl discutiu abertamente a necessidade "de satisfazer
as preferências do pensamento ocidental da atualidade, que é a orientação
científica" (Fabry, 1978/1979, p.5). Mas a "orientação científica" não está
restrita à metodologia, isto é, a uma preferência por modelos experimentais
ao invés de relatos de casos ou análise fenomenológica. Muitas vezes, ela
inclui uma "visão científica do mundo", com uma metafísica reducionista.
Essa metafísica reducionista é mais bem observada quando a questão da
liberdade surge. Considere, por exemplo, uma
citação de D. O. Hebb, um dos fundadores da neuropsicologia cognitiva e
ex-presidente da Associação Americana de Psicologia:

A psicologia moderna ignora e negligencia o fato de que o


comportamento e a função neural são perfeitamente
correlacionados... Não há alma separada ou força vital que enfie um
dedo no cérebro de vez em quando e faça com que células neurais
façam coisas que não fariam normalmente... Uma pessoa não pode
logicamente ser um determinista em física, química e biologia, e um
místico em psicologia (Kalat, 1992, capa interna).

Este ponto de vista não é comum apenas entre os neuropsicólogos,


mas entre behavioristas (Skinner, 1976, 1990) e filósofos (Searle, 1984;
Honderich, 1993; Jaquette, 1994), também. Na verdade, Searle quase
parafraseia Hebb quando ele escreve:
Se o libertarianismo, que é a tese do livre arbítrio, fosse
verdade, parece que teríamos que fazer algumas mudanças muito
radicais em nossas crenças sobre o mundo. Para podermos ter
liberdade radical [Liberdade no sentido de Frankl], parece que
teríamos de postular que há um eu dentro de cada um de nós capaz
de fazer moléculas desviarem de seus caminhos... E não há a menor
evidência para supor que nós deveríamos abandonar a teoria física
em favor deste ponto de vista (1984, p. 92).

Confrontos acerca de cosmovisão não podem ser resolvidos através


de pesquisa empírica. Neurocientistas como Wilder Penfield (1975) (ou
neurologistas como Frankl) não estão menos familiarizados com os fatos
básicos da neurologia do que Hebb ou Searle; eles simplesmente não
acham que esses fatos sejam incompatíveis com o agir humano ou o livre
arbítrio18. Os dados científicos devem informar as nossos posições
filosóficas, mas raramente eles vão resolvê-las.

Pode-se dizer que a logoterapia não só tem, mas é uma visão de


mundo. No centro da cosmovisão está a ontologia dimensional de Frankl,
que está comprometida com a existência de uma dimensão espiritual "mais
elevada", o que significa precisamente uma dimensão humana que é livre e
responsável. Essa visão de mundo pode acomodar as descobertas da
ciência, não só por causa de sua ampla noção de evidência, mas porque
Frankl viu as dimensões superiores como mais abrangentes do que as
dimensões inferiores. Ele escreveu: "Uma dimensão ‘superior’ significa
apenas uma dimensão mais inclusiva e abrangente... Isso implica nem mais
nem menos o reconhecimento de que o homem, por ter se tornado um ser
humano, de modo algum deixa de continuar a ser um animal" (1988, pp.
26-27). Mas o inverso não é verdadeiro; um sistema que presume que a
ciência só é compatível com uma visão de mundo fisicalista e
pandeterminista (que pode incluir propriedades mentais, mas apenas como
epifenômenos ou propriedades supervenientes) não irá ser capaz de abarcar
a ação livre das pessoas. Na medida em que a psicologia tem uma

18
A filosofia de Frankl acerca da ação livre é desenvolvida no capítulo 2 de Um Sentido Para a Vida
(1978), “Determinismo e Humanismo: Crítica do Pan-determinismo”. Neste artigo, Frankl adota o
determinismo, o fato de que as pessoas são determinadas por causas biológicas entre outras, mas ele
rejeita o pan-determinismo, o ponto de vista que nega que pessoas possam ficar acima das variáveis que
condicionam seu comportamento, pelo menos para adotar uma atitude livre em relação a ele.
preferência para tal visão, a logoterapia não será capaz de satisfazê-la,
mesmo com uma extensa pesquisa empírica.

O Futuro Da Logoterapia: Uma Teoria E Terapia De Transtornos


Mentais Ou Uma Visão De Mundo Interdisciplinar?

Existem, pelo menos, duas razões para acreditar que a logoterapia vai
continuar a crescer em popularidade entre os profissionais.

Primeiramente, como van Pelt (1999) observou:

Estamos testemunhando nos EUA uma mudança de paradigma


na medicina. Enquanto a prática da medicina vem sendo dominada
pelo método "científico" ocidental por muitos anos, está surgindo
uma consciência de que práticas antigas de cura não podem mais ser
ignoradas, e elas precisam ser chamadas de volta para a arena
médica. Por exemplo, a Faculdade de Medicina de Massachusetts
estabeleceu um programa de meditação de mindfulness e yoga como
uma ferramenta de cura... A Faculdade de Medicina de Harvard, por
iniciativa de Herbert Benson (autor de A Resposta do Relaxamento),
dá dois simpósios anuais sobre "Espiritualidade na Medicina" (P.
33).

Van Pelt passa a discutir projetos que saíram do Centro Nacional de


Medicina Alternativa e Complementar envolvendo a interação entre mente
e corpo19. E ela argumenta que a noção da logoterapia acerca do "poder
desafiador do espírito" pode ser mais facilmente aceita por cientistas
médicos do que a ideia da cura através da oração. Então, preconceitos
contra a integração das preocupações espirituais com a ciência e prática
médicas podem estar lentamente se dissipando, e a logoterapia pode
descobrir que a sua linguagem e abordagem (desenvolvidas por um médico
em termos seculares) pode ser mais amena para muitos que estão
interessados nesta área.

A segunda perspectiva de crescimento entre profissionais reside num


nível interdisciplinar. Além das áreas da psiquiatria, psicologia e
aconselhamento, a logoterapia foi integrada à enfermagem (Coward &
Reed, 1996; Starck, 1981), ao serviço social (Bennett, 1974; Guttmann,
1996b), ao aconselhamento pastoral (Dickson, 1975; Leslie, 1985), aos
19
Informações sobre esse centro está disponível em http://nccam.nih.gov/.
estudos religiosos (Bulka, 1977; Fabry, 1975; Pacciolla, 1993; Zsok, 1999),
à filosofia (Kovacs, 1985; Loewy, 1994; Seifert, 1995), e à educação
(Schlederer, 1965; Dienelt, 1998)20.

Na verdade, hoje vemos que muitos dos diretores dos institutos que
oferecem formação especializada em logoterapia (que é muito comum na
Alemanha e Áustria) têm sua titulação mais elevada em campos distintos
da psicologia ou da medicina, como teologia e filosofia.

No entanto, não podemos ignorar o papel dos preconceitos. Em sua


autobiografia, Frankl nos conta uma história sobre seus dois doutorados.
Ele escreve,

Eu queria dizer que eu estava qualificado para falar tanto como


um médico quanto como filósofo, mas eu queria minimizar o fato de
que eu tinha um doutorado em cada campo. Então eu disse:
"Senhoras e senhores, eu tenho doutorados em medicina e filosofia,
mas normalmente não menciono isso. Conhecendo meus caros
colegas de Viena, espero que, em vez de dizer que Frankl é duas
vezes um doutor, eles digam que ele é só metade um médico pela
metade" (2000, pp. 37-38).

Ele contou esta história em seu livro como uma brincadeira, mas ele
realmente acreditava que existia esse preconceito, e até hoje a maioria das
pessoas que leem suas obras não sabem que ele tinha um doutorado em
filosofia (comunicação pessoal). Meu ponto aqui é que Frankl reconheceu
que, mesmo quando não têm fundamento, preconceitos afetam as atitudes e
comportamentos das pessoas, e, pelo menos algumas vezes, devem ser
levados em consideração na maneira pela qual nos apresentamos.

Se a logoterapia é desenvolvida principalmente como uma


cosmovisão (uma visão da natureza e dos valores humanos) que é relevante
para dez campos diferentes, ela será vista como um modelo viável de
psicoterapia ou como um décimo de um modelo de psicoterapia?

A interdisciplinaridade atual da logoterapia é uma força ou uma


fraqueza? Nossa resposta vai depender de como nós concebemos a
logoterapia, ou melhor, o que nós queremos vê-la tornar-se. Ela é,

20
Uma bibliografia documentando a literatura primária e secundária da logoterapia é publicada online
pelo Instituto Viktor Frankl, em Viena: www.viktorfrankl.org/e/bibE.html.
primeiramente, uma visão de mundo que pode ser adaptada a muitos
campos, incluindo estudos religiosos e à sempre crescente área da
autoajuda? Ou é principalmente uma abordagem para a psiquiatria ou
psicoterapia?

Independentemente da forma que a logoterapia adote durante a sua


adaptação para o século XXI, a publicação de TTTM em Inglês irá
fortalecer, de certa forma, o argumento de que ela é, pelo menos, relevante
para a prática psiquiátrica e psicoterapêutica de hoje.

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