Morfo-Anatomia de Frutos Secos em Espécies de Apocynaceae: Significado Ecológico e Evolutivo
Morfo-Anatomia de Frutos Secos em Espécies de Apocynaceae: Significado Ecológico e Evolutivo
Morfo-Anatomia de Frutos Secos em Espécies de Apocynaceae: Significado Ecológico e Evolutivo
2008
RESUMO – (Morfo-anatomia de frutos secos em espécies de Apocynaceae: significado ecológico e evolutivo). Frutos secos predominam
entre as espécies de Apocynaceae, especialmente aqueles do tipo folículo, apontado na literatura para Aspidosperma parvifolium A.DC.,
Mesechites mansoana (A.DC.) Woodson e Prestonia coalita (Vell.) Woodson. Frutos fechados e abertos destas espécies foram examinados
anatomicamente com o objetivo de confrontar suas características com aquelas de outras espécies da família. Constatou-se que os frutos
de P. coalita são cápsulas bicarpelares septicidas, significando a presença de dois tipos de frutos neste gênero, em lugar de apenas um,
como se pensava anteriormente. Cápsulas podem estar presentes em outras espécies de Prestonia e em outros gêneros da família
relatados como tendo folículos. Para Apocynaceae, alguns caracteres taxonômicos devem ser considerados, como espessura e número de
camadas das regiões e sub-regiões do pericarpo; presença de aerênquima, esclereídes, fibras longitudinais não-lignificadas ou idioblastos
secretores no mesocarpo; posicionamento dos feixes vasculares no mesocarpo; espessura do endocarpo e orientação de suas fibras;
presença de costas internas no pericarpo. Adicionalmente, discutiu-se sobre o papel das costas internas do pericarpo e das fibras não-
lignificadas do mesocarpo para o mecanismo xerocástico. Desenvolveu-se um teste de desidratação total para determinar a curvatura
máxima do pericarpo, relacionando as implicações com a deiscência.
ABSTRACT – (Morphoanatomy of dry fruits in Apocynaceae species: ecological and evolutionary significance). Dry fruits predominate
in Apocynaceae species, especially the follicle type reported for Aspidosperma parvifolium A.DC., Mesechites mansoana (A.DC.)
Woodson and Prestonia coalita (Vell.) Woodson. Anatomical analysis of intact and open fruits was carried out to compare characteristics
with those of other species of this family. We found that the fruit of P. coalita is a bicarpellary septicidal capsule, showing that this genus
has two types of fruits instead of one as previously thought. Capsules may be found in other Prestonia species and in other Apocynaceae
genera reported as having follicles. For Apocynaceae, some taxonomic characters should be considered such as thickness and number of
pericarp layers and sublayers; presence of aerenchyma, sclereids, non-lignified fibres, secretory idioblasts in the mesocarp; vascular-
bundle position in the mesocarp; endocarp thickness and fibre orientation; presence of internal ribs in the pericarp. Furthermore, the role
of the internal ribs of the pericarp, as well as the non-lignified mesocarp fibres for the xerocastic mechanism are discussed. A total
dehydration test was developed to determine maximum pericarp curvature and its implications for the dehiscence process.
1
Universidade de Brasília, Departamento de Botânica, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Asa Norte, C. Postal 04457, 70910-970 Brasília,
DF, Brasil (smgomes@unb.br)
522 Gomes: Morfo-anatomia de frutos secos em espécies de Apocynaceae: significado ecológico e evolutivo
(Vell.) Woodson são lianas que possuem frutos diversos estados do Brasil (Vasconcellos & Gouvêa
subcilíndricos, bastante alongados e estreitos, abrigando 1993; Costa et al. 2004; Kinoshita 2005), especial-
sementes comosas em seu interior (Woodson Jr. 1936; mente em fisionomias do Cerrado e representam
Kinoshita 2005). extremos morfológicos do tipo de fruto seco presente
Frutos de espécies de Apocynaceae sensu na família.
stricto - s.s. - foram enfocados em trabalhos anatômi-
cos, como Catharanthus roseus (L.) G. Don (Zala Material e métodos
et al. 1976) e Aspidosperma polyneuron Müll. Arg.
(Souza & Moscheta 1992). Thomas & Dave (1991) Frutos adultos de três espécies de Apocynaceae
examinaram a anatomia de frutos de Nerium indicum s.s. foram fixados em FAA (Johansen 1940)
Mill. (= N. oleander L.), tendo posteriormente imediatamente após a coleta, com as seguintes
ampliado seus estudos para doze espécies de exsicatas testemunhas: Aspidosperma parvifolium,
Apocynaceae s.s. (Thomas & Dave 1994). O Gomes 656 (UEC 142189); Mesechites mansoana,
mecanismo xerocástico de deiscência do fruto de Aguiar 1 (UEC 118812) e Prestonia coalita, Gomes
A. megalocarpon Müll. Arg. foi abordado por 480 (UEC 142063). As amostras foram submetidas a
Hoffmann (1931 apud Roth 1977). Folículos de uma bomba de vácuo por 24 h, desidratadas em etanol
diferentes espécies de Asclepiadoideae, a subfamília 50% por 24 h e estocadas em etanol 70%.
mais derivada de Apocynaceae sensu lato - s.l., foram Obteve-se a porção transverso-mediana de cada
examinadas anatomicamente: Tylophora dalzellii fruto fixado, sendo que a porção do folículo de
Hk.f. (Kuriachen et al. 1990), Calotropis procera A. parvifolium foi fracionada em três partes,
(Ait.) Ait.f. (Kuriachen et al. 1991) e C. gigantea abrangendo as regiões dorsal, da costa (lateral
(L.) Driand. (Kuriachen et al. 1992). mediana) e ventral. O material foi desidratado em série
As espécies aqui propostas para estudo ainda não etanólica e incluído em resina plástica (Historesin-
foram objeto deste tipo de abordagem, especialmente Leica). Secções transversais (ST) e longitudinais (SL)
Prestonia coalita, descrita com fruto folicular foram obtidas através de micrótomo rotativo manual
(Woodson Jr. 1936; Simões & Kinoshita 2002; Rio & com navalha tipo “C” e coradas com Azul de Toluidina
Kinoshita 2005), mas cujo fruto parece ter os carpelos a 0,05% em tampão acetato pH 4,7. A montagem das
conatos. Os gêneros a serem analisados posicionam- lâminas foi feita em resina sintética. Os resultados
se diferentemente dentro da filogenia de Apocynaceae foram documentados através de fotomicroscópio
s.l., sendo que Aspidosperma (Alstonieae, Olympus BX50. O filme revelado foi escaneado para
Rauvolfioideae) é mais basal, enquanto que Prestonia o uso das imagens digitais.
(Echiteae, Apocynoideae) insere-se em uma tribo mais Frutos abertos das três espécies foram hidratados
derivada (Endress & Bruyns 2000) e Mesechites e sua porção mediana foi seccionada em micrótomo
(Mesechiteae, Apocynoideae) ocupa posição de mesa; as ST foram coradas com Floroglucina
intermediária (Endress & Bruyns 2000; Simões et al. (Johansen 1940) ou usadas no teste de desidratação
2004). Os três gêneros estão circunscritos dentro do total do pericarpo. Este último constou de desidratação
que se pode chamar de Apocynaceae s.s. gradativa das ST até etanol 50%, seguida de coloração
(Rauvolfioideae e Apocynoideae), que exclui as com Safranina a 1% por 20s. Prosseguiu-se a
Asclepiadoideae, Periplocoideae e Secamonoideae. desidratação dos cortes até álcool 100% e as lâminas
Os estudos anatômicos sobre frutos em foram montadas com óleo de imersão. Estes resultados
Apocynaceae s.l. têm lacunas quanto às relações entre foram documentados através do fotomicroscópio Zeiss
a estrutura do pericarpo e os mecanismos de deiscência, Axioskope, acoplado a um computador com sistema
possíveis caracteres úteis taxonomicamente, ou mesmo de captura de imagens ProImage 2.0. Exsicatas
aspectos evolutivos. O presente trabalho propõe-se a testemunhas: A. parvifolium: Duarte 18040 (UB
estudar a anatomia do fruto de três espécies de 10467-1); M. mansoana: Melo et al. 870 (UB 12977);
Apocynaceae s.s., Aspidosperma parvifolium, P. coalita: Souza et al. 2906 (UB 27296).
Mesechites mansoana e Prestonia coalita, com o Material adicional examinado para a descrição da
objetivo de confrontar suas características com as de morfologia externa: Aspidosperma parvifolium:
outras espécies da família e efetuar uma abordagem Heringer 5825 (UB 11738); Belém & Pinheiro 2569
ecológica e evolutiva construída a partir de dados (UB 14125); Mesechites mansoana: Irwin et al.
próprios e da literatura. Estas espécies ocorrem em 27761 (UB 18774), Anderson 9728 (UB 18775);
Acta bot. bras. 22(2): 521-534. 2008. 523
Prestonia acutifolia (Benth. ex Müll.Arg.) K.Schum.: na base; folículo subcilíndrico e longo, delgado,
Irwin et al. 26884 (UB 18863); P. coalita: Irwin et al. actinomorfo, pêndulo, sublenhoso, glabro, ca. 50 vezes
17596 (UB 65173), Irwin et al. 27356 (UB 18869), mais comprido do que largo, ca. (155×3×0,3) mm, não
Anderson 9130 (UB 18867); Temnadenia violacea estipitado (Fig. 10). Região mediana do fruto com
(Vell.) Miers: Guedes 502 (UB 18909), Anderson pericarpo com ca. 230-280 µm de espessura; exocarpo
11172 (UB 18907). constituído por epiderme unisseriada (Fig. 11),
As características dos frutos foram descritas a lenticelas esparsas, estômatos esparsos; mesocarpo
partir de observações feitas no campo e do exame das com ca. 14-18 camadas, sendo uma hipoderme
exsicatas e das secções anatômicas. Adotou-se o uniestratificada e secretora (idioblastos) e os demais
conceito mais abrangente de epicarpo, mesocarpo e estratos constituídos por células parenquimáticas com
endocarpo usado por Thomas & Dave (1991; 1994). idioblastos numerosos (Fig. 11), canais laticíferos
A nomenclatura incluiu o conceito de regiões interna e estreitos e raros (Fig. 12); feixes vasculares
externa das partes do pericarpo adotado para legumes bicolaterais, sendo 9 de calibre maior e 10 menores,
(Pietrobom & Oliveira 2004) e região mediana, quando com grupos de fibras não-lignificadas e de parede
foi identificada uma estratificação adicional. Adotou- espessa adjacentes aos feixes e externos a estes
se a classificação de Endress & Bruyns (2000), com (Fig. 11, 13, 15); floema interno mais abundante do que
as modificações apontadas por Simões et al. (2004). o externo (Fig. 11); endocarpo composto por ca. 5
camadas de fibras lignificadas e orientadas
Resultados diferenciadamente, sendo ca. 3 longitudinais no
endocarpo externo e ca. 2 camadas de fibras
Aspidosperma parvifolium (Fig. 1-9): pares de transversais no endocarpo interno (Fig. 11-13), exceto
folículos livres entre si, exceto por uma pequena região perto da zona de deiscência, onde ocorrem grupos de
na base, ou geralmente solitários por aborto de um dos fibras exclusivamente longitudinais. O pericarpo
carpelos; folículo dolabriforme e achatado, zigomorfo, totalmente desidratado tem ca. 210-260 µm de
ereto, lenhoso, glabro, ca. 2,4 vezes mais comprido do espessura e abre-se ficando quase plano (Fig. 14), mas
que largo, ca. (60×25×2) mm, estipe ca. 1 cm (Fig. 1-2). ainda com o endocarpo em posição interna e o
Região mediana do fruto sem diferenças marcantes exocarpo, externo; as fibras longitudinais não-
entre as porções dorsal, da costa e ventral do pericarpo, lignificadas do mesocarpo ficam com as paredes
exceto na zona de deiscência; pericarpo com ca. 6 mm colabadas (Fig. 15). O fruto apresenta deiscência
de espessura; exocarpo constituído por epiderme marginicida, quando o eixo placentário é liberado do
unisseriada, com lenticelas redondas, contrastantes pericarpo, que se abre e expõe este eixo com suas
(Fig. 4), além de colênquima com 6-8 camadas celulares sementes comosas ao vento, liberando-as.
(Fig. 3-4); mesocarpo com ca. 32-34 camadas de Prestonia coalita (Fig. 16-26): dois carpelos
células predominantemente parenquimáticas, pequenos unidos entre si; cápsula bicarpelar septicida
grupos de esclereídes amplamente dispersos em meio subcilíndrica e longa, delgada, actinomorfa, levemente
ao parênquima (Fig. 3, 7), diversos canais laticíferos moniliforme, pêndula, sublenhosa, pubérula a
largos, eventualmente ramificados (Fig. 6), feixes glabrescente, ca. 180 vezes mais comprida do que
vasculares concêntricos anficrivais (Fig. 3, 8); larga, ca. (540×3×0,2) cm, não estipitada (Fig. 16-18).
endocarpo composto por 13-18 camadas de fibras Região mediana do fruto com pericarpo com ca.
(Fig. 5, 8) com lignificação tardia (Fig. 9) e orientadas 120-250 µm de espessura; exocarpo constituído por
diferenciadamente em camadas de espessura muito epiderme unisseriada, com tricomas simples, curtos e
variável, sendo o endocarpo externo com ca. 3-8 muito esparsos, lenticelas esparsas, estômatos
camadas de fibras longitudinais, o endocarpo mediano esparsos, além de uma camada de colênquima,
com ca. 9-10 camadas de fibras transversais ou oblíquas predominantemente com paredes celulares anticlinais
e o endocarpo interno com ca. 1-2 camadas de fibras e periclinais externas mais espessas que as paredes
transversais; zona de deiscência com epiderme periclinais internas (Fig. 19, 21); mesocarpo com ca.
diferenciada (Fig. 7). A deiscência é marginicida, as 8-11 camadas, sendo mesocarpo externo com ca. 4-6
longas e estreitas placentas com ca. (17×0,5) mm se camadas de parênquima (Fig. 19), mesocarpo mediano
rompem liberando as sementes aladas (Fig. 2). com um anel descontínuo e irregular de 4-5 camadas
Mesechites mansoana (Fig. 10-15): pares de de fibras não-lignificadas longitudinais e de parede
folículos livres entre si, exceto por uma curta região espessa (Fig. 19-20, 24), seguido pelo mesocarpo interno
524 Gomes: Morfo-anatomia de frutos secos em espécies de Apocynaceae: significado ecológico e evolutivo
com ca. 5-7 camadas de células parenquimáticas e diferenciação do tecido de separação ocorre na zona
feixes vasculares bicolaterais, sendo 9 de calibre maior de conação entre os carpelos (Fig. 22-23) e depois na
e 10 menores; floema interno mais abundante do que sutura carpelar. Com a ruptura sutural, rompe-se o
o externo (Fig. 20, 23); canais laticíferos muito estreitos tênue ponto de ligação do pericarpo com o eixo placen-
e raros em meio ao parênquima; endocarpo formado tário (Fig. 23). O pericarpo abre-se e expõe este eixo
por ca. 1-2 camadas de fibras transversais a levemente com suas sementes comosas ao vento, liberando-as.
oblíquas, exceto por grupos de fibras longitudinais P. acutifolia: cápsula bicarpelar septicida subcilín-
adjacentes à zona de deiscência (Fig. 23). Zona de drica e longa, levemente moniliforme, sublenhosa,
conação carpelar com continuidade histológica glabra, ca. 65 vezes mais comprida do que larga, ca.
(Fig. 22-23) e homogênea. O pericarpo totalmente (200×3×0,2) mm, não estipitada, com deiscência
desidratado tem ca. 80-130 µm de espessura, septicida, liberando o eixo placentário e as sementes.
apresentando-se completamente dobrado para trás, Temnadenia violacea: cápsula bicarpelar
com o quê o endocarpo passa a ser externo septicida cilíndrica e longa, sublenhosa, glabra, ca. 30
(Fig. 25-26); as fibras longitudinais não-lignificadas do vezes mais comprida do que larga, ca. (150×5×0,2) mm,
mesocarpo ficam com as paredes colabadas (Fig. 26). não estipitada, com deiscência septicida, liberando o
A deiscência é septicida (Fig. 18, 22-23, 25). A eixo placentário e as sementes.
Figuras 1-9. Aspidosperma parvifolium A.DC. 1. Folículo dissecado: placenta (seta). 2. Folículo solitário aberto. 3-9. Pericarpo (3-7: ST;
8-9: SL): esclereídes (3, 5, 7-9, setas pretas) e laticíferos numerosos (3, 7, seta branca); lenticela (4); fibras com diferentes orientações no
endocarpo (5, 8-9); ramificação no laticífero (6, seta); linha de deiscência (7, losango). 1, 3-8. Frutos adultos fechados. 2, 9. Frutos
abertos. 3-8. Azul de Toluidina. 9. Floroglucinol. En: endocarpo, Ex: exocarpo, L: laticífero, M: mesocarpo. Barras = 1-2: 2 cm; 3, 7:
500 µm; 4: 100 µm; 5-6, 8-9: 200 µm.
Acta bot. bras. 22(2): 521-534. 2008. 525
Figuras 10-15. Mesechites mansoana (A.DC.) Woodson. 10. Folículos gêmeos. 11-15. Pericarpo (11, 13-15: ST; 12: SL): fibras longitudinais
não-lignificadas no mesocarpo (11, 13) com paredes colabadas após desidratação (15, seta branca); fibras transversais e longitudinais
lignificadas no endocarpo (11-13, 15) e exclusivamente longitudinais nas adjacências da zona de deiscência (15, seta preta). 10-12. Frutos
adultos fechados. 13-15: Frutos abertos. 11-12. Azul de Toluidina. 13. Floroglucinol. 14-15. Safranina. En: endocarpo, Ex: exocarpo, FiN:
fibras não-lignificadas, H: hipoderme, L: laticífero, M: mesocarpo. Barras = 10, 17: 2 cm; 14: 500 µm; 15: 100 µm; 11, 13: 50 µm; 12: 20 µm.
526 Gomes: Morfo-anatomia de frutos secos em espécies de Apocynaceae: significado ecológico e evolutivo
Figuras 16-26. Prestonia coalita (Vell.) Woodson. 16-17. Cápsula bicarpelar fechada (16: detalhe de 17). 18. Cápsula aberta. 19-26. Pericarpo
(19-20, 22-26: ST; 21: SL; 20, 23 e 26: detalhes de 19, 22 e 25, respectivamente): colênquima uniestratificado (19, 21, seta); fibras
longitudinais não-lignificadas no mesocarpo (19-20, 23-24), com paredes colabadas após desidratação total (26); fibras transversais
lignificadas no endocarpo (19-21, 23, 24) e longitudinais nas adjacências da zona de deiscência (23, seta); inversão do pericarpo após
desidratação total (25-26). 16-17, 19-23. Frutos adultos fechados. 18, 24-26. Frutos abertos. 19-23. Azul de Toluidina. 24. Floroglucinol.
25-26. Safranina. En: endocarpo, Ex: exocarpo, FI: floema interno, FiN: fibras não-lignificadas, M: mesocarpo, P: placenta, S: semente,
X: xilema. Barras = 16, 18, 22, 25: 500 µm; 17: 2 cm; 19-21, 23-24, 26: 50 µm.
Acta bot. bras. 22(2): 521-534. 2008. 527
A deiscência do fruto em P. coalita ocorre através et Schult., por Thomas & Dave (1994). Os frutos secos
da separação dos septos e das margens dos carpelos. encontrados nestas plantas constituem cápsulas
As placentas (Fig. 22-23) destacam-se do pericarpo bicarpelares.
após a ruptura sutural, constituindo dois eixos livres É possível que cápsulas bicarpelares foram
das valvas e onde as sementes ficam inseridas. descritas como folículos em outras espécies desta
Diferentemente do que ocorre nas síliquas, as placentas família. Folículos tipicamente delgados e
nesta espécie não constituem um eixo único ou replum, posgenitamente fusionados são apontados para
nem formam um septo falso. São estruturas tênues, Parsonsia, Artia, Thenardia, Temnadenia e algumas
que logo são levadas pelo vento, deixando as duas espécies de Prestonia (Endress & Bruyns 2000);
valvas do pericarpo ainda inseridas no receptáculo entretanto a definição de folículo inclui que estes sejam
(Fig. 18). Barroso et al. (1999) tratam as cápsulas monocarpelares (Spjut 1994; Barroso et al. 1999;
bicarpelares em Allamanda como loculicidas, mas este Hickey & King 2002), o que não ocorre quando os
não é o caso em P. coalita, cujas peculiaridades não mesmos são fusionados, mesmo que posgenitamente;
se encaixam nas descrições da literatura (Spjut 1994; neste caso, tem-se a formação de fruto sincárpico
Oliveira et al. 1978; Barroso et al. 1999; Hickey & bicarpelar (cápsula bicarpelar). Há indícios de que isto
King 2002), sendo aqui denominada de cápsula ocorra com outras Apocynaceae, conforme a análise
bicarpelar septicida. das ilustrações de frutos de Parsonsia flexuosa Bail.
Frutos de muitas espécies de Prestonia são e P. terminalifolia Guillaumin (Hamel 1983),
foliculares (Woodson Jr. 1936; Markgraf 1968; Ezcurra Temnadenia stellaris (Lindl.) Miers (Markgraf 1968),
1981), tais como P. calycina Müll. Arg., P. denticulata Malouetia tamaquarina A.DC. e M. lanceolata
(Vell.) Woodson e P. riedelii (Müll. Arg.) Markgr. (Rio Müll. Arg. (Müeller 1860). A análise da literatura
& Kinoshita 2005), às vezes apresentando os dois sugere que possivelmente nestes táxons ocorram
carpelos unidos apenas no ápice, separando-se na cápsulas bicarpelares, tal como aqui constatado para
maturidade. Isto não ocorre com os frutos de P. coalita, indicando a necessidade de estudos
P. coalita, pois eles não se separam em mericarpos, adicionais e mais amplos sobre os frutos secos nesta
permanecendo com os carpelos conatos (Fig. 16-17, família a fim de aprofundar esta questão morfológica.
22-23) até o momento da deiscência (Fig. 18). Fica Frutos capsulares são assinalados para outras
assim demonstrada a ocorrência de dois tipos de Apocynaceae s.s., como Allamanda L. (Sakane &
frutos - folículos e cápsulas - dentro de um mesmo Shepherd 1986; Rosatti 1989), mas neste gênero eles
gênero (Prestonia). são curtos, achatados e mais ou menos elípticos, nunca
Os resultados obtidos modificam as descrições dos tão alongados e estreitos como os de Prestonia coalita,
frutos de P. coalita e, juntamente com a análise da P. acutifolia e Temnadenia violacea. Cápsulas
literatura, apontam para a necessidade de se rever as também são apontadas para Plectaneia Thou.
descrições das espécies de Prestonia como um todo. (Endress & Bruyns 2000), neste caso sendo alongadas,
Muitas destas plantas apresentam fortes indícios de mas não tão estreitas quanto em Prestonia.
que seus frutos possuem carpelos totalmente conatos, Entre os onze gêneros aqui levantados que
que possivelmente constituiriam cápsulas bicarpelares, comprovada ou possivelmente apresentam cápsulas
conforme ilustrações de P. dusenii (Malme) Woodson bicarpelares, nove estão circunscritos em tribos de
(Markgraf 1968) e P. perplexa Woodson (Rio & Apocynoideae, sendo que Allamanda (Plumerieae) e
Kinoshita 2005). O exame de exsicatas de Plectaneia (Alyxieae) posicionam-se em tribos mais
P. acutifolia evidenciou que esta espécie também derivadas de Rauvolfioideae, conforme sistema de
possui cápsula bicarpelar, embora seja descrita como Endress & Bruyns (2000). Cinco gêneros (Artia,
tendo pares de folículos unidos na extremidade Parsonsia, Prestonia, Temnadenia e Thenardia)
(Woodson Jr. 1936; Rio & Kinoshita 2005). pertencem a Echiteae, que é a tribo mais derivada de
O tipo de cápsula encontrado em P. coalita ocorre Apocynoideae. Isto evidencia que a cápsula bicarpelar
em outras Apocynaceae. Os frutos de Temnadenia é um estado de caráter apomórfico em relação aos
violacea examinados mostraram-se conatos em toda plesiomórficos folículos encontrados dentro dessas duas
a sua extensão, assim como aqueles descritos como subfamílias.
“folículos fusionados” em espécie de Nerium, por A maior diversidade morfológica dos frutos em
Thomas & Dave (1991), bem como em Vallaris Apocynaceae s.l. é encontrada em Rauvolfioideae, que
solanacea O.Ktze. e Wrightia tomentosa Roem. é a subfamília mais basal do grupo. Através do presente
528 Gomes: Morfo-anatomia de frutos secos em espécies de Apocynaceae: significado ecológico e evolutivo
trabalho, ampliaram-se os tipos de frutos que ocorrem pericarpo, respectivamente, que exercem funções
em Apocynoideae, que já foi apontada como tendo mecânicas ou de revestimento, enquanto que o
apenas folículos (Endress & Bruyns 2000; Simões & mesocarpo compreende os tecidos entre estas duas
Kinoshita 2002), os quais aparentemente predominam regiões. Alguns trabalhos trazem abordagem
amplamente nas subfamílias mais derivadas ontogenética da formação das camadas do pericarpo,
(Periplocoideae, Secamonoideae e Asclepiadoideae). mas adotam, por exemplo, os conceitos de exocarpo
A inovação das cápsulas bicarpelares surgiu em s.l. (Marzinek & Mourão 2003), ou de endocarpo s.l.
diferentes momentos ao longo da evolução, tanto em (Mourão & Beltrati 2001).
Rauvolfioideae, quanto em Apocynoideae, sem Os conceitos de exo, meso e endocarpo s.l. têm a
constituir sinapomorfia para nenhuma de suas tribos. vantagem de relacionar melhor as características
Tal inovação ocorreu inclusive dentro de um mesmo destas regiões com os mecanismos de deiscência do
gênero, Prestonia, em que há grande número de fruto e têm sido adotados em estudos anatômicos de
espécies com folículos gêmeos e considerados frutos de espécies de Apocynaceae (Thomas & Dave
apocárpicos. 1991; 1994), assim como em abordagens morfológicas
Cápsulas bicarpelares não parecem ter surgido nas sobre estas plantas (Amaro et al. 2006), o que foi aqui
três subfamílias mais derivadas de Apocynaceae s.l. adotado.
(Periplocoideae, Secamonoideae e Asclepiadoideae),
Exocarpo – Nas três espécies estudadas, o exocarpo
em que predomina uma certa homogeneidade dos
possui epiderme uniestratificada, diferindo pela
folículos. Em Asclepiadoideae, constituiu-se uma
presença de colênquima com uma camada de células
inovação peculiar a ocorrência de pares de folículos
(Fig. 19, 21) ou várias (Fig. 3-4), ou pela ausência desta
inflados em Calotropis, o que poderia sugerir adaptação
camada (Fig. 11). O colênquima subepidérmico foi
para hidrocoria, mas estes frutos abrem-se e liberam
as sementes comosas (anemocoria). Câmaras amplas considerado como parte do exocarpo s.l. aqui e em
no mesocarpo armazenam ar em espécies deste gênero outros trabalhos, sendo que exocarpo uni ou
(Kuriachen et al. 1991; 1992). pluriestratificado foi descrito para diferentes espécies
Os fatores ou pressões seletivas que resultaram de Apocynaceae s.l., distribuídas em diferentes
na consolidação de inovações como os folículos de subfamílias (Zala et al. 1976; Souza & Moscheta 1992;
Calotropis ou as cápsulas bicarpelares permanecem Thomas & Dave 1991; 1994; Kuriachen et al. 1990;
ainda por serem determinados e, no caso das cápsulas, 1991; 1992), não tendo sido identificado um padrão
estes fatores parecem não ter atuado ao longo da quanto a este caráter.
evolução das três subfamílias mais derivadas, ficando As contrastantes lenticelas no fruto de
restritos às mais basais (Rauvolfioideae e Aspidosperma parvifolium surgem a partir de um
Apocynoideae). felogênio diferenciado logo abaixo dos estômatos da
Os frutos examinados apresentam uma pequena epiderme externa do ovário em A. polyneuron (Souza
porção conata na base, que pode ser identificada & Moscheta 1992), o que possivelmente ocorre
através da morfologia externa. Esta região foi descrita também com A. parvifolium.
no ovário destas plantas (Woodson Jr. & Moore 1938; As lenticelas são muito esparsas em Mesechites
Gomes & Cavalcanti 2001), correspondendo à conação mansoana e Prestonia coalita, que possuem frutos
carpelar que pouco se desenvolve na formação dos muito mais estreitos (Fig. 10, 16-18) do que os de
frutos considerados apocárpicos nesta família. A. parvifolium (Fig. 1-2), o que poderia sugerir uma
Em estudos anatômicos de frutos, o exocarpo, associação entre abundância de lenticelas com maior
mesocarpo e endocarpo podem ser interpretados em desenvolvimento lateral do fruto. No entanto, o folículo
sensu stricto - s.s., conforme se originem da epiderme de A. polyneuron é subcilíndrico e estreito, típico da
externa, mesofilo e epiderme interna dos carpelos Secção Polyneura (Marcondes-Ferreira & Kinoshita
ovarianos, respectivamente. A abordagem ontogenética 1996), desenvolvendo-se bem menos em largura do
é essencial para este tipo de interpretação, que é que o folículo fortemente dolabriforme de
adotada em diversos trabalhos (Pietrobom & Oliveira A. parvifolium (Fig. 1-2), mas ambos apresentam
2004; Souto & Oliveira 2005). Já o estudo destas lenticelas numerosas, corroborando que a ocorrência
camadas em sensu lato - s.l. - segue um conceito destas estruturas nos frutos independe da expansão
funcional, segundo o qual o exocarpo e o endocarpo dos tecidos em decorrência do crescimento, conforme
são definidos como as regiões externa e interna do apontado por Roth (1977).
Acta bot. bras. 22(2): 521-534. 2008. 529
Mesocarpo – Há diferenças anatômicas acentuadas necessitam ser analisadas melhor à luz especialmente
no mesocarpo dos frutos estudados, o qual é muito de dados ultraestruturais.
mais espesso em A. parvifolium, principalmente Fibras longitudinais foram descritas no fruto de
porque possui maior quantidade de tecido diferentes espécies de Apocynaceae s.l., formando
parenquimático do que em M. mansoana e P. coalita. uma bainha no feixe vascular ou um anel no mesocarpo
Esclereídes são abundantes nesta região em (Thomas & Dave 1991; 1994). Fibras celulósicas
A. parvifolium (Fig. 3, 7, 9), o que também ocorre em mesocárpicas foram assinaladas em espécies de
A. polyneuron (Souza & Moscheta 1992), contribuindo Asclepiadoideae (Kuriachen et al. 1990; 1992). É
para a sustentação mecânica destes frutos secos. O possível que estas fibras sejam não-lignificadas, mas
mesmo não ocorre nas outras duas espécies estudadas, não foi realizado teste histoquímico específico para
pois não apresentam tanta lignificação no mesocarpo. confirmar isto. Já no pecíolo de uma espécie de
Fibras não-lignificadas formam bainhas nos feixes Himatanthus (Larrosa & Duarte 2005), foi confirmada
vasculares em M. mansoana (Fig. 11, 15), ou a ausência de lignificação em grupos de fibras
constituem um anel descontínuo, chegando a ter cerca associados aos feixes vasculares, à semelhança do que
de 1/3 da espessura do mesocarpo em P. coalita foi relatado para M. mansoana e P. coalita. A
(Fig. 19-20, 23), mas estão ausentes no mesocarpo de presença destas fibras pode representar um estado
A. parvifolium (Fig. 3-9). Nesta última espécie, ocorre apomórfico em relação à sua ausência e possivelmente
lignificação tardia no endocarpo (Fig. 3, 5, 8-9), o que constituem estruturas que auxiliam no mecanismo de
poderia ocorrer no mesocarpo das outras espécies. O abertura do fruto.
teste com Floroglucina eliminou esta possibilidade, Laticíferos são abundantes e largos no mesocarpo
revelando que as fibras mesocárpicas em em Aspidosperma parvifolium (Fig. 3, 7) e podem
M. mansoana e P. coalita permanecem não-lignifi- ser do tipo ramificado (Fig. 6); não foram localizados
cadas em frutos abertos, que já liberaram suas sementes septos ou seus resquícios que evidenciassem
(Fig. 13, 24). A espessura da parede celular destas articulação nos mesmos. Eles são descritos como
fibras não-lignificadas indica que elas contribuem para altamente ramificados e não articulados no mesocarpo
a sustentação mecânica dos órgãos em que ocorrem. de uma espécie de Nerium (Thomas & Dave 1991) e
Fibras não-lignificadas diferem daquelas com em folhas de Himatanthus lancifolius (Müll.Arg.)
camada gelatinosa, pois estas últimas possuem parede Woodson (Barros 1988). Contrapondo-se a isto, análise
celular com uma camada interna rica em celulose, ontogenética demonstrou que estes canais secretores
altamente hidrofílica, que, quando desidratada, são articulados em A. australe Müll. Arg.
afasta-se da camada mais externa e lignificada (Esau (Rauvolfioideae) e Blepharodon bicuspidatum
1972; Marcati et al. 2001; Luchi 2004). As fibras E. Fourn. (Asclepiadoideae), originando-se através da
não-lignificadas aqui identificadas não têm esta rápida destruição das paredes de células contíguas, que
distinção em duas camadas, possuindo parede espessa se anastomosam precocemente, diferenciando-se em
e sem impregnação de lignina, tendo-se evidenciado canais que aparentam ausência de articulação, segundo
um conteúdo básico em seu lume (Fig. 11, 13, 19, 23-24, Demarco et al. (2006). Estes autores comprovaram
26). Gorshkova & Morvan (2006) adotam fibras que a identificação do tipo de laticífero requer estudo
não-lignificadas como sinônimo de gelatinosas, o que ontogenético e seus resultados ajudaram a esclarecer
não é seguido aqui. a controvérsia na literatura sobre estas estruturas
Bainha de fibras septadas não-lignificadas e com secretoras em Apocynaceae.
protoplasto ativo foi descrita no floema do pulvino em Idioblastos secretores são numerosos no
Pterodon pubescens Benth. (Fabaceae, Faboideae), mesocarpo de Mesechites mansoana, inclusive
possivelmente com a função de reserva (Machado & constituindo uma hipoderme secretora (Fig. 11),
Rodrigues 2004), o que talvez ocorra também nas possivelmente com conteúdo de compostos fenólicos.
espécies aqui estudadas. A presença de fibras Esta peculiaridade anatômica também está presente
gelatinosas em plantas do Cerrado já foi relacionada na flor desta espécie e de outras de Macrosiphonia,
com a formação do lenho de tensão (Paviani 1974), Mandevilla e Secondatia (Simões et al. 2006), bem
mas posteriormente lhes foi atribuída a função de como em diferentes órgãos de espécies de Forsteronia
armazenar água, especialmente em xilopódios (Paviani (Rio et al. 2005) e Mandevilla (Appezzato-da-Glória
1977; 1978), o que aqui se propõe também para as & Estelita 2000). Todos estes gêneros pertencem à
fibras não-lignificadas dos frutos. Estas conjecturas Mesechiteae, Apocynoideae (Simões et al. 2004).
530 Gomes: Morfo-anatomia de frutos secos em espécies de Apocynaceae: significado ecológico e evolutivo
M. de M. Castro (com. pess. 2005) atentou para a A. parvifolium (Fig. 3, 5, 8, 9) e A. polyneuron (Souza
presença destes idioblastos em diferentes espécies & Moscheta (1992) do que em M. mansoana
desta tribo. (Fig. 11-12), sendo que o número de estratos é menor
A ocorrência de feixes vasculares anficrivais no em P. coalita (Fig. 19-21). No primeiro caso, constitui
mesocarpo de Aspidosperma parvifolium (Fig. 3, 8) o endocarpo externo, mediano e interno; no segundo,
difere da anatomia das folhas de A. tomentosum Mart., suprimiu-se o endocarpo mediano e na última espécie
em que foram encontrados feixes bicolaterais só há uma camada.
(Morretes & Ferri 1959). Há os dois tipos de feixes no O endocarpo externo tem fibras longitudinais e o
mesocarpo de A. polyneuron (Souza & Moscheta interno possui fibras transversais em A. parvifolium
1992). Os feixes vasculares são bicolaterais e mais e M. mansoana. Já em P. coalita, as fibras desta
próximos do endocarpo do que do exocarpo em região chegam a ser quase exclusivamente transversais
Mesechites mansoana (Fig. 11) e Prestonia coalita (Fig. 19-21), exceto nas adjacências da zona de
(Fig. 19), enquanto que eles posicionam-se no deiscência (Fig. 15, 23). Fibras longitudinais do
mesocarpo externo em Calotropis procera endocarpo estão ausentes em oito das nove espécies
(Kuriachen et al. 1991). Feixes anficrivais ou bicola- de Asclepiadoideae relatadas na literatura, nas quais
terais são apontados entre as características anatômicas predominam espécies com até cinco camadas de fibras
das Apocynaceae (Metcalfe & Chalk 1957). transversais ou levemente oblíquas (Kuriachen et al.
Os feixes vasculares em P. coalita (Fig. 19-20, 1990; 1991; Thomas & Dave 1994).
23) apresentam o floema externo (voltado para a região Estes resultados indicam uma redução no número
externa do fruto) mais abundante do que o interno de camadas do endocarpo ao longo da evolução de
(voltado para o lóculo), o que também ocorre no caule Apocynaceae s.l. Aparentemente, houve uma
de Vinca minor L. (Fjell 1983). Esta desproporção diminuição seguida pela supressão das fibras
entre floema interno e externo é menos acentuada em longitudinais nesta região. Este fenômeno parece ter-se
M. mansoana (Fig. 11). Possivelmente o posiciona- consolidado no endocarpo mais estreito e
mento mais interno dos feixes no pericarpo, bem como exclusivamente com fibras transversais que predomina
a redução do floema externo e a maior quantidade de na subfamília mais derivada, Asclepiadoideae,
floema interno, juntamente com a proteção dos feixes significando uma economia de recursos biológicos na
vasculares por camadas de fibras tenham trazido a construção da unidade de reprodução.
vantagem adaptativa de restringir o acesso de fitófagos Este processo evolutivo ocorreu sem perdas
à região com maior volume de seiva elaborada, adaptativas aparentes, mas possivelmente com ganhos
notadamente em P. coalita, características estas na eficiência de liberação das sementes. O teste de
ausentes no pericarpo da basal A. parvifolium (Fig. 3, desidratação total do pericarpo corrobora esta
8). Estas características parecem constituir estados afirmação, já que o endocarpo mais estreito e
apomórficos em relação ao plesiomorfismo que se pode predominantemente com fibras transversais em
associar ao posicionamento mais externo dos feixes P. coalita (Fig. 25-26) mostrou-se capaz de liberar suas
vasculares, floema externo abundante ou grupos de sementes com eficiência aparentemente superior ao
fibras reduzidos ou ausentes no mesocarpo. daquele em M. mansoana, que é mais espesso e com
Endocarpo – O endocarpo é esclerenquimático nas fibras transversais e longitudinais (Fig. 14-15).
três espécies estudadas, sendo que suas fibras podem A presença de fibras estritamente longitudinais
ser não-lignificadas em frutos adultos de A. parvifolium adjacentes à zona de deiscência do fruto em
(Fig. 3, 5, 8). O teste com Floroglucina realizado em Mesechites mansoana (Fig. 15) e Prestonia coalita
frutos abertos comprovou a lignificação tardia do (Fig. 22-23) é semelhante ao que Fahn (1990) relata
endocarpo nesta espécie (Fig. 9), fenômeno este para certos legumes. Tais fibras possivelmente
ausente nas outras plantas estudadas. O endocarpo orientam o plano de separação dos carpelos e
do folículo de Calotropis procera (Asclepiadoideae) condicionam o destacamento do eixo placentário em
torna-se lignificado justo antes da deiscência que as sementes comosas se inserem.
(Kuriachen et al. 1991). Esta característica Estudos ontogenéticos em espécies de Fabaceae
possibilitaria uma melhor acomodação das sementes mostraram que as camadas fibrosas do endocarpo são
no lóculo ao longo de seu desenvolvimento (Roth 1977). formadas a partir da epiderme ovariana uniestratificada,
O entrelaçado de fibras com diferentes orientações que sofre divisões periclinais após a fecundação
no endocarpo constitui camadas mais numerosas em (Pietrobom & Oliveira 2004; Nakamura & Oliveira
Acta bot. bras. 22(2): 521-534. 2008. 531
2005). Este tipo de divisão não ocorre em abundantes em P. coalita (Fig. 19-20, 24) do que em
Aspidosperma polyneuron (Apocynaceae), em que M. mansoana (Fig. 11, 13).
há um tecido interno pluriestratificado diferenciado já Postula-se aqui que as fibras não-lignificadas
no ovário da flor em pré-antese, o qual origina o nestas espécies armazenam água em suas paredes de
endocarpo (Souza & Moscheta 1992). Ainda não foi modo semelhante ao que é relatado para as fibras com
estabelecida a ontogênese destas camadas ovarianas camadas gelatinosas (Paviani 1977; 1978), ao mesmo
em espécies de Apocynaceae, não sendo possível tempo em que contribuem para a sustentação mecânica
determinar se estes estratos celulares constituem uma dos frutos sem o enrijecimento que a lignificação traz.
epiderme interna pluriestratificada ou se é formado por O método aqui desenvolvido para o estudo anatômico
uma epiderme interna uniestratificada com uma do pericarpo totalmente desidratado (em etanol 100%)
hipoderme adjacente à mesma. revelou que nestas condições as fibras não-lignificadas
do mesocarpo apresentam paredes colabadas, que
Deiscência – As características do pericarpo são
redundam na diminuição de seu lume (Fig. 15, 26).
importantes para o entendimento do mecanismo de
Estas características tornam a redução do volume do
deiscência dos frutos. O folículo de Banksia
pericarpo mais acentuada em P. coalita do que em
(Proteaceae) abre-se como resultado do estresse que
M. mansoana, quando sob 0% de umidade, sendo que
se desenvolve entre as células esclerenquimáticas do
na primeira espécie o pericarpo pode reduzir-se em
endocarpo e as do mesocarpo e exocarpo, as quais
ca. 30-50% da espessura original, enquanto na segunda,
diferem na orientação das microfibrilas de celulose de apenas ca. 10%.
suas paredes celulares (Fahn 1990). Hoffmann (1931 Enfatiza-se que estes dados são teóricos, pois o
apud Roth 1977) propôs que as tensões provocadas teste de desidratação total é bastante extremado e não
pela desidratação do parênquima do mesocarpo em corresponde ao teor de umidade dos frutos na natureza.
contraposição com o tecido de resistência É preciso avaliação no campo para verificar se estas
(o esclerênquima do endocarpo) resultaria na ruptura conjecturas são verdadeiras ou não. Por outro lado,
sutural, constituindo o mecanismo xerocástico de este teste tem certa utilidade na interpretação do
abertura do folículo em Aspidosperma megalocarpon mecanismo de deiscência dos frutos, pois avalia o
(Apocynaceae). potencial de recurvamento máximo que o pericarpo
O mecanismo xerocástico pode ser aplicado para pode alcançar, quando totalmente desidratado. Este
o entendimento do fenômeno da deiscência em folículos dado é útil em comparações entre espécies, como
de A. parvifolium e M. mansoana, podendo também efetuado no presente estudo. Estudos adicionais de
ser estendido para a cápsula de P. coalita. Nestas três comparação morfométrica entre fibras não-lignificadas
espécies, o exocarpo e o mesocarpo são regiões menos hidratadas e desidratadas poderiam dimensionar suas
lignificadas do que o endocarpo que, uma vez variações de volume, esclarecendo melhor seu papel
desidratadas, diminuem de volume. Isto gera uma no mecanismo de deiscência.
contração dos tecidos na região dorsal do pericarpo, Adicionalmente ao efeito xerocástico, tem-se o
produzindo uma tensão que promove a ruptura dos papel da orientação das fibras do endocarpo no
tecidos suturais, que é a região em queo endocarpo é mecanismo de deiscência dos frutos, não apenas como
mais frágil. O resultado disto é o recurvamento do tecido de resistência, mas que também pode orientar o
pericarpo, expondo as sementes aladas ou comosas plano de ruptura sutural. Estas fibras lignificadas
ao vento. As fibras do endocarpo estiram-se e formam grupos exclusivamente longitudinais adjacentes
constituem a camada de resistência às tensões, à zona de sutura carpelar em M. mansoana (Fig. 15)
impedindo a fragmentação do fruto. Souza & e P. coalita (Fig. 23), exceto em uma pequena região
Moscheta (1992) já reconheciam este tecido como fator em que se inserem as placentas. Esta região de tecidos
necessário para uma deiscência ativa do pericarpo. mais frágeis é que se rompe (Fig. 15) guiada pelas
Os resultados do teste de desidratação total do fibras longitudinais que a ladeiam. A própria ruptura
pericarpo de M. mansoana (Fig. 14-15) e de P. coalita dos tecidos do pericarpo na zona sutural promove
(Fig. 25-26) sustentam a propriedade do mecanismo também a liberação do eixo placentário nos frutos
xerocástico. O recurvamento das ST do pericarpo foi destas duas espécies, facilitando assim uma maior
bem maior na segunda espécie do que na primeira, o exposição das sementes comosas ao vento.
que pode ser atribuído a que o mesocarpo é mais O plano de deiscência do folículo em
estreito e suas fibras não-lignificadas são mais Aspidosperma parvifolium não é guiado por fibras
532 Gomes: Morfo-anatomia de frutos secos em espécies de Apocynaceae: significado ecológico e evolutivo
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