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Verificação Da Maturidade Necessária À Aprendizagem Da Leitura e Da Escrita Nas Escolas

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A APLICAÇÃO DE TESTES PEDAGÓGICOS E PSICOLÓGICOS NO

PERÍODO DA ESCOLA NOVA: UMA APROXIMAÇÃO COM A


MATEMATIZAÇÃO DA PEDAGOGIA

THE APPLICATION OF EDUCATIONAL AND PSYCHOLOGICAL TESTS IN


THE PERIOD OF THE NEW SCHOOL: AN APPROACH TO THE
MATHEMATIZATION OF PEDAGOGY

Ieda Bassinello*
Wagner Rodrigues Valente**

RESUMO

Este artigo objetiva apresentar, em específico, o impacto da obra dos Testes ABC para
verificação da maturidade necessária à aprendizagem da leitura e da escrita nas escolas
nos tempos da Escola Nova e a entrada em cena do processo de “matematização da
pedagogia”, caracterizado pelo espírito da experimentação, pelas técnicas de mensuração,
de dados quantitativos ou estatísticos, entre outros. O método, desenvolvido em 1933, por
Manoel Bergström Lourenço Filho, alcançou sucessivas edições até a década de 1960.
Visava principalmente uma combinação mais perfeita de classes, trazendo pontos
importantes a serem questionados no ambiente escolar, como condições de saúde da
criança, visão, audição e trabalho infantil. Ao final, destacamos alguns exemplos de como
ocorreram transformações no ensino de matemática do curso primário, tendo como fonte
principal o Relatório das Atividades desenvolvidas durante o ano de 1936, no curso
primário anexo à Escola Normal de Casa Branca.

Palavras-chave: Testes ABC. Pedagogia Científica. Escola Nova. Ensino de matemática.

ABSTRACT

This article presents, in particular, the impact of the ABC tests work to verify the maturity
necessary for the learning of reading and writing in schools in the times of the New School
and the entry into the scene of process "mathematization of pedagogy", characterized by
spirit of experimentation, the measurement techniques, quantitative or statistical data,
among others. The method, developed in 1933 by Manoel Bergström Lourenço Filho,
reached successive editions until the 1960s mainly was aimed at a more perfect
combination of classes, bringing important points to be questioned in the school
environment, such as health conditions of the child, vision, hearing and child labor.
Finally, we highlight some examples of how changes occurred in mathematics education
from primary school, the main source of the Activity Report developed during the year
1936, the primary school attached to the Normal School of the White House.

Keywords: ABC tests. Scientific pedagogy. New School. Mathematics education.

*
Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de São Paulo. Mestre em Ciências: Educação e Saúde
pela mesma instituição. iedabassinello@hotmail.com
**
Professor livre-docente na Universidade Federal de São Paulo. ghemat.contato@gmail.com
Trilhas Pedagógicas

Introdução

Este estudo centrará a atenção em uma das obras de Manoel Bergström Lourenço
Filho intitulada Testes ABC para verificação da maturidade necessária à aprendizagem
da leitura e da escrita, que alcançou edições sucessivas no período da Escola Nova1. Nos
anos de 1933 a 1967, o livro obteve doze edições no Brasil e em 2008 foi publicada uma
nova edição pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep), sendo prefaciada por seu filho, Dr. Ruy Lourenço. Manoel Lourenço Filho nasceu
em Porto Ferreira, interior de São Paulo, no ano de 1897 e faleceu em 1970 na cidade do
Rio de Janeiro aos 73 anos. Conhecido como renovador Escolanovista, o educador
escreveu vários livros e artigos na área da educação e psicologia da aprendizagem, como
é o caso dos testes em questão que objetivava homogeneizar as turmas que se
matriculavam no primeiro ano da alfabetização.
Dentre vários estudos teóricos e experimentais que realizou no Laboratório da
Psicologia Experimental da Escola Normal da Praça na década de 1920, tinha como
preocupação (dentre outras), de padronizar a mensuração da maturidade psicológica, para
exame de escolares analfabetos. Dessa maneira, o período em que se concentra este
trabalho inicia-se na passagem da década de 1920 para a de 1930, quando as ideias
renovadoras ganham espaço no Brasil.
De início, deve-se ressaltar que a finalidade desse artigo consiste em apontar como
o cotidiano escolar sofreu transformações a partir da introdução dos Testes ABC para a
constituição das classes de ensino, buscando mostrar, em particular, como é matematizada
a pedagogia e como foram as transformações ocorridas no ensino de matemática do curso
primário.
Nos anos de 1931 a 1945 é possível encontrar diversos textos na Revista Educação
que fazem referência aos Testes ABC (LIMA, 2007). Nesse período, outros artigos
mencionam o processo de seleção dos alunos da primeira série por meio desses testes
sendo, alguns deles, diretores de ensino. Além de o método ter sido aplicado em muitas
escolas brasileiras com o intuito de homogeneizar turmas, esses testes também foram
utilizados em mais de duas dezenas de países europeus e americanos como, por exemplo,

1
Este artigo foi embasado no trabalho da dissertação de mestrado do primeiro autor, intitulada “Lourenço
Filho e a matematização da pedagogia: dos testes psicológicos para os testes pedagógicos”, defendida em
2014 pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

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Argentina, Chile, Cuba, Equador, Estados Unidos, França, México, Peru, República
Dominicana, Uruguai e Venezuela (LOURENÇO FILHO, 1962; MONARCHA, 2009).
De modo mais específico e pontual, como mostra o Relatório das Atividades
desenvolvidas durante o ano de 1936, no curso primário anexo à Escola Normal de Casa
Branca2, do município do interior do Estado de São Paulo, a difusão dos Testes ABC se
tornou um grande vetor da pedagogia científica, permitindo-nos verificar historicamente
como se consolidaram as relações constituídas entre o campo pedagógico e o campo dos
saberes escolares, em particular, para o que interessa a este texto, do ensino de
matemática.
O mesmo Relatório constitui uma fonte privilegiada para este estudo pela
abordagem que toca direta e indiretamente as questões do cotidiano escolar que se
baseiam no que podemos chamar de matematização da pedagogia. Tal processo pode ser
caracterizado pela técnica de mensuração; de avalições escolares estandardizadas; de
dados quantitativos ou estatísticos, os quais a experimentação é ingrediente indispensável
para procurar atestar o bom funcionamento do sistema educacional. Nesse sentido, o
Relatório chama atenção por trazer detalhes mais específicos sobre esse processo de
matematização e, principalmente, por apresentar os procedimentos de elaboração de
testes nas turmas dos anos iniciais da escolarização.

A consolidação dos testes mentais: um breve histórico

Em finais do século XIX entra-se em um processo em que é necessário rever a


educação e os métodos de ensino. No quadro das mudanças que começaram a ser operadas
nesse cenário cultural, a propagação de uma nova proposta para a educação brasileira
inspira-se em vários países europeus e americanos. Essa iniciativa faz com que a educação
deixe de ser centrada no professor, cabendo a si mesmo agir como um estimulador e
orientador da aprendizagem, pois a criança deve ser o centro do ensino (VALENTE,
2012).
Como menciona Carlos Monarcha, na evolução industrial da Europa, sobretudo
nos anos de 1870 a 1914, foi possível visualizar vários fatores em termos educacionais:
Nesse largo ciclo histórico que assistiu ao advento da escola de massas
e sua obrigatoriedade como questão de Estado, nasciam saberes

2
No decorrer do texto, o Relatório das Atividades desenvolvidas durante o ano de 1936, no curso primário
anexo à Escola Normal de Casa Branca será mencionado como “Relatório” (1936).

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especializados denominados das mais variadas maneiras pelos mais


variados espíritos: antropologia pedagógica (Pizzoli), pedagogia
científica (Montessori), psicologia pedagógica (Claparède), pedologia
e pedotecnia, neologismos criados por Oscar Chrisman, para designar
o estudo experimental da criança, e por Decroly, para nomear a ciência
aplicada à criança, e , pedanálise outro neologismo criado pelo pastor
protestante Oskar Pfister para designar a educação psicanalítica [...]
(MONARCHA, 2009, p. 33).

De acordo com o mesmo autor, do experimentalismo nascente se consolidava a


busca de uma éducation nouvelle, tomando o “ensino pela ação” e não mais os princípios
que tomava Johann Friederich Herbart (1776-1841) da educação pela instrução
(MONARCHA, 2009). Nos Estados Unidos esse movimento também se fez presente,
sendo influenciados principalmente por John Dewey (1859-1952) que também adotava a
psicologia pela filosofia, acolhendo na reflexão psicopedagógica a recusa veemente do
dualismo clássico que opunha o espírito ao mundo, o pensamento à ação (MONARCHA,
2009, p. 38). Diferente de Édouard Claparède (1873-1940) que trazia em sua base
psicológica a contribuição da biologia.
Um dos fatos mais significativos dos finais do século XIX é que as preocupações
com a infância nas teorias psicológicas ganham força, crescendo o número de publicações
em relação aos estudos da criança e dos métodos de aprendizagem. Dentre esses estudos,
Francis Galton deu um impulso inicial para criação de medidas que pudessem “classificar,
organizar, comparar, diagnosticar, estabelecer categorias relativas à normalidade e à
anormalidade da criança”, dando origem àquilo que poderia ser chamado de movimento
dos testes mentais (SOUSA, 2004, p. 32).
Sobre esse aspecto, Stephan Jay Gould (1991, p. 66-67) aponta que:
Nenhum outro homem expressou o fascínio de sua era pelos números
tão bem quanto o famoso primo de Darwin, Francis Galton (1822-
1911). Rico e independente, Galton pôde gozar de uma liberdade pouco
comum para consagrar suas notáveis energias e sua inteligência ao
cultivo de seu tema favorito: a medição. Galton, pioneiro da moderna
estatística, acreditava que, com suficiente empenho e engenhosidade,
qualquer coisa podia ser medida, e que essa medida constitui o critério
básico de um estudo científico. Chegou mesmo a propor, e começou a
desenvolver, um estudo estatístico sobre a eficácia da prece! Foi ele
quem inventou o termo eugenia3, em 1883, e defendeu a
regulamentação do matrimônio e do tamanho das famílias de acordo
com o patrimônio hereditário dos pais.

3
Galton definiu eugenia como “o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou
empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente”. Informações disponíveis
em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Eugenia.

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Além de Galton ser reconhecido como “o deus da quantificação”, o francês Alfred


Binet também é apontado como um autor que deixou contribuição decisiva no campo da
psicometria (GOULD, 1991). Tal como ocorrera no ano de 1904, Binet desenvolve a
criação da Escala Métrica da Inteligência (EMI) e esse método passa a ser aplicado não
somente a psicologia experimental, mas também à pedagogia com a intenção de aferir a
inteligência infantil. Binet acreditava que a educação especial deveria se ajustar às
necessidades individuais das crianças. Devia basear-se “no seu caráter e nas suas
aptidões, bem como na exigência de nos adaptar às suas necessidades e capacidades"
(BINET, 1909, p. 15 apud GOULD, 1991, p. 157). Seu objetivo era identificar indivíduos
que necessitavam de ajuda.
Alguns anos depois, a metodologia defendida por Binet passa a ser aperfeiçoada
por outros escolanovistas como Claparéde, Dalton, e Ferrière e os psicopedagogos Simon
e Termann. Mas a história dos testes de capacidade mentais não parou por aí: “o seu uso
ganhou mais e mais adeptos, as suas metodologias foram refinadas, a sua variedade
ampliada, a ponto de instituir um campo específico à psicometria” (SOUSA, 2004, p. 34).
Influenciado pelo cientificismo da época, Binet se envolveu com exames de
craniometria, antropometria4, visão, audição, memória da ortografia, inteligência e outros
tipos de investigações. É ele quem cria os termos de idade mental e idade cronológica,
representadas respectivamente por IM e IC, quando à frente do Année Psichologique, em
1903.
No ano de 1904, Binet elaborou o primeiro teste composto por trinta tarefas
cognitivas, dispostos em ordem crescente de dificuldade que pudesse avaliar o nível de
inteligência das crianças nas escolas de Paris, sendo aceito posteriormente nos EUA
mediante a tradução de Terman em 1916. Em seu discurso, pode-se destacar a seguinte
citação:
Nessas condições foi como elaboramos, com ajuda do nosso
colaborador tão abnegado, o doutor Simon, um método de medida da
inteligência ao qual demos o nome de escala métrica. Foi construído
lentamente, com o auxílio de estudos feitos não somente nas escolas
primárias e nas escolas de parvos, sobre crianças de todas as idades,
desde os três anos até os dezesseis, senão também nos hospitais e nos
hospícios sobre os idiotas, os imbecis e os débeis, e por último, em todo
tipo de meios e até nos regimentos, sobre adultos letrados e iletrados
(BINET, 1942, p. 128 apud MONARCHA, 2009, p. 188).

4
Antropometria é um conjunto técnicas utilizadas para medir o corpo.

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Nesse trecho, pode-se verificar uma variedade de termos que passam a ser criados
e utilizados no meio da psiquiatria clássica. Toma-se como exemplo o termo “idiota”,
criado por Esquirol, e “imbecil”. Idiotas eram consideradas as pessoas que apresentavam
idade mental inferior a três anos de idade, sendo incapaz de alcançar um domínio pleno
da palavra; e imbecis seriam para indicar pessoas cuja idade mental variava entre os três
e os sete anos, não conseguindo alcançar um domínio pleno da escrita (GOULD, 1991, p.
162).
No trecho seguinte, obtêm-se informações mais detalhadas sobre o assunto:
É idiota toda criança que não chega a comunicar-se, pela palavra, com
os seus semelhantes, isto é, que não pode exprimir verbalmente seu
pensamento, nem compreender o pensamento verbalmente expresso
pelos outros – uma vez que não haja perturbação da audição ou dos
órgãos de fonação.
É imbecil toda criança que não chega a comunicar-se por escrito com
seus semelhantes, isto é, que não pode transmitir seu pensamento pela
escrita, nem ler a escrita ou impresso, ou mais exatamente compreender
o que lê – uma vez que nenhuma perturbação da visão ou paralisia do
braço tenham obstado a aquisição dessa forma de linguagem.
É débil toda a criança que saiba comunicar-se com seus semelhantes
pela palavra ou por escrito, mas que demonstra um atraso de dois ou de
três anos no decurso de seus estudos, sem que esse atraso seja devido à
insuficiência de escolaridade (BINET; SIMON, 1927, p. 152 apud
MONARCHA, 2009, p. 189-190, grifo do autor).

De fato, há muitos outros conceitos que saltaram no campo da deficiência mental


que estão presentes nos estudos de Binet e Simon. Mas, deve-se acrescentar que, no início,
os termos de anormalidade da inteligência começaram a ser utilizados dentro dos asilos e
dos hospícios e, posteriormente, essa ideia se expandiu nas escolas e nos exércitos, pois
esperavam obter indivíduos preparados para lidar com a Guerra.
Como assinala Monarcha (2009), ocorreu um verdadeiro progresso no
destacamento militar com a aplicação dos groups tests, dispostos em duas versões que
duravam em média 50 minutos. Um deles, o Army Alpha, se aplicava em grupos de no
máximo 500 homens que sabiam ler e escrever, com 212 questões de sublinhar, tachar e
pontilhar, para serem respondidos individualmente. O outro, denominado Army Betha,
destinava aos analfabetos e imigrantes, podendo ser aplicado em grupos de 75 a 300
homens por meio de gestos e demonstrações (pantomimas).
Evidentemente, os groups tests destinavam organizar o melhor exército possível
ganhando sentido, evidentemente, quando a ciência matematicamente era posta em ação,
quando compareciam os dados quantitativos. Por outro lado, isso gerava discriminações
raciais e nacionais quando, por exemplo, os testes do exército haviam indicado que os
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judeus (em sua maioria imigrantes recentes) tinham uma inteligência bastante baixa ou
que os negros sofressem de carências intelectuais quando os testes resultavam em
números insatisfatórios. Existia, portanto, um interesse político na qual a eugenia (estudo
das qualidades raciais físicas ou mentais) obtinha o seu maior triunfo (GOULD, 1991).
Segundo Monarcha (2009, p. 201):
Após a análise dos resultados, as fichas de dados individuais eram
identificadas por uma letra-símbolo, indicando maior ou menor
capacidade para aprender, pensar rapidamente e com exatidão, manter
esforço mental, compreender e seguir instruções. A letra A indicava
“inteligência muito superior”, B “inteligência superior”, C+
“inteligência média elevada”, C “inteligência média”, C- “inteligência
média baixa”, D “inteligência inferior”, D- “inteligência muito
inferior”, E “anormais”.
Parte dos indivíduos localizados nas escalas D e E era nomeada de
moron. Ao conferir a cada soldado um índice de inteligência, os experts
classificavam conforme a capacidade mental, selecionando os
superdotados para os postos de iniciativa e responsabilidade

Após obter êxito com mais de três milhões de soldados americanos, os groups
tests passaram a serem adaptados para o meio escolar de modo a definir a colocação do
aluno, bem como o seu estado de desenvolvimento. Embora a pontuação seja convertida
em letras e não em números, os resultados expressavam a mesma preocupação que se tem
com a exatidão matemática.

As práticas de experimentação no cenário escolar

Nas escolas, Alfred Binet e Theodore Simon foram os principais divulgadores de


uma tendência científica “ao elaborarem o primeiro teste de inteligência de repercussão
internacional” (BORTOLOTI; CUNHA, 2013, p. 37). Tais pesquisas contribuíram na
ampliação dos saberes da medicina e da psicologia, que dizem respeito às proposições da
inteligência, da memória, bem como as causas do baixo rendimento escolar que pudessem
estar relacionados aos conceitos de anormalidade.
No Brasil,
A atuação de Bomfim repousa no acervo de reminiscências da
psicologia experimental, detalhado no cenário traçado por Lourenço em
seu texto A psicologia no Brasil, no qual a referência à obra do
sergipano tornou-se uma dentre tantas evocações dos antecedentes da
Escola Nova no Brasil, especificamente no que toca a relação entre
psicologia e a escolarização infantil (FREITAS, 2005, p. 74).

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Trilhas Pedagógicas

No campo da história e da historiografia da criança, Manoel Bomfim é


reconhecido no passado por Lourenço Filho pelas próprias práticas científicas, arrolando-
o no rol de precursores do encontro entre psicologia e educação. E uma fonte importante
na psicologia experimental do médico partiu dos estudos de Binet, atuando como
“cientista da educação infantil” (FREITAS, 2005). Na condição de Diretor Geral da
Instrução Pública e de professor da Escola Normal do Rio de Janeiro em 1906, Bomfim
deu início ao processo de fundação de uma concepção de infância, criticando o caráter
autoritário que a escola tratava as crianças5.
Na revista O tico-tico, que existiu por mais de cinquenta anos, Bomfim associava
“a busca de um entretenimento saudável para o educando com os próprios objetivos
científicos relacionados à psicologia da aprendizagem” (FREITAS, 2005, p. 82-83).
Nesse impresso, os testes de inteligência eram ingredientes fundamentais que estavam
agregados às atividades lúdicas.
Contudo, na história das práticas da experimentação, é necessário enfatizar que
nem toda cientificidade (seja nas escolas, nos hospitais ou fora deles) aferia-se de forma
digna, pois alguns trabalhos trouxeram vários problemas quando conferiam, aos
resultados dos testes, interesses pessoais. Henry Goddard (1866-1957), por exemplo, ao
divulgar o trabalho de Binet nos Estados Unidos, defendia que se ambos os pais fossem
débeis mentais, consequentemente, todas as crianças geradas pelo casal também seriam
débeis mentais. E o remédio para curar a debilidade, para o psicólogo americano, seria
proibir os mesmos de se casarem e terem filhos (GOULD, 1991).
Goddard aplicou testes nos imigrantes judeus, húngaros, italianos e russos que
chegavam ao país. Somente ao observá-los, ele apontava àqueles que eram portadores de
“debilidade mental”. Tudo mudou quando as fotos de uma família foi identificada com
falsificações propositais, que com o passar do tempo começaram a desbotar, causando a
impressão de que as famílias fossem anormais6. Na figura seguinte tem-se uma fotografia
não retocada de Deborah, descendente da família Kallikak, que participou dos testes de
Goddard:

5
Isso se torna mais perceptível no discurso proferido às formandas normalistas da turma de 1905. “Bomfim
estabelece, desde o início da sua fala, uma contundente crítica à centralidade que o professor tinha em
relação aos procedimentos de transmissão da cultura já institucionalizados na educação escolar”
(FREITAS, 2005, p. 91).
6
As imagens apresentavam uma aparência sinistra nos olhos, boca, nariz e cabelos (GOULD, 1991).

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Figura 1 – Fotografia de Déborah


Fonte: GOULD, 1991, p. 176

No exemplar levado ao Serviço Fotográfico do Instituto Smithsoniano, em 1980,


sob direção de James H. Wallace Jr., ficou constatado que as fotografias foram retocadas
(GOULD, 1991). Seus interesses demonstravam, sobretudo, uma forma de discriminação
racial aos estrangeiros que chegavam aos Estados Unidos.
De acordo com Gould (1991, p. 66), apenas no “final do século de Darwin,
técnicas generalizadas e um crescente corpo de conhecimentos estatísticos produziram
um dilúvio de dados numéricos mais fidedignos”. No caso do Brasil, Maria Helena Souza
Patto (1990) afirma que a psicologia floresce nas Faculdades de Medicina da Bahia e do
Rio de Janeiro a partir de teses de conclusão de curso quando um pediatra testava os testes
de inteligência de Binet no Hospital Nacional em 1918. Em suas palavras, “os primeiros
cursos de psicologia aconteceram nas faculdades de medicina e foram ministrados por
médicos” (PATTO, 1990, p. 77).
Por outro lado, deve-se ressaltar que o saber pedagógico do tipo novo, moderno,
experimental e científico no país buscou sua legitimação um pouco antes do ano retratado
por Patto. De acordo com Marta Carvalho (2011), em 1914, foi instalado na Escola
Secundária de São Paulo, um Laboratório de Psicologia Experimental, no Gabinete de
Psicologia e Antropologia Pedagógica.

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A instalação do Gabinete foi justificada por Oscar Thompson, então


Diretor da Escola Normal, como um esforço no sentido de fazer a escola
acompanhar “o movimento científico” que se operava por toda parte em
“benefício do ensino”. Teria o Governo do Estado entendido “a
conveniência de se ampliarem os estudos teóricos e práticos da
pedagogia” e, por isso, havia, criado, além de uma cadeira de Psicologia
Aplicada à Educação, o Gabinete. O objetivo da nova instituição
pretendia-se o mesmo de similares estrangeiras, em especial norte-
americanas: o “estudo científico” da infância, entendido como “exame
metódico de todas as energias da criança” (CARVALHO, 2011, p. 293,
grifo do autor).

Como se tratava de impor novas técnicas na escola foi necessário convidar um


especialista no assunto que pudesse auxiliar nas práticas de medições. No caso, foi
convidado o italiano Ugo Pizzoli, Diretor da Escola Normal de Modena e catedrático da
Universidade da mesma escola (CARVALHO, 2011). Nas férias de inverno, Pizzoli
ofereceu um curso de antropologia e psicologia pedagógica, que deu origem à publicação
de “O futuro da pedagogia é científico”.
Ao defender a necessidade de estudar o indivíduo em suas particularidades,
Pizzoli mandou ao governo do estado um modelo da Carteira Biográfica Escolar, que
deveria registar as mensurações obtidas por “observações antropológicas e
fisiopsicológicas” do aluno, “dados anamnésticos da família” e “notas anamnésticas”7
(CARVALHO, 2011). A partir desses registros, tornava possível observar o caráter
específico do aluno; se ele era “normal”, “anormal” ou “degenerado”.
Defendendo os procedimentos de caráter científico e experimental, Oscar
Thompson alimentava a ideia de que a psicologia não era a única a contribuir nas ciências
da pedagogia como muitos pensavam. Para ele, a árvore pedagógica de Ugo Pizzoli
representava o campo epistemológico dessa nova pedagogia científica, a ser representado
da forma como o currículo:

7
Dados anamnésticos diz respeito ao funcionamento mental; à memória do indivíduo.

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Trilhas Pedagógicas

Figura 2 – Árvore Pedagógica de Pizzoli


Fonte: THOMPSON (1914 apud CARVALHO, 2011, p. 289)

Como explicita Carvalho (2011, p. 296), essa árvore é testemunho importante para
representar o campo epistemológico da pedagogia:
As raízes suspensas – arrancadas do solo em que, verossimilmente,
estariam plantadas – figuram um variado elenco de “ciências
subsidiárias: sociologia, antropologia, psicologia, higiene individual,
higiene coletiva, higiene da casa e da escola, ortofrenia, pedologia,
pediatria e arte didática”. Essas ciências se aglutinam, por grupos de

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afinidade, constituindo veios confluentes em um corpulento tronco que


figura a pedagogia como “ciência da educação humana”.

Do tronco dessa árvore saem dois subtroncos que representam os processos de


educação e seus frutos. No primeiro subtronco saem folhas e frutos cheios de vida que
representam a educação normal. No segundo, demonstra a educação emendatória
(anormal), cujas folhas secas e os frutos murchos “eram nomeados os destinatários das
práticas pedagógicas emendatórias: criminosos, anormais, tarados, idiotas, cretinos,
imbecis, surdos-mudos, cegos de nascença e deficientes físicos” (CARVALHO, 2011, p.
296-297).
Foi assim que os ramos da pedagogia científica, apresentados por Pizzoli,
intentavam dar visibilidade às crianças de personalidade normal e degeneradas, “para
cuidar de cada um segundo o seu valor exato” (THOMPSON, 1914 apud CARVALHO,
2011, p. 298). Ao matematizar a pedagogia, um dos objetivos das práticas de medição era
o de organizar classes homogêneas. E é nesse aspecto que a pedagogia buscava levar
educação a todas as crianças, embora a escola nessa época se enquadrava em um “projeto
de universalização em uma sociedade excludente” (CARVALHO, 2011, p. 299).
Várias representações cientificistas eram construídas por meio de “práticas
similares as do Laboratório de Pizzoli” (CARVALHO, 2011, p. 302). Embora a Árvore
de Pizzoli não tivesse inserido a “estatística” em suas raízes, a mesma também sustentava
o conhecimento produzido na pedagogia científica. Tudo aparecia sob a forma de dados
ou fórmulas, demonstrando, sobretudo, a preocupação com a exatidão e com a pontuação
a ser obtida, pois nesta “escola nova predicada pela ‘revolução copernicana na educação’,
o verdadeiro centro, o centro de fato, não é a criança e seu ensino, mas a psicologia
funcionalista, a ela e somente cabem todas as honras e glórias” (MONARCHA, 2009, p.
46). A psicologia, portanto, também se matematizava por meios estatísticos de medir,
classificar e de corrigir a clientela escolar.

As tendências cientificistas da pedagogia com os testes

A influência das chamadas Ciências da Psicologia, advindas dos países europeus


e dos Estados Unidos, passam a ser utilizadas em ambiência brasileira, com mais
frequência, nos finais da década de 1920. Nas palavras de Cynthia Pereira de Sousa
(2004), a passagem da psicologia para o meio escolar deve-se aos trabalhadores da

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medicina, em razão do interesse que alguns manifestaram pelas crianças que


apresentavam dificuldades e baixo rendimento escolar.
Como descreve a pesquisadora Maria Helena Souza Patto (1990, p. 41):
O final do século XVIII e o século XIX foram de grande
desenvolvimento das ciências médicas e biológicas, especialmente da
psiquiatria. Datam desta época as rígidas classificações dos “anormais”
e os estudos de neurologia, neurofisiologia e neuropsiquiatria
conduzidos em laboratórios anexos a hospícios. Quando os problemas
de aprendizagem escolar começaram a tomar corpo, os progressos da
nosologia8 já haviam recomendado a criação de pavilhões especiais
para os “duros de cabeça” ou idiotas, anteriormente confundidos com
os loucos; a criação desta categoria facilitou o trânsito do conceito de
anormalidade dos hospitais para as escolas: as crianças que não
acompanhavam seus colegas na aprendizagem escolar passaram a ser
designadas como anormais escolares e as causas de seu fracasso são
procuradas em alguma anormalidade orgânica.

A essa altura, medir, classificar e estabelecer categorias à normalidade e à


anormalidade das crianças se tornava uma nova prática de intervenção nas escolas. Essas
experiências levam aquilo que se pode chamar de “febre estatística” e o “estatístico, novo
geômetra, se tornou com o médico, outra face da ciência ordenadora, o grande especialista
social, capaz de tomar a medida de tudo” (PERROT, 1987 apud SOUSA, 2004, p. 51).
Logo, a adoção de testes passava a ser um método para racionalizar a organização
escolar, capaz de classificar os alunos de acordo com o seu potencial. Essa nova proposta
teria como ingrediente tudo o que concerne à matemática: explorava-se a capacidade de
raciocínio lógico, a habilidade de executar um determinado problema, entre outros. No
final, esses eram expressos numericamente.
O que é proposto daí em diante, conhecida como Escola Nova, é que o importante
é aprender a aprender e que ensinar é criar condições de aprendizagem. Por isso, o aluno
deixa de ser visto como um ser passivo como na escola tradicional em que a criança se
prepara para memorizar informações sobre a matéria a ser ensinada.
Baseada em uma pedagogia de inspiração experimental, toma contribuições da
Biologia e da Psicologia, sendo a favor da avaliação, pelo exame mental dos testes. Visa
incluir ainda uma composição mais perfeita das classes associados a meios mais
científicos (CARVALHO, 2000). É neste contexto que a administração escolar constrói
bases de dados de modo a lançar mão da estatística, utilizada para apresentação de

8
Nosologia é a ciência que trata da classificação das doenças. Informação disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Nosologia.

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Trilhas Pedagógicas

melhoria dos índices escolares. No quadro nacional, os Testes ABC marcavam um novo
tempo; uma nova fase na escolarização que se matematizava a partir do seu uso.
Embora outros tipos de testes fossem aplicados na época, todos eles conduziam à
matematização. Tudo ganhava “a forma de gráficos, escalas, tabelas, percentagens,
apreensíveis e comparáveis quase que imediatamente no olhar” (SOUSA, 2004, p. 51).
Metodologicamente, era em torno da estatística que se dava a presença da apropriação
da ciência matemática em outras áreas de conhecimento, como na psicologia; na biologia,
na pedagogia; na medicina, entre outras. Com isso, os números ou os dados quantitativos
passavam a serem ingredientes indispensáveis no cotidiano escolar para medir a
capacidade mental ou o rendimento do trabalho apresentado pelos alunos.
Nesse período de inovações, almejava-se uma melhor caracterização da infância
ao se estabelecerem os estágios de maturação e de identificação das diferenças
individuais, com a incorporação de conhecimentos originários da psicologia de base
biológica e fisiológica e da estatística (MONARCHA, 2009). Essa acentuada apropriação
pelas tendências cientificistas nas escolas implicava, necessariamente, em revisar as
técnicas de ensino vigentes, pois tudo girava ao redor do caráter específico do aluno, seja
ele do tipo normal, anormal ou “degenerado”, como apontado por Thompson (1914).
Embora houvesse procedimentos duvidosos como os de Goddard e outros que
apresentavam interesses pessoais ou políticos, pode-se afirmar que a ciência experimental
desempenhou um papel importante ao fazer florescer estudos referentes aos processos do
aprender da criança e por passar a cogitar sobre as “diferenças individuais” existentes na
infância e no adulto (LOURENÇO FILHO, 1978). Além disso, os testes são capazes de
identificar pontos importantes para serem questionados no ambiente escolar, que
condizem à saúde da criança. Ao executar um teste, por exemplo, pode-se descobrir que
os erros cometidos por uma criança estejam relacionados a sua visão, audição ou mesmo
por motivos do trabalho infantil. Era bastante comum de se ver naqueles tempos a criança
que cuidava do irmão menor, que ajudava os pais com serviços domésticos, entre outros.
Nesse aspecto, a afirmação de Thompson (1914), de que o futuro da pedagogia
deveria ser científico, representava uma direção que a sociedade deveria tomar como um
todo. A ciência, portanto, era um instrumento capaz de oferecer esse caminho, para
distanciar-se do próprio passado. “Quanto ao futuro, seria necessário engendrar um tipo
de modernização de cunho urbano-industrial [...] pautado em uma nova disciplina social,

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Trilhas Pedagógicas

remodeladora e, em todos os aspectos, saudável” (FREITAS, 2005, p. 79). De um modo


geral, o elemento-chave para iniciar esse processo era a criança.

Lourenço Filho e os testes mentais

Como mencionado no início, os Testes ABC foi uma das técnicas mais utilizadas
no período da Escola Nova, que permitia analisar as estruturas funcionais que envolviam
a aprendizagem da leitura e da escrita. Os oito testes que compunham o método eram de
fácil aplicação, como apresentados nos dois exemplos seguintes. O oitavo teste, por
exemplo, era composto por um exercício de pontilhação:

Figura 3 – Teste 8: quadriculado para pontilhação

A quantidade de pontinhos riscados em cada quadrícula pela criança, num tempo


de 30 segundos, é que determinava sua pontuação (acima de 50 pontículos, a criança
marcava 3 pontos; de 26 a 50: 2 pontos; de 10 a 25: 1 ponto; menos de 10: zero).
Em relação ao sétimo ou penúltimo teste levava em conta a quantidade e a
qualidade do trabalho a ser exercido por meio de recorte de linhas onduladas e
entrecruzadas:

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Trilhas Pedagógicas

Figura 4 – Teste 7: recorte

A avaliação, nesse caso, se fazia da seguinte forma:


Cortando a criança mais de metade de cada desenho, no tempo marcado
de um minuto, para cada, sem que tenha saído do traço – 3 pontos
Cortando mais de metade, saindo do traço; ou, embora respeitando o
traço, cortando menos de metade – 2 pontos
Cortando com regularidade relativa, até metade num dos desenhos, e
parte do outro – 1 ponto
Não respeitando de modo algum o traçado – zero (LOURENÇO
FILHO, 1962, p. 132).

Logo, é de se notar que o instrumento de mensuração psicológica elaborado por


Lourenço Filho trouxe, como consequência, uma mudança no ensino, pois os níveis de
dificuldades das classes homogeneizadas em grupos de crianças fortes, médias e fracas,
aferidos pelos Testes ABC, influíam no modo de organização do trabalho pedagógico do
professor. Por isso, novas ideias surgiam da necessidade de se buscar realizar
modificações necessárias ao processo de ensino-aprendizagem da escola primária. Isso
não é algo que diz respeito somente aos métodos, mas também a que tipo de “conteúdo
ensinar” e “em quais seriações”, sem perder de vista os ensinamentos vindos da psicologia
da criança (VALENTE, 2013).
Nesse caso, o crescente interesse pela aplicação da psicologia nas práticas
didático-pedagógicas desenvolvidas no cotidiano escolar vão dar impulso à publicação
de um programa mínimo que prestasse ao desenvolvimento de um plano de estudo
“globalizado”, sem olvidar os ideais de uma escola moderna, experimental e adaptado ao
meio ambiente do ensino primário (AZZI, 1934). Conforme assinalou a Revista de
Educação do ano de 1934, os estabelecimentos de ensino deveriam dar preferência a
trabalhos que pudessem ser desenvolvidos de “forma elementar, intuitiva, prática e
interessante” (AZZI, 1934, p. 174).

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Trilhas Pedagógicas

No caso da “iniciação matemática” no primeiro ano, o mínimo fixado no programa


se dividia em duas seções, uma em cálculo e a outra em formas9, como se tem no quadro
a seguir:
Quadro 1 – Projeto do Programa Mínimo para iniciação matemática no 1º ano
CÁLCULO:
Exercícios com o auxílio de tornos, taboinhas, sementes, desenhos, estampas, etc., para a aprendizagem
das quatro operações sobre os números de 1 a 10. Noção intuitiva de metade ou meio, terço e quarto.
Contagem direta de objetos ou de grupos de objetos até 20, de 1 em 1, de 2 em 2, de 3 em 3, etc., na
ordem crescente ou decrescente, elevando-se esta contagem gradualmente até 100, limite a que não devem
exceder os cálculos dessa classe. Leitura e escrita de números e uso dos sinais das quatro operações e de
igualdade. Organização do calendário mensal.
Algarismos romanos até XII e horas do relógio.
Conhecimento prático do metro, litro e quilograma. Problemas fáceis. Numerosos jogos aritméticos.
Representação gráfica de cálculos e problemas.
FORMAS:
Estudo da esfera, cubo, cilindro e prisma, à vista dos sólidos. Comparação desses sólidos entre si e
com objetos usuais. Sua construção em barro, cartão, etc.

Nos anos seguintes, a elaboração do programa mínimo em iniciação matemática


para o 2º ano também se constituía no trabalho com cálculo e formas e o 3º e 4º anos se
embasavam nas noções de aritmética e geometria. Por conseguinte, a elaboração de um
programa mínimo de ensino deveria articular-se à avaliação da aprendizagem em cada
nível escolar. Assim, construía-se uma referência para os professores de modo a que fosse
possível não deixar de levar em conta as contribuições da psicologia, em termos do que e
quando ensinar determinado conteúdo.
Em decorrência da chamada pedagogia científica, surgem outras mudanças nos
métodos de avaliar a aprendizagem das criança resultando, por exemplo, na elaboração
de testes pedagógicos. Esses deveriam estar tão somente articuladas ao programa mínimo
de ensino. O tema, por sua vez, passava a ser incorporado dentro das universidades, como
também nas escolas por meio de palestras aos professores.
O Relatório das Atividades desenvolvidas durante o ano de 1936 do curso
primário anexo à Escola Normal de Casa Branca é uma fonte importante para leitura da
penetração na ambiência escolar dos ditames da pedagogia científica e dos processos de

9
Referente ao programa mínimo assinado em 12 de julho de 1934 pelo Diretor de Ensino de São Paulo,
Francisco Azzi.

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Trilhas Pedagógicas

matematização que essa pedagogia traz. Nesse Relatório (1936), tem-se a informação de
que a escola de Casa Branca fez uso dos Testes ABC para avaliação do nível de
maturidade das turmas e que, além do programa formar as classes fortes, médias e fracas,
os professores ainda trabalharam na organização de testes pedagógicos, defendendo que
os mesmos causariam vantagens, economia de tempo e outros aspectos mais.
De pronto, cabe mencionar que os testes pedagógicos, conhecidos como testes de
escolaridade ou de rendimento, são constituídos por questões que permitem predizer os
resultados da aprendizagem do aluno como, por exemplo, em cálculo ou história do
Brasil, ou em qualquer outra matéria de ensino. Diferentemente dos testes psicológicos
que verifica a inteligência de pessoas não necessariamente alfabetizadas, o
comportamento e as características psicológicas de um sujeito (seja a capacidade motora
e linguística, a habilidade sensorial, as capacidades cognitivas, etc.).
Ainda no Relatório da Escola Normal de Casa Branca é possível encontrar temas
que envolvem: apresentação do rendimento do trabalho escolar; defesa pela renovação do
ensino; transformação da didática em face dos progressos da psicologia; psicanálise;
experimentalismo; projetos agrícolas; estado geral de saúde; palestras sobre a vantagem
da avaliação objetiva, teste de leitura e aritmética, entre outros. Nesse aspecto, a presença
dos testes no cotidiano escolar serve de ingrediente para compreender as transformações
da educação matemática em face de uma nova pedagogia. Como na instituição foram
organizados e aplicados testes diversos, apresenta-se como exemplo a estrutura dos testes
pedagógicos organizados para “Aritmética e Cálculo” do 1º ano:
Quadro 2 – Teste do 1º ano da Escola Normal de Casa Branca (1936)
1º ano, 1º trimestre
Aritmética
- Escreva os vizinhos
1) ........ 4, 6 ........
2) ........ 2, 5 ........
3) ........ 8, 3 ........
4) ........ 1, 7 ........
5) ........ 9, 0 ........

- Assinale a resposta certa:


6) ½ de 6 = 4, 8, 3
7) 5 + 3 + 2 = 11, 10, 7
8) 2 × 4 = 7, 9, 8

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Trilhas Pedagógicas

9) 1/3 de 12 = 4, 3, 2
10) ½ de (4 + 8) = 6, 7, 8
1º ano, 2º trimestre
Tests de cálculo para o 1º ano do curso primário

1) Multiplique por 4 e some com 1 os números que estão dentro do retângulo e escreva ao lado os resultados:

× 4 mais 1
3 _______
2 _______
1 _______
4 _______

2) Multiplique por 3 e tire 2 dos números que estão dentro do retângulo e escreva ao lado os resultados:

× 3 menos 2
3 _______
2 _______
1 _______
4 _______

2ª parte
3) Divida por 5 cada um dos números e escreva os resultados em baixo:
15 5 20
(............) (............) (............)
4) Ache a quarta parte destes números:
12 16 20
(............) (............) (............)
5) Faça o sexto destes números:
12 18 24
(............) (............) (............)
6) Marque com um traço os números divisíveis por 2:
21 – 9 – 10 – 14 – 15 – 18 – 20 – 36 – 39 – 40 – 41 – 44 – 49 – 50 – 62 – 6 – 70
7) Escreva em algarismo romano os números: quatro, seis, dois, oito, nove e onze.
8) O dobro de 14 é?
9) A terça parte de VIII + X é?
10) 5 dezenas + 4 – 2 dúzias = ?
11) A quinta parte de duas dezenas + 3 dezenas – 5 unidades é ?

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Trilhas Pedagógicas

AVALIAÇÃO:
Os números – 1, 2, 3, 4, 5 e 8 valem 6 pontos
Os números – 6 e 11 valem 10 pontos.
Os números 7 e 9 valem 12 pontos.
O número 10 vale 20 pontos.
1º ano, 3º trimestre
Tests de cálculo para o 1º ano

1) Multiplique por 4 e tire 3 de cada um dos números que estão dentro da escadinha. Escreva ao lado
os resultados.

2) Some com 5 e divida por 4 os números que estão dentro da escadinha. Escreva ao lado os resultados.

Como se pode observar, os testes de aritmética organizados para o primeiro ano


são mais diretos, contendo o mínimo de informações fornecidas à criança. Entretanto, a
própria escola de Casa Branca avaliou isso como um erro. Embaixo das questões do 2º
trimestre havia críticas constatando que os referidos testes eram de apresentação difícil.
Para execução desse teste, foi preciso alguma explicação no caso (RELATÓRIO, 1936,
p. 79). Em relação aos testes 9, 10 e 11 do 2º trimestre, as questões apresentavam o
enunciado de modo confuso, exemplo: “A quinta parte de duas dezenas + 3 dezenas – 5
unidades é? A criança, logo a primeira vista tenderá a achar a quinta parte de 20, que é o
primeiro número encontrado” (RELATÓRIO, 1936).
De certa maneira, os testes de maneira geral (sejam eles de leitura; de aritmética;
de geografia e ciências; de história do Brasil e de linguagem escrita) ganhavam um
aspecto de matematização, pois a nova compreensão cientificista buscava aferir o grau de

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Trilhas Pedagógicas

exatidão de uma criança ao solucionar um determinado problema. Os aspectos que se


diferenciam naquele momento renovador era a observação e o gosto pela experimentação.
É nesses termos que ocorria a matematização da pedagogia, pois os exercícios que eram
trabalhados em sala de aula, nas classes homogeneizadas pelos Testes ABC, passavam a
ser testados mediante o que as crianças conseguiam aprender.
Em suma, a escola, ao se fundamentar na pedagogia científica, se abriga na
psicologia experimental e passa a elaborar testes pedagógicos para verificar os progressos
quantitativamente, tendo como “objetivo o comportamento observável, a fim de testar
modelos e teorias matemáticas sobre diversos aspectos do mesmo: prestar atenção,
perceber, recordar, aprender, decidir, reagir emocionalmente e interagir” (MARQUES,
2013, p. 46). Isso sugere à política da escola uma preocupação central no
acompanhamento dos dados obtidos, garantindo-lhes uma interpretação numérica dos
casos, por base estatística: “São os cálculos estatísticos que nos vêm mostrar a evidência
do valor da medida, demonstrando que as relações do fenômeno podem ser apreciadas
quantitativamente de modo seguro” (SILVEIRA, 1971 apud RELATÓRIO, 1936, p. 57).
É o que veio assinalar Noemy Silveira em Ensaio de organização de classes seletivas do
1º grau, com emprego dos Testes ABC (1931).

Considerações finais

Nos finais do século XVII a escola dava os primeiros passos a exercer um novo
papel para a educação, pois o ensino denominado como “tradicional” não satisfazia ao
tipo de sociedade que gostaria de formar. Nesse cenário cultural, vários países europeus
e norte-americanos passam a cogitar em uma nova proposta para a educação incorporando
de diversas maneiras o discurso do “moderno”.
Nas primeiras décadas do século XX, o Brasil apropria-se dessa nova
representação e também passa a valer-se dessas práticas científicas que deram origem ao
“movimento dos testes”. Como consequência desse processo, observa-se que os
procedimentos didático-pedagógicos passavam a ser mensuráveis, quantificáveis. Separar
os alunos em classes homogêneas era ingrediente do discurso dessas novas descobertas,
uma nova representação.
No Brasil, Manoel Bomfim (1868-1932) pode ser identificado como um dos
primeiros pesquisadores experimentais acerca da individualidade da criança, em relação

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Trilhas Pedagógicas

ao processo de aprendizagem, quando a psicologia dava os primeiros passos. Bomfim foi


à Europa buscar os métodos de Alfred Binet e, influenciado pelos testes, procurava
“pensar a psicologia como uma ciência com prerrogativas de superioridade, ou pelo
menos de independência, em relação à pedagogia” (FREITAS, 2005, p. 107).
No entanto, a efervescência moderna em educação no Brasil constituída por uma
base científica, se acendia mais próxima da era Vargas, época na qual Bomfim veio a
falecer. Antes disso, “o mundo rural brasileiro guardava marcas da escravidão e do
distanciamento econômico em relação à vida urbana”, fazendo com que suas aspirações
da psicologia experimental não fossem amplamente circuladas (FREITAS, 2005, p. 112).
Um educador que ganha destaque no período é Lourenço Filho quando elabora os
Testes ABC para a verificação da maturidade no primeiro ano de alfabetização. O método
torna-se ícone desse tempo para classificar os alunos em classes de crianças fortes, médias
e fracas, mediante o número de pontos alcançados por elas. Essa técnica levava os
professores saírem à busca de técnicas que fizessem os trabalhos caminharem, para que
os alunos pudessem ser mais instruídos e para os educadores ficarem mais preparados
para receber crianças de diversos níveis de aprendizagem. Metodologicamente, entende-
se que a pedagogia científica aliada aos conhecimentos da psicologia foram úteis na
medida em que propiciasse aos educadores refletir sobre o método de ensino mais
adequado para as crianças. Essa nova pedagogia, que buscava substituir a arte de ensinar
por um modo científico de tratar a educação, remetia a matematização da pedagogia. São
essas algumas representações construídas na época da Escola Nova.

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