Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Fome de Bola - Cinema - Futebol

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 245

Fome de Bola

Cinema e Futebol no Brasil

1/6/2006 18:28:25
Fome de Bola

Cinema e Futebol no Brasil

Luiz Zanin Oricchio

São Paulo, 2006


Apresentação
“O que lembro, tenho.”
Guimarães Rosa

A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa


Governador Cláudio Lembo Oficial, tem como atributo principal reabilitar e
Secretário Chefe da Casa Civil Rubens Lara resgatar a memória da cultura nacional, biogra-
fando atores, atrizes e diretores que compõem a
cena brasileira nas áreas do cinema, do teatro e
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo da televisão.
Diretor-presidente Hubert Alquéres
Diretor Vice-presidente Luiz Carlos Frigerio Essa importante historiografia cênica e audiovisual
Diretor Industrial Teiji Tomioka
Diretora Financeira e brasileiras vem sendo reconstituída de maneira
Administrativa Nodette Mameri Peano singular. O coordenador de nossa coleção, o crítico
Chefe de Gabinete Emerson Bento Pereira
Rubens Ewald Filho, selecionou, criteriosamente,
um conjunto de jornalistas especializados para rea- 5

Coleção Aplauso Cinema Brasil lizar esse trabalho de aproximação junto a nossos
Coordenação Geral Rubens Ewald Filho biografados. Em entrevistas e encontros sucessivos
Coordenação Operacional
e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana
foi-se estreitando o contato com todos. Preciosos
Projeto Gráfico Carlos Cirne arquivos de documentos e imagens foram abertos
Assistência Operacional Andressa Veronesi
Tratamento de Imagens José Carlos da Silva
e, na maioria dos casos, deu-se a conhecer o univer-
Revisão Amancio do Vale so que compõe seus cotidianos.
Dante Corradini
Sárvio N. Holanda
A decisão em trazer o relato de cada um para a
primeira pessoa permitiu manter o aspecto de tradi-
ção oral dos fatos, fazendo com que a memória e
toda a sua conotação idiossincrásica aflorasse de
maneira coloquial, como se o biografado estivesse
falando diretamente ao leitor.

Gostaria de ressaltar, no entanto, um fator impor-


tante na Coleção, pois os resultados obtidos ultra-
passam simples registros biográficos, revelando ao nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi
leitor facetas que caracterizam também o artista e discutido o intrincado processo de criação que
seu ofício. Tantas vezes o biógrafo e o biografado envolve as linguagens do teatro e do cinema.
foram tomados desse envolvimento, cúmplices Foram desenvolvidos temas como a construção dos
dessa simbiose, que essas condições dotaram os personagens interpretados, bem como a análise,
livros de novos instrumentos. Assim, ambos se a história, a importância e a atualidade de alguns
colocaram em sendas onde a reflexão se estendeu dos personagens vividos pelos biografados. Foram
sobre a formação intelectual e ideológica do artista examinados o relacionamento dos artistas com seus
e, supostamente, continuada naquilo que caracte- pares e diretores, os processos e as possibilidades
rizava o meio, o ambiente e a história brasileira de correção de erros no exercício do teatro e do
naquele contexto e momento. Muitos discutiram cinema, a diferenciação fundamental desses dois
o importante papel que tiveram os livros e a leitu- veículos e a expressão de suas linguagens.
ra em sua vida. Deixaram transparecer a firmeza
do pensamento crítico, denunciaram preconceitos A amplitude desses recursos de recuperação da
seculares que atrasaram e continuam atrasando o memória por meio dos títulos da Coleção Aplauso,
6 nosso país, mostraram o que representou a forma- aliada à possibilidade de discussão de instrumen- 7
ção de cada biografado e sua atuação em ofícios de tos profissionais, fez com que a Imprensa Oficial
linguagens diferenciadas como o teatro, o cinema passasse a distribuir em todas as bibliotecas impor-
e a televisão – e o que cada um desses veículos lhes tantes do país, bem como em bibliotecas especia-
exigiu ou lhes deu. Foram analisadas as distintas lizadas, esses livros, de gratificante aceitação.
linguagens desses ofícios.
Gostaria de ressaltar seu adequado projeto gráfico,
Cada obra extrapola, portanto, os simples rela- em formato de bolso, documentado com icono-
tos biográficos, explorando o universo íntimo e grafia farta e registro cronológico completo para
psicológico do artista, revelando sua autodeter- cada biografado, em cada setor de sua atuação.
minação e quase nunca a casualidade em ter se
tornado artista, seus princípios, a formação de sua A Coleção Aplauso, que tende a ultrapassar os
personalidade, a persona e a complexidade de seus cem títulos, se afirma progressivamente, e espera
personagens. contemplar o público de língua portuguesa com o
espectro mais completo possível dos artistas, atores
São livros que irão atrair o grande público, mas e diretores, que escreveram a rica e diversificada
que – certamente – interessarão igualmente aos história do cinema, do teatro e da televisão em
nosso país, mesmo sujeitos a percalços de natu- formas de se fazer televisão no Brasil. Muitos lei-
rezas várias, mas com seus protagonistas sempre tores se surpreenderão ao descobrirem que vários
reagindo com criatividade, mesmo nos anos mais diretores, autores e atores, que na década de 70
obscuros pelos quais passamos. promoveram o crescimento da TV Globo, foram
forjados nos estúdios da TV Excelsior, que sucumbiu
Além dos perfis biográficos, que são a marca da juntamente com o Grupo Simonsen, perseguido
Coleção Aplauso, ela inclui ainda outras séries: pelo regime militar.
Projetos Especiais, com formatos e características
distintos, em que já foram publicadas excepcionais Se algum fator de sucesso da Coleção Aplauso
pesquisas iconográficas, que se originaram de merece ser mais destacado do que outros, é o inte-
teses universitárias ou de arquivos documentais resse do leitor brasileiro em conhecer o percurso
pré-existentes que sugeriram sua edição em outro cultural de seu país.
formato.
De nossa parte coube reunir um bom time de
Temos a série constituída de roteiros cinemato- jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa docu-
8 gráficos, denominada Cinema Brasil, que publicou mental e iconográfica, contar com a boa vontade, 9
o roteiro histórico de O Caçador de Diamantes, de o entusiasmo e a generosidade de nossos artistas,
Vittorio Capellaro, de 1933, considerado o primeiro diretores e roteiristas. Depois, apenas, com igual
roteiro completo escrito no Brasil com a intenção entusiasmo, colocar à disposição todas essas infor-
de ser efetivamente filmado. Paralelamente, ro- mações, atraentes e acessíveis, em um projeto bem
teiros mais recentes, como o clássico O Caso dos cuidado. Também a nós sensibilizaram as questões
Irmãos Naves, de Luis Sérgio Person, Dois Córregos, sobre nossa cultura que a Coleção Aplauso suscita
de Carlos Reichenbach, Narradores de Javé, de Elia- e apresenta – os sortilégios que envolvem palco,
ne Caffé, e Como Fazer um Filme de Amor, de José cena, coxias, set de filmagens, cenários, câmeras
Roberto Torero, que deverão se tornar bibliografia – e, com referência a esses seres especiais que ali
básica obrigatória para as escolas de cinema, ao transitam e se transmutam, é deles que todo esse
mesmo tempo em que documentam essa impor- material de vida e reflexão poderá ser extraído e
tante produção da cinematografia nacional. disseminado como interesse que magnetizará o
leitor.
Gostaria de destacar a obra Gloria in Excelsior, da
série TV Brasil, sobre a ascensão, o apogeu e a que- A Imprensa Oficial se sente orgulhosa de ter criado
da da TV Excelsior, que inovou os procedimentos e a Coleção Aplauso, pois tem consciência de que
nossa história cultural não pode ser negligenciada,
e é a partir dela que se forja e se constrói a iden-
tidade brasileira.

Hubert Alquéres
Diretor-presidente da
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

10

Para quem elevou o futebol à condição


de arte: Gilmar, Mauro e Dalmo; Lima,
Zito e Calvet; Dorval, Mengálvio, Coutinho,
Pelé e Pepe – o time dos sonhos do Santos
Futebol Clube. Pela beleza. Pela alegria.

Luiz Zanin
Agradecimentos

Ninguém faz nada sozinho e quem escreve um


livro sabe disso melhor do que os outros. Gostaria
de agradecer, em primeiro lugar, aos meus entre-
vistados, que cederam bens preciosos hoje em dia
– tempo, atenção, inteligência e a gentileza com
que responderam às perguntas: Pelé, Luiz Carlos
Barreto, Djalma Limongi Batista, Oswaldo Caldeira,
Maurice Capovilla, Ugo Giorgetti, João Moreira
Salles. Sou grato também a Aníbal Massaini Neto,
diretor do documentário Pelé Eterno, que arranjou,
em sua casa, um longo e para mim inesquecível
encontro com o Rei, do qual resultou a entrevista
reproduzida neste livro.
13
Eu deveria um agradecimento ao pesquisador
Antônio Leão da Silva Neto, pois o primeiro levan-
tamento dos longas-metragens sobre futebol foi
feito em seu indispensável Dicionário de Filmes
Brasileiros. Leão fez mais: colocou à disposição
uma listagem ainda inédita de curtas e médias-
metragens que, direta ou indiretamente, têm o
futebol como tema e fazem parte do seu proje-
to para um dicionário de curtas brasileiros. Essa
generosidade, tão rara entre nós, permitiu que
a filmografia colocada no final do volume fosse
consideravelmente enriquecida.

A Agência Estado cedeu fotos do seu acervo que


ilustram o livro. Agradeço a Mônica Maia pela per-
missão e presteza na reprodução desse material.
O Arquivo do Estadão, dirigido por Eduardo Mar- Introdução
tins, facilitou todas as pesquisas que foram neces-
sárias. Meus agradecimentos também a Sandro Um jogo revela muito sobre os valores das cultu-
Vaia, diretor de redação de O Estado de S. Paulo, ras nas quais é praticado e assistido com mais
que abriu espaço na seção de Esportes para que entusiasmo.
eu pudesse me exprimir, por escrito, sobre futebol.
A coluna que lá mantenho está na origem de um Clifford Geertz
livro que tenta conciliar o crítico de cinema com o escrevendo sobre o deep play, o jogo profundo
cronista esportivo. Não poderia esquecer também
dos companheiros da Editoria de Esportes, que me Por que o futebol é tão apaixonante? ... Por ser, dos
receberam de maneira fraterna. esportes, o mais sujeito e aberto à interpretação.
O juiz nunca vê tudo, ninguém nunca vê tudo, e
O Canal Brasil foi parceiro deste livro: enviou-me
todos têm a pretensão de ver tudo. E o futebol
cópias VHS de diversos filmes sobre futebol que fa-
não tem lógica, tem lógicas, inclusive a do acaso
zem parte do seu acervo. Agradeço a Luciana, Car-
e do paradoxo.
14 linhos Wanderley e seu diretor, Paulo Mendonça. 15
José Miguel Wisnik
Thomaz Farkas, amigo de longa data, cedeu cópias Caderno Aliás, O Estado de S.Paulo
de Subterrâneos no Futebol e Todo Mundo. 23 out. 2005

Agradeço a Carlinhos Alberto Mattos, que através


de Julio Miranda, da Polytheama Vídeo, conseguiu Em 1894, o paulistano Charles Miller voltou de
uma cópia de Tostão, a Fera de Ouro, e remeteu-a uma viagem de estudos na Inglaterra trazendo
para mim duas bolas, uniformes e um livro de regras na ba-
gagem. Queria apresentar aos amigos um esporte
Cleber Eduardo, crítico, parceiro e botafoguense, lem-
que conhecera em Southampton, o football. No
brou-me de alguns títulos que eu havia esquecido. ano seguinte, na Várzea do Carmo, entre as ruas
Anna Azevedo e José Araripe Jr. mandaram cópias dos Santa Rosa e do Gasômetro, em São Paulo, seria
seus filmes para que eu as incluísse neste estudo. realizada a primeira partida de futebol oficialmen-
te reconhecida no Brasil. Era um domingo, 14 de
Rô, sempre ela, teve a paciência de ler o texto, ain- abril de 1895, e, nesse dia, dizem os historiadores,
da em estado bruto, e me deu sugestões valiosas. nasceu o futebol brasileiro.
Em 1896, um aparelho que mostrava imagens em
movimento, o Omniógrapho, foi instalado na Rua
do Ouvidor, no Rio de Janeiro, e chamou a atenção
de curiosos. No ano seguinte, várias outras máqui-
nas semelhantes foram se espalhando, não apenas
no Rio como em outras cidades. Em 1898, Alfonso
Segreto, um dos irmãos de uma família de italianos
dedicada a esse novo negócio do entretenimento,
voltava da Europa a bordo do paquete Brésil. Com
uma maquininha fabricada na França, registrou as
primeiras imagens em movimento da terra brasilei-
ra, algumas vistas da Baía da Guanabara tomadas
do tombadilho do navio. Era 19 de junho de 1898
e, nesse dia, também afirmam os historiadores,
nasceu o cinema brasileiro.
16 17
Foi exatamente assim? Bom, há quem diga que já
se jogava bola pelo Brasil quando Charles Miller
voltou da Europa trazendo a novidade para im-
pressionar amigos que até então tinham o críquete
como o esporte mais empolgante entre todos.

Há quem diga, também, que as tais imagens da


Baía da Guanabara, supostamente filmadas por
Alfonso Segreto, na verdade nunca existiram. Não
há traço delas, nem são mencionadas em jornais
ou revistas da época.

Como saber ao certo como e quando as coisas


começam? Hoje, cinema e futebol são atividades
planetárias, interessam a bilhões de pessoas e
Charles Miller movimentam fortunas em negócios. Mas, naquela
época, o recém-inventado cinema era uma reles apreciáveis. Aparentemente não foi assim. No
atração de feira e o futebol não passava de um jogo entanto, a pesquisa revelou que o futebol, se não
entre amigos, uma brincadeira inocente da elite. recebeu tratamento à altura da sua importância,
certamente viu-se retratado pelo cinema – e em
É assim mesmo: quando se buscam os mitos de
quantidade e qualidade bem superiores às que eu
origem pisa-se terreno incerto, versões se contra-
imaginava antes de começar.
dizem ou convivem alegremente. Neste caso, como
em outros, talvez seja melhor ficar com a sacada Já nas primeiras décadas do século XX registram-se
de um clássico faroeste de John Ford, O Homem filmes de ficção dedicados ao futebol. Poucos. Na
que Matou o Facínora: se a lenda for melhor que década de 30 há dois: Campeão de Futebol (1931),
o fato, imprima-se a lenda. E ponto final. dirigido pelo cômico Genésio Arruda, em sua pri-
meira e única experiência na direção, homenage-
Lenda ou fato, existe algo bem real em tudo isso:
cinema e futebol chegaram praticamente juntos ao ando os grandes jogadores da época. Depois, em
Brasil nos últimos anos do século XIX. Logo encon- 1938, há Futebol em Família, de Ruy Costa, uma
traram adeptos, se difundiram, caíram de vez no ficção baseada em peça de Antonio Faro e Silveira
18
gosto do público, tornaram-se populares. Seria fácil Sampaio. A história é a do rapaz em briga com o 19

imaginar que esse esporte e essa forma de entrete- pai que não quer que ele siga a carreira de jogador
nimento (porque no início o cinema não era ainda de futebol. O jovem resolve treinar no Fluminense
uma arte) teriam tudo para dar-se as mãos e iniciar e, com o dinheiro ganho, custeia as despesas do
um diálogo intenso. Mas será que foi assim? curso de Medicina.

Quando comentei o desejo de escrever um livro Nos comentários da época, lê-se que o filme se
sobre a presença do futebol no cinema brasileiro, beneficia da febre do futebol, propagada pela
o documentarista João Moreira Salles riu e disse copa do mundo de 1938, aquela mesma que o
que seria o mesmo que fazer uma pesquisa sobre Brasil perdeu, mas revelando ao mundo a magia
as escolas de samba de Tóquio, tão pobre seria o de Leônidas da Silva, artilheiro do torneio com
material disponível. oito gols.

De fato, à primeira vista o cinema tratou mal a Já na década seguinte, aparece Gol da Vitória, um
grande paixão dos brasileiros. Tão socialmente longa-metragem de 1946, dirigido pelo cineasta
enraizado é o jogo da bola entre nós que deveria José Carlos Burle. Trata-se de uma produção da
ter rendido filmes memoráveis e em quantidades Atlântida com Grande Otelo no papel do jogador
Laurindo, personagem que, em muitas cenas, com o mesmo nome. Outro desses filmes dedica-
lembra passagens da vida de Leônidas, ainda o se menos a um jogo em si do que ao formidável
futebolista da hora. quebra-quebra que sobreveio no Parque Antárctica
depois de um malsinado (sic) Paulistas x Cariocas. A
Isso no cinema de ficção. Mas, como lembra o en- copa do mundo de 1938, realizada na França, teve
saísta Jean-Claude Bernardet, os filmes de enredo, seus principais jogos documentados, e eles eram
aqueles que contam uma historinha com princípio, exibidos nos cinemas muito tempo depois de terem
meio e fim, eram antes as exceções do que a regra sido disputados. Apesar de o Brasil haver perdido
nos primeiros tempos do cinema brasileiro. a semifinal para a Itália, o cinema registra a recep-
ção entusiástica aos jogadores, capitaneados pelo
O grosso da produção, naquela época, eram os
grande ídolo Leônidas. Nesse torneio, o Brasil foi
filmes que hoje chamaríamos de documentais – os
desclassificado por causa de um pênalti discutível
cinejornais de atualidades, os filmes de cavação
cometido por Domingos da Guia no atacante ita-
ou encomenda, registros do cotidiano, todos eles
liano Piola. Pois bem: realizou-se um filme para
exibidos com pompa e circunstância nas casas de
tratar exclusivamente desse lance decisivo. Teria
20 espetáculos e variedades, os cinemas de então. 21
sido pênalti ou não? O juiz roubara o Brasil?
E, buscando esses pequenos documentários, nos
Tudo isso para dizer que o futebol interessou ao
damos conta da riqueza do material filmado sobre
cinema, sim, e muito, e desde os primeiros tempos.
futebol. Esses modestos filmetes registram um sem-
O problema é que a maior parte dessas películas se
número de jogos, através dos quais poderíamos
perdeu. Cinema é memória perecível, ainda mais
refazer toda a história inicial do futebol no Brasil.
a daquele tempo, acumulada em nitrato, material
A começar por um mais do que simbólico Brasil x
altamente inflamável. Não temos notícias de mui-
Argentina, de 1908, considerado o primeiro do-
tos desses filmes, a não ser por vias indiretas, como
cumentário sobre o futebol realizado no País. A
registros em periódicos ou nas empresas exibidoras.
rivalidade latino-americana está toda lá, presente
Mesmo assim não podemos nos comportar como
nessas películas dos primórdios, com disputas entre
se não tivessem sido feitos. Seria ignorar a Histó-
brasileiros e paraguaios, ou uruguaios. A excursão ria. Fazer de conta que a Roma antiga não existiu
de um clube inglês chamado Corinthians foi am- porque dela só restam relatos, lendas e ruínas.
plamente documentada quando ele passou por
aqui em 1910 goleando todo mundo e inspirou um As relações entre futebol e cinema irão se estreitar
grupo de aficionados a fundar um time brasileiro em períodos descontínuos. Essas relações não são
lineares ou regulares, como se poderia esperar. As O futebol não pára de evoluir e de ganhar em
trajetórias do cinema e a do futebol seguem juntas, popularidade ao longo das décadas. Desde a
mas não paralelas. boa participação do Brasil na copa de 1938, ser
campeão do mundo virou obsessão nacional. Mas
Na primeira década do século XX, poucos anos de- demorou um pouco. Primeiro porque não aconte-
pois daquela primeira pelada na Várzea do Carmo, o ceram as copas de 1942 e 1946, devido à guerra.
futebol já se tornara uma nascente paixão do brasi- Depois houve a tragédia de 1950 no Maracanã, e
leiro. Alguns dos grandes clubes tinham sido funda- assim a redenção só chegaria em 1958 na Suécia.
dos, havia campeonatos em andamento, rivalidades Com Pelé e Garrincha, o Brasil virou a coqueluche
entre torcidas, etc. Quer dizer, estavam presentes do mundo da bola e tornou-se hegemônico entre
todos os ingredientes necessários para que o jogo 1958 e 1970, apesar da derrota em 1966. Mas nem
deixasse de ser apenas um esporte entre outros e as- só de copas vive um país boleiro.
sumisse caráter predominante na sociedade, mesmo
que os pobres e os pretos ainda o testemunhassem O nosso divertia-se alegremente com seus belos
a distância e o praticassem no anonimato. times, campeonatos com estádios cheios, torcidas
22 apaixonadas e, de quatro em quatro anos, tentava 23
O cinema brasileiro também não ia mal, pelo me- firmar-se novamente no panorama internacional.
nos em seu início. Nos primeiros tempos faziam
sucesso as reconstituições dos crimes escabrosos Já o cinema vivia aos trancos. Com a entrada dos
que viraram manchetes na crônica policial da poderosos grupos estrangeiros no mercado na se-
época, como o crime da mala ou o crime de Ba- gunda década do século XX, perdeu muito espaço
nhados. Havia espaço também para musicais (com e passou de produtor a exibidor dos filmes dos
os cantores atrás da tela, pois o cinema era mudo, outros. Mesmo assim, criou seus primeiros clássicos
lembremos) ou melodramas. Mas eram os filmes a partir dos anos 30, conheceu o sucesso das chan-
de atualidades que forneciam subsistência aos pio- chadas a partir dos 40 e tentou virar indústria com a
neiros, que então, vez por outra, se aventuravam Companhia Cinematográfica Vera Cruz, nos 50. Nos
em películas de enredo. Para se ter idéia: de 1912 anos 60, os rapazes do Cinema Novo entenderam
em diante, durante 10 anos, apenas seis filmes de que filmes podiam exercer função crítica e discutir
enredo foram lançados (Gomes, 1986, p. 30). Todo política. Depois o cinema compôs-se com a dita-
o resto era formado pelas atualidades. E, nelas, o dura, apostou no espetáculo ao longo da década
futebol estava muito presente, pois cada vez mais de 70 e teve êxito; enfraqueceu-se aos poucos nos
fazia parte do cotidiano das gentes. anos 80 e quase morreu de choque anafilático com
a vacina neoliberal que lhe aplicaram. Renasceu humano e também a sua face dura. Com outros
em meados dos anos 90 e, redivivo, reaprendeu a títulos contemporâneos como Ginga e Sonhos de
gostar do futebol. Bola, testemunha as transformações sofridas pelo
futebol na era da economia global. Estilisticamen-
Mas de que futebol estamos falando? Porque este te, cada um desses filmes é típico de sua época: o
também não deixara de se transformar no correr melodrama dos anos 30, o cinema-verdade dos 60,
dos anos. Do amadorismo de fachada dos anos 20 o verismo de espetáculo dos 80, a diversidade de
passou a profissional a partir de 1933. Excluídos de
poéticas dos 90 e 2000, e a fusão com uma estética
início, negros e mulatos entraram para o esporte
da publicidade, típica do nosso tempo.
e lhe deram estilo único. Surgiram os grandes
astros, Friedenreich, Feitiço, Fausto, Domingos, Cada um desses filmes, se soubermos fazê-lo falar,
Leônidas, Heleno, Zizinho. O futebol viveria, mais expressa tanto um momento da história do cinema
ou menos entre o final dos anos 50 e começo como um momento da história do futebol e da
dos 70, uma fase de êxito fora do comum, que se própria história do País. É um nó de significados.
poderia chamar de romântica não fosse esse um
24 termo pejorativo hoje em dia. E, finalmente, após Essas máquinas de gerar sentidos estão na parte 25
longa etapa de adaptação ao capitalismo da bola, inicial do livro, nos quatro capítulos que formam
o futebol brasileiro ingressaria alegremente na era o que chamei de Primeiro Tempo deste Fome de
global, ligando-se aos grandes negócios mundiais Bola. No Segundo Tempo, vêm as entrevistas com
de forma igualmente bem-sucedida, pelo menos alguns dos principais cineastas que dialogaram com
no âmbito externo. o futebol através dos seus filmes. Fechando essa
parte, uma longa e exclusiva conversa do autor
O propósito deste livro é mostrar como essas duas com Pelé, bate-papo que ocorreu por ocasião da
linhas – a do futebol e a do cinema – se encontram estréia do documentário Pelé Eterno.
em certos pontos nodais, em filmes que exprimem,
em cada época, o que de mais significativo existe Como acontece com alguns jogos, este aqui tam-
tanto na história de um como na história do outro. bém vai para a Prorrogação, para a qual gostaria
Por exemplo, Alma e Corpo de uma Raça registra de chamar a atenção do leitor. Trata-se da Filmo-
os devaneios nacionalistas e de eugenia da era Var- grafia, que vale uma olhada mesmo pelos que não
gas; Garrincha e A Falecida discutem uma suposta tenham nenhuma pretensão a pesquisador. Ela
função alienante do jogo; Pra Frente Brasil revela contém algumas curiosidades, como as mencio-
a sua utilização política, Boleiros mostra seu rosto nadas brigas no Palestra e a discussão do pênalti
cometido pelo zagueiro clássico que foi Domingos.
Inclui filmes que falam diretamente do futebol ou
apenas o utilizam como elemento narrativo. Mos-
tra, de maneira límpida, como o Brasil foi, desde o
início do século XX, um país habitado pelo futebol
– e como essa onipresença social do jogo da bola
impregna o cinema, infiltra-se nele, cola-se à sua
pele. O futebol entra em campo na tela grande,
mesmo que às vezes pelas portas dos fundos, sem
bater nem pedir licença.

26 27

Arthur Friedenreich
Primeiro Tempo
Capítulo I
Dos Primeiros Bate-bolas na Tela à
Catástrofe de 1950

Lima Barreto viu na importação do futebol pelo


Brasil uma ameaça à identidade nacional. E o que
aconteceu foi que o povo brasileiro, recriando o
futebol com a inteligência corporal específica de
sua formação etnocultural, devolveu ao mundo
um produto novo: a escola brasileira de futebol, o
futebol barroco-mestiço que maravilhou o planeta
por sua originalidade mágica. E não há mais como
separar Brasil e futebol.
Antônio Risério 29
Idéia de Civilização, CartaCapital
4 dez. 2002

Cinema e futebol eram duas formas do entreteni-


mento e duas novidades de início do século XX e,
assim, nada mais natural que se dessem as mãos e
saíssem pelo mundo. Mas há que reconhecer que
isso aconteceu tardiamente, e de maneira tímida,
pelo menos no âmbito dos filmes de ficção. Como
veremos mais adiante, muito antes disso o cinema,
que desde o início mostrara predileção pelo regis-
tro do cotidiano social, havia se preocupado em
filmar eventos esportivos – entre os quais o futebol
– em cinejornais e pequenos documentários.
Parece consenso entre os pesquisadores que o
primeiro longa-metragem brasileiro de ficção
inteiramente dedicado ao futebol aparece em
1931, levando o ludopédio até mesmo no título.
Segundo registros da época, o filme Campeão de
Futebol, direção de Genésio Arruda com argumen-
to escrito por Menotti Del Picchia, conta com a
participação de jogadores famosos daquele tempo
como Feitiço e Friedenreich, e procura homenagear
o futebol de várzea num momento em que o espor-
te se havia difundido muito pelo Brasil, mas ainda
vivia em regime de amadorismo.

O filme tem importância não apenas por seu cará-


ter inaugural, mas seria marcante pela importância
da equipe técnica que reuniu, pela angulagem
que deu à temática e por iniciar, efetivamente,
30 um encontro da maior riqueza para uma leitura 31
compreensiva da cultura brasileira entre futebol e
cinema, segundo avaliação do pesquisador Maurí-
cio Mauad (Mauad, 1999, p. 36).

O futebol podia ainda viver um amadorismo que,


àquela altura, era mais de fachada que real. Pouco
importa. Jogava-se em toda a parte e ganhava-se
dinheiro com isso. Tampouco o cinema, nos anos
30, era um neófito em terras brasileiras. Era bem
profissional e envolvia interesses econômicos im-
portantes. Havia se tornado diversão de massa,
enraizada nos hábitos populares havia muitos anos.
Basta lembrar que o cinema chega ao Brasil apenas
seis meses depois de o invento ter sido apresentado
ao mundo pelos irmãos Lumière na histórica sessão
no Boulevard des Capucines, em 1895, Paris. Feitiço
Mais: além de dispor de razoável indústria cinema-
tográfica, no início dos anos 1930 o Brasil mostrava
maturidade na nova arte a ponto de começar a
produzir seus primeiros clássicos. Limite (1930), de
Mário Peixoto, e Ganga Bruta (1933), de Humberto
Mauro, são dois dos melhores filmes realizados no
País, em especial se considerarmos a fase muda, e
ainda ocupam lugar de honra em qualquer anto-
logia que se faça hoje em dia.

O cinema se firmava, mas ia para a frente aos


trancos e barrancos. Depois de um começo pífio
até 1908, floresceu e conheceu uma primeira fase
auspiciosa, que durou até 1912, finda a qual en-
trou em crise. Reaprumou-se e, na virada dos anos
32 30, vivia novo surto de progresso com a fundação 33
de grandes companhias cinematográficas como a
Cinédia, de Adhemar Gonzaga.

Já o futebol conheceu avanço mais linear que o do


inconstante cinema nacional. No começo dos anos
1930, centenas de clubes o praticavam. O Brasil
tinha, havia muito, campeonatos regionais ativos e
times com torcidas fanáticas. Com seu selecionado,
participara de competições internacionais e fora
à primeira copa do mundo da história, realizada
no Uruguai.

No entanto, a estréia brasileira em copas do mun-


do foi fraquinha e marcada por incompetência e
rivalidades internas, num aperitivo do que viria a
Arthur Friedenreich ser a classe dirigente do nosso futebol ao longo
da sua história. Com craques como Friedenreich, caipira falsamente ingênuo, do que dirigir filmes
Fausto e Feitiço teria sido possível ir a Montevidéu de futebol.
em condições de disputar o título.
Outro fato a ser destacado é a presença de um
Mas os dirigentes cariocas recusaram-se a incluir jogador como Arthur Friedenreich no elenco. Era
cartolas paulistas na delegação. Como represália, uma escalação obrigatória, pois ele era o boleiro
a APEA (Associação Paulista de Esportes Atléticos) mais famoso em seu tempo, e não apenas por suas
boicotou o escrete. O único paulista que seguiu inúmeras e elevadas qualidades em campo às quais
para o Uruguai, e por conta própria, foi Araken Pa- se refere a crônica. De fato, Friedenreich, considera-
tusca, que havia brigado com seu clube, o Santos. do um dos melhores jogadores da história, ostenta
uma média de gols por jogo superior à de Pelé (em
Na primeira partida, o Brasil perdeu por 2 a 1 para a que pesem as duvidosas estatísticas da época).
Iugoslávia e com esse resultado foi desclassificado,
de nada adiantando golear a fraquíssima Bolívia Friedenreich teve papel fundamental no processo
por 4 a 0 no segundo jogo. O primeiro gol brasileiro evolutivo pelo qual os negros viriam a ocupar
34 em copas foi marcado por Preguinho, apelido de posição tão importante nesse esporte. Quem hoje 35
João Coelho Neto, jogador do Fluminense e filho pensa em Leônidas da Silva, em Pelé, em Didi,
do escritor Coelho Neto. Derrotando a Argentina em Ronaldinho Gaúcho, em Robinho e em outros
na final por 4 a 2, o Uruguai ficou com o primeiro grandes jogadores, tem dificuldade em dissociar
título mundial da história. o futebol brasileiro dos seus grandes artistas ne-
gros, mas houve tempo em que eles não tinham
Portanto, um ano depois dessa copa desastrosa, é vez por aqui.
lançado este Campeão de Futebol, do qual o pri-
meiro detalhe a notar é ter sido dirigido por um Inacreditável, mas é pura verdade. Trazido ao
cômico famoso, criador do tipo caipira que seria Brasil por Charles Miller, um paulistano de família
uma das fontes de inspiração de Amácio Mazza- inglesa, o football era, em seus primeiros anos de
ropi anos mais tarde. Não deixa de ser digno de aclimatação brasileira, atividade privativa da elite
registro, também, que tenha sido a solitária expe- branca. E rica. Só mais tarde, e muito aos poucos,
riência de Genésio Arruda na direção, tendo ele, as camadas populares, e os negros em especial,
depois, se dedicado apenas à sua vitoriosa carreira foram se apropriando do jogo, num processo que
de humorista. Certamente, deve ter achado mais pode ser interpretado como uma das raras vitórias
compensador explorar o tipo imortal que criou, o populares da história deste país.
Esse penoso caminho de queda das barreiras da seleção em jogos contra europeus. Achava-se
raciais nesse esporte é descrito no clássico de que o Brasil faria feio se escalasse jogadores racial-
Mário Filho O Negro no Futebol Brasileiro. Este mente incorretos. Por exemplo, para uma partida
e também outros textos fundamentais, como O em homenagem ao rei Alberto, da Bélgica, que
Futebol no Brasil, de Anatol Rosenfeld, destacam esteve em 1920 em visita ao Rio, a seleção foi cui-
a importância de Arthur Friedenreich (apelidado El dadosamente embranquecida. Também sensíveis
Tigre pelos uruguaios) no processo. E não apenas eram as excursões da seleção brasileira à Argen-
porque fosse muito bom de bola ou um ativista tina, que tinha o hábito (já naquela época!) de
dos direitos civis. chamar os jogadores negros de macaquitos. Se tal
constrangimento pudesse ser evitado, a diplomacia
Acontece que Friedenreich era mestiço, filho de pai
brasileira agradecia.
alemão, que lhe deu o sobrenome, e de mãe negra,
de quem herdou um cabelo difícil de controlar. De qualquer forma, Friedenreich, esse jogador
Para embranquecer-se, o jovem Arthur entrava em de transição racial, vê-se homenageado no filme
campo com uma tonelada de brilhantina na cabe- de Genésio Arruda, o que bastaria para torná-lo
36 ça, tentando domar a cabeleira pouco ariana. um marco das relações entre futebol e cinema no 37

Por seus méritos, Friedenreich tornou-se um ser Brasil. Outros dois filmes dessa fase inicial, ambos
quase acima do bem e do mal, apesar do país ser de 1938, são a comédia Futebol em Família, diri-
recortado por todo esse tipo de questão racista e gida pelo português Rui Costa, e Alma e Corpo de
classista. Consta que sua fama chegou ao auge por uma Raça, de Milton Rodrigues, irmão de Nelson
ocasião da final do campeonato sul-americano de Rodrigues e Mário Filho.
seleções, em 1919, quando marcou o gol da vitória
Naquela altura do campeonato, o Brasil aumentara
sobre o Uruguai. Nunca o Brasil havia chegado tão
sua experiência internacional em copas do mun-
longe nesse tipo de competição e o feito deu lugar
do. Na da Itália, em 1934, havia-se saído tão mal
a manifestações nacionalistas extremadas. Diz-se
quanto na do Uruguai. Jogou uma única partida
também que poucas vezes a então capital federal
e perdeu de 3 a 1 para a Espanha. Leônidas, então
havia sido palco de tamanha euforia popular. Frie-
com 19 anos, marcou um gol, mas só viria a brilhar
denreich era um herói. Um herói mulato.
na copa seguinte, a da França. Vencendo a Checos-
Esse sucesso popular de Friedenreich não impediu lováquia por 2 a 1, a Itália, em casa, se sagraria a
que outros negros e mulatos fossem expurgados segunda seleção a vencer uma copa do mundo.
Em 1938, o Brasil teve sua primeira boa participação A Eugenia à Brasileira
em mundiais. O sistema de disputa era como o do No âmbito doméstico, o País vivia sob Estado Novo,
torneio anterior. Dezesseis seleções se enfrentavam de Getúlio Vargas, que, demorando em se decidir
em jogos eliminatórios desde o começo. Por sorteio, qual dos lados iria apoiar na guerra da Europa,
definiam-se os adversários. Quem perdesse, voltava nutria indisfarçável simpatia inicial pelo Reich
para casa; quem ganhasse, avançava. No primeiro alemão.
jogo, com prorrogação, o Brasil bateu a Polônia por
6 a 5, quatro gols de Leônidas. No segundo, contra Em Alma e Corpo de uma Raça, temos em filigrana,
a Checoslováquia, uma batalha campal de 120 mi- e talvez à revelia do próprio diretor, a presença de
nutos, com empate de 1 a 1, provocando novo jogo. algumas questões básicas vividas pelo futebol, e
E desta vez o Brasil venceu por 2 a 1. pela sociedade, daquela época.

Na semifinal, contra a Itália, o Brasil lutou dura- Na trama, dois jogadores do Flamengo, um pobre,
mente e estava empatando quando o grande Do- outro rico, disputam a mão de uma donzela abas-
mingos da Guia cometeu um pênalti infantil sobre tada, que havia prometido se inclinar por aquele
38 Piola, que deu à Itália o segundo gol e o direito de que conseguisse levar seu time à vitória. Trata-se 39
disputar o título. Sobrou para o Brasil a luta pelo 3º de um filme de ficção, com passagens documentais,
lugar contra a Suécia, e a seleção venceu por 4 a 2, ambientado no Flamengo e com colaboração mate-
mais dois gols de Leônidas que assim somaria oito rial do próprio clube, além de incluir, em algumas
e se tornaria o artilheiro da competição. Na final, cenas, a lenda viva da época, o jogador Leônidas
a Itália venceu os húngaros por 4 a 2 e se tornou da Silva, o homem de borracha da copa de 1938 e
o primeiro país bicampeão da história. tido como o inventor do gol de bicicleta. Nota: há
É preciso lembrar também que esta copa da França autores que atribuem a invenção da jogada – corpo
foi disputada na véspera da II Guerra Mundial e no ar, de costas para o chão, acertando a bola com
sob tremenda tensão no continente europeu. No uma tesourada da perna – a Ramón Unzaga, que a
ano seguinte, a Alemanha invadiria a Polônia e teria mostrado no porto chileno de Halchahuano.
daria início a um conflito que iria durar até 1945. Mas a jogada só se popularizou quando mais tarde,
Desse modo, a seqüência de copas do mundo, com em 1927, David Arellano, atacante do Colo Colo, a
torneios previstos para 1942 e 1946, seria inter- executou nos estádios da Espanha. Os jornalistas
rompida. A disputa seguinte aconteceria apenas espanhóis passaram a chamá-la de chilena (Galea-
em 1950, e de novo na América do Sul. no, 2004, p. 58-59).
que nunca tinham visto acrobacia do gênero. As
façanhas de Leônidas na França lhe valeram o ape-
lido de Diamante Negro. Com o apelido, mais tarde
ele ganharia royalties de uma fábrica de chocolates
que lançou um tablete com esse nome.

Depois da fama conquistada na copa da França, Le-


ônidas tornou-se um superstar, e assim se manteve,
em especial durante os anos (conturbados) em que
jogou no Clube de Regatas do Flamengo.

Em seu livro Flamengo – o Vermelho e o Negro, Ruy


Castro assim descreve a relação entre o jogador e a
torcida: A cada segunda-feira, depois de ter dado
mais uma vitória ao Flamengo, (Leônidas) saía com
40 seus paletós cintados e sapatos de verniz e desfilava 41
com pés de pinça pela Av. Rio Branco, seguido pela
massa. Se alguém o achasse mascarado, que achasse.
Mas, para a torcida, Leônidas podia ser mascarado,
porque jogava muito. Homens e mulheres lhe eram
gratos por seus gols e lhe ofereciam presentes em
dinheiro, em gêneros, em sexo, o que ele quisesse.
Nos seis anos em que atuou no Flamengo, até 1942,
Friedenreich e Leônidas da Silva, o Diamante Negro Leônidas foi o rei do Rio (Castro, 2004, p. 85).
(à direita)
Era, assim, natural que Leônidas figurasse em fil-
Seja como for, foi Leônidas quem a tornou definiti- mes como este Alma e Corpo de uma Raça. Aliás,
va, rebatizando a jogada de bicicleta e associando- a presença de craques da vida real em filmes foi
a ao seu nome pela perfeição e freqüência com uma prática constante desde os primórdios e iria
que a realizava. Durante a copa de 1938, quando acompanhar toda a história do relacionamento
quase conseguiu marcar um gol desse jeito contra entre o cinema e o futebol. Compreende-se. Como
a Polônia, causou pasmo nos jornalistas franceses desde cedo o futebol foi um fenômeno de massa,
nessas pequenas intervenções, entra mudo e sai
calado. Mas, enfim, com sua presença ele empresta
aura a um produto típico do Estado Novo de Var-
gas, com seu elogio à eugenia, sua preocupação
em apurar uma raça (a brasileira), percebida como
fraca e vacilante, e que poderia ser aprimorada
pela prática do esporte, entre outras providências
saneadoras. O título em nada é gratuito e inspira-
se na divisa mens sana in corpore sano. O esporte
seria o caminho ideal para um país de corpo e alma
sadios. A saúde, física e mental, de cada indivíduo
faria a vitalidade do grande corpo da nação.

Ao contrário do que se poderia pensar, o futebol


Leônidas, anos depois, em sua casa não é o único esporte presente no filme. Nas inser-
42 escalar os ídolos do esporte nos elencos seria ções documentais incluem-se o remo, a natação, a 43

providência sensata a fim de garantir o sucesso ginástica e mesmo a equitação. Além de Leônidas,
vêem-se alguns negros, aqui e ali, mas o filme é
da fita, como se dizia então. Friedenreich, Feitiço,
predominantemente branco e respira um ar euro-
Leônidas, e depois Garrincha, Pelé, Zico e tantos
peu. O Flamengo parece um country club e não a
outros viraram atores em filmes de ficção, em
agremiação popular brasileira que nos habituamos
documentários ou nas obras mistas que às vezes
a ver nele.
chamamos de docudramas. Pelé tentou mesmo
se transformar em ator, trabalhando em filmes A historinha que liga os núcleos semidocumentais
nacionais como Os Trombadinhas e Pedro Mico, de Alma e Corpo de uma Raça é das mais simples.
além da produção norte-americana Fuga para a E também das mais significativas. Garoto pobre,
Vitória, um John Huston menor. Seus dotes no set filho de jogador famoso do Flamengo, já morto,
de filmagem previsivelmente não se comparavam tenta se tornar, por sua vez, atleta do time. Os por-
aos que exibia no campo de jogo. tões do clube abrem-se para ele em homenagem
à memória do pai. O garoto irá treinar e estudar
Leônidas é apenas figurante de Alma e Corpo de em bom colégio, tudo por conta do Flamengo. A
uma Raça, aparecendo em poucas cenas. E mesmo coleguinha de infância parte para se educar em
Paris, como era praxe entre os filhos dos ricos, e os entre classes no edifício social brasileiro. Afinal,
dois se reencontram anos depois. Ele, já como o jo- Luisinho, pobre (e branco), porém talentoso e es-
gador Luisinho, promessa para o ataque do clube. forçado, conquistará o coração de Maria Helena,
Ela, como grã-fina raffinée, educada na França e derrotando o rival rico.
de nariz empinado. Para complicar, o coração da
moça se divide entre Luisinho e o veterano Rubens, Há outro detalhe: Luisinho não será apenas mais
também atacante, e de família abonada ainda por um bom jogador de futebol. Dividindo seu tem-
cima. Quem jogará o Fla-Flu e assim se credenciará po entre os treinos no Flamengo e os estudos, se
à mão de Maria Helena? formará em Medicina. O filme termina com seu
edificante discurso de doutorado diante de uma
Nos letreiros iniciais da cópia restaurada pela banca de lentes, defendendo a prática do esporte
empresa produtora, a Cinédia, somos informados e do exercício físico como forma de melhorar a
de que a estréia de Alma e Corpo de uma Raça se raça brasileira, que se deseja forte e voltada para
deu no dia 15 de novembro de 1938, aniversário os desafios do futuro.
da Proclamação da República, e nas presenças de
44 Getúlio Vargas, acompanhado de Dona Darcy Var- Nas cenas propriamente futebolísticas, as seqüên- 45
gas, do ministro Gustavo Capanema, do interventor cias são longas, em especial as do Flamengo versus
do Distrito Federal, Amaral Peixoto, e D. Alzira Fluminense, decisivo não apenas para o Campeo-
Vargas do Amaral Peixoto, filha de Getúlio. Estréia nato Carioca mas para os destinos sentimentais
solene, reunindo o comandante-em-chefe e o alto dos personagens. Com tudo isso, Alma e Corpo
estafe do Estado Novo, que havia sido instaurado de uma Raça (até mesmo em seu título), e apesar
no ano anterior. da sua ingenuidade, não deixa de ser um precio-
so documento para o estudo das mentalidades
Nem poderia ser de outro modo, em se tratando de daquela época.
filme tão edificante e construído segundo o melhor
receituário patriótico da ditadura varguista. Como O estudioso Luis Alberto Rocha Melo, em texto
se disse, ele colocava em pauta alguns elementos sobre o filme, preparado para o catálogo de uma
caros da era Vargas: a incorporação de elementos retrospectiva da Cinédia no Centro Cultural Banco
populares na cultura oficial da nação; a miscige- do Brasil, escreve o seguinte: 1938 é também o ano
nação como forma de branqueamento da raça e em que o Brasil irá surgir de forma destacada, pela
da atenuação do elemento africano, tido como primeira vez, no cenário mundial do futebol, com
rebelde; a idéia de que existia uma livre circulação sua participação na copa do mundo disputada
na França, chegando em terceiro lugar após derro- havia se profissionalizado mas enfrentava novos
tar a Suécia por 4 a 2. O fato de uma importante preconceitos. No começo, como vimos, o futebol
produtora como a Cinédia se voltar para o tema do era um clube fechado de moços ricos e brancos.
futebol não era gratuito: sinalizava um evidente es- Depois, teve de aceitar aos poucos a entrada de
forço de diálogo da classe cinematográfica brasileira negros e pobres. Finalmente, tornou-se atividade
com a nova fase da ditadura de Vargas, tomando profissional, portanto em tese aberta a quem a
de empréstimo um dos símbolos da ideologia na- escolhesse e tivesse talento. Mas, ainda assim, em
cional-popular, o futebol. Como aponta Lilia Moritz paradoxo aparente, era malvisto pelas famílias
Schwarcz, o chamado esporte bretão sofreria, ao sérias, em especial se adotado como modo de vida
longo dos anos 1930, o mesmo processo de oficiali- e não como passatempo ou forma de aprimora-
zação que atingiria outros elementos culturais, tais mento físico. Nos dois filmes os rapazes jogam, mas
como a feijoada, progressivamente desafricanizada também estudam e se diplomam em uma profissão
e tornada mestiça (ou melhor, nacional), a capoeira, socialmente valorizada como é a medicina.
que em 1937 foi reconhecida como modalidade es-
portiva nacional, e o samba, celebrado como ritmo O futebol, em si, não dignifica ninguém. Para gente
46 brasileiro por excelência (Melo, 2005, p. 18). séria, pode ser meio, jamais fim. Fabrica ídolos, mas 47
não modelos de homens.
A Bola e a Família Brasileira
Já em Futebol em Família, também de 1938, encon- Para ilustrar esse aspecto, há uma cena muito
tramos outro tipo de situação, que não deixa de significativa em Alma e Corpo de uma Raça. As-
ter alguma semelhança, e mesmo certa simetria em sim que é admitido no Flamengo, Luisinho, ainda
relação a Alma e Corpo de uma Raça. No filme, o garoto, ouve uma preleção do presidente do clu-
rapaz é jogador de futebol e briga com o pai, que be, que aponta para retratos na parede: Este foi
deseja para ele a carreira de médico. O moço entra um jogador excepcional e se formou engenheiro.
para o Fluminense, rival do Flamengo, e consegue Aquele outro era grande atleta e concluiu o curso
conciliar as duas atividades para alegria do pai, que de medicina. Outro virou poderoso industrial. E
então lhe perdoa. O filme, dirigido por Rui Costa, assim por diante. Como se o futebol, bem jogado,
é baseado em peça de teatro de Antônio Faro e fosse uma etapa preparatória para o verdadeiro
Silveira Sampaio. sucesso na vida, e não um objetivo em si.

É também interessante e significativo que tal A solução de compromisso – expressa tanto em


argumento surja numa época em que o futebol Alma e Corpo de uma Raça como em Futebol em
Família – parece bastante significativa. O rapaz camadas superiores um privilégio. A vingança sutil
pode ser jogador de futebol e médico, sem que foi o desaparecimento do prestígio (ligado à sauda-
uma opção implique o abandono da outra (da mes- de dos bons velhos tempos do futebol): as moças,
ma forma que Afonsinho e Sócrates, na vida real, a frente mais sensível da burguesia, retiraram-se
também tentariam, no futuro, conciliar atividades lentamente das tribunas de futebol e decidiram-
tão absorventes e em aparência excludentes). se por modalidades mais exclusivas de esporte. A
reputação do futebol baixou; contudo, havia se
Ídolo de massas, alvo de preconceito social. No tornado o esporte nacional, que como espetáculo
entanto, o paradoxo sobre o jogador é apenas abrangia todos os círculos masculinos, inclusive as
aparente. De início atividade de elite, amadorística, elites, as quais, nos grandes encontros futebolís-
o futebol, depois de muita controvérsia, acabou se ticos, se irmanavam às massas em euforia festiva,
tornando profissional por alguns motivos. Primei- na circunferência reboante do estádio (Rosenfeld,
ro, para regularizar uma atividade remunerada 1974, p. 73). E, nesse sentido, relativiza a tese de
de fato, mas por baixo do pano. Segundo, para Mário Filho, para quem o futebol garantiria a pro-
evitar o êxodo de jogadores para outros países, moção social do negro. Segundo a interpretação
48 em especial os da Europa, que haviam adotado o de Rosenfeld, essa promoção seria mais econômica 49
profissionalismo. Terceiro, porque assim fazendo, do que social.
os clubes podiam manter a segregação – o atleta
É interessante, desde já, quebrar a cronologia e
passava a ser um empregado. Jogava e cumpria
fazer um contraponto desse filme de 1938 com
suas obrigações, mas nem por isso ganhava com
outro, que iria aparecer quase trinta anos depois, a
o salário livre trânsito pela parte social do clube,
comédia O Corintiano, com Amácio Mazzaropi, na
por onde circulavam os sócios, a elite branca e,
qual vemos situação bem diferente. Em Futebol em
sobretudo, as moças de boa família. Com o pro-
Família, o pai deseja para o filho aspirante a joga-
fissionalismo, a elite resolvera o seu problema,
dor uma profissão decente (quer dizer, socialmente
e pudera incluir em seus quadros os negros e os
pobres bons de bola que garantiam a vitória ao valorizada, como a medicina). Em Alma e Corpo,
time. Ao mesmo tempo, a figura do jogador não Luisinho vence como craque, mas principalmente
lhe parecia mais tão charmosa quanto no tempo como médico, como higienista, propondo redimir
do amadorismo. a fraqueza de sua raça pela saúde e pela prática
esportiva. Já em O Corintiano, filme de 1966, Mané
Anatol Rosenfeld percebe com clareza o sentido (Mazzaropi), o torcedor fanático do Corinthians,
desse processo: As massas haviam arrancado às briga com o filho e chega até a expulsá-lo de casa...
justamente porque este insiste em estudar medici-
na. Que desperdício!, lamenta-se Mané, ele poderia
dar um belo centroavante. Mané chega ao cúmulo
de invejar o vizinho palmeirense, com o qual man-
tém uma relação de grande rivalidade, porque o
filho deste se tornou jogador profissional. Este sim,
e logo o filho do palestrino, tem a cabeça no lugar.
Não perde tempo em cima dos livros.

A passagem do tempo e mudanças nos focos das


narrativas explicam essa diferença de perspectivas.
Se na época de Alma e Corpo de uma Raça e Fute-
bol em Família a prática do esporte profissional era
vista como um tanto indigna de pessoas de bem,
em O Corintiano o processo de assimilação social
50
do profissionalismo se completou, e assim o métier 51
de jogador podia ser algo de muito desejado, em
especial pelas famílias pobres ou remediadas, aque-
las que costumamos colocar na gaveta social da
pequena classe média. Se os dois primeiros filmes
falam do ponto de vista das elites, no de Mazza-
ropi, a ótica é francamente suburbana. São outros
tempos e pontos de vista também diferentes.

Anos depois de Futebol em Família, apareceria o


longa-metragem Gol da Vitória (1946), do diretor
José Carlos Burle, um dos fundadores da Atlântida
– a companhia que ficou famosa com suas chancha-
das, filmes de grande popularidade e que levaram
a dupla Grande Otelo e Oscarito a ser conhecida
do Oiapoque ao Chuí, como diziam os locutores
esportivos da época. Mazzaropi, em O Corintiano
Pois bem, nesse novo filme sobre futebol temos cotidiano da vida brasileira no início do século. E
a participação do próprio Grande Otelo no papel desse cotidiano o futebol fazia parte, como atesta
do jogador Laurindo que, em muitas cenas, lem- aquela que é considerada a primeira filmagem de
bra passagens da vida de Leônidas da Silva, ainda um jogo: Match Internacional de Futebol entre
muito famoso apesar de ter saído do Flamengo. Em Brasileiros e Argentinos, de 1908. Esse registro foi
1942, o passe do Diamante havia sido comprado feito por Antonio Leal, dono da maior produtora
pelo São Paulo Futebol Clube pela fortuna de 200 carioca da época, a Fotocinematografia Brasileira,
contos de réis. Quem o contratou? O dirigente e que se gabava de produzir filmes naturais. Essa
empresário de comunicações Paulo Machado de seria uma tradução aproximada do francês vues
Carvalho que, em 1958, depois de chefiar a dele- d’après nature, de acordo com Carlos Roberto de
gação brasileira na Suécia, passaria a ser conhecido Souza em Nossa Aventura nas Telas.
como o Marechal da Vitória.
Esse registro de um jogo entre argentinos e brasi-
Mesmo chamado de mercenário pela torcida do Fla- leiros (que no início do século passado eram rivais
mengo, Leônidas continuava um nome e tanto no ferozes, pelo que consta) não foi o único dessa
52 cenário do futebol brasileiro. Uma legenda, como espécie de pré-história das filmagens sobre futebol. 53
atesta esse Gol da Vitória, que usa passagens da sua Há mesmo um anterior, o curta Entrega das Taças
biografia para contar a história do personagem de aos Campeões Paulistas de Futebol, realizado, é
ficção Laurindo, vivido por Grande Otelo. claro, em São Paulo, pela empresa J. Cateysson,
com operação de Joseph Arnaud e exibido no Cine
A crítica da época considera o filme uma insólita Sant’Anna, em 1907. Como não há notícias desse
abordagem do futebol, em tons realistas e com filmete, que deve ter desaparecido na poeira do
calor humano, segundo se lê em A História do tempo, ficamos com a impressão, pelo título, de
Cinema Brasileiro, de Fernão Ramos (p. 158). que ele não contém cenas de jogo, mas apenas
a cerimônia de entrega da taça. Ainda assim, lá
As Primeiras Imagens está o futebol no dia-a-dia das gentes, a ponto de
Estes são os primeiros filmes ficcionais de longa- merecer esse documentário em época tão precoce
metragem dedicados ao futebol. Mas terão sido os do cinema no Brasil.
primeiros a registrar em película cinematográfica o
jogo da bola? Sabemos que não. Bem antes deles, Victor Andrade de Melo em seu texto Esporte, Arte,
o esporte aparecia com freqüência nos cinejornais Imagem, Cinema: Relações Originais na Moderni-
ou em pequenos documentários que flagravam o dade pesquisa os primeiros filmes esportivos e se
dá conta de que o maior conjunto de imagens em Quem quiser pesquisar a história do futebol naque-
curtas específicos é mesmo relacionado ao futebol: la época, ou mesmo a história das mentalidades
cerca de 23 breves filmes somente nas primeiras do período, teria de se valer daquilo que sobrou
décadas do século XX. O pesquisador Michel do desses filmes. Ou do que se escreveu sobre eles.
Espírito Santo, em artigo na revista Filme Cultura, Trata-se de um material e tanto.
também crava, sem nenhuma dúvida: o filme de
Por exemplo, temos o documento de um jogo na
atualidades sobre a sensacional disputa entre Brasil
Amazônia, realizado por Silvino Santos, pioneiro
e Argentina, em 1908, com fotografia de Antonio
do cinema na região: Matches de Futebol Entre
Leal, é o primeiro filme brasileiro sobre o futebol.
Amazonenses e Paraenses, de 1918. Veja como
A filmografia a mim fornecida pelo pesquisador
é descrito em sinopse da época: Damos abaixo o
Antônio Leão da Silva Neto assinala em torno de
resumo da primeira pellicula que a Amazonia Cine-
60 filmes sobre futebol até 1920! É muita coisa,
Film edita e que se prende à visita que ultimamente
mesmo se considerarmos a existência de uma ou
nos fez o scratch paraense: Conselho director e
outra repetição, ou seja, o mesmo filme apresen-
damas zeladoras do Dispensário Maçonico, insti-
tado com títulos diferentes.
54 tuição sob cujos auspicios se realizou o encontro; 55
Hoje, esses primeiros registros jornalísticos podem Directoria do Parque Amazonense; Juventude,
nos parecer pouco importantes. Nada mais errado Flores amazonenses, animadas; Imprensa. Jornaes
do que essa impressão. diários de Manáos; Chegada do scratch paraense
ao porto de Manáos; Desembarque: a caminho do
O filme de ficção, com todo o prestígio que hoje hotel e entrada no Grande Hotel; Primeiro encon-
tem, era mais uma exceção do que a regra no in- tro: scratch paraense versus scratch portuguez; os
cipiente mercado cinematográfico. Como atesta paraenses vencem por 3 x 0; (...) Aspectos do Jogo
Jean-Claude Bernardet, o estudo da história do e da Assistencia; Manifestação de cordialidade aos
cinema brasileiro, em suas primeiras décadas, deve jogadores do Pará pelos seus irmãos do Amazonas.
partir não do longa-metragem de ficção – que é o Passeio Fluvial à Ponta do Ismael, offerecido pelo
sonho, a vontade, o verdadeiro cinema, mas exce- Manáos Sporting Club; Festa offerecida aos foot-
ção – e sim dos documentários de curta-metragem ballers paraenses pelo Nacional F.C. e America F.C.;
e dos jornais cinematográficos, pois é este tipo de five o’ clock tea e primeiro match do campeonato
cinema que durante décadas foi o sustentáculo da dos Ferrugens do Pará e Manáos (Jornal A Capital,
produção e comercialização de filmes brasileiros 6 jun. 1918, extraído do catálogo: Filmografia de
(citado em Ramos, 1990, p. 191). Silvino Santos, elaborado por Selda Vale da Costa,
em 1986, depositado na Cinemateca Brasileira, em Uma Paixão Nacional
São Paulo). Já nesses primórdios, o futebol surge como um
interesse bastante intenso dos brasileiros, uma
Já imaginou alguma vez que seria preciso servir febre talvez incubada e que iria crescer nos anos
o chá das cinco antes de um jogo de bola – e na seguintes até se tornar epidemia. Como relembra
Amazônia, ainda por cima? Ruy Castro em seu A Estrela Solitária: Nos anos
E o que dizer deste, instrutivo em especial para 40, em que o futebol era como uma segunda na-
quem pensa que a violência associada ao futebol é tureza para toda a nação, o kit de sobrevivência
coisa dos nossos tempos modernos e suas torcidas de qualquer menino brasileiro incluía uma bola
organizadas? Lamentáveis Ocorrências no Parque (Castro, 1995, p. 30).
Antártica por Ocasião do Encontro Rio-São Paulo Quer dizer, por essa época, o ludopédio, aquele
a 4 dez. 1927, São Paulo, SP: O jogo entre paulistas estranho esporte de grã-finos trazido por Char-
e cariocas no Parque Antártica; interessante e fiel les Miller, tinha descido ao povão encantando-o.
reportagem reproduzindo os distúrbios do mal- Jogava-se bola pelo país todo, alegremente conta-
56 sinado jogo de futebol Rio-São Paulo; o conflito minado por um esporte que deixara de ser bretão 57
generalizado no campo do Palestra Itália; o ataque para virar brasileiro da gema.
às instalações do clube italiano; a ação repressora
mais inútil da polícia contra o povo; as cargas de Com a Revolução de 1930, e mais adiante, com o
cavalaria; os times carioca e paulista mostrando as Estado Novo, criado em 1937, o futebol passara
insígneas máximas do esporte nacional; os troféus a ser visto como um dos elementos da nacionali-
da tremenda devastação do Parque Antártica. dade, entre outros, a ser estimulado como fator
de integração, fonte de identidade nacional e de
E, para mostrar que o destempero não era exclusivo auto-estima. Há aí todo um projeto ideológico
do sexo masculino, mais um exemplo, ainda e sem- em curso, que abrange inclusive a questão racial,
pre ocorrido no Palestra Itália – Paulistano Versus considerada estratégica para a integração de uma
Palestra Itália. 1921, São Paulo: Jogo de futebol população heterogênea.
entre os times do Paulistano e do Palestra Itália,
com a vitória do primeiro. Os torcedores do Pau- Ou seja, o governo decide capitalizar algo que se
listano e do Palestra presos por delírios nervosos, dera de maneira espontânea – a popularização do
onde é cinematografada uma rixa entre senhoritas futebol, mesmo que pelas margens dos grandes
e uma desforra de um palestrino. clubes da primeira fase, que davam preferência a
jogadores brancos e de boa família e só incluíam unânimes. Sabemos que nem todo mundo gostava
os bons crioulos em seus times quando não havia do futebol. Olavo Bilac adorava-o (embora fosse
outro jeito. mais amante do remo e seus rapazes musculosos,
segundo insinuação maldosa de Mário Filho).
Mas por que o futebol? Não é fácil explicar os moti- Coelho Neto escreveu crônicas famosas em prol
vos que levam um esporte a sobressair em relação a do futebol e teve um filho jogador, Preguinho,
outros em determinado país. Fiz a pergunta a Pelé meia-esquerda da seleção no primeiro mundial,
e ele disse que isso talvez se devesse à relativa facili- no Uruguai, em 1930. Monteiro Lobato exaltava
dade de praticá-lo. O futebol não discrimina pobres os valores eugênicos do futebol, em sintonia com
ou ricos, fortes ou fracos; para praticá-lo basta uma o filme Alma e Corpo de uma Raça.
bola, que pode ser uma bola de meia, dois tijolos
para formar as traves e pronto. Palavra de rei. E é Lima Barreto, escritor tão atento às manifestações
verdade: o equipamento básico exigido pelo futebol populares, expressava grandes restrições ao jogo
é de uma pobreza franciscana se comparado ao de da bola. Em uma crônica de 1918 espantava-se de
outros esportes. Ele é complicado se for praticado que o futebol fosse levado tão a sério, depois de ler
58 em sua versão mais nobre, a do jogo regulamentado o comentário de um articulista sobre um encontro 59
pela International Board, bolas oficiais com peso entre paulistas e cariocas: Diabo! A cousa é assim
e dimensões determinadas, traves de dimensões tão séria? Pois um puro divertimento é capaz de
fixas e campos de extensão inviável para as cidades inspirar um período tão gravemente apaixonado
modernas. Mas nada impede que alguns moleques a um escritor? (Barreto, 2005, p. 82).
dividam os times em quatro jogadores para cada Lima via com desagrado a rivalidade artificial que o
lado e se divirtam durante horas numa rua mais esporte acirrava, em especial entre Rio e São Paulo.
calma, num canto de praia, num terreno baldio. Depois de ler uma crônica em que a palavra guerra
Essa flexibilidade ajudou a popularizar o jogo. E essa era usada para descrever o confronto entre as duas
popularização acelerada gerou repercussões em seleções, não se contém: Isso deve ser Bizâncio,
outras áreas à medida que o futebol extrapola as no tempo de Justiniano, em que uma partida de
quatro linhas e se transforma em fato de cultura. circo, com seus azuis e verdes, punha em perigo o
império; mas não o Rio de Janeiro. Se assim fosse,
A Paixão na Literatura se as partidas de football entre vocês de lá e nós
Por exemplo, muito cedo o jogo da bola mexeu daqui apaixonassem tanto um lado como o outro,
com a literatura. E nem sempre as opiniões foram o que podia haver era uma guerra civil; mas, se vier,
felizmente, será só nos jornais e, nos jornais, nas 1927, Alcântara Machado dá seu depoimento da
seções esportivas, que só são lidas pelos próprios importância do jogo entre os imigrantes italianos
jogadores de bola adeptos de outros divertimentos em seu Corinthians (2) vs. Palestra (1), conto do
brutais, mas quase infantis e sem alcance, graças clássico Brás, Bexiga e Barra Funda.
a Deus; dessa maneira estamos livres de uma for-
Os modernistas, em geral, tinham boa imagem
midável guerra de secessão, por causa do football
do futebol, já que o consideravam parte da nossa
(idem, p. 85).
cultura. Vimos, inclusive, que um deles, o moder-
Graciliano Ramos também acha o futebol uma nista conservador Menotti Del Picchia, escreve o
importação indesejada, estrangeirismo que nada roteiro para O Campeão de Futebol, o primeiro
acrescenta ao Brasil. Defende-se previamente da longa-metragem dedicado a esse esporte.
acusação de xenofobia: Não é que me repugne a
Mário de Andrade, a figura mais importante da
introdução de coisas exóticas entre nós. Mas gosto
Semana de Arte Moderna, também escreve sobre
de indagar se elas serão assimiláveis ou não (citado
futebol. Em 1939 assina um artigo intitulado Brasil-
por Antunes, Fátima, 2004, p. 24).
Argentina no jornal O Estado de S. Paulo, crônica de
60 61
Graciliano nem chegava a se preocupar muito com uma derrota da seleção diante de los hermanos pela
o assunto, tão certo estava de que temos esportes copa Roca, em pleno estádio de São Januário. O texto
em quantidade. Para que metermos o bedelho em é interessante demais. Mário imagina o diálogo com
coisas estrangeiras? O futebol não pega, tenham um amigo uruguaio, que também assistia ao jogo. E
certeza (idem). este uruguaio diz o seguinte: Era natural que vocês
perdessem... Os brasileiros almejaram vencer, mas os
Felizmente para nós e para ele mesmo, Graciliano argentinos quiseram vencer; e uma coisa é almejar,
Ramos não ganhava a vida como profeta. O fute- outra é querer. Vocês... É um eterno iludir-se sem
bol pegou e, ao contrário do que previa o grande fazer o menor gesto para ao menos se aproximar da
Graça, ainda contou com apoio de vários dos seus ilusão. Sim, os argentinos escalaram o quadro e este
colegas escritores. A relação dos que escreveram fa- se preparou para o jogo de hoje. A força verdadeira
voravelmente ao futebol, ou o usaram como tema de um povo é converter cada uma das suas iniciativas
narrativo, é imensa. Orígenes Lessa, em Esperança ou tendências em norma cotidiana de viver. Vocês?...
Football Club, trata-o como fator de aglutinação Nem isso... Os argentinos, desculpe lhe dizer com
de uma comunidade. Paulo Mendes Campos es- franqueza, mas os argentinos são tradicionais (citado
crevia sobre futebol com alma de torcedor. Em em Artundo, 2004, p. 143).
Como se vê, o parágrafo diz muito sobre a imagem Muitos outros intelectuais escreveram sobre o fu-
que o Brasil tinha no continente e sobre a própria tebol. Basta lembrar os magníficos textos de Decio
auto-imagem dos brasileiros. A Argentina, mais de Almeida Prado em Seres, Coisas, Lugares – do
tradicional, quer dizer, mais européia (e, vale dizer, Teatro ao Futebol, ou os artigos de Décio Pignatari,
mais branca), predomina por sua organização. O reunidos em Contracomunicação.
Brasil é um jovem indisciplinado, dionisíaco, cheio
de entusiasmo, vigor, talvez até mesmo arte. Mas O futebol está também na poesia. O seco moder-
nada pode contra um jogo conduzido com determi- nista Oswald de Andrade registra assim a excursão
nação, planejamento e razão. Inútil dizer o quanto do Paulistano, no poema A Europa Curvou-se ante
esse tipo de mentalidade vigora ainda hoje, quando o Brasil:
se fala, por exemplo, que mesmo o jogador brasi-
7a2
leiro sendo o melhor do mundo, por sua habilidade
natural, só alcança a maturidade quando transfe- 3a1
rido para a Europa, pois lá aprenderá a disciplina A injustiça de Cette
tática. O próprio treinador da seleção brasileira de 4a0
62 2006, Carlos Alberto Parreira, mantém essa opinião 63
2a0
que, ao contrário do que se possa pensar, tem suas
raízes lá atrás e bem fincadas em solo pátrio. 3a1
E meia dúzia nos portugueses
Enfim, esses sentimentos difusos e às vezes con-
traditórios sobre a auto-imagem, a identidade, Parece enigmático, mas conhecendo-se a história
a questão racial, latentes até hoje no imaginário o poema fica claro como água: O Paulistano excur-
brasileiro, viviam à flor da pele naqueles anos, em sionou, em 1925, e arrasou os adversários com os
especial a partir da década de 30. Grandes escri- placares transcritos pelo poeta, só perdendo para o
tores descreveram em suas crônicas o andamento Futebol Clube de Cette (cidade cujo nome hoje se
desse processo, como foram os casos de José Lins escreve Sète), em resultado considerado injusto.
do Rego, Nelson Rodrigues e seu irmão mais ve-
lho, Mário Filho. Esse debate sobre o país e sua Carlos Drummond de Andrade também escreveu
gente, na forma de colunas de futebol escritas na crônicas sobre o futebol, fez a elegia de Pelé, mas
imprensa esportiva, é estudado no excelente livro o maior texto poético sobre o esporte, ou melhor,
de Fátima Martins Rodrigues Ferreira Antunes, sobre um jogador de futebol, é Ademir da Guia,
Com Brasileiro não Há quem Possa. de João Cabral de Melo Neto:
Ademir impõe com seu jogo Quem Somos?
O ritmo do chumbo (e o peso) Toda essa repercussão do futebol na cultura era re-
flexo de sua importância crescente para a sociedade
Da lesma, da câmara lenta,
brasileira. Assim, não é de espantar a importância
Do homem dentro do pesadelo concedida a ele quando o Brasil sediou a copa do
Ritmo líquido se infiltrando mundo de 1950 e para isso construiu o Maracanã,
No adversário, grosso, de dentro, o orgulho dos patrícios daquele tempo.
Impondo-lhe o que ele deseja, Como vimos, o Brasil já havia participado das três
Mandando nele, copas anteriores – a de 1930, no Uruguai, a de 1934,
Apodrecendo-o na Itália, a de 1938, na França. Depois dessas três
edições, o torneio foi interrompido em razão da II
Ritmo morno, de andar na areia, Guerra Mundial. Voltou a ser realizado em 1950. A
De água doente de alagados, Europa, sendo reconstruída depois da devastação
Entorpecendo e então atando de uma guerra de seis anos, não podia sediá-lo.
64
O mais irrequieto adversário Abriu-se a oportunidade para o Brasil. 65

O texto de João Cabral é magnífico, mobiliza me- E o Brasil parecia disposto a aproveitá-la. Além de
táforas para mimetizar o estilo de jogo do Divino, construir o maior do mundo, que é como os nar-
filho de Domingos da Guia. Jogo em aparência radores de rádio se referem ainda hoje ao velho
Maraca, empenhou-se em montar uma grande
lento, que impunha ao adversário um ritmo ina-
seleção, sob o comando de Flávio Costa. Havia
dequado para este. Ademir cadenciava a partida
jogadores para tanto e o Brasil parecia fulminante
segundo os interesses da sua equipe, paralisando o
ao longo do torneio.
adversário que, subitamente, abre a guarda e en-
tão o ritmo passa de lento a rápido, sem transição, Torneio? Bem, não era apenas uma competição
e vem a jogada fatal. Aqui, como diz Bento Prado esportiva. A copa do mundo, realizada de quatro
Jr. (em Literatura e Mistério da Bola), Com João em quatro anos, sob a inspiração de Jules Rimet,
Cabral, a assimilação literária do futebol deixou de havia se convertido em um acerto de contas sim-
ser mera retórica ou simples provocação. Tornou- bólico entre as nações. Essa mania não começou no
se, finalmente, assunto real para o conhecimento Brasil, convém avisar, antes que nos imputem mais
literário do Mundo. esta falta. Mussolini emprestara significado especial
às disputas, entendendo que uma vitória poderia aperfeiçoamento da raça brasileira, a miscigenação
significar muito para o orgulho nacional italiano às agora vista não mais como desvantagem, mas como
vésperas de uma guerra de verdade, com tanques, característica positiva da nação, que deveria ser
fuzis, aviões e gente morrendo. Hitler fez a mesma bem-aproveitada em todos os setores, a começar
coisa na Olimpíada de 1936 e a utilização política pelo futebol. O País procurava sua cara, sua iden-
do esporte tornou-se uma praxe do século XX, e tidade, sua maneira de ser, seu estilo, seu caráter
não apenas entre ditadores. Nada indica que o sé- nacional, para usar um termo que esteve em moda
culo XXI vá ser diferente nesse particular. A menos durante tanto tempo.
que mudem o jogo e os políticos.
No final dos anos 1920 e começo dos 1930, come-
Em 1950, o Brasil não queria guerrear ninguém, no çam a aparecer os grandes estudos sobre o caráter
sentido literal do termo. Queria, talvez de forma brasileiro: Retrato do Brasil, de Paulo Prado, Casa
inconsciente, apenas ser reconhecido no plano Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, Raízes do
internacional. Desde 1938, desconfiava-se, e por Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, entre outros
aqui se escrevia isso, que talvez o futebol brasileiro menos cotados. A pergunta de todos eles: quem
66 fosse o melhor do mundo. Não se sabe onde esse somos? Temos um estilo particular de ser, ou somos 67
ufanismo se amparava, talvez no desempenho de meras cópias adulteradas do modelo europeu?
Leônidas na França, onde recebera o apelido de Em conseqüência: temos alguma contribuição a
homem borracha pelas jogadas acrobáticas e fora dar ao processo civilizatório, ou resta apenas nos
aclamado pelos oito gols. Ou simplesmente osten- conformarmos com uma posição subalterna diante
távamos uma característica até hoje dominante na do mundo desenvolvido? O futebol, que era paixão
mentalidade brasileira, ciclotímica por definição nacional, estava à mão para servir como represen-
– ou somos os melhores do mundo ou os piores tante simbólico dessa, digamos assim, aspiração
do planeta, sem nenhum estágio intermediário coletiva ao reconhecimento.
possível. Enfim, preparava-se o palco para que o
Brasil mostrasse, em sua própria casa, não apenas Para quem acha tudo isso tolo, ou se considera
o poderio do seu futebol, mas a sua força como muito superior a esse tipo de desejo, gostaria de
nação e povo. deslocar por um momento a discussão e recomen-
dar a leitura do belo livro de Tom Wolfe, Os Eleitos
Nada disso acontece gratuitamente e esse tipo de (The Right Stuff), que aliás virou filme dirigido por
atitude vinha lá de trás, com a ideologia nacio- Philip Kaufmann. Nele, Wolfe analisa a função
nalista do Estado Novo, a busca pela eugenia, o simbólica dos pilotos de aviões de prova e, depois,
dos astronautas, como representantes do orgulho
nacional na guerra fria que os Estados Unidos tra-
vavam na época com a União Soviética.

Essa guerra fria, que a qualquer momento podia


tornar-se quente, também era travada, simbolica-
mente, através desses heróis, que representavam
a nação como um todo, e a cada um dos cidadãos
americanos em particular. O astronauta, que era
colocado em órbita, não podia, naquela época,
ser considerado apenas um técnico, ou um pro-
fissional que estava fazendo seu trabalho da me-
lhor maneira possível. Ele era muito mais do que
isso. Era uma espécie de guerreiro da nação, um
representante de todo um povo em uma luta que
68
estava acontecendo. Claro que do lado da União 69
Soviética era a mesma coisa. Basta lembrar que o
cosmonauta Yuri Gagarin foi enterrado na Muralha
do Kremlin, local reservado aos heróis da pátria. A Nossa Hiroshima
O futebol não deixa de funcionar dessa mesma Portanto, em 1950, atuando em casa, o Brasil jogava
maneira, ou pelo menos era assim naquela época para o mundo e para si mesmo. E tudo parecia con-
e, em parte, continua sendo. Não se sabe se, com o fluir para a consagração, mesmo porque as apresen-
afrouxamento dos laços nacionais, em tese causado tações do selecionado haviam sido irrepreensíveis
pela globalização, tudo isso poderá fazer parte do até a partida final. Ganhou de 4 a 0 do México,
passado. Quando isso acontecer, em futuro talvez empatou por 2 a 2 com a Suíça, venceu a Iugoslávia
não muito distante, o futebol será inteiramente por 2 a 0 e a Suécia por 7 a 1. A semifinal, então,
profissionalizado e então um jogo será apenas um foi um espetáculo digno de entrar para a história:
jogo. Será a hora talvez de abandoná-lo e passar a seleção goleou a Espanha, implacavelmente,
para outra atividade mais interessante. Mas isto é por 6 a 1, enquanto a torcida, das arquibancadas
para o futuro e muita coisa ainda pode acontecer do Maracanã, cantava um sucesso do carnaval, a
no meio do caminho. marchinha de João de Barro Touradas em Madri.
Uma apoteose.
haviam sido arrombados pouco antes da partida
começar naquele fatídico 16 de julho de 1950.
Foi a maior catástrofe esportiva do País. E não ape-
nas esportiva, levando-se em conta que outras emo-
ções e fatores simbólicos mais sérios estavam em
jogo naquela tarde carioca. Dizem que o jornalista
e escritor Carlos Heitor Cony, de formação católica,
naquele dia deixou de acreditar em Deus. Nelson
Rodrigues, escrevendo anos depois, revela que a
ferida não havia fechado: A nossa Hiroshima foi a
derrota para o Uruguai, em 1950. Em 1950 houve
mais que o revés de onze sujeitos, houve o fracasso
do homem brasileiro (Rodrigues, 2002).
Exagero? Retórica? Talvez, mas o fato é que a tra-
70 gédia do Maracanã tornou-se uma obsessão, um 71

E que preparou o clima para a grande final, contra trauma não assimilado pela nação.
o de antemão derrotado Uruguai. Os jogadores do Foi assunto de incontáveis análises e artigos. O
Brasil posaram com faixas de campeão, os políticos brasileiro queria entender. Onde falhara? Por que
foram abraçá-los e o próprio técnico Flávio Costa perdera, justamente quando não podia perder?
decidiu no ato concorrer às eleições para vereador
A caça às bruxas começou com a perseguição aos
do Rio de Janeiro. Só quem não estava de acordo
jogadores negros: o goleiro Barbosa, Bigode e
com toda essa festa prévia era o Uruguai, que
Juvenal. Flávio Costa não foi eleito vereador. E
entrava em campo com a desvantagem de ter de
começou-se a dizer que o Brasil, que o homem
vencer (o Brasil jogava pelo empate, segundo as
brasileiro, tremia nos momentos de decisão. A tal
regras daquele torneio), mas disposto a colocar
da raça miscigenada, o nosso orgulho, não tinha
água na caipirinha do país anfitrião. Desse modo,
equilíbrio emocional quando chegava a hora H. E
ao marcar o gol de desempate aos 33 minutos do
então seria preciso repensar o projeto de país.
segundo tempo, Ghiggia calou o Maracanã, com
suas 170 mil pessoas – estatística oficial – ou mais A ruminação da copa perdida se estenderia por
de 200 mil para outras fontes, porque os portões anos a fio. E, no cinema, começou ainda no calor
da hora, com Copa do Mundo de 1950, de Milton do fracasso jamais fosse reatualizado (Antunes,
Rodrigues. Sim, o mesmo diretor de Alma e Corpo 2004, p. 40).
de uma Raça, aquele filme de ficção que entro-
nizava o futebol como prática esportiva, capaz A propósito: é claro que a derrota diante do Uru-
de promover a eugenia da raça brasileira. Agora, guai se reveste de condições singulares. O Brasil
neste documentário produzido por outro dos nunca havia sido campeão, e procurava, como dis-
irmãos de Nelson Rodrigues, Mário Filho, Milton se, afirmar-se no plano internacional. Mas aquela
fazia o primeiro filme que tentava entender os era, antes de tudo, uma época com sua cultura
motivos da derrota do Brasil para o Uruguai na peculiar, e os sentimentos de 50 provavelmente
final de 1950. não se repetiriam nos dias de hoje, pelo menos
com a mesma intensidade. Ainda assim, quando o
Essa obsessão em compreender tem sua origem no Brasil sofreu uma derrota humilhante na copa do
fato de 1950 ter se transformado numa espécie de mundo de 1998, perdendo por 3 a 0 para a França,
mito às avessas, segundo a expressão de Fátima instaurou-se uma Comissão Parlamentar de Inqué-
Antunes em seu livro Com Brasileiro não Há quem rito para apurar supostas ingerências comerciais na
72 Possa: O mito mostra ao homem que sua vida seleção, um bem cultural tombado do povo bra- 73
tem uma origem e uma história sobrenaturais. sileiro. Ronaldo, que sofrera aquela suspeitíssima
Ele também mostra que essa história é plena de convulsão no dia do jogo, foi convidado a depor.
sentido, preciosa, e, sobretudo, exemplar. Próprio Um deputado lhe perguntou por que o Brasil havia
das sociedades chamadas tradicionais, ainda assim perdido para a França. E o jogador, entre sério e
o mito pode explicar fenômenos e comportamen- irônico, respondeu: Porque eles fizeram três gols
tos de uma sociedade histórica e integrada ao e a gente não fez nenhum. E acabou-se a história.
mundo moderno, como a brasileira. Aplicando Bola pra frente, que ninguém iria perder o sono
essa discussão ao caso da derrota na copa de 1950, por causa daquilo.
o acontecimento histórico transformado em fato
mítico teria a função de exemplificar aquilo que Na indiferença mercantil contemporânea, corrente
não se deve fazer, ou seja, a derrota de 1950 teria no futebol globalizado, não cabe perder tempo ru-
se transformado numa espécie de mito às avessas. minando derrotas ou comemorando vitórias, pois
É nesse sentido que a rememoração da história há negócios a fazer e idealmente um jogo talvez
mítica, que acontecia a cada nova copa do mundo, possa ser apenas um jogo. Pelo menos no ponto
devia lembrar a todos que o exemplo de 1950 não de vista dos profissionais da área. No da torcida,
deveria ser seguido, pois se esperava que o mito ainda é outra coisa. Mas em 1950 a história era
atormentado pela derrota contra o Uruguai, que
ele havia presenciado em criança, inventa uma
máquina do tempo e resolve voltar a 1950, ao Rio
de Janeiro, ao Maracanã, na tarde do dia 16 de
julho. Para fazer o quê? Impedir que Ghiggia chute
e marque o segundo gol uruguaio. Na verdade, o
personagem representa o próprio Paulo Perdigão
que, com onze anos de idade, foi com os pais ao
Maracanã ver a partida.

Em 1990, quer dizer, 40 anos depois da tragédia


do Maracanã, os cineastas Jorge Furtado e Anna
Luiza Azevedo adaptaram o conto de Perdigão
para a tela e o chamaram de Barbosa. A idéia
O goleiro Barbosa, no Maracanã principal talvez tenha sido fazer justiça ao velho
74
completamente diferente. Para o bem e para o mal, goleiro, então ainda vivo e sempre estigmatizado. 75

um jogo como aquele era uma questão de honra, Em um depoimento ao filme, Barbosa diz que um
de vida ou de morte. dia estava fazendo compras, foi reconhecido por
uma pessoa que chamou o filho e disse: Olha para
E assim, a partida fatal continuou a gerar tentativas esse homem, meu filho, ele fez o Brasil inteiro
de explicação. Mito às avessas, como se disse. Nel- chorar.
son Rodrigues e outros cronistas escreveram sobre
o assunto durante anos seguidos. Mas nenhum com Em outra aparição, Barbosa diz que no Brasil a
o detalhismo obsessivo de Paulo Perdigão, autor pena máxima era de 30 anos de prisão e ele se
de um rigoroso Anatomia de uma Derrota, que sentia condenado à prisão perpétua. Jamais foi
chega ao requinte de transcrever a emissão radio- indultado e sua condenação não teve fim.
fônica da partida por um dos narradores famosos
Então o filme tem esse aspecto, digamos, documen-
da época, minuto a minuto.
tal. Na parte de ficção, o personagem principal,
Perdigão finaliza o livro com um conto original – O que volta ao passado, é interpretado por Antonio
Dia em que o Brasil Perdeu a copa do mundo, mis- Fagundes. Por uma hábil superposição de imagens,
to de ficção histórica e científica. O personagem, Fagundes é visto no Maracanã no dia 16 jul. 1950.
Observa as pessoas chegando, o desenvolvimento
do jogo, o Brasil marcando 1 a 0 com Friaça, e
a vitória então dada como ainda mais certa do
que antes. Depois vem o empate, com o gol de
Schiaffino e, em seguida, o de Ghiggia, virando
o placar. E o personagem não conseguiu evitar o
gol, motivo afinal de sua viagem no tempo? Não,
na imaginação do artista, ele, pelo contrário, se
torna o causador da tragédia. Ao tentar intervir na
cena, distrai o goleiro, facilitando assim a vida do
atacante uruguaio. Há um determinismo que não
pode ser rompido. Não se muda a história. E, quan-
do se procura alterar o passado, o máximo que se
consegue é reiterá-lo, reafirmá-lo ainda mais.

76 O jornalista João Luiz de Albuquerque fez o con- 77


trário de Jorge Furtado e Anna Luiza Azevedo. Di- Os capitães Augusto (Brasil) e Obdúlio Varela (esq.) se
ferentemente dos cineastas gaúchos, muito jovens cumprimentam
para terem testemunhado a tragédia do Maracanã, Albuquerque descobriu, num pedaço de filme, o
Albuquerque estava lá, no estádio, levado pelos registro de um lance do primeiro tempo da final:
pais, como Paulo Perdigão. Sofreu a derrota de o ponta-direita Ghiggia chuta enviesado, mas a
corpo presente. E não descansou enquanto não sorte salva o Brasil. A bola bate na trave. Quando
conseguiu mudar a história – pelo menos em uma foi montar o vídeo, Albuquerque usou esta cena – a
mesa de edição. O relato está no livro Dossiê 50, da bola na trave – no lugar do gol fatal de Ghiggia.
de Geneton Moraes Neto: Adiante, inseriu no vídeo um gol de Zizinho que, na
verdade, foi marcado contra a Iugoslávia, num jogo
Aos 11 anos de idade, Albuquerque testemunhou anterior. Como não aparece nenhum adversário em
o naufrágio brasileiro, em companhia do pai e da cena, faz-se de conta que o gol foi marcado contra
mãe, na arquibancada do Maracanã. Só se livrou o Uruguai. Placar final: Brasil 2 x 1 Uruguai. A festa
do trauma quando transformou a derrota em triun- não fica aí: Albuquerque usou também cenas dos
fo, numa ilha de edição de imagens, nos anos 80. jogadores do Uruguai aos prantos (o choro, na
A tarefa não foi complicada. Bastou imaginação. verdade, era de alegria: os uruguaios estavam
chorando porque não acreditavam que tinham se, de fato, um desagravo à derrota da seleção
derrotado o imbatível Brasil dentro do Maracanã. no Maracanã. Participam do filme, como atores,
Mas este é um detalhe desimportante, num vídeo jogadores como Gilmar, Idário, Homero, Olavo,
que mente descaradamente). Como se não bastasse, Carbone e Baltazar Cabecinha de Ouro.
o manipulador João Luiz de Albuquerque desenca-
Na trama, um enredo que já vimos antes: a moci-
vou em arquivos cenas de argentinos chorando a
nha rica (Eva Wilma), apaixonada por um jogador,
morte de Eva Perón, igualmente um desastre nacio-
Julinho Joelho de Vidro (Carlos Alberto) contra a
nal. Os espectadores do vídeo são levados a crer que
a multidão argentina era formada por uruguaios, vontade da família que não quer a filha compro-
inconformados com a copa perdida no Brasil. Por metida com um boleiro. Para sorte de Julinho, ele
que transformar argentinos em carpideiras uru- se torna herói do jogo em que a honra nacional é
guaias? Albuquerque dá uma explicação cândida: lavada contra o imaginário Carrasco Futebol Clube,
– Argentino e uruguaio de casacão e chorando é e então tudo acaba bem. A cena final é um beijo, em
tudo a mesma coisa... (Geneton, 2000, p. 36-37). close, de Carlos Alberto em Eva Wilma. No jogo real,
o Corinthians ganhou do Olimpia com gols de Goia-
78 Mas não adianta: a copa de 1950 está perdida para no, Cláudio, Luizinho e Carbone (2). No confronto 79
sempre. Como diz Paulo Perdigão em seu livro, simbólico, Julinho Joelho de Vidro deu de goleada.
o Brasil pode ganhar quantas copas quiser, não Além de vingar um Brasil afrontado pelos 2 a 1 do
ganhará jamais a copa do mundo de 1950, que Maracanã, ainda levou a mocinha para casa.
disputou em sua própria casa. Contra isso, nada
pode ser feito. O Craque já tem mais de 50 anos e corre o risco
de deterioração. Mas a tragédia do Maracanã
A não ser reparações simbólicas, como são as do continua intacta, como os mitos, imóvel no tempo,
cinema. Outra delas aconteceu logo em 1953, com inspirando cineastas. O mais recente subproduto da
o filme O Craque, de José Carlos Burle. O longa derrota diante dos uruguaios é o curta-metragem
vem sendo objeto de campanha por sua recupera- A Noite do Capitão, de Adolfo Lachtermacher. Nar-
ção por parte de Patrícia Civelli, filha do produtor ra um fato que dizem verídico. Depois de vencer
Mario Civelli. Ele utiliza cenas reais do jogo entre o Brasil à tarde no Maracanã, o capitão Obdúlio
Corinthians e o uruguaio Olimpia, vencido pelo Varela teria saído pela noite carioca e bebido
Timão por 5 a 2, mas, no filme, o Olimpia vira um cerveja com brasileiros desconsolados, que não o
time fictício, sintomaticamente chamado de Car- reconheceram. O filme é adaptação de um relato
rasco. E a partida, realizada no Pacaembu, torna- do escritor uruguaio Eduardo Galeano, pequeno
texto que faz parte do seu livro O Futebol ao Sol dando aqueles botes de cobra, começou a dominar
e à Sombra (p. 92). Ghiggia, Obdúlio Varela primeiro foi para cima de
Ghiggia. Deu-lhe uns gritos, uns empurrões. Para
Um parêntese: o caso Obdúlio é peça fundamental Ghiggia deixar de ser covarde. Depois, logo em se-
no mito às avessas da copa de 1950.
guida, Obdúlio Varela agarrou Bigode pelo pescoço.
Consta (ninguém sabe e ninguém viu direito) que, a Não lhe meteu a mão na cara. Mas que o balançou
certa altura do jogo, ele teria esbofeteado Bigode. em safanões, balançou (Mário Filho, p. 287).
O lateral teria ficado sem moral para marcar Ghi-
Mário Filho admite que Bigode não deveria mes-
ggia, que passou então a jogar muito solto. Seria
mo reagir, pois corria o risco de ser expulso. Mas
a causa remota do gol. Ninguém testemunhou a
também diz que, a posteriori, todos analisam
célebre bofetada e muitos julgam que ela jamais
Aquela cena como a decisiva, a que mudara o
aconteceu. No já citado livro de Geneton Moraes
Neto, Dossiê 50, que entrevista os participantes do rumo do jogo. Em outra versão, Flávio Costa teria
jogo, Bigode nega que o fato tenha acontecido: instruído Bigode, um marcador duro, para evitar
Dei sim, uma entrada violenta em Julio Perez... O as faltas, pois os uruguaios, pressentindo a derrota,
80
que Obdúlio Varela disse foi apenas: ‘Calma!’. Não poderiam usar o jogo mais áspero como pretexto 81

houve agressão nem reação. Mas uns disseram que para abandonar o campo e melar o espetáculo.
Obdúlio cuspiu na minha cara; outros, que levei Versões.
um tapa, mas não reagi (p. 96). O certo é que Obdúlio Varela jogou com toda
A versão de Bigode não foi a que ficou. Em 1963, raça – que aliás era uma característica daquele se-
portanto 13 anos mais tarde, e depois de o Brasil lecionado uruguaio – e incendiou o time com sua
já ter faturado duas copas do mundo, um cronista disposição. Mas as versões continuam circulando – e
da influência de Nelson Rodrigues ainda podia na boca de gente que nem era nascida na época
escrever: Amigos, vocês se lembram da vergonha daquele jogo, considerado pela pesquisadora Fá-
de 50. Foi uma humilhação pior que a de Canu- tima Antunes não apenas o mito às avessas mas o
dos. O uruguaio Obdúlio Varela ganhou de nosso próprio mito fundador do futebol brasileiro.
escrete no grito e no dedo na cara (O Globo, 18
nov. 1963). Quase todos os protagonistas e testemunhas estão
mortos, o que intensifica o mistério do mito e o
E o irmão de Nelson, Mario Filho, escreve em O solidifica. O surpreendente é que na era do futebol
Negro no Futebol Brasileiro: Quando Bigode, duro, negócio, do esporte globalizado e pragmático,
alguém ainda se interesse em fazer um filme Capítulo 2
evocando a figura romântica de Obdúlio Varela.
Surpreendente, mas compreensível: nos anos se- O Ópio do Povo
guintes, passou-se a martelar na cabeça dos brasi-
leiros que os nossos jogadores tinham de ser como O problema é que o intelectual brasileiro não sabe
ele, Obdúlio Varela, o macho, o mulato raçudo, o bater um escanteio.
paradigma de hombridade que, depois de ganhar José Lins do Rego
uma copa do mundo em terra estrangeira, ainda
encontrara ânimo para beber sozinho pela noite Quem, tendo visto a seleção brasileira em seus
do Rio de Janeiro. E, segundo relatos, entre os dias de glória, negará sua pretensão à condição
quais o de Galeano, teria conversado amavelmente de arte?
com brasileiros, que não faziam idéia de quem era Eric Hobsbawm
A Era dos Extremos
aquele gringo simpático que os consolava. Não
se sabe se é verdade. Mas que dá uma história e O desempenho da seleção na copa de 1954, na
tanto, lá isso dá. Suíça, pareceu aos derrotistas vocacionais a con-
82 firmação de que o Brasil não era mesmo um país 83
destinado a dar certo. No futebol, e talvez em todo
o resto. Zezé Moreira, o técnico, deixou o grande
Zizinho no Brasil, alegando que ele havia passado
da idade. Tinha 33 anos. E assim, mesmo depois de
golear o México por 5 a 0 e empatar por 1 a 1 com a
Iugoslávia, o Brasil acabou despachado pelo bicho-
papão do torneio. A Hungria de Puskas, Hidegkuti,
Kocsis & Cia. venceu a seleção por 4 a 2 num jogo
apelidado pelos cronistas de A Batalha de Berna.
Houve violência no tempo regulamentar e briga no
final da partida, com direito a uma cinematográfica
rasteira aplicada pelo então jornalista Paulo Planet
Buarque num guarda suíço, além de uma chuteira-
da que o treinador Zezé enfiou na cara do Ministro
de Esportes húngaro, Gusztav Sèbes. Pode-se dizer
que o Brasil ganhou no braço – ou nas pernadas –
mas voltou para casa do mesmo jeito. E podia se a ser conhecido como Marechal da Vitória e hoje é
consolar com o fato de ter perdido para a melhor o nome oficial do Estádio do Pacaembu.
seleção e virtual campeã daquela copa.
Ok, ninguém ganha copa apenas porque está bem
Mas, depois de eliminar o Brasil, a favorita Hungria organizado, ou tem estrutura, como se diz hoje.
acabaria perdendo para os alemães na partida Ganha porque dispõe de jogadores para isso. E o
final, um jogo épico com gosto de valor simbólico Brasil seguiu viagem com uma esplêndida equipe,
para a reconstrução da Alemanha devastada por que começava com Gilmar no gol, Nílton Santos na
uma guerra que ela mesma havia provocado. O lateral-esquerda e o príncipe Didi no meio-campo.
cinema registrou essa conquista em dois filmes, Sem falar em Mané Garrincha e Pelé que chegaram
um de ficção e outro documentário, ambos se à Suécia na condição de reservas e só entraram a
referindo ao milagre de Berna, como aquele jogo partir do terceiro jogo.
acabou conhecido. Como se vê, a cidade suíça de
Berna sediou uma batalha e um milagre, quer dizer, A seleção saiu vaiada do Brasil, após um jogo de
tanto o quebra-quebra brasileiro como a zebra despedida contra o Corinthians, no Pacaembu. Mas
84 alemã. O filme de ficção se chama simplesmente O foi se aprimorando ao longo do torneio. Ganhou 85
Milagre de Berna e é dirigido por Sönke Wortman. o primeiro jogo por 3 a 0 contra a Áustria e em-
O documentário, de Oldenburg e Dehnhardt, tem patou o segundo por 0 a 0 diante da sempre dura
o título mais acadêmico de O Milagre da copa do Inglaterra. O jogo-chave era o seguinte, contra
mundo em Berna 1954 – a História Real. Ambos a União Soviética que, dizia-se, praticava um tal
são de 2005 e bons exemplos de como um mesmo futebol científico tido como imbatível. O que po-
acontecimento pode ser objeto de uma versão deria contra ela um país subdesenvolvido, intuitivo,
romanceada e outra realista. pouco racional como o Brasil?

A desforra brasileira viria na copa seguinte. E Naquela época, a URSS era temida não apenas
mesmo assim, ninguém dava nada pela seleção por ser um país de comunistas que comiam crian-
quando ela saiu do Brasil. Mas o fato é que em cinhas no café da manhã, mas por seu avanço
1958, e pela primeira vez em sua história, havia tecnológico. No ano anterior, havia colocado em
uma organização digna desse nome, montada órbita o Sputnik, o primeiro satélite fabricado
para ganhar um torneio da importância da copa pela mão do homem, dando o pontapé inicial na
do mundo. A delegação era chefiada por Paulo competição espacial com os Estados Unidos, um
Machado de Carvalho que, depois do feito, passou verdadeiro Fla-Flu do cosmos.
E, dizia-se, os temidos russos aplicavam esse mes-
mo domínio técnico também ao futebol. Mas em
pouco tempo de jogo, com dois ou três dribles de
Mané Garrincha e outras tantas gingas de Pelé,
além dos lançamentos de Didi, o Brasil se incum-
biu de desmontar o aparato logístico do futebol
soviético, tramado nos laboratórios de Moscou.
Nas palavras de um cronista da época, os primeiros
cinco minutos de Brasil e União Soviética foram os
mais fantásticos de toda a história do futebol.

Afiada, e com Pelé e Garrincha em campo, a seleção


passou a ser considerada favorita ao título. Mas
ainda teve de arrancar um sofrido 1 a 0 contra o
País de Gales, gol de gênio de Pelé, o seu primeiro
86 em copas do mundo. Em seguida, goleou os peri- 87
gosos franceses de Kopa e Just Fontaine por 5 a 2.
Por fim, confirmou o favoritismo, derrotando os
donos da casa, na final, também por 5 a 2, fora o
baile. Pelé marcou o último, de cabeça, e desmaiou,
fulminado pela emoção. Garrincha tentou reani-
má-lo à base de flexões nas pernas. As imagens da
comemoração do título, com um Pelé adolescente
sendo confortado pelos mais velhos do time, como
Gilmar e Zito, são de dar nó na garganta do ma-
chão mais duro na queda.

Cabe lembrar que, antes da copa de 58, a seleção


havia realizado uma desastrosa excursão prepara-
tória pela Europa, sob o comando de Flávio Costa.
Os dirigentes produziram um relatório secreto que
diagnosticava o jogador brasileiro como o mais Bellini com a Taça Jules Rimet, Suécia, 1958
habilidoso do mundo, mas também o mais instável É curioso observar que essa época de ouro do nosso
e frágil do ponto de vista psicológico. futebol coincide quase ponto a ponto com a fase
mais importante do nosso cinema. E talvez não
Sobretudo, os negros e mestiços. Não suportavam por acaso. No final dos anos 50, o Brasil vivia uma
a pressão e nem sabiam se comportar em hotéis de
espécie de círculo virtuoso em sua história cultural.
classe. Não tinham idéia de como usar os talheres
Depois do período nacionalista de Vargas, subia
corretos e saíam pelos corredores enrolados em
ao poder Juscelino Kubitschek, prometendo fazer
toalhas. Ecos ainda da derrota em 1950. Assim, o
o País avançar 50 anos em 5 entre 1956 e 1961,
time titular da seleção foi devidamente branquea-
conforme o slogan famoso. O Brasil apresentava-
do para a Suécia. As entradas de Pelé e Garrincha, e
se como um país com fome de modernidade, de
depois a de Djalma Santos (este apenas na partida
olhos no futuro. Ou pelo menos manifestava o
final), ganharam várias versões. A mais aceitável é
desejo de ser assim. Em seu governo controverso,
que a mudança tenha sido imposta pelo próprio
elenco, que afinal estava se lixando para ques- porém marcante, JK optou pela modernização
tões raciais e de comportamento à mesa, e queria do capitalismo à brasileira. Idéias ousadas, como
mesmo era ganhar a taça. A seleção brasileira que a implantação da indústria automobilística (que
88 89
levantou a Jules Rimet em 1958 foi o primeiro time trouxe as multinacionais do setor ao País) e a cria-
de fato multirracial a conseguir esse feito. (Máxi- ção de Brasília compunham um cartão de visitas
mo, 2006, p. 119). vistoso, para o brasileiro apresentar ao mundo e
a si próprio.
Época de Ouro
Com a conquista da copa na Suécia, começava Também não por acaso, tudo o que se fazia era
aquela que é considerada a época de ouro do rotulado de novo, talvez o adjetivo mais usado
nosso futebol, com uma geração estupenda, naqueles anos: a Bossa-Nova, o Cinema Novo, a
que ganharia o bicampeonato no Chile quatro nova capital (a Novacap, como se dizia). Era um
anos depois, fracassaria em 1966 na Inglaterra, e, país jovem, que se reciclava rapidamente diante
bastante renovada, fecharia o Tri, no México, em do mundo. E tudo realmente veio meio junto – as
1970. Quatro copas disputadas em seguida, três conquistas do futebol, as vitórias de Maria Ester
vitórias, conquistando em definitivo a Taça Jules Bueno em Wimbledon, o título mundial de Éder
Rimet, posteriormente roubada da sede da então Jofre, música de padrão internacional, sofisticada
Confederação Brasileira de Desportos e derretida e popular ao mesmo tempo, um teatro inovador,
pelos ladrões. etc. O País reinventava-se.
Assim, no final da década de 1950, nada mais Do ponto de vista da zona Sul do Rio de Janeiro, o
lembrava, no âmbito do futebol ou em qualquer panorama era ensolarado. Do outro lado do país
outro, aquela disposição derrotista que tinha como havia o sertão, a seca, a pobreza, a ignorância.
símbolo o fracasso diante do Uruguai, em pleno
Maracanã, na final da copa de 1950. Não era nem preciso ir tão longe. Lá mesmo, no Rio,
ou na periferia de São Paulo, a presença da pobreza
O Brasil dava a volta por cima e, contra todas as estava à vista de quem se dispusesse a enxergar.
expectativas iniciais, conquistava a sua primeira No Rio, bastava levantar a cabeça e olhar para os
copa do mundo. A vitória foi recebida com compre- morros que circundam a cidade maravilhosa. Certo,
ensível ufanismo. Revestia-se de grande significado nem de longe a violência e a miséria dominavam
simbólico, como compreende qualquer pessoa que a paisagem como agora. Mas lá estava a favela,
veja o futebol como parte do patrimônio cultural
imagem colorida e ainda meio folclorizada da dis-
de um povo. Essa vitória na copa queria dizer não
paridade social brasileira. Bastava querer ver.
apenas que era nosso o melhor time de futebol
do mundo, mas também o nosso próprio povo, De qualquer forma, a realidade crua do País ainda
representado por aqueles atletas, tinha potencial permanecia mais ou menos oculta, pelo menos
90 91
de sobra para realizar o seu futuro. Inútil dizer o para a classe média, como de hábito voltada para
quanto de destempero, generalizações e análises si mesma. Há uma passagem interessante nas me-
apressadas contém essa associação tão imediata
mórias de Paulo Francis, O Afeto que se Encerra,
entre futebol e destino histórico. Mas com todo
quando ele se lembra da excursão pelo Nordeste
o entulho ideológico vinha também um item dos
que fez, como ator, no grupo de Paschoal Carlos
mais preciosos – confiança do brasileiro em si mes-
Magno, e da descoberta, cheia de surpresas, de que
mo, algo que parecia inédito para um povo com
complexo de vira-latas, na pitoresca, mas aguda, existia miséria no Brasil. Nos bares da zona Sul do
definição de Nelson Rodrigues. Rio, freqüentados por Francis e sua turma, não se
conhecia essa realidade desagradável.
No país real, as coisas não iam tão bem como dentro
das quatro linhas do gramado, ou no imaginário das Alguns jovens cineastas e intelectuais, mais atentos,
pessoas. Apesar do otimismo de parte dos, digamos haviam-se dado conta desses problemas fazia al-
assim, formadores de opinião daquele tempo, o gum tempo. A pobreza urbana começou a aparecer
Brasil continuava a conviver com disparidades so- na tela através de obras precursoras como os dois
ciais que tornavam inviável qualquer projeto sério filmes de Nelson Pereira dos Santos que represen-
de progresso. tam o diálogo mais explícito do moderno cinema
brasileiro com o neo-realismo italiano – Rio 40 e alguns divertimentos desviavam a atenção dos
Graus (1955) e Rio Zona Norte (1957). Neles, surge agentes sociais, sendo o futebol o mais poderoso
o Brasil de verdade daquele tempo, sem retoques; desses elementos alienantes.
o Brasil dos pobres, dos pretos, dos morros. O país
Existe esse lado em Rio 40 Graus. Mas não se pode
que fazia contraponto ao otimismo sorridente dos
negar também que, nele, o futebol se integra, de
anos dourados.
maneira orgânica (e simpática), a um modo de
A Dupla Face do Futebol ser do povo brasileiro. Ele é mostrado como uma
Rio 40 Graus era um filme que se queria popular. prática presente no cotidiano das classes populares,
E, como tal, não poderia deixar de fora o futebol, do bate-bola habitual nas ruas da favela até esse
que, embora não seja seu tema central, nele com- epicentro comemorativo do Rio de Janeiro que é
parece, e de maneira significativa. Uma das cenas o Maracanã. Em sua obra seminal Brasil em Tem-
mais conhecidas é a da montagem paralela entre po de Cinema, escrita em meados dos anos 1960,
o atropelamento de um dos meninos que vendem Jean-Claude Bernardet reconhece essa diferença
amendoim nas ruas e o delírio da torcida com um de enfoque sobre o futebol de Rio 40 Graus em
92 gol no Maracanã. relação aos filmes do Cinema Novo que viriam 93
depois: Diga-se de passagem que recentemente
Há aqui um evidente comentário político: enquan- o futebol vem sendo apresentado cada vez mais
to o drama social acontece nas ruas, o povo dele como uma alienação coletiva; se Rio 40 Graus
não toma conhecimento pois está entretido com mostrava o jogo como uma festa popular, Garrin-
seu esporte favorito. De certa maneira, essa pri- cha, Alegria do Povo (Joaquim Pedro de Andrade,
meira interpretação de uma cena isolada resume 1963) e Subterrâneos do Futebol (Maurice Capo-
a atitude dominante dos intelectuais de esquerda villa, 1965) vêem no futebol uma manifestação
diante do futebol – ele seria um pouco como o histérica que aliena o povo (Bernardet, 1978, p.
ópio do povo, uma espécie de religião laica da 93). Nos ocuparemos depois desses dois filmes
classe popular, como, aliás, o definiu um intelec- citados por Bernardet.
tual apreciador do jogo, o marxista britânico Eric
Hobsbawm. Na época, Nelson pertencia ao Partido Nelson Pereira dos Santos monta um painel multi-
Comunista Brasileiro e o próprio Rio 40 Graus era facetado da vida na então capital federal, passando
encarado como tarefa política a ser cumprida. por cinco pontos turísticos da cidade: Quinta da
Enfim, na concepção do partido, havia os proble- Boa Vista, Copacabana, o Pão de Acúçar, Corcova-
mas prementes da Nação, as contradições sociais, do e, claro, o Maracanã. Quem conduz as histórias
são cinco garotos favelados, negros, vendedores é fundamental, o amálgama social da cultura po-
de amendoim, que, para ganhar alguns trocados, pular – a música, as escolas de samba e, claro, o
circulam por esses ambientes todos. futebol – e seu papel na coesão da comunidade.
Na trama futebolística temos a história de um Rio 40 Graus é o primeiro filme brasileiro assumi-
craque envelhecido, Daniel (Al Ghiu), ídolo da damente influenciado pelo neo-realismo italiano,
torcida, mas ameaçado pelo novato Foguinho, que o movimento do pós-guerra que levou as câmeras
os cartolas querem promover para ganhar dinheiro de filmagem para as ruas, trabalhou com atores
na negociação. As histórias testemunhadas pelos não-profissionais e colocou o homem do povo
garotos se interpenetram, e o futebol sempre volta. como protagonista. Para diretores como Roberto
O malandro Miro (Jece Valadão) vai ao estádio ver Rossellini, Vittorio De Sica, e roteiristas como Ce-
o jogo em companhia de um amigo, interpretado sare Zavattini e Pier Paolo Pasolini, ainda no início
por Zé Kéti (aliás, compositor da música-tema, Eu de carreira, esse homem comum, com suas dificul-
Sou o Samba, grande sucesso na época). dades, sua pobreza e sua cultura própria, seria o
O filme termina com cenas da escola de samba, grande herói da modernidade que começava com
94
no morro, uma celebração sensual de alegria e o fim da II Guerra Mundial. 95

amizade ao som dessa música de Zé Kéti: A idéia de base desse novo tipo de cinema era sair
Eu sou o samba do ambiente artificial dos estúdios e ir à rua. E, na
A Voz do Morro sou eu mesmo, sim senhor rua, observar o que se passa com o povo, com o que
Quero mostrar ao mundo que tenho valor ele se preocupa, do que gosta e não gosta. Olhando
Eu sou o rei do terreiro/Eu sou o samba em todas as direções, os cineastas não poderiam
Sou natural daqui do Rio de Janeiro deixar de ver... justamente o futebol. Foi assim na
Sou eu quem levo a alegria própria Itália, onde se originou o movimento, e
Para milhões de corações brasileiros também no Brasil, onde os neo-realistas encon-
traram seguidores na figura de Nelson Pereira dos
O filme joga o tempo todo com o contraste entre Santos e dos jovens do Cinema Novo, como Paulo
o Rio turístico e/ou burguês e o Rio popular. Se César Saraceni, Glauber Rocha, Joaquim Pedro de
às vezes chega a ser maniqueísta nesse trabalho Andrade, Leon Hirszman e outros.
comparativo sem muitas nuances (idealizando a
solidariedade na favela e demonizando os ricos e Na Itália, vemos cenas de futebol em Roma – Cida-
os turistas) não deixa de registrar o que também de Aberta (1945), de Roberto Rossellini, filme que
é uma espécie de manifesto da nova estética neo- crítico do que no filme de Nelson Pereira. O jogo
realista. Enquanto na cidade, a ocupação pelos da bola será visto, então, como válvula de escape
nazistas se consuma, os meninos da periferia se para as frustrações populares, catarse das massas
distraem jogando bola na rua. Em La Città si Di- que contribuiria para a sua alienação. Mas – é aí
fende (1951), de Pietro Germi, quatro malandros que está a nuance – não apenas isso.
roubam a bilheteria de um jogo, sendo um, entre
eles, o antigo centroavante da Azurra, a seleção Ainda não é inteiramente assim em Rio 40 Graus.
É verdade que Nelson pode eventualmente ver o
nacional italiana.
futebol como catarse e alienação, mas enxerga-o
Em Belíssima (1951), de Luchino Visconti, a grande também como aquele acontecimento privilegiado,
Anna Magnani é fiel torcedora da sua querida o único momento em que as classes sociais de fato
Roma, vai ao estádio, xinga o adversário e incentiva se encontram e se confraternizam, pois no cotidia-
o time. Enfim, o futebol está em toda a parte, vive no a sociedade as divide e faz com que lutem entre
no DNA do povo, e cabe ao novo cinema registrar si. No estádio, torcendo por nossos times, somos
esse fato, ainda que às vezes de maneira crítica. todos iguais e isso está no filme, embora possa ser
96 uma ilusão de momento. 97
Também no Brasil o processo de ambientação do
neo-realismo teria de contemplar o futebol. O Essa visão do esporte como elo social não entra de
ensaísta Paulo Emilio Salles Gomes, num texto clás- maneira isolada no filme. Em Rio 40 Graus, o fute-
sico, Trajetória do Subdesenvolvimento, escreve: bol é também veículo para interpretar a sociedade
Tomado em conjunto, o Cinema Novo monta um como um todo. O jogo é reflexo da sociedade e de
universo uno e mítico integrado por sertão, favela, sua estrutura, espelho da hierarquia da sociedade
subúrbio, vilarejos do interior ou da praia, gafieira de classes, com seus explorados e exploradores.
e estádio de futebol (grifo meu) (Gomes, 1986, p. Dessa forma, aparecem os cartolas, cuja única
96). Assim, a presença do estádio, como locação, preocupação é o lucro. Tratam o jogador como
fazia parte de um programa mínimo de filmagem mercadoria descartável, como se vê no relacio-
dos ambientes populares brasileiros. namento entre o mais velho, Daniel, e o novato,
Foguinho. Daniel é consciente de que seu tempo
Mais adiante, como veremos, o futebol foi toma- está acabando e ele agora é mercadoria de pouco
do ainda mais a sério em dois documentários do valor, embora ainda ídolo da torcida. Incentiva
Cinema Novo – Garrincha, Alegria do Povo e Sub- o mais moço e diz que, um dia, eles, jogadores,
terrâneos do Futebol – mas por um viés ainda mais deixariam de ser tratados como objetos. Mas, por
enquanto, era assim mesmo. Os jogadores são Alienados São os Outros
como os trabalhadores assalariados, dentro de uma A tendência é que a partir anos 1960 surja uma
estrutura capitalista que suga sua força de trabalho leitura sociológica mais intensa, que não se per-
e depois se descarta deles. Em torno dos atletas e mite ver o futebol com suas nuances e aspectos
cartolas movem-se os torcedores, que levam para o positivos, isto é, manifestação cultural vinda do
campo suas aspirações e suas frustrações. São eles próprio povo, ou pelo menos apropriada por ele,
que sustentam a máquina, pagando seus ingressos. enraizada nas camadas populares e que constitui
E, em outro círculo, concêntrico, surgem os jorna- um dos seus fatores mais poderosos de identifica-
listas, que contribuem para transformar o jogo ção e auto-estima. Uma atividade, portanto, que
tanto pode distraí-lo dos seus problemas como
em espetáculo e dessa maneira gerar mais lucros,
funcionar como cimento para a solidariedade e
etc. Toda a engrenagem da sociedade capitalista
para o sentimento de identidade. Para uma boa
se reproduz no campo de jogo e encontra nele a
parte da intelectualidade prevalecia a visão ne-
sua expressão.
gativa do futebol. O intelectual, de esquerda em
Isso também está no filme e é um comentário geral, costumava ver o futebol de fora, e também
98
esperto sobre a sociedade da época. Portanto, de cima, numa perspectiva que resistia a integrá-lo 99

analisar o futebol com a lupa do cinema significa no todo da experiência social popular.
decifrar a sociedade de maneira mais ampla. O Um exemplo de como o futebol aparece dessa ma-
futebol é não apenas um espetáculo dentro do neira é a adaptação da peça A Falecida (1965), de
campo de jogo, mas até se oferece como dramati- Nelson Rodrigues, por Leon Hirszman, cineasta de
zação da vida social, que torna visível o seu modo formação marxista. Com a história da mulher que
de funcionamento. sonha com um enterro de luxo, Hirszman tinha de
fato a intenção de ilustrar a tese da alienação, da
O mérito de Nelson Pereira dos Santos foi ter en- pessoa à margem da vida social e que não compre-
focado o futebol dessa maneira crítica, sem perder ende a sua posição no curso da História. No final
de vista que ele é também festa popular, motivo do filme, o viúvo vai torrar o dinheiro destinado
de alegria, beleza e congraçamento social. Sua ao enterro numa animada partida do Vasco da
abordagem é dialética, vendo os vários lados da Gama, no Maracanã. O próprio Nelson Rodrigues
questão, e poucas vezes maniqueísta, a não ser que, reacionário assumido, nada tinha em comum
quando retrata burgueses e turistas, estes sim os com as interpretações da esquerda e ainda por cima
vilões da história. adorava o futebol, disse que Hirszman havia feito
uma leitura equivocada da sua peça, expurgando-a – Ademir não joga. Imagina que o Ademir machu-
do humor, implícito no texto, segundo ele. Transfor- cou o tornozelo...
mou-a num tratado marxista, rosnou Nelson.
– Que Ademir?
Mas não se trata apenas disso. O filme, de resto
excelente, dirige de fato o centro da análise para – Tu nunca ouviste falar em Ademir? Parece que
outro ponto, não pretendido pelo dramaturgo, e vive no mundo da Lua... Se ele não jogar vai ser
o futebol acaba entrando de gaiato nessa história uma tragédia...
ilustrada da alienação. É visto de maneira depre-
Zulmira não responde e continua a tossir. O marido
ciativa, como uma paixão algo infantil da classe
prossegue, resignado, crítico:
trabalhadora, que desvia a atenção dos problemas
reais, e de suas eventuais soluções – que se daria – Às vezes eu tenho inveja de ti. Não liga para fute-
pela via da contestação política, é claro. bol. Não fica de cabeça inchada. Benza-te Deus!
O filme abre com uma inscrição sobre a tela: No
100 tempo em que Ademir era Pelé. Ademir Menezes, 101
atacante do Vasco e da seleção de 1950, nove gols
numa copa do mundo, um recorde até hoje inigua-
lado, para brasileiros. A personagem principal, Zul-
mira (Fernanda Montenegro, talvez em seu melhor
papel no cinema), é obcecada pela idéia da morte e
acredita estar tuberculosa. Seu marido, interpretado
por Ivan Cândido, é vascaíno fanático e também
alimenta sua obsessão – saber se Ademir vai jogar
na decisão do campeonato, contra o Fluminense.

Há um diálogo maravilhoso. O marido chega da


rua, aborrecido. Zulmira está na cama, sentindo-
se mal, tossindo, cuspindo sangue. Mas encontra
ânimo para se preocupar com a fisionomia tensa
do marido, e pergunta se há algum problema. Ele
responde: Ivan Cândido e Fernanda Montenegro, em A Falecida
O diálogo, aliás, o quase monólogo do marido é um Pelé, ao tentar um chute de fora da área, sofre
primor. A cena antecede imediatamente a morte distensão muscular e fica fora do resto do torneio.
de Zulmira e toda a farsa trágica que se segue. Mas O jogo termina em 0 a 0.
ele, ironicamente, elogia a cabeça fresca da mulher,
que pensa em um monte de bobagens, mas não Na partida seguinte, já com Amarildo no lugar de
se ocupa das grandes questões, como a decisão do Pelé, uma dura vitória por 2 a 1 contra a Espanha.
campeonato, que pode ser afetada pela ausência Com Garrincha assumindo a responsabilidade e
do artilheiro, contundido. O vascaíno, no fundo, fazendo a diferença, o Brasil foi avançando: 3 a 1
censura a mulher... por sua alienação. O twist sobre a Inglaterra e 4 a 2 no Chile, eliminando o
mental criado por Hirszman é muito inteligente. O dono da casa. Na partida final, de novo a Checos-
futebol pode ser visto como alienação. Mas, para lováquia. E desta vez, o Brasil venceu sem margem
o torcedor, alienados são os outros. para dúvidas: 3 a 1, sagrando-se bicampeão mun-
dial. Garrincha foi o nome da copa. E assim, nada
A Sociologia da Bola mais natural que se tornasse o personagem per-
O que Hirszman faz na ficção, a partir de Nelson feito quando Joaquim Pedro de Andrade resolveu
102 Rodrigues, fazem também dois filmes, estes do que deveria fazer um filme sobre o futebol. 103
gênero documental: Garrincha, Alegria do Povo
(1963), de Joaquim Pedro de Andrade, e Subter- Garrincha, Alegria do Povo e Subterrâneos do
râneos do Futebol (1965), de Maurice Capovilla. Futebol são dois filmes muito diferentes entre si,
Convém observar que ambos são posteriores à mas têm um ponto em comum: procuram com-
conquista do bicampeonato no Chile. preender a relação entre o jogo do futebol e a
sociedade. Como instrumentos de racionalidade,
Em 1962, a seleção havia saído do Brasil na condi- tentam dissecar essa atividade que, com razão, é
ção de favorita. Com a mesma base, só que enve- tida como território maior da paixão nacional. Essa
lhecida quatro anos, e técnico novo – Vicente Feola, vocação de racionalidade faz tanto a força quanto
doente, fora substituído por Aymoré Moreira –, o os limites destes dois filmes, que estão entre os
time mudou de esquema. Passou de um falso 4-2-4 melhores dedicados ao futebol em toda a história
de 1958 (Zagallo recuava para ajudar o meio-de- do cinema brasileiro.
campo) para um 4-3-3 mais prudente para uma
esquadra mais experiente. Começou a defender Ambos colocam uma questão sempre em pauta
seu título com uma vitória de 2 a 0 sobre o México. quando o futebol é objeto de estudo. É possível
No jogo seguinte, contra Checoslováquia, o drama: compreendê-lo analiticamente, sem com isso perder
o que seria a essência mesma do jogo, a emoção? Garrincha
Ou, em oposição, invertendo a questão: será pos- Pode-se especular sobre as razões que levaram Joa-
sível incorporar a paixão ao plano de estudo, sem quim Pedro de Andrade a escolher o ponta-direita
que isso implique renúncia do ato mesmo de com- Garrincha como personagem do seu documentário
preender? Esses são problemas e dilemas a serem sobre o futebol. Garrincha fora o nome da copa e,
enfrentados sempre que alguém se propõe uma naquele tempo, seria mesmo uma escolha óbvia.
visão crítica do futebol. Ele ou Pelé. Mesmo numa época de grandes cra-
ques – e todos atuando no País – Garrincha e Pelé
Dito isso, não quero afirmar que filmes, em geral, e se destacavam muito dos demais.
mesmo os da época do Cinema Novo, sejam discur-
sos frios, racionais até a medula, que se propõem Durante muito tempo, Garrincha e Pelé formaram,
a funcionar como teses a serem demonstradas na no imaginário do aficionado brasileiro, uma espé-
tela do cinema. Longe disso. Seriam chatíssimos se cie de dicotomia. Garrincha era mais engraçado,
fossem assim. E não vemos que vantagem levariam chapliniano, irreverente. Pelé seria a perfeição, o
sobre uma tese acadêmica, no sentido estrito do domínio amplo do repertório do jogo, a eficácia
104
termo, que, esta sim, está obrigada a levar em aliada à técnica. Garrincha, o lúdico; Pelé, o exato. 105

conta uma série de regras lógicas e procedimentos Um dionisíaco, o outro, apolíneo.


de análise para ser levada a sério. Um filme não Claro, tudo isso não passa também de uma sim-
precisa de nada disso, e nem deve se deixar levar plificação, pois tanto Pelé era irreverente e ma-
por essa racionalidade estrita. licioso em seu jogo quanto Garrincha eficaz, ao
desmontar defesas aparentemente intransponíveis
Mas também não precisamos voltar-nos para o
com seus dribles. E, em 1962, no Chile, Mané, que
extremo oposto e ser só emoção, como hoje se
diziam só saber driblar, fez gol de falta, de cabeça
diz com tanta facilidade. Um filme pode ser uma
e perna esquerda, deu lançamentos e ajudou a de-
tentativa intuitiva de compreensão do real, da qual
fesa, desmentindo quem o considerava um gênio,
não se exclui a emoção. Ou seja, na composição de
porém de baixo repertório – teria um só tipo de
um filme ideal (que não existe) entram a razão e
drible, sempre saindo para a direita, etc.
a paixão. Melhor ainda: razão e emoção se entre-
laçam, de modo que não se possa dizer que num Mas, enfim, Garrincha era, até mesmo pelo tipo
momento uma está presente e depois a outra. Dito físico, um personagem e tanto para se examinar o
isso, vamos aos filmes reais. futebol brasileiro e sua relação com a sociedade.
Mané foi um brasileiro típico, mestiço, parecia ser
a síntese de todas as raças que formaram o povo
brasileiro. Não era nem inteiramente negro, nem
branco e nem índio. Era um pouco de cada um.
Um pouco de cada um de nós, de todos nós, como
povo. Como o definiu Carlos Drummond de An-
drade, em artigo escrito no Jornal do Brasil em 22
de janeiro de 1983, dois dias depois da morte do
craque: Divertido, espontâneo, inconseqüente, com
uma inocência que não excluía espertezas instin-
tivas de Macunaíma – nenhum modelo seria mais
adequado do que esse para seduzir um povo que,
olhando em redor, não encontrava os sérios heróis,
os santos miraculosos de que necessita no dia-a-dia
(Drummond, in Sibila, nº 8-9, 2005, p. 116).
106 107
O filme não poderia também ter título mais feliz.
O aposto Alegria do Povo relembra esse fato des- do cinema, documental: (Rouch) é o genial autor
tacado pelos cronistas: era o homem que levava o de um cinema-verdade, sem tripé, sem nenhum
riso à arquibancada. Chapliniano, fazia do jogo o artifício, sem maquiagem, sem ambientes que não
que ele era na origem, antes do profissionalismo: sejam reais – câmera na mão, baixo preço para
atividade lúdica, uma brincadeira, na qual o que mostrar o verdadeiro rosto e gesto do homem
valia era divertir-se, enganar o inimigo, fazê-lo cair (citado em Ramos, 1990, p. 362-363).
de pernas para cima, de bunda no chão, quando
Produzido por Luiz Carlos Barreto e com roteiro de
tentava inutilmente acompanhar o equilíbrio im-
Armando Nogueira, Garrincha, Alegria do Povo foi
provável do Mané das pernas tortas.
então lançado sob a rubrica do cinema-verdade,
O filme era fruto não apenas desse personagem mas a crítica não embarcou no rótulo de prestígio
fascinante, mas até de um momento muito par- e alguns analistas tacharam de artificiais as toma-
ticular do documentário brasileiro, influenciado das diretas de Joaquim Pedro. Pode-se concordar
pelo cinéma-vérité do francês Jean Rouch. Paulo ou não com essas observações. Revisto hoje, o
César Saraceni, em 1961, definiu assim esse mestre filme talvez cause certa estranheza por conta da
narração em off, procedimento de rigor na época, memorável, contra o Flamengo, no qual marcou
mas um tanto destoante das imagens mais secas três gols e levou ao pânico a defesa rubro-negra.
que a acompanham. Há cenas de jogo, claro, e
Além das cenas de jogo, há outras interessantes,
também tomadas de treinos no Botafogo.
e que dizem respeito à relação do jogador com o
Não se pode dizer que sejam artificiais. Nelas, por seu público. Mané está no centro da cidade e vai ao
exemplo, dá para o espectador perceber nitida- banco conferir seus investimentos, conforme a voz
mente o pouco empenho de Mané nos treina- em off. No caso, se trata de merchandising do banco
mentos físicos. Essas seqüências de ginástica são que financiava o filme e possibilitou a existência de
pontuadas, ironicamente, por música clássica. boa parte do Cinema Novo. Garrincha passeia entre
os transeuntes, no centro da cidade. As tomadas
Segundo depoimento de Oswaldo Caldeira, Joa- são muito bonitas porque, dado o seu tipo físico,
quim Pedro queria usar imagens de Garrincha ele em nada se diferencia dos brasileiros típicos que
registradas pelo Canal 100, mas isso foi impossível andam pelas ruas. Nada, em seu rosto, ou em suas
por razões comerciais. A equipe teve então de pro- roupas, faz adivinhar o jogador famoso. Até que, em
108 videnciar os próprios meios para captar as imagens determinado momento, ele é reconhecido e então 109
desejadas. O fotógrafo e produtor Luiz Carlos Bar- passa a ser alvo do assédio público. Aperta mãos,
reto conta que a equipe entrou com cinco câmeras dá autógrafos. Tornou-se o ídolo popular.
para filmar no Maracanã, uma atrás de cada gol,
outras duas ao lado de cada linha lateral. Talvez seja um dos momentos-chave desse filme,
pelo menos na cabeça do cineasta que era Joaquim
A quinta ficou em cima da marquise e deveria ser Pedro de Andrade. Mostrar como as pessoas do povo
operada quando o Botafogo entrasse em campo. vivem por procuração, confortando-se das dificul-
No comando dessa quinta câmera estava o próprio dades do cotidiano pela admiração (e talvez pela
Barreto e ninguém menos que o papa do Cinema identificação) por alguém que era como elas, mas
Novo, Glauber Rocha. Mas na hora, nem eu nem por força de seu talento havia subido muito acima
Glauber sabíamos como colocar a câmera em do que se poderia esperar. Nesse sentido, também,
funcionamento, contou Barreto em depoimento Mané poderia mesmo ser descrito como a alegria do
ao Canal Brasil. Felizmente, a dupla encontrou o povo. Ele próprio vinha do povo, da infância pobre
botão certo, conseguiu fazer o aparelho funcionar em Pau Grande e de lá subira ao estrelato graças ao
a tempo e registrou-se a entrada do Botafogo talento incomum de suas pernas tortas (objetos aliás,
em campo. E também o show de Mané, em jogo de longa descrição médica num trecho do filme).
No entanto, um crítico importante como Antonio Sim, mas a sorte não seria a mesma no lançamento
Moniz Vianna, escrevendo na época do lançamen- do filme, um ano depois. Como lembra Ruy Castro
to, acusa o filme de ficar muito aquém do seu em sua biografia (A Estrela Solitária – um Brasi-
personagem. Diz que o cinema brasileiro não sabe leiro Chamado Garrincha), o homenageado não
captar a magia do futebol e que esta encontra-se era o mesmo quando o filme chegou ao circuito
totalmente ausente de Garrincha. Moniz Vianna comercial. O Garrincha mostrado no filme era um
destaca o fato de o futebol, apesar de sua impor- personagem de La Fontaine: o gênio com alma
tância para a sociedade brasileira, não haver pro- de passarinho, que saíra da fábrica para a glória
duzido até então nenhuma obra significativa. Nem e continuara humilde. Só que, para o público,
no Brasil e nem no mundo, apesar de tão popular. esse personagem deixara de existir. No lugar dele
O contraste aqui, seria com o boxe, esporte-tema
surgira o homem que abandonara a mãe de seus
de algumas obras-primas do cinema. Mesmo o
filhos por uma cantora, brigara com seu clube por
beisebol teria sido mais bem retratado nas telas
causa de dinheiro e trocara os passarinhos por um
do que o nosso pobre ludopédio.
carro esporte (Castro, 1999, p. 312).
Enfim, Garrincha, Alegria do Povo seria mais uma
110 decepção nesse quesito. O fato é que o filme se vale Garrincha mudara nesse ano, ou começara a apare- 111
de imagens de arquivo das copas de 1958 e 1962, cer para o público sob nova ótica? Não importa.
além de material de alguns jogos do campeonato Mas não se tratava apenas desse intervalo fatal
carioca. Em seu livro sobre o Botafogo (Botafogo entre a feitura do filme e o seu lançamento,
– Entre o Céu o Inferno), Sérgio Augusto relem- quando estaria desatualizado em relação à nova
bra que a equipe de filmagem se distribuiu em (e má) imagem do ídolo. O projeto em si era pro-
vários pontos do Maracanã para captar imagens blemático, segundo Ruy Castro: Joaquim Pedro de
inéditas para o documentário. Era o jogo a que se Andrade, intoxicado de Cahiers du Cinéma, fizera
refere Barreto, operando a câmera da marquise um filme para quem gostava de cinema, não de
com Glauber. Naquele 15 de dezembro de 1962, o futebol (idem, p. 313).
Botafogo jogava a final do campeonato estadual
contra o Flamengo. Um Maracanã lotado, com Bem, analisando-se a estrutura do filme, vê-se que
146.287 torcedores, assistiu a uma exibição de gala Garrincha pretende ser bem mais do que uma ho-
de Mané, com direito a show e ainda os três gols menagem ao grande ídolo popular. Em qualquer
marcados na vitória de 3 a 0 sobre o Flamengo. outra circunstância e lugar isso não deveria ser
Sorte do cineasta e da equipe do filme, que incluía problema e sim virtude a ser enaltecida, mas o
o magnífico fotógrafo Mário Carneiro. Brasil é o Brasil. E, de fato, o filme vai além. Quer
ir além, por isso é tão bom. Pretende, através do estudo. Ou ama demais a coisa ou tenta entendê-
futebol, enxergar alguma coisa sobre a sociedade la, correndo-se o risco de destruí-la.
brasileira. E, de que maneira? Procurando estudar
a função desse esporte – de longe e muito longe, Por exemplo, Moniz Vianna queixa-se de que se
o mais popular no País – no imaginário do homem frustra a possível intenção de um estudo anatô-
brasileiro. mico e psicológico do drible, talvez por falta de
material expressivo e suficiente (idem, p. 330). De
A vontade de compreender despertou a ira de fato, quando mais tarde formos falar de alguns
um crítico na época tão influente quanto Antonio filmes dos anos 1990 e 2000, quer dizer, dos filmes
Moniz Vianna: E é uma decepção completa este contemporâneos, poderemos verificar que alguns
filme, que não consegue dar uma aceitável dimen- deles se libertaram quase por completo de qual-
são psicológica, sociológica e mesmo esportivo- quer tentativa de interpretação social mais explíci-
cinematográfica do futebol e a um dos seus ídolos ta através do futebol. São apenas celebrativos e, aí
autênticos. A claque precisa redobrar seus esforços, então, essa plástica do drible, a beleza das jogadas,
se o intuito é convencer os mais influenciáveis de poderá aparecer em sua plenitude, despida de
112 que Garrincha, Alegria do Povo vale alguma coisa qualquer outro tipo de significação. Mas teremos 113
(Moniz Vianna, 2004, p. 332). também de indagar se isso basta como proposta
de representação do futebol.
Observações que vêm de um crítico tão influente
quanto politicamente conservador e, portanto, São as partes finais do filme de Joaquim Pedro de
pouco propenso a simpatias para com o Cinema Andrade as que mais dizem sobre as intenções do
Novo e seus militantes de esquerda. Para Moniz diretor. Pela narrativa em off, ouvimos que há vá-
Vianna, o Cinema Novo, em seu conjunto, não rias teorias que tentam explicar a paixão das pesso-
passava de embuste. Idiossincrasias tanto estéticas as pelo futebol. A primeira, de origem psicanalítica,
como políticas do crítico, que no entanto devem diz que a bola lembra o seio materno, por isso teria
ser levadas em consideração. Garrincha, Alegria do esse poder de atração. A segunda – mais sensata,
Povo condensa o dilema típico do cineasta que de- de acordo com o filme – explica que o futebol
seja filmar o futebol no Brasil. Não sabe se entrega teria uma função catártica, ajudando as pessoas a
à paixão e à beleza do jogo. Ou se procura manter desabafar as frustrações da vida cotidiana.
uma posição mais analítica, tentando decifrar as
implicações sociais dessa paixão e, nesse ato de Nesse ponto, a narrativa parece um tanto simplista.
racionalidade, arrisca-se a perder seu objeto de Mas lá onde ela falha, as imagens, na bem construí-
da montagem, falam melhor. Vai das imagens da um mérito forte do filme. Provavelmente – veja
época em que foi feito o filme, 1962, para aquelas que paradoxo – inspirada nas imagens lindas e
de 12 anos antes, a tragédia do Maracanã, a derro- despolitizadas do Canal 100.
ta por 2 a 1 diante do Uruguai na final da copa do
mundo de 1950. Vê-se o gol de Ghiggia, Barbosa, Subterrâneos
curvado, indo apanhar a bola no fundo da rede e, Até pelo título, Subterrâneos do Futebol, de Mau-
depois de encerrado o jogo, as pessoas chorando, rice Capovilla, assume essa vocação analítica. Esse
ou mudas, ou com o olhar vazio nas arquibancadas média-metragem faz parte do projeto do produtor
do Maracanã. A grande tristeza coletiva do Brasil, Thomas Farkas e junto a três outros filmes – Nossa
uma tragédia pior que Canudos, de que fala Nelson Escola de Samba, de Manuel Horácio Gimenez,
Rodrigues. Em seguida vêm as cenas alegres de Viramundo, de Geraldo Sarno, e Memória do
gol, gol de Garrincha, marcando naquele glorioso Cangaço, de Paulo Gil Soares – foi lançado como
jogo contra o Flamengo e entrando na meta com longa com o nome de Brasil Verdade (1965-1968).
bola e tudo. Uma celebração. Quer dizer, o futebol O título diz tudo: o cinema engajado da época
pode levar à mais profunda tristeza ou à euforia tinha a ambição de registrar um Brasil que não
114 mais intensa. Catarse, descarga de tensões. Ou, se conhecia. Mostrar ao País o seu próprio rosto, 115
para os diretores politizados do Cinema Novo, uma às vezes escondido do conhecimento público, e
forma maravilhosa, porém também muito eficaz, outras oculto pelo simples fato de estar sempre à
de alienação política. vista, como eram os casos do futebol, das escolas
de samba e das grandes migrações internas do País,
Essa interessante obra de análise sociológica tem sobretudo a do Nordeste em direção ao Sudeste.
ainda o mérito de não deixar de fora outro tipo de
imagem: a do homem da arquibancada, o homem Nesse clima, toda arte de ponta era muito poli-
pobre que se sente rei num domingo de Maracanã tizada, fosse teatro, literatura ou música. E, na-
vendo Mané jogar. São pessoas que não se vêem turalmente, cinema. Portanto, nada mais natural
mais nos estádios. Com o passar dos anos, o futebol que Subterrâneos do Futebol cumpra exatamente
elitizou-se e elas foram excluídas das arquibanca- o que promete. Busca bastidores, os desvãos do
das. A geral foi extinta no Maracanã. Essas pessoas jogo, a função da torcida, a maneira como os jo-
estão lá, no filme de Joaquim Pedro. Rindo e mos- gadores eram controlados (e no fundo explorados)
trando seu prazer a cada vez que Mané entorta pelos cartolas. Os dirigentes, que naquela época
um joão. Esse equilíbrio entre o que se passa no dispunham de um instrumento como a lei do pas-
gramado e o que acontece nas arquibancadas é se, exerciam verdadeira tirania sobre os atletas
116 117

Filmagens de Subterrâneos do Futebol


e estabelecia com eles uma relação semifeudal, A origem da ginga, do drible, da malemolência.
paternalista e pouco profissional. Em seguida, cenas da torcida. Corte para um trem
que chega à estação e desova uma multidão – são
Mas também não é negligenciado o fato de que os torcedores vindos do subúrbio para o estádio,
a paixão do futebol leva o torcedor à loucura e o para o jogo de domingo.
distrai da condição de explorado social. O futebol
é, de um lado, visto como espetáculo proporciona- Algumas jogadas do rei entram na tela. Uma per-
do por profissionais; de outro, como dispositivo de gunta, irônica: Você conhece esse moço? E quem
catarse e de conformismo social. Nessa estrutura, não conhece? Todos conhecem, santistas, corin-
jogador e torcedor seriam verso e reverso da mes- tianos, palmeirenses, o mundo todo. Pergunta-se
ma moeda, ambos partes fracas de uma estrutura ao torcedor: Por que você vem ao futebol? E ele
capitalista que os explora, de maneiras diferentes, responde, de maneira direta: Falto ao serviço, mas
porém complementares. não falto ao futebol. Outro diz que o futebol é o
esporte adequado para o brasileiro. O futebol é
Como acontecia com Garrincha, também em Sub- uma paixão nacional e essa constatação será re-
118 terrâneos algo escapa a esse dispositivo analítico corrente ao longo do filme. 119
tão bem calibrado. E o que escapa parece muito
claro quando depois ficamos sabendo do amor de Nem sempre o foco se prende ao estádio. A câme-
Maurice Capovilla por esse esporte, que praticou ra entra na intimidade dos clubes. Acompanha o
seriamente, a ponto de quase se tornar atleta treino do Palmeiras e entrevista um jogador muito
profissional, como o leitor poderá conferir em sua significativo – Luiz Carlos de Freitas –, o Feijão,
entrevista na parte final do livro. que trabalhou no filme O Rei Pelé (1963), de Car-
los Hugo Christensen, e faz questão de exorcizar
Então, a estrutura do documentário é bastante essa sombra que se abate sobre ele, a de ser uma
complexa: há, sem dúvida, o discurso sociológico. caricatura do melhor do mundo: Eu não sou Pelé,
Mas há, também, a pura curtição do jogo. As ce- tenho de ter a minha própria moral. Interessante
nas iniciais são muito plásticas e enfocam amoro- o uso aqui da palavra moral, utilizada pelo joga-
samente o contato dos jogadores com a bola. O dor. No filme, ele vive Pelé adolescente. O técnico
som de fundo é do berimbau e remete a uma das Vicente Feola, que lançara Pelé na seleção, diz a
interpretações correntes sobre a origem do estilo mesma coisa. O Feijão não pode ser o Pelé, tem
brasileiro – a influência da dança e da capoeira de ser ele mesmo. Ambos têm medo de que uma
sobre a plástica dos movimentos dos jogadores. identificação muito forte com Pelé o prejudique.
No treino, vemos outras figuras mitológicas, Ade- Aborda o caso de Zózimo, que se queixa do passe
mir da Guia, Julinho, Vavá. preso ao clube, das excursões seguidas, das concen-
trações que os afastam da família. E, pior, no caso
O documentário entra em outro tema, a contusão, particular de Zózimo, pois ele cai em desgraça. Ele,
esse fantasma na vida do jogador. Ouve o médico, jogador bicampeão mundial, vive esquecido numa
ouve também o próprio jogador. Mas a voz off do cidade pequena, acusado de suborno pelos dirigen-
locutor dá o significado final da cena: o jogador tes. A mulher dele se queixa das excursões, que a
teme a contusão, fica de fora de partidas importan- deixavam três meses longe do marido, sofrendo
tes, perde o bicho, e, se a ausência demorar muito dos nervos. Conclusão: o jogador é um operário,
tempo, pode ser esquecido pela torcida. uma mercadoria, sem vida pessoal, sem tempo para
A oposição é estabelecida entre jogadores e carto- a família, um explorado, apesar do alto salário que
las. O filme reproduz entrevistas com dirigentes do alguns deles recebem.
Santos, que falam da união da equipe, da comissão E a torcida? O filme corta para outra cena de es-
técnica, dos dirigentes, coesão essa que redundou tádio. Estoura uma briga na arquibancada, uma
120 na conquista de mais um título paulista. A monta- correria, a polícia distribuindo borrachadas. Um 121
gem é feita para que à fala do dirigente, de terno, jogador cai em campo. A voz em off comenta:
confortavelmente instalado em sua cadeira, se so- Por trás de cada jogada há um problema humano
breponham imagens dos jogadores se matando em escondido do público. A cena volta ao jogador
campo, cenas de uma partida ríspida disputada em caído, com uma contusão em aparência grave. A
terreno encharcado. A voz em off sublinha: Olha o voz então se dirige para a torcida: É uma válvula
tranco, no momento em que um jogador é derru- de escape; o futebol compensa a semana de baixos
bado pelo adversário. E lembra que a violência em salários.
campo não poupa nem mesmo uma lenda viva como
Pelé: São mais de 30 cicatrizes nas pernas! Passa-se E, enfim, todos os elementos estão reunidos para
então a uma rápida entrevista com Pelé. que se possa responder à pergunta central do fil-
me: Quem ganha com tudo isso?
Ele diz que o jogador é um escravo. Tem uma carrei-
ra curta, 15 anos no máximo e, se não fizer o pé- A seqüência não poderia ser mais dramática: um está-
de-meia, nesse período, estará perdido no futuro. dio em pânico, arquibancadas caindo, gente ferida,
O ponto de vista adotado agora é o do jogador, o o juiz (Armando Marques) saindo pelo túnel. Um tor-
filme se posiciona pelo jogador. cedor gritando. A torcedora-símbolo do Corinthians,
Elisa, também gritando. Tudo parece trágico, sem federações e clubes. Além dessa bagunça interna, o
sentido, caótico. Enfim, o filme, depois de mostrar Brasil iria se defrontar com outro inimigo na terra de
o espetáculo do futebol, revela também o avesso sua majestade – a violência em campo. No primeiro
desse espetáculo, como diz Jean-Claude Bernardet jogo, contra a Bulgária, o Brasil venceu por 2 a 0,
em Imagens do Povo (Bernardet, 2003, p. 53). gols de Garrincha e Pelé. Foi a última vez que os dois
astros jogaram juntos. Com os dois, o Brasil jamais
Nas seqüências finais, um torcedor do Santos, perdeu uma partida. Contra a Hungria, Pelé não jo-
completamente descontrolado, talvez bêbado, gou, contundido, e o Brasil perdeu por 3 a 1. E, com
comemora mais um título do seu time. Sim, há nele o mesmo placar adverso, 3 a 1, foi despachado de
histeria, alienação, o que se quiser. Mas na euforia volta para casa por um violento Portugal. Pelé, em
simples daquele homem, que naquele momento especial, foi caçado em campo. A palavra de ordem
se sente um rei do mundo, está também a essência da zaga portuguesa era não deixá-lo jogar.
do futebol. Que pode, sim, ser um fator de explo-
ração, conformismo, catarse. Mas nunca poderá Portugal avançou, mas acabou desclassificado
ser reduzido apenas a essas categorias de análise pelos donos da casa. A final foi entre ingleses e
122 do comportamento social. Vai além. Muito além alemães. Final discutível, com um gol inexistente 123
disso. E, sem dúvida, esse filme de vocação socio- validado para a Inglaterra. Um chute de Hurst no
lógica, consegue, talvez mesmo sem querer, captar travessão, que pingou sobre a linha e saiu. Mas o
também a magia do jogo, essa paixão desmedida juiz deu o gol. E a Inglaterra acabou vencendo em
do torcedor, a beleza da profissão de jogador de casa por 4 a 2. Os inventores do futebol tinham
futebol, apesar de tantos percalços. Nesse sentido, agora também um título mundial.
é dialético, contraditório, e, por isso mesmo, muito
interessante. O Jogo da Comédia
É curioso – mas bastante compreensível – que
Pouco depois do lançamento em cinema de Sub- mesmo nesse tempo em que se procura o futebol
terrâneos do Futebol, o Brasil vai à Inglaterra para para falar de outras coisas que vão além dele, como
tentar o tricampeonato. Diferentemente do que as relações sociais e econômicas da sociedade,
acontecera nas duas copas anteriores, nesta a sele- também sobre espaço para usá-lo como elemento
ção voltou às origens e esmerou-se na desorganiza- cômico. Nesse sentido vai a comédia O Homem
ção. Feola voltara à direção técnica e, a três meses que Roubou a Copa do Mundo (1963), de Victor
da estréia, convocou nada menos de 46 jogadores, Lima, com Ronald Golias, Otelo Zeloni e Renata
cedendo a pressões, querendo agradar a todas as Fronzi, quer dizer, os protagonistas do programa
124 125

Ronald Golias e Grande Othelo em O Homem que


Roubou a Copa do Mundo
de TV Família Trapo, de grande popularidade. O
filme tem um lado premonitório quando se lem-
bra que a Jules Rimet, depois de conquistada em
definitivo pelo Brasil na copa de 1970, viria a ser
roubada da sede da CBF e derretida pelos ladrões.
Consta que a taça verdadeira estava num precário
armário de madeira, onde era exposta, enquanto a
réplica descansava segura no interior de um cofre.
Como se diz: no Brasil, o humor saiu das mãos dos
profissionais.

Vários outros filmes cômicos da época incluem o


futebol em sua narrativa. Em Adultério à Brasileira
(1969), de Roman Stulbach, o marido se ocupa do
jogo pela TV, em companhia de amigos, enquanto Mazzaropi e Elisa em O Corintiano
126 a mulher o trai com um estudante. Em Como Vai, País como protagonista. Amácio Mazzaropi é o 127
Vai Bem?, um dos episódios de Uma Vez Flamen- torcedor fanático de O Corintiano (1966), filme
go, Sempre Flamengo (1969), Walkíria Salvá conta
de grande sucesso de bilheteria, que em sua pré-
a história de um torcedor fanático do Mengo e
estréia habitual, no Cine Art Palácio, na Av. São
seus problemas conjugais. Em O Rei da Pilantra-
João, teve até mesmo a presença do vice-gover-
gem (1969), de Jacy Campos, um malandro tenta
nador do Estado.
conquistar a mulher do próximo, mas é obrigado,
antes disso, a apitar um jogo de várzea. Os exem- Como outros produtos da linha Mazzaropi, O
plos poderiam se multiplicar. Nesses filmes – em Corintiano é bastante ingênuo, mas tem lá seus
geral muito modestos – está lá, o futebol, como encantos ao mostrar um Pacaembu ainda sem o
elemento narrativo, de importância variável, mas
tobogã e com a tradicional estátua de Davi (réplica
sempre fornecendo situações interessantes e tipos
do Davi de Michelangelo), que ninguém sabe aon-
cômicos, usados pelos diretores para melhor se
de foi parar. Mané, o personagem de Mazzaropi,
comunicar com o público.
contracena com a torcedora-símbolo do Timão,
Outra comédia dos anos 60 utiliza o futebol como Elisa, em cenas de arquibancada. A história é a de
enredo e um dos humoristas mais populares do um barbeiro fanático pelo Corinthians, que vive
em conflito com os vizinhos palmeirenses e com O Corintiano fosse entretenimento privativo da
seus próprios filhos, o rapaz, que deseja estudar torcida do Corinthians. Mesmo porque a mensagem
Medicina, e a moça, aspirante a bailarina. Mané final era de confraternização, com corinthianos e
lamenta que o filho queira estragar os olhos em palmeirenses convivendo, apesar das rivalidades, e
cima dos livros quando poderia dar um excelente o empedernido Mané perdoando o filho por seguir
centroavante. E hostiliza a filha, porque dançarina a carreira médica e a filha por escolher o bailado.
não é profissão de moça séria.
Enfim, nessa comédia brejeira fica o testemunho
O Corintiano é isso – um filme popular, no bom daquilo que experimentamos até hoje e já era re-
sentido do termo, destinado ao grande público, alidade então e muito antes: o futebol, no Brasil,
e que toma como elemento narrativo o futebol, funciona como eficiente moeda de troca simbólica.
este como sempre gozando de grande prestígio. O Numa sociedade tão heterogênea como a brasileira
perigo de adotar o ponto de vista de um dos clubes é um tema que unifica e cria uma espécie de lin-
– mesmo sendo o de maior torcida no Estado – não guagem comum, um esperanto entre classes sociais
escapou ao esperto Mazzaropi. diferentes e pessoas de formação cultural muito
128 diversa. Apesar das nossas rivalidades e diferenças 129
Tanto assim que, nos letreiros iniciais do filme, lê- nos entendemos entre nós. E a rivalidade, desde
se a seguinte mensagem ao distinto público: Este que não descambe em briga, é sempre preferível
filme conta uma história que não aconteceu, mas ao desconhecimento recíproco.
que podia ter acontecido. É uma homenagem a
todos os clubes de futebol do Brasil e seus joga- Por fim, é interessante notar como nesse filme o
dores. Não há nem houve intenção de exaltar ou futebol aparece como é, ou era e sempre deveria
desmerecer um ou outro e sim dar ao grande pú- ser: uma festa popular, um esporte entranhado no
blico que prestigia o esporte momentos de diversão cotidiano das pessoas.
e entretenimento.
O Jogo do Melodrama
Nos extras do DVD de O Corintiano vemos cenas Seria previsível também que, nesse mesmo perío-
da pré-estréia no Art Palácio, com a fachada do do, o futebol fosse tratado de maneiras diferen-
cinema decorada pelos escudos dos principais clu- tes, e não apenas pelo prisma da análise política
bes paulistas. Mazzaropi não brincava em serviço ou da comédia. Afinal, nem todos os membros
e, com esse tipo de cautela, era recompensado na da comunidade cinematográfica brasileira eram
bilheteria. E, de fato, não ocorria a ninguém que comediantes ou intelectuais de esquerda. Nem
ingredientes dignos do melhor folhetim. Afinal,
não é sempre que um menino vindo da pobreza
se alça à condição de maior atleta do mundo – e
em tão pouco tempo. Pelé ganha fama interna-
cional já em 1958 quando se torna campeão com
apenas 17 anos. A biografia é escrita no início dos
anos 1960, quando sua carreira estava apenas no
começo, mas merecia um livro, tanto ele havia
aprontado com a camisa do Santos e da seleção. E,
no entanto, um Pelé cheio de consciência fala em
parar, em aposentar-se quando estiver no auge,
sem enfrentar a decadência física que é o pavor
de todos os jogadores.
Cena de O Rei Pelé Fala também do resgate familiar que representou
130 mesmo nos anos 60. E, assim, não deixa de ser a conquista da copa do mundo na Suécia, ao se 131

curioso verificar que, se um dos dois grandes ídolos lembrar do pai, triste, depois de ouvir pelo rádio
da época, Garrincha, inspirou filme tão crítico, o a derrota do Brasil em 1950. O pai é sempre uma
outro, Pelé, esteja na origem de uma cinebiografia presença marcante na vida do craque.
mais inclinada para o sentimentalismo. Estamos fa- Ex-jogador, Dondinho teve de parar cedo por causa
lando de O Rei Pelé (1963), do argentino radicado de um problema no joelho. Ao ver o pai desani-
no Brasil Carlos Hugo Christensen, que se baseou mado depois do jogo contra o Uruguai, o menino,
no livro Eu Sou Pelé, memórias precoces do craque então com nove anos de idade, e já bom de bola
ditadas a Benedito Ruy Barbosa. Na adolescência, nos campinhos de Bauru, lhe promete que um dia
Pelé é interpretado pelo jogador Luiz Carlos de irá conquistar uma copa do mundo. Para reparar
Freitas, o Feijão, que já vimos como personagem a dor do pai. Será sempre assim. Mundialmente
de Subterrâneos do Futebol. consagrado, a cada entrevista Pelé dirá que Don-
dinho era ainda melhor do que ele. Que teria ido
E é também claro que o futuro teledramaturgo de longe, não fosse o problema do joelho. Quando
Os Imigrantes, Pantanal e Terra Nostra encontrou o entrevistei a propósito do lançamento de Pelé
na biografia de Édson Arantes do Nascimento Eterno, de Anibal Massaini, disse que havia batido
todos os recordes de um futebolista, menos um, o
de Dondinho (àquela altura já morto), que havia tão difícil retratá-lo no cinema, ou em qualquer
marcado cinco gols de cabeça no mesmo jogo. Nes- arte: coloca-se a ênfase em uma faceta, ficam fal-
se ponto, nem mesmo o rei havia passado o pai. tando as outras. Tenta-se apanhar o todo, cai-se
na dispersão.
O menino pobre de Três Corações, que cedo se
mudou com a família para Bauru, teve de fato uma Retratar o futebol é como dormir com um cobertor
vida de novela mexicana. Boa e estável família, curto. Temos de optar entre proteger o peito ou
muito modesta, exigira que ele colaborasse para os pés. Foi assim de meados dos anos 50 até o final
o orçamento engraxando sapatos. A caixa de en- da década de 60, com o futebol relacionando-se
graxate do garoto Dico, que era como a família o com cinema das mais diversas maneiras.
chamava, hoje é peça de museu. A caixa de sapatei-
ro aparece, em certo momento, em Subterrâneos No país, os anos dourados perdiam o brilho. Jusce-
do Futebol. De modo que essa vida, essa façanha lino inaugurou Brasília em 1960 e passou o poder
de realização pessoal de alguém vindo do nada no ano seguinte para um instável Jânio Quadros,
e que se impõe pelo talento, fornecia material que renunciou sete meses depois. Subiu o vice, João
132 saboroso para o cinema. Mas também é evidente Goulart, em meio a uma crise militar. Numa socie- 133
que, quanto mais o material se presta natural- dade de ânimos crispados, as posições contrárias
mente para o melodramático, mais o diretor tem foram ficando cada vez mais acirradas ao longo
de se esforçar para segurar o tom e não deixá-lo do seu curto mandato. Até que em 31 de março
escorregar para a pieguice. Como Christensen nem de 1964 veio o golpe militar e levou o marechal
sempre se contém, o filme não foi lá muito bem Humberto de Alencar Castello Branco à presidên-
recebido pela crítica. E de fato não é memorável, cia. Apesar do golpe, com suas arbitrariedades,
mas marca a primeira tentativa do cinema em re- havia ainda alguma liberdade no País e as artes
fazer a trajetória do rei. floresciam nessas frestas. Mas o enfrentamento
entre direita e esquerda continuava muito forte e
O futebol, no Brasil, é tão importante e abrangente iria desaguar no criativo e também trágico ano de
que desafia classificações muito rígidas. Festa po- 1968, quando então começaria fase mais violenta
pular, escapismo, alienação, fator de integração da ditadura com a edição do Ato Institucional
social, celebração, veículo de ascensão social das nº 5, em 13 de dezembro.
classes populares, tema cômico, enredo melo-
dramático. O que é o futebol para o brasileiro? Sob a violência militar, o país ia se encaminhando
Provavelmente tudo ao mesmo tempo. Por isso é para um final de década muito sombrio. Os sonhos
de transformação social ficavam para trás, com a Capítulo 3
democracia. O Congresso foi fechado e políticos
da oposição, cassados; artistas tiveram de deixar Batendo Bola nos Anos de Chumbo
o país, e o Cinema Novo acabou, nessa onda de Amigos, glória eterna aos tricampeões mundiais.
pânico e intimidação. Havia presos políticos nos Graças a esse escrete, o brasileiro não tem mais
porões da ditadura. vergonha de ser patriota. Somos 90 milhões de
brasileiros, de esporas e penacho, como os Dragões
Torturava-se e matava-se no Brasil do milagre eco-
de Pedro Américo.
nômico, slogan criado pelo regime para expressar
Nelson Rodrigues
o crescimento do país. O Globo
22 jun. 1970
Enquanto isso, a seleção preparava-se para disputar
a copa do mundo no México, e uma excepcional Quando Carlos Alberto Torres recebeu o passe de
geração de atletas, comandada pelo treinador João Pelé e acertou a bola na veia, sem apelação para
Saldanha, prometia ser a sensação. Ao veterano o goleiro Albertosi, começava a festa da conquista
Pelé somavam-se jovens como Roberto Rivellino do tricampeonato. 4 a 1 sobre a Itália, uma aula de
134 futebol que coroava a estupenda campanha do Mé- 135
e Clodoaldo, além de outros fora de série como
Tostão, Gérson, Jairzinho e Carlos Alberto Torres. xico. A seleção canarinho, como a chamavam, trazia
A campanha do tri estava apenas começando. O para o Brasil da ditadura Médici a copa Jules Rimet,
país vivia seus anos de chumbo. Mas aquele escrete em definitivo, pois era o primeiro país a vencer três
faria História. campeonatos mundiais em toda a história.
Na decisão, o Brasil jogou com Félix (Fluminense),
Carlos Alberto (Santos), Brito (Flamengo), Piazza
(Cruzeiro), Everaldo (Grêmio); Clodoaldo (Santos)
e Gérson (São Paulo); Jairzinho (Botafogo), Tostão
(Cruzeiro), Pelé (Santos) e Rivellino (Corinthians).
Coloco os times de origem dos titulares para que o
leitor faça uma comparação mental com as seleções
contemporâneas.
Era o fim de um longo percurso de reformulação
do selecionado, que fora tão mal na copa da Ingla-
terra. Três técnicos se sucederam, sem grandes
resultados – Aymoré Moreira, Osvaldo Brandão e Romênia, 4 a 2 no Peru, 3 a 1 no Uruguai, e 4 a 1,
Zagallo – até que o país foi surpreendido com a na final, contra os italianos. Seis jogos, seis vitórias,
escolha do jornalista João Saldanha, que já havia 19 gols a favor, 7 contra.
sido treinador do Botafogo. Homem de tempe-
ramento forte, polêmico e membro do banido Aos 29 anos, o míope Pelé fez a sua melhor copa
Partido Comunista, Saldanha foi logo anunciando desde que começara a disputar mundiais, em 1958.
um time de feras para enfrentar as eliminatórias. Comandou uma equipe de craques, jogou todas as
E, de fato, com suas feras o Brasil jogou seis vezes partidas, marcou quatro gols e inventou algumas
e ganhou as seis, fazendo 23 gols e sofrendo 2. jogadas de antologia, como o chute do meio de
campo contra o goleiro Viktor, da Checoslováquia,
Mas, no começo de 1970, os resultados não eram os e o drible de corpo sobre Mazurkiewicz, goleiro do
mesmos. Pressionada pela cúpula militar, a então Uruguai. Houve também a famosa cabeçada espal-
Confederação Brasileira de Desportos, presidida mada por Gordon Banks, da Inglaterra, para muitos
por João Havelange, procurava um pretexto para uma das maiores defesas de todos os tempos. São
demitir João Saldanha. E ele veio quando Saldanha três dos mais famosos gols não concretizados de
136 ameaçou com um revólver seu desafeto, o técni- todos os tempos, com certeza. 137
co do Flamengo, Yustrich. A comissão técnica foi
desfeita e Saldanha, ao ser demitido, soltou uma A Jules Rimet chegava a um país dividido. Os gran-
bomba sobre o país: Pelé não poderia disputar a des órgãos de comunicação, que, em sua maioria,
copa pois tinha miopia em alto grau. Não enxerga- haviam apoiado o golpe militar, agora viviam sob
va mais a bola, sobretudo em partidas noturnas. censura. O país crescia a taxas espantosas, o que
garantia o apoio silencioso de boa parte da classe
Assumiu Zagallo que, com o juízo no lugar, preser-
média. Os empresários faziam seus negócios e, na
vou a base da seleção de Saldanha e convocou mais
superfície, tudo parecia tranqüilo – a paz dos ce-
cinco jogadores – entre os quais o centroavante
mitérios, pois os estudantes não podiam protestar,
Dario, que, se dizia, era o queridinho do general
os operários não podiam se reunir, os sindicatos
Emílio Garrastazu Médici e cuja não convocação
viviam sob intervenção. Havia uma guerrilha em
teria sido uma das causas da queda de Saldanha.
andamento no Araguaia, mas quase ninguém sabia
Há quem ache a hipótese delirante.
disso. Quem ousava se opor, sumia. O clima era de
A campanha de 1970 foi irretocável. 4 a 1 contra pânico contido, intolerável, como sabe quem viveu
Checoslováquia, 1 a 0 sobre a Inglaterra, 3 a 2 na aquele período com um mínimo de consciência.
A conquista do tri representou um raro momento É apenas o registro de uma carreira futebolística –
de euforia popular. Não se sabe se essa alegria ainda por se desenvolver. E centrado, em especial,
contribuiu para atrasar a tal da roda da história ou nas partidas das eliminatórias para a copa. Nesse
se ela teria feito seu movimento lento da mesma sentido, como documento, é interessante.
maneira, caminhando para um processo de rede-
mocratização que só se completaria 15 anos depois Feito antes da copa, o filme não poderia trazer os
daquele chute antológico de Carlos Alberto Torres grandes momentos de Tostão, ou pelo menos aque-
contra a meta do goleiro italiano. les que ficaram registrados internacionalmente
na dobradinha infernal com Pelé. Gols e jogadas
Pouco antes da campanha no México, era apresen- decisivas para a campanha, como por exemplo
tado um documentário tendo como protagonista aquela em que ele protege a bola e dribla meia
aquele que seria um dos responsáveis pela con- defesa adversária; atrai os zagueiros para aquele
quista, Tostão, a Fera de Ouro (1970), de Paulo lado do campo e cria o espaço para a infiltração
Leander e Ricardo Gomes Leite. O filme traça um de Pelé, que então recebe a bola e rola para o gol
perfil, parcial, da carreira de Eduardo Gonçalves de Jairzinho, na mais difícil das partidas de 1970,
138 de Andrade, o Tostão, indo da infância, através de o suado 1 a 0 contra a Inglaterra. 139
depoimentos, até as vésperas da copa de 1970. No
entanto, Tostão quase não foi ao México, pois so- Essa e outras jogadas de Tostão e de todo o sele-
freu um grave problema de saúde, o descolamento cionado iriam aparecer com detalhes um pouco
de retina causado por uma bolada que levou no depois em Brasil Bom de Bola (1970), o badalado
olho quando jogava em seu time, o Cruzeiro de documentário de Carlinhos Niemeyer sobre a copa
Belo Horizonte. do México. A esse belo filme se associou um fato
escabroso – e que só poderia se produzir naqueles
O filme mostra a aflição com a cirurgia em Houston anos de chumbo da ditadura militar. Brasil Bom de
mas, antes disso, destaca o jogador inteligente, que Bola foi o escolhido para substituir outro docu-
sabia jogar com a bola e sem ela. Num momento mentário, País de São Saruê, de Vladimir Carvalho,
difícil para o país, o documentário é extremamente vetado pela censura para concorrer no Festival de
neutro. Mantém seu foco no ídolo e dele não se Brasília de 1971.
afasta. Ao contrário dos documentários da época do
Cinema Novo, este não extrapola jamais o campo de Vladimir, paraibano, irmão do diretor de fotografia
jogo, por assim dizer. Conserva o futebol num plano Walter Carvalho, nessa época radicado em Brasília,
de assepsia e dele não tira nenhuma conclusão. apresentou ao festival essa obra que fala das difí-
ceis condições sociais no Vale do Rio do Peixe, na a abertura política conduzida por Geisel e Gol-
Paraíba. Desde sua criação, e até hoje, o Festival bery. Só então, depois de nove anos de geladeira,
de Brasília é o mais politizado do Brasil. É também pôde, finalmente, concorrer no mesmo Festival de
o mais antigo. Fundado em 1965 por gente como Brasília, quando então ganhou o Prêmio Especial
Paulo Emilio Salles Gomes e outros professores da do Júri. Mesmo assim desconfia-se que tenha sido
então recém-inaugurada UnB, realiza-se no centro um troféu de consolação, pois havia ainda uma
do poder político do país. Naquela época compli- má vontade institucional que impedia o filme de
cada, o que acontecia em Brasília repercutia mais, receber o prêmio principal.
tornava-se grave, nevrálgico, agudo.
Brasil Bom de Bola não tinha nada a ver com essa
E, em 1971, tudo o que o governo do Brasil Grande confusão toda e, se entre cineastas e críticos aca-
não queria saber era de um filme que mostrava o bou marcado pelo episódio, nem por isso deixa de
que havia por trás dessa fachada publicitária do país ser um belo documento sobre o futebol brasileiro,
cujo PIB crescia 10% ao ano, ao mesmo tempo que com a grife de qualidade Canal 100, dirigido por
aumentavam também os bolsões de pobreza nas Niemeyer.
140 grandes cidades e no campo. Dessa maneira, O País 141
de São Saruê, com sua radiografia da miséria nordes- Que Bonito É...
tina, não conseguiu obter o certificado liberatório da Na entrevista que concedeu a este livro, o cineasta
censura, e acabou substituído pelo documentário de João Moreira Salles afirma que ninguém filmou
futebol de Carlinhos Niemeyer. Entrando no festival o futebol brasileiro com a qualidade estética do
pelas portas dos fundos, Brasil Bom de Bola acabou Canal 100. Oswaldo Caldeira diz a mesma coisa
execrado pela maior parte da crítica. Menos por aqui- e esta opinião é uma quase unanimidade entre
lo que era, como filme, do que pelas circunstâncias quem gosta de cinema e de futebol. Também é
políticas de sua apresentação no festival. um consenso entre especialistas que a excelência
do Canal 100 se deve ao câmera Chico Torturra,
Com a crise aberta pela desclassificação de Saruê, segundo Caldeira o maior cinegrafista de futebol,
e também de outro concorrente, Nenê Bandalho, do Brasil e do mundo, em qualquer tempo.
de Emílio Fontana, o festival foi suspenso durante
três anos. Só voltou a ser realizado em 1975. Exagero? Não sei. Mas, de fato, não me lembro de
ter visto imagens tão plásticas e impressionantes
O festival voltou, mas Saruê continuou sem o visto como aquelas do Canal 100, sempre acompanhadas
dos censores. Conseguiu obtê-lo em 1979, durante da música Na Cadência do Samba (“Que Bonito
é...”), de Luiz Bandeira. O Canal 100 ajudou a difun- disparando nas bilheterias é uma vitória da objeti-
dir a imagem do futebol brasileiro pelo país. Ficaram vidade somada à técnica, à bossa, ao amor e à ex-
célebres suas inserções nos cinejornais, e os primei- periência – enfim, de virtudes semelhantes às que
ros acordes de Na Cadência do Samba têm até hoje nosso futebol demonstrou na conquista da copa
o efeito de uma verdadeira madeleine proustiana 70. A vibração de aficionado de Carlos Niemeyer,
para os torcedores mais veteranos, que aprenderam a vivência documentária da equipe do cinejornal
a amar o futebol brasileiro nas sessões da tarde Canal 100, os conhecimentos cinematográficos, o
dos cinemas. Nossos pais nos levavam aos velhos equilíbrio e o calor humano do crítico, torcedor e
cinemas de rua e, antes dos filmes propriamente agora cineasta Alberto Shatovsky produziram um
ditos, tínhamos de agüentar aqueles noticiários precioso documento, um espetáculo, uma festa –
caretas, com suas chatíssimas inaugurações de obras Brasil Bom de Bola – seguramente o melhor filme
e solenidades políticas. Tédio que era quebrado, brasileiro sobre o futebol.
para nosso alívio, pela musiquinha de Luiz Bandeira
anunciando o que realmente interessava – o futebol Em seguida, no mesmo texto, o crítico enumera os
na tela grande. Era uma festa. documentários áridos em torno do esporte-paixão,
142 segundo ele meras acumulações de gols e dribles, 143
As tomadas de câmera junto ao pé dos jogadores, sem encontrar a confluência do documento com
em discreto slow motion, os enquadramentos ou- o espetáculo. E, ao elogiar Niemeyer, aproveita
sados e caprichados, a participação das imagens para dar um chute de bico em Garrincha, Alegria
da torcida no espetáculo – tudo isso fez do Canal do Povo, que aproximou-se da meta, mas preferiu
100 um marco histórico no registro fílmico do fu- a área pedante do chamando cinema-verdade e a
tebol nacional. E Brasil Bom de Bola não passava doce embriguez da filigrana ensaística.
de um Canal 100 ampliado, e focado num tema,
a conquista do tri no México, talvez até hoje a Brasil Bom de Bola é um panorama filmado da
copa do mundo que mais marcou a imaginação história do jogo no Brasil – e de como aqui ele se
de uma geração inteira de torcedores, embora o adaptou tão bem. Retrata os craques do passado,
Brasil tenha conquistado mais dois títulos mundiais como Leônidas, Ademir e Heleno e os do presente
depois daquele. (estamos no início dos anos 70), Garrincha, Pelé,
Tostão. Fala dos juízes, das malandragens em cam-
O filme mereceu resenha elogiosa de um dos po, torna-se um pouco melodramático ao abordar
mais influentes críticos de cinema da época, Ely o problema de saúde de Tostão que ninguém sabia
Azeredo: A goleada que Brasil Bom de Bola está se iria jogar depois do descolamento de retina.
Mas mesmo uma resenha tão favorável quanto maravilhas para servir como símbolo do assim
a de Ely Azeredo não podia ignorar que o filme chamado Brasil Grande, logotipo do país ideal
passa como gato em cima de água fria sobre um criado pelos órgãos de propaganda do regime
dos episódios mais polêmicos da copa de 1970 – militar. O ditador de plantão não se furtava a ser
a substituição de João Saldanha, comunista de filmado e fotografado com o radinho de pilha no
carteirinha, por Zagallo, às vésperas da compe- ouvido, acompanhando as façanhas de Pelé, Ger-
tição. son, Rivellino & Cia. no México. O ambiente era
de nacionalismo tacanho, que falava de um país
Enfim, deter-se nesse ponto poderia ser bastante cuja economia crescia mais que a média mundial
incômodo num país que vivia sob ditadura militar, e se dava ao luxo de construir obras faraônicas
em sua fase mais violenta, além de politizar alguma como a Transamazônica e a Ponte Rio-Niterói. Os
coisa que, em tese, deveria ficar além ou aquém dividendos da suposta prosperidade não eram
da política – o bom e popular futebol brasileiro e bem distribuídos. O próprio general Médici viu-
a sua maior expressão, a seleção nacional. se obrigado a admitir que a economia ia bem
enquanto o povo ia mal. Que isso não servisse de
144 Mas até as marquises do Maracanã sabem que não 145
álibi para a oposição se manifestar. Para os insa-
é assim e que não existe esporte mais propenso à tisfeitos, o regime mandava o recado primário:
utilização política do que o futebol, cuja história, Brasil – Ame-o ou Deixe-o, indicando a porta da
aliás, poderia ser contada seguindo-se a sua apro- rua para quem tivesse críticas a fazer.
priação pelos poderosos de cada hora. Da ênfase
nacionalista de Getúlio Vargas às metáforas bolei- Nesse clima, Brasil Bom de Bola era o que dele se
ras do presidente Lula, o esporte bretão sempre esperava, apenas um bom filme sobre futebol e
se prestou muito bem à função de ponte entre sobre a façanha desse esporte no exterior, trans-
governantes e o povo. Digamos assim: o futebol formada em vitória de toda uma nação. Reafirma
assume o papel de uma linguagem comum entre o que o Canal 100 tinha de melhor: intuía que o
os de cima e os de baixo. Uma espécie de esperanto futebol em geral, e cada jogo em particular, deveria
social. ganhar na tela a forma de uma narrativa, de uma
pequena história com tensão dramática própria.
E aquela seleção de 1970 – eleita em 2005 pelos Foi o que fez o Canal 100 durante os seus anos de
ouvintes da BBC o mais perfeito conjunto es- atuação (1959 a 1986), produzindo seu infalível
portivo de todos os tempos – se prestava às mil cinejornal a cada semana.
O Futebol e a Política nada correspondia ao país real. Este ia muito mal.
Esse relacionamento forçado entre futebol e polí- Apesar do crescimento da economia, nada fora
tica, com o uso que a ditadura fez da conquista do feito para diminuir os terríveis abismos que sepa-
tricampeonato no México, não seria discutido de ravam classes sociais. A democracia fora abolida.
forma direta pelo cinema no calor da hora. Mesmo E quem se aventurasse a discordar pagava com o
porque não havia clima para isso. exílio, a prisão, perseguições de todo o tipo até
a morte. Mas o futebol jogado era exuberante. E
Entre a esquerda, que havia percebido o risco da vencedor. Ofensivo e competente, adequava-se,
utilização ideológica do futebol pelo regime, criou- como nenhuma outra atividade, à imagem do país
se a ilusão de que seria possível fazer as pessoas que vai para a frente que o regime desejava passar
torcerem contra a seleção. Era uma esperança que para a sociedade. Por isso foi instrumentalizado e
só poderia surgir na cabeça de quem não levava não por sua culpa.
em conta a importância do futebol no imaginário
do brasileiro – mesmo que esse brasileiro fosse Os jogadores campeões foram recebidos pelo ge-
politizado, consciente, de esquerda e contrário neral Médici. Mas nesse aspecto, nada foi diferente
146 ao governo. Porque se podia muito bem lutar em relação a outros times vencedores, também 147
contra a ditadura e ser a favor da seleção, como acolhidos pelos presidentes no poder. A seleção
se viu depois. No calor da hora, não se percebeu o de 58, por Juscelino; a de 1962 por Jango; a de 94
fundamental: o que não se podia tolerar era que por Itamar Franco, a de 2002 por Fernando Hen-
um bem cultural como a seleção fosse apropriado rique Cardoso. Todos os poderosos se aproximam
pelo poder espúrio. Era o que deveria ter sido dito do futebol, se alimentam de sua aura popular, e
– caso houvesse a possibilidade de fazê-lo sem assim o também o fizeram Mussolini, Hitler, Franco
correr sério risco de vida. e outras amáveis figuras do século XX. Continuará
a ser assim no século XXI. É inevitável.
No entanto, trata-se de uma cegueira da esquerda
no mínimo compreensível, dadas as circunstâncias. De toda forma, mesmo num clima eufórico como o
O futebol, durante a vigência do AI-5, era visto da copa de 1970, a coesão interna do país era uma
não como um fator de alienação, como fora nos miragem, um fino verniz que encobria contradições
filmes dos anos 60. Era, para esses setores, algo muito sérias. Esse descompasso entre aparência e
ainda pior. Servia como disfarce sob o qual se realidade seria objeto de um longa-metragem ape-
acobertava um regime assassino. Fornecia a ele nas 10 anos depois. Pra Frente, Brasil, de Roberto
uma capa ideológica perigosa, vistosa e que em Farias (mesmo diretor de Assalto ao Trem Pagador,
Noventa milhões em ação
Pra Frente Brasil, do meu coração
Todos juntos vamos
Pra Frente Brasil, salve a seleção
De repente é aquela corrente pra frente
Parece que todo o Brasil deu a mão
Todos ligados na mesma emoção
Tudo é um só coração.

Noventa milhões era a população da época e a


seleção dava essa liga, a argamassa que fazia um
país sabidamente rachado dar-se as mãos, ser um
só, sem divisões de classes ou interferência de ide-
ologias exóticas, com um único objetivo, vencer,
afirmar-se. Um povo coeso, como desejavam os
148 militares. Não havia, portanto, melhor plataforma 149
ideológica do que aquele magnífico time, repleto
de craques, que jogava como uma orquestra afi-
nada e disciplinada. Talentos individuais que se
somavam para o bem comum do conjunto.

O filme de Farias irá mexer nesse tema em outro


momento histórico, tanto do futebol como da po-
lítica brasileira. No começo dos anos 1980, quando
Pra Frente Brasil é lançado, o futebol brasileiro não
era tão vencedor como antes e nem a ditadura pa-
recia tão sólida como na época do milagre. Aquela
geração magnífica, que levantara o caneco no Mé-
clássico do cinema policial brasileiro), chama-se xico, havia parado de jogar, ou estava envelhecida.
assim por causa da marchinha ufanista de Miguel As copas de 1974 e 1978 haviam sido perdidas.
Gustavo usada como tema das emissoras que trans- Estava agora surgindo nova e também extraor-
mitiam os jogos do escrete: dinária safra, com craques como Zico, Sócrates,
Falcão, Júnior. E o próprio regime militar não era O filme foi financiado pela empresa e era para se
o mesmo. Não se sentia mais eterno e, pressionado chamar Uma Questão de Liberdade. Farias optou
de fora e minado por dentro, procurava uma saída pelo nome que entendeu ser mais significativo, o
honrosa (ordenada, segundo o espírito da caserna) título da marchinha da conquista do tri. Amigos
para devolver o governo aos civis. aconselharam-no a não fazer isso, pois poderia soar
como provocação e complicar a situação do filme
Para comentar esse momento tão particular da numa época em que ainda havia censura prévia
nossa história, Farias, a partir de um argumento de no País. Pra Frente, Brasil venceu o Festival de
Paulo Mendonça, criou um personagem inocente, Gramado de 1981, mas levou um ano inteiro para
nem de esquerda nem de direita, simplesmente receber o atestado liberatório da censura. Farias
apolítico. pensou em apelar para o Conselho Superior de
Censura, mas foi dissuadido pelo jornalista Pompeu
Vivido pelo irmão do diretor, Reginaldo Faria, esse
de Souza, que integrava o Conselho (sobre o qual
personagem é confundido com um perigoso opo- Millôr Fernandes comentou que o nome era uma
nente do regime. Detido, desaparece nos porões da contradição: se era superior, não podia ser de cen-
150 ditadura, onde passa o diabo, como acontecia com sura). Em todo caso, Pompeu, que sabia com o que 151
aqueles que ousavam desafiar o poder. Como pano lidava, pois muito antes fora grande combatente
de fundo, a campanha do Brasil no México, com na liberação de Rio 40 Graus, proibido em 1955,
Pelé, Tostão, Gérson & Cia. encantando o mundo disse a Farias: Roberto, não apele para o Conselho
e despachando adversários, um após o outro. Superior de Censura agora (1982). Enquanto não
passarem as eleições (era o ano de eleição para
O fato é que um filme como Pra Frente Brasil só se
governadores) e a copa do mundo (havia a copa
tornou possível mais de dez anos depois do momen-
do mundo da Espanha), eles não vão deixar passar
to histórico que descreve. E, mesmo assim, causou
o seu filme. O Conselho Superior de Censura vai
muitos problemas ao seu diretor, o cineasta Roberto
negar a liberação porque o governo tem maioria
Farias. Ele não era um esquerdista perigoso. Muito
de votos dentro do conselho. É melhor você esperar
pelo contrário, fora presidente durante quatro anos
um pouco para poder ganhar, pelo menos, um voto
da Embrafilme (a empresa estatal do cinema brasi-
do lado deles, e vencer (Simis, 2005, p. 22).
leiro) na época da ditadura. Mas no tempo de Pra
Frente Brasil, a Embrafilme era dirigida por Celso Dito e feito. Conforme a previsão de Pompeu de
Amorim, que, 20 anos depois, viria a ser ministro Souza, passada a copa e passadas as eleições, o
das Relações Exteriores do governo Lula. filme foi liberado para exibição pública. Fez um
milhão e meio de espectadores no País, segundo que a questão racial e a intolerância dos franceses
depoimento do próprio cineasta. para com os imigrantes eram problemas superados
na pátria dos direitos humanos. O que está longe de
Apesar de suas notórias insuficiências dramatúrgi- ser verdade, como atestam os conflitos da periferia
cas, Pra Frente Brasil é um marco, uma das poucas parisiense de 2005 e 2006. A unidade na diversidade,
obras brasileiras que se propõem a debater a utili- festejada por Jacques Chirac ao som da Marselhesa e
zação política do futebol. Não discute a excelência simbolizada pelo time de Zinedine Zidane, Thuram,
daquela seleção brasileira, nem questiona o fato
Henry e Trezeguet, não passava, como se viu, de
de que o futebol tenha se tornado, no Brasil e em
vistosa capa ideológica – tão falsa quanto aquela do
outras nações fanáticas por ele, uma expressão
Brasil Grande, vendida pelo general Médici em sua
da cultura desses países, o que tornava ridícula a
época.
disposição de torcer contra a seleção, pois seria
torcer contra nós mesmos. Mas, claro, após a conquista em definitivo da Taça
Jules Rimet no México, o tom predominante foi
Mas o filme deixava claro que o futebol podia servir,
mesmo o ufanismo. Além do referido Brasil Bom
isto sim, como camuflagem muito eficaz para a vio-
152 de Bola, apareceu no mesmo ano outro filme sobre 153
lência que campeava no país durante a ditadura.
a conquista, Parabéns, Gigantes da copa, de Hugo
Nesse ponto, como em tantos outros, o Brasil não Schlesinger, usando imagens do mundial do México
inovou. Antes de Médici e depois dele, o futebol e também dos campeonatos de 58, 62 e 66. Pouco
foi indevidamente usado para maquiar problemas depois, em 1974, viria Brasil Tricampeão, de Rogério
e/ou dar uma ilusão de unidade que de fato não Martins, ainda celebrando o grande feito conseguido
existe. Basta lembrar o que aconteceu na Argenti- pelo escrete nos campos mexicanos.
na durante a copa de 1978, lá realizada durante a
violentíssima ditadura militar de Jorge Videla. Outros filmes pegavam carona na segunda das paixões
nacionais, e que tinha muito a ver com a primeira – a
Aliás, esse fenômeno de acobertamento, mais febre nas apostas na Loteria Esportiva, também criada
chocante quando acontece em ditaduras, nem em 1970 e que acenava aos torcedores com o sonho
mesmo é privilégio delas. Pode ser visto nas mais de fazer a independência econômica acertando os
antigas e sólidas democracias. Em 1998, a França resultados dos treze jogos da rodada. Nessa linha
sediou e ganhou a copa do mundo, derrotando o apareceram Como Ganhar na Loteria sem Perder
Brasil na final por 3 a 0. Venceu com uma seleção a Esportiva,de J. B. Tanko, O Bolão, de Wilson
multiétnica, em seguida saudada como prova de Silva, e Tô na Tua, Bicho, de Raul Araújo, todos
de 1971. O tom deles é o da comédia de costumes, Anos Magros
glosando a esperança do brasileiro em sair do miserê O futebol brasileiro, que iniciara tão bem a década
por meio do expediente que implica menos esforço. de 1970, começou logo a fazer água. Aquela mara-
Histórias singelas como a do homem que manda a vilhosa geração estava envelhecida e seu principal
sogra chata às favas ao achar que ficou rico, ou do ídolo, Pelé, decidiu não mais jogar pela seleção.
bando que seqüestra o suposto proprietário de um Despediu-se do escrete em 1971 e, mesmo com o
cartão de treze pontos. A Loteca passou a fazer parte País implorando de joelhos, não voltou a vestir a
do cotidiano brasileiro tanto quanto o futebol. E a camisa 10 amarela, pelo menos em partidas oficiais.
busca do lucro fácil forneceu material temático para Deu adeus também ao Santos em 1974 e foi jogar
os cineastas nesses filmes despretensiosos. três anos pelo New York Cosmos, na tentativa de
implantar o soccer na terra do basquete, do beise-
O nacionalismo associado ao futebol passou a ser
bol e do futebol americano. Ganhou muito dinheiro
uma política de Estado nos anos 1970. A militariza-
na empreitada e deixou órfão um país inteiro.
ção da gerência do esporte foi concretizada com o
almirante Heleno Nunes na presidência da CBD. A E claro, sem Pelé e outros astros, o Brasil que che-
154 seleção que foi ao México, e que paradoxalmente gou à Alemanha em 1974 não era nem sombra 155
figura com um tipo ideal de futebol-arte, tinha es- daquele time que encantara o mundo no México
trutura militarizada. No âmbito interno, criou-se um quatro anos antes. Ainda assim, era o Brasil. E, por
autêntico campeonato nacional, com a participação algum tempo se acreditou que poderia encarar o
de todos os Estados da Federação. Construíram-se bicho-papão daquela copa, o incrível selecionado
grandes estádios Brasil afora e nunca se usou tanto a holandês, a Laranja Mecânica do técnico Rinus Mi-
popularidade do futebol para fins políticos. É dessa tchels. Nos primeiros jogos, o Brasil avançava peno-
época a frase, Onde a Arena vai mal, um time no samente: dois empates por 0 a 0 contra Iugoslávia
Nacional. A Arena era o partido de sustentação do e Escócia, depois uma sofrida classificação por 3 a 0
governo militar, aquele que lhe dava uma fachada diante do Zaire (o Brasil precisava exatamente desse
legal. Para acomodar interesses, o Campeonato placar para se classificar). Em seguida, 1 a 0 diante
Brasileiro inchou e chegou a abrigar mais de 70 da Alemanha Oriental, 2 a 1 diante da Argentina
participantes, escolhidos não por critério técnico e aí chegávamos à Holanda.
mas pela conveniência política. Em 1978, a tabela
do Nacional mostrava 74 clubes e, no ano seguinte, No jogo contra a Holanda, durante algum tempo
o recorde foi batido com 94 times iniciando o Cam- o Brasil conseguiu o equilíbrio. Paulo César chegou
peonato Brasileiro (Agostino, 2002, p. 163). a perder um gol no primeiro tempo, que talvez
tivesse mudado o destino da partida. Mas não o outra coisa também: um mês depois, o Maracanã
fez. No segundo tempo, os holandeses impuseram lotado, com 115 mil pessoas, vibrava com a final
um jogo realmente superior ao dos brasileiros e do campeonato carioca. O país podia estar com o
Neeskens e Cruyff empurraram a seleção nacional orgulho ferido, mas nem por isso se desinteressava
para a disputa pelo terceiro lugar. Muita gente, do futebol. Contrariando expectativas, por se tratar
como eu, nem se dignou a assistir àquela partida da descrição de uma derrota e não da celebração
em que um Brasil medíocre perdeu para a Polônia, da vitória, o filme foi um sucesso de bilheteria, se-
com gol de Lato, e teve de se contentar com o gundo depoimento do diretor Oswaldo Caldeira.
humilde quarto lugar.
Nesse mesmo ano fatídico de 1974 era lançado
A Laranja Mecânica foi à final com a Alemanha, e também o documentário Isto É Pelé, de Luiz Carlos
perdeu, na condição de favorita. Era a queridinha Barreto, com produção de Carlos Niemeyer. No ano
de todo mundo, por seu futebol vistoso e inovador em que o rei pendurava as chuteiras em solo pátrio,
mas, convenhamos, perder por 2 a 1 para uma Ale- este filme relembrava sua carreira, com material
manha que tinha Beckenbauer, Breitner, Overath de arquivo do Canal 100 e da TV Globo, exibindo
156 e Mueller não chega a ser uma aberração. mais de 100 gols e passagens da sua vida, como as 157
conquistas das três copas do mundo (1958, 1962 e
Com produção de Carlos Niemeyer, do Canal 100, e 1970), além dos grandes jogos que disputou com
direção de Oswaldo Caldeira e Carlos Leonam surge a camisa do Santos ao longo dos 18 anos em que
no calor da hora Futebol Total (1974), tentando permaneceu no clube. Até o lançamento de Pelé
explicar por que o Brasil fora derrotado na Ale- Eterno, de Anibal Massaini, em 2004, este seria o
manha. Além da ruína nacional, mostra a partida mais completo registro da carreira do maior joga-
final em que a Alemanha se sagrou campeã contra dor de todos os tempos.
a Holanda. O título se refere a uma das fórmulas
usadas na época para definir o time de Mitchels, Isto É Pelé conserva um esquema formal parecido
um futebol surpreendente, em que ninguém ao de um programa para televisão, inclusive com
guardava posição, todo mundo marcava e todo a locução de Sérgio Chapelin, conhecido profis-
mundo atacava. Teria de dar a lógica e o melhor sional da TV Globo, lendo texto de Paulo Mendes
time ser campeão, mas, como se sabe, os alemães Campos. O repertório de gols é espetacular e Pelé
são fortíssimos. Jogando em casa, então, nem se depõe sobre as várias fases da sua carreira, da in-
fala. O filme retrata a costumeira ressaca depois fância em Bauru à chegada ao Santos; a seleção,
de uma derrota da seleção na copa, mas mostra as partidas memoráveis, e como aprimorou a arte
de jogar bola. As cenas finais são comoventes, com ironizar alguns dos escolhidos para defender o
a despedida da seleção e a torcida do Maracanã título na Alemanha:
entoando o coro de Fica, fica. Pode-se pensar se
alguma vez em sua história este país se identificou Desculpe seu Zagallo
tanto com um jogador de futebol como o fez com Mexe nesse time que está muito fraco
Pelé. E se uma tal manifestação de carinho acon- Levaram uma flecha
tecerá num futuro de atletas expatriados. Lembro esqueram o arco
que no ano de sua despedida da seleção, músicas Botaram muito fogo e sopraram o furacão
foram feitas pedindo a sua volta: que não saiu do chão
Volta Pelé Desculpe seu Zagallo
De novo à nossa seleção Puseram uma palhinha na sua fogueira
E vem mostrar a tradição E se não fosse esse tal Pereira
De ser um jogador tricampeão mundial, etc. Comia um frango assado lá na jaula do leão
mas não tem nada não
Surgiu também o samba Camisa 10, de Hélio Ma-
158 Cuidado seu Zagallo 159
theus e Luiz Wagner, cantado por Luiz Américo:
O garoto do Parque fica muito nervoso
É camisa 10 da seleção E nesse meio campo fica perigoso
10 é a camisa dele Parece que desliza nesse vai não vai
Quem é que vai no lugar dele? quando não cai
perguntava-se o compositor, preocupado, e com É camisa 10 da seleção
muita razão, com um time que não inspirava con- laiá, laiá, laia
fiança. Zagallo era novamente o técnico e, em 1973, é camisa 10 da seleção
o time fez uma excursão preparatória à Europa laiá, laiá, laia
que não entusiasmara ninguém. Entrevistado pela 10 é a camisa dele
revista Placar, Zagallo dera aos leitores um aperitivo quem é que vai no lugar dele?
do futuro vocês vão ter de me engolir, desqualifi- 10 é a camisa dele
cando críticos com a profissão de fé na força da quem é que vai no lugar dele?
amarelinha. Tudo isso, em especial a arrogância
que contrastava com o que se via em campo, ins- O samba ironizava a escolha do atacante Flecha,
pirara o samba que usava do duplo sentido para que não tinha quem o municiasse no ataque.
Sobrava também para outro atacante que não mas não por acaso, começa com uma declaração
caíra nas graças da torcida, Palhinha. Debochava do próprio Pelé: Jogador livre, só conheço um, o
do Furacão Jairzinho, que já não ventava como Afonsinho. Na ocasião em que o Rei fez essa de-
antes, além de criticar o excesso de jogadores do claração, o meia havia acabado de conseguir o seu
Botafogo, time de origem do técnico e do próprio passe livre, na Justiça, e agora alugava seu trabalho
Jair. Sobravam farpas para Rivellino, o Garoto do aos clubes, sem a eles se prender como determina-
Parque, e até para o goleiro Leão, que só não to- va a legislação da época, a chamada Lei do Passe.
mava frangos apenas porque fazia parte do mesmo
time do magnífico zagueiro Luís Pereira. Pelé, pelo que se diz no filme, tinha razões para se
queixar, pois enfrentava problemas com o Santos
Repare que em nenhum momento a letra fala de em seu final de carreira. Naquele mesmo ano, 1974,
forma explícita em Pelé: 10 é a camisa dele, quem como vimos, ele encerrava sua trajetória no Brasil
é que vai no lugar dele? E nem era necessário. No e, no ano seguinte, partia para uma temporada
Brasil futebolístico de então Ele era um só: Pelé. no New York Cosmos, em busca de dólares. Como
Nem precisava ser nomeado. O foco do samba era diz um dos biógrafos do rei, José Castello (Pelé,
160 esse – Zagallo tentava encontrar um 10 satisfatório os Dez Corações do Rei): Depois de oito meses de 161
e não conseguia. Embora Pelé fosse a principal aposentadoria do futebol, Pelé cedeu a uma série
ausência, muitos outros heróis da copa de 1970 discreta, mas firme, de pressões: o aparente fra-
ficariam de fora na Alemanha, como Gérson, Tos- casso em suas investidas no mundo dos negócios,
tão, Brito, Carlos Alberto e Everaldo. Mesmo assim, a sensação íntima de que abandonara os campos
o time contava com grandes jogadores, alguns
de futebol cedo demais, um sentimento difuso
deles evocados no satírico samba cantado por Luiz
mas persistente de indolência. E a causas mais cir-
Américo, como Rivellino, Paulo César Lima, Leão,
cunstanciais, como um telegrama que recebeu do
Luís Pereira e outros.
então secretário de Estado norte-americano, Henry
O craque politizado Kissinger, estimulando-o a aceitar uma proposta,
na verdade irrecusável mesmo para um rei, que o
No mesmo ano de Isto É Pelé, o cinema brasileiro Cosmos lhe fizera. Assim, Kissinger justificou, ele
lançava outro longa-metragem sobre um craque, teria a chance de exercer plenamente a função de
mas este era um documentário de outro tipo. Passe embaixador do futebol, a que parecia destinado
Livre (1974), de Oswaldo Caldeira, tem como per- (p. 201).
sonagem o jogador Afonsinho. Por curiosidade,
livro clássico Cineastas e Imagens do Povo, o filme
pode ser visto como uma tentativa de utilização do
futebol como metáfora da situação do trabalhador
diante do patrão na sociedade capitalista.

Ainda segundo Bernardet, se a intenção do diretor


era fazer esse paralelo, ela não se cumpre quando
o filme é apresentado para um público popular-
operário. Esse público não se identifica com Afon-
sinho – jogador cabeludo, de olhos verdes, tipo
garotão da zona Sul e estudante de Medicina.
Dizem: Bem, se ele perder a luta contra o clube
na Justiça, pode largar o futebol porque tem uma
alternativa de sobrevivência, a Medicina. O público
Walter Goulart, Afonsinho e Oswaldo Caldeira operário se identifica com outro personagem do
162 filme, o atacante Jairzinho, justamente lá colocado 163
O rei ia fazer a América. Já Afonsinho ficava por para servir de contraponto a Afonsinho. Jairzinho,
aqui mesmo, trabalhando nos clubes sob contra- negro e com cara de povo, teve de retratar-se com
to. Uma situação não muito diferente da de hoje, o Botafogo depois de tentar viajar para o Japão,
justamente proporcionada pela lei que extinguiu onde tinha um compromisso publicitário, sem
o passe e que foi feita muitos anos mais tarde, autorização do clube. Pediu desculpas, abaixou a
durante a gestão de Pelé no Ministério dos Espor- cabeça e voltou para o clube, onde estava o seu
tes, passando a levar o seu nome. ganha-pão. Os operários se viam mais nele do que
em Afonsinho, o moço rebelde.
O longa de Oswaldo Caldeira trata da carreira de
Afonsinho, revelado no interior paulista, jogador De qualquer forma, a recepção popular – mesmo
consciente, depois formado em Medicina, mas se aquela em sindicatos – é uma coisa, outra o que o
refere também, e de maneira alusiva, a toda a situ- filme tem para mostrar. E Passe Livre é profético,
ação política do país, com as classes trabalhadoras inclusive na antevisão do que poderia ser o fute-
vivendo amordaçadas pela ditadura. Passe Livre fala bol profissional pós-Lei Pelé, com os atletas, como
então de futebol para melhor falar do país, em seu qualquer outro trabalhador, alugando a sua mão-
conjunto. Segundo Jean-Claude Bernardet em seu de-obra (pé de obra, no caso) a quem bem enten-
derem. Têm um contrato a cumprir e só. O filme meio das pernas do regime. Uma caneta, como se
não poderia prever que, por força do mercado, a diz em vocabulário de boleiros.
alienação da força de trabalho do jogador passaria
do clube para outras mãos – as do intermediário, o
assim chamado empresário, essa figura que surge
com força no futebol globalizado.

Passe Livre tem um clima subterrâneos do futebol,


à maneira do documentário de Maurice Capovilla,
mas, ao invés de centrado sobre uma tese, apóia
suas idéias sobre um único jogador. Sobre Afonsi-
nho e sua índole rebelde, em termos de política e
também de costumes.

Não deixa de ser uma poderosa metáfora, a do


jogador que, em plena vigência da ditadura militar,
164 165
luta na Justiça pelo direito de usar cabelos compri-
dos e barba – e ganha. Esse, o subtexto libertário
do filme, feito ainda no clima do autoritarismo po-
lítico. Caldeira consegue falar do futebol e quando
o faz, fala com propriedade.

E consegue também ir além dele, mostrando como


o futebol faz parte de um contexto social mais
amplo, sujeito às determinações do momento e
que pode negá-las – às vezes.

O filme é um exemplar isolado no contexto dos


anos 1970, quando, por circunstâncias históricas,
a politização do futebol atingira grau máximo.
Mas era uma politização de Estado, que não dei-
xava brecha para contestações da oposição. Nesse
sentido, Passe Livre foi uma espécie de drible no
Campeão Moral
No ano de 1978, a Argentina organiza a sua pri-
meira copa do mundo, em plena vigência de uma
ditadura militar feroz, que produzia milhares de
desaparecidos e precisava de uma vitória para ga-
nhar credibilidade junto à população. Assim havia
feito Mussolini e assim faria Videla e seus militares
na copa em que a Argentina, de fato, acabaria por
se sagrar campeã, derrotando por 3 a 1 na final a
Holanda (já não mais tão poderosa como quatro
anos antes), que ficaria com seu segundo título
seguido de vice-campeã.

Para chegar lá, a Argentina precisou empatar por


0 a 0 com o Brasil e classificar-se no saldo de gols
166 num suspeitíssimo jogo em que derrotou o Peru 167

por 6 a 0. Invicto, o Brasil ficou com o terceiro lu-


gar depois de derrotar a Itália por 2 a 1. O técnico
Claudio Coutinho proclamou o escrete campeão
moral, já que terminou o torneio invicto. A cam-
panha do Brasil foi parcimoniosa de resultados,
porém consistente: 1 a 1 com a Suécia, 0 a 0 com
a Espanha, 1 a 0 contra a Áustria, 3 a 0 no Peru, 0
a 0 com a Argentina, 3 a 1 sobre a Polônia e 2 a 1
sobre a Itália, ficando com o 3º lugar. Desconheço
se algum torcedor brasileiro comemorou o título
de Coutinho, militar de origem e preparador físico,
um adepto do futebol-força que ficou na história
por ter preterido craques como Falcão e Sócrates
Filmagens de Passe Livre, com Afonsinho, Oswaldo em proveito de jogadores mais parrudos como
Caldeira, Walter Goulart e Renato Laclete Chicão e Batista.
Antes da ida da seleção para a Argentina, o onipre- permaneciam por aqui, o que fazia com que o ní-
sente Carlinhos Niemeyer havia lançado seu Brasil vel dos campeonatos fosse ainda bem alto, ainda
Bom de Bola nº 2 (1978), no qual discute a renova- que se falasse em entressafra. No Rio de Janeiro,
ção do escrete após a conquista de 1970 e analisa o brilhava o Flamengo da era Zico. Além do Galinho,
fracasso em 1974. Era, vamos dizer assim, um filme aquele time tinha Júnior, Paulo César Carpegiani,
preparatório para a campanha no país vizinho. Claudio Adão, Leandro, Andrade, Rondinelli, Adí-
lio, Tita, Júlio César. Um esquadrão, que, de 1978 a
Logo após o campeonato moral, porém, é Maurí- 1988 conquistou mais de 50 títulos, no Brasil e no
cio Sherman quem saca primeiro e lança seu Copa mundo. Em 1981, o Flamengo ganha a Libertadores
1978 – o Poder do Futebol, analisando a vitória da e o Mundial Interclubes.
Argentina em seu território. Mostra lances das par-
tidas e também os bastidores da disputa. Como a Talvez pela excelente fase e também pelo fato de ser
marmelada no jogo entre Argentina e Peru saltava um clube do Rio de Janeiro, onde se concentrava a
mais ou menos à vista, todas as teorias conspira- indústria cinematográfica do país, começam a pro-
tórias se tornaram possíveis, justificáveis ou não. liferar os filmes-homenagem ao clube. Dois deles,
168 Não ocorria aos patrícios que, se existia mesmo já em 1980, Flamengo Paixão, de Davi Neves, e Um 169
predisposição de se dar o título ao país-sede, o x Flamengo, de Ricardo Solberg, saúdam as cores
jogo-chave daquela copa seria Brasil e Argentina. rubro-negras. Volta e meia, a extraordinária popu-
Com uma vitória simples, o Brasil abriria caminho laridade do Mengo justifica um filme em sua home-
para a conquista. Mas ficou no zero. Tanto Menotti, nagem, mesmo que a fase não seja das melhores. E
o técnico argentino, como Coutinho, o brasileiro, sempre é tempo de lembrar o ídolo maior, como foi
mostraram mais medo de perder que disposição o caso de Uma Aventura do Zico (1995), de Antonio
de ganhar. Depois, o Brasil fez 3 a 1 na Polônia e Carlos Fontoura, ou de promover uma homenagem
ficou esperando que o Peru cumprisse a sua parte coletiva aos bons tempos, como em Histórias do
e evitasse uma goleada diante dos donos da casa. Flamengo (1999), de Alexandre Niemeyer, filho do
Em vão. Os 6 a 0 classificaram a seleção argentina já tão citado Carlinhos Niemeyer do Canal 100.
pelo saldo de gols.
Nesse clima meio rarefeito do cinema daquela
Na ressaca de mais uma copa perdida, o jeito era se época, ainda no final dos anos 70, em 1978 para ser
consolar com os campeonatos internos que, aliás, preciso, ressurge um exemplar do cinema sociológi-
continuavam ainda bem interessantes na fase pré- co dedicado ao futebol, tão mais característico da
globalização do futebol. Os melhores jogadores década anterior. Trata-se de TodoMundo (Futebol
+ Torcida = Espetáculo Total), de Thomaz Farkas, o calcio florentino que mobilizava multidões e pro-
mesmo produtor de Subterrâneos do Futebol e dos duzia uma legião de feridos ao fim da contenda.
outros títulos que compunham o projeto de Brasil Surge o dado econômico, contemporâneo: quem
Verdade. O filme – um média-metragem – tem vende mais ingressos do que suporta a capacidade
narração de Davi José e texto do jornalista Alberto do estádio e assim coloca as pessoas em risco?
Helena Jr.
Os torcedores são ouvidos, mas a voz em off as-
As imagens iniciais são da comemoração de um segura a interpretação final. O torcedor aspira
título do São Paulo Futebol Clube, a conquista do ser invadido pelo jogo, mas, ao mesmo tempo,
Campeonato Brasileiro de 1977 (decidido em março aprende a se adequar. No seu emprego ele não
de 1978) sobre o Atlético Mineiro. Um 0 a 0 tenso, pode ser independente. E, no estádio, ele quer se
com prorrogação e título decidido nos pênaltis. confundir com a massa, com o todo. Aqui, como
As cenas de entusiasmo e histeria no gramado no trabalho, ele não será independente, afirma o
lembram muito aquelas registradas por Capovilla narrador. É uma contradição que o documentário
em seu Subterrâneos. Logo depois entram em flagra, e não deixa de exprimir de forma categó-
170 cena texto e imagens mais suaves, líricos mesmo: rica: o torcedor se afasta da realidade, ao mesmo 171
A bola é do menino; ou será que o menino é da tempo em que deseja misturar-se a ela, a ponto de
bola? Descrevem-se as possíveis origens do fute- perder a identidade própria.
bol, que remontam à antiguidade na China, ao
violento calcio florentino, à imitação da guerra, Em seguida, o filme historia a escalada da violência
entre vários povos. entre as torcidas e as medidas que foram sendo
tomadas para tentar evitá-la, culminando com a
Para chegar, por fim, àquele que será o objeto prin- separação dos torcedores nos anos 70.
cipal do filme – a torcida. E de como ela se deixa
levar pela emoção e se contamina com a violência. Segundo a narrativa, as torcidas são irreconciliá-
Aparecem cenas de várias torcidas organizadas, a veis. Elas se unem apenas numa situação: quando
Gaviões da Fiel do Corinthians, os Leões da Fabu- têm de se voltar contra a figura da autoridade. O
losa da Portuguesa, a Torcida Jovem do Santos. juiz ou o policial. Esse aumento de violência na
Mostra-se como, com toda a facilidade, as torcidas arquibancada acompanha a crescente brutalidade
passam a se comportar como hordas. Lembra-se em campo – o futebol-arte cede espaço para o
que, no inconsciente coletivo, as partidas perma- futebol-força. No meio desse caos em que o jogo
necem como embates medievais do estilo do velho da bola está imerso – violência no campo e fora dele,
utilização política do esporte, negócios escusos, milagre – sem me importar com o clube ou o país
cartolas desonestos e irresponsáveis – de vez em que o oferece (Galeano, 2004, p. 9).
quando surge alguma jogada de gênio, como uma
flor no lodo. Nesse momento, diz o filme, a bola Ainda sobre o tema da torcida, mas sem o viés
volta a ser do menino, reencontrando-se com a sociológico, surge, em 1982, o curta Gaviões, de An-
imagem lírica do início. dré Klotzel. O filme fala da torcida organizada do
Corinthians, suas reações em vitórias ou derrotas e
O filme é um exemplar típico do modelo sociológi- contempla temas como a violência e o fanatismo.
co, mas com esse toque poético a suavizá-lo. Pro- Muitos anos depois, em 2003, a mesma torcida seria
cura entender o que existe por trás do fenômeno lembrada em Os Fiéis, de Daniel Solferini, sobre um
futebol, quais os interesses em jogo, quem lucra tema caro à história do clube: a famosa invasão
com ele e quem perde. É evidente aqui a simpatia corinthiana no Rio de Janeiro para a partida contra
para com a torcida, entendida, mais uma vez, como o Fluminense no Campeonato Brasileiro de 1976.
sinônimo de massa trabalhadora. Não por acaso
será dito, para reforçar, que o indivíduo não é livre E o mundo se move
172 nem no estádio nem em seu trabalho. Alienado Nos anos 1980, a ditadura já não se mostrava tão 173
em ambos, para usar a linguagem implícita, e para sólida quanto na década anterior, e apareciam na
relembrar os anos 60. sociedade civil pressões pela redemocratização.
Isso culminaria na campanha pelas Diretas-Já,
Mas em TodoMundo há também uma atenção de 1984, do qual participaram nomes ligados ao
particular para com o jogo e a sua beleza. Embora futebol, como o jogador Sócrates, do Corinthians,
se precipite ao diagnosticar um fato real como a e o jornalista Osmar Santos, o mais popular locu-
alienação crescente do futebol, espera, como um tor esportivo daqueles anos. Ambos subiram aos
mendigo do bom futebol para usar o belo termo de palanques e Sócrates chegou a prometer que não
Eduardo Galeano, que surja aquela jogada de cra- iria para a Europa (estava sendo negociado com a
que que redime o futebol mercantilizado de tantas Fiorentina), caso a emenda Dante de Oliveira, que
coisas que o apequenam. Diz Galeano: ...Com o restabelecia a eleição direta para presidente, fosse
tempo acabei assumindo minha identidade: não aprovada pelo Congresso. Não passou, e Sócrates
passo de um mendigo do bom futebol. Ando se foi, pelo menos por algum tempo.
pelo mundo, de chapéu na mão, e nos estádios
suplico: – uma linda jogada, pelo amor de Deus! A sociedade brasileira, que vivera a década ante-
E quando acontece o bom futebol, agradeço o rior sob o sono da ditadura, parecia despertar. O
AI-5 fora revogado em 1978 depois de 10 anos de
terror. Com a anistia, muitos brasileiros que viviam
no exílio voltaram ao país. A reforma partidária
extinguiu o bipartidarismo e a classe operária pôde
se organizar em torno do Partido dos Trabalha-
dores. Restabeleceram-se as eleições diretas para
governadores de Estado. O governo militar parecia
caminhar para a agonia, contrariando quem o de-
sejava eterno. Mas o regime de exceção iria até a
eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral.
Doente, não tomou posse e assumiu José Sarney
em seu lugar. De qualquer forma, era o primeiro
governo civil, desde o golpe militar de 1964. Ape-
nas em 1989 o Brasil faria sua eleição direta para
presidente. Soviética, 4 a 1 sobre a Escócia, 4 a 0 sobre a Nova
174 Zelândia, e, com sabor especial, 3 a 1 contra a Ar- 175
O clima de início dos anos 80 era de renovação. gentina de Diego Armando Maradona, que deixou
Acreditava-se, novamente, que tudo poderia o campo expulso, após uma entrada criminosa em
mudar, e de maneira rápida. Apesar das resis- Batista.
tências contrárias (como atentados terroristas da
direita), o país arejava-se. E, para sorte de todos, Chegou a Itália e o Brasil era amplamente favo-
surgia uma nova geração de craques que prome- rito, até mesmo segundo os italianos. Só quem
tia fazer sucesso na copa de 1982, na Espanha. não estava de acordo com os prognósticos era
Sócrates, Zico, Júnior, Falcão, Toninho Cerezo, o atacante Paolo Rossi, que marcou três gols e
Éder, Serginho – um escrete de ouro legítimo, despachou a seleção de volta para casa. Placar
sob o comando do técnico Telê Santana, adepto final: Itália 3, Brasil 2, sendo que precisávamos
do futebol-arte. apenas de um empate para seguir na competi-
Aquele selecionado encantou a imprensa européia. ção. Foi luto fechado na nação porque, segundo
Os franceses chamavam os jogadores de les magi- o consenso, o Brasil formara sua melhor seleção
ciens (os mágicos). E os primeiros jogos pareciam desde aquela que havia vencido o tricampeonato
confirmar esse favoritismo: 2 a 1 contra a União no México.
Nesse começo dos anos 80, o cinema aparecia com bara d’Oeste), onde desponta como garoto bom
um filme como Pra Frente, Brasil que, como vimos, de bola. Mais tarde vai para São Paulo, onde tenta
escolhe esse momento de transição para reavaliar repetir o sucesso que faz em sua cidade natal. Mas
algumas circunstâncias mais obscuras da década uma coisa é vencer em Mariana do Sul, outra em
anterior. Pouco mais se produziu. Nesse panorama São Paulo. E a vida de Asa Branca será uma sucessão
rarefeito, surgiram alguns poucos filmes relaciona- de desafios, rivalidades, falta de dinheiro, barreiras
dos ao futebol, como Asa Branca, um Sonho Brasi- e preconceitos a serem transpostos, etc.
leiro (1981), de Djalma Limongi Batista. E também O filme termina de maneira onírica, com o jogador
filmes que usam o futebol de maneira lateral, como voando com suas asas (brancas, claro) depois de
Onda Nova (1983), de José Antônio Garcia. conquistar a copa do mundo no México. O filme
usa em seu elenco alguns profissionais do futebol,
Asa Branca não propõe nenhuma leitura direta- como o massagista Mário Américo, figura muito
mente política do futebol, mas usa o jogo como querida da seleção brasileira, e Garrincha, o astro
maneira de ilustrar uma vitória pessoal. O título Mané Garrincha, já na época decadente. Numa
faz alusão ao apelido do jogador interpretado cena muito bonita, Asa Branca bate bola com Mané
176 por Edson Celulari. A infância é numa cidadezinha num Maracanã vazio. O tom é nostálgico e, claro, 177
imaginária, Mariana do Sul (filmada em Santa Bár- melancólico, embora de belo efeito visual.

Edson Celulari, como Asa Branca


Cada um deve ir atrás do seu sonho – parece dizer futebolista como o mais popular ícone do papel
o diretor através da sua parábola futebolística. masculino de vitorioso e como símbolo de ascensão
Assim, é da trajetória individual que se fala, cele- social, herói de massas e nacionalidades (p. 90).
brando o garoto que veio da cidade pequena para
se tornar astro nacional. Tantos jogadores seguiram O filme deu o que falar não tanto por suas insinua-
esse caminho, como o próprio Mané Garrincha que ções de homossexualismo no meio futebolístico,
veio da, antes dele, obscura Pau Grande, ou Pelé, como pela suposta adesão ao governo Médici, que
que nasceu em Três Corações. Mas tantos outros capitalizou a conquista do tri em proveito próprio
artistas e profissionais de sucesso fizeram o mesmo como já vimos. O filme, mais um que se viu sob
caminho. fogo cerrado no Festival de Brasília, foi criticado
por essas supostas razões.
De modo que o futebol serve de mera ilustração,
neste caso. E, no interior mesmo do universo fu- No livro, o diretor se defende: Acusavam o filme
tebolístico, nota-se a visão crítica do diretor, mos- de ser veículo do governo Médici, sendo que Gual-
trando as pedras no caminho do sucesso do ídolo, ter e eu passamos dias no table-top das fotos do
178 o ambiente machista e muitas vezes corrupto. Asa, inserindo-o entre os tricampeões de 1970 e 179
apagando artesanalmente (não havia scanner...)
Asa Branca não deixou de criar polêmica. O diretor toda e qualquer referência ao uso que o governo
insiste em que não se trata de um filme de futebol, ditatorial fizera daquela vitória brasileira (Nadale,
em abstrato, mas sobre um personagem concreto 2005, p. 115-116). Em Brasília, Djalma ganhou o
do futebol, o jogador. Mostra como a figura do troféu de melhor diretor, perdendo o prêmio de
futebolista se transforma depois da conquista do melhor filme para O Homem do Pau-Brasil, do
tri – de personagem inculto e conhecido apenas mesmo Joaquim Pedro de Andrade que dirigira
em meios restritos a ídolo popular, a celebridade Garrincha, Alegria do Povo. No mesmo ano concor-
em linguagem de hoje. Em sua biografia Djalma reu no também importante Festival de Cinema de
Limongi Batista – Livre Pensador (Marcel Nadale, Gramado e, desta vez, tendo como oponente Pra
Imprensa Oficial), o diretor analisa: Acho que a cha- Frente, Brasil, de Roberto Farias. De novo Djalma
ve para entendê-lo (o filme) é a transformação pela ficou com o prêmio de melhor direção, cabendo a
qual passou a figura do jogador de futebol a partir Roberto o de melhor filme.
do tricampeonato mundial. Foi uma somatória da
revolução comportamental dos anos 50 e 60 com Não deixa de ser curioso que dois filmes que fazem
o estrelismo gerado pela mídia, que consagrou o alusão à conquista do tri, 12 anos depois, tenham
disputado os mesmos prêmios com duas visões dife- Em tempos de abertura, o Timão era o único clube
rentes da relação entre futebol e governo militar. a se colocar no passo do seu tempo.

Onda Nova (1983), de José Antônio Garcia, pouco A emenda pelas Diretas não passou. Sócrates
teria a fazer neste livro não fosse a presença no embarcou para a Itália e, sem a sua liderança, o
elenco de alguns jogadores do time do Corinthians que acabou passando de vez foi a Democracia
da época, como Wladimir e Casagrande. Naque- Corinthiana, termo criado pelo publicitário Wa-
les anos, o time de Parque São Jorge fazia uma shington Olivetto, famoso, rico e corinthiano. Mas
experiência interessante de gestão, que veio a experiências desse tipo, mesmo que em aparência
ser conhecida como Democracia Corintiana. Num frustradas, são importantes. Deixam sua marca, ex-
meio de hábito conservador (e paternalista) como pressam as esperanças de um tempo e ficam como
o futebol, os jogadores aboliam a concentração, exemplos para o futuro, mesmo que não ganhem
nova oportunidade de serem aplicadas.
expressavam suas opiniões políticas e defendiam
comportamentos liberais. Liderados por Sócrates, Esse espírito da época vem à tona, de maneira
Wladimir, Casagrande e outros jogadores, eles incisiva, embora de jeito meio confuso, em Onda
180 decidiam, em colegiado, o que fosse de interesse Nova. Num filme que dialogava de maneira mui- 181
para o clube: contratações, demissões, a escalação to forte com a pornochanchada, a história é a de
da equipe, local e duração das concentrações. Era um time de futebol feminino e seus problemas de
um sopro de renovação no âmbito do esporte. Mais afirmação no mundo macho. Pontuado por cenas
importante: essa liberalidade só se sustentava por- de sexo (hetero e homossexual), o filme tem ainda
que o time, em campo, era vencedor. O Corinthians a participação especial de um engraçado Caetano
foi campeão paulista em 1982 e 1983. Veloso. O mundo do futebol, no entanto, passa
pela trama como um gato passa em cima de água
O modelo corintiano parecia sintonizado às aspi- fria. Mas vale o registro por ter sido uma das poucas
rações do país como um todo e o clube, durante vezes (senão a única) em que o universo do futebol
a gestão do sociólogo Adilson Monteiro Alves na feminino teve alguma chance no cinema de longa-
diretoria de futebol, sofreu não poucas pressões metragem do país. Pelo menos no cinema sério.
do governo militar. Aquela gestão liberal era con-
Já no registro da, digamos assim, comédia erótica,
siderada péssimo exemplo para a população que,
as menções são múltiplas e por motivos óbvios.
pelo contrário, deveria ser instruída na disciplina e
na hierarquia. Ainda mais que esse mau exemplo No universo da pornochanchada, a associação
partia de clube tão popular como o Corinthians. entre sexo e futebol não foi rara. Prova disso são
filmes como O Fraco do Sexo Forte (1973), de Osíris como aquela de 1982. Começou com três vitórias,
Parcifal de Figueroa, sobre um sujeito que ganha 1 a 0 (Espanha), 1 a 0 (Argélia) e 3 a 0 (Irlanda do
na Loteria Esportiva e decide se tornar produtor Norte) para em seguida perder nos pênaltis para
cinematográfico – adivinhe de que tipo de filmes. a França e ser mandada de volta para casa. Quem
Ou o episódio Núpcias com Futebol, de Ary Fernan- venceu a copa foi a Argentina, com Maradona em
des, parte do longa Guerra é Guerra (1976), com seu esplendor.
o corinthiano fanático que se casa em dia de jogo
Nesse ano, no cinema, apenas um filme sobre futebol
contra o rival Palmeiras e parece pouco interessado
e, mesmo assim... Em Trapalhões e o Rei do Futebol
em cumprir a sua parte no acordo matrimonial. Ou
(1986), Renato Aragão, dirigido pelo rei da chancha-
ainda o longa-metragem O Futebol que Elas Gos-
da Carlos Manga, é faxineiro de um clube e assume
tam (1985), também conhecido como A Pelada do
por acidente o cargo de técnico. Com ele, o time
Sexo, dirigido por Mário Lúcio. O título de duplo
começa a ganhar os jogos, o que contraria interesses
sentido diz tudo o que é preciso saber sobre ele.
dos cartolas nas bolsas de apostas. Pelé faz o papel
Aparece quando o próprio gênero pornô da Boca
de um repórter esportivo, Nascimento, que consegue
do Lixo se encontrava em franca decadência.
182 vencer a desonestidade dos dirigentes com a sempre 183
O país tentava exorcizar os 21 anos sob domínio bem-vinda ajuda de Luiza Brunet. Bom público (mais
militar, ao mesmo tempo em que procurava (em de 3,5 milhões de espectadores) neste último traba-
vão) dominar a inflação com o Plano Cruzado, que lho de Carlos Manga no cinema, investimento no
naufragou. Em todo caso, se os preços continuavam humor inocente que rendeu aos Trapalhões algumas
a subir, ao menos respirava-se no Brasil a liberdade das melhores bilheterias dos anos 70 e 80.
social que uma geração inteira não havia ainda Enfim, se o futebol mostrado pela seleção não era
experimentado. lá essas coisas, também não se pode dizer que o
Enquanto isso, a seleção, derrotada de forma trau- cinema estivesse batendo um bolão. O sistema de
mática na copa da Espanha, tentava mostrar que sustentação estatal da Embrafilme já se encontrava
aquela desclassificação fora apenas acidente de per- próximo do colapso e não se via substituto à altura
curso. Preparou-se para a copa de 1986, novamente na linha do horizonte. Era tempo de se repensar e
disputada no México, com uma base formada pelos tentar caminhos inovadores para a produção. Mas
jogadores de 1982, e comandada pelo mesmo téc- não foi bem isso o que aconteceu.
nico, Telê Santana. Como na vez anterior, também
não foi muito longe. E nem chegou a encantar,
Capítulo IV
O Jogo do Mundo

Nascido na Europa, no berço do capitalismo, o


futebol encontrará no Velho Continente o clima
ideal para desenvolver ao máximo a sua dimensão
organizativa e vocação industrial; mas será o cal-
deirão multirracial e multicultural da América do
Sul a originar os campeões mais efervescentes e
hábeis. Ainda hoje é assim: na Europa (sobretudo),
o dinheiro e a estrutura empresarial; na América
do Sul, o gênio dos foras de série.
Ciak, si Gioca!
Guido Liguori e Antonio Smargiasse
185
A partir dos anos 1990, o futebol entra em pro-
cesso acelerado de internacionalização, que hoje
chegou ao ápice. Nem poderia ser diferente. Com
a queda do Muro de Berlim em 1989 e a dissolução
da União Soviética em 1991, o mundo caminhou
para o modelo único do capitalismo global. Com o
desenvolvimento da tecnologia de comunicações,
que passou a permitir a transferência on-line de
informações e capitais, as fronteiras (para o capital)
passaram a ser teóricas. O fluxo de mercadorias e
serviços acelerou-se e o conceito de nação soberana
enfraqueceu.

O futebol, sob a ação política da Fifa, ganhou cada


vez mais status de jogo planetário, como era já o
projeto da gestão Havelange, desde 1974.
Os jogadores passaram a circular de país em país, Passou-se a usar também com freqüência o recurso
mais do que haviam feito em toda a história an- das naturalizações. Só para citar dois exemplos re-
terior do futebol. Os mercados do Primeiro Mun- centes e notórios, Roberto Carlos e Ronaldo, titula-
do, da Europa em especial, se abriram. As ligas res da seleção brasileira, ganharam nacionalidade
nacionais passaram a permitir a presença de mais espanhola para abrir vagas a outros estrangeiros
estrangeiros em seus elencos. Com a Lei Bosman, no Real Madrid. Agora comunitários, Ronaldo e
que acabou com o passe e considera nacional todo Roberto podem atuar como europeus em qualquer
cidadão de qualquer país-membro da Comunidade país da comunidade européia.
Européia, os times adotaram a feição de multina-
cionais da bola, às vezes abrigando poucos atletas A legislação interna brasileira adaptou-se de forma
nascidos no país-sede do clube. rápida ao mercado internacional, criando facilidades
para a saída dos atletas. A iníqua Lei do Passe foi subs-
Houve certo escândalo quando o Arsenal, um dos tituída pela liberal Lei Pelé, colocando em evidência a
clubes mais tradicionais da Grã-Bretanha, escalou o figura do empresário de jogador, que na maior parte
time inteiro sem um único jogador inglês em campo das vezes é dono de parte dos direitos federativos do
186 ou no banco. Na partida em que goleou o Crystal atleta e passa então a negociar em nome do pupilo. 187
Palace por 5 a 1, na Premier League, em 2005, o time O jogador torna-se uma commodity como outra
jogou com atletas de sete nacionalidades: França qualquer, e gera lucro quando se movimenta. Com
(5), Brasil (1, Edu), Espanha (1), Holanda (1), Costa isso, a instabilidade passa a ser a norma, e as transfe-
do Marfim (1), Alemanha (1) e Camarões (1). No rências se tornam cada vez mais freqüentes, rápidas e
banco de reservas havia dois espanhóis, um suíço e prematuras. Tudo conforme o figurino da economia
um holandês. Nenhum súdito de Sua Majestade. O especulativa globalizada, que pede flexibilidade de
técnico era o francês Arsene Wenger. Ex-jogadores relações e giro rápido de capitais.
do Arsenal protestaram, assim como a Associação
dos Jogadores Profissionais, que viram nessa legião Vão se tornando corriqueiras as negociações de jo-
estrangeira sintoma de que as oportunidades para gadores menores de idade com clubes do exterior.
jovens britânicos haviam diminuído consideravel- Como isso ainda é proibido pela Fifa, usa-se um
mente. Os protestos caíram no vazio. estratagema. Arranja-se para os pais um emprego
fictício no país de destino do prodígio e este se
Um passaporte europeu passou a valer ouro entre transfere, a pretexto de acompanhar os progeni-
os boleiros do Terceiro Mundo. Tornou-se, literal- tores. Os pais são transformados em laranjas dos
mente, passaporte para o paraíso. próprios filhos.
Tudo isso é feito, é quase inútil dizer, sob a compla- Pior: suas seleções nacionais viraram verdadeiras
cência das autoridades brasileiras e estrangeiras. colchas de retalhos, compostas quase integral-
Essa internacionalização desenfreada dos clubes mente por jogadores que atuam fora de suas
europeus tem preocupado tanto a Fifa quanto a fronteiras.
Uefa, mas pouco tem sido feito de concreto. Essa
inação é compreensível, porque os países ricos Levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo
se beneficiam da situação. Atraem os talentos revela números interessantes. Nos mundiais dispu-
jovens dos países emergentes e fortalecem seus tados pelo Brasil até 1978 nenhum dos jogadores
campeonatos internos, mesmo que a preço da des- convocados atuava no exterior. Em 1982 essa por-
caracterização das equipes. A longo prazo talvez centagem de estrangeiros era mínima: 5%. Aumen-
essa tática se revele suicida, mas por enquanto ela ta para 9% em 1986. E então sobe drasticamente
satisfaz as torcidas e beneficia a audiência das TVs, para 55% na copa de 1990. Na de 94 são 50% os
que vendem a transmissão para o mundo todo. É convocados de fora do país. Na de 98, 59%, e na
lucrativa e portanto se mantém, pois é o que conta. de 2002, 43% (Folha, 13 agos. 2005). Se conside-
O show tem de continuar. rássemos apenas os titulares essas porcentagens
188 seriam muito mais altas. 189
Se o futebol brasileiro poucas vezes foi tão vencedor
no plano externo, nunca se mostrou tão frágil no in- Para a copa de 2006 projeta-se uma seleção 100%
terno. De certo modo, o futebol do Brasil tornou-se estrangeira ou algo muito próximo disso. Trans-
vítima do seu próprio sucesso. O jogador brasileiro, formação tão dramática da equipe que em tese
mais do que já era antes, tornou-se grife facilmente representa o país não pode se dar sem graves re-
exportável. Encontra mercado na Europa, e também percussões no plano simbólico. Mas essas mudanças
na Ásia, em especial na Coréia e no Japão, além da não foram assimiladas ou talvez sequer percebidas
Rússia e das ex-repúblicas soviéticas, como a Ucrânia em suas conseqüências.
que, com dinheiro fácil de origem incerta, passou a
importar craques de todo o mundo e do Brasil em O cinema, fragilizado no começo dos anos 90, não
especial. Os jogadores passaram a sair, cada vez mais se deu conta, de imediato, da riqueza temática
jovens, em busca de dólares e euros, ocasionando dessa subversão na ordem mundial do esporte
queda de nível no jogo praticado. São os casos de mais popular. Riqueza tanto maior quando se
países como Argentina e Brasil, que, juntos, somam pensa que foi exatamente por essa época que a
sete títulos mundiais e não conseguem mais ter seleção nacional brasileira iniciou o segundo dos
campeonatos regionais à altura de suas tradições. seus grandes ciclos virtuosos. Campeã em 1994
nos Estados Unidos (depois de 24 anos sem título), Enfim, no começo dos anos 90, o futebol brasi-
chegou novamente a uma final em 1998, na França, leiro amargava um jejum de 20 anos sem títulos
e perdeu por 3 a 0 para o país-sede, em um jogo mundiais, mas não ia mal no plano interno. Havia
até hoje misterioso. público, times de bom nível, campeonatos inte-
ressantes e boa parte dos jogadores top de linha
Na copa seguinte, realizada na Coréia e no Japão, ainda se mantinha por aqui.
sagrou-se campeã mundial pela quinta vez, con-
seguindo a hegemonia mundial nesse esporte. Já o cinema, coitado... Poucas vezes em sua his-
Para que seja alcançado em número de títulos até tória teve um começo de década tão fraquinho.
2014, Itália ou Alemanha, um dos dois que têm três Logo no início dos anos 1990, com a eleição de
copas no currículo deve vencer os dois próximos Fernando Collor de Mello, o cinema nacional
torneios. entrou praticamente em recesso. Inspirado pela
nova ordem econômica ultraliberal, o presidente,
No entanto, no início da década de 90, o Brasil pa-
depois afastado do cargo por corrupção, extinguiu
recia muito distante de iniciar um ciclo vencedor.
os órgãos de apoio ao cinema e deixou-o ao sabor
Em mais um dos surtos sazonais de cópia do modelo
190 do mercado. Com isso, quase acabou com ele. Du- 191
europeu, a seleção treinada por Sebastião Lazaroni,
rante alguns anos a produção de longas-metragens
a pretexto da modernização do jogo, adotou um
desceu perto do zero. Os curtas continuaram a ser
sistema defensivista e não foi longe na copa do
feitos, mas onde se exibem curtas-metragens a
mundo de 1990, realizada na Itália. Ganhou por 2
não ser em festivais ou mostras? Sem longas e com
a 1 da Suécia, 1 a 0 da Costa Rica e 1 a 0 da Escócia.
curtas para platéias restritas, o cinema brasileiro
Por ironia, foi eliminada em sua melhor partida,
praticamente deixou de existir para o seu público
justamente contra a arquirrival Argentina, não re-
durante alguns anos.
sistindo à dupla Maradona-Caniggia. Na única vez
em que teve liberdade de ação, Maradona livrou- Assim, não é de se estranhar que nos primeiros
se de vários adversários e passou com açúcar para anos o futebol tenha se ausentado como tema
Caniggia, que driblou o goleiro Taffarel e marcou do cinema nacional. Na verdade era o próprio
o placar definitivo – 1 a 0. Por ironia, a crença de cinema nacional que havia se ausentado da cena
Lazaroni no futebol coletivo e de marcação forte brasileira.
desmoronou diante da jogada individual de um fora
de série. Mas a Alemanha venceria a Argentina na Mesmo assim, em 1991, surge o interessante Barbo-
final por 1 a 0 e se tornaria tricampeã. sa, de Jorge Furtado e Ana Luíza Azevedo, uma
ficção sobre a final da copa de 1950, baseada em de Andrade havia escrito esse roteiro inspirado na
conto de Paulo Perdigão, que comentamos lá atrás, copa do mundo de 1938 e pensando no craque da
quando falamos da tragédia de 1950, esse tema época, sempre ele, Leônidas da Silva.
tão recorrente.
Fim da fila
No ano seguinte, Rogério Sganzerla recria, para Em 1994, na primeira copa realizada nos Estados
o cinema, um roteiro deixado por Oswald de An- Unidos, o Brasil consegue dar fim ao longo estio
drade, Perigo Negro, episódio da obra coletiva de 24 anos sem títulos mundiais. Com uma equipe
Oswaldianas. Esse filme, lançado em 1992, foi pragmática, treinada por Carlos Alberto Parreira,
um dos poucos longas-metragens produzidos e Romário em grande fase e marcação cerrada co-
exibidos naqueles anos de vacas magras para o mandada por Dunga, o Brasil foi avançando. Co-
cinema nacional. No episódio dedicado ao futebol, meçou com 2 a 0 sobre a Rússia, 3 a 0 em Camarões
conta-se a história de um jogador do Flamengo, e empate com a Suécia por 1 a 1, passando para a
o ídolo apelidado Perigo Negro, que vai da glória segunda fase. Tirou do caminho os donos da casa
ao ocaso quando vítima de uma contusão. Para por 1 a 0 em jogo duro. Mas duríssimo mesmo foi
192 ganhar a vida, acaba tendo de cuidar do gramado o encontro com a Holanda, com o Brasil vencendo 193
do seu ex-clube. Antonio Abujamra faz o cartola por 3 a 2. Na semifinal pegou de novo a Suécia
corrupto, segundo o clichê vigente, com direito a e ganhou por 1 a 0, habilitando-se a nova final
ternos de mau gosto, barrigão e charuto. E o tom contra a Itália. Um reencontro, 24 anos depois da
do filme leva as marcas do estilo Sganzerla, quer histórica decisão no México, e 12 anos depois da
dizer, escracho, apelo ao absurdo, deboche, etc. tragédia de Sarriá na copa da Espanha.

Interessante é o fato de se basear em texto antigo Nessa copa de 1994, o Brasil fez com a Itália a primei-
de Oswald de Andrade, que já havia percebido que ra final da história que terminava por uma disputa
um clube de futebol funciona segundo a estrutura de pênaltis. O 0 a 0 persistiu durante os 90 minutos
de classes da sociedade mais ampla, com o cartola de jogo e nada mudou nos 30 de prorrogação. O
sendo o capitalista e o jogador, o explorado. Já en- lance a ser guardado foi a cobrança do atacante
contramos esse modelo em outros filmes, incluindo Baggio, tido como um dos melhores jogadores do
um documentário tão importante quanto Subter- mundo. Como se lembra, Baggio bateu a penali-
râneos do Futebol. O roteiro de Perigo Negro foi dade e jogou a bola por cima do travessão. Era o
extraído do romance Marco Zero e publicado em quarto título brasileiro, coroando uma campanha
1938 na Revista do Brasil. Pelo que consta, Oswald baseada no realismo de Parreira (compreendeu
que não tinha uma grande seleção) e no talento de jogar bola, definiu o estilo europeu como um
de Romário, o nome da copa de 1994. futebol de prosa. E o estilo sul-americano, brasi-
leiro em particular, como futebol de poesia. Não
Passado o período Collor, o cinema nacional tam- fez distinções de valor entre um e outro. Apenas
bém saiu da fila e os filmes recomeçaram a surgir. constatou que determinados povos, por razões
Quis o acaso que fosse um brasileiro a dirigir o culturais e históricas, jogam de um jeito, enquanto
documentário oficial da Fifa justamente em 1994, outros povos jogam de outro. O futebol europeu
quando a seleção ganhava a copa. E foi um cineasta depende muito da organização tática e do jogo
especial, Murilo Salles, grande fotógrafo, diretor coletivo. O sul-americano, poético, seria um futebol
experiente e de muitas qualidades, que compreen- que se inventa, improvisa, desloca significados e cria
deu perfeitamente o que uma partida de futebol o novo. Um futebol do drible. Se a poesia cria novas
contém de dramaticidade e beleza plástica. Tanto possibilidades de linguagem pelo uso das figuras de
assim que o filme – aqui lançado em 1996 como linguagem como metáfora e metonímia, o futebol
Todos os Corações do Mundo – atinge seu ápice brasileiro ampliaria os limites do jogo com os dribles,
na seqüência final, nessa última partida, Brasil o jogo de corpo, os passes e deslocamentos inespe-
194 contra Itália. rados. Um futebol que se poderia definir também 195
como futebol de invenção. De arte. E uma arte que
O jogo em si não foi grande coisa, a não ser pelo havia batido no México a prosa estetizante da Itália.
fato de que se disputava uma final de copa do Pasolini cita o Brasil como o maior representante
mundo e isso entre duas seleções vencedoras de do futebol de poesia, pois estariam aqui os maiores
três títulos mundiais cada. Era um tira-teima (mais dribladores do mundo (Pasolini, 1999).
um) entre Europa e América do Sul. Seria, em tese,
o desafio entre o futebol prático, de pouco brilho Pois bem, se Pasolini pudesse assistir àquele jogo
e eficiente dos italianos contra o futebol-arte do de 1994 entre Itália e Brasil (morrera assassinado
Brasil. Um duelo de estilos que se repetia 24 anos em 1975) provavelmente rasgaria a tese. Vinte anos
depois de o Brasil massacrar a Itália por 4 a 1 na depois, os dois países jogavam de maneira muito
final da copa do México. semelhante. A primeira ordem era não tomar gols,
depois tentar fazer um golzinho no adversário e
Naquela ocasião, o cineasta, poeta e polemista levar o título. Um queria ser mais pragmático do
Pier Paolo Pasolini, impressionado com o que vira, que o outro. E, com tanto excesso de zelo, a beleza
escreveu um ensaio hoje clássico sobre o futebol. do jogo foi para o espaço. Zero a zero, depois de
No texto, Pasolini, que não era só teórico e gostava 120 minutos de disputa.
Mas é claro que um jogo não se mede apenas pelo Todos os Corações do Mundo compreende aquilo
número de gols e aquela foi uma partida tensa, em que o futebol havia se convertido na socieda-
tática, e de pouca margem para o espetáculo. de do espetáculo. Inspira-se, de forma explícita, à
maneira de uma homenagem, à melhor escola de
No entanto, Murilo Salles captou de maneira filmagem do jogo, a do Canal 100.
magnífica aquele drama sem maiores atrativos
aparentes que se desenrolava em campo. E o fez Câmeras próximas dos jogadores, filmagem ralen-
da maneira a mais cinematográfica possível – sem tada, diálogo constante entre o que se passa no
nenhuma palavra. O filme, que é muito bom em campo e que acontece fora dele, na torcida – esse
seu todo, embora convencional até esse jogo, coro grego do mundo do futebol. Tudo isso para
muda de figura quando avança rumo à partida compor o cenário de uma copa do mundo, talvez
final. Passa a valer-se única e exclusivamente da o maior espetáculo sobre a Terra. Um show do
imagem, captada por várias câmeras e de ângulos qual o público faz parte integrante, e não apenas
diferentes. O esforço dos atletas, a disputa pela aquele que o acompanha no estádio ao vivo, mas
bola, centímetro a centímetro, o suor, os músculos uma platéia planetária. O futebol como espetáculo
196
no limite de sua extensão e esforço – tudo está lá. global, festa da TV. 197

Até chegar a prorrogação e a manutenção do zero Claro, filmar o público, torná-lo parte do show, não
a zero. E finalmente os pênaltis. era propriamente uma novidade. Filmes das copas
Murilo deve ter sido o único brasileiro a festejar mais antigas, como as de 1950 e 1958, já utilizavam
aquela até então inédita disputa de um título imagens dos espectadores. Cedo os cinegrafistas
descobriram que havia um espetáculo à parte logo
mundial por pênaltis. Eu sabia que então a dra-
ali nas arquibancadas, e este podia ser tão interes-
maticidade seria total, o que beneficiaria o filme,
sante quanto o que se passava nas quatro linhas do
disse em entrevista. De fato, não se pode conceber
campo. Torcedores empolgados ou desesperados,
situação mais tensa do que uma copa do mundo
damas que perdem a classe e xingam o juiz, gente
sendo resolvida na assim chamada loteria dos pê-
que se abraça, gente que ri ou que chora – tudo
naltis. A bola parada na cal, o batedor, o goleiro, a
isso faz parte do espetáculo humano com o qual
humanidade por testemunha. Nessa situação ultra-
se compõe o futebol.
simplificada se pode dizer que reside o drama do
futebol em estado bruto. E Murilo captou-o com Com o Canal 100, essa presença do público na tela
uma felicidade rara. ampliou-se. Ganhou presença maior, baseada
numa espontaneidade que hoje se perdeu nas
transmissões esportivas pela TV – o público agora
sabe que está sendo filmado e se exibe para a
emissora, muitas vezes portando cartazes com
mensagens, que visam a atrair o olhar da câmera.
Em todo caso, discípulo da escola do Canal 100,
Murilo entendeu que a copa era algo muito mais
amplo do que aquilo que se passava no campo de
jogo. E portanto ampliou o alcance de suas câme-
ras, isto é, de sua visão, pelas ruas das cidades
americanas onde se disputavam os jogos, pelas
arquibancadas, mas também pelas cidades do
mundo onde se acompanhavam as partidas pela
televisão. Inaugurou quase que uma câmera tes-
temunha, um olho onipresente. E este olho lá es-
198 tava para ver Baggio perder a sua cobrança de 199
pênalti e dar o quarto título mundial ao Brasil. No
registro sinfônico-operístico imposto por Todos os
Corações do Mundo.

Consciência de Si
Todos os Corações do Mundo foi um passo adiante
no registro de uma copa do mundo, a primeira
realmente global, de alcance planetário e sob o
domínio amplo da televisão. Mas é com dois filmes
do primeiro semestre de 1998 que o cinema toma
consciência, mais uma vez, e agora para valer, da
importância cultural do jogo para o país, como já
o fizera nos anos 60 em outras circunstâncias. E, o
que é mais importante, Boleiros, de Ugo Giorgetti,
e Futebol, trilogia de João Moreira Salles e Artur Boleiros, com Cássio Gabus Mendes, Denise Fraga e Otá-
Fontes, reparam que o jogo está mudando e que vio Augusto
essas transformações merecem acompanhamento
por parte do cinema.

Pouco depois do lançamento desses filmes o Brasil


foi para a copa da França com uma seleção consi-
derada ainda mais forte que a que vencera quatro
anos antes nos Estados Unidos.

Tinha alguns experimentados campeões do mundo


aos quais se juntavam Roberto Carlos, Cafu, Rival-
do, Denilson e, sobretudo, Ronaldo, que havia ido
à copa anterior como reserva e agora seria titular,
já que brilhava na Europa. A seleção ganhou de
2 a 1 da Escócia, de 3 a 0 do Marrocos, e, mesmo
perdendo por 1 a 2 da Noruega, passou para a fase
200 seguinte. Ganhou de 4 a 1 do Chile, de 3 a 2 da Di- 201
namarca e venceu a Holanda nos pênaltis em uma
partida dramática que terminou empatada por 1
a 1 no tempo regulamentar. Com esse resultado,
foi à final com a França, e na condição de favorito
das bolsas de apostas.

Na escalação divulgada pouco antes do jogo,


uma surpresa: Ronaldinho, o grande artilheiro, o
xodó de todos, não estava. Fora substituído por
Edmundo. Aos poucos a história foi sendo vazada.
Ronaldo teria sofrido misteriosa convulsão na tarde
da partida e fora fazer exames numa clínica em
Paris. Voltou à concentração e, dado como apto,
entrou em campo. Mas nem ele e nem o resto do
time foram sombra do que haviam sido até então. Ugo Giorgetti dirigindo Boleiros e cena com Otávio
A França derrotou um Brasil apático por 3 a 0, gols Augusto
de Zidane (2) e Petit. Houve muita especulação em
torno desse jogo de fato estranho. Especulou-se
que a patrocinadora de Ronaldo, a norte-americana
Nike, teria exigido sua escalação, mesmo sem ele ter
condições físicas. Nada ficou provado. As suspeitas
de algum tipo de coisa mal-explicada subsistem
até hoje.

Mas esse mal-estar em torno da seleção, que termi-


nou numa Comissão Parlamentar de Inquérito no
Congresso Nacional, não poderia ter sido captado
por dois filmes lançados antes da realização da
copa da França.

O primeiro deles, Boleiros (1998), em aparência sob


202 o signo da nostalgia, traz algumas sutis observações 203
sobre a posição do futebol no imaginário do País,
neste momento histórico. Giorgetti monta o núcleo
da sua história em torno de uma mesa de bar. Aliás,
reproduz o ambiente de um bar de verdade, o Elias,
que existia perto do Parque Antártica e era ponto
de encontro de jogadores, ex-atletas, dirigentes,
técnicos, torcedores, enfim, toda a gama de pessoas
que orbita em torno do futebol. Um bar de boleiros,
como diz o título do filme. À mesa, alguns desses
personagens evocam histórias. E, à medida em que
os causos são relembrados, eles vão sendo mostra-
dos na tela. São seis as histórias contadas:

1) Um time do interior está ameaçado de rebaixa-


Cena com Otávio Augusto e com Adriano Stuart, Flávio mento e compra o juiz para vencer uma partida
Migliaccio e Rogério Cardoso decisiva;
2) Ex-jogador, campeão pelo Santos e pela seleção,
está tão mal de vida que põe suas medalhas e tro-
féus à venda. Um repórter vai entrevistá-lo;

3) Ex-jogador mantém uma escolinha de futebol,


na qual treina garotos ricos e de classe média. Um
dia aparece um menino pobre e bom de bola, que
some em seguida;

4) Atacante faz um gol antológico e vira herói do


domingo. Vai a mesas-redondas e seu empresário o
negocia com um clube italiano. Está nas nuvens, mas
à noite, voltando para casa, é detido pela polícia, pois
um negro, dirigindo um carrão, é sempre suspeito;

5) Ídolo do Corinthians está sem jogar por causa


204 de uma contusão. Três torcedores, seus amigos de 205
infância, descrentes dos médicos e fisioterapeutas,
decidem levá-lo a um pai-de-santo do bairro pobre
onde eles todos se criaram;

6) Véspera do clássico de maior rivalidade, Corin-


thians x Palmeiras. O time do Palmeiras se concen-
tra num hotel, sob a vigilância de um treinador
durão. Mas o garanhão da equipe sempre dá um
jeito de passar a noite com uma mulher, mesmo
que para isso tenha de fazer seu companheiro de
quarto dormir no terraço, sob o sereno.

Os casos são típicos da profissão de jogador, e dessa


maneira são contados pelos boleiros aposentados,
em torno da mesa de bar. Passa pelas histórias uma
certa graça, mas também alguma melancolia. Há essa Edmilson (acima) e Fabrício – cenas do filme Futebol
Lúcio
Joesmar dosagem de registros, porque, de fato, também ela
206 207
acontece no mundo do futebol, no qual existe espa-
ço para a alegria, para a dor, para a gozação, para a
saudade. E até para lições de vida, que os cronistas
esportivos não cessam de tirar, a cada rodada.

Mas Boleiros reflete, em especial, o caráter único


da profissão de jogador. Quase sempre oriundo
das camadas mais pobres da população, o jogador
pode sair quase do dia para a noite da miséria para
a riqueza, do anonimato para a fama. Surge na
adolescência, consagra-se com 20 anos e, aos 30,
já é um veterano, que tem de pensar na aposenta-
doria. Não é difícil então que volte para o mesmo
meio de onde surgiu, principalmente se não fizer
parte da elite milionária que vai jogar na Europa,
Iranildo casar-se com uma modelo e ganhar em euros.
Essas histórias em aparência modestas, contadas
com despretensão (e narradas também em um
estilo de filmagem low profile) escondem a verda-
deira abrangência do projeto. Ugo toca em alguns
pontos significativos, como o fato de que o futebol
é ainda uma das poucas formas de ascensão social
das classes pobres. No entanto, numa sociedade
preconceituosa, nem mesmo o sucesso no mundo
da bola imuniza um atleta negro da discrimina-
ção racial. Em outra história, o craque potencial
não escapa ao seu destino porque, antes de ser
um menino bom de bola, é um menor infrator e
que anda em companhias perigosas. A história de
Paulinho Majestade (Aldo Bueno), o que vende os
troféus, talvez o melhor episódio de todos, evoca o
208 efêmero da fama, mas fala também na dignidade 209
que se guarda dos bons tempos como um bem que
Iranildo (à esquerda) e Paulo César Lima (à direita) não se perde ou se negocia.
Esse lado melancólico vem da observação do Esse painel, que inclui a corrupção, a superstição
cineasta, sensível ao aspecto humano do esporte, e também a malandragem, só se torna possível
tanto quando faz filmes como quando escreve sua porque o diretor compreende o papel que o fute-
coluna de futebol no jornal O Estado de S. Paulo. bol desempenha no imaginário brasileiro. Dessa
Em conversa com ex-jogadores, Giorgetti notou
compreensão nasce o resto. Quer dizer, faz-se,
essa constante dificuldade em se aposentar.
pelo futebol, uma radiografia do país, com suas
Pepe, o mitológico ponta-esquerda do Santos, qualidades e terríveis problemas.
lhe disse que sempre que sonhava se via no sonho
jogando bola, e não exercendo qualquer outra ati- Já Futebol (1998), documentário de João Moreira
vidade, embora já tivesse parado há tanto tempo. Salles e Arthur Fontes, esmiuça os três momentos
Giorgetti colocou essas palavras na boca de um dos cruciais na história de um jogador: os esforços para
seus narradores, o ex-jogador fictício Naldinho, ingressar no profissionalismo; sua trajetória, com
vivido por Flávio Migliaccio. seus altos e baixos e, finalmente, o momento em
que o jogador se torna um ex-atleta. É o primeiro A família deposita, nos pés de Fabrício, todas as
filme frontalmente crítico dessa fase globalizada, esperanças de mudar de vida. O garoto é seguido
embora sua origem indique mais uma homena- pelas câmeras enquanto faz testes no Flamengo, no
gem aos boleiros do passado do que uma análise Botafogo, sendo aceito por fim no São Cristóvão.
da situação do presente. Mas, como explica João
Moreira Salles em sua entrevista, o filme acabou No segundo episódio, são vistos os jogadores ini-
tomando rumo inesperado em relação ao projeto ciantes Lúcio (22 anos na época) e Iranildo (21),
original. ambos do Flamengo. O primeiro veio do interior
de Tocantins e o outro de Pernambuco, ambos de
No princípio, a idéia era tomar depoimentos de famílias pobres.
grandes craques e técnicos, como Tostão, Pelé, Didi,
Pompéia, Telê Santana, Zezé e Aymoré Moreira, No terceiro filme, acompanhamos um pouco do
Zizinho, Zico e Bellini. Depois, esses depoimentos cotidiano do grande Paulo César Lima, o PC Caju,
acabaram entrando como inserções em um pro- que disputou duas copas do mundo, jogou nos
jeto mais amplo, inspirado no longa-metragem grandes clubes do Rio e arrumou uma transferência
210 norte-americano Basket Blues, que acompanha as milionária para o Olympique, de Marselha. 211
diferentes fases da vida dos jogadores do basquete, Os cineastas o escolheram porque Caju foi o primeiro
o esporte mais popular daquele país. ícone pop que jogava bola, o primeiro jogador glo-
Assim, estão lá, em Futebol, as inevitáveis fases, a balizado, profissional consciente dos seus direitos
que todos os boleiros se referem: o início, com a e também da resistência da sociedade em assimilar
tentativa de fazer parte dos quadros de um grande um jogador negro, que gostava de namorar loiras e
clube depois de passar pelas peneiras da vida; o exer- freqüentava as boates da moda no Rio. Paulo César
cício da profissão, que é uma montanha-russa para a agia como se pertencesse ao jet set internacional, e
maior parte deles, indo-se do paraíso ao inferno (e de fato ele fez furor na Europa, onde não mudou
vice-versa) às vezes em uma única partida; a aposen- sua atitude de homem do mundo. Por isso causa
tadoria e a vida depois do exercício profissional. certa melancolia vê-lo cercado de aproveitadores
da sua fama, tentando, pelo telefone, ser convi-
No primeiro episódio, vêem-se os adolescentes Fa- dado pela Fifa para o sorteio das chaves da copa
brício, Edmílson e Joesmar. Fabrício, por exemplo, do mundo. De certa maneira, o documentário,
na época da filmagem morava no morro do Alemão, quando põe a lente sobre Paulo César, ilustra uma
uma das áreas mais violentas da cidade. das idéias centrais de Boleiros, o filme de ficção
de Ugo Giorgetti – a dificuldade para o jogador Esses jogadores são a coisa mais próxima que temos
administrar a vida depois de deixar a profissão. Às de heróis e, para falar a verdade, são os melhores
vezes o problema não é nem material. Paulo César heróis que poderíamos ter. Nós não gostaríamos de
não se enquadra naquela classe de jogador que fica ter outros (O Estado de S. Paulo, 30 mar. 1998).
pobre depois de parar. Não.
Penso que, em Futebol, o aspecto social do jogo da
Ele, embora nunca tenha ganhado as fortunas que bola fica muito bem desenvolvido. No entanto, ha-
são pagas hoje, conseguiu juntar algum dinheiro. via outra questão que motivava os diretores e esta
Comprou propriedades. Sobrevive de imóveis de é apenas insinuada. Segundo entrevistas da época
aluguel e vai tocando adiante. Joga bola na praia, de lançamento do filme (que na origem era uma
namora, tem seu círculo de amigos, vez por outra série de três programas para a TV, depois lançados
é procurado para alguma entrevista. Boa vida em vídeo), os diretores queriam investigar de onde
talvez, mas não impediu que se envolvesse com vinha o famoso estilo brasileiro de jogar bola e em
drogas, das quais parece agora estar livre. Quem que momento o jogador passa a adotá-lo.
já esteve no topo do mundo tem dificuldades para
212 se readaptar à planície. Ora, esse tal estilo brasileiro da bola é uma questão 213
mais difícil de ser resolvida do que a da quadratura
Futebol deve ser entendido como uma nova tentativa do círculo. O já citado Pier Paolo Pasolini o chamou
de compreender a importância social do jogo da bola de futebol de poesia, o que é justo, ou pelo menos
para nós. Mas trata-se de uma compreensão amorosa era na época em que ele escreveu o artigo. No seu
e não apenas intelectual. Num bonito texto escrito prefácio em O Negro no Futebol Brasileiro, a obra-
para o jornal Estado de S. Paulo, João Moreira Salles prima de Mário Filho, Gilberto Freyre dá seu genial
situa bem a faixa de admiração em que mantém os pitaco sobre o tema: O desenvolvimento do fute-
jogadores de futebol: Esses jogadores eram, e serão bol, não num esporte igual aos outros, mas numa
sempre, os nossos heróis. Ou, se vocês quiserem, os verdadeira instituição brasileira, tornou possível a
nossos astronautas. É assim que nós os chamamos: sublimação de vários daqueles elementos irracionais
os nossos astronautas. São todos eles, sem exceção, de nossa formação social e de cultura. A capoeira-
homens destemidos que foram para longe e volta- gem e o samba, por exemplo, estão presentes de
ram, cumprindo aquilo que deles se esperava. Se lá tal forma no estilo brasileiro de jogar futebol que
na América eles chegaram à Lua, por aqui os nossos de um jogador um tanto álgido como Domingos
foram à Suécia, ao Chile, ao México, ao Maracanã, (da Guia), admirável no seu modo de jogar mas
ao Olímpico, ao Mineirão e voltaram vencedores... quase sem floreios – os floreios barrocos tão do
gosto brasileiro – um crítico da argúcia de Mário também o jogo, introduzido pelo paulistano e filho
Filho pode dizer que ele está para o nosso futebol de ingleses Charles Miller, aqui tornou-se outra
como Machado de Assis para a nossa literatura, isto coisa, sem deixar de ser o futebol, uma linguagem
é, na situação de inglês desgarrado entre tropicais. universal cuja gramática é regida pelas 17 regras
Em moderna linguagem sociológica, na situação estabelecidas pela International Board.
de um apolíneo entre dionisíacos. O que não quer
O futebol brasileiro é uma variante dessa língua do
dizer que deixe de haver alguma coisa de concen-
mundo, acaso a variante mais rica, pelo menos até
tradamente brasileiro no jogo de Domingos como
que os efeitos da globalização econômica começas-
existe alguma coisa de concentradamente brasileiro sem a se fazer sentir. Mas esta é outra história.
na literatura de Machado (Mário Filho, p. 25).
De qualquer modo, essa história do estilo brasileiro
Freyre prossegue dizendo que mesmo em Machado é bastante difícil de definir. Todo mundo o reco-
e Domingos, tão clássicos em oposição ao estilo nhece, mas não se deixa apreender em conceitos.
barroco mais dominante entre nós (pelo menos Parece com o que disse Santo Agostinho a respeito
no gosto da torcida), encontram-se esses elemen- do tempo: Se não me perguntam, sei o que é; se
214 tos que lhes confere autenticidade brasileira, um me perguntam, já não sei mais. 215
pouco de samba, um pouco de molecagem baiana
e até um pouco de capoeiragem pernambucana ou Futebol, de João Moreira Salles e Arthur Fontes,
malandragem carioca. A primeira edição do livro passa um pouco por essa questão, mas meio de lado.
de Mário Filho é de 1947, mesma data do prefácio Pode-se dizer que esses elementos formadores do
de Gilberto Freyre. estilo já se disseminaram pela cultura, e, a cada vez
que um menino se inicia na arte da bola, mira-se
Embora seja difícil aprisionar o fenômeno em um no jogador famoso de sua época que, por sua vez,
conceito claro, parece evidente que foi incorpo- é um depositário daquele estilo, cristalizado pelas
rando esses elementos, todos eles de origem afro- gerações anteriores. E é nas classes populares, livres
brasileira, que o futebol abrasileirou-se. Na expres- da influência das escolinhas de futebol dirigidas à
são de Freyre, deixou de ser o jogo ordenado dos classe média, que essa tradição de pai para filho
ingleses para tornar-se dança, cheia de surpresas passa com mais facilidade e naturalidade.
irracionais e variações dionisíacas.
Assim, a prática do futebol continua a (re)nascer
Da mesma maneira que o idioma português aqui nas ruas, nos campinhos de terra, nas ladeiras,
tornou-se diferente, sem deixar de ser português, jogada com uma bola precária e um gol formado
por dois tijolos, nas praias, nos becos das favelas. É de Ronaldo. Era o pentacampeonato do mundo,
de lá que continua a sair a maior parte dos garotos que vinha na primeira copa disputada simultanea-
que depois irão fazer sucesso nos clubes e, em se- mente em dois países, Coréia e Japão.
guida, na Europa e nos quatro cantos do mundo.
O futebol é, continua sendo, em sua maioria, um Num comentário interessante, Luís Fernando Verís-
esporte das classes pobres. É delas que vêm esses simo interpreta as últimas campanhas do Brasil e a
moleques talentosos, cheios de fome de bola e de fase do que ele chama de más copas, isto é, de 1974
comida mesmo, com vontade de ajudar as famílias, a 1990, como uma sucessão natural de paradigmas.
conquistar fama, mulheres bonitas, o carrão, a casa O Brasil teria atingido a perfeição de um tipo de jogo
com piscina e churrasqueira. E isso se vê com toda em 1970, um modelo que se tornou insuperável e
a clareza no filme de Moreira Salles e Fontes. O obsoleto ao mesmo tempo. Só veio a se encontrar
futebol anda tão mercantilizado, submisso a tantos com um novo modelo em 1994, quando então ga-
interesses de ordem comercial e publicitária que de nhou a copa, perdendo a seguinte por detalhe e
vez em quando esquecemos dessa origem popular reafirmando-o em 2002. É uma tese atraente para
que, no caso particular do Brasil e de outros países, se pensar o futebol de maneira global. E daria razão
216 como a Argentina e Uruguai, foi uma conquista a quem vê com ceticismo qualquer tipo de variação 217
dessas mesmas classes populares. mais radical no jogo tal como é praticado hoje – ele
estaria numa fase de estabilização e desenvolvimento
Para a copa de 2002, com o Brasil classificando-se interno. Trocando em miúdos, a estabilidade do
a custo nas eliminatórias, havia ainda uma dúvida modelo explicaria por que motivo todo mundo joga
crucial em relação ao seu principal atacante, Ro- igual hoje em dia, sendo os lampejos de um inventor
naldo, que se recuperava de grave contusão no como Ronaldinho Gaúcho as exceções que justificam
joelho. O técnico Luís Felipe Scolari apostou tudo a regra. Ronaldinho é um dos poucos que provocam
em Ronaldo e foi recompensado. O jogador deu curto-circuito no sistema.
a volta por cima, calou os críticos que o davam
como acabado e tornou-se o artilheiro da compe- Ídolos: Garrincha, Ademir da Guia, Zico, Pelé
tição com oito gols. O Brasil fez uma campanha Como nem tudo vai na mesma direção, na mesma
brilhante: 2 a 1 na Turquia, 4 a 0 na China e 5 a 2 época do futebol globalizado que caracteriza os
na Costa Rica pela primeira fase. Depois, nos mata- anos 1990 e 2000, há espaço para o lançamento de
matas, 2 a 0 na Bélgica, 2 a 1 na Inglaterra (o jogo filmes em homenagem aos grandes do passado, o
mais difícil) e 1 a 0 na Turquia. Classificou-se para que talvez seja sintomático. São casos clássicos de
a final e derrotou a Alemanha por 2 a 0, dois gols meninos pobres, que chegaram ao topo, jogando
exatamente com aquele problemático estilo brasi- de Sapucaí, Garrincha, melancolicamente vestido
leiro de que falamos há pouco. Foram ao mesmo com o uniforme da seleção, teve de ir sentado num
tempo inventores e praticantes desse estilo: Gar- dos carros porque não conseguia parar em pé, de-
rincha, Pelé, Ademir da Guia, Zico. Além de terem bilitado pela cirrose hepática.
sido gênios do futebol, evocam também outros
tempos do esporte. É verdade, a história dele está lá – a infância em
Pau Grande, a amizade com Pincel e Swing, os com-
Garrincha panheiros de peladas e de copo, o casamento com
Garrincha, o mago das pernas tortas, que já fora Nair, a filharada, a ligação e depois a união com Elza
personagem do documentário de Joaquim Pedro Soares, que começou no mundial do Chile, o álcool,
de Andrade, agora ganha um filme-homenagem as brigas, o período na Europa com o emprego
baseado na biografia escrita por Ruy Castro, A Es- arrumado no Itamaraty, os jogos organizados em
trela Solitária. Nesse longa-metragem de 2003, di- seu benefício, a decadência final e a morte. Temo
rigido por Milton Alencar, o jogador é interpretado que as novas gerações, que não viram Mané jogar,
pelo ator André Gonçalves. Vemos na tela desde a fiquem com a impressão de que a dele foi a vida
218 infância pobre em Pau Grande até o estrelato no de um triste. E não é bem assim. Essa opção por um 219
Botafogo e na seleção, a sua ligação com Elza Soa- registro que cheira a lição de moral, acaba obscure-
res (Taís Araújo), a decadência e a morte prematura, cendo o essencial – o gênio da bola que Garrincha
causada pelo vício do álcool. foi, e continua sendo, na memória dos que o viram
jogar. O documentário de Joaquim Pedro de Andra-
Mas, o que deveria ser uma celebração centra de flagra a carreira de Mané ainda em andamento.
o foco mais nos aspectos depressivos da vida de Tem, além disso, uma clara vocação de interpretação
Mané do que na alegria do jogador. Afinal, ele sociológica. Fica faltando, no quadro da atual cine-
foi o homem que fazia a arquibancada dar risada, matografia brasileira, um documentário que resgate
como se dizia. E, apesar da vida conturbada, foi para os jovens esse jogador extraordinário, talvez
movido por um espírito dionisíaco que acabou por o representante maior daquela poesia da bola de
destruí-lo. Enfim, Mané foi um personagem trágico, que falava Pasolini.
sem dúvida, mas fica difícil acomodar a sua vida ao
formato de um melodrama, como indica o filme de Ademir
Alencar. Nele, a vida de Mané corre em flash-back A antítese de Garrincha, na vida como no futebol,
em torno da patética homenagem que recebeu da foi Ademir da Guia, o maior ídolo da história do
Escola de Samba Mangueira. No desfile da Marquês Palmeiras. O documentário em sua homenagem
chama-se Divino – Vida e Obra de Ademir da Guia jornalistas consagrados: Juca Kfouri, Alberto Hele-
(2006) e é dirigido por Penna Filho. na Jr., José Trajano, Armando Nogueira. E fala
de Ademir o cineasta palmeirense Ugo Giorgetti,
É possível que outros jogadores como Pelé e o pró- para quem Ademir foi o maior jogador que ele viu
prio Garrincha tenham sido mais bem aquinhoados jogar. E explica. Não o está comparando com Pelé
em termos de presença no imaginário do torcedor, ou Garrincha.
mas qual deles ganhou um texto tão primoroso
quanto o poema de João Cabral de Mello Neto Mas como Ademir atuava em seu time do coração
dedicado a Ademir da Guia? O poema, transcrito era normal que o seguisse com mais atenção e assi-
no Capítulo I, fala da falsa lentidão de Ademir, que duidade que aos outros. Para quem não o viu jogar
era na verdade, a sua maneira de cadenciar o jogo ao vivo, o filme dá idéia do prazer que era assistir
no interesse da equipe. a uma partida com jogador tão perfeito do ponto
de vista técnico. Alguns lances são de antologia,
Penna Filho não ignora o poema de João Cabral no gols límpidos, passes (hoje se diria: assistências) de
momento de estruturar o filme. A cada passo, uma dar água na boca. E, sempre, o controle da bola
220 estrofe é evocada, para marcar essa característica do no meio de campo, onde era rei. Em depoimento, 221
jogo de Ademir, o domínio do tempo, o controle Gérson marca bem a diferença entre os dois, que
absoluto da dinâmica da disputa, ralentando ou começaram juntos e disputando posição. Ele, Gér-
acelerando o ritmo segundo o momento da partida. son, era um grande lançador. Ademir era mais de
Como todo o jogo passava por seus pés, Ademir foi o conduzir, usando de um recurso que dominava
regente dessa grande equipe do Palmeiras, batizada como ninguém – escondia a bola, protegendo-a
de Academia, única em São Paulo a rivalizar com o do assédio do marcador.
Santos de Pelé em termos de qualidade futebolística Foi Ademir quem ditou a forma clássica de jogar do
durante os anos 60. Já no Rio, havia o Botafogo de Palmeiras daquele tempo. Sócrates, sempre muito
Garrincha e Nílton Santos. bom com as palavras, mata a charada: Ademir foi o
jogador que melhor conseguiu expressar a cultura
O filme mostra a trajetória do jogador, da infância
futebolística do seu time. Ainda falamos nesses
em Bangu aos 16 anos em que permaneceu no
termos, de cultura futebolística de um clube, ou
time do Parque Antártica. Exibe gols e jogadas do
mesmo de uma seleção?
craque e depoimentos de outros jogadores, como
Dudu, Oberdã Catani, César, Sócrates, Gérson, entre Ademir é filho de Domingos da Guia, o zagueiro
outros. Entram também na dança dos depoimentos clássico que nunca foi visto dando um chutão na
bola. Mário Filho, em O Negro no Futebol Brasileiro, la Solitária, quer dizer encena aquilo a que não
descrevia os dribles de meio milímetro de Domingos, tem acesso como registro documental. Assim, uma
a eternidade que se demorava no interior da área, criança é colocada para intepretar o garoto Arthur
depois de tirar a bola do adversário com toda a Antunes Coimbra em sua infância no subúrbio flu-
elegância, com delicadeza, até. Para desespero (mas minense de Quintino.
também deleite) da torcida, não mostrava pressa,
demorava-se, saía tranqüilo e escolhia o colega mais Mais novo entre os seis irmãos, Zico era bom de
bem posicionado para passar. Fazia-o com certo bola nas ruas de Quintino, mas sempre teve de lutar
fastio, como se tivesse pena de desvencilhar-se da contra o porte franzino. Mesmo numa época em
bola. que não se cultuavam tanto os brucutus muscu-
losos como hoje em dia, o garoto era magrinho
Ademir da Guia herdou essa serenidade e aplicou-a demais. Mas compensava com um domínio de
ao meio-campo do Palmeiras. Jogou 901 partidas bola invejável. Foi o radialista Celso Garcia quem o
pelo time. Foi o jogador que mais vezes envergou descobriu e levou a Modesto Bria, então treinador
a camisa do Palmeiras em toda a história do clube. das categorias de base na Gávea. Quando o viu,
222 Um mito, que ganhou estátua no Parque Antártica. Bria exclamou: Não dá! É fraquinho demais! Mas 223
Porém, um mito humilde, calmo, acessível e afável. depois de vê-lo jogar, Bria o incorporou ao time
Um adepto militante do antiestrelismo. Em tempo ao mesmo tempo em que deu início ao traba-
de badalação e oba-oba em torno de celebridades lho de fortalecimento muscular. Por conta disso,
instantâneas, esse filme (com todas as limitações muito tempo Zico foi vítima do rótulo de craque
que possa ter, a começar pela insuficiente coleta de laboratório. Enfim, começava aí a carreira no
de imagens) chega como um bálsamo em meio à rubro-negro e depois na seleção brasileira.
publicitarização acelerada do futebol. Ademir é
um ídolo dos velhos tempos. Passou a vida inteira O filme, como quase todos os destinados aos gran-
no mesmo clube, distribuindo generosamente sua des personagens do futebol, tende a ser meio me-
arte à torcida do seu time. É referência maior dos loso em alguns momentos, o que até se entende,
palmeirenses. E de todos os que amam o futebol. pois são destinados aos fãs. E não faltam elementos
de melodrama nessas histórias de garotos, em
Zico geral vindos da pobreza, e que têm de enfrentar
Com o documentário Zico (2002), Eliseu Ewald uma série de obstáculos até vencer. No caso de
procura refazer a trajetória do maior ídolo do Fla- Zico, além do porte tido como desfavorável para a
mengo. Usa um recurso semelhante ao de A Estre- prática de um esporte viril, houve a séria contusão
vai disputar a copa do mundo na Alemanha. Aliás,
na mesma chave do Brasil.

Além desse semidocumentário de Eliseu Ewald,


Zico ganhou um papel num filme de ficção desti-
nado ao público infantil, Uma Aventura do Zico,
de Antônio Carlos da Fontoura. O filme traz o ex-
craque do Flamengo como protagonista de uma
trama cuja base fica em Quintino, subúrbio de
onde saiu para se transformar na grande estrela da
história do clube e jogador de fama mundial.

O filme não é nenhum portento, mas passa como


comédia razoável, dirigida em especial ao público
infantil. A história é a de um garoto filhinho de pa-
Uma Aventura do Zico
pai que não consegue ser selecionado para treinar
224 225
que quase o alijou da copa do mundo de 1986 e na escola de futebol do Zico e ganha de presente
por pouco não encerra a sua carreira. um clone do craque, só para ele e seu time. O ponto
O aspecto vitorioso da vida do Galinho de Quintino interessante da trama é que, com a clonagem, a
é enfatizada também por seu sucesso no Japão, personalidade de Zico se divide: há o Zico rígido,
onde foi jogar em final de carreira e depois passou adepto do futebol força e dos esquemas táticos
a exercer o ofício de treinador. Tão adorado é Zico disciplinados, e o Zico brincalhão, que não liga para
no Japão que até estátua ganhou. O docudrama a disciplina, só quer marcar gols, driblar e farrear
não perderia a chance de mostrar, com todos os com os amigos.
detalhes, esse momento de triunfo de Zico no Na entrevista que me deu na ocasião de lançamen-
Japão. A sua entrada no estádio, com a família, to do filme, Zico disse que esse ponto era signifi-
as homenagens, etc. Esse lado um brasileiro que cativo no enredo: Sou uma mistura dos dois, por-
venceu no Exterior é bastante realçado. E o Gali- que todo mundo tem de ter um lado lúdico, mas
nho, de fato, tornou-se uma espécie de herói do também precisa ser disciplinado.
futebol japonês, ao conseguir conduzi-lo a um
outro patamar de qualidade. No momento em que Ainda segundo o jogador, ele compôs o seu lado
escrevo, ele é o técnico da seleção japonesa que rígido levando em conta a experiência no Japão.
Me disseram que lá todo mundo era muito sério e jogar. Conquistou 53 títulos em 22 anos como pro-
que eu teria de ser assim para me impor quando fissional, entre 1956 e 1977 (contando os três anos
chegasse, lembra-se. Outra curiosidade: um dos pelo Cosmos). Cinco vezes campeão do mundo, três
garotos que contracenam com Zico na escolinha pela seleção, duas pelo Santos, fez 1.281 gols em sua
de futebol é um menino chamado Felipe Barreto carreira, sendo 1.091 pelo Santos e 95 pela seleção.
Adão, filho de Cláudio Adão e que hoje joga pro- Uma trajetória superlativa como essa merecia um
fissionalmente no Botafogo. filme tão completo quanto possível e este filme é
Pelé Eterno, de Aníbal Massaini.
Não se pode dizer que Uma Aventura do Zico seja
um marco nas relações entre futebol e cinema, mas As diferenças em relação ao outro documentário
não deixa de ser uma tentativa de aproximação consagrado ao craque – Isto é Pelé, de Luiz Carlos
entre filmes de enredo futebolístico com o público Barreto e Lauro Escorel – são muitas. E não poderia
popular. deixar de ser dessa maneira. Afinal, Isto é Pelé foi
feito em 1974, no momento em que se encerrava
Pelé a carreira brasileira do astro. E foi filme feito no
226 Na época do futebol internacionalizado não have- calor dessa emoção, como atestam as imagens do 227
ria figura melhor para ser homenageada do que jogo de despedida da seleção, no Maracanã, com
Pelé, o maior jogador de todos os tempos e que a torcida inteira gritando Fica, fica.
se tornou, mesmo jogando numa época em que
as transações internacionais de atletas eram raras, Mais de 30 anos separam um filme de outro. Por isso,
numa espécie de garoto-propaganda do país. Até o de Anibal é bem mais completo no que diz respeito
hoje, o nome Pelé continua a ser uma senha po- à coleta de gols. Entre parênteses: os gols de Pelé, os
sitiva, aonde quer que se vá. Alguns craques em mais conhecidos, são como peças de antologia, como
atividade, como os dois Ronaldos, rivalizam com standards da música, clássicos, e por isso repetidos
ele. Mas Pelé é ainda um fenômeno de permanên- à exaustão. É o caso do gol contra o País de Gales,
cia, se levarmos em conta que disputou sua última na copa de 1958, e considerado pelo próprio Pelé
copa do mundo em 1970 e, em 1974, encerrou sua como o mais importante de sua carreira. Ou o gol de
carreira no Brasil, jogando ainda mais três anos cabeça na final de 1970, contra a Itália. O zagueiro
pelo Cosmos de Nova York. que tentou marcar o Rei, Tarcísio Burgnich, ao co-
mentar esse lance, diz: Antes do jogo tentei dizer a
Pelé foi recebido por reis, rainhas, presidentes e mim mesmo ‘ele é de carne e osso, como qualquer
ditadores. Uma guerra foi parada para que o vissem um de nós’. Mas eu estava errado.
Pois bem, o filme de Massaini inclui esses gols famo- caracteriza basicamente pela simplicidade. De fato,
sos e exuma outros, que pouca gente ou ninguém esse jogador, com domínio de todos os fundamentos
conhecia. Como, por exemplo, o primeiro gol que – do cabeceio ao drible, o passe, o chute com as duas
Pelé, um menino ainda, marcou no Maracanã, e com pernas – os utilizava de maneira enxuta, pragmáti-
a camisa do Vasco da Gama (!), clube pelo qual nun- ca, jamais para se exibir. Nunca foi um malabarista,
ca jogou. Trata-se na verdade de um torneio inter- como Ronaldinho Gaúcho, e fazia o estritamente
nacional, no qual o Brasil era representado por um necessário para encaminhar-se em direção ao gol e
combinado Santos-Vasco. E o uniforme usado era o marcar – ou deixar a bola, redondinha, no pé de um
do Vasco já que as partidas aconteciam no Rio. companheiro mais bem colocado, em geral Coutinho
na época de ouro do Santos. Só que esse caminho de
Há também as seqüências famosas, na perseguição Pelé em direção ao gol nem sempre se podia fazer
ao milésimo gol que finalmente seria marcado no em linha reta e com os movimentos mínimos. E então
templo do Maracanã, contra o goleiro Andrada, do o Rei tirava do baú todo o seu repertório de joga-
mesmo Vasco, em 1969. E as epopéias das copas, das. Se elas não fossem suficientes, criava outras na
e das conquistas das Libertadores e dos Mundiais, hora, como foi o caso do drible de corpo no goleiro
228 pelo Santos. O filme traz cenas do jogo contra o Mazurkiewicz ou as tabelinhas que costumava fazer 229
Benfica, no Estádio da Luz, considerado pelo pró- nas pernas dos adversários, se não houvesse alguém
prio Pelé como sua maior atuação. E detalhes da do seu time para trocar passes com ele.
dramática partida contra o Boca Júniors, no estádio
de La Bombonera, com Pelé fazendo catimba e ir- Há também o lado institucional, o Pelé família, com
ritando os argentinos. Quer dizer, administrando a a mãe, a esposa, e filhos. Há o Pelé que admite a fi-
eles o próprio remédio. São cenas de antologia. lha nascida fora do casamento, não reconhecida, e
que o acionou na Justiça. Há o Pelé íntimo do poder
O filme contém imagens de bastidores da Vila e das autoridades. E há o Pelé homem de negócios,
Belmiro, com depoimentos dos companheiros de que nem sempre soube investir e administrar o seu
Pelé da época do grande time do Santos. Esses mes- patrimônio. Esse Pelé é demasiado humano, para
mos jogadores, Dorval, Coutinho, Pepe, Mengálvio, seus fãs. Mas, enfim, é um filme sobre a vida de um
e outros, que militaram em outros times, como Paulo ídolo, com pretensão a ser completo e definitivo, e
César Lima e Tostão, e mesmo estrangeiros como o então tudo isso teria de ser incluído mesmo.
argentino Rattin, comentam as jogadas do mestre.
E, de todos, o comentário mais interessante talvez No entanto, apesar do clima favorável que cercou o
seja o de Tostão, ao afirmar que o jogo de Pelé se lançamento, Pelé Eterno ficou aquém do que dele se
esperava, em termos de bilheteria. Lançado com 150 Mas aí é que está a chave da questão. O público
cópias, e grande repercussão na mídia, teve média de de documentário no Brasil é mais ou menos este
público relativamente baixa e o fato deixou muitos que Pelé Eterno atingiu – um teto de 200 mil ou
analistas sem saber como explicar o fato. Ouvido por 250 mil espectadores. O especialista em mercado
mim, para uma reportagem de O Estado de S. Paulo, cinematográfico, o também diretor Paulo Sérgio
o próprio diretor do filme se disse perplexo. Almeida, desculpabiliza o público feminino e diz
que o fenômeno é de outra ordem.
Afinal, o sucesso de mídia e mesmo de público nas
pré-estréias fora consagrador. No entanto, quando Não se pode confundir o público de futebol com
estreou para valer, Pelé Eterno decepcionou. Eu o público de cinema, diz. O público de futebol
deveria ter ouvido meu pai (o produtor Oswaldo vai aos estádios ou vê o seu time pela televisão.
Massaini) quando ele me dizia que filme de futebol Tem seus desejos amplamente atendidos pela TV
é veneno de bilheteria, disse Aníbal Massaini, meio aberta ou por assinatura. Não se desloca para
a sério, meio brincando. ir a um cinema. Pode ser isso. Mas permaneceu

230
Na mesma reportagem, o produtor Luiz Carlos Bar- 231
reto conta que quando tentou vender Garrincha,
Alegria do Povo para a Inglaterra, foi desestimu-
lado por um colega daquele país. Segundo ele, o
inglês típico é fanático por futebol. Vai ao estádio
aos domingos e deixa a mulher em casa. Ao longo
da semana, trabalha durante o dia, chega e vai
ouvir no rádio o comentário esportivo. O futebol
é uma barreira entre os sexos. Quando ele for
levar a mulher ao cinema, ela vai querer qualquer
coisa, menos um filme de futebol. O cineasta Zeli-
to Viana disse que queria ver Pelé Eterno, mas
precisava arranjar outro filme no mesmo horário
para a mulher porque ela se recusava a ver um
documentário sobre um jogador. Mesmo que esse
jogador fosse o maior de todos os tempos. Pouco
importa. Futebol, nem pensar. Cena de Uma História de Futebol
ainda sobre as mulheres o estigma do fracasso de nos campos de pelada, algumas jogadas que se
bilheteria de um título que teria tudo para atrair tornarão marcas registradas do Rei. Um exemplo:
multidões. Afinal, o que as esperava na tela era o famoso drible de corpo no goleiro do Uruguai,
melhor ator do mundo em sua área de atuação e Mazurkiewicz, na copa de 1970.
o um trabalho competente para colocá-lo em cena.
Só faltou mesmo a platéia. As Mulheres Boleiras
Não se sabe se foram as mulheres que impediram
O curioso é que a trajetória de vida do Rei está na os maridos de ver Pelé Eterno no cinema, mas de
origem de outro filme – Uma História de Futebol qualquer forma nem tudo está perdido. Um índice
(1999), de Paulo Machline, concorreu ao Oscar de de que talvez o relacionamento das mulheres com
melhor filme em sua categoria, aproveitando-se, o futebol esteja mudando é o curta-metragem
talvez, da notoriedade de Pelé, mesmo nos Estados Decisão (1998), de Leila Hipólito. O filme é des-
Unidos, um dos poucos países do mundo que não pretensioso e a história muito bem contada. Rapaz
elegeram o futebol como seu esporte nacional. Mas (Murilo Benício) namora a bonita Letícia Sabatella.
Pelé, como se sabe, depois de encerrar a carreira O caso não vai adiante porque ele dá prioridade
232 na seleção brasileira e no Santos, foi jogar no New ao futebol e a moça tem outros programas em 233
York Cosmos, uma estratégia (infrutífera) de um mente. Separam-se. Mas ele sente saudades. Um
grupo de empresários para tornar o esporte mais dia, um amigo lhe dá um ingresso para o balé, onde
popular nos Estados Unidos, recrutando craques ele poderá reencontrar a garota e tentar reatar.
famosos em fim de carreira. Além de Pelé, jogaram
O problema é que o horário do espetáculo é o
no Cosmos Carlos Alberto Torres e Franz Becken-
mesmo da final do campeonato, com o Flamengo
bauer, entre outros.
jogando contra o Vasco. Como está apaixonado,
Em Uma História de Futebol, Machline inspira-se na o rapaz vai ao Municipal, mas leva um walkman
biografia de Pelé, mas apresenta-se como filme de e fica escutando a narração da partida enquanto
ficção. Mas estão lá todas as passagens dessa vida assiste ao balé. Vibra com os gols que ouve e a ex-
consagrada, inclusive as peladas nos campinhos de namorada pensa que ele está emocionado com o
terra que já haviam assinalado o menino como um espetáculo. Voltam para casa, retomam o namoro
fora de série. O filme brinca com esse fato. Nunca e ele se surpreende quando ela sugere que vejam
assume que se trata de Pelé, mas o espectador sabe os melhores momentos do jogo na TV. Sabe como
disso o tempo todo. E, se não sabe, algumas senhas é, ela diz, com o tempo que passei junto com você,
o avisarão. Por exemplo, o garotinho antecipa, eu acabei gostando também de futebol.
234 235

Marco Ricca, Luana Piovani e Luiz Gustavo em


O Casamento de Romeu e Julieta
Pode ser ainda uma utopia masculina (ou um pe- de um conto de Mário Prata. Na história, um corin-
sadelo para os machões que acham estádio lugar tiano fanático (Marco Ricca), que se apaixona por
de homem), mas as mulheres estão cada vez mais uma bela integrante do time de futebol feminino
interessadas no esporte. do Palmeiras (Luana Piovani).

Freqüentam os campos de futebol, praticam o jogo e O filme é despretensioso e procura apenas trazer
o compreendem. Já existem árbitras e bandeirinhas. para o, digamos assim, campo da rivalidade futebo-
A queda desse preconceito será importante para lística, aquela inimizade mais fundamental, de
o relacionamento futuro entre cinema e futebol. Verona, descrita por William Shakespeare em sua
Mesmo porque, segundo se sabe, quando um casal peça. Assim, como não existe conciliação possível
vai ao cinema, em geral é a mulher quem escolhe entre as famílias Montecchio e Capuleto na Verona
o programa. Algo está mudando. E, não por acaso, medieval, também aqui, na São Paulo do século
o filme que detecta essa mudança, Decisão, é, ele 20!, é impossível que uma família palmeirense e
próprio, dirigido por uma mulher. outra corintiana, ambas fanáticas por seus clubes,
se unam pelo matrimônio.
236 Mas antes dela, outra diretora já havia invadido esse 237
templo da masculinidade – Laís Bodanzky, que depois A solução de Ricca será se fazer passar por palmei-
dirigiu o premiado Bicho de Sete Cabeças, estreou rense, o que não é fácil para um chefe de torcida do
com o curta Cartão Vermelho (1994), que tem como Corinthians como ele. Sacrifício que se estende até a
protagonista Fernanda (Camila Kolber), garota que ida a Tóquio, em companhia do futuro sogro, para
gosta de jogar com os meninos e bate um bolão. Às a partida em que o Palestra joga (e perde) para o
vezes é até um pouco agressiva com seus adversários. Manchester em busca de um título mundial. Algu-
Mas Fernanda é uma menina pré-púbere e tem de mas das peripécias têm sua graça e o filme, como
enfrentar esse rito de passagem feminino. O cartão não poderia deixar de ser em tempos politicamente
vermelho, brandido pelos juízes nos campos de fute- corretos, termina com uma mensagem de tolerância
bol de verdade, é uma alusão à entrada da menina mútua, do tipo: eu tenho meu time e você tem o
na puberdade com a primeira menstruação. seu. Podemos muito bem conviver com isso.

Outro filme que se interessa pelo novo relaciona- Conclusão justa, bastante distante do fanatismo
mento da mulher com o futebol é a comédia O violento que se observa nas modernas torcidas orga-
Casamento de Romeu e Julieta, de Bruno Barreto. nizadas, incluindo as dos dois times em questão.
Nele, o que se tem é uma situação cômica, tirada Mas, com suas limitações – que são muitas –
O Casamento de Romeu e Julieta nos mostra como
fica interessante o uso do futebol como material de
ficção. Enriquece a trama e a aproxima das pessoas,
já que o futebol faz parte do cotidiano delas.

O curioso é que a idéia não é nem mesmo muito


original. Em 1979, o diretor gaúcho Pereira Dias
lançou Domingo do Gre-Nal, com uma trama muito
semelhante, explorando a rivalidade entre os torce-
dores do Internacional e do Grêmio. Duas famílias
rivais vivem às turras até que descobre que o filho
de uma namora a filha de outra. Trata-se de um
Romeu e Julieta gaúcho e futebolístico, que teve
pouca divulgação, até onde sei, fora do seu Estado
de origem. Os distribuidores devem ter achado que
238 uma trama baseada na rivalidade gaúcha não teria 239
como atravessar fronteiras. E assim o filme ficou
desconhecido do resto do país. Mas a idéia é a
mesma da do filme de Bruno Barreto.

O Jogo do Cifrão
Depois de certo tempo, os cineastas começaram a
compreender que o mundo da bola – junto com o
mundo em geral – havia mudado para valer. E al-
guns filmes passaram a registrar o fato de maneira
mais direta, com intenção crítica ou não. Entre eles,
alguns títulos lançados entre 2005 e 2006 – Ginga,
O Dia em que o Brasil Esteve Aqui, Sonho de Bola
e Boleiros 2 – Vencidos e Vencedores.

O Dia em que o Brasil Esteve Aqui fala da visita da


seleção ao Haiti em 2004 para o jogo da paz, uma Cena de O Dia em que o Brasil Esteve Aqui
promoção humanitária para um país conflagrado, nós – e, curiosamente, é a seleção nacional esse vis-
e militarmente ocupado, inclusive por tropas brasi- toso cartão de visitas do País. Por isso, as camisetas
leiras. Aliás, essa participação militar brasileira no amarelas são disputadas (a tapa, literalmente) e os
Haiti teve um desdobramento trágico (depois da atletas ganham status de astros pop.
filmagem) com o suicídio do comandante brasileiro
Não há uma adesão unânime de toda a população.
no país, o general Urbano Bacellar.
Mas, mesmo a crítica deve ser relativizada. Alguns
O documentário mostra mais os bastidores do que dias antes do jogo, os documentaristas entrevistam
o jogo propriamente dito, embora este apareça, um líder comunitário de uma favela de Porto Prín-
com o quase sobrenatural gol de Ronaldinho Gaú- cipe. Ele é rigoroso: o futebol é um instrumento
cho, em jogada de puro balé. Mas o fato é que da burguesia, uma forma de manipular o povo.
Ronaldo, o Fenômeno, parece o nome mais popular E o Brasil, que ocupa militarmente o Haiti, teria
entre os haitianos. E a chegada da seleção, com o mobilizado sua arma mais poderosa, a seleção.
desfile sobre carros militares é tanto comovente Poucos dias depois, esse intelectual é surpreendido
quanto constrangedora. Vêem-se ali aqueles atle- na fila do ingresso para o jogo. Ele se desculpou:
240 tas globais, milionários, desfilando diante de uma Sabe, como é, né, não dá para perder um jogo com 241
população paupérrima, que se empurra para ver o Ronaldinho. Assim é o futebol. E esse diálogo,
os ídolos passar. Zagallo, da comissão técnica, diz trocando Ronaldinho por, digamos, Pelé, bem po-
que uma recepção daquelas, nem quando a seleção deria estar na boca de um militante de esquerda
chegou ao Brasil depois do penta. Enfim, se alguém dos anos 70 no Brasil.
tinha dúvida da transformação dos jogadores de
Outro documentário, este sim, disposto a ir ao nervo
ídolos em verdadeiras celebridades mundiais, o
e às contradições do futebol globalizado é Sonho
filme não deixa muita margem para ela.
de Bola (Sogni di Cuio), do brasileiro César Mene-
As imagens são reveladoras, e mesmo os depoimen- ghetti e da italiana Elisabetta Paindemiglio. O filme
tos dos militares brasileiros mostram o curioso rela- acompanha a aventura de 23 jovens jogadores sul-
tivismo da riqueza das nações. Em geral acomodado americanos (13 argentinos e 10 uruguaios), todos de
na pudica qualificação de país em desenvolvimento origem italiana, em Fiorenzuola, uma pequena cida-
(que substituiu em linguagem diplomática o hoje de italiana de 15 mil habitantes, situada entre Parma
pejorativo terceiro mundo), o Brasil passa a ser o e Piacenza. O projeto era fazer do Unione Sportiva
país rico, em relação ao Haiti. Somos desenvolvidos Fiorenzuola um time integralmente sul-americano
por comparação aos que são mais pobres do que e, ao mesmo tempo, inteiramente europeu, pois
todos são comunitários. Levar o time da terceira
à primeira divisão e ganhar com a negociação dos
atletas é o objetivo. Quem dirige o time é o campeão
mundial pela Argentina, Mário Kempes.

Sonho de Bola é o acompanhamento de uma


experiência real, que leva ao limite as brechas da
legislação esportiva européia. Quem tem passa-
porte de um dos países pode jogar em qualquer
outro, pois é comunitário. Por outro lado, tem-se
na Europa – e, em todo mundo, aliás – o mito da
superioridade técnica sul-americana. O projeto,
portanto, procurava conciliar o melhor dos dois
mundos – um time inteiramente sul-americano e Boleiros 2, de Ugo Giorgetti
inteiramente europeu, pois composto de jogadores
com dupla nacionalidade. ram registrar todos os percalços, durante 40 dias,
242 243
como se aquilo tudo não passasse de uma versão
A experiência começa a fazer água por motivos tragicômica do Big Brother. O mundo de negociatas
diversos. Os jogadores preenchiam o ideal da do futebol global é posto a nu, com a venalidade
dupla nacionalidade, mas não eram tão excepcio- dos empresários envolvidos, que se valem de figuras
nais assim a ponto de tornarem possível um time notórias, como o campeão mundial Kempes, para
coerente. A compra do time não se concretizou, o dar credibilidade a uma falcatrua desse nível.
empresário milanês Alessandro Aleotti deu no pé,
o dinheiro começou a faltar e até as refeições se Ainda sobre a experiência de jogar no exterior – mas
fizeram difíceis. No fim, os meninos (porque não desta vez descrevendo um caso muito bem-sucedido
passavam disso) não tinham nem como voltar para – é BerlinBall, da diretora Anna Azevedo, que ga-
casa. A maioria acabou voltando para seus países nhou um prêmio no Festival de Cinema de Berlim. O
de origem. Outros ficaram na Itália, sobrevivendo filme tem por tema o jogador Marcelinho Paraíba,
como garçons ou faxineiros. Alguns sortudos con- astro do Hertha Berlim. Ele serve de exemplo para
seguiram se encaixar em times da quarta divisão, seus conterrâneos de Campina Grande, na Paraíba,
não-profissional. O curioso foi a maneira como os que desejam seguir-lhe os passos. Em especial, os
cineastas ganharam a confiança de todos e pude- meninos, candidatos a jogadores profissionais.
No filme, os garotos são entrevistados. E revelam lece um fluxo migratório com sua lógica própria. À
que pouco sabem de fato sobre a Alemanha, o medida que os primeiros se estabelecem, passam a
novo país de Marcelinho. Têm uma visão idealizada funcionar como pólos de atração e exemplo para
sobre como os gramados são mais verdes, em com- os que vêm depois.
paração com os campinhos de terra onde jogam.
Tudo lá é abundância, riqueza, felicidade. Faz frio. No âmbito ficcional, o filme que melhor expõe
Não tem importância, a gente se acostuma, diz as contradições, o drama e também o ridículo do
um deles. Enfim, a Europa é a Terra da Promissão, futebol globalizado é Boleiros 2 – Vencedores e
como já se estabeleceu no imaginário de qualquer Vencidos, de Ugo Giorgetti. Muita coisa mudou em
garoto que começa a chutar uma bola no Brasil. A relação à época do primeiro Boleiros. Um pentacam-
provável intenção do filme foi retratar um caso de peão, Marquinhos (José Trassi), agora jogando na
sucesso de um rapaz saído da pobreza. Ao mesmo Roma, entrou de sócio e repaginou o estabelecimen-
tempo, mostra o processo de idealização da vida lá to, adaptando-o aos novos tempos. O mezzanino, a
fora. E revela, também, de que maneira se estabe- área dos dinossauros, foi relativamente preservado.
O resto virou uma espécie de parque temático da
244 bola, com telões e ambiente artificial. 245

O filme trabalha então em dois tempos – o do fute-


bol romântico, evocado pelos boleiros do segundo
andar, e o contemporâneo, que ferve no piso de
baixo na expectativa da chegada de Marquinhos, o
assédio das marias-chuteiras, as tramóias dos agen-
tes e dos advogados. A beleza do filme consiste no
contraponto entre esses dois tempos – o da tradição
do futebol, vivida como poética, e a do presente,
retratada como desumana e mercantilizada.

Como não poderia deixar de ser, entra em cena a


figura maior do novo futebol, o empresário, que é
realmente quem manda no negócio da bola hoje
em dia. Lauro (Paulo Miklos) é esse agente mau-
Paulo Miklos em Boleiros 2 caráter que tem de administrar as marias-chuteiras,
uma ex-mulher com filho e tudo que precisa de
mais dinheiro e ameaça embarcar para a Itália com
o craque, amigos que tentam empurrar-lhe jogado-
res promissores, como Virgílio (Otávio Augusto).

Isso sem falar num meio-irmão do craque da Roma,


que também é boleiro de recursos, só que no time
da penitenciária. E, através de uma advogada,
também quer uma grana para ficar quietinho e
não revelar para a mídia esse incômodo parentesco
do ídolo. Com um misto de esperteza, truculência
e cinismo, Lauro se move nesse ambiente sórdido
como peixe na água. E é assim mesmo que eles
agem. No entanto, mesmo esse submundo das
negociatas do futebol é tratado com um misto de
246 ironia e ternura, herança do cinema italiano de 247
Dino Risi e Mario Monicelli, que Ugo Giorgetti,
como bom oriundo, soube preservar.

Alguns novos personagens se incorporam à mesa


dos boleiros, como os ex-jogadores Sócrates e Luiz
Carlos Feijão. O apresentador e narrador esportivo
Silvio Luiz sai-se bem no papel de Aurélio, com
passagem pelo Boca Júniors e atual dono do bar
onde tudo acontece. Personagens do primeiro filme
reaparecem e mudam de função. O menino bom
de bola de um dos episódios de Boleiros 1, torna-se
agora um pequeno assaltante de moto. Continua
hábil com a bola nos pés, mas sua vida não mudou
tanto assim. Denise Fraga, que faz a mulher de um
Denise Fraga e Lima Duarte (acima) e Cássio Gabus jogador em Boleiros 1, agora tornou-se a juíza que
Mendes, cenas de Boleiros 2 expulsa o conservador técnico Edil da decisão entre
São Paulo e Botafogo em Boleiros 2. O jornalista Zé
Américo (Cássio Gabus Mendes), que faz parte da
melhor história de Boleiros 1, a de Paulinho Majes-
tade e agora ocupa, com seu laptop, uma mesa no
andar de baixo do novo Aurelio’s.

É ele quem registra os causos que ouve por ali,


como os de Barbosa e Nestor, e que serão, no fu-
turo, partes da história do futebol. A memória de
um esporte que já foi mais humano e que agora
se vê mergulhado no mundo dos negócios e da
publicidade.

Duas dessas histórias armazenadas no computador Ginga


de Zé Américo: Barbosa (Duda Mamberti), amante
do futebol arte, é assistente de um técnico retran- O tom do filme, entre o cômico e o crítico, é uma
248 249
queiro, Edil (Lima Duarte). A grande chance de pôr ilustração perfeita daquilo que Marx chamava de
poder dissolvente do dinheiro. O futebol, mais do
em prática suas idéias aparece no dia que o técnico
que um jogo, foi um extraordinário dispositivo
titular é expulso de campo pela juíza vivida por
de dramatização das paixões humanas, criado e
Denise Fraga. É uma final entre São Paulo e Bota-
depurado ao longo do tempo.
fogo e o resultado vale o título do Campeonato
Brasileiro. A outra: Nestor (Walter Portella) é um Infelizmente, caiu no mecanismo global dos grandes
veterano que foi jogar no México, e lá ficou por 30 interesses comerciais, o que terminou por desfigurá-
anos. Quando volta ninguém o reconhece. E nin- lo. O que fazer? Não se muda a ordem das coisas
guém pode garantir que seja ele mesmo, nem os apenas pelo sentimento de que não gostamos dela.
amigos, nem a mulher que ele deixou por aqui. Mas sempre se pode registrar esse mal-estar. E, ao
mesmo tempo, sacar que, nesse ambiente viciado,
Boleiros 2 – Vencedores e Vencidos é feito por o fator humano ainda sobrevive, com aquilo que
alguém que tem no futebol uma das referências de tem de terno, contraditório e inesperado. No fundo,
vida. Lamenta, e registra de modo irônico, as trans- Boleiros 2, que nada tem de nostálgico, busca esse
formações pelas quais passou esse esporte desde fundo humano que ainda sobrevive numa atividade
que se tornou um negócio multimilionário. que se desumaniza sempre mais.
Ginga não coloca nenhum problema desse tipo.
É um típico produto da era global, sem culpa
ou questionamentos. Dirigido pela trinca Hank
Levine, Tocha Alves e Marcelo Machado é patroci-
nado pela Nike e seu objeto é a arte do drible no
futebol brasileiro. Quer dizer, aquela característica
que, para muita gente, nos distingue dos demais.
O título é muito feliz e não poderia ser outro.
O projeto reúne jogadores famosos, dribladores
eméritos – Robinho e Falcão – e anônimos, que
jogam nas peladas, além de outros, que buscam
oportunidade em um grande clube. O filme ficou
marcado pelo veto do Corinthians às pedaladas
que Robinho aplicou no lateral Rogério, na final
do Brasileirão de 2002.
250 251
Essa é uma história interessante, que vale a pena
ser relembrada. Na final do Campeonato Brasileiro,
o atacante do Santos aplicou oito pedaladas em
seguida em seu marcador, o que levou Rogério a
cometer um pênalti.

Convertido pelo próprio Robinho, esse primeiro gol


abriu o caminho para a vitória do Santos e o título
do Brasileiro. Foi uma jogada de mestre, aplicada por
um menino. No entanto, essa seqüência de dribles
fantástica, uma das melhores dos últimos anos, de
qualquer jogador em qualquer país, não poderá figu-
rar no filme em homenagem ao drible. E isso, não
por proibição do próprio driblado, o que no limite
seria até compreensível, mas do seu clube, que se
Cenas de Ginga sentiu menosprezado com a imagem. Seria mais ou
menos como o Vasco da Gama, ou o goleiro Andra- um grau de criatividade que por aqui se encontra
da, proibirem a cena do milésimo gol de Pelé. de maneira um tanto mais desenvolvida que em
outras partes. Até mesmo porque, para o brasileiro
No entanto, essas proibições estão se generalizan-
pobre, nada é dado de graça. Ele tem de se virar
do, o que irá causar problemas para os documenta-
para obter o que precisa. E, se virando, às vezes
ristas do futuro. Um exemplo: o filme Pelé Eterno
inventa maneiras originais de conseguir as coisas.
não pôde contar com um gol de Gérson na final
O que exige invenção e força de vontade.
contra a Itália, porque o meia havia brigado com
o Rei e não deu o consentimento. Para registrar o Há em Ginga um exemplo pungente dessa força de
fato, sem mostrar o lance, o diretor Aníbal Massaini vontade no rapaz que jogava bem, mas foi atrope-
teve de mostrar o placar do estádio em vez das lado, perdeu uma perna, passou a treinar no time
redes balançando. de paraatletas e hoje é um expoente do futebol em
Ginga, como outros documentários sobre o fute- sua modalidade. Exemplo de criatividade em quem
bol, também se debruça sobre a paixão do brasi- organiza um torneio como o Peladão, de Manaus,
leiro por esse esporte. Segue garotos promissores com centenas de clubes disputando suas vagas, en-
252 em suas tentativas de integrar um grande clube. quanto acontece, paralelamente, um concurso de 253
Inova, ao mostrar o garoto branquinho e bom de misses. Cada clube tem a sua rainha. E ela joga pelo
bola, que sofre uma espécie de preconceito às time. Se o clube perder, mas a rainha ganhar em
avessas – quer dizer, sendo branco e riquinho tem sua fase de classificação, o time avança no torneio.
de mostrar mais do que os outros para provar que O filme é também um mapeamento da maneira
não é apenas um filhinho de papai com dinheiro do brasileiro se relacionar com a bola. Uma versão
para comprar material esportivo. No mundo da filmada da mesma idéia de base que teve o inglês
bola – e isso começa desde cedo – a pirâmide social Alex Bellos fez em seu ótimo livro Futebol – o Brasil
brasileira se inverte. O futebol (ainda) é o território em Campo. Uma antropologia do brasileiro com a
dos negros e dos pobres. bola nos pés. O futebol que nos define como país.

Nota-se a tentativa de pôr em cena a famosa magia O filme é muito bem-feito e faz questão de manter
do futebol brasileiro. Talvez a origem dela esteja o astral lá em cima. Não busca compreender grande
na dança, na música, como achava Gilberto Freyre, coisa e nem abre espaço para pensamentos depres-
talvez tudo se sedimente no fato de que esse jogo sivos, tais como o fato de que o talento brasileiro
seja praticado em todos os cantos de um país enor- virou item de exportação. Aliás, do ponto de vis-
me. Talvez, e isso não é ufanismo, se beneficie de ta publicitário, é até melhor assim. Nada como
associar a marca de um material esportivo a um afluência, da publicidade, das marcas de material
jogador que brinca com a bola, como Robinho, por esportivo e da infinidade de produtos e serviços
exemplo, e que esse vínculo tenha projeção inter- que se associam ao multimilionário futebol da
nacional e não apenas no limitado mercado interno globalização. Neste caso, como em outros, trata-se
brasileiro. Astros globais vendem no mundo todo de fato de uma peça publicitária. Mas não devemos
e não apenas em seus países de origem. nos iludir. Muitas vezes, nos filmes, documentais ou
de ficção, está ficando cada vez mais difícil distin-
Essa imagem lúdica – e também associada ao suces- guir o que é publicidade do que não é. O futebol
so – tornou o jogador globalizado moeda forte do não seria exceção na era do simulacro.
mundo publicitário. Recentemente, um grupo finan-
ceiro espanhol, que comprou um banco brasileiro O Jogo Nosso de Cada Dia
e se instalou no país, promoveu uma campanha Ao lado desse futebol das corporações, um futebol
de US$ 100 milhões, contratando alguns dos mais ainda quase romântico, ou pré-capitalista aparece,
famosos atletas da seleção – Ronaldinho Gaúcho, por exemplo, no episódio Meia Encarnada Dura de
Ronaldo, Cafu, Kaká, Roberto Carlos e Robinho. Sangue (2001), dirigido por Jorge Furtado para a
254 TV Globo. 255
Estrategicamente, com exceção de Cafu e Kaká,
todos os outros quatro jogam no Campeonato Es- Baseado em conto homônimo de Lourenço Ca-
panhol. Mensagem subliminar – a Espanha é logo zarré, fala do jogador negro que tem de escolher
ali, povos irmãos, latinos; jogar no Real Madrid entre o time pobre em que joga e o time dos ricos,
ou no Barcelona é a mesma coisa que jogar no que lhe oferece uma casa como recompensa. Nesse
Flamengo, no Corinthians ou no Santos. Da mesma relato modesto, temos de volta o futebol do inte-
forma, esse banco, que cultua os nossos meninos, rior, dos campos de terra, onde se tematiza esse
seria tão brasileiro quanto eles, apesar de vir de dilema do jogador – entre a fidelidade ao time do
fora. Merece que lhe confiemos o nosso dinheiro. coração e as recompensas financeiras oferecidas
Nas peças publicitárias os jogadores estão vestidos pelo adversário. Não espanta que tenha sido es-
com as cores da seleção brasileira, com exceção colhido por Jorge Furtado, um artista consciente
do logotipo do banco, estampado no peito das dos efeitos do capital sobre o comportamento das
camisas, amarelas, é claro. pessoas. Essa pequena história discute esse tema
básico do jogo, que vem sendo debatido desde
Estamos aqui naquele mundo em que futebol e os tempos da adoção do profissionalismo, ainda
os altos negócios se dão as mãos. É o mundo da na década de 30 – qual o papel desse elemento
estranho, o dinheiro, na matéria simbólica da qual O filme revela, dessa maneira bastante inesperada,
ele se julga feito, isto é, a fidelidade às origens, a e através da descoberta de um rito pouco conheci-
um time, a uma vizinhança? As relações humanas do, essa função esquecida de socialização exercida
ou o vil metal? pelo futebol na comunidade brasileira. Aqui, es-
tamos anos-luz distantes do futebol profissional,
Já um documentário como Preto contra Branco, de com seu dinheiro, seu marketing, seus ídolos, seus
Wagner Morales, feito para o programa DocTV do produtos a serem vendidos. Aqui temos o futebol
Ministério da Cultura, nos abre os olhos para outra de fato popular, jogado na várzea, em campos
realidade. O filme revela tradicional partida de precários, por amadores. A função do jogo aparece
futebol em Heliópolis, São Paulo, no qual brancos aqui em toda a sua pureza, digamos assim. Não há
jogam contra negros. A tradição foi iniciada em nada externo a ele (interesses econômicos, etc.)
1972, por moradores de São João Clímaco, em He- que o justifique. Ele se justifica por si e pelo que
liópolis, zona Sul de São Paulo. Numa comunidade representa, em termos de valor simbólico, para a
altamente miscigenada, o problema é separar os comunidade. Em plena era do futebol-negócio,
brancos dos pretos para formar os times. O jogo um filme como Preto contra Branco testemunha a
256 sempre se realiza no mês de dezembro e seu re- sobrevivência do futebol em suas funções mínimas 257
sultado vira o assunto preferido dos moradores ao para a sociedade.
longo do ano.
É o futebol pequeno que, distante dos interesses
Logo se vê que o tal jogo tem valor ritual. Feito para econômicos multinacionais, continua a ser prati-
atenuar diferenças, acaba por revelá-las. A questão cado pela gente do povo – de onde saiu, aliás,
racial, de abordagem tão difícil, é exposta a pretex- convém não esquecer.
to da escalação das equipes. Quem é preto, quem
é branco? Resposta: quem se declara como tal. As Da mesma forma, o futebol cotidiano tem apareci-
tensões raciais estão lá e são encaradas sob a forma do de maneira incidental em vários filmes recentes,
de piada. O jogo anual, estabelecido como rito pela como Carandiru, de Hector Babenco, Bicho de Sete
comunidade, atualiza essas tensões e, ao mesmo Cabeças, de Laís Bodanzky, e Cidade de Deus, de
tempo, ajuda a comunidade a lidar com elas. Dito Fernando Meirelles, para ficar em três exemplos.
isso, convém esclarecer que essas conclusões se tiram Em Carandiru, um dos momentos mais emocio-
a partir do filme. Não há nele uma voz autoritária, nantes é aquele em que os presos cantam o Hino
em off, forçando a conclusão. Ela fica por conta do Nacional antes da partida entre os dois times rivais
espectador. Mas é bastante evidente. de detentos. Naquele momento, o diretor conse-
gue, em poucos momentos, realizar a aproximação visita seus pontos preferidos. Um antiturismo por
do preso com o homem brasileiro comum. E que excelência, preferindo os botecos de periferia, as
melhor estratégia para isso do que o Hino Nacional, casas das tias onde se faz samba aos ícones mais
cantado antes de uma partida importante? conhecidos. Mas há uma passagem obrigatória
pelo Maracanã, em dia de jogo do Flamengo. E lá
Em Bicho de Sete Cabeças, a relação conflituosa as câmeras registram o colorido da torcida, para
entre pai e filho aparece mediada pelo futebol deleite de Jano. E, evidentemente, de um dos dire-
quando o pai (Othon Bastos) leva o filho (Rodrigo tores do filme, Eduardo Souza Lima, flamenguista
Santoro) a um jogo do time deles, o Santos. E, em doente. Para além da globalização e da lógica
Cidade de Deus, a ação começa com uma partida no imperial do mercado, o futebol doméstico conti-
campinho de terra do conjunto habitacional, com nua no coração das pessoas, é ele que impregna o
os personagens jogando, até que um deles alveja a nosso cotidiano. Podemos (devemos) muito bem
bola com seu revólver – uma cena de faroeste que olhar o mundo, mas é o nosso quintal que mexe
dá a dimensão da violência que vem pela frente. mais com a gente.
258 O futebol comparece de maneira cômica nos filmes Esse futebol de todos nós vai continuar a apare- 259
Rádio Gogó (1999), de Araripe Jr., A Taça do Mun- cer no cinema. O diretor Reinaldo Pinheiro está
do é Nossa (2003), de Lula Buarque de Holanda, preparando um documentário sobre o futebol de
ou O Mundo Segundo Sílvio Luiz (2000), de André várzea – ou o que restou dele numa cidade como
Francioli, para citar apenas alguns títulos recentes. São Paulo.
Neles, o futebol se associa ao bom humor, um traço
brasileiro também ameaçado de extinção numa E Sampa será também locação de Linha de Passe,
época tão séria, pedante e mal-encarada como a longa-metragem de Walter Salles e Daniela Tho-
nossa. mas sobre o futebol da periferia. Na história que
será filmada pela dupla (a mesma de Terra Estran-
Mas nem tudo está perdido e o futebol continua a geira), quatro garotos esperam fugir à pobreza por
fazer parte da paisagem e da alegria das pessoas. meio do futebol.
Por exemplo, o documentário O Rio de Jano (2004)
fala do relacionamento do cartunista francês com Esse tipo de registro será, talvez, contraponto para
a cidade do Rio de Janeiro e a maneira como ele o mundo do futebol chamado de alto nível, cada
a interpretou em seus desenhos geniais. A equipe vez mais exclusivo das grandes potências. Com seu
de filmagem passeia pela cidade com o artista e poder de sedução monetária, clubes – Milan, In-
ternazionale e Juventus, Real Madrid e Barcelona, ex-premiê italiano Silvio Berlusconi, dono do Mi-
Chelsea e Manchester – tendem a se assemelhar a lan, andou propondo que o Campeonato Mundial
outras grandes corporações do capitalismo global. de seleções seja substituído por um torneio entre
Com capacidade de aliciamento sem par, monopo- clubes. Dessa maneira não haveria essa interferên-
lizam os melhores jogadores de todo o mundo e cia indevida na ordem capitalista, que reserva os
reduzem a concorrência em seus próprios países. prêmios para o mais rico. Competiriam para valer
Daí a tendência, na Europa, dos campeonatos os clubes com mais dinheiro, que assim pudessem
nacionais se limitarem à disputa entre dois, ou escalar os melhores jogadores, comprados a peso
no máximo três clubes. Como em outros setores, de ouro.
também no futebol o capital se concentra, com
Daí a antiutopia futebolística ensaiada pelo econo-
graves danos para a livre concorrência.
mista francês Jacques Attali em seu provocativo Di-
E como quem já tem o mercado quer sempre mais, cionário do Século 21: Esse esporte se transformará
os clubes mais ricos, através do seu representante, em indústria de altíssimo nível; os times tornar-
o G-14 (que, na verdade, reúne 18 agremiações se-ão propriedade de empresas multinacionais no
260 da Europa) vêm pressionando a Fifa para serem controle de numerosos clubes no mundo inteiro e 261
remunerados quando emprestam seus atletas às constituindo equipes de jogadores circulando de
seleções nacionais. Querem cobrar um aluguel pelo um time a outro segundo as necessidades. Attali
atleta, limitar mais ainda o número de datas dos ainda prevê modificações na própria estrutura do
jogos entre seleções e obter reembolso em caso jogo como forma de atender às necessidades do
de contusões. show biz: Para continuar sendo um dos espetáculos
dominantes, terá de tornar-se mais violento, mais
Tudo vai no sentido de uma limitação maior às rápido, mais dramático. As partidas serão picota-
seleções nacionais. De fato, o mundo do futebol das em seqüências mais curtas. A possibilidade de
é regido de maneira muito direta pelo dinheiro, a fazer mais gols será providenciada. Suas regras e
não ser no caso das seleções. Quando reúne seus sua prática tenderão a convergir para as do rúgbi
jogadores expatriados para formar um time, o po- e do futebol americano (Attali, 2001, p. 193).
bre Brasil é o Primeiro Mundo e não a rica Espanha,
para citar um exemplo. Não é preciso levar ao pé da letra a distopia de
Attali para concluir que o futebol está a caminho
Assim, uma copa do mundo é uma notável exceção de mudanças talvez inesperadas. Vem se transfor-
à lei suprema do capital. Por quanto tempo? O mando desde que entrou para valer no circuito
dos grandes negócios mundiais. A concentração de cinema não está só nessa alienação. Leiam e ouçam
poder econômico na Europa teve como contrapar- os comentaristas esportivos, sempre dispostos a
tida o enfraquecimento dos centros futebolísticos condenar a falta de estrutura do futebol brasilei-
de outros países, em especial na América do Sul, ro, o despreparo dos dirigentes, etc., mas também
embora o outrora criativo futebol africano também sempre omissos em relação às desiguais relações
tenha entrado na dança. Para que não se diga que de poder do futebol internacional. Nesse particu-
essa constatação é choradeira terceiro-mundista, lar, Nelson Rodrigues ainda é atual, e o brasileiro
ela aparece, sob a forma de consciência do imperia- continua sendo um narciso às avessas, que cospe na
lismo europeu, num bonito filme italiano chamado própria imagem. Diante do sinhozinho europeu, só
Puerto Escondido (1992), de Gabriele Salvatores
nos cabe submissão e deslumbramento.
(também diretor de Mediterrâneo com o qual
ganhou o Oscar na categoria de melhor produção Enfim, esse parece ser o estágio atual da história
estrangeira). Dois italianos, no exterior, conver- do futebol brasileiro. Nascido na elite, foi a duras
sam, nostálgicos: Sabe qual é o país mais lindo do penas apropriado pelo povo, que, no final de um
mundo? É aquele que tem também o campeonato longo processo, dos anos 1990 em diante, viu-se
262 mais lindo do mundo: a Itália! E o outro, realista, novamente desapropriado do que conquistara, 263
responde: Mas para a Itália ter o campeonato mais pelo menos dos seus maiores ídolos, também eles
lindo tem de produzir pelo mundo centenas de
vindos do povo. Um círculo que se fecha.
outros campeonatos que dão nojo de ver. É simples
assim. Para concentrar talentos, você tem de tirá- E que poderia conduzir ao pessimismo, não fosse
los dos seus países de origem. essa uma desapropriação parcial, uma vez que o
futebol continua a ser praticado em toda parte,
Poucas vezes, talvez nunca, o cinema brasileiro foi
assim tão simples, direto e incisivo no diagnóstico por gente de todas as classes sociais. E, se somos
desse estado das coisas do futebol contemporâneo privados do tal futebol de alto nível, que agora se
como esse italiano nostálgico do seu calcio, coloca- joga alhures e com jogadores saídos daqui, sempre
do por Salvatores em Puerto Escondido. Será por podemos bater a nossa bolinha por aqui mesmo e
pudor? Ou pelo sempre vigente complexo de vira- nos divertirmos e emocionarmos com os boleiros
latas brasileiro, que nos torna responsáveis por tudo remanescentes. Os que não têm mercado lá fora,
de ruim que acontece, mesmo que, neste caso em ou porque ainda são jovens demais ou porque
particular, sejamos de fato a parte fraca em uma passaram da idade. Ou porque não têm bola para
ordem econômica que nos ultrapassa? De resto, o tanto.
Talvez agora o cinema esteja despertando a sua Parte II
sensibilidade para tematizar tanto o futebol dos
grandes ídolos, cada vez mais onipresentes pela Segundo Tempo
TV e sempre mais distantes dos comuns mortais,
quanto o futebol do dia-a-dia, da rua, da nossa As Entrevistas
esquina, aquele praticado pelas pessoas normais,
próximas, iguais a todos nós. João Moreira Salles (Rio, 1962)
João Moreira Salles é autor de alguns dos mais
Assim, ao mesmo tempo em que existem projetos importantes documentários do cinema brasileiro
milionários para documentários sobre os astros contemporâneo: Notícias de uma Guerra Particular
globais, como Ronaldo Fenômeno e Ronaldinho (2000), Nelson Freire (2004) e Entreatos (2005). Veja
Gaúcho, há esse interesse renovado pelo futebol os temas: a violência ligada ao tráfico nos morros
de várzea, tido como moribundo, o futebol das cariocas, um pianista genial, os bastidores de uma
periferias e dos morros. O pobre e o rico, o global campanha política. Preocupado com a temática
e o local convivem, o que aliás seria de se prever.
social, em seus múltiplos aspectos, mas sobretudo
264 com a questão da forma documental, esse bota- 265
Nessas duas direções, entre as celebridades e os
anônimos, os projetos se avolumam. O cinema foguense engajado dirigiu em 1998 a trilogia Fute-
mostra mais fome de bola neste início de século bol, em parceria com Arthur Fontes.
do que em toda a sua história anterior.
O que te parece essa tentativa de fazer um livro
relacionando futebol e cinema brasileiro?
Acho que é um pouco como fazer um livro extraor-
dinário sobre as escolas de samba de Tóquio (risos).
O objeto em si é relativamente pobre (o cinema e
o futebol). Quer dizer, o futebol é riquíssimo, mas
o cinema que se fez sobre ele é comparativamente
muito pobre.

E por que é assim?


Tem um pouco a ver com a idéia que o futebol
representa tanto para a gente e que é um objeto
muito difícil de ser domesticado.
É complexo. Diferente de boxe que a gente resolve Lula (Entreatos). Eu deixei só um pouco de comício,
num ringue. Num espaço pequeno. O difícil no fu- porque o comício é a mesma coisa. A experiência
tebol é que demora muito tempo para acontecer é intransponível. A imagem em relação ao vivido
alguma coisa. Os esportes americanos, ao contrário é muito pobre. No futebol é um pouco isso que
do futebol, assim que você liga a câmera e alguma acontece.
coisa vai acontecer. Uma cesta vai acontecer. Os
jogadores vão se bater no futebol americano, no Não há exceções?
beisebol acontecem coisas o tempo todo. No fu- Se existe uma experiência de cinema no futebol
tebol, passam-se 15 ou 20 minutos e não acontece que é extraordinária é a do Canal 100. Qualquer
nada. A beleza do jogo, que é a articulação de uma pessoa que queira filmar futebol não pode deixar
jogada, demora para acontecer. Isso é uma coisa. de beber naquela fonte. É o único caso em que eu
A outra é que em lugar nenhum existe um grande sentia que se transmitia para o público a sensação
filme sobre futebol, na Itália, em lugar nenhum. da grandeza do esporte. Não era narrativo, era
Isso me leva a pensar que não é só uma incompe- apenas o registro de uma partida recente, num
tência nossa, é uma incompetência do cinema em tempo em que o futebol era vivido com mais
266 relação ao futebol. intensidade pelas pessoas. Talvez seja a experiên- 267
cia mais bem-sucedida do Brasil e do mundo em
Existem muitos filmes que, mesmo não tendo filmar o futebol. A grande intuição do Carlinhos
o futebol como tema central, o incluem em sua Niemeyer é que ele entendeu que o drama da
narrativa. Aí não fica tão difícil... partida não estava só no campo, mas também no
É tecnicamente mais fácil coreografar o boxe do espectador. Ele foi o primeiro a desviar a câmera
que o futebol. A outra coisa tem a ver com a idéia para o público. Para o negão desdentado com o
que por alguma razão é que quando se pensa em radinho vendo o jogo do Flamengo. É isso que é
futebol se pensa em estádio cheio, eu imediata- extraordinário. Claro que a câmera lenta, na altura
mente penso em carnaval. Você assistir aquilo na do pé do jogador, também é extraordinária. Mas
televisão ou no cinema é sempre uma redução da incluir o espectador é a grande sacada. Ali, só para
experiência que se sente na avenida. Foi o que me desmentir em relação à narrativa, ele construía
aconteceu com o Orson Welles. Ele filmou dois ou uma pequena narrativa, uma pequena história de
três dias de carnaval no Rio e percebeu que aquilo alguns minutos, 8 ou 9 minutos, soberba. Não tem
era indomesticável. Então partiu para o Ceará para um brasileiro da minha faixa etária que não tenha
filmar uma outra coisa e deixou o carnaval de lado. uma experiência proustiana, de memória, quando
Como no filme que eu fiz sobre a campanha do ouve aquela musiquinha do Canal 100.
Como o futebol entrou na sua vida? inimigo. Não havia muita razão para eu gostar de
Cresci numa casa de botafoguenses. Papai era um futebol. Eu voltei ao futebol em 1986, e por uma
caso à parte. Papai (o banqueiro e diplomata Walter razão nativista. Por gostar do Brasil. E não havia
Moreira Salles) era mineiro e quando chegou ao Rio como gostar muito do Brasil sem gostar muito de
o Augusto Frederico Schmidt disse a ele que não futebol. Então eu comecei a ir ao Maracanã. A idéia
dava para morar no Rio sem ter um time. E que o de uma torcida pequena, leal, de um time que
único time que merecia que se torcesse para ele era só tomava pancada me seduzia. Eu acho que sou
o Botafogo. Papai, como era muito amigo dele, virou muito botafoguense não por causa do time mas da
botafoguense. Mas não ligava muito para o esporte.
torcida. Em 1989, quando a gente chega milagrosa-
A primeira imagem que eu tenho era na copa de
mente numa final contra o Flamengo, o Botafogo
1970. A seleção teve um problema financeiro grave
e papai coordenou uma campanha para angariar não ganhava há 21 anos. O Flamengo um timaço,
fundos. Eu me lembro do João Saldanha em casa, e Bebeto, Zico, Zinho, Leandro, Jorginho, o técnico,
ele me perguntando qual o meu time. Eu dizia que o Telê. O nosso melhor jogador era o Paulinho Cri-
era Botafogo, e ele gostava. A seleção, um ou dois ciúma. E o Botafogo, inexplicavelmente, ganha. Eu
dias antes de embarcar para o México, passou lá em não tenho nenhuma dúvida em dizer que aquela
268 269
casa. Os jogadores todos foram. E como papai estava foi a noite mais feliz da minha vida. Aquela sen-
muito ligado a essa campanha, essa foi uma copa sação de ganhar do mais forte, alguma coisa meio
que a família assistiu unida. Primeiro jogo, contra como o Vietnã, é insubstituível. Davi ganhando de
a Checolosváquia, eles saem na frente. Marcam o Golias. Éramos vietcongues e vencemos o exército
primeiro gol e eu resolvo ir ao banheiro. E então americano. Aí o Rio despertou. Os botafoguenses
o Brasil empata. Papai se convenceu, não que eu despertaram, eu saí no meio da multidão, fomos
fosse pé-frio, mas que eu dava sorte quando estava a pé do Maracanã até a sede do Botafogo, numa
no banheiro. Então a copa de 70, eu não assisti. Eu euforia. Eu disse para mim: isso é o máximo, isso
ficava no quarto, porque diante da televisão, não é o que eu quero. E nunca mais deixei de me inte-
funcionava. Foi a minha cota de sacrifício para o tri.
ressar por futebol. Quando o Botafogo esteve na
Eu só ia para a sala quando ouvia os fogos. Então
Segunda Divisão eu fui a todas as partidas. É meio
todo mundo me cumprimentava, porque parte do
um princípio de vida. Você tem de ser leal às coisas
mérito daquele gol era meu.
de que você gosta. Mesmo que elas te tratem mal,
E quanto ao Botafogo? mesmo quando elas são medíocres. Eu me sinto
Os anos 70 foram o Botafogo no deserto. Nos anos um pouco canalha quando deixo de ver os jogos
80, 90, os grandes times no Brasil, e Flamengo, o do Botafogo porque ele está mal. É como se você
abandonasse um amigo no campo de batalha, justo O melhor jogador brasileiro é aquele que não faz o
quando ele precisa mais. É importante isso, porque que está no livro. Porque o que está no livro todo
depois se reflete na maneira de você se relacionar mundo faz e às vezes melhor do que nós.
com as pessoas e com as coisas.
Quem parece que está trabalhando essa questão é
É um princípio ético. Nesse sentido, você vê uma o Wisnik, que é um apaixonado pelo futebol...
relação do futebol com essa coisa da nacionalida- Junto do Nelson Rodrigues, que é uma espécie de
de, por exemplo? Homero do nosso futebol, o livro do Wisnik periga
Ah, não tenho a menor dúvida sobre isso. No filme ser o mais importante ensaio sobre futebol que
sobre o Pelé (Pelé Eterno, de Aníbal Massaini), por já li. Vai ser a referência do texto escrito sobre o
exemplo, uma das coisas que mais me emociona- futebol, na ensaística. Ele parte da observação do
ram foi constatar que aquilo tudo que eu via era Pier Paolo Pasolini sobre a distinção entre o futebol
uma síntese da nossa cultura, de 500 anos da nossa de prosa e o de poesia. Grosso modo. O europeu,
história, que haviam produzido aquilo, e aquilo era prosa; o brasileiro, poesia. Wisnik começa a fazer
bom. Tão bom quanto a Capela Sistina. Uma das uma análise literária das jogadas do futebol bra-
270 coisas que mais me decepcionaram foi quando o sileiro. A aceleração da poesia, por exemplo. Duas 271
Marco Aurélio Garcia, que aliás é um cara de quem imagens, uma em seguida da outra, produzindo
eu gosto, dizendo logo no começo do governo Lula uma aceleração, como o lançamento de um Gerson,
que a partir de então o mundo iria perceber que por exemplo. A sugestão de que você está indo
o Brasil não era apenas carnaval e futebol, como para um lado e vai para o outro representa uma
se isso fosse pouco, uma coisa menor. Ora, é um figura de linguagem. E assim por diante.
esporte que todo mundo quer jogar, é planetário,
é universal, e a gente joga melhor que os outros, O que levou você a fazer o documentário Futebol?
o que é fantástico. Eu estava fazendo publicidade, na época. Eu falei
com o Arthur Fontes, que havia muita sobra de
E a respeito do estilo brasileiro de jogar? Isso tem negativos do Terra Estrangeira, que o Waltinho
a ver com um suposto caráter nacional? (Walter Salles) havia feito. Então eu falei que a
Isso pode ser sociologia de botequim, mas eu acho gente deveria aproveitar essas sobras e pegar todos
que há traços da personalidade brasileira no tipo os grandes jogadores que a gente admira e fazer
de futebol que a gente joga. Vamos para outra uma longa entrevista com eles, em película. Fazer
área: Lula é um político brasileiro porque é um polí- um arquivo, uma memória do futebol brasileiro,
tico do improviso, não entende muito o protocolo. com os velhos jogadores. Eu brincava: Esses caras
são os nossos astronautas, aqueles que a gente ele fosse treinar lá. Ele não tinha nunca planejado
admira, que olha de baixo para cima. Então a ser jogador.
gente fez uma lista desses jogadores e pedimos
pautas, perguntas para pessoas que lidam com Você tem sempre um acaso assim. E acho que a série
o futebol. Fizemos entrevista de duas horas, em Futebol reflete isso. Os depoimentos dos grandes
película, mas apenas para fazer um arquivo, com jogadores têm essa função. Eles não entram para
Didi, Nílton Santos, Zezé e Aimoré Moreira, Pelé, informar. Entram para produzir um eco grandio-
Pompéia, Tostão, Zico. Só que ficou tão legal que so numa vida que você julgava pequenininha, de
a gente pensou em fazer um entorno para poder personagens anônimos, cujas histórias são tão
utilizar imagens desse arquivo. E então tivemos parecidas com as dos grandes.
a idéia de fazer três documentários. Porque era No entanto, tem uma coisa bem moderna lá. Você
alguma coisa muito recorrente na história de cada pega personagens como olheiros e empresários.
um deles: o começo, como é que o cara começou Você pega bem isso, o sonho de ir direto da favela
a jogar. Depois a carreira em si. E a terceira coisa
para a Europa.
também recorrente é o fim da carreira. Tão jovens
O menino principal, que é o Fabrício, foi escolhido
272 e tão velhos, com seus 32 ou 33 anos, sabem que 273
porque o olheiro do Flamengo, Mineiro, que tinha
o melhor da vida já passou.
descoberto o Bebeto, o Zinho, o Sávio e outros, ti-
Então é isso: o menino que quer virar jogador, a nha dito que aquele era o menino da hora. É o que
carreira em si e o fim da carreira. O que é interes- mora no Morro do Alemão. Não nos interessava o
sante é que nos depoimentos dos antigos joga- menino que já tivesse passado pela peneira, e já
dores aparece sempre um eco daquilo que está tivesse se instalado no grande clube. Queríamos
acontecendo com os personagens nas três fases o que estivesse passando pelo processo. E então a
da carreira. O que leva a pensar que, no fundo, gente acompanha esse cara durante um ano e oito
as histórias são muito parecidas, guardadas as meses. Um parêntese cinematográfico. Foi aí que
singularidades. No fundo, a vida do menino que eu comecei a me interessar por cinema direto. Eu
não conseguiu se tornar jogador profissional não ainda filmava de forma tradicional, a câmera era só
é tão diferente, a não ser por detalhes, da de um para quem falava e não quem ouvia. Mas na hora
Didi, de um Nílton Santos. Por exemplo: o Nílton de montar como uma narrativa quase ficcional,
jamais pensou em ser jogador. Ele só foi treinar no que é o que faz o cinema direto, eu não conseguia
Botafogo porque servia o exército e o sargento, montar o drama da cena. Mas como eu não sabia
que era botafoguense, disse que o dispensava se fazer isso, o filme não montava. Então assisti a
vários filmes, como o do Bob Dylan (Bob Dylan – tinha acabado de ganhar o prêmio de revelação do
Don’t Look Back, 1967, de D.A. Pennebaker), por ano da CBF pelo Goiás. No Goiás ele ganhava dois
exemplo, e aprendi você tem que filmar os circuns- salários mínimos, no Flamengo ele passou a vinte
tantes, tem que filmar o cara na rua, no ônibus, mil dólares por mês. De uma hora para outra. Como
indo para o teste. Então, o cara vai fazer uma pe- se lida com isso? Como fica a cabeça do cara? Então
neira, não adianta colocar só uma câmera no cam- esses eram os personagens. Porque aí aparecem as
po. Você tem de sair de casa com ele, pegar o loiras, os celulares, os amigos de ocasião.
ônibus, pois é isso o que dá a narrativa, a sensação
do esforço, do drama do indivíduo. Isso hoje parece Mas aí vem a gangorra da glória e da desgraça...
óbvio, mas na época não era nada evidente. A par- Esses dois eram as grandes promessas. E aí, no meio
tir daí começamos a filmar direito. do filme, foram para o banco. E, no final, nem no
banco estavam. Foram duas decepções absolutas.
Já no segundo documentário você pega dois joga- Nessa fase, o jogador é perseguido pelos torcedo-
dores profissionais e vê a alternância da glória com res, a torcida querendo bater, arranhando o carro.
a desgraça. Nós que freqüentamos estádio sabemos E eu me perguntava se era possível fazer uma
274 que numa jogada essa gangorra pode acontecer. história de fracasso, ainda que fosse um fracasso 275
Aí está a questão. O segundo filme era dos joga- relativo, porque eles continuavam no Flamengo,
dores já profissionais. Você pode fazer isso com ganhando 20 mil dólares e, de onde tinham vindo,
um profissional de terceira divisão, ou com o isso era uma história de sucesso. E a resposta é que
grande jogador do Brasil, que na época do filme dava sim para fazer um filme com essa história.
era o Romário, então no Flamengo. Os jogadores
sempre diziam que a parte mais crítica da carreira O terceiro episódio é com o Paulo César Lima. Por
é o momento da glória. A transição é muito súbi- que ele?
ta no Brasil. Na NBA isso é progressivo, o atleta Na época, Arthur e eu adorávamos o Romário.
se aproxima lentamente da fama, vai ganhando Essa pessoa pouco domesticada, que fala o que
progressivamente mais dinheiro, quando chega vem pela cabeça, pouco dócil. E nós achamos que
lá está preparado. Já no Brasil, no futebol, é um o precursor do Romário, o primeiro a fazer isso
salto. Iranildo tinha acabado de ser convocado pela foi o PC. Se a gente tivesse no Brasil uma revista
seleção. Na turnê pelos EUA, o Kléber Leite, que como a New Yorker, o PC seria um desses caras que
chefiava a delegação, o convenceu a abandonar mereciam um perfilzão daqueles, de dez páginas.
o Botafogo e ir para o Flamengo. Ele foi a grande Ele foi o primeiro a perceber, a se dar conta de que
contratação do Flamengo naquele ano. E o Lúcio podia arrombar a festa da zona Sul. Ele dizia: No
tempo do Nílton Santos, ele jogava, o Maracanã Mas quanto a ser uma figura trágica?
inteiro aplaudia; depois ele pegava o fusquinha Ele é uma figura trágica porque, veja que ironia,
dele e ia para a Ilha do Governador. se ele tivesse nascido dois ou três anos depois,
teria ficado milionário. Ele está exatamente na
Se colocava no lugar dele... transição para o futebol globalizado. As grandes
Exatamente isso. E o PC foi o primeiro a dizer e a transferências vieram depois dele, a geração do
fazer: Se vocês me aplaudem à tarde no Maracanã, Zico, Sócrates, Falcão, Cerezo.
à noite vão ter de me aturar na boate do Ricardo
Amaral. Além do que, ele era botafoguense e ti- Mesmo assim, ainda não eram os valores de hoje
nha de ter um botafoguense nessa trilogia, pelo e os jogadores não saíam tão cedo...
amor de Deus (risos). Além disso, ele andava meio Naquela época, os jogadores não compravam ainda
esquecido. um jatinho particular, como certamente um dia o
Ronaldinho Gaúcho comprará, mas você acertava
Ele é muito inteligente. Ao mesmo tempo, no fil- sua vida para sempre, voltava com dois, três mi-
me, me pareceu uma figura um tanto trágica... lhões de dólares, comprava uns apartamentos e
Ele é uma figura trágica. Mas ao mesmo tempo, foi o pronto. O PC vive a tragédia de ter chegado perto
276 277
primeiro jogador moderno, no sentido em que não e não ter chegado aonde ele queria. Hoje ele tem
era mais romântico. Ele jogava para quem pagava dois imóveis alugados no Rio de Janeiro, ele tem
mais. A gente fica pensando no Nílton Santos, que ex-mulher. Vive com muito pouco.
nunca teve outra camisa que não a do Botafogo, ou Você flagrou aquele entorno dele, que é meio
no Pelé, a vida toda no Santos. A gente sente sauda- melancólico, aqueles amigos, advogados...
des e a gente perdeu isso por causa do PC. Do ponto Pois é, e a fase em que filmamos ele estava no fun-
de vista dele, acho perfeito – a vida do jogador de do do poço mesmo, se drogando todo dia. Muita
futebol é curta, eu vou ganhar dinheiro onde me cocaína. Era o pior PC. No dia em que ele some do
paguem mais. Onde tiver dinheiro eu vou. No Rio, filme, ele estava se drogando. Tem uma cena no
só não jogou no Vasco. E, na seleção brasileira, ele Jóquei Clube, vem um sujeito, se diz fã dele e ele
não pôs a perna naquela partida contra a Holanda, passa uma descompostura no cara, chama de opor-
porque já estava vendido para o Olimpique de Mar- tunista, diz que ele só está falando aquilo porque
seille, a maior transação daquela época. Ele mesmo sabe que está sendo filmado, que é um papagaio
me disse claramente: Eu não ponho a minha perna de pirata, um negócio muito desagradável. Ele é
mesmo, depois eu quebro a perna e daí? Quero um personagem e tanto, o mais trágico da geração
ganhar os meus dólares... dele. Acho que isso está no filme.
Como é que fica o retrato do futebol do Brasil a esquerda. Como a bola era maior que a mosca,
neste seu filme? Você faria diferente, hoje? era fácil, ele diz. Tinha virado goleiro, pegando
É um filme para TV e você tem de fazer algumas moscas. Não é maravilhoso?
concessões para o espectador não mudar de canal,
como trilha sonora, por exemplo. Eu não sou con- Você aprendeu alguma coisa que não sabia, fazen-
tra trilha sonora, mas não como é utilizada no do o filme?
filme. Na época me satisfez muito, achei que era Tem uma grande lição a ser tirada do filme a respei-
uma das melhores coisas feitas sobre futebol, mas to do futebol brasileiro. Descobri, depois de filmar
também a concorrência não era muito dura (risos). um ano e meio com os meninos, que é difícil demais
Estava direito, eu ficava feliz em especial com os virar um jogador de futebol profissional. É mais
depoimentos. fácil ser aceito para fazer física nuclear em Harvard
do que conseguir ser jogador profissional, porque
Há um incrível, o do Pompéia é tanta gente atrás desse prato de comida! É muita
Sugestão do Roberto Benevides. Não gosto da tri- gente, muita concorrência e também é preciso uma
lha sonora que está no fundo do depoimento por- conjunção de acasos. Como é difícil!
278 que ela torna ainda mais dramática uma situação 279
que já era dramática em si. A entrevista do Pom- Como você considera o resultado do filme?
péia, do começo ao fim, é extraordinária. Ele foi Um dia eu gostaria de voltar ao tema, para fazer
goleiro do América. Ele conta como ele se tornou melhor. Mas concluí que a melhor coisa que existe
goleiro. Jogava na linha, numa cidade do interior sobre o futebol brasileiro é o Nelson Rodrigues.
de Minas e vêm uns olheiros do América, o goleiro Se eu tivesse que escolher alguma coisa entre TV,
se contunde e pedem para ele jogar no gol. Ele dá cinema, crônicas, ensaios, tudo, eu ficaria com as
sorte e agarra duas ou três bolas. E convidam ele crônicas dele. Ele intuiu esse traço épico do futebol
para um teste. Ele diz assim: Eu tinha uma semana brasileiro. Não via o jogo, mas que importa? Via o
para virar goleiro. E se lembrou de um filme que drama atrás do jogo.
ele tinha visto. Era o filme de um boxeador que
treinava contra a própria sombra. Ele passou uma Tem uma frase dele que eu adoro: A mais sórdida
semana projetando a sombra na parede, mas achou pelada é de uma complexidade shakespeariana.
que não dava certo. Nessa hora passou uma mosca É linda a frase. Há outra: A bola é um mero deta-
e ele tentou agarrar a mosca. No primeiro dia não lhe. Ele tem razão e esse é o problema que nós que
pegou nenhuma. Depois de alguns dias ele pegava filmamos o futebol encontramos. Ele é complexo
todas. Depois começou a pegar com a direita e com demais. Você pode fazer uma análise maravilhosa
que decreta a impossibilidade de um dia o cinema passavam muito longe da gente. Quase ninguém
estar à altura do futebol. Sabe aqueles teoremas ia a estádio. Muitos porque eram pobres. Outros,
que demonstram que não há solução possível? meu caso, porque o pai não ligava a mínima para
Pode ser assim. Não exijam isso do cinema porque futebol. Por isso ia ao estádio raramente. Uma
ele não vai conseguir. ida ao Parque Antártica, por exemplo, equivalia a
longa viagem. Tomava-se um bonde em Santana
Ugo Giorgetti (São Paulo, 1942) que nos deixava no Largo São Bento, de onde era
Ugo Giorgetti iniciou a carreira no cinema de preciso caminhar até a Praça do Correio e pegar
longa-metragem com o documentário Quebrando outro bonde que ia até a Francisco Matarazzo.
a Cara (1986), que começou como filme sobre o Não sei se você lembra da velocidade dos bondes...
campeão Éder Jofre e se transformou em retrato A coisa durava umas duas horas. Na adolescência
da família inteira do pugilista. Ugo ficou conhe- freqüentei mais os estádios Parque Antártica e
cido por vários dos seus filmes de ficção, como Pacaembu. Íamos geralmente em turma, mas não
Jogo Duro (1985), Festa (1988), Sábado (1994) e O necessariamente membros de uma mesma torcida.
Príncipe (2002). Palmeirense e amigo do esporte Era mais o passatempo. Cheguei a ver jogos do
280 desde a infância, descobriu no futebol um veio Corinthians com um bando de corinthianos amigos 281
de excelentes histórias. Dirigiu Boleiros – Era uma – que Deus me perdoe! Hoje vou pouco a estádios,
Vez no Futebol (1998) e voltou agora ao tema com embora continue palmeirense, ai de mim!
Boleiros 2 – Vencedores e Vencidos (2006).
Há várias teorias a respeito da popularidade do
Quando você começou a se interessar por fute- futebol no Brasil. Qual é a sua?
bol? Acho que a popularidade do futebol no Brasil
Me interessei por futebol como qualquer garoto vem do fato que todo mundo jogava bola. Só isso.
da zona Norte da cidade nos anos 50. Isto é, jo- Era o divertimento popular por excelência. Havia
gando. O passatempo de todos era jogar bola em campinhos e campos de várzea por toda parte
primeiro lugar, depois torcer para algum time. Me e, se você jogava, passava automaticamente a
lembro apenas vagamente dos times para quem apreciar o jogo. A diferença entre nós e jogadores
meus amigos de infância torciam. Mas sou capaz profissionais é que eles faziam o que a gente não
de lembrar as características técnicas de quase conseguia fazer. Daí surgia a admiração. Todo o
todos. Quem chutava forte, quem não errava mundo sabia como era difícil. Há também o fato
passes, quem driblava, etc., etc. Futebol, para que de repente o Brasil começou a vencer, a se
nós, era jogar. As coisas do futebol profissional se impor como potência no futebol mundial. Daí a
popularidade aumentou através de um nacionalis- professor sensível, enfim, alguém que dominasse
mo que se explica pelos fracassos do país em quase bem um assunto poderia fazer um documentário.
todas as outras atividades. Ficção é outra coisa. Não estou desmerecendo do-
cumentários ou documentaristas. Eu mesmo faço
Você acha que o cinema brasileiro tem tratado o documentários, por isso sei das características dos
futebol à altura da importância desse esporte na dois modos de cinema.
cultura nacional?
Não acho que o cinema brasileiro tenha dado qual- Quais seriam as dificuldades específicas da ficção
quer importância ao futebol. Ele é bastante mal sobre o futebol?
retratado nas telas, aliás, sequer é retratado. Como eu disse antes, é difícil fazer filmes de fic-
ção, ponto. Se você está falando sobre filmar o
Dentre os filmes brasileiros feitos tendo o futebol jogo propriamente, é necessário o domínio de
como tema, quais são os seus favoritos? uma técnica muito complicada. Mas não acho que
Certamente Garrincha, Alegria do Povo, embora futebol seja mais difícil de filmar do que uma bata-
não me agrade muito aquele olhar sociológico, lha, por exemplo. O problema é ter os meios e a
282 aquele vezo de usar o futebol como pretexto e habilidade de filmar. No caso do futebol os meios 283
não olhar para o mundo do futebol de igual para são essenciais por um único motivo. Você tem que
igual. Mas, enfim, é um belo filme. criar uma coreografia, exaustivamente ensaiada
das jogadas que vai filmar, com os movimentos
Há quem sustente que o futebol se representa decorados e repetidos mil vezes. Isso obviamente
melhor nos documentários do que nos filmes de porque a câmera não vai sair atrás de jogadas feitas
ficção. O que acha disso? ao acaso. Então você precisa ter tudo coreografado
É verdade. O futebol é melhor representado por meticulosamente por profissionais para escolher os
documentários. O motivo é que me parece ser mais ângulos que quer filmar e, principalmente, poder
fácil fazer documentário do que ficção. As imagens, refazer a mesma jogada ao repetir várias vezes
por exemplo, de jogadores ou do próprio jogo, as cenas. Todo esse aparato implica em meses de
podem ser tão poderosas, por si sós, que escondem preparação, especialistas e testes. Quem tem di-
todos os eventuais erros e deficiências. Além disso, nheiro para isso? Qual o filme que pode enfrentar
documentários são menos dispendiosos que filmes essas despesas? É por isso que eu evito cenas de
de ficção, e não requerem do diretor, em princí- jogo. As poucas que faço são feitas como descrevi
pio, quase nenhum domínio técnico. Requerem e geralmente ocasionam rombos no orçamento. E
apenas sensibilidade. Um jornalista sensível, um olha que não estou nem falando no problema da
torcida, seja com figurantes, seja com efeitos de atravessada na minha garganta. Uma coisa é a
computação! rivalidade que tínhamos antigamente, cheia de
respeito mútuo. Outra coisa é essa cafajestada
Você acha que o futebol tem mudado de função de achar isso e aquilo de argentinos e criar um
no imaginário popular ou é basicamente o mesmo clima belicoso imbecil. Acho que foi em 1963, não
de há muitos anos atrás? Nesse caso, você acha lembro, vi a seleção argentina bater o Brasil no
que o cinema tem retratado de maneira adequada Pacaembu por 3 a 0 com Pelé, Gerson e o diabo,
essa posição que o futebol ocupa no imaginário e no final a torcida aplaudiu os argentinos princi-
das pessoas? Mudou essa forma de representação palmente Sanfilipo, que fez os três gols se não
com o passar dos anos? me engano. Hoje o Galvão ia reclamar pênaltis,
O mundo mudou profundamente nos últimos anos e impedimentos, cotoveladas, catimba, o diabo para
muito rapidamente. Por isso acho que ainda estamos desmerecer qualquer vitória deles. Em suma, havia
investigando o que realmente mudou no futebol. um nacionalismo com classe, que foi substituído,
Algumas coisas são óbvias, mas muitas são apenas por um nacionalismo vulgar. É isso.
conjecturas. Eu, pessoalmente, estou tentando en-
284 tender. É claro que o cinema nem de longe chegou Pergunto a mesma coisa em termos da identidade 285
perto de apresentar essas questões. De qualquer nacional. Muitos críticos entendem que o estilo do
modo, meu caro, talvez eu esteja sendo injusto com brasileiro jogar reflete de certa forma o caráter na-
cineastas e filmes pelo simples fato que não tenho cional do país. Você concorda? Acha que isso ainda
acompanhado muito os filmes recentes. tem validade hoje em dia? Como você define esse
estilo e como define esse caráter nacional?
No tempo de Nelson Rodrigues havia uma associa- Não sei mais se isso é verdade. É muito difícil pre-
ção muito clara da nacionalidade com o futebol, cisar o que é hoje o caráter nacional. Somos ainda
em especial com a seleção. Você acha que, nestes cordiais? Somos mesmo a sociedade miscigenada
tempos de globalização, essa relação mudou? exemplar? O que somos? Eu acho que é mais fácil
Acho, e é só conjectura, que no tempo do Nelson estarmos atentos para o que estamos nos tornan-
Rodrigues a relação do torcedor com a seleção do. Para mim uma sociedade superfragmentada,
não tinha intermediários. Era direta. Hoje há um diversa, desigual, uma espécie de mosaico criado
nacionalismo mediático, estabelecido pelo Galvão por um louco, sem pé nem cabeça. O futebol um
Bueno, por assim dizer, que supostamente vem pouco acompanha isso. Como você explica jogado-
do povo, mas eu desconfio que não é mais dele. res indo jogar em países muito piores que o Brasil,
Por exemplo: essa questão com a Argentina está por exemplo? Enfrentando climas enlouquecidos,
línguas impenetráveis, costumes pra lá de exóticos mais ou menos. Não é muito pouco para tirar uma
pra ganhar o quê? Por quê? Acho que isso faz parte conclusão? Se você tirar os ridículos, como o do
de um país que não se entende mais, totalmente Garrincha ou do Zico, talvez restem ainda menos.
irreconciliável com ele mesmo. Então tenho minhas dúvidas. Além do que, há cri-
térios e critérios. Por exemplo: segundo o Adhemar
Em suma: se o país continuar insano, o futebol de Oliveira (do Espaço Unibanco), que distribuiu
continuará mais insano ainda, porque o futebol é os dois Boleiros, o primeiro fez cento e poucos
a nação em forma de jogo. O país sempre foi um mil espectadores. É pouco? Talvez, mas sabe com
pouco insano e isso, acho, deu inicialmente um ca- quantas cópias? Nove. Sim, nove cópias, cinco em
ráter particular ao nosso futebol. Quem ousava fa- São Paulo e quatro no Rio. Essas mesmas depois
zer jogadas de Garrincha e Canhoteiro? Quem em circularam onde a gente conseguiu colocar. Por-
sã consciência podia achar isso possível? Você não tanto, o filme fez dez mil espectadores por cópia.
acha que há um grão de loucura num Pelé ou num É pouco? Não, é muito! Como você vê, questão
Zizinho (que vi jogar no São Paulo), assim como há de critérios...
um grão de loucura em todos os gênios? Talvez
286 essa loucura benigna e ancestral ainda exista, vide Há autores que entendem que o futebol é uma 287
Ronaldo Gaúcho e Robinho, e talvez também seja espécie de dramatização da vida social em forma
um sinal que o país ainda tem salvação. de jogo. Nesse sentido, muito rico e cheio de pos-
sibilidades, ele não deveria atrair mais a atenção
Há uma crença de que filme de futebol não dá dos cineastas do que o fez até agora?
certo em bilheteria. Como se explica essa con- Uma coisa é gostar de futebol, outra coisa é achá-
tradição? O futebol é uma paixão nacional, mas lo importante como assunto, como elemento de
quando retratado numa tela de cinema, não atrai possibilidades artísticas. Acho que muito pouca
grande público. Por que isso acontece? gente consegue enxergar no futebol alguma gran-
Não quero nem pensar sobre isso. Essa é uma opi- deza que o conduza a assunto privilegiado da arte.
nião que pode ter várias origens. Uma das quais Infelizmente. Quanto aos nossos cineastas, não
é não ter a coragem de reconhecer que fez um quero parecer injusto, mas às vezes me parece
mau filme. Mas também pode ser verdade. Se for, que os cineastas brasileiros só conseguem pensar
tanto pior. Da minha parte Fi-lo porque qui-lo e em bando. De quando em quando aparece algum
ponto final. Aliás, só para completar o raciocínio, assunto que por alguma razão se impõe ao bando,
essa opinião de que filmes de futebol não dão até que seja substituído por outro assunto. É o
bilheteria deve se basear em uns quatro filmes caso da periferia, nos últimos anos. Talvez um dia,
por algum misterioso motivo, o assunto passe a prematura, mudou a relação do público com seus
ser futebol e o bando vai se deslocar incontinenti ídolos? O cinema já retratou essa mudança de
para ele. Esperemos... perspectiva?
É um pouco cedo pra saber quanto a ida desses
Você sente que a sua vida está ligada ao futebol? jogadores afetou a relação do craque com o públi-
De que forma isso acontece? Qual é a sua relação co. Não sei, às vezes acho que a ligação do torcedor
atual com ele? é mesmo com o clube, não com o jogador. É claro
O futebol está ligado à minha vida porque é a única que há jogadores tão carismáticos que conseguem
coisa que ainda resta do menino que eu fui. É a úni- vez por outra ser maiores ou iguais ao clube. Ou
ca coisa que me acompanha intacta pela vida afora. têm uma identificação misteriosa com a torcida
Nunca pensei em me desvencilhar dele, nunca vi por motivos quase sempre oblíquos. É o caso da
nele qualquer defeito que me fizesse abandoná-lo, fascinação da torcida do Palmeiras pelo Edmundo.
pelo contrário. Ele é algo que me liga ao passado. Ninguém protestou muito quando Wagner Love foi
Ele é uma espécie de sombra, é só olhar para o lado embora. No entanto, essa mesma torcida pratica-
e está sempre ali, me acompanhando, irremovível. mente obrigou o clube a recontratar um jogador
288 É claro que no decorrer da vida a ligação muda de de 35 anos e problemático. Vai entender... Quanto 289
figura. Há nuances, há sutilezas. Mas elas são mais ao cinema, no Boleiros 2 você talvez encontre um
devidas ao que a idade impõe à gente, do que pro- pouco desse tratamento dado ao futebol atual
priamente ao jogo. Atualmente sou um senhor que através de um personagem, um astro internacional,
vai muito menos ao campo. Até porque só vou a que está no Brasil de passagem para uma visita a
campo para ganhar e meu time não tem ganhado seus negócios. Vamos ver...
muito nos últimos anos. No fundo não tenho ido
mais por protesto. Moro perto do Parque Antár- Nesse sentido, você acha que o futebol hoje está
tica e às vezes tenho vontade de ocupar meu lugar mais enraizado no imaginário das pessoas, ou esse
preferido nas chamadas numeradas descobertas, vínculo era maior no passado?
que não são numeradas, porém são perfeitamente Acho que o vínculo era maior no passado. No pas-
descobertas, entre o meio de campo e a intermedi- sado o vínculo era quase religioso, inclusive porque
ária do lado do gol oposto às piscinas... Mas penso os craques eram pouco vistos. Eram mais ouvidos,
no Mustafá e não vou! pelo rádio. Hoje a TV mostra o craque a toda hora,
a imprensa divulga seu cotidiano esmiuçando sua
Em que medida o futebol globalizado, que leva vida o tempo todo e naturalmente isso coloca o
para o exterior os jovens valores de maneira muito craque numa dimensão mais prosaica.
Maurice Capovilla (Valinhos, 1936) a pé até chegarmos sem ser convidados... Os cinco
Maurice Capovilla dirigiu, em 1965, Subterrâneos invencíveis... Por trás de uma trave sem redes... E
do Futebol, que fazia parte da série Brasil Verdade, agachados vermos extasiados o gigante goleiro
coordenada por Thomaz Farkas. Esse filme é tido Oberdan Catani segurando no alto, com uma mão
como um dos mais importantes na vertente crítica só espalmada e sem luvas, uma bola chutada pelo
sobre o futebol. Muita gente diz que quem fazia centro médio argentino Luiz Villa. E na volta a lição
esse uso do esporte mais popular do País era por- aprendida... Murchos, tristes, desanimados com a
que, no fundo, não gostava tanto dele. O diagnós- evidência de que o futebol, afinal, não era o que
tico não serve para Capô, como é conhecido entre jogávamos, não era um jogo de crianças... Depois,
amigos do meio cinematográfico. Ele jogou bola adolescentes, entramos no time juvenil do Vali-
muito a sério e quase se tornou jogador profissio- nhense que se formava naquele ano... 1950. Dali
nal, como conta na entrevista. Esse interesse pelo para o Rigesa, o time juvenil da fábrica de papel
jogo manteve-se ao longo de sua vida. Agora, 40 foi um pulo. E depois de disputar o campeonato
anos depois de Subterrâneos e vários filmes sobre da região – Valinhos, Vinhedo, Jundiaí, Americana
outros temas lançados, Capô quer voltar à bola, ao
290 e Campinas... Fomos para o Guarani, eu e meu 291
menos no cinema. Interessa-lhe investigar como as
primo Écio... Fazíamos um grande meio campo,
pessoas definem, em geral na infância, o seu time
ele pela direita e eu pela esquerda, mais ou menos
de coração.
como jogava a seleção da época, com Zizinho e
Gostaria que você contasse como o futebol entrou Jair. Um campeonato estadual no ano seguinte e
na sua vida e como você se relacionou com ele na num domingo em que fazíamos a preliminar do
infância. profissional no Brinco de Ouro da Princesa, passa
Tudo começou naquela infância gostosa do interior por Campinas um olheiro do Fluminense. No final
de São Paulo, naqueles campinhos de terra batida daquele ano eu e Écio estávamos treinando no Rio.
entre a estrada de ferro e o rio, os cinco imbatí- Eu voltei, sob as ordens do meu pai, o Écio ficou.
veis craques do time de moleques mais famoso da Fez uma carreira solo magnífica, foi bicampeão
cidade... É claro que há muita imaginação aí... Mas carioca pelo Vasco... Anos 55, 56, 57... Preciso
vamos em frente... Estávamos em Valinhos... Lá pelo ver... Depois foi vendido para o Sporting Cristal
ano de 48, o Palmeiras foi se concentrar na Fonte de Lima, terminou precocemente a carreira com
Sônia, uma estância hidromineral nas proximida- uma contusão que acabou com seu futebol... Fui
des... E veio então a viagem, os sete quilômetros abandonando o futebol aos poucos...
292 293

Filmagens de Subterrâneos do Futebol


Qual é a sua relação com o futebol como torcedor? experiências que tivera. Além do mais, era a opor-
Você acompanha, torce, ou tem uma visão mais tunidade de utilizar o futebol como enfoque de
analítica sobre o jogo? Enfim, como é a sua atitude uma análise sociopolítica da realidade brasileira,
diante do jogo da bola? coisa que não tinha sido feita até então. O Garrin-
No início devo ter sido um torcedor apaixonado cha do Joaquim não chegava a tanto e o Rei Pelé,
levado pelo meu pai para ver o Palmeiras no produzido pelo Fábio Cardoso em 63 e dirigido
Pacaembu. Depois, a partir do Subterrâneos, a se- pelo Christensen, não passava de uma biografia.
gunda paixão pelo Santos ao ver de perto aquelas
feras jogarem bola como se estivessem brincando Revendo o Subterrâneos, noto de cara uma coisa:
naquele campinho de Valinhos. Tudo era tão sim- apesar de se inserir naquela época em que o fu-
ples, tão fácil, tão natural, com aquele camisa 10 tebol era visto (em especial pela esquerda) como
desfilando calmamente seus dribles e gols... Um alienação do povo, o filme passa, também, uma
verdadeiro rei com sua corte de fidalgos da bola... admiração pelo jogo, pelos grandes atletas, e idem
Zito, Mauro, Lima, Gilmar, Pepe... e Coutinho. pela torcida. Você concorda?
Depois desse time veio o analista frio e cada vez Mas é claro. As primeiras imagens, tanto dos cré-
294 mais crítico... Hoje não sei se torço como antiga- ditos (Canal 100), como os gols no Maracanã – TV 295
mente por um time... Torço pelo melhor time que Globo ou Tupi, se não me engano – davam a chave
estiver em campo, independente da camisa. Uma para se entender que estávamos falando do ponto
exceção é o Real Madrid... Torço sem saber por de vista do mais popular esporte do país e do mun-
quê... Só dá empate técnico com o Barça. Talvez do... E por isso era importante como cenário de uma
porque nossos melhores jogadores estão por lá. realidade que nunca tinha sido aprofundada.

A partir dessa experiência infantil e juvenil, você O filme é muito focado no Santos, o grande time
chegou ao futebol no cinema de que maneira? da época, e, num plano menor, no Palmeiras. Há
Vale lembrar que o Subterrâneos faz parte de um também uma presença forte do Corinthians, como
projeto mais amplo de mapeamento nacional, o rival do Santos, inclusive com a presença da torce-
Brasil Verdade, e você ficou com o futebol. Me dora-símbolo, a Elisa. Por que essas escolhas?
explique essa opção. O Santos, era óbvio, por causa do time e do Pelé...
Quando o Farkas tornou viável o projeto de quatro E pela esperança concretizada naquele ano de 1964
médias-metragens, não tive dúvida em escolher de que estávamos seguindo o campeão. E não deu
o futebol como um dos temas. Estava pronto e outra. O Corinthians porque era o time freguês...
maduro para transformar em imagens e sons as E a torcida, principalmente a Elisa, o símbolo do
sofrimento do perdedor... O sofredor pobre coita- Engraçado que tivemos há algum tempo em São
do... Enfim, nem precisava da narração. Paulo uma mesa-redonda comigo, o Juca Kfouri e o
João Moreira Salles justamente sobre isso. Segundo
As imagens de jogo são todas suas ou algumas são o Juca nada mudou, mais do que isso, talvez piorou.
do Canal 100? Como filmar o futebol, para que ele No caso dos jogadores continua a distância entre
mantenha o seu encanto e magia plástica? Esse é poucos craques que ganham fortunas e muitos que
um desafio para os cineastas? trabalham, quer dizer, jogam pelo salário mínimo.
Usamos imagens do Canal 100 só para os créditos. Isso na primeira divisão, no Brasileiro. É só ver o
Os gols do Maracanã eram provavelmente da Tupi orçamento do São Caetano, por exemplo, e vamos
ou da Globo, não me lembro mais. Aprendemos chegar ao tema dos incluídos e dos excluídos. Talvez
com o Canal 100 na verdade como filmar o futebol. tenha que ser isso mesmo... Afinal, estamos em que
Além do Farkas, que fazia mais as entrevistas, os país, em que regime econômico? Era muita inge-
jogos eram filmados pelo Armando Barreto, que nuidade da minha parte... Ou talvez um excesso de
fora cinegrafista do Canal 100. O segredo estava rigor ideológico, fazer essa pergunta. É só pergun-
na velocidade da câmera. O futebol deve ser fil- tar: Qual a entidade mais rica do futebol brasileiro?
296 mado a 30 quadros por segundo porque senão Os clubes? Não, a CBF e algumas federações... Quer 297
não se enxerga a bola. No caso da televisão já é dizer, o capitalismo está na direção do futebol e
diferente porque são 29 frames que correspondem então seja o que Deus quiser. No caso do torcedor
aos quadros do cinema. Então aprendemos isso e não tem jeito... Vai ser assim até a eternidade. Quem
o uso da teleobjetiva que era a marca registrada consegue desfazer o nó paixão x torcida? E de outra
do Canal 100. Filmamos quase todos os jogos do forma não teria graça, não é?
Santos naquele campeonato, tanto no Pacaembu,
na Vila Belmiro, e nas cidades como Piracicaba no Acho muito bonito aquele final, com o torcedor
estádio do XV, Campinas, etc. santista comemorando o título de forma alucinada
e depois um corte para o estádio, vazio já e com os
O filme faz uma pergunta: Quem ganha com isso? jornais pegando fogo nas arquibancadas. O que o
De um lado está o torcedor pobre; de outro, o levou a fazer esse final?
jogador, que apesar de ganhar bem está sujeito Foi uma cena captada por acaso no vestiário do
a contusões e tem carreira breve. Além disso, Santos em Vila Belmiro logo após o time ganhar o
naquela época, estava preso ao clube pela Lei do campeonato de 64 na final contra a Portuguesa por
Passe. Afinal, quem ganha com tudo isso?, como 3 a 1. O último gol foi do Pepe, que está filmado no
você se perguntava. E o que mudou hoje? meio de muita chuva. Quando estávamos na edição
e precisávamos de um final, encontrei a imagem o futebol está se colocando na balança comercial
meio perdida e funcionou muito bem. como matéria-prima do futebol estrangeiro? Os
meninos estão saindo daqui cedo, aos 14, 15 anos.
Vamos falar um pouco do presente. Depois de
Alguns mais cedo ainda. Enfim, começamos com
muitos anos sem se dedicar ao futebol no cinema,
o pau-brasil, depois o açúcar, o café, hoje a carne,
você voltou ao tema com aqueles programas para
a laranja e os meninos craques do futuro futebol
o Canal Brasil e agora com esse novo projeto, sobre
o que define um torcedor na infância. Você poderia europeu... Não deixa de ser carne também... Só que
falar um pouco desses projetos? humana, como as prostitutas e os travestis...
Os programas no Canal Brasil, documentários de Provavelmente na copa o Brasil jogará com uma
meia hora intitulados O País do Futebol, são temas
seleção em que nenhum atleta atua no Brasil.
pinçados do projeto de um longa que gostaria de
Acha que isso pode influir na identificação que o
fazer. Vou rodar mais quatro programas, desta
torcedor tem com a seleção?
vez com Zico, Romário, Tostão e Zagallo. Se tudo
correr bem, vamos ter ano que vem mais quatro Isso já foi constatado pelo Gérson. Há um certo
documentários e um especial de 55 minutos com estranhamento da torcida com a nossa seleção.
298
uma edição das quatro horas que vou ter. Quanto Ela perdeu o contato direto como o povo. Está 299

ao longa, vamos ver se aparece um patrocinador... distante. Mas numa copa pode ser que a torcida
A idéia é estabelecer certos vínculos temáticos que, volte a se encontrar...
no conjunto, explicam um pouco o que somos a
Acha que o futebol cumpre hoje outras funções no
partir do futebol. Na verdade, o filme e os pro-
imaginário coletivo diferentes das que tinha nos
gramas procuram estabelecer a nossa identidade
a partir da vivência, participação e envolvimento anos 60, quando você fez o Subterrâneos?
do povo brasileiro com o futebol. Eu tenho a impressão de que os anos passam, mas
o imaginário se desenrola mais ou menos no mes-
Como vê as mudanças que ocorreram no futebol mo nível. Não temos mais Pelé, Garrincha, Zico,
brasileiro e mundial dos anos 60 para cá? Como Tostão e tantos outros próximos do alambrado e
analisa esse futebol globalizado, em que os clubes da geral onde se aboletava o torcedor. E ali estava
mais ricos levam os jogadores brasileiros cada vez a redenção do herói corporificado no craque do
mais jovens para o exterior? seu time.
Engraçado o que se passa no futebol. Somos por
tradição um país importador de bens manufatu- Para o torcedor, o jogador não é um homem co-
rados e exportador de matéria-prima. Não é que mum... É uma entidade como um orixá que baixa
no campo e faz seu time ganhar... Ele é visto mática que tenha o futebol como pano de fundo.
como um ser superior, privilegiado porque não se O Romeu e Julieta do Bruno Barreto ficou aquém
dedica a um trabalho vulgar, mas sim porque se das expectativas, mas quase chegou ao 1 milhão
tornou um artista da bola. Temos menos craques, de espectadores. Enfim, pode ser que aconteça um
menos artistas, mas também a exigência do povo milagre de termos um estouro de bilheteria muito
diminuiu... proximamente...
Quais são seus filmes preferidos sobre futebol, brasi- Você tem alguma teoria que explique a importân-
leiros em especial, mas também estrangeiros? Pode cia do futebol para as pessoas, no Brasil e também
citar filmes dedicados integralmente ao futebol, ou em vários outros países? Afinal, de longe, é o jogo
que só usam o futebol en passant, como elemento mais popular do planeta. Alguma coisa diferente
dramático. Por que é tão difícil filmar o futebol? há de ter.
E por que filme de futebol em geral vai mal de Creio que é a falta de lógica, a imprevisibilidade
bilheteria? Não é uma contradição? O futebol, tão nos resultados, da beleza dos movimentos dos
popular, o filme sobre ele, fracasso de público? jogadores num quadrado imenso e verde, enfim,
300 Dos brasileiros gosto do Garrincha, Alegria do não sei explicar, porque a distância tinha tudo para 301
Povo... do Boleiros, daquele filme do Afonsinho ser um jogo chato, se pensarmos no basquete e
(Passe Livre), do longa do David Neves sobre o Fla- no vôlei. Mas, estranhamente, o futebol seduz,
mengo (Flamengo Paixão)... Desculpe que esque- encanta e hipnotiza os povos de quase todo o
ci os nomes... Daquele curta Barbosa... E tantos mundo... Incrível.
outros que não me lembro agora. Dos estrangeiros
aquele filme do John Huston com o Pelé (Fuga para Noto que nos últimos tempos, o futebol tem sido
a Vitória). Não sei dizer o porquê de filme de fu- tema de mais filmes do que no passado. Recente-
tebol não dar certo. Quer dizer, não podemos nos mente houve o Gol!, um filme de ficção americano,
balizar pelo fracasso do Pelé do Aníbal Massaini... o Giorgetti fez o Boleiros e o Boleiros 2. Teve o
Não podia dar certo mesmo, pois os gols do Pelé documentário sobre o Pelé, os filmes do Zico, etc.
estão todo dia na televisão... No caso do Boleiros Você mesmo quer voltar ao tema. Há uma nova
deu, de certa maneira, certo visto que ele já fez tendência de alta na relação entre cinema e fu-
outro. Tenho a impressão também que por ser um tebol? O marketing do futebol globalizado tem
esporte tão popular fica mais difícil encontrar um alguma coisa a ver com isso?
foco que atraia a atenção do público. Mas não creio Olha, não acho que há uma tendência de alta entre
que seja impossível encontrar uma situação dra- cinema e futebol. Podia ser muito mais tendo em
vista o ano da copa em 2006. Poderíamos estar fa- nova de couro, que logo iam ficando muito gastas.
zendo muito mais filmes e não estamos, justamente As camisas do clube, as meias, as joelheiras de go-
porque não somos exportadores de filmes e sim de leiro, objetos mágicos, toda a parafernália ligada
jogadores. Eles querem nos ver em campo e não ao futebol. Jogava futebol o dia inteiro no colégio,
nas telas dos cinemas. no quintal de casa sozinho ou com outras pessoas, e
depois as peladas de rua naqueles canteiros grama-
Oswaldo Caldeira (Belo Horizonte, 1943) dos que ficavam no centro das avenidas. Nas férias
O mineiro e atleticano Oswaldo Caldeira é diretor
do Rio, o fascínio do futebol de praia visto de perto.
de vários filmes sobre futebol: Passe Livre (1974),
Na infância, os treinos no campo do Atlético Mineiro
Futebol Total (1974) e Brasil Bom de Bola 78 (1978).
perto de minha casa, a escalação sempre na ponta
É também autor de filmes de ficção histórica: O
da língua. A ida aos estádios era uma coisa mais
Bom Burguês (1982), sobre a resistência armada
problemática e rara, mas sempre esperada, uma coisa
à ditadura militar, e O Grande Mentecapto (1987-
deslumbrante, mágica.
88), baseado no personagem de Fernando Sabino.
Mais recentemente dirigiu Tiradentes (1998), um Para que time torce?
302 filme de ficção e ensaio histórico sobre Joaquim Meu time mesmo de coração é o Clube Atlético 303
José da Silva Xavier. Mineiro, o famoso Galo. No Rio, sou Flamengo. E
torço também pelo Football Club do Porto.
Como você chegou a se interessar por futebol?
Fale um pouco da sua relação com o futebol na Em São Paulo, sou Corinthians. Todos os três primei-
infância e adolescência. ros, eram os clubes de meu pai. Em Belo Horizonte,
O futebol está presente na minha vida desde sempre. não creio que haja alguém de minha família que
Está profundamente ligado à minha infância, em não seja Galo.
Belo Horizonte. Lembro-me de com 4 ou 5 anos de
idade recortar fotografias de jogadores dos jornais Ia a estádios?
para colecionar em álbuns. E ficar folheando os ál- Meu pai tinha muito medo de me levar a estádios e
buns enquanto ouvia no rádio programas de futebol. morreu antes que eu tivesse idade para me levar. Eu
Sabia a escalação de clubes de cor, ouvia as partidas tinha 8 anos. Então, eu tinha um primo bem mais
de ouvido colado no rádio, todos os domingos. O velho, o Daniel Debrot, que passou a me levar aos
presente favorito era sempre uma bola de couro, estádios. Ele era um cara apaixonado, desses caras
sempre um esperado e mágico presente, não havia que vão aos treinos, e me levava, era amigos dos
aniversário em que meu pai não me desse uma bola jogadores, me levava a todas as decisões. Graças a
ele vi o Galo ser várias vezes campeão, incluindo o antiga, tombada, que eu adoro e me lembra o
primeiro tricampeonato, um momento histórico, estádio do Atlético da minha infância; então eu
porque o rival, o América, era DECA e o Atlético ando em torno do gramado admirando aquelas
nunca passava do BI. Nesse dia fomos carregando velhas arquibancadas, olhando aquilo tudo mara-
os jogadores do estádio até as colinas de Lourdes, vilhado praticamente todos os dias. Volta e meia
onde ficava o campo do Atlético, aliás, perto de vejo os jogadores treinando, aquele fetichismo,
minha casa. Nunca fui muito de ir a estádios, sobre- os uniformes, a pose ritualística, as manhas, a
tudo depois da televisão. De vez em quando ia ao gestualidade, o modo até de andar, as meias, as
Maracanã para ver o Atlético que vi ser campeão chuteiras; futebol é uma coisa incrível e especial.
nacional em cima do Botafogo. E levei meu filho Fico espiando e matando duplamente a saudade
mais velho para ver o Flamengo no Maracanã. do futebol e do estádio dos velhos tempos, aquela
coisa bem próxima do alambrado, você estar ali
Continua indo? vendo o jogador olho no olho, cara a cara, você
Não vou mais a estádios por causa da violência, essa fala com o jogador e ele te ouve. Fora isso, quan-
coisa das torcidas organizadas, tenho horror disso, do almoço no clube aos domingos, fico espiando
304 desse fanatismo. Minha rivalidade com os outros algum jogo, fico mostrando para o meu filho mais 305
times, mesmo com o Cruzeiro em Belo Horizonte, novo, às vezes de futebol amador, só para sentir a
é uma coisa do esporte, uma coisa afável. Agora, beleza plástica, o som, a vibração do espetáculo,
o futebol no estádio é uma coisa única, insubsti- uma coisa muito especial.
tuível, o gramado verde, a emoção contagiante
das torcidas, do grito de gol. Sobretudo o som Como você interpreta a extraordinária populari-
dos estádios, a torcida, o foguetório da entrada dade do futebol no Brasil (e também em outros
em campo, o grito do gol, que considero uma países)? Será que esse jogo teria algum encanto
emoção extraordinária, o rumor da massa, quase a mais, algo que envolve tanto as pessoas e as
um orgasmo coletivo. emociona dessa forma?
Talvez uma das explicações seja o fato de ser um
Apesar de eu não ir mais a estádios para assistir a esporte exercido coletivamente; por exemplo, a
partidas de futebol, pode-se dizer que diariamente natação é um esporte extremamente solitário. Os
vou a um campo de futebol, porque como sou sócio esportes coletivos são mais alegres, uma forma de
do Fluminense, perto da minha casa, ando todo dia comunicação com os outros, seja na alegria, na
em torno do gramado e depois vou nadar. Além tristeza, no ódio ou na euforia, todas as emoções.
disso, o Fluminense tem uma sede maravilhosa, E nos outros esportes coletivos como o vôlei, ou
o basquete, o fato de serem jogados em quadras, e pés fossem próprios de quadrúpedes, uma coisa
não têm a grandiosidade épica dos grandes está- de irracionais. Mas aí é que está o malabarismo,
dios, são bem mais aprisionados às regras e às pre- é uma coisa forte e ao mesmo tempo delicada,
determinações que impedem de haver um maior não é de força bruta, é de circo, é uma prestidi-
improviso como no futebol. Ao mesmo tempo, o gitação com a cabeça e também com as mãos – o
futebol não tem a boçalidade militar guerreira goleiro – , é uma coisa coletiva e que envolve tá-
no mau sentido que tem, por exemplo, o futebol tica, estratégia, uma coisa da inteligência. Para se
americano. Ou o beisebol, ambos muito presos. ganhar um campeonato envolve bastidores, uma
No futebol há uma infinidade de variedade de política de alimentação, de preparação física, etc.
jogadas a cada partida. O futebol tem uma carga É fantástico.
de improviso que o aproxima da dança, do circo,
do malabarismo, da firula, essa é a essência do Você acha que o cinema brasileiro tem dado a
futebol que leva os estádios ao delírio. importância que o futebol merece? Ele é bem
retratado nas telas?
Entendo como o mais dionisíaco dos esportes, uma Eu acho que dizer que o cinema brasileiro não
306 forma dionisíaca de encantamento, o improviso, o deu a devida importância que o futebol brasileiro 307
imprevisível. O futebol é o esporte brasileiro por ex- merece, deixa entrever uma forma preconceituo-
celência, futebol e Brasil são quase sinônimos, como sa de exclusão, já que exclui o cinejornalismo
samba e carnaval. O brasileiro tem tudo a ver com da classificação de cinema brasileiro. Embora eu
o futebol, essas coisas da subversão carnavalesca, entenda perfeitamente que a pergunta se justifica
dos rituais africanos, do nosso ainda sobrevivente se considerarmos que determinados segmentos
anarquismo. Nossa desconstrução permanente, do cinema brasileiro – como o cinema de ficção
uma coisa que sempre se disse do rebolado, o jogo – tenham abordado pouco o futebol brasileiro,
de cintura, o mexer-se com as cadeiras, a pélvis, o direta ou indiretamente, proprorcionalmente à
baixo-ventre. O futebol se joga por aí. Mas tanta paixão que o futebol desperta no Brasil, o cine-
coisa mágica envolve o futebol, a arena ovalada, jornalismo, sobretudo através do Canal 100, de
as arquibancadas, o gramado verde e a entrada Carlos Niemeyer, empolgou e marcou o cinema
em campo, as voltas olímpicas e a magia do balé, mundial com um estilo, uma escola de se filmar
do malabarismo de jogar com os pés, coisas que já futebol. Tivesse este tipo de cinema o reconheci-
vi o David Letterman debochando: Que esporte é mento e sobretudo o respeito que merece, seria
esse que se joga com os pés?, como se fosse uma dito e escrito que o Canal 100 imprimiu histórica
barbárie, como se seres humanos usassem as mãos e internacionalmente uma marca, deu aula para o
mundo inteiro, fez escola e empolgou as pessoas, Nesse sentido, qual ou quais são seus filmes favo-
mais de uma geração, com centenas de horas fil- ritos, tendo o futebol como tema ou mesmo como
madas do melhor futebol. elemento narrativo secundário?
Garrincha, Alegria do Povo, de Joaquim Pedro de
É claro que isso também tem uma razão, num certo Andrade, e Brasil Bom de Bola, de Carlos Niemeyer.
sentido o preconceito se justifica, pelo menos se Isto é Pelé, do Escorel e Barreto, e Tostão, a Fera
explica. O cinejornal via de regra era constituí- de Ouro também são bons exemplos. Na ficção
do de matérias previamente pagas, de material temos o Asa Branca, do Djalma Limongi, temos o
sem interesse, um tormento para o espectador, e Boleiros, do Ugo Giorgetti. Temos tido bons filmes.
freqüentemente, por sucessivos governos, numa Não se filmou mais não por desinteresse, mas prin-
prática se não me engano inaugurada com o DIP cipalmente pelas dificuldades que isso apresenta.
e continuou pela ditadura militar, fazendo a apo- Qual o grande nome, o nome mais importante do
logia de políticos, etc. Isso não impediu que o seu cinema sobre futebol no cinema reportagem até
futebol fosse da melhor qualidade e sempre ansio- hoje? Carlos Niemeyer e o seu famoso Canal 100.
samente esperado nas sessões públicas de cinema. Se eu fosse definir o cinema de futebol do Canal
308 E, ironicamente, esse tipo de cinema tornou-se 100 eu diria que é um cinema para quem gosta 309
vítima também dos intelectuais da esquerda, por de futebol. Para quem tem a paixão do futebol,
considerarem que o espetáculo do futebol em para quem ama o futebol. Nem antes nem depois
si não era suficientemente valioso, que teria de foi feito nada igual e aí fora uma equipe muito
vir acompanhado de algo mais nobre como, por boa, muito azeitada não tem como você diminuir
exemplo, uma reflexão sociológica, senão seria o papel do Carlos, a paixão do Carlos, a visão do
um produto de segunda categoria, um produto Carlos, a objetividade, o amor pelo futebol é que
de segunda classe, o que paradoxalmente revela fizeram daquele cinejornal uma marca insuperável.
também um preconceito contra as massas, um É um absurdo que os intelectuais sejam capazes de
preconceito contra o sabor popular, em nome da escrever dicionários sem colocar Carlos Niemeyer
alienação política, do engajamento político. num verbete dourado sobre o futebol. É um pre-
conceito, uma vergonha. Então se você escolher o
O maior câmera do mundo em todos os tempos grande cineasta brasileiro ligado ao futebol eu es-
foi e continua sendo Francisco Torturra, do Canal colheria Carlos Niemeyer por mais de uma razão.
100. Ele estabeleceu um padrão: a câmera lenta, o
lance próximo, as câmeras de baixo. O Canal 100 Transcrevo o que disse no livro O Esporte Vai ao
inventou o futebol filmado e fez escola. Cinema, organizado pelo Victor Andrade de Melo e
editado pela Senac Nacional: Ele se distingue por ter antes mesmo que ela partisse numa direção. Isso
durante quatro décadas semanalmente produzido pode parecer uma coisa inverossímil, mas é a mais
em todas as edições do Canal 100 uma pequena pura verdade. Eles tinham tanta prática que eles
reportagem, na verdade um pequeno filme sobre pressentiam a jogada através da movimentação
futebol – basta fazer as contas para se deduzir que do conjunto. Eles praticamente se antecipavam à
estes pequenos filmes alcançaram a marca dos mi- jogada, conheciam os jogadores e seus estilos com
lhares de filmes e milhares de horas editadas. Mais tal intimidade que praticamente participavam
do que quantidade, no entanto, este tipo de cinema do jogo. Ninguém filmou melhor uma partida de
estabeleceu uma relação extremamente duradoura futebol e estou falando internacionalmente. Isso
com o espectador. Niemeyer estabeleceu um padrão é uma coisa tão verdadeira quanto simples. Até
de filmagem, uma maneira de filmar, uma marca pela própria importância que o futebol brasileiro
registrada. Seu filme era esperado por quem ia ao sempre alcançou internacionalmente. Dávamos
cinema, como alguma coisa a mais no programa. E uma importância ao futebol que ninguém dava
aos primeiros acordes da música de Luís Bandeira Na e investimos mais nisso. Como dizia Nelson Rodri-
Cadência do Samba a platéia era tomada por uma gues: “Foi a equipe do Canal 100 que inventou uma
310 nova distância entre o torcedor e o craque, entre o 311
alegria contagiante, era o sinal de que ia chegar
finalmente o grande momento, a hora de se diver- torcedor e o jogo, grandes mitos do nosso futebol,
tir com futebol. Suas cenas muito próximas e em em dimensão miguelangesca, em plena cólera do
câmera lenta eram aguardadas como o tira-teima gol. Suas coxas plásticas, elásticas enchendo a tela.
da época. Era o jornalístico daquele momento, não Tudo o que o futebol brasileiro possa ter de lírico,
tinha videotape nem TV direta, então era para ver dramático, patético, delirante.
de perto depois em detalhes – a chuteira, a falta, Niemeyer sem dúvida alguma aliou uma paixão a
a penalidade, o soco, o juiz, o insulto, a ameaça, uma produção competente e produziu bom cine-
o palavrão proibido, o choro, a lágrima, o sangue, ma de futebol. E não se pode deixar de tributar
o impedimento, o torcedor, a expressão do rosto, essas qualidades a ele porque ele era o cara que ia
a emoção, a beleza, a plasticidade da jogada, os ao túnel, ia ao vestiário, acompanhava a equipe,
detalhes estéticos, a montagem, o lance em todos estava na cabine na hora de chegar o copião – um
os ângulos e em todas as dimensões. O futebol momento esperado, um ritual de fim de tarde em
filmado por quem ama futebol e para quem ama sua empresa em Botafogo em frente à Sears – Nie-
futebol. É muita coisa quando se trata de Brasil. meyer se deslocava de seu aquário de vidro para
Seus câmeras eram capazes de acompanhar a bola se deslocar à pequena cabine no fundo do quintal
onde todos já o aguardavam para ver o resultado aí para pruridos, chiliques, autoria, ciúmes. Ele
do futebol filmado. Tinha uma participação total, queria o melhor, não tinha dúvida em mudar, em
intensa, apaixonada, se metia em tudo, o jornal era admitir que o outro estava fazendo melhor e tentar
ele, era a sua marca, a sua paixão, o seu Flamengo melhorar imediatamente; foi adotando tudo que
e a seleção brasileira. foi aparecendo: a cor, o som direto, o melhor equi-
pamento, o mais sofisticado, etc… Ele estabeleceu
O lance ocorria e Carlinhos – como era chamado –
uma forma de se comunicar com o espectador,
corria para seus câmeras e gritava alucinado: Pegou
o gol? Pegou o gol? Atento a cada lance que ia uma maneira de fazer (mostrar) e se ver futebol no
ocorrendo no campo e traduzindo a emoção em cinema que persiste até hoje. Se Joaquim foi o pri-
cinema. O importante era captar aquele momento meiro a usar várias câmeras em diversas posições,
mágico e depois repeti-lo à exaustão para o desfru- Niemeyer consolidou essa linguagem, essa forma
te e prazer do torcedor. O torcedor contava com de narrar, aperfeiçoando-a e trazendo diversas
aquilo , com aquela mágica que mais uma vez ia contribuições e o principal – estabelecendo uma
ocorrer no próximo cinejornal. sólida relação com o espectador de cinema. Seu
montador Walter Roenick sabia a melhor maneira
312 Seu futebol cinematográfico era o futebol de 313
de armar um chute, de passar de cima para baixo
produtor, de torcedor, de diretor, de apaixonado e do fechado para o mais aberto rompendo com o
pelo futebol. Pelo depoimento do próprio Joaquim verismo em função do impacto maior, favorecendo
Pedro ficamos sabendo que uma semana depois o espetáculo. Sabiam os macetes. Sabiam a medi-
de ver a nova disposição, a nova colocação das da certa, o necessário e o indispensável. Walter
câmeras no filme do Joaquim, ele já adotara a montava com takes pendurados na banheira. E
mesma coisa e passou a fazer assim dali por diante. Francisco Torturra já virou lenda, lugar-comum
Acho que isso mostra como Niemeyer foi capaz é o maior câmera de futebol de todos os tempos
de reconhecer imediatamente com seu faro, seu
no mundo até hoje. Mas era uma equipe – Chico
discernimento e sua cabeça aberta para as coisas
não teria sido capaz de filmar aquilo sozinho. Era
que o interessavam o que havia de melhor, sem
uma equipe e Carlinhos Niemeyer era o maestro.
nenhum tipo de melindre, adotando o posiciona-
Então, indo um pouco mais além eu diria que Carlos
mento de câmera do Joaquim por reconhecer que
Niemeyer ainda é o grande nome a ser destacado
seria o melhor para o futebol filmado.
nessa relação cinema e futebol, até hoje. Talvez
Quer dizer, ele rapidamente enxergou o melhor e Niemeyer nunca tenha feito um filme superior a
adotou o melhor sem pestanejar, ele nem estava Garrincha, Alegria do Povo, por exemplo. Quero
deixar registrado com clareza que na minha opi- das massas. Aquele tipo de raciocínio tortuoso que
nião é o melhor filme sobre futebol feito no Brasil levou muita gente boa a torcer contra o Brasil du-
até hoje, sobretudo se contextualizado nas condi- rante o governo Médici. Manipulação do esporte
ções da época e considerando o conjunto de sua em função da ditadura. Como arma de propaganda.
proposta. É possível que existam até outros filmes Nos filmes conta a estética, conta o autor, conta a
melhores do que qualquer um dos que Niemeyer política, conta o social. Mas o futebol não.
produziu. Mas além do seu cinejornal semanal
durante 40 anos, ele produziu um dos mais belos É subestimado por causa disso: puro preconceito.
filmes de futebol enquanto espetáculo produzidos Porque Carlos Niemeyer não era um diretor, um
até hoje, na minha opinião, o mais belo: Brasil Bom intelectual na acepção mais restrita e mais corrente
de Bola, em 1970. Outros grandes filmes de futebol do termo – o cara rico do Clube dos Cafajestes, um
foram feitos com o material do Carlos Niemeyer. cara nada ligado aos intelectuais. Porque era um
mero produtor de um cinejornal.
Pelo conjunto de seu trabalho e pela importância
daquilo que implantou na relação entre o cinema Já se disse que o futebol é mais bem representado
314 de futebol e o espectador no Brasil e até mesmo nos documentários do que na ficção. Você concor- 315
internacionalmente, considero que Carlos Nie- da? Caso afirmativo, por que isso acontece?
meyer foi o maior realizador de futebol no Brasil Acho que sem dúvida. Acho muito difícil filmar
até hoje. futebol em ficção por causa das boas jogadas, de
conciliar um bom ator com um bom jogador e assim
Muito preconceito tem impedido que isso seja dito por diante. Mas acho que o computador vai superar
com todas as letras até hoje. Preconceito de toda isso com facilidade. Será um filme basicamente de
ordem, o maior deles contra o esporte mesmo, efeitos especiais.
como se o futebol focalizado apenas enquanto um
esporte, enquanto um show, enquanto um espetá- Há diretores que acham muito difícil filmar o fu-
culo fosse uma coisa insuficiente, uma coisa menor. tebol, propriamente dito. Por que você acha que
Como se ele pudesse ser considerado como um tema isso acontece?
nobre apenas a partir do momento em que estives- Acho que filmar futebol no campo exige uma técni-
se associado a uma abordagem social, sociológica, ca especial, exige especialização, profissionais que
psicanalítica ou seja lá o que for. No caso, o futebol conheçam e gostem de futebol. É preciso conhecer
é coisa menor. Pior ainda, uma forma de alienação, o jogo intimamente, conhecer os jogadores, de
uma dificuldade a mais no curso da conscientização preferência conhecer tão bem os times que estão
em campo de modo que a jogada possa ser pres- já foi muito cara com película, mas hoje em dia com
sentida. Claro, pode ser facilmente solucionado outros suportes torna-se mais fácil.
com um grande número de câmeras em inúmeras
posições, filmando integralmente a partida. Ou No tempo de Nelson Rodrigues havia uma associa-
ficar no arroz-com-feijão como na televisão. ção muito clara da nacionalidade com o futebol,
em especial com a seleção. Você acha que, nestes
O futebol e o cinema de ficção: não é uma área onde tempos de globalização, essa relação mudou?
o cinema brasileiro tenha se destacado até hoje. Como disse a propósito de outra pergunta, acho
Mundialmente que eu me lembre, só vi um grande que o futebol ainda preserva nosso caráter afável,
filme, se não me engano sobre o George Best (Best, nossa afabilidade ainda viva, a cuca fresca, a des-
2000, de Mary McGourian). Eu não destacaria em es- contração do brasileiro, se podemos complicar pra
pecial nenhum filme brasileiro como particularmen- que simplificar? O brasileiro carnavaliza o futebol.
te bem-sucedido neste campo, considerando que o O essencial é o enfeite, o detalhe. O maior absurdo
melhor ainda hoje é o de Djalma Batista Limongi que eu já vi e ouvi falar em matéria de futebol foi
– Asa Branca, um Sonho Brasileiro, de 1981. o jogador brasileiro que foi punido num jogo por-
316 que enfeitou uma jogada, o juiz e certos jornalistas 317
Eu colocaria como a maior dificuldade do filme
disseram que ele humilhou o adversário, teve uma
ficcional de futebol, em primeiro lugar, a questão
atitude antidesportiva. São os eternos eunucos,
do ator / jogador ou do jogador / ator. Em segundo,
são os castradores, os caras que não querem festa
a questão da boa jogada forjada.
nem alegria. Essa é a nossa marca e essa é a nossa
As trucagens, os efeitos especiais, as novas tecnolo- diferença. Às vezes dizem que nos falta tática, etc.
gias, vão solucionar este problema no computador, Essa habilidade individual é e deve ser o ponto de
muito provavelmente. Não sou um especialista nem partida de nossa tática.
estou capacitado a responder sobre o futuro, mas
algum entendido o dirá. Pergunto a mesma coisa em termos da identidade
nacional. Muitos críticos entendem que o estilo do
Mesmo no caso do filme documentário, se você quer brasileiro jogar reflete de certa forma o caráter na-
o futebol espetáculo, que você tem de filmar dezenas cional do país. Você concorda? Acha que isso ainda
de horas para colher o bom lance, tem de ter várias tem validade hoje em dia? Como você define esse
câmeras, tem de ter sorte para colher o flagrante, a estilo e como define esse caráter nacional?
não ser que você filme integralmente a partida com Acho que há uma maneira de se jogar bem brasilei-
várias câmeras em diversas posições, uma coisa que ra. Há habilidade técnica, a improvisação, o gosto
pela firula, até mesmo o gosto pela jogada a mais, texto e uma espécie de roteiro. Então, o Niemeyer
é uma coisa brasileira. Se a gente pode complicar e levou com ele o Carlos Leonam que trabalhava no
fazer uma jogada de efeito, para que simplificar? lugar do Shatovsky para a copa de 74, achando
Pode-se ver isso também em alguns times africanos que bastava filmar os jogos, o Brasil erguer a taça
e latino-americanos. Mas quem se firmou no ramo e faturar novamente. Claro, Leonam fez toda uma
foram os brasileiros, é sua marca, nossa marca regis- abordagem complementar muito boa em torno
trada. Os próprios argentinos, que têm um futebol dos jogos, torcida, bastidores, concentração e tudo
muito forte, já formaram craques e supercraques, mais. Mas nem o Brasil nem Niemeyer estavam
como Maradona, têm um futebol diferente do bra- preparados para a derrota. Então fui chamado
sileiro. Eu diria que são mais objetivos, mais rápidos, para dar um jeito naquele material encalhado.
partem com mais objetividade em direção ao gol, Bolei um roteiro em que escolhi um expoente de
com menos passes, menos enfeite, menos jogadas cada copa ao longo da história e cada um deles
tentava explicar a derrota do Brasil em cada uma,
inúteis. É um futebol muito bonito e muito eficiente.
culminando com a de 74. Foi um estrondoso suces-
Não estou discutindo eficiência, estou falando em
so com mais de um milhão de espectadores. O tom
estilo. Hoje em dia o jogador de cintura dura rareia,
polêmico do filme contagiava as platéias, assisti
318 há craques habilidosos no mundo inteiro. Mas o 319
uma sessão no Art Copacabana em que a platéia
jogador brasileiro preserva sua maneira de jogar saiu literalmente na porrada dividindo-se diante
mesmo no exterior, aí está o Ronaldinho Gaúcho das questões colocadas no filme.
que não nos deixa mentir, ou um Deco, etc.
A platéia se comportou como arquibancada e deu
Há uma crença de que filme de futebol não dá mais de um milhão de espectadores. Eu analiso
certo em bilheteria. Como se explica essa con- assim: o filme de futebol para fazer sucesso com
tradição? O futebol é uma paixão nacional, mas, quem gosta de futebol, tem de falar de futebol
quando retratado numa tela de cinema, não atrai na perspectiva do cara que gosta de futebol. Eu
grande público. Por que isso acontece? coloquei ali uma discussão sobre futebol. O jogo,
As razões são várias e o contexto também pode e de quem gosta do jogo. Então, até a derrota deu
ser variado. Fiz um filme para Carlos Niemeyer, dinheiro. Agora, você fazer uma análise psicoló-
Futebol Total, explicando as razões da derrota da gica, política, antropológica, você vai ter de fazer
copa de 74 e deu-se uma coisa curiosa: Niemeyer sucesso com os intelectuais, não vai fazer sucesso
vinha de um sucesso estrondoso, o Brasil Bom de com o público de futebol. É outro lance. Existem
Bola, baseado em seu arquivo e na copa de 70. muitos outros fatores, sobretudo hoje em dia com
Foi seu primeiro longa. Alberto Shatovsky fez o a transmissão simultânea na TV.
Na copa de 78 Niemeyer não conseguiu os direitos forma muito estreita, muito forte. O Canal 100 foi
e me chamou não para consertar, mas com o papel uma de minhas escolas, sinto por todos eles um ca-
de profeta eu tinha de fazer um filme sobre os rinho muito grande, fui levado para lá por Alberto
grandes sucessos da copa que viria e escolhemos Shatovsky, um cara também muito importante na
Zico e Reinaldo, do Atlético Mineiro. Niemeyer não minha vida. E, sobretudo, não entendo minha in-
estava preparado para a transmissão simultânea. fância sem o futebol, talvez seja mais fácil esquecer
Todos ficaram vendo os jogos em casa pela primeira meu nome completo do que a escalação do time
vez pela televisão o dia inteiro enquanto o cinema do Atlético do final da década de 40.
ficava às moscas. Saiu de cartaz praticamente sem
espectadores. E nossas profecias deram no que Camus tem um texto muito bonito em que fala
deram (trata-se de Brasil Bom de Bola 78). da vontade de chorar nas tardes de domingo de-
pois de uma derrota do seu clube. Estou ligado
Acho que o espectador de futebol quer ver fu- ao futebol como paixão. Nas copas do mundo,
tebol ou então uma discussão muito próxima ao para falar a verdade, tenho orgulho quando vejo
futebol, algo envolvendo a história de um craque, a camisa da seleção brasileira pelo mundo todo,
320 como seria o alcoolismo de Best visto pelo público tenho orgulho de ver em Pelé um símbolo mundial 321
inglês. Neste sentido ainda não fizemos um filme insuperável.
à altura.
Em que medida o futebol globalizado, que leva
Você sente que a sua vida está ligada ao futebol? para o exterior os jovens valores de maneira muito
De que forma isso acontece? Qual é a sua relação prematura, mudou a relação do público com seus
atual com ele? ídolos? O cinema já retratou essa mudança de
Minha vida está ligada ao futebol por várias razões. perspectiva?
Basta dizer que fiz três filmes de longa-metragem Não tenho conhecimento de que o cinema tenha
sobre futebol, inclusive com abordagens bem di- tratado desse tema. Mas hoje em dia, muitos
ferentes. Passe Livre, premiado pela CNBB, foi um desses temas são tratados pela televisão. Eu acho
filme de resistência, um filme com Afonsinho com que apesar da venda para o exterior dos jovens
todas as implicações, abriu o mercado alternativo. valores refletir uma deficiência financeira do
Não dá para não considerá-lo um marco, passou nas nosso futebol, não termos condições de competir,
fábricas; Afonsinho é um homem digno, decente, de manter o craque jogando em nosso país, acho
um cara especial até hoje, um idealista, dedicado a que houve contribuições positivas mesmo para o
obras sociais, então me sinto ligado a tudo isso de nosso futebol. Hoje, seria impensável sermos sur-
preendidos pelo carrossel holandês, por exemplo. estrangeira os caras se casam, levam logo a mãe,
Nossos jogadores e nossos técnicos estão em todos um amigo, a dona Maria para morar com eles e
os lugares do mundo, não só a informação circula, cozinhar um feijãozinho, para aquela feijoada
mas a experiência, a vivência em diversos níveis. dos sábados com os amigos.
Uma coisa importante no futebol globalizado é Nesse sentido, você acha que o futebol hoje está
que nosso craque agora é um cidadão do mundo. mais enraizado no imaginário das pessoas, ou esse
Não há mais Obdúlio Varela, ganhando no grito, vínculo era maior no passado?
que nos intimide. Nosso jogador, agora, briga com Não me sinto capaz de avaliar esta diferença.
o juiz na língua dele, seja ela qual for. Então nosso Apesar da imensidade de novas ofertas, internet,
craque, que já era superior tecnicamente, agora
de jogos, games, etc., creio ser mais ou menos a
fala de igual para igual, não teme, não abaixa a
mesma coisa de antes. E digo mais: o futebol é uma
cabeça, não perde no grito, e também desfruta
paixão praticamente no mundo todo.
das modernas técnicas de treinamento, de apri-
moramento físico, da saúde. Acho que quando o Djalma Limongi Batista (Manaus, 1950)
322 torcedor, o menino torcedor, vê os Ronaldinhos Talvez a contribuição mais inesperada para o fute- 323
com a camisa do Real Madri, do Barcelona, ele bol brasileiro visto pelo cinema tenha vindo de
sente um grande orgulho da mesma forma, ele Djalma Limongi Batista. Como ele mesmo diz na
sente orgulho do cara ser brasileiro e estar se
entrevista a seguir, tem horror da bola. Mesmo
dando bem lá fora, mostrando para o mundo
assim teve sensibilidade de perceber a potenciali-
inteiro o nosso futebol. Porque tem depois o
dade dramática do futebol com um título indispen-
momento da camisa verde-amarela e esta verda-
sável a qualquer filmografia dedicada ao assunto,
de, este fato fala mais alto. Nosso jogadores têm
essa qualidade de permanecerem profundamente Asa Branca – Um Sonho Brasileiro. Djalma é autor
brasileiros, hábitos brasileiros, atitudes brasileiras de filmes como Brasa Adormecida (1985) e Bocage,
muito fortes, muito arraigadas, com raras exce- o Triunfo do Amor (1999), adepto da linguagem
ções o cara está sempre louco para voltar, tocar poética aplicada ao cinema. Confira a entrevista.
samba, bater uma bolinha na praia, tomar uma Talvez as opiniões de Djalma sobre o futebol sejam
caipirinha. Acho que o nacionalismo fala mais as mais surpreendentes entre todas, em especial
alto, nossos craques continuam no imaginário porque partem de um artista que mantém de ma-
falando com o Brasil, nossos hábitos, das coisas neira radical um distanciamento crítico em relação
de que orgulhamos. Você vê que nem com mulher a esse esporte.
Como você chegou a se interessar por futebol? Durante as décadas de 70 e 80 fui torcedor exal-
Fale um pouco da sua relação com o futebol na tado, ia aos jogos e tudo mais. Inclusive aqueles
infância e adolescência. Para que time torce? Ia a em pequenos estádios, como do Pari, da Mooca...
estádios? Continua indo? Depois, nos anos 90, tomei um enjôo absoluto.
Tenho pavor de bola. Pânico. Mas gostava muito Hoje não sei te dizer nem quem é quem no futebol,
de ver futebol. Na minha casa era algo que nem se quem foi campeão... Às vezes, um jogador, tipo Ro-
pensava, não existia, meu pai e todos nós éramos binho, ainda chama a minha atenção, mais nada.
os antiatletas. Contudo, eu, sempre louco, gostava.
Em Manaus sempre torci pelo Nacional, é claro. No
Na casa vizinha, morava o técnico do principal time
Rio de Janeiro, sempre fui Vasco da Gama, e, em
de futebol de Manaus; na época (anos 50), era o
São Paulo, quando cheguei, gostava de saber que
Nacional. Um solteirão obeso, muito engraçado
o Palestra era o time dos italianinhos, e adotei o
e amigo da gente, camarada. Era o seu Alfredo
Palmeiras – porque tenho um lado italiano, por
Barboza. Todas as fardas dos jogadores, no dia
parte de mãe.
seguinte das partidas, eram lavadas no tanque
pelas irmãs dele, que aproveitavam e faziam isto Como você interpreta a extraordinária populari-
324 só de saia, com os seios à mostra, e a gente, mo- 325
dade do futebol no Brasil (e também em outros
leques, eu e meu irmão Gualter, adorávamos ficar países)? Será que esse jogo teria algum encanto
olhando. Quando nos descobriam, elas gritavam, a mais, algo que envolve tanto as pessoas e as
chamavam minha mãe, ameaçavam jogar cinza emociona dessa forma?
nos nosso olhos... Depois as fardas dos jogadores e Tenho uma visão bastante antipática sobre o
as chuteiras lavadas ficavam no varal dos imensos futebol. Perdi todo o encantamento que supunha
quintais dessas casas, no Alto de Nazaré, bairro existir, de expressão da cultura popular, mistifi-
longínquo da longínqua Manaus... Esta é minha cações do gênero. Acho que é uma sublimação a
primeira lembrança de futebol. mais da cultura machista do mundo, cultivada por
Depois, já nos anos 70, fiquei muito amigo de isto mesmo, num mundo de machões e belicistas,
jogadores de vários times, em São Paulo e Ma- animalesco mesmo. Acho que é um ópio do povo
naus. Meu tio Flaviano Limongi foi presidente da como o fundamentalismo das religiões no mundo
Federação Amazonense de Futebol, e construiu o do século 21. Hoje tenho horror a futebol! Espe-
estádio da cidade, o Vivaldão. Graças a ele, amigo cialmente copa do mundo, esse súbito fanatismo
de cartolas do Rio, conseguimos filmar no estádio misturado a um nacionalismo conduzido pela mí-
do Maracanã cenas do Asa Branca. dia, que não existe no cotidiano brasileiro.
Você acha que o cinema brasileiro tem dado a Não concordo, porque acho que o melhor filme so-
importância que o futebol merece? Ele é bem bre futebol feito na América Latina é o Asa Branca
retratado nas telas? – Um Sonho Brasileiro, o mais corajoso e audacioso.
Por que teria de dar importância? O futebol existe O resto, especialmente os documentários, apela
independentemente do show-business. O cinema sempre para a mesma lengalenga, misto de política e
brasileiro hoje é machista, misógino e profunda- arrivismo, machismo e nacionalismo. Exceto, é claro,
mente homofóbico. Como poderia tratar do fute- as filmagens do Canal 100, que eram deslumbran-
bol, se o futebol é só isto tudo sublimado? Teria tes. Tenho uma amiga até, tinha porque já morreu,
que fazer também filmes que sublimem tudo isto Ângela Borges, que costumava me esculhambar
na violência, como os filmes made in Hollywood. dizendo que o melhor do cinema brasileiro ainda
Mas, para isto, o cineasta precisa ser basicamente eram as filmagens de futebol do Canal 100... Com
esperto, completamente desprovido de preconcei- suas teleobjetivas colocadas rente ao gramado, tinha
tos, e querer só sucesso no box (bilheteria). Longe
algo de monumental na imagem. A imagem era
dos cineastas brasileiros, que ainda se acham arau-
película. A idéia ainda era nelsonrodrigueana.
tos de verdades...
326 Há diretores que acham muito difícil filmar o fu- 327
Qual ou quais são seus filmes favoritos, tendo o
tebol, propriamente dito. Caso positivo, por que
futebol como tema ou mesmo como elemento
narrativo secundário? você acha que isso acontece?
Só gosto de Garrincha, Alegria do Povo, de Joa- Difícil não é nem um pouco, basta ter dinheiro.
quim Pedro de Andrade, e do meu Asa Branca – Um Para queimar negativo à vontade. Hoje em dia,
Sonho Brasileiro. Eles ainda têm a ingenuidade com digital, nem este problema existe mais, pode-
de acreditar na cultura brasileira, na civilização se gastar filme à vontade. Difícil é fazer CINEMA,
brasileira... No meu caso, o estereótipo da estrela escrever cinema – isto, decididamente, não é pra
do Brasil, que no final dos anos 70 – quando o qualquer um, diria Jean Renoir...
filme foi rodado – significava mudança comporta-
Você acha que o futebol tem mudado de função
mental que logo foi reprimida pela globalização e
no imaginário popular ou é basicamente o mesmo
dominação do consumismo nos esportes, tornado
espetáculo de televisão. de há muitos anos? Nesse caso, você acha que o
cinema tem retratado de maneira adequada essa
Já se disse que o futebol é mais bem representado posição que o futebol ocupa no imaginário das
nos documentários do que na ficção. Você concor- pessoas? Mudou essa forma de representação com
da? Caso afirmativo, por que isso acontece? o passar dos anos?
Claro que o futebol se adapta à época. Na idade imprevisível. Hoje é lenda. Apenas reflexo de uma
de ouro do século 20, que são os anos 60 e 70, ele cultura classista, cuja única saída para o menino
ia acompanhando – com muita dificuldade, por pobre ascender socialmente é ainda o futebol.
sua motivação intrínseca ser altamente conserva- Afirmando mais uma vez o machismo dominante.
dora – as transformações radicais do mundo. Foi Ou comandar o tráfico, né? Ou entrar pro Bolshoi?
por isto que me interessei pelo futebol, foi uma Ou pro Olodum... Enfim, uma merda.
época em que era possível falar do outro lado do
Há uma crença de que filme de futebol não dá
futebol – no meu caso, recusando o proselitismo
certo em bilheteria. Como se explica essa con-
político. Entretanto, ainda acho que as estrelas do
tradição? O futebol é uma paixão nacional, mas,
Brasil são os jogadores de futebol, e ainda acho que
quando retratado numa tela de cinema, não atrai
muitos deles farão um dia revoluções...
grande público. Por que isso acontece?
No tempo de Nelson Rodrigues havia uma associa- Sem essa! Asa Branca teve mais de 600 mil espec-
ção muito clara da nacionalidade com o futebol, tadores em 1982, com pífio lançamento, pra variar
em especial com a seleção. Você acha que, nestes (como aconteceu com todos meus filmes). Entre-
328 tempos de globalização, essa relação mudou? tanto, foi muito premiado e até hoje é exibido 329
Nelson Rodrigues – mesmo no que pese sua genia- em tudo que é evento internacional que exiba o
lidade em escrever as crônicas esportivas – tem em audiovisual do futebol.
relação ao jogador de futebol quase uma posição
O que acontece é que ninguém sabe como abor-
escravagista. Ele associa o jogador ao utilitarismo,
dar – cinematograficamente – o futebol. E aí é que
ao usufruto – que transforma em nacional, no que
fica melhor dizer que filme de futebol é fracasso...
é esperto. Foi contra este tipo de atitude que o
Estou falando de filme de ficção. Documentário é
jogador de futebol dos anos 70, os Asas Brancas,
outra coisa, não precisa de bilheteria... Precisa de
começou a rebelar-se.
impacto social, talvez.
Pergunto a mesma coisa em termos da identidade
Há autores que entendem que o futebol é uma
nacional. Muitos críticos entendem que o estilo do
espécie de dramatização da vida social em forma
brasileiro jogar reflete de certa forma o caráter na-
de jogo. Nesse sentido, muito rico e cheio de pos-
cional do país. Você concorda? Acha que isso ainda
tem validade hoje em dia? Como você define esse sibilidades, ele não deveria atrair mais a atenção
estilo e como define esse caráter nacional? dos cineastas do que o fez até agora?
Refletiu. Quando era anárquico, individualista, Esses autores devem ser muito primários. Talvez
Tom & Jerry sejam mais dramáticos... Contudo, ser atleta do século, menino de ouro, jogador do
digamos que futebol é ação, e drama em grego ano, etc...
significa ação. Pode-se fazer um filme de ação so-
bre futebol tão hipnótico quanto qualquer filme Em que medida o futebol globalizado, que leva
de ação (dos mais brutais e sucesso de bilheteria!) para o exterior os jovens valores de maneira muito
americano... É só saber como. Ter saco de fazer prematura, mudou a relação do público com seus
algo assim! Convencer um cretino dum financia- ídolos? O cinema já retratou essa mudança de
dor a produzir... Como todo fato humano, é claro, perspectiva?
antropologicamente, pode-se fazer uma leitura O cinema não retratou quase nada sobre o fute-
genial também. Pode-se fazer uma leitura poética, bol, a não ser o óbvio, desses que saem em qual-
como no meu Asa Branca... Tudo é, no cinema, uma quer mesa-redonda de programa dos domingos,
questão de linguagem, formal mesmo. ou dos diários. O futebol globalizado é parte da
ditadura financista do mundo atual. É claro, como
Você sente que a sua vida está ligada ao futebol? tudo, há no seu interior um movimento dialético
De que forma isso acontece? Qual é a sua relação que deverá explodir muito em breve... Deve haver
330 atual com ele? uma espécie de internet no interior do futebol, 331
Só pelo Asa Branca – Um Sonho Brasileiro, pela só pode! Alguma coisa que vai detonar! Uma alta
alegria imensa de ter feito este filme, pela alegria comunicação que não se tem nem idéia, que vai
imensa de que ele foi feito pensando sobretudo virar a mesa um dia... Continuo otimista, apesar
no povo brasileiro, na cultura do Brasil. Sem arre- de tudo.
pendimento. De resto, tenho boas lembranças de
uns namorados jogadores de futebol que tive... Nesse sentido, você acha que o futebol hoje está
São que nem bailarinos: belos, cultuam o corpo, e mais enraizado no imaginário das pessoas, ou esse
criam com isto uma liberdade que seria fantástica, vínculo era maior no passado?
se... Todos transam, mas todos não podem sequer O futebol é como o ato teatral, faz muita onda,
realizar isto em palavras, em pensamentos... Há mas termina ali mesmo... Como, evidentemente,
um medo terrível comandando suas vidas. Há uma a comparação termina aí, o teatro permanece na
terrível corte marcial coercitiva em torno deles, há memória, o futebol cria apenas uns mitos – quase
mesmo um Santo Tribunal da Inquisição da Mídia, sempre por suas vidas fora do campo, e uma meia
horrível, que nos dias de hoje se camufla em caste- dúzia de jogadas geniais... Mais nada. É um renovar
los de Chantilly, desfiles fashion, riqueza, riqueza constante de uma sublimação, precisa de lenha
e mais riqueza, é preciso dar lucro, estar na mídia, como numa lareira, permanente. Imediatista, e
pronto. Até telenovela é capaz de criar um vínculo De que maneira começou a sua relação com o
maior no inconsciente coletivo... A não ser que futebol?
você comece a tomar pelo pior lado do futebol: Minha relação com o futebol começou nas peladas
permanece como expressão de massa mal-educada, de rua com bola de meia em Fortaleza; depois nos
sem cultura, machista, violenta, desesperada... terrenos baldios até chegar a um time organizado
Manipulada, cordeiros de filme de Buñuel, ópio do qual eu era o center-half (hoje meio de campo),
do povo mesmo. presidente e técnico. Este time se chamava 24 de
Maio Futebol Clube, nome da rua que eu morava.
Luiz Carlos Barreto (Sobral, Ceará, 1928)
Em 1947 vim morar no Rio e passei a jogar no ju-
O produtor Luiz Carlos Barreto foi diretor de foto-
venil do Flamengo, onde me chamavam de Danilo
grafia dos clássicos Vidas Secas (1963), de Nelson
cearense por ter estilo parecido com um famoso
Pereira dos Santos, e Terra em Transe (1967), de
Glauber Rocha. Produziu O Assalto ao Trem Paga- center-half do Vasco da gama, Danilo Alvim.
dor (1962), de Roberto Farias, Garrincha Alegria Em 1948 fui convocado para a seleção brasileira de
do Povo (1963) e O Padre e a Moça (1965), ambos amadores que disputaria a Olimpíada de Londres, o
332 de Joaquim Pedro de Andrade, A Hora e a Vez de que não aconteceu por falta de verba para custear 333
Augusto Matraga (1965), de Roberto Santos, entre a ida da seleção para a Inglaterra.
outros. Dirigiu o documentário Isto É Pelé em 1974,
ano em que o Rei se despediu do futebol brasileiro. Antes de se envolver com o cinema você teve uma
Antes da carreira cinematográfica, Barreto foi fo- longa carreira na imprensa. Como ela se vincula
tógrafo conhecido na imprensa carioca e fez época ao futebol?
com sua câmera favorita, uma Leica alemã. Nessa Em 1950 larguei o futebol e voltei ao jornalismo,
função, a serviço da revista O Cruzeiro, se encon- carreira que iniciei no Ceará nos anos 40. Tornei-
trava atrás da meta de Barbosa quando Ghiggia me repórter e fotógrafo da revista O Cruzeiro e
marcou o segundo gol do Uruguai e decretou a cobri como chefe da equipe esportiva as copas de
derrota do Brasil na copa do mundo de 1950. Um 50, 54, 58 e 62.
dia deseja transformar em filme essa experiência
traumática, o que talvez seja a melhor forma de Você torce para que time? Ainda vai ao estádio?
esquecê-la. Rubro-negro no Rio e tricolor em São Sou torcedor do Flamengo no Rio e do São Paulo
Paulo, continua ligado ao futebol. O ex-jogador em SP. Sempre freqüentei os estádios por prazer
Claudio Adão é seu genro e Felipe Adão, o neto, e por dever de ofício. Atualmente só vou a jogos
joga atualmente no Botafogo. no Maracanã para ver meu neto Felipe Adão jogar
pelo Botafogo. Felipe é filho de Cláudio Adão, Rocha como meu assistente de câmara no dia em
casado com minha filha Paula. que usamos cinco câmaras num jogo Botafogo x
Flamengo, no Maracanã. Filmar com Pelé no auge
Às vezes a gente se pergunta por que o futebol da glória foi uma estimulante experiência, mesmo
tem essa importância na vida das pessoas. Você porque ele sempre deu mais importância ao cinema
tem alguma teoria a respeito? do que ao futebol. Tenho as melhores recordações
Há várias teorias para explicar o encanto e a das filmagens de Garrincha, Alegria do Povo em
popularidade do futebol que vão das mais inte- Pau Grande no ambiente da família do Mané e
lectualizadas às mais simples ou simplórias, mas seus amigos.
pessoalmente penso que o encanto do futebol é
Dos jogadores que você viu, quais os que mais o
pelo fato de ser o único esporte com bola que é
impressionaram?
praticado com os pés, exigindo, portanto, maior
Zizinho, Pelé, Garrincha e Nílton Santos foram os
habilidade e maior uso de gestos e expressão
que mais me impressionaram pelo amor, prazer e
corporal. O futebol mistura força, habilidade, in-
carinho com que tratavam a bola. Eles souberam
teligência e criatividade. O grande craque é uma elevar o ato de jogar futebol em forma de arte
334 entidade superior, um DEUS. pura.
335

Voltando ao cinema. O que você realizou nessa Acha que o cinema ainda pode fazer grandes fil-
área que tenha relação com o futebol? mes sobre o futebol?
Como diretor, realizei Isto É Pelé. Produzi, colaborei Acho que o futebol pode motivar grandes filmes
no roteiro e fiz segunda unidade de câmara em quando se compreender melhor a dramaturgia do
Garrincha, Alegria do Povo, dirigido por Joaquim jogo e a paixão do torcedor.
Pedro. Produzi o documentário Mané Garrincha,
Qual o seu filme favorito que tem o futebol como
de Fabio Barreto, que mostra a decadência desse assunto?
grande ídolo. Produzi Uma Aventura do Zico (fic- O Casamento de Romeu e Julieta é meu filme
ção), direção de Antônio Carlos Fontoura, e O Ca- preferido por sua construção dramatúrgica esta-
samento de Romeu e Julieta, de Bruno Barreto. belecendo o elo entre o dentro do campo e a vida
Quais são as melhores lembranças que você tem fora do campo.
dessas atividades? Quais as dificuldades para filmar o futebol?
Filmar o Mané no Maracanã foi uma aventura O jogo de futebol, propriamente dito, é quase
inesquecível, sobretudo porque tinha Glauber impossível de ser reencenado com precisão e
credibilidade. No filme O Casamento de Romeu e de patriotismo, a bandeira nacional passou a fazer
Julieta conseguimos reencenar lances de uma par- presença em todos jogos das seleções brasileiras,
tida Corinthians x Palmeiras de 1979 e obtivemos não só de futebol mas em todas as competições
excelentes resultados, mas tivemos que usar joga- esportivas pras quais o Brasil se fez representar.
dores juniores do Palmeiras e ensaiar as jogadas
durante uma semana. Essas cenas foram dirigidas Ainda existe um estilo brasileiro de jogar ou isso
por Cláudio Adão e Paula Barreto, e o Bruno ape- acabou, com a globalização?
nas posicionou as câmaras para documentar. No O estilo, a técnica e o apurado espírito de improvisar
filme Garrincha, Alegria do Povo, Joaquim Pedro, do jogador brasileiro é um dado cultural e represen-
que não curtia muito futebol, revolucionou a tativo da alma popular brasileira. Isso acabou sendo
forma de filmar futebol e torcida introduzindo a deturpado nos anos 80 e 90. Só agora, com a geração
teleobjetiva de 1 metro para captar, em close-up, dos Ronaldos e Robinhos, é que se está recuperando
as emoções das jogadas e das reações do torcedor. a picardia, a alegria da firula que sempre foi a marca
Daí para frente o Canal 100 passou a adotar a do nosso futebol.
mesma técnica.
336 O que acha que está faltando o cinema fazer pelo 337
Mudou a relação do brasileiro com o futebol? futebol?
A excessiva profissionalização e a exagerada explo- Acho que se deveria fazer uma série de filmes (do-
ração comercial transformaram a relação do torce- cumentários e ficções) sobre nossos grandes ídolos
dor com o futebol, tornando-a menos romântica. (Domingos da Guia, Leônidas, Zizinho, Didi, Gerson,
Mesmo assim o futebol ainda ocupa importante Rivellino, etc. etc.) além de outros aspectos envolven-
espaço no imaginário popular. do a vida social, política e cultural do Brasil a partir
do tema futebol. Pessoalmente tenho um projeto
O Nelson Rodrigues identificava a seleção com o com o Armando Nogueira de realizar um filme inspi-
país. Isso ainda vale? rado no filme Campo dos Sonhos para tentar atingir
A seleção brasileira ainda é a pátria de chuteiras a poesia que envolve o futebol. Como aconteceu
como dizia Nelson Rodrigues. Por isso mesmo com todo brasileiro daquele tempo, o gol do Ghiggia
no final dos anos 50 a seleção teve que mudar o foi como se um raio tivesse me fulminado.
uniforme para o verde e amarelo depois de uma
forte campanha liderada pelo Walter Mesquita, Já tivemos um roteiro sobre aquele jogo mas a in-
então chefe da página de esportes do jornal ca- tensidade daquela tragédia é irreproduzível. Quem
rioca Correio da Manhã. Para reforçar essa idéia sabe ainda conseguiremos.
Pelé ā Edson Arantes do Nascimento (Três Cora- eu acho que por isso eu sou lembrado e mesmo
ções, 1940) por gente que não era daquela época. Imagine,
Precisa apresentar o personagem? Basta dizer que um menino de 30 anos, por aí, não me viu jogar.
esta longa conversa com Pelé aconteceu na casa Pode ter visto um ou outro gol, mas não me viu. E
de Anibal Massaini Neto, diretor do documentário a memória permanece.
Pelé Eterno. Pelé é muito simpático, atencioso,
direto, não foge de perguntas e lembra-se de A gente vendo o filme, a sensação que fica é que
tudo. Homem do mundo, ocupadíssimo, cede ge- nunca mais vai se ter um futebol como aquele.
nerosamente seu tempo a quem deseja ouvi-lo, Então aproveito para te perguntar. Como você
ou pelo menos foi o que aconteceu dessa vez, um compara o futebol que você jogava na sua época
bate-papo sobre futebol de umas três agradáveis com o de hoje?
horas. Uma pequena parte da conversa foi pu- Eu acho que a mudança não foi só no futebol.
blicada no jornal O Estado de S. Paulo. O que se Ela foi de toda a sociedade. Sabe, o conceito de
segue é a íntegra. vida é que mudou. Na educação, no respeito ao
próximo. Por exemplo, entre os jogadores, os mais
338 339
Você parou de jogar no Brasil em 1974 e tem
recebido incríveis manifestações de carinho nas
pré-estréias do filme Pelé Eterno pelo país. A que
atribui essa permanência na memória do povo?
Eu acho que é porque eu sempre respeitei o torce-
dor. Eu vejo hoje, e fico até meio triste com isso, o
jogador que tira sarro da torcida, manda a torcida
calar a boca. Eu quando entrava em campo, orava
e pedia duas coisas: para que ninguém se contun-
disse e o jogo não empatar em zero a zero, por-
que o torcedor se sacrifica, viaja, vem de fora, ele
paga, e o jogo de zero a zero é uma frustração. Se
tiver de empatar, que seja um 4 a 4, por exemplo,
porque aí ele viu um show. Então eu pedia isso,
para ninguém se machucar e a gente dar um bom
espetáculo. E isso aí deixava o pessoal feliz. Então Luiz Zanin Oricchio, Pelé e Anibal Massaini
jovens chamavam os mais velhos de senhor. Ain- todo time que ele vai ele beija o escudo. Diz que
da tinha aquele negócio de pedir a bênção para ama o time quando é apresentado. Pô, então é um
os pais. Então havia um respeito maior entre os negócio meio falso, não é? Quem paga mais, ele
clubes, diretores e torcidas. O jogador jogava no beija a camisa. É isso que eu acho um perigo para
clube porque gostava. Então houve essa grande futebol, o perigo dessa falta de continuidade.
mudança na cultura, em nível mundial, essa coisa Porque o torcedor tem uma relação de paixão com
do imediatismo. Mudou tudo. Agora, com tudo o seu time...
isso, o futebol continua sendo o maior espetáculo E com o seu ídolo... Para os mais jovens hoje é
de todos, apesar de tantas mudanças. Você vê: na complicado porque ele não se identifica com o
época em que eu apareci e passei a ser conhecido, seu ídolo. É até engraçado você ver. Porque anti-
não havia um só jogador de qualidade. Era um gamente você falava do Rivellino, sabia que era do
monte. Em cada clube tinha 3, 4 craques. E você Corinthians, Zico, era do Flamengo...
se identificava com eles. E quase ninguém queria
sair para jogar lá fora. Era um ou outro que saía. Pelé, sabia que era do Santos...
Mas a maioria preferia ficar no clube. Tostão, era do Cruzeiro. E assim por diante. Então,
340 eram pontos de referência para os jovens. Hoje, 341
Você mesmo recebeu um monte de propostas para não... No Santos de 2002, 2003, se via muito na
sair, não? Vila Belmiro as menininhas que iam ao estádio só
Um monte. E vários jogadores foram embora. Na para ver o Diego... ou o Robinho. Pois é, são os que
época em que eu recebia essas propostas, da Europa, criam vínculo com o time. Se vão embora...
do México, vários se foram. Foram o Sormani, Nenê,
Pois é, eu estou preocupado com essa situação do
o Altafini, Evaristo, o Dino Sani, que jogava no
futebol brasileiro...
Palmeiras, o Julinho Botelho, o Amarildo, que foi
E também essa transferência, sei lá, como dizer.
campeão do mundo, jogou em 1962 comigo. Quer
O jovem vai ao campo, ele não vai para ver o fu-
dizer, mesmo naquela época, saía muita gente.
tebol, ele vai para desabafar, e daí essas cenas de
Mas ficava muita gente. A produção era maior.
violência...
Saíam muitos bons e ficavam muitos bons também.
Hoje infelizmente saem e a gente fica com déficit É uma violência da sociedade, na verdade, e o cara
por aqui. Então essa mudança que eu acho que é vai para desabafar...
perigosa para o futebol. Hoje o jogador fica uma Justamente. Então não é só o problema específico
temporada no Corinthians, a outra temporada ele da mudança no futebol. É a sociedade de uma ma-
vai para o Palmeiras ou vai para o Flamengo. Em neira geral, que está sofrendo essa mudança.
Pelé, você vendo o filme, ele é um retrato que te
agrada da tua carreira? É um retrato completo, ou
você sente falta de alguma coisa?
Completo não dá para ser (risos). Mas tanto quanto
é possível, num compacto de duas horas, define,
não a minha carreira, mas a minha vida, até o mo-
mento. Porque muito pouca gente, por exemplo,
sabia da história do meu pai. Essa história que está
no filme, não adianta querer explicar, porque é
uma coisa de Deus. O Pelé bateu todos os recordes
de gols, em nível mundial. O único recorde que o
Pelé não bateu foi o de cinco gols de cabeça num
jogo só. Agora, por que é que tinha de ser o meu
pai a ter esse recorde? Podia ser o Leônidas, podia
ser um inglês, que só jogam na base da bola cru-
342 zada e marcam muitos gols de cabeça. Podia ser 343
um italiano. Mas não. Foi o Dondinho, meu pai.
Então são coisas difíceis de explicar. Para explicar
essa história precisava de um outro filme. Isso é
uma coisa importante por causa da minha forma-
ção religiosa.

Em hebraico, não sei se você sabe, tem a palavra


Pelé na Bíblia. Um estudioso da Bíblia, ele encon-
trou em hebraico a palavra Pelé, que significa
maravilhoso. Eu achava que tinha de colocar isso
no filme. Mas o diretor não deixou. Disse que
ia muito para o lado místico e tal. Disse que ia
tomar muito tempo, então não entrou. Mas tem
muitas coisas que poderiam entrar no filme e não
entraram. Agora, eu acho que está lá por exem-
plo, tudo o que o Pelé representou para o país,
o que o Pelé fez pela auto-estima desse povo. Se precise de mais 30 para educar esse povo, não é?
não tivesse esse resgate do filme não seria possí- Para dar escola e tudo o que se precisa fazer...
vel mostrar tudo isso. Isso é que me deixa muito
emocionado. Porque senão as futuras gerações Você acha que mudou alguma coisa nesse tempo?
jamais iriam saber desse trabalho social que o Pelé É isso que estou dizendo, não mudou. Piorou. Não
fez. Isso me satisfez muito, independente de gols é coisa desse governo. Foram vários e não optaram
e tudo o mais. pela coisa mais importante, que é a educação. Não
vai mudar, se você não der educação, não tem jeito.
(Intervenção do diretor Anibal Massaini: é um Mas, enfim, como você disse: fica implícita, para
joga dor de uma camisa só, é um jogador que quem se lembra, mas as novas gerações tinham que
recusou inúmeras propostas do exterior e tem saber desses pontos. Não é só o gol, o campeonato.
aquele gesto no final da carreira, que ele pega Enfim, eu queria era isso, deixar um legado para
um ano de contrato e doa para uma instituição as próximas gerações.
de caridade)
Eu não tinha falado para ninguém isso, não queria Falando nessa história de legado, alguma das bio-
344 falar porque eu tinha feito justamente para isso, grafias que você tem te satisfaz, Pelé? 345
para não sair na imprensa nem nada... Agora tem Eu fiz uma agora em inglês, que ficou muito boa.
outra coisa também. Agora você viu o filme, o milé- Mas ainda não é a biografia autorizada, trabalhada
simo gol. Qual a coisa mais bonita do milésimo gol? comigo...
Tem o gol de placa, tem o gol contra o Juventus.
Tem aquela do Benedito Ruy Barbosa, mas você
Agora, a coisa mais bonita é quando eu dedico o
estava no meio da sua carreira, aliás, no começo
milésimo gol às crianças. E sabe o que aconteceu?
quase...
O diretor tirou essa parte do filme.
Pois é, o livro é de 1962. Depois tem coisa mais es-
Deixa eu dar um depoimento de quem acompa- pecífica de futebol que é Jogando com Pelé. E tem
nhou a sua carreira de perto, como foi o meu caso. agora Os Dez Corações de Pelé, do José Castello,
Essa história de ter dedicado o gol às crianças, e que é mais mística, mais espiritual, entende? Eu fiz
tudo o mais, ficou tão marcada no imaginário das umas correções. Eu gosto porque é uma maneira
pessoas, que nem se sente falta dela no filme. Está de falar do Pelé diferente, mais mística, como eu
implícita, como se estivesse lá... disse. Essa da Inglaterra ficou muito boa, eu fiz
É, mas como isso tem mais de 30 anos eu acho que também algumas correções, mas não é a autori-
podia recordar. Trinta anos e eu espero que não zada. E agora eu pretendo fazer uma autorizada.
Eu tinha até uma pré-conversa com o Juca Kfouri, telefone, eu estava em Nova York e falei com ele:
mas depois essa idéia morreu. O Fernando Morais Ô, Papagaio, aquilo é uma brincadeira. Porque não
também se interessou. O Ruy Castro também falou, foi só uma vez. Várias vezes você saiu escondido
mas depois ele disse que não escreve sobre pessoas para fumar. É brincadeira de jogador, você fala do
vivas. Mesmo assim ele está tendo problemas com chulé de um, coisas assim, brincadeiras das copas.
as filhas do Garrincha (nota: a editora Companhia Pô, você precisa estar lá, pela nossa amizade... Ele
das Letras, que publicou A Estrela Solitária, foi respondeu: Tudo bem, tá tudo ok. Aí eu vim aqui,
condenada a pagar uma indenização às filhas de falei novamente com ele, e ele disse: Está tudo
Mané Garrincha em fevereiro de 2006). confirmado. Mandei o meu sobrinho, que estava
cuidando do caso, falar com ele. Aí o meu sobrinho
Houve problemas com a autorização de imagens ligou para ele e ele então disse: Não, eu mudei de
dos outros jogadores para o filme? Por exemplo, idéia, manda o Pelé procurar o meu advogado. Aí
eu notei a ausência do gol do Gérson na final vi que ele não estava com muito interesse em par-
contra a Itália em 1970. O que houve? ticipar. Então ficou assim.
Aquilo foi uma brincadeira que ele levou a mal. Num
346 Fantástico sobre a copa de 70 pediram para eu fazer Essa história do direito de imagem é muito com- 347
um comentário pitoresco, contar alguma coisa de plicada. Você não teve problemas com as filhas
bastidor que ainda não tivesse sido contada. No jogo do Garrincha?
contra o Uruguai, quando estava 1 a 1, durante o Houve aquela história do álbum de figurinhas
intervalo a gente tinha de conversar e ficou aquela que a CBF fez da copa de 1970. Alguns jogado-
história: Cadê o Papagaio (Gérson), cadê o Papa- res receberam, assinaram, eles pagaram cachê,
gaio? Precisamos combinar como é que a gente vai outros nem ficaram sabendo. Foi o meu caso, e o
jogar. E o Papagaio estava no banheiro fumando... de uns quatro ou cinco. Como nós soubemos que
Um comentário bem-humorado. O Carlos Alberto foi vendido, nós fomos reivindicar os nossos direi-
(Torres) falou: Pô, depois você fuma, vamos agora tos. Eu acabei acertando com a CBF, mas aí o meu
falar do jogo. Alguém deve ter contado isso pro advogado não me repassou o dinheiro. Eu fiquei
Gerson de uma outra maneira. Aí ele falou no ar, em cima da CBF, que sustentava que tinha pagado.
no programa que ele tinha na TV: O Pelé que vá E tinha pagado mesmo, só que estava com o advo-
jogar a bolinha dele, que não vai ter imagem minha gado. Agora, o Garrincha tinha 12 filhos. Então,
nenhuma no filme dele (risos). Eu não ouvi ele falar quando eu fui fazer o filme, falei para o Aníbal:
isso. Algumas pessoas comentaram. Aí eu falei, deve Olha, toma cuidado com isso, aparecem imagens
ser engano. Ele não deve ter entendido. Peguei o do Garrincha e elas têm direito. Você tem de pegar
autorização de todas. Levou um ano, mas pegou de quem era o melhor e então eu acho que foi por
de todas. Difícil, porque algumas estão casadas, os isso. Bom, uma coisa puxa outra. O Chico Buarque
maridos interferem... fez 60 anos outro dia e ele comentou com o repór-
ter: É, o pessoal fala muito de Pelé e Coutinho, mas
Agora, com aquele pessoal do grande time do San- o bom mesmo era o Pagão. Então ele me mandou o
tos você tem um relacionamento bom até hoje? recado (risos). Você vê, éramos jogadores de carac-
Tenho. Vários deles dão depoimentos no filme. O terísticas diferentes, como comparar?
Zito ainda está lá, o Pepe está sempre lá. Fiquei
contente de rever o Gilmar, mas triste com o esta- O Chico é louco pelo Pagão. Quando você chegou
do de saúde dele, ele estava na cadeira de rodas. ao Santos, o Pagão já estava lá...
Graças a Deus teve um probleminha com o Dorval Já estava lá, mas eu entrei e me firmei no time, e o
e o Coutinho, mas já acertamos as pontas. O Lima Pagão entrava e saía. E quando jogava o Pagão, eu
é meu concunhado, é casado com a irmã da minha jogava mais à frente, e quando entrava o Coutinho,
ex-mulher, tá sempre lá no Santos. O Clodoaldo é era o contrário – o Coutinho mais à frente e eu mais
meu sócio lá na escolinha de futebol, o Litoral. O atrás. O Pagão fazia mais o terceiro homem. Ele
348 Calvet agora é fazendeiro lá em Bagé. não era muito de choque, mas era muito, muito 349
inteligente. Tocava a bola, fazia lançamentos. Aí
Aquele foi o maior time de todos os tempos? No ele veio para o São Paulo. Então esse Santos que
livro do Odir Cunha (O Time dos Sonhos) ele tenta você falou, bom, foram uns 12 anos sem perder
provar que aquele Santos foi o maior. Porque ha- nada ou quase nada.
via aquela dúvida, era o Santos ou o Real Madrid
daquela época? Bom, tinha você à frente, mas também você tinha
O Real Madrid, como era um time rico, não parti- ao lado todos esses grandes jogadores. Mas você
cipava dos mesmos torneios que o Santos. E tem acha que tinha a ver também com o esquema tá-
uma coisa que é engraçada, e que até hoje não está tico usado? Porque o Santos era muito ofensivo,
explicada é que numa das excursões, nós jogamos jogava com dois pontas abertos...
contra o Real, lá em Madrid, e o Santos perdeu É, mas é uma coisa engraçada, porque o esquema
por 4 a 2. Nunca mais o Real Madrid jogou com o que o Santos jogava a seleção de 70 utilizou depois
Santos. Todo torneio que a gente participava eles e ninguém se lembra. Porque todo mundo via o
saíam. Jogaram com o Vasco, com o Corinthians, Pelé fazer muito gol e achava que o Santos era um
mas nunca mais com o Santos. Nunca deram uma time que só atacava. Mas às vezes nós jogávamos
chance de revanche. Porque havia aquele tira-teima só com o Coutinho à frente, e o Pepe, mais aberto.
Mas voltava o Dorval, que jogava de ponta-direita, A eliminação para o São Caetano foi isso. Eles
depois veio o Toninho Guerreiro, que também fizeram dois gols na Vila, o Santos ainda virou,
voltava, jogava de meia, armando, eu voltava, mas tomou o empate. Foi jogar no Anacleto Cam-
o Lima voltava. O meio de campo era o Zito e o panella e tomou de quatro.
Mengálvio. A gente pegava sempre o time contrá- E os outros jogos também, tomava um, dois na
rio de surpresa. Porque se era um time defensivo, frente e era obrigado a correr atrás. Às vezes se
depois de levar um, dois gols, aí tinha de sair e recuperava. O que aconteceu com o Santos foi
então se ferrava. E era o mesmo esquema que a isso. Não é que piorou. Era o mesmo time, só que
seleção jogou em 70, porque o pessoal pensa que o Santos passou a ser o time bom. Tinha de ganhar.
como o Brasil fez muitos gols, ele só atacava. Às Os outros vinham com medo, se defendiam, e aí
vezes ficava só o Tostão na frente, e às vezes nem começou a complicar.
ele. Vinha todo mundo para o meio de campo, e
a gente saía todos juntos, também. Esse Santos Mas você vê muita diferença na maneira de jogar
que surgiu em 2002 com Robinho e Diego foi um dos times de hoje e os dos anos 60? Não estou
time que surpreendeu assim. Nos classificamos em nem falando na qualidade dos jogadores, mas no
350 351
oitavo para a parte final do campeonato, e com desenho tático, por exemplo.
um pouco de sorte. Então fomos jogar contra o São Alguns times não mudaram muito. O Palmeiras
Paulo, que era o melhor, o Leão armou bem o time, jogava se defendendo, como joga agora. Jogava
e o que aconteceu? Arrebentamos. Todo mundo no contra-ataque, com um ou dois na frente. Os
muito rápido, um time desconhecido, jogadores times pequenos jogavam todos se defendendo. No
jovens. Eu até brinquei com o Leão. Falei assim caso do Santos era menos. O que eu vejo hoje não
para ele, quando ele saiu: Pô, você é um cara de é a diferença de um time para outro. São todos os
sorte, você ganhou, foi campeão, pegou a melhor times jogando igual. Inclusive na Europa. Todos
parte, porque o Santos se defendia bem. Quando no 4-4-2, iguaizinhos. Os que têm mais habilidade,
o Santos ficou conhecido, começou a complicar. mais conjunto, superam no toque de bola, fazem
Porque aí tinha de ganhar. Quando jogava na uma jogada diferente.
Vila, você que é santista deve ter acompanhado, o
Santos começava a tomar um, dois gols de contra- Mas no geral é sempre igual: perdeu a bola todo
ataque. Porque os times faziam o contrário. Se mundo volta, dá combate, e tal. Então, nesse senti-
defendiam, o Santos ia, ia, ia, e tomava gol no do, mudou muito. Não tem mais esquema definido.
contra-ataque. Todo mundo é igual.
E em termos de craques, do jogador que faz a time às vezes vai mal, e ele sempre igual. Você não
diferença, como você fazia? vê gente como ele... Uma visão de campo muito
Infelizmente, é escasso. Antes, a gente via dois, boa, o time se aglutina em torno dele...
três craques em cada time. Hoje, pra você ver um
craque, mas craque mesmo, é difícil. E quando você No Brasil você não vê ninguém igual a ele?
vê, não é completo. Porque eu gosto de analisar. Esse tipo como ele, de armador, você não vê
O que é um craque completo? Tem pé direito e mais.
pé esquerdo, sabe se colocar bem, sabe cabecear. O Ronaldinho Gaúcho está numa fase incrível, uma
E tem o especialista, que faz gols, batalhador, que tremenda badalação em cima dele...
vai lá, mas tem defeitos. Eu sempre brinquei com O Ronaldinho está numa fase boa. O próprio
o Ronaldinho Fenômeno, eu fui lá na casa dele, Kaká, melhorou muito na Europa. Inclusive ele
quando ele jogava na Itália e falei: Pô, quando saiu daqui, e não estava muito bem. A torcida
você vai aprender a fazer gol de cabeça? É um do São Paulo vaiava ele. Mas agora está muito
centroavante maravilhoso, mas que tem o déficit bem. Tecnicamente é um jogador com um futuro
de não saber cabecear. Eu fiz uma aposta com o muito grande. Todos têm qualidades. Mas é muito
352 353
Robinho, quando ele estourou e disse: Quando difícil destacar um craque, assim, completo, hoje
você fizer um gol de cabeça eu vou te dar um em dia.
carro. Aí ele levou um tempão e fez logo dois e
veio me cobrar. Eu falei: Você em quatro anos de Pelé, você fala muito do dom de Deus, que você
carreira, faz dois gols de cabeça e tem coragem recebeu, e que te permitiu ser o maior jogador
de me cobrar? (risos). Então, era uma coisa que de todos os tempos. Mas além disso, você não
no nosso tempo era obrigatório, bater bem de descansou em cima do dom, você treinava pra
esquerda, treinar a cabeçada, tinha a forca, onde burro, você aperfeiçoava os fundamentos...
a gente treinava. Não sei por que é que tiraram É isso que eu digo. O meu pai sempre dizia pra mim,
esse treinamento de fundamentos do juvenil, do isso ainda lá em Bauru: Deus te deu o dom de jogar
infantil. Então, no Flamengo, você tinha dois, três futebol, como dá para o pianista, para o cantor.
grandes jogadores, no Cruzeiro, dois, três grandes Agora, se você estiver bem fisicamente, ninguém
jogadores, no Corinthians, dois, três grandes jo- vai te parar. Se você se cuidar, ninguém vai te parar.
gadores. Agora você vê um... O pessoal fala e você Então era por isso que eu ficava treinando depois
vai ver... Não é tudo isso... Então craque, para mim, dos treinos. Eu ficava batendo bola. É por isso que
dos últimos dez ou 12 anos, é o Zidane. Regular, o ninguém sabe se eu sou canhoto ou destro, porque
eu bato com as duas igual. O filme mostra bem isso: acho que é do mesmo jogo. Eu não me lembro.
os gols de esquerda, de direita, de cabeça. Então foi Essa jogada, eu falei pra ele (o diretor). É difícil
isso que me sustentou todos esses anos, a insistência, você ver coisa assim. Esse não está na montagem
em treinar tudo, bater falta, cabeçada. Veja esses do filme. É que tem uns gols meus que aparecem
garotos do Santos. Porque eu fazia avaliação dos toda hora. Na seleção, jogadas como aquele dri-
garotos. Eu que construí os vestiários do Santos. Eu, ble no Mazurkiewicz, são lances que a televisão
eu, com o meu dinheiro, o CT do Santos, porque os tem. Mas outros, que eu fiz com o Santos, não são
meninos trocavam de roupa no banco e, como eu mostrados muito. E outro lance é aquele sem-pulo
fazia avaliação lá, quis construir um vestiário para de perna esquerda que eu dei, num jogo contra o
eles. Então eu falava: Tem que treinar. Mas acabava Corinthians. O Pepe bate o escanteio, a bola vem
o treino... Rapaz, todo mundo se manda, ninguém forte à meia altura, eu bato de esquerda e ponho
fica um minuto a mais batendo bola. Pareciam uns a bola lá no canto. Isso é coisa que tem de pôr,
industriais, pô. Eles saem rapidinho, você vai ver es- porque é raro. Agora, aquele gol foi assim, deixa
tão na praia. Batendo papo, ficam deitados... Então eu mostrar (Pelé encena a jogada). O gol está aí. O
esse negócio de ficar batendo bola, aperfeiçoando, lançamento é feito aqui, no bico da grande área,
354 os garotos não querem saber mais. 355
o beque está aqui, eu saio correndo, o beque sai
Você vendo o filme, tudo o que ele tem, os gols, junto, o goleiro vem prá cá. Quando ele pensou
as pessoas, o que te emociona mais? que eu ia seguir com a bola, para bater de pé
Mais as jogadas. Inclusive algumas que estavam esquerdo, eu passei por cima da bola, e deixei ela
guardadas aí e eu não sei por que não entraram seguir e voltei. O beque quis voltar e não deu.
no filme (risos)... Caiu sentado, na risca, ainda ficou com a bunda
manchada de cal.
Por você o filme teria umas quatro ou cinco horas,
né? (risos) Pelé, você criava essas jogadas na hora ou ficava
Não, mas tem umas jogadas que não podiam ficar pensando antes e depois aplicava quando chegava
de fora. Eu falei para não deixar de fora. Tem uma o momento?
jogada, que é pouco perceptível, eu dou um drible, Muitas vinham na hora, ou vinham no treino.
sem tocar na bola, e o cara cai. E eu faço o gol. É Depois que acontecia, eu dizia: Puta merda, deu
quase igual ao que eu faço contra a Checoslová- certo. E aí eu ficava treinando. Mas geralmente as
quia, do mesmo modo que eu faço de entrar pelo primeiras eram intuitivas, depois eu ficava batendo
meio, tem uns quatro caras acompanhando. Eu em cima.
Como aquela que você tentou encobrir o goleiro três. Em vez de ele esperar que o beque passe a bola
da Checoslováquia, que estava adiantado... para ele no meio campo, ele vem buscar. Quase todo
Até hoje eu fico louco, porque eu estou vendo o mundo faz isso. Pode ver, parece uma escola. Meio
jogo, e vejo os atacantes, que dizem que são cobras, de campo, você precisa tirar a bola, mas perto do
com a cabeça enterrada no chão, meio-campista, outro gol. Eu falo isso para o Leão, falo para todo
que tem de jogar com a cabeça em pé e não olha mundo. Precisa tirar esse vício.
para frente. Não olha o goleiro. Se o goleiro tiver Vendo você jogar se nota que você antecipava a
um enfarte e cair no chão, o cara não vai fazer o jogada a ser feita.
gol porque não viu que o goleiro caiu. Então eu É um negócio que eu aprendi com o meu pai,
ficava estudando goleiro que jogava adiantado, aprendi com o Waldemar de Brito, de pensar um
como o Fillol, mas esse eu nunca consegui pegar. pouco antes da bola chegar. A bola vem, o cara
Mas ficava pensando: O dia em que eu tiver uma tem de matar, aí ele vai pensar no que fazer. É
chance esse goleiro vai se ferrar comigo. Com a difícil ele dar seguimento à jogada. Outra coisa
Checoslováquia, a gente tinha visto jogo deles, que me mata ainda hoje, é uma coisa fácil, eu era
treino e tal... juvenil o Waldemar de Brito já falava. O cara está
356 no meio de campo. O cara te passa a bola, deixa 357
E ele jogava adiantado? a bola seguir. Não. O cara pára a bola. Aí vira, e
É, ele jogava adiantado. São coisas que eu aprendi só então te passa a bola. Tá livre? Pô, deixa a bola
com meu pai, com o Waldemar de Brito. Prestar seguir... Não. Eles acham que é bom parar a bola.
atenção. Porque são coisas tão simples. Você vê Virar, tocar, depois seguir. Pode ver.
hoje: muitas vezes o goleiro cai, o beque cai e o
Aí o jogo não tem fluência. A defesa tem tempo
cara joga a bola pro lado. Ele acha que está bem.
para se recompor...
Mas não olha pra frente.
Pois é. Quem estava com esse vício era o Rivaldo.
Mas o que é que falta? Orientação? Lembra na copa? Ele pára, olha. Pô, deixa a bola
Orientação. Uma coisa que eu detesto hoje e que to- seguir. Eu não posso ser técnico. Se eu for técnico,
dos os cabeças de área fazem. Tem o beque central e vou sofrer pra caramba... (risos).
o quarto zagueiro. O cabeça-de-área está livre aqui.
O beque central pega a bola, o cabeça-de-área vem Precisa enxergar o jogo, né? Falando nisso, você
buscar, ficam os três aqui atrás. Ele é cabeça de área, operou a vista recentemente e disseram que você
está no meio de campo, volta para pegar a bola e era míope desde aquele tempo, o que dava razão
ficam três aqui. Fica um centroavante marcando para o Saldanha. Como foi essa história?
Pois é, o Saldanha disse que eu não enxergava. essa escolinha, do Litoral, se Deus quiser, se Deus
Ele disse: Eu ia barrar o Pelé, mas isso eu não ouvi me der saúde, em alguns anos essa escolinha vai
ele dizer. ser a minha aposentadoria. Eu vou esperar mais
essa copa do mundo e então vou me dedicar. Li-
Acontece que ele brigou com o Havelange e o toral Futebol Clube. Porque eu quero passar isso
Havelange tirou ele. Então a desculpa era essa: pros garotos. Eu não quero treinar profissional,
É que eu ia barrar o Pelé. Ele tem um problema porque é complicado. O que eu fazia na avaliação
que não enxerga direito, e tal. Em vez de falar de do campo, no CT do Santos, eu quero fazer como
miopia. Então foi isso. Agora, miopia, toda a minha treinador. Porque no Santos era só duas vezes por
família tem. semana. Ia lá, separava os garotos. O Diego, o Alex,
o Robinho, o Paulo Almeida, o Rodrigão, todos
Mas você tem miopia? eram da nossa avaliação, lá.
Tenho. Agora, o que é que os médicos dizem? Se
você tiver miopia, de criança, se a família tiver Pelé, uma outra coisa que eu notei, vendo o filme,
posse, com dois, três anos, já está com óculos. Se e nunca tinha pensado nisso, é que os campos, não
358 tira os óculos, não vê nada. Quem era pobre e eram lá essas coisas, né? A gente vê umas bolas 359
não percebia, continuava com a miopia. Eu tinha chegando meio quadradas prá você...
miopia. Essa era outra coisa que a gente discutia. E às
vezes eu ficava com pena, porque as chuteiras
Mas não te prejudicou em nada... eram duras mesmo. A gente dava para o juvenil
Podia até ter prejudicado, mas como eu não sabia, treinar. Até amaciar, prá gente poder jogar. Hoje,
continuei com a miopia. pô, a chuteira vem como um mocassim, o cara
põe no pé na hora para jogar. O campo hoje é
Porque, Pelé, a gente nota vendo você jogar, a
um tapete. Então, por isso que eu estou dizendo,
tua preocupação era ver o campo como um todo. não tem desculpa hoje. O cara tem todo o apoio.
Você não estava preocupado só com a jogada que O atacante é protegido pelo cartão amarelo, pelo
estava fazendo... cartão vermelho.
Não, claro que não. Tem de ver tudo. Vê se alguém
me roubava a bola, dando uma de ladrão. Porque A bola era de couro, mais pesada, quando chovia,
eu olhava, pô. Tudo isso é treino. Quando a bola encharcava...
estiver chegando, não fica só olhando para ela, Eu achava melhor a bola de couro, obedecia mais,
olha de um lado, olha pro outro. Eu estou com tinha mais direção, mais aderência no chute e no
controle. Você vê hoje como os goleiros rebatem quando os caras falam na Europa se hoje daria
mais a bola. Eles têm medo de defender. Ela é um para eu jogar a mesma coisa, e tal. Eu respondo
sintético e tem uma película de verniz. Eles usam assim: Vem cá, você acha que o Beethoven com-
a luva. Antes eles tinham mais tato. Então agora poria hoje? É a mesma coisa. O talento ele tinha.
têm medo de segurar a bola. Às vezes você vê: a Hoje, com toda essa facilidade, eu jogaria melhor
bola vem no peito e eles dão rebote. Antigamente ainda. A mesma coisa o Michelangelo. Pintava de
a bola era mais pesada mas tinha mais aderência. cabeça prá baixo, tinta caindo no olho. Hoje, com
Outra coisa: os jogadores reclamam que jogam toda a tecnologia, o Michelangelo não pintaria?
duas partidas por semana. O Santos jogava três, Pintaria até melhor.
quatro vezes. Fazíamos aquelas viagens em DC-3,
É a mesma coisa a gente pensar que um Machado
Electra. Agora é só jato. Mudou tudo. Por isso é
de Assis, que escrevia com pena de ganso e tal.
que agora eu acho que não tem desculpa. O garoto
Hoje tem computador. E cadê o Machado de Assis
tem todo o conforto hoje.
de hoje?
E no entanto o nível que a gente vê hoje nem se Mas aí é que está: é o talento. É isso que eu es-
360 compara. tou dizendo. Então, em condições iguais, seria a 361
É, eu acho que os técnicos hoje estão exigindo mais mesma coisa. A diferença mesmo é o talento. E
o atleta do que a habilidade. É mais fácil fazer um aperfeiçoar o talento. Tirar os defeitos. O Robinho
atleta do que um craque. chutava muito mal e melhorou porque treinou.
Tinha uma dificuldade para bater na bola. Era um
Alguns dizem que hoje há menos espaço. Que a defeito de princípio, ele e outros jogadores. Quan-
marcação dá menos chance para o jogador criar. do bater na bola, bater com o pé de apoio longe
Você acha que é assim? dela. Se o corpo ficar curvado para trás não tem
Quem faz o espaço é o jogador. O Zidane deu uma jeito: a bola sobe. Se você for com o corpo para
entrevista agora e disse uma coisa que o Didi já a frente, ela não sobe. Corpo para trás, não tem
falava, porque eu acho que são o mesmo tipo de jeito. Eu chegava para os moleques e perguntava:
jogador. Eles dizem o seguinte: É a bola que tem de Qual é a coisa mais importante do chute? Eles
correr, não o jogador. Então, é evidente que, pelo sempre respondiam: É pegar a bola com o peito
vigor físico, os jogadores estão marcando mais. do pé O outro dizia: Não, é pegar no meio da bola.
Mas da mesma forma que o vigor físico é para Eu dizia: Mas será que vocês não sabem o que é
o ruim de bola, para o que tiver talento vai ficar mais importante, mesmo? Ninguém respondia.
igual. O talento faz a diferença. Eu fico brincando Aí eu dizia: O mais importante do chute é o pé de
apoio. Se você não estiver bem apoiado não vai De vez em quando aparecem uns técnicos que
chutar bem. Se estiver bem apoiado vai chutar de acham que o jogador tem de ter no mínimo 1,80m
curva, do jeito que quiser. de altura...
Não adianta o cara ser grande se não tem talen-
Pelé, deixa eu te fazer uma pergunta mais geral. to. Então, acho que é por isso que o futebol tem
O que o futebol tem de diferente em relação aos tanto público, porque todo mundo pratica... Hoje
outros esportes? Por que é mais popular?Por que a Fifa tem mais países membros do que a Onu,
provoca mais emoção? Você já parou para pensar mais que a Unesco. A maior família do mundo,
nisso? hoje, é o futebol. Em todos os continentes. Então,
Já pensei sim. A primeira coisa é que o futebol é o embora a gente ache que não tem mais craques,
esporte mais barato do mundo. Barato porque um pelo menos não tantos, ainda assim o futebol é
garoto com uma camisa e um calção, ou só com o o mais querido. Mesmo nos Estados Unidos, é o
calção, descalço, pode jogar. Eu jogava em campo esporte mais praticado entre os jovens. Não é o
de várzea, jogava com bola de meia. Segundo, é mais rentável, mas é muito praticado. Isso, depois
o único esporte que não tem um biotipo para jo- do Cosmos. Não é o que paga mais, mas é o mais
362 praticado. As mulheres praticam muito. Aliás, 363
gar. Qualquer biotipo que tiver, tudo bem, desde
que tenha talento. Então pode ser um esporte o futebol feminino americano é uma potência
de família. Joga o gordinho, joga o baixinho, o mundial.
alto. Eu acho que é por isso que o futebol pegou Nesse sentido, o público é importante para o jo-
essa popularidade, essa emoção, de todo mundo gador? Qual a diferença para o jogador diante de
participar e tal. É o único esporte em que todo um estádio lotado? O que ele sente num estádio
mundo participa. Com os americanos eu brincava vazio?
sobre isso: para jogar o futebol americano você Ah, um estádio cheio é outra emoção. Se você jogar
tem que ser forte pra burro, bater pra caramba, num estádio cheio, com o calor da torcida, é uma
agüentar firme. O basquete, tem de ser alto, tem outra emoção, você tem um incentivo muito maior,
de ter três metros. Para jogar vôlei, tem de ter sem dúvida nenhuma.
três metros também. O hóquei tem de ter patins,
equipamento. No futebol joga qualquer um. Se Muda o jogo?
ele tiver talento e for baixinho, joga no meio de Muda. Não adianta querer falar que o jogo é só para
campo, na ponta. ganhar três pontos. Pensando assim, todo jogo é
igual. Se tiver uma pessoa no campo, com chuva ou
sem chuva. Mas para a sua estima, para você sentir O que você acha que teria que se fazer? Porque
emoção, o estádio cheio é muito melhor. os jogadores nós temos.
O que eu acho, e já achava no ministério, e que eu
A Vila era o estádio em que você mais gostava de pedi para o Fernando Henrique e peço para todo
jogar? Ou o Maracanã, o Pacaembu? mundo – é que os presidentes de clubes teriam de
Não sei. Como em todo lugar que a gente jogava dar satisfação dos seus atos, fazer um balanço no
os estádios estavam lotados, para mim o Maracanã, fim do ano. Enquanto não tiverem de fazer isso, os
quando lotava era o que cabia mais gente. Era a presidentes de clubes vão continuar administrando
casa do Santos. Mas veja hoje os estádios vazios. mal, aparecem dois jogadores e vendem e assim
O que dá um pouco tristeza na gente é que os di- vão levando. Na época em que nós discutimos a
rigentes estão matando o futebol brasileiro. Com mudança da lei, vimos o absurdo. Para vender uma
exceção de um ou de outro, aos poucos eles estão cadeira do clube, ou um copo da piscina, você tem
matando o nosso futebol, em muitos dos casos, de ter autorização do conselho. O conselho tem
por corrupção. O caso do dinheiro que entrou no de autorizar a venda de qualquer patrimônio. E
Vasco da Gama e desapareceu. O dinheiro que um jogador o presidente vende por milhões e não
364 entrou no Flamengo. O dinheiro que entrou no Co- tem de dar satisfações a ninguém. Pô, tá errado. 365
rinthians. Se o dinheiro tivesse sido bem aplicado, O jogador também é patrimônio. Tem de reunir
esses clubes grandes estariam bem. E os jogadores o conselho para ver se pode vender ou não. Isso
ficariam aqui. só vai mudar quando tiver de fazer um balancete
e prestar contas dos seus atos. Não tem jeito de
E com grandes jogadores o público seria maior...
mudar. Não vai mudar. Só vai mudar, na verdade,
Outro dia eu estava vendo um Corinthians e
quando o país inteiro mudar.
Flamengo, as duas maiores torcidas do país. E o
estádio vazio. Ao mesmo tempo estava jogando Uma coisa legal que se vê no filme são as cenas do
Portugal e Espanha. O estádio cheio. Eu via e povão vibrando com as suas jogadas. Uma coisa
falava para a minha mulher: Olha que estádio. que eu tenho medo que aconteça é tentar resolver
Olha a grama, o povo. Agora vem ver aqui os dois os problemas do futebol brasileiro pela elitização
maiores times do Brasil, as duas maiores torcidas. do público, tirando o povão dos estádios. O que
Veja quantas pessoas tem no campo. Um campo você acha?
infelizmente ruim, um campo sujo, um campo va- Para a renda que nós temos já é caro. Não é o mais
zio. É uma coisa triste, pô. Porque aqui é o futebol, caro, como o teatro, mas tendo dois, três jogos na
aqui é a capital do futebol. semana, o cara não tem condições de acompanhar.
Sei lá, eu acho muito triste a situação do futebol, de união, mesmo, de moral. Eles jogavam daquela
porque a minha vida toda vem do futebol, é triste maneira que você viu, se você afinar, pô...
você ver o país nessa situação, os clubes do jeito
que estão, o povo tendo de pagar para ver os nos- Tem um lance lá, que o goleiro pega a bola, você
sos craques jogarem na Europa, porque a televisão vai por trás, abraça o goleiro, dá uns tapinhas na
também custa dinheiro. bola e vai todo mundo em cima de você. O que
foi aquele lance?
Você vê, hoje, uma seleção brasileira com todos Ah!, hoje fatalmente eu receberia o cartão amarelo.
os jogadores atuando fora. Você não acha esqui- Porque eu pus a mão na bola. E pondo a mão na
sito? bola, o goleiro não poderia sair jogando e ele teria
Todos os titulares e todos os reservas. Acho triste de bater a saída de bola dali. Ganhava um tempinho,
demais. Eu sei lá. Eu participei com toda a minha porque já estava 2 a 1 para nós. Mas era pra provocar
boa vontade do ministério, tentamos fazer as coi- mesmo, pra deixar eles com os nervos à flor da pele.
sas, mas é preciso uma mudança de mentalidade A gente já estava dentro daquele forno lá. Se aquela
dos presidentes de clubes, né? torcida se invoca e entra em campo, a gente estava
366 morto. Você vê a hora que eu faço o gol, aquela tor- 367
O engraçado agora é que já tem gente falando em cida enorme atrás do gol, calada, parada, sem mexer
restabelecer a lei do Passe, a culpar a lei Pelé... um músculo. Foi um negócio maravilhoso.
Agora a culpa é da lei Pelé. Vamos voltar à escravi-
dão, no Brasil também. A culpa é da lei Áurea. Foi o jogo mais difícil que você teve? Qual o teu
jogo mais difícil?
Pelé, mudando um pouco de assunto, eu fiquei Os jogos mais difíceis são sempre com os argentinos.
muito impressionado com as imagens daquele Porque são muito disciplinados. Defensivamente
jogo na Bombonera, na final da Libertadores, eles são melhores do que os brasileiros porque
contra o Boca... jogam no estilo europeu. Então fica muito difícil
Você viu a pressão? Tem uma coisa engraçada, eu jogar com eles. Contra o Uruguai também, mas a
não sei o que está acontecendo hoje, está difícil para Argentina tem mais time, mais tradição nos jogos
os times brasileiros ganharem dos times latinos. Está difíceis, porque o campeonato argentino é muito
difícil. Fora, então, nem pensar. E hoje tem mais mais duro do que o uruguaio. Agora, jogar na Itália
condições, tem televisão, os campos estão melhores. também é duro para qualquer time. Jogar na Itália
Naquela época, era uma pauleira... Eu nem sei como é complicado. Eles têm um sistema defensivo...
a gente enfrentava tudo aquilo. Era um negócio Do jeito que eles são disciplinados na marcação.
Na Inglaterra, nem tanto. Na Itália é mais complica- ele insistiu, pediu por favor. Eu fui para o jogo.
do. Eles marcam homem a homem. Você veja, aqui Ganhamos de 3 a 1, eu fiz os três gols no Noro-
no Brasil, era muito difícil jogar com o Botafogo, este e a minha família teve de mudar de Bauru
que tinha um timaço, às vezes a gente ganhava por por causa disso (risos). Foi um dos melhores jogos
3 a 1, depois perdia por 4 a 2. Era normal. Tinha um que fiz, e estava meio contundido, mal preparado
timaço, Garrincha, Nílton Santos, podia acontecer fisicamente e aconteceu isso. É imprevisível, eu
isso. Mas eu sempre encontrei dificuldade em jogar pensei que ia jogar mal, só pra quebrar um galho,
contra os italianos, por causa da marcação homem e joguei bem.
a homem. E marcação muito bem feita.
Teve aquele jogo contra o Botafogo de Ribeirão
No filme você diz que sua melhor partida foi aque- Preto, 11 a 0 e você fez oito gols. Eu me lembro
les 5 a 2 contra o Benfica. disso: o Flávio, do Corinthians na frente da artilha-
Pois é, mas tem também uma partida que eu fiz ria e todo mundo dizia que ele iria ser o artilheiro
contra a Checoslováquia, pela seleção, no Chile. daquele ano. E em um único jogo você passou à
Nós ganhamos e eu fiz dois gols, foi uma das frente dele e foi artilheiro de novo.
368 minhas melhores partidas. Nós ganhamos o octo- Essa semana foi engraçadíssima. Não sei se você 369
gonal do Chile. Contra o Benfica eu fiz três, fora se lembra, o técnico do Botafogo era o Osvaldo
o resto. Brandão. Ele foi contratado pelo Corinthians.
Então aquele era o jogo de despedida dele, e nós
Pelé, você alguma vez jogou mal?
ganhamos de onze, e eu fiz oito gols. No jogo
Muitas vezes. Eu acho que muitas vezes joguei mal.
seguinte, contra o Corinthians, nós ganhamos de
Mal, isso eu digo na minha maneira de entender.
sete, eu fiz três ou quatro. Foi uma coisa engra-
Vendo de dentro, pela minha exigência. Teve um
çada. Aí começaram a dizer que eu tinha bronca
fato engraçadíssimo que aconteceu comigo. Eu
do Brandão. As cenas da Elisa me xingando, que
machuquei o tornozelo e pedi ao Lula, o técnico
do Santos, para ir descansar em Bauru, lá na casa aparecem no filme, foram desse jogo, dos 7 a 4 no
dos meus pais, já que não iria jogar mesmo. Em Corinthians (risos).
seguida, iria reencontrar o time que ia para lá jo- (Elisa era a torcedora-símbolo do Corinthians)
gar contra o Noroeste. O Santos, treinando lá no
sábado, o Pagão se machucou e o Dorval também. Você chegou a conhecer a Elisa pessoalmente?
O Lula foi falar comigo e pediu para eu jogar. Eu Conheci, claro. Ela me beijava. Brincava comigo.
disse: Pô, não dá, estou três dias parado. Mas Essa é uma outra coisa que sumiu, as brincadeiras
das torcidas, a gozação. Com a violência, tudo isso e eu peguei o do Corinthians. E a gente jogava. E
acabou. nos botões tinha o nome dos jogadores. Eu fazia
um gol e gritava: Gol de Baltazar! Brincando. Pô,
Você é um cara internacional mas se identifica eu gritava porque era do jogo de botão. Não era
muito com o Brasil, né? Um cara de raiz. Você só corintiano e nem meu irmão era palmeirense. Aí
foi jogar no Cosmos no final da carreira. o cara põe no filme que eu era corintiano... Não
Mineiro é muito apegado à terra, não é? Quando tem nada a ver. Essa é a pura verdade.
eu fui para os Estados Unidos, eu só me preocu-
pava com a difusão do futebol e depois voltei. Já
tive propostas para trabalhar como treinador, ou
conselheiro de equipes, mas eu não quero sair
do Brasil. Quero continuar trabalhando aqui, se
Deus quiser. Eu sou muito apegado às coisas. Já
briguei lá no Santos, fiquei um ano e meio sem ir
lá, mas deu saudades. Eu tenho muito apego ao
370 Santos. E fica o diretor no filme dizendo que eu 371
era corintiano, pô (risos). Que eu era corintiano na
infância. É mentira.

Essa declaração é fundamental para a galera san-


tista. Como é que é essa história?
Vou contar essa história. Eu tinha uma tia, irmã
do meu pai, que trabalhava em São Paulo. Teve
uma fase difícil na família, quando meu pai que-
brou o joelho e essa minha tia ajudava muito. Um
dia ela trouxe de São Paulo um jogo daqueles de
botões, com camisa, nomes de jogadores e tudo.
Em Bauru não existia. Tinha dois times, um era
do Corinthians outro era do Palmeiras. O meu
irmão gostava do Palmeiras, mas em casa todo
mundo era atleticano por causa de Minas Gerais
e tal. Aí o meu irmão pegou o time do Palmeiras
Filmografia

Esta filmografia pretende ser a mais completa


possível. Inclui obras de curta, média e longa-me-
tragem, em qualquer suporte, pois hoje em dia não
há mais motivo para rezar no altar do celulóide.
Aliás, algumas das melhores obras sobre futebol
não passaram pelo suporte do filme em 35 mm. In-
clui documentários e obras de ficção. A lista contém
filmes que tratam diretamente do futebol, outros
que usam esse esporte como elemento narrativo
e mesmo alguns que fazem menção ao futebol
apenas de passagem, mas de modo significativo.
Todos esses títulos, em graus e maneiras diversos,
contribuem para a nossa compreensão da presença
373
do futebol na cultura brasileira como um todo e na
cultura do audiovisual de maneira particular.

Até 1950

Entrega das Taças aos Campeões Paulistas de


Futebol
1907, São Paulo, SP. produção: Joseph Cateysson;
direção: Joseph Arnaud; co-produtora: Empresa J.
Cateysson; p&b; 35 mm; curta-metragem; Docu-
mentário.
Entrega das taças aos campeões paulistas de fute-
bol, o São Paulo Athletic Club.

Brasil x Argentina
1908, Rio de Janeiro, RJ. produção e direção: Anto-
nio Leal; Companhia produtora: Foto Cinemato-
gráfica Brasileira; p&b; 35 mm; curta-metragem; Futebol entre Fluminense e Cruzador Inglês Ame-
Documentário. thyst
Filme de atualidades sobre a sensacional disputa 1909, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm;
entre brasileiros e argentinos. Tido como primeiro curta-metragem; gen: Documentário.
filme brasileiro sobre futebol.
Palmeiras x Paulistano
Campeonato de 1908 1909, São Paulo, SP. p&b; 35 mm; curta-metragem;
1908, São Paulo, SP. p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário.
Documentário. Jogo de futebol entre os times do Palmeiras e do
Campeonato de futebol de 1908, no qual o Clube Paulistano, em São Paulo.
Paulistano conquistou a taça, assistindo-se à en- Festival no Parque Antártica
trega ao referido clube 1909, São Paulo, SP. Produção: Francisco Serrador;
Primeira Partida de Futebol entre o S.C. Pelotas e direção: Alberto Botelho; Companhia produtora:
Empresa F.Serrador; p&b; 35 mm; curta-metragem;
o S.C. Rio Grande
Documentário.
374 1908, Pelotas, RS. Direção de Nicola Petrelli; p&b; 375
Festival do Parque Antártica, São Paulo, em be-
35 mm; curta-metragem; Documentário.
nefício dos empregados da Light, Humanitária
Match Internacional de Futebol entre Brasileiros do Comércio e Maternidade. Aprecia-se o match
e Argentinos de futebol, as corridas de aranhas e aspectos das
1908, Rio de Janeiro, RJ. produção: Labanca, Leal & arquibancadas, repletas de famílias e cavalheiros.
Cia.; direção: Antonio Leal; Companhia produtora: Disputa da Taça Ipiranga
Photo-Cinematographia Brasileira; p&b; 35 mm; 1910, São Paulo, SP. Produção e direção: José Balsells;
curta-metragem; Documentário. p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário.
Jogo de futebol entre brasileiros e argentinos Doze times de futebol disputam a Taça Ipiranga,
no Rio de Janeiro. Segundo a fonte consultada, no Velódromo paulistano.
trata-se do primeiro documentário sobre futebol
rodado no Brasil. Primeiro Encontro do Corinthians com os Brasi-
leiros
Match de Futebol entre Ingleses e Fluminenses 1910, São Paulo, SP. produção e direção: José Bal-
1908, Rio de Janeiro, RJ. p&b; 35 mm; curta-metra- sells; Companhia produtora: Empresa José Balsells;
gem; Documentário. p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário.
Jogo de futebol entre o time do Corinthians Inglês Jogo de futebol entre os times do Botafogo e do
e o Palmeiras, no Velódromo Paulistano, com o Palmeiras no Velódromo Paulistano, São Paulo.
resultado de 2 x 0 para o Corinthians.
Matches de Futebol e Exercícios pelos Marinheiros
Segundo Encontro Corinthians Versus Brasileiros Nacionais no Campo do Fluminense
1910, São Paulo, SP. produção e direção: José Bal- 1910, Rio de Janeiro, RJ. p&b; 35 mm; curta-metra-
sells; Companhia produtora: Empresa José Balsells; gem; Documentário.
p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário.
Jogo de futebol entre o time do Corinthians inglês Matches entre o Corinthians x Brasileiros
e um combinado paulista, com o resultado de 5 x 0 1910, São Paulo, SP. p&b; 35 mm; curta-metragem;
para o Corinthians. Partida realizada no Velódromo Documentário.
Paulistano. Jogo de futebol entre o time do Corinthians e
combinado brasileiro.
Terceiro Match de Futebol Corinthians e Brasileiros
1910, São Paulo, SP. produção: José Balsells; dire- Botafogo, Campeão de Futebol de 1910
ção: João Stamato; Companhia produtora: Em- 1910, Rio de Janeiro, RJ. p&b; 35 mm; curta-metra-
376 377
presa José Balsells; p&b; 35 mm; curta-metragem; gem; Documentário.
Documentário.
Jogo de futebol entre o time do Corinthians inglês Campeonato de Futebol Fluminense x Botafogo
e o Atletic, no Velódromo Paulistano, com o resul- 1910, Rio de Janeiro, RJ. p&b; 35 mm; curta-metra-
tado de 8 x 2 para o Corinthians. gem; Documentário.
Os times do Fluminense e do Botafogo disputam
Palmeiras x Paulistano
o campeonato de futebol.
1910, São Paulo, SP. produção e direção: José Bal-
sells; Companhia produtora: Empresa José Balsells; Match de Futebol entre Corinthians (da Inglaterra)
p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário. e Paulistas
Os times do Palmeiras e do Paulistano disputam a 1910, São Paulo, SP. direção: Antonio Campos; p&b;
Taça Penteado de Futebol. 35 mm; curta-metragem; documentário.
Match no Velódromo entre Botafogo e Palmeiras
Football entre os Campeões do Rio e São Paulo
1910, São Paulo, SP. produção e direção: José Bal-
1911, Rio de Janeiro, RJ. p&b; 35 mm; curta-metra-
sells; Companhia produtora: Empresa José Balsells;
p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário. gem; Documentário.
Quarto e Último Match Internacional Uruguaios Jogo de futebol no velódromo de São Paulo, entre
Versus Scratch Paulista Palmeiras e Ipiranga.
1911, São Paulo, SP. produção e direção: Francisco
Serrador; Companhia produtora: Empresa F. Serrador; Match Internacional A. A. Palmeiras Versus Bota-
distribuição: Companhia Cinematográfica Brasileira; fogo C. A.
p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário. 1911, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção e
Jogo de futebol entre uruguaios e paulistas, em direção: Alberto Botelho; companhia produtora: A.
São Paulo. Botelho Film; p&b; 35 mm; curta-metragem; gen:
Documentário.
Sétimo Match do Campeonato de 1911, São Paulo Jogo de futebol entre A. A. Palmeiras e Botafogo
Atlético Clube Versus Clube Atlético Paulistano C. A. Interessante fita tirada no Rio Ground da Rua
1911, São Paulo, SP. produção: Francisco Serrador; Voluntários da Pátria. Aprecia-se, além do belo
direção: Antonio Campos; Companhia produtora: jogo dos dois valentes teams, o aspecto grandioso
Empresa F.Serrador; p&b; 35 mm; curta-metragem; das arquibancadas que estavam repletas com tudo
Documentário. o que há de mais distinto na sociedade carioca.
378
Jogo do campeonato de futebol de 1911 entre São 379
Paulo A.C. e C.A. Paulistano, em São Paulo. Primeiro M atch de Futebol Uruguaios Versus
Paulistano
Terceiro Match de Futebol Uruguaios Versus Ame- 1911, São Paulo, SP. ficha técnica: produção: Fran-
ricano cisco Serrador; direção: Antonio Campos; compa-
1911, São Paulo, SP. Produção e direção: Francisco nhia produtora: Empresa F. Serrador; distribuição:
Serrador; Companhia produtora: Empresa F.Serrador; Companhia Cinematográfica Brasileira; p&b; 35
distribuição: Companhia Cinematográfica Brasileira; mm; curta-metragem; Documentário.
p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário.
Terceiro jogo de futebol entre uruguaios e paulis- Match Corinthians
tanos. Vitória do Paulistano. A fonte consultada 1911, São Paulo, SP. ficha técnica: companhia pro-
sugere um erro no título, que seria: ‘Terceiro Match dutora: Casa Radio; p&b; 35 mm; curta-metragem;
de Futebol Uruguaios Versus Paulistano’. Documentário.
Jogo de futebol com o time inglês do Corinthians.
Palmeiras x Ipiranga
1911, São Paulo, SP. Produção e direção: José Bal- Football
sells; companhia produtora: Empresa J. Balsells; 1911, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm;
p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário. curta-metragem; Documentário.
Festa promovida pelo semanário O Pirralho em futebol entre Americano e São Paulo Atletic no
benefício das vítimas das inundações do Sul. Filme Velódromo de São Paulo.
tirado no velódromo no dia em que se realizou
Match de Football contra S. C. Americano
essa festa.
1911, São Paulo, SP. ficha técnica: direção: Antonio
Palmeiras x Ipiranga Campos; p&b; 35 mm; curta-metragem; Documen-
1911, São Paulo, SP. ficha técnica: produção e direção: tário.
José Balsells; companhia produtora: Empresa J. Bal- Segundo a fonte consultada, pode tratar-se do
sells; p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário. filme Match de Football entre Americano Versus
Jogo de futebol no velódromo de São Paulo, entre São Paulo Atletic, do mesmo ano.
Palmeiras e Ipiranga.
Match de Football entre Palmeiras e Paulistano
Palmeiras x Paulistano (I) 1911, São Paulo, SP. ficha técnica: produção: José
1911, São Paulo, SP. ficha técnica: produção e dire- Balsells; direção: Antonio Campos; companhia
ção: Francisco Serrador; companhia produtora: produtora: Empresa J. Balsells; p&b; 35 mm; curta-
Empresa F.Serrador; p&b; 35 mm; curta-metragem; metragem; Documentário.
380 381
Documentário. Jogo de futebol no Velódromo de São Paulo em
Disputa do campeonato de 1911. Jogo de futebol disputa da Taça Penteado, entre Palmeiras e Pau-
entre Palmeiras e Paulistano, no velódromo de listano.
São Paulo.
Campeonato de 1912
Palmeiras x Paulistano (II) 1912, São Paulo, SP. ficha técnica: direção: Anto-
1911, São Paulo, SP. ficha técnica: produção e direção: nio Campos; companhia produtora: Companhia
José Balsells; companhia produtora: Empresa J. Bal- Cinematográfica Brasileira; p&b; 35 mm; curta-
sells; p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário. metragem; Documentário.
Jogo de futebol entre Palmeiras e Paulistano, re- Jogo de futebol entre as equipes do Paulistano e
alizado no Velódromo de São Paulo, em disputa do Americano.
do campeonato de 1911.
Football: Os dois Primeiros Matchs entre Portu-
Match de Football entre Americano Versus São gueses e Brasileiros
Paulo Atletic 1913, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção:
1911, São Paulo, SP. ficha técnica: p&b; 35 mm; Paulino Botelho; p&b; 35 mm; curta-metragem;
curta-metragem; Documentário. sinopse: Jogo de Documentário.
Os dois primeiros jogos de futebol entre os times Match de Futebol entre Paulistano e Fluminense
dos brasileiros e dos portugueses em Botafogo, 1916, São Paulo, SP. ficha técnica: p&b; 35 mm;
Rio de Janeiro. curta-metragem; Documentário.

Futebol Luso-brasileiro A Quinzena Uruguaia de Futebol


1916, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm;
1914, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm;
curta-metragem; Documentário.
curta-metragem; gen: Documentário.
Jogo internacional de futebol em que o Botafogo Grandioso Match de Futebol entre os Portugueses
foi derrotado pela equipe portuguesa por 1x0. e o Botafogo
1916, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm;
Um Match de Futebol no Velódromo curta-metragem; Documentário.
1915, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: companhia
Campeonato de Futebol
produtora: Companhia Cinematográfica Brasileira;
1916, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm;
p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário.
curta-metragem; Documentário.
Jogo de futebol no velódromo, Fluminense versus
382 Campeonato de futebol na Argentina vencido pela 383
Palmeiras.
equipe brasileira.
A Embaixada Brasileira na Argentina Match Internacional Rio de Janeiro versus São Paulo
1916, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção e 1917, São Paulo, SP. ficha técnica: direção: Antonio
direção: Alberto Botelho; companhia produtora: Campos: p&b; 35 mm; curta-metragem; Documen-
A.Botelho Film; distribuição: Companhia Cinema- tário.
tográfica Brasileira; p&b; 35 mm; média-metragem; Jogo de futebol entre times do Rio e de São Paulo,
gen: Documentário. realizado no Parque Antártica, em disputa da Taça
A Embaixada Brasileira na Argentina, chefiada Rodrigues Alves oferecida pelo presidente do Esta-
por Ruy Barbosa. Alguns dos principais quadros: do, Dr. Altino Arantes.
A viagem a bordo do ‘Júpiter’; o desembarque em Rio de Janeiro versus São Paulo
Buenos Aires; a revista naval na qual tomou parte o 1917, São Paulo, SP. ficha técnica: p&b; 35 mm;
nosso Barroso; o desfile das tropas em continência curta-metragem; Documentário.
ao presidente da República; futebol, match entre Jogo de futebol entre times do Rio e de São Paulo,
uruguaios e brasileiros; incidente na luta; Ruy Bar- realizado no Paulistano, em disputa das taças Hebé
bosa na Faculdade de Direito. e Funchs. Assistido por 20 mil pessoas.
O Scratch Rio-São Paulo A Semana da Aviação e Esportiva no Rio de Ja-
1917, São Paulo, SP. ficha técnica: produção e neiro
direção: Luis V. Casserino; p&b; 35 mm; curta- 1918, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm;
metragem; Documentário. curta-metragem; Documentário.
Jogo de futebol entre times do Rio de Janeiro e de Entre os quadros, mostra grave desastre acontecido
São Paulo, realizado em São Paulo. Alguns títulos com o aviador Cícero Marques e o match de futebol
dos quadros: O ‘scratch’ paulista; os cariocas; a entre Botafogo A.C. e o Palestra Itália.
assistência; corner; Formiga e Dias avançam; os Uruguaios Versus Botafogo FBC
cronistas esportivos; Friedenreich, o campeão; 1918, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm;
gol; torcedores fanáticos; a assistência aplaude; curta-metragem; Documentário.
reminiscência; seis ‘players’ do Corintians que Segundo a fonte consultada, pode tratar-se do
jogaram anteontem; Neco driblando; Lagreca, o filme O Sensacional Match de Futebol entre brasi-
campeão; Casimiro e Orlando preparando uma leiros e uruguaios, do mesmo ano.
defesa; Amilcar distribuindo; os cariocas investem
sobre a defesa paulista. Chegada na Estação da O Sensacional Match de Futebol entre brasileiros
384 385
Luz dos ‘footballers’ cariocas. e uruguaios
1918, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm;
Festa Oferecida aos Footballers Uruguaios curta-metragem; gen: Documentário.
1918, São Paulo, SP. ficha técnica: p&b; 35 mm; A Vitória do Palestra
curta-metragem; Documentário. 1918, São Paulo, SP. ficha técnica: produção: Arturo
Filme sobre a festa oferecida aos jogadores de Carrari; direção: José Carrari; companhia produ-
futebol uruguaios. tora: Ítalo-Americana Carrari Filme; p&b; 35 mm;
curta-metragem; Documentário.
Segundo Match de Futebol (Uruguaios Versus Reportagem completa do jogo de futebol de do-
Bota fogo) mingo, com vitória do Palestra Itália.
1918, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm;
curta-metragem; Documentário. M a tc h es d e F u t e b o l e n t re A m a z o n e nses e
Paraen ses
Uruguaios Versus São Paulo e Santos 1918, Manaus, AM. ficha técnica: direção, fotogra-
1918, São Paulo, SP. ficha técnica: p&b; 35 mm; fia, câmera e montagem: Silvino Santos; companhia
curta-metragem; Documentário. produtora e distribuidora: Amazonia Cine-Film;
locações: Manaus; p&b; 35 mm; curta-metragem; Jogo de futebol entre Paulistano e Palestra Itália,
Documentário. realizado no Clube Atlético Paulistano, em São
Outro título: Encontro Inter estadual de Foot-ball Paulo.
Manaos versus Belem; lançado no Theatro Polythe-
ama, em Manaus, em 8 jun. 1918: ‘Damos abaixo o Uruguaios Versus Chilenos
resumo da primeira pellicula que a Amazonia Cine- 1919, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção: Alber-
Film edita e que se prende à visita que ultimamente to Botelho; companhia produtora: Carioca Filmes;
nos fez o scratch paraense: Conselho director e p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário.
damas zeladoras do Dispensário Maçonico, insti-
A Vitória do Brasil
tuição sob cujos auspicios se realizou o encontro;
1919, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm;
Directoria do Parque Amazonense; Juventude,
curta-metragem; Documentário.
Flores amazonenses, animadas; Imprensa. Jornaes
Jogo de desempate entre brasileiros e uruguaios
diários de Manáos; Chegada do scratch paraense
no Campeonato Sul-Americano de Futebol, com
ao porto de Manáos; Desembarque: a caminho do
vitória dos brasileiros.
hotel e entrada no Grande Hotel; Primeiro encon-
386 tro: scratch paraense versus scratch portuguez; os Festa Oferecida ao Futebol do Uruguai 387
paraenses vencem por 3 x 0; (...) Aspectos do Jogo 1919, São Paulo, SP. ficha técnica: p&b; 35 mm;
e da Assistencia; Manifestação de cordialidade aos curta-metragem; Documentário.
jogadores do Pará pelos seus irmãos do Amazonas. Festa oferecida ao jogadores de futebol do Uru-
Passeio Fluvial à Ponta do Ismael, offerecido pelo guai. Segundo a fonte consultada, existem dúvidas
Manáos Sporting Club; Festa offerecida aos foot- sobre a nacionalidade do filme.
ballers paraenses pelo Nacional F.C. e America F.C.;
five ó clock tea e primeiro match do campeonato Brasileiros Versus Chilenos
dos Ferrugens do Pará e Manáos. A bola – Jornal 1919, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm;
A Capital, de 6 jun. 1918, extraído do catálogo: curta-metragem; Documentário.
Filmografia de Silvino Santos, elaborado por Selda Jogo de futebol entre brasileiros e chilenos. Pri-
Vale da Costa, em 1986, depositado na Cinemateca meiro match do campeonato sul-americano. Este
Brasileira, em São Paulo. filme foi tirado dentro do campo.

Paulistano Versus Palestra Brasileiros Versus Uruguaios


1919, São Paulo, SP. ficha técnica: p&b; 35 mm; 1919, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm;
curta-metragem; Documentário. curta-metragem; Documentário.
Jogo entre brasileiros e uruguaios, no terceiro Jogo de futebol entre C.A. Paulistano e Comercial
campeonato sul-americano de futebol, no Flumi- F.C. de Ribeirão Preto, por ocasião da inauguração
nense. do Estádio de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo.
Os dois campeões nacionais na gigantesca luta.
Argentinos Versus Brasileiros 6 mil espectadores.
1919, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção:
Alberto Botelho; companhia produtora: Carioca A Vitória do Paulistano, o Triunfo Alcançado Pelo
Filmes; p&b; 35 mm; curta-metragem; Documen- Palestra
tário. 1920, São Paulo, SP. ficha técnica: produção e direção:
Filme sobre o jogo de futebol entre argentinos e Gilberto Rossi; companhia produtora: Rossi & Carrari
brasileiros. e São Paulo Natural Filmes; p&b; 35 mm; curta-me-
tragem; Documentário. sinopse: Os últimos jogos de
Campeonato Sul-Americano de Futebol futebol realizados no Parque Antártica e no Floresta,
1919, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: companhia São Paulo, entre Palestra Itália e Paulistano.
produtora: Empresa Claude Darlot; p&b; 35 mm;
curta-metragem; Documentário. Palestra x Paulistano (I)
388 389
Campeonato Sul-americano de Futebol, com a 1920, São Paulo, SP. ficha técnica: p&b; 35 mm;
participação de argentinos, brasileiros, chilenos e curta-metragem; Documentário.
uruguaios. Jogo de futebol entre Palestra e Paulistano, em
São Paulo.
Campeonato Sul-Americano de Futebol, Argenti-
nos Versus Uruguaios Palestra x Paulistano (II)
1919, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção: 1920, São Paulo, SP. ficha técnica: direção: Antonio
Alberto Botelho, Paulino Botelho, Joaquim Ma- Campos; distribuição: Camerata e Mascigrande;
chado e Cachi; companhia produtora: Empresa p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário.
Claude Darlot; p&b; 35 mm; curta-metragem; Jogo de futebol entre Palestra Itália e Paulistano,
Documentário. em São Paulo.
Campeonato Sul-americano de Futebol, realizado
no Rio de Janeiro. Argentinos contra uruguaios. Brasileiros Versus Argentinos
1921, São Paulo, SP. ficha técnica: produção e di-
C.A.Paulistano Versus Comercial F.C. reção: Francisco Serrador; companhia produtora:
1920, São Paulo, SP. ficha técnica: p&b; 35 mm; Empresa F.Serrador; p&b; 35 mm; curta-metragem;
média-metragem; 48 min; gen: Documentário. Documentário.
Jogo de futebol entre brasileiros e argentinos, Paraenses x Paulistas, Grande Match de Futebol
primeiro jogo do Campeonato Sul-Americano em em São Paulo
Buenos Aires. 1922, São Paulo, SP. ficha técnica: p&b; 35 mm;
curta-metragem; Documentário.
Paulistano Versus Palestra Itália
1921, São Paulo, SP. ficha técnica: companhia pro- Brasileiros Versus Uruguaios
dutora: Escola Artística Cinematográfica Azzurri 1922, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm;
de Carrari & Filho; p&b; 35 mm; curta-metragem; curta-metragem; Documentário.
Documentário. Jogo de futebol disputado entre os dois países pelo
Jogo de futebol entre os times do Paulistano e Campeonato Sul-Americano.
do Palestra Itália, com a vitória do primeiro. Os
torcedores do Paulistano e do Palestra presos por O Campeonato Sul-Americano de Futebol
delírios nervosos, onde é cinematografada uma 1922, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: companhia
rixa entre senhoritas e uma desforra de um pales- produtora: Brasília Filme; p&b; 35 mm; curta-
trino. Riso contínuo – Gol sempre gol. metragem; Documentário.
390 391
Pugna Esportiva entre os Combinados Brasileiro A Posse do Presidente do Estado de Minas Gerais
e Paraguaio 1924, Belo Horizonte, MG. ficha técnica: produção
1922, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção e e direção: Igino Bonfioli; companhia produtora:
direção: Alberto Botelho; companhia produtora: Bonfioli Filme; p&b; 35 mm; curta-metragem; 10
A.Botelho Film; p&b; 35 mm; curta-metragem; min; Documentário.
Documentário. A posse de Melo Viana na presidência do Estado
Jogo de futebol entre os combinados do Brasil e do de Minas Gerais no dia 21 dez. 1924; saída do cor-
Paraguai dentro do Campeonato Sul-Americano. tejo do Palácio da Liberdade, desfile na Praça da
Liberdade e Av. Afonso Pena; jogo de futebol em
Brasileiros Versus Paraguaios homenagem ao presidente no campo do América,
1922, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: distribuição: entre os combinados mineiro e baiano; identificam-
Empresa F.Serrador; p&b; 35 mm; curta-metragem; se os srs. Melo Viana, o vice-presidente Olegário
Documentário. Maciel e o arcebispo de Belo Horizonte, d. Antonio
Jogo de futebol disputado entre os dois paises dos Santos Cabral. Cópia em nitrato depositada na
dentro do Campeonato Sul-Americano. Cinemateca Brasileira.
Brasileiros Versus Franceses Paulistas Versus Cariocas
1925, São Paulo, SP. ficha técnica: p&b; 35 mm; 1925, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção:
curta-metragem; Documentário. Paulino Botelho; p&b; 35 mm; curta-metragem;
Reportagens animadas do último encontro de Documentário.
futebol. Segundo a fonte consultada, pode ser do Jogo de futebol entre cariocas e paulistas que
filme C.A. Paulistano Versus Franceses, produção terminou empatado por 1x1. Jogo válido pelo
francesa do mesmo ano, o que coloca em dúvida Campeonato Brasileiro de Futebol.
a nacionalidade do filme.
Jogo de Futebol Paraiba United x Red Cross
O Vinte e Um de Abril em Belo Horizonte 1925, João Pessoa, PB. ficha técnica: produção e
1925, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção e direção: Walfredo Rodrigues; companhia produto-
direção: Alberto Botelho; companhia produtora:
ra: Nordeste Filmes; p&b; 35 mm; curta-metragem;
A.Botelho Film; p&b; 35 mm; curta-metragem;
Documentário.
Documentário.
O desembarque e desfile do contingente da Marinha Palestra x Vasco da Gama
392
em meio a entusiásticas aclamações da grande mul- 1926, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm; 393
tidão; inauguração do quartel do 5º Batalhão; tarde curta-metragem; Documentário.
esportiva no campo do América; o match de futebol,
ginástica pelos fuzileiros navais, box, esgrima, etc. O 4º Campeonato Brasileiro de Futebol
1926, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: distribuição:
O 3º Campeonato de Futebol Paraenses Versus
Programa Serrador; p&b; 35 mm; curta-metragem;
Paulistas
1925, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm; Documentário.
curta-metragem; Documentário. A vitória paulista sobre os cariocas pelo 4º Campe-
O jogo entre paraenses e paulistas pelo 3º Campe- onato Brasileiro de Futebol, no Rio de Janeiro, no
onato Brasileiro de Futebol. estádio do Fluminense F.C.

Paulistas Versus Paraenses Campeonato Estadual de Futebol


1925, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm; 1927, Porto Alegre, RS. ficha técnica: direção:
curta-metragem; Documentário. E.C.Kerrigan; difusão: Thomas de Túlio; companhia
Jogo de futebol entre paulistas e paraenses que produtora: Ita Filme-Empresa Cinematográfica
terminou com a vitória dos paulistas por 3x0. Jogo Riograndense; p&b; 35 mm; curta-metragem; Do-
válido pelo Campeonato Brasileiro de Futebol. cumentário.
Campeonato Estadual de 1927 com trechos de O centenário da fundação de Jaboticabal, São
jogos de times da região. Cópia depositada na Paulo. As solenidades tiveram a presença de Júlio
Cinemateca Brasileira. Prestes, presidente do Estado. Desfiles, inaugu-
Palestra Itália de São Paulo x Industrial Mineiro rações, solenidades futebolísticas e de aviação,
de Juiz de Fora presença de autoridades. Cópia depositada na
1927, Juiz de Fora, MG. ficha técnica: produção: Cinemateca Brasileira.
João Gonçalves Carriço; direção: Luiz Renato Bres-
cia; companhia produtora: Carriço Filme; p&b; 35 O Match Paranaenses x Cariocas
mm; curta-metragem; Documentário. 1928, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção e
Documentário sobre a partida de futebol expressa no direção: Alberto Botelho; companhia produtora:
título, realizada no dia 24 de Julho de 1927. Estréia A.Botelho Film; p&b; 35 mm; curta-metragem;
de Luiz Renato Brescia (1903-1988) na direção. Documentário.
Lamentáveis Ocorrências no Parque Antártica por Partida jogada no Estádio do Vasco da Gama no
Ocasião do jogo entre Rio e São Paulo no dia 4 de Rio de Janeiro.
394
Dezembro 395
1927, São Paulo, SP. ficha técnica: p&b; 35 mm; O Grande Encontro Rio-São Paulo
curta-metragem; Documentário. 1929, São Paulo, SP. ficha técnica: companhia pro-
O jogo entre paulistas e cariocas no Parque Antár- dutora: S.A.F. Filme; p&b; 35 mm; curta-metragem;
tica; interessante e fiel reportagem reproduzindo Documentário.
os distúrbios do malsinado jogo de futebol entre as A torcida, os gols, os lances mais emocionantes.
seleções do Rio de Janeiro e de São Paulo; o conflito Tudo nitidamente mostrado nos seus mínimos
generalizado no campo do Palestra Itália; o ataque detalhes.
às instalações do clube italiano; a ação repressora
mais inútil da polícia contra o povo; as cargas de Jogo de Futebol entre brasileiros e uruguaios
cavalaria; os times carioca e paulista mostrando as 1929, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm;
insígnias máximas do esporte nacional; os troféus curta-metragem; Documentário.
da tremenda devastação do Parque Antártica’. Jogo de 24 fev. 1929 entre brasileiros e uruguaios
Jaboticabal ā Agosto 1928 no Rio de Janeiro; vitória do Brasil provoca euforia
1928, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: companhia da torcida; chegada dos jogadores paulistas a São
produtora: Vianna Filme; p&b; 35 mm; curta- Paulo no dia 26 fev. Cópia depositada na Cinema-
metragem; Documentário. teca Brasileira.
Brasileiros Versus Uruguaios Corintians Versus Huracan
1929, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção e 1930, São Paulo, SP. ficha técnica: p&b; 35 mm;
direção: Antonio Leal; p&b; 35 mm; curta-metra- curta-metragem; Documentário.
gem; Documentário. Jogo de futebol disputado na Fazendinha, que
terminou com a vitória do pentacampeão paulista
Brasileiros e uruguaios
sobre o poderoso clube argentino.
1929, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: companhia
produtora: Vitória Filme; p&b; 35 mm; curta-me- Corintians Versus Vasco da Gama
tragem; Documentário. 1930, São Paulo, SP. ficha técnica: p&b; 35 mm;
Os pontos dos brasileiros; chegada à capital dos curta-metragem; Documentário.
valorosos paulistas que tomaram parte na luta; Jogo disputado entre Corintians Paulista, campeão
reportagens interessantes. Pode tratar-se do filme de São Paulo, e o Vasco da Gama, campeão do Rio
Jogo de Futebol entre brasileiros e uruguaios, do de Janeiro.
mesmo ano.
O Grande Encontro de Futebol
Palestra x Corintians 1930, São Paulo, SP. ficha técnica: companhia
396 397
1930, São Paulo, SP. ficha técnica: p&b; 35 mm; produtora: Santa Terezinha Filme; p&b; 35 mm;
curta-metragem; Documentário. curta-metragem; Documentário.
Paulistas e Cariocas Os paulistas venceram os cariocas por 4x2.
1930, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: distribui- Campeão de Futebol
ção: Paramount; p&b; 35 mm; curta-metragem;
1931, São Paulo, SP. ficha técnica: produção: Victor
Documentário.
del Picchia; produtor associado: Vicente del Picchia.
Reportagem sobre o jogo de futebol entre as se-
Direção de Genésio Arruda; argumento: Menotti
leções de São Paulo e Rio de Janeiro. Decisão do
Del Picchia; fotografia: Victor del Picchia; sonogra-
Campeonato Brasileiro de Futebol, disputado em
fia: José del Picchia; canções: Saudade de Alguém
12 jan. 1930, em São Paulo.
e Tenho Pena dos Meus Olhos; companhia produ-
Argentinos Versus Palestra tora: Synchrocinex, p&b, 35 mm, longa-metragem;
1930, São Paulo, SP. ficha técnica: companhia Ficção. Elenco: Genésico Arruda, Tom Bill, Vincenzo
produtora: Santa Terezinha Filme; p&b; 35 mm; Caiaffa, Friedenreich, Tuffy Safady, Henny Cortes,
curta-metragem; Documentário. Paraguaçu, Bugrinha Macedo, Otília Amorim, Luiz
Jogo de futebol com a vitória do Palestra Itália. Vedrozzi e Rina Weiss.
Primeira e única experiência do comediante Gené- Rui Costa. Ficção baseada em peça de Antonio Faro
sico Arruda (1897-1967) na direção, homenageia e Silveira Sampaio. Supervisão de direção: Wallace
os grandes jogadores da época. Com cenas de Downey. Fotografia: Edgard Brasil; assistente de
futebol de rua e de campo, aparecendo as então fotografia: Manoel Ribeiro; sonografia: Moacir
já famosas peladas. Fenelon; cenografia: E. Sá (pseudônimo Ruy Costa);
montagem: Jaime Rui (pseudônimo Ruy Costa);
O Campeão canções: Era uma Vez, de Alberto Ribeiro, Sonho
1931. São Paulo. SP. ficha técnica: direção e argumen- de Amor, de Alcides Pires Vermelho; companhia
to: Reid Valentino; fotografia: Alberto Vidal; com- produtora: Sono filmes; distribuição: D.N. Filmes;
panhia produtora: Cuba Filmes; p&b, 35 mm, ficção p&b, 35 mm; longa-metragem; ficção – comédia.
– aventura. Elenco: Reid Valentino, Irene Rudner. Elenco: Jayme Costa, Grande Otelo, Arnaldo Ama-
Segundo o pesquisador Luís Alberto Rocha Melo, ral, Dircinha Batista, Heloísa Helena, Ítala Ferreira,
em seu texto para o catálogo de retrospectiva da Jorge Murad, Paulo Neto, Renato Murce, Apolo
Cinédia (Cinédia 75 Anos, no CCBB, janeiro de Correia, Olga Nobre, Arnaldo Coutinho, Maria
2006), O Campeão seria um filme sobre futebol. Vidal, Álvaro Costa, Jota Silveira, Edmundo Maia,
398 Não foi possível encontrar mais informações em Gagliano Neto, Norma Andrade, Orquestra Gaó 399
outra fonte. Gurgel e os jogadores do Fluminense Futebol
O Jogo Mineiros x Fluminenses (Jornal Mineiro) Clube: Batatais, Gonzalez, Guimarães, Hércules,
1931, Belo Horizonte, MG. ficha técnica: p&b; 35 Machado, Tim e Romeu.
mm; curta-metragem; Documentário. Jovem briga com o pai que não quer que o filho
Exibido no Cine Vitória, nos dias 29 de abril e 1º siga a carreira de jogador de futebol. O rapaz resol-
de maio de 1931. ve treinar no Fluminense e, com o dinheiro ganho,
custear as despesas do curso de Medicina. O pai,
Campeonato Brasileiro de Futebol: Paulistas e vendo que é possível conciliar as duas profissões,
Gaúchos perdoa o filho. No comentário, diz-se que o filme
1936, Porto Alegre, RS. ficha técnica: companhia se beneficia da febre do futebol por causa da copa
produtora: Imperium Filmes; p&b; 35 mm; curta- do mundo de 1938.
metragem; 3 min; Documentário.
As Melhores Jogadas dos Brasileiros na Europa
Futebol em Família 1938, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção,
1938. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção: direção e companhia produtora: Irmãos Ponce;
Alberto Byington; direção, argumento e roteiro: distribuição: Broadway Programa; p&b; 35 mm;
curta-metragem; 9 min; Documentário; participa- Irmãos Ponce; p&b; 35 mm; curta-metragem; 30
ção: Seleção Brasileira de Futebol. min; Documentário.
O Campeonato Mundial de Futebol de 1938.
Brasil x Checoslováquia: a Nossa Vitória 2 x 1
Campeonato do Mundo 1938, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção
1938, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: companhia e direção: Irmãos Ponce; companhia produtora:
produtora: Cinédia; p&b; 35 mm; curta-metragem; Irmãos Ponce; p&b; 35 mm; curta-metragem; do-
Documentário. cumentário
Brasil 2 X Checoslováquia 1 O Incidente do Pênalti no Jogo Brasil x Itália
1938, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: companhia 1938, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção,
produtora: Metro Goldwyn Mayer – MGM; p&b; direção e companhia produtora: Irmãos Ponce; distri-
35 mm; curta-metragem; Documentário. buição: Broadway Programa; p&b; 35 mm; curta-me-
O Campeonato Mundial de Futebol de 1938. tragem; 3 min; Documentário; participações: Seleção
Brasileira de Futebol e Seleção Italiana de Futebol.
Brasil x Suécia: O Brasil Vence a Suécia por 4 x 2
400 1938, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção 401
O Jogo Brasil x Polônia
e direção: Irmãos Ponce; locução: Ari Barroso; 1938, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção,
companhia produtora: Irmãos Ponce; p&b; 35 mm; direção e companhia produtora: Irmãos Ponce; dis-
curta-metragem; 10 min; Documentário. tribuição: Broadway Programa; p&b; 35 mm; curta-
O Campeonato Mundial de Futebol de 1938. A metragem; 30 min; Documentário; participações:
disputa pela 3ª colocação na tabela do campeonato Seleção Brasileira de Futebol e Seleção Polonesa de
mundial da qual saiu vencedora a seleção do Brasil Futebol.
por 4 x 2. O Campeonato Mundial de Futebol. A mais com-
pleta e insuperável reportagem cinematográfica
Brasil x Checoslováquia
do formidável prélio de gigantes em Strasburgo
1938, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm;
curta-metragem; Documentário. entre as equipes do Brasil e da Polônia, no qual a
O Campeonato Mundial de Futebol de 1938. representação nacional saiu vitoriosa por 6 x 5...
Os gols de Leônidas, Perácio e Romeu – A chegada
Brasil x Tchecoslovaquia: Empate por 1 x 1 dos brasileiros em Strasburgo – os treinos prepa-
1938, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção ratórios – único filme completo do sensacional
e direção: Irmãos Ponce; companhia produtora: encontro esportivo.
Jogo de Futebol Brasil x Checoslováquia O regresso da Europa da equipe brasileira que
1938, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção, participou do Campeonato Mundial de Futebol.
direção e companhia produtora: Irmãos Ponce; distri-
buição: Broadway Programa; p&b; 35 mm; curta-me- Alma e Corpo de uma Raça
1938. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção
tragem; 3 min; Documentário; participações: Seleção
Adhemar Gonzaga; direção, argumento, roteiro
Brasileira de Futebol e Seleção Tcheca de Futebol.
e diálogos: Milton Rodrigues; som: Hélio Barrozo
Itália x Hungria Neto; fotografia: Afrodísio de Castro e José Stama-
1938, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção, to; assistente de fotografia: Luiz de Barros; câmera:
direção e companhia produtora: Irmãos Ponce; dis- Mário Serrano; assistente de câmera: Ruy Santos;
tribuição: Broadway Programa; p&b; 35 mm; curta- cenografia: Hippólito Colomb; carpintaria: Alceu
metragem; 13 min; Documentário; participações: Rodrigues, Arthenio Barossi, Joaquim Pereira e José
Seleção Italiana de Futebol e Seleção Húngara de Queiroz; maquinista: Diva Assis; música: Só Nós Dois,
Futebol. de Ronaldo Lupo e J. G. de Araújo Jorge, com Mag-
Partida pelo Campeonato Mundial de Futebol. dalena Stoltemberg, Heloisa Vasconcelos e Ronaldo
402 Lupo; Sem Saber Onde Estás, de Ronaldo Lupo, com 403
O Match Brasil x Itália a Orquestra do Cassino de Copacabana; regência:
1938, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção, di- Francisco Mignone. Companhia produtora: Cinédia;
reção e companhia produtora: Irmãos Ponce; distrib.: locações: Clube de Regatas Flamengo; p&b, longa-
Broadway Programa; p&b; 35 mm; curta-metragem; metragem, 35 mm. Ficção – drama. Elenco: Lygia
40 min; Documentário; participações: Seleção Bra- Cordovil, Neusa Cordovil, Roberto Lupo, Henry
sileira de Futebol e Seleção Italiana de Futebol. O Ashcar, Maria Muniz, José Oswaldo de Azevedo,
Campeonato Mundial de Futebol de 1938. Mostran- Saul Dias Ferreira, Jorge Acyer Santanna, Marly Cas-
do todos os gols da partida, inclusive o do discutido tilhos, Jorge Diniz, Carlos Barbosa, Anna de Alencar,
pênalti de Domingos. Maria Lino, Heloísa Vasconcelos, Arnaldo Coutinho,
Jorge Martinez, Antonio Rolando, Richard Murdock,
Recepção no Rio de Janeiro aos futebolistas Jorge Mafra, Armando Braga, Francisco Soroa, José
1938, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção, Amaro, Nuripé Bittencourt, Dulce Pereira da Silva,
direção e companhia produtora: Irmãos Ponce; Leônidas da Silva, Milton Marinho, José Mafra, Zi-
distrib.: Broadway Programa; p&b; 35 mm; curta- zinha Macedo, Herta Holzer, Dilo Guardia.
metragem; 3 min; Documentário; participação: Dois jogadores do Flamengo, um pobre, outro
Seleção Brasileira de Futebol. rico, disputam o amor de uma grã-fina, que dará
a mão àquele que conduzir o clube à vitória. Filme Como se Faz um Jogador de Futebol
de ficção com cenas documentais, inclusive com 1939, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: companhia
participação de atletas do Flamengo, entre os quais produtora: Sonofilms; p&b; 35 mm; curta-metra-
o lendário Leônidas da Silva, e realizado com a gem; 4 min; Documentário.
colaboração do próprio clube.
copa Roca de Futebol
copa Roca ā Primeiro Jogo ā Brasil x Argentina ā 8 1940, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção: João
de Janeiro de 1939 Stamato; cpr: Metrópole Filme do Brasil; p&b; 35
1939, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção, mm; curta-metragem; Documentário.
foto grafia, montagem e narração: Humberto
Mauro; copr: Instituto Nacional de Cinema Educa- copa Roca
tivo – INCE; p&b; 16 mm; curta-metragem; 4 min; 1940, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: cpr: Cinédia;
Documentário. p&b; 35 mm; curta-metragem; 5 min; Documen-
Aspectos do jogo de futebol realizado no Estádio tário.
do Clube de Regatas Vasco da Gama. Brasil 1 x
404 Argentina 5. O Estádio Municipal 405
1940. Curta-metragem sobre as diversas fases da
copa Roca ā Segundo Jogo ā Brasil x Argentina ā 15 construção do Estádio do Pacaembu, até a inau-
de Janeiro de 1939 guração.
1939, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção,
fotografia, montagem e narração: Humberto Inauguração do Estádio do Pacaembu
Mauro; companhia produtora: Instituto Nacional 1940. Arthur Neiva. Documentário sobre a festa
de Cinema Educativo – INCE; p&b; 16 mm; curta- de inauguração do novo estádio.
metragem; 5 min; Documentário.
Aspectos do jogo de futebol disputado no Rio de Inauguração do Estádio do Pacaembu
Janeiro, no Estádio do Vasco da Gama. Brasil 3 x 1940. J.F. Campos
Argentina 2.
Palestra x Corintians
O Futebol Como Deve Ser Jogado 1941, São Paulo, SP. ficha técnica: companhia
1939, Salvador, BA. ficha técnica: companhia pro- produtora: Tupi Filmes Brasileiros; p&b; 35 mm;
dutora: Iara Filme; p&b; 35 mm; curta-metragem; curta-metragem; Documentário.
2 min; Documentário. Com o último encontro Palestra x Corintians.
Brasil x Argentina 35 mm; curta-metragem; 6 min; Documentário.
1939, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção: Participações: Corintians FC e São Paulo FC.
Fernando Stamato; companhia produtora: Ciné- Sensacional e completa reportagem do último
dia; distribuição: D.F.B. – Distribuidora de Filmes clássico São Paulo x Corintians; em Valinhos – Pa-
Brasileiros; p&b; 35 mm; curta-metragem; 8 min; caembu – os quadros – a partida – a torcida uni-
Documentário. formizada – ponto anulado – a massa humana que
A disputa da Taça Roca. Reportagem completa da compareceu ao estádio – recorde de renda, etc.
peleja.
Jogo de Futebol Pro-Expedicionário
Brasil x Argentina: Segundo Jogo
1943, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção
1939, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: companhia
produtora: Cinédia; distribuição: D.F.B. – Distri- e direção: Francisco Torturra; p&b; 35 mm; curta-
buidora de Filmes Brasileiros; p&b; 35 mm; curta- metragem; Documentário.
metragem; 8 min; Documentário. Campenonato Brasileiro de Futebol
A disputa da Taça Roca. A vitória dos brasileiros.
1944, São Paulo, SP. ficha técnica: direção: Artur
406 Brasil x Argentina ā 2º Jogo Neiva; companhia produtora: Vitoria Filmes; p&b; 407
1940, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: companhia 35 mm; curta-metragem; Documentário.
produtora: Cinédia; p&b; 35 mm; Documentário.
O Jogo Brasileiros x Uruguaios
Brasil x Argentina: copa Roca em 1940 1944, São Paulo, SP. ficha técnica: companhia pro-
1940, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: companhia dutora: Produção Cinematográfica Inter Ameri-
produtora: Cinédia; p&b; 35 mm; curta-metragem; cana; p&b; 35 mm; curta-metragem; 9 min; Docu-
12 min; Documentário. mentário.
Campeonato Intercolegial
Uruguaios, Hóspedes do Brasil
1942, São Paulo, SP. ficha técnica: produção e di-
reção: Francisco de Almeida Fleming; companhia 1944. A. Botelho Filho. Documentários sobre a
produtora: América Filme; p&b; 35 mm; curta- chegada da delegação uruguaia e trechos do jogo
metragem; 7 min; Documentário. entre as duas seleções, a celeste e a brasileira.

Corintians X São Paulo Brasil x Argentina


1943, São Paulo, SP. ficha técnica: produção e di- 1945, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm;
reção: Francisco Campos; cpr: Campos Filme; p&b; curta-metragem; Documentário.
Palmeiras Documentário que mostra seqüências dos jogos da
1945, São Paulo, SP. ficha técnica: companhia pro- seleção de São Paulo, campeã brasileira de futebol.
dutora: DEIP – Departamento Estadual de Imprensa
e Propaganda; distribuição: Cooperativa Cinema- Anos 1950
tográfica Brasileira; p&b; 35 mm; curta-metragem; Por que o Brasil Perdeu a copa do mundo (ou copa
6 min; Documentário. do mundo de 1950)
O Gol da Vitória 1950, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção:
1946, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção e Mário Filho; direção: Milton Rodrigues; fotografia:
roteiro de José Carlos Burle; assistente de direção: Acyer Santana; sonografia: Vitor Diniz; montagem:
Roberto Machado; argumento: Silveira Sampaio; Arturo Usai; música: Remo Usai; companhia produto-
fotografia: Edgard Brasil; sonografia: Jorge Cou- ra: Milton Rodrigues; p&b, longa-metragem, 35 mm.
tinho; cenografia: José Cajado Filho; montagem: Documentário.
Waldemar Noya e José Carlos Burle; música: Lírio Produzido e dirigido pelo irmão de Nelson Rodrigues,
Panicalli; companhia produtora: Atlântida Cinema- é o primeiro filme a tentar entender os motivos da
tográfica; p&b, longa-metragem, 35 mm. Elenco: derrota do Brasil para o Uruguai na final de 1950.
408 409
Grande Otelo, Ribeiro Martins, Restier Júnior, Ítala Mostra todos os jogos realizados no Maracanã e as
Ferreira, Humberto Catalano, Cléa Marques, Grace cenas da tristeza popular diante da derrota para o
Moema, Vera Jordão, Gerdal dos Santos, Jorge Ama- Uruguai, na partida final.
ral, Wilson Musco, Luiza Galvão, Domingos Martins,
João Cabral, José Rogozik, Oswaldo Mota. Futebol Palmeiras e Esportiva
Grande Otelo interpreta o papel do jogador Laurindo 1950, São João da Boa Vista, SP. ficha técnica: produ-
que, em muitas cenas, lembra passagens da vida de ção e direção: Dilo Giannelli; companhia produtora:
Leônidas da Silva, o maior futebolista da época. Giannelli Filmes; p&b; 35 mm; curta-metragem; Do-
cumentário.
Brasil x Argentina na copa Roca
1946, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm; Flamengo
curta-metragem; Documentário. 1950. Renato Gonçalves. Documentário de curta-
metragem sobre o clube.
Paulistas, Campeões Brasileiros de Futebol
1949, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção A Família Lero-Lero
e direção: Milton Rodrigues; p&b; 35 mm; curta- 1953. ficha técnica: direção: Alberto Pieralisi. Elen-
metragem; Documentário. co: Walter D’Ávila, Marina Freire, Luiz Linhares,
Renato Consorte, Helena Barreto Leite. p&b, longa- Paulistas 4 x Cariocas 3 (Edição Especial)
metragem, 35 mm. 1955, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produtor:
Comédia da Vera Cruz sobre funcionário público Herbert Richers; direção: Eurico Richers; compa-
que trabalha para sustentar os sonhos dos três nhia produtora: Cinegráfica São Luiz; p&b; 35 mm;
filhos, um dos quais é jogador de futebol. curta-metragem; 7 min; Documentário.

O Craque Paulistas Campeões Brasileiros


1953. São Paulo, SP. ficha técnica: produção: Mário 1955, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produtor:
Crivelli; direção de José Carlos Burle; assistente de Herbert Richers; direção: Eurico Richers; companhia
direção: Roberto Santos; argumento: Hélio Thys; produtora: Produções Cinematográficas Herbert
roteiro: Alberto Dines, Saul Lachtermacher e José Richers; p&b; 35 mm; curta-metragem; 5 min; Do-
Carlos Burle. Companhia produtora: Multifilmes. cumentário.
Direção musical: Guerra Peixe, p&b, longa-metra-
gem, 35 mm. Elenco: Eva Wilma, Herval Rossano, Rio 40 Graus
Liana Duval, José Carlos Burle. 1955. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção:
Eva Wilma é a moça rica apaixonada por um jo- Nelson Pereira dos Santos, Ciro Freire Curi; direção
410 411
gador, mas o namoro não vinga pois o pai dela é e roteiro: Nelson Pereira dos Santos; argumento:
contra. O final feliz é garantido quando o moço Arnaldo de Farias; fotografia: Hélio Silva; câmera:
brilha com a camisa do Corinthians ao derrotar o Ronaldo Ribeiro; música: Cláudio Santoro; regên-
fictício time uruguaio Carrasco, numa vingança da cia: Radamés Gnatalli. Companhia produtora:
perda do título mundial em 1950. Tem a participa- Equipe Moacyr Fenelon; distribuição: Columbia
ção de jogadores do time do Corinthians da época, Pictures do Brasil; p&b; longa-metragem; ficção
como Gilmar, Idário, Homero, Olavo, Carbone e – drama. Elenco: Jece Valadão, Glauce Rocha,
Baltazar “Cabecinha de Ouro”. Roberto Bataglin, Modesto de Souza, Zé Ketti,
Sady Cabral, Mauro Mendonça, Renato Consorte,
O Benfica no Brasil Haroldo Alves e as Escolas de Samba da Portela e
1955, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção: Her- Unidos do Cabuçu.
bert Richers; dir: Eurico Richers; companhia produto- Filme tido como precursor do Cinema Novo e intro-
ra: Produções Cinematográficas Herbert Richers; p&b; dutor do neo-realismo no cinema brasileiro. Fala
35 mm; curta-metragem; 10 min; Documentário. dos meninos pobres do Rio de Janeiro e mostra o
Reportagem sobre o clube de futebol português futebol como uma grande festa popular. Mostra
Benfica, em sua visita ao Brasil. também cenas e personagens típicos do mundo da
bola: o jogador prestes a se aposentar, o brigão a chegada dos jogadores paulistas à cidade de São
das arquibancadas, o fanático, em cenas filmadas Paulo.
no Maracanã.
O Preço da Vitória
A Pensão da Dona Estela 1959. São Paulo, SP. ficha técnica: produção Vera
1956. São Paulo, SP. ficha técnica: produção: Al- Sampaio e Oswaldo Sampaio. Direção, argumento,
fredo Palácios e Andras Kalman; direção: Alfredo roteiro de Oswaldo Sampaio. Canção: De Papo
Palácios e Ferenc Fekete. Companhia produtora: pro Ar, com Inezita Barroso; Lata de Graxa, com
Maristela. Canção: Adoniran Barbosa. p&b; 35 mm; Germano Mathias.
ficção – comédia. Menino sonha se tornar um craque de futebol fa-
Hóspedes de uma pensão decadente, entre eles moso, mas encontra muitos obstáculos pela frente.
um jogador de futebol, decidem ajudar a dona a O filme tem a presença de grandes jogadores da
salvar a casa da falência. época, como Gilmar, Pelé, Zito, Zagallo, Oreco,
Zózimo, Garrincha, entre outros. O tema de fundo
O Preço da Ilusão
é a vitória do Brasil na copa do mundo de 1958.
1957. Florianópolis, SC. Ficha técnica: produção:
412 Nilton Nascimento e Armando Carreirão; direção: Futebol Fluminense x Arsenal 413
Nilton Nascimento; argumento: Salim Miguel e 1959, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção
Eglê Malheiros; diálogos: Salim Miguel; companhia e direção: Montenegro Bentes; companhia pro-
produtora: Equipe Cinematográfica Alberto Caval- dutora: Cinegráfica São Luiz; p&b; 35 mm; curta-
canti e Clube de Cinema de Florianópolis. metragem; 1 min; Documentario.
Influenciado por Rio 40 Graus compõe-se de várias
histórias passadas na ilha, e uma delas é a de um Campeonato Sul-Americano de Futebol
grupo de garotos que precisa comprar camisas para 1959, São Paulo, SP. ficha técnica: produção e direção:
o time de futebol. Inspirado no modelo de pro- Primo Carbonari; companhia produtora: Amplavisão;
dução do filme de Nelson Pereira dos Santos, um p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário.
grupo de jovens catarinenses realiza em processo Documentário sobre os principais lances dos jo-
cooperativado esta obra de circulação restrita (só gos do Brasil no Campeonato Sul-Americano de
foi lançado em Florianópolis) e do qual hoje restam Futebol.
somente sete minutos.
Anos 1960
Regresso dos Campeões do Mundo Um Domingo nos Esportes
1958. Arthur Neiva. Curta-metragem sobre a recep- Montenegro Bentes. Documentário sobre vários
ção aos jogadores campeões na Suécia, em especial esportes, entre eles o futebol.
O Assalto no mato. Nesse momento Carlos e Logo entram
1961/62. São Paulo, SP. ficha técnica: produtor: Ary em ação. Os bandidos entram num casebre habi-
Fernandes e Alfredo Palácios; direção e criação: Ary tado por um casal de velhos e os dominam. Carlos
Fernandes; assistente de direção: Miguel Lopez e consegue localizar a moto escondida no mato. Des-
Jorge Roberto Pizani; gerente de produção: Sérgio confiado, vai até o casebre do Sr. Barone e esposa.
Ricci; argumento: Ary Fernandes, Fábio Novaes Ao entrar na casa, Carlos desconfia da situação e os
Silva e J.C.Souza; direção de fotografia e câmera: ladrões são dominados. O filme termina com Tuca
Osvaldo Oliveira, Guilherme Lombardi e Ary Fer- no Pacaembu vendo um jogo de futebol. Episódio
nandes; assistente de câmera: Renato Damiani; fo- da série Vigilante Rodoviário.
tografia de cena: José Amaral; eletricista: Osvaldo
Bola de Meia
Leonel, Edgar Ferreira e Cláudio Portioli; monta-
1961/62. São Paulo, SP. ficha técnica: produção: Ary
gem: Luiz Elias; Canção: Vigilante Rodoviário, de
Fernandes e Alfredo Palácios; direção e criação: Ary
Ary Fernandes; colaboração: Polícia Rodoviária do Fernandes; argumento: Ary Fernandes, Fábio Nova-
Estado de São Paulo; efeitos sonoros: Companhia es Silva e J.C.Souza; p&b; 35 mm; curta-metragem;
Cinematográfica Vera Cruz; p&b; 35 mm; curta- 22 min; Ficção. elenco: Carlos Miranda, o garoto
414 415
metragem; 22 min; Ficção. elenco: Carlos Miranda, Tuca, o cão Lobo e outros.
o garoto Tuca, o cão Lobo e outros. Dois homens estão parados em frente a uma fá-
Portão principal do Estádio Municipal do Paca- brica e planejam assaltá-la. Em frente à fábrica,
embu, em São Paulo. Tuca insiste com o porteiro um grupo de garotos liderados por Tuca, joga
para entrar no estádio e ver o final do jogo. Tuca futebol com uma bola de meia, observados de
quer ver Pelé jogar. O porteiro afasta o garoto. longe pelo inspetor Carlos. Na fábrica, são feitos
Tuca sobe em uma árvore para esperar a saída todos os preparativos para trazer dois milhões de
dos jogadores. No outro portão, três homens se cruzeiros, que serão utilizados para o pagamento
preparam para assaltar as bilheterias do estádio. dos empregados. Um dos funcionários do escritó-
A renda do jogo foi de oito milhões informa o rio faz parte da quadrilha e trama o assalto. Dois
rádio. O dinheiro é colocado em duas malas. Tuca bandidos combinam com dois garotos do time
presencia o assalto mas é visto pelos bandidos e para não haver futebol no dia seguinte, para não
levado junto no carro. Pelo rádio, Carlos e Lobo são atrapalhar o assalto. Mas Tuca percebe que há algo
acionados. Na estrada, os bandidos são seguidos errado e, juntamente com os outros garotos, vai
de motocicleta pelo guarda rodoviário Hélio. Os atrás do inspetor Carlos avisando-o do assalto, que
bandidos dominam o guarda e escondem a moto será realizado às 17 horas. Os bandidos explodem
bomba de gás na fábrica e tentam fugir com o teiro: Toer B. Ferreira; diálogos: Nelson Rodrigues;
dinheiro mas são interceptados por Carlos e pelos montagem: Waldemar Noya; música: Lírio Panicali;
meninos, que o ajudam a dominar os malfeitores. distribuição: União Cinematográfica Brasileira;
Um dos bandidos foge e se esconde em tubos de p&b; 35 mm; longa-metragem, semidocumental.
concreto, mas logo é dominado por Carlos, com Elenco: Pelé, Laura Cardoso, Maria Luiza Nasci-
a ajuda de Lobo. Para recompensar os meninos, mento, Nelson Rodrigues, Fábio Cardoso, David
Carlos presenteia-os com uma bola de capotão. Neto, Lima Duarte, Vicente Feola, Dondinho, Luiz
Episódio da série Vigilante Rodoviário. Carlos de Freitas, Celeste Arantes, e os jogadores
do Santos Futebol Clube: Dorval, Lima, Maneco,
Na copa do mundo
Pagão, Pepe, Tite, Vasco e Zito.
1962. Badger Silveira. Curta-metragem com cenas
Filme baseado no livro Eu Sou Pelé, de Benedito
da concentração e dos jogos da copa no Chile, onde
Ruy Barbosa, sobre a vida do Rei. Misto de docu-
o Brasil se sagrou bicampeão.
mentário e ficção, com passagens encenadas evo-
Um Domingo nos Esportes cando a infância e a adolescência. Depoimentos
1962. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção: do próprio craque, jornalistas e colegas de clube,
416 como Dorval, Mengálvio, Pepe e outros. 417
Montenegro Bentes; companhia produtora:
Atlântida Cinematográfica; p&b; 35 mm; curta-
Brasil x Checoslováquia
metragem; Documentário.
1963. São Paulo, SP. ficha técnica: produção e direção:
Documentários sobre os diversos esportes pratica-
Primo Carbonari; companhia produtora: Amplavisão;
dos no Brasil, principalmente o futebol.
p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário.
Santos Futebol Clube, Campeão do Mundo
Garrincha, Alegria do Povo
1963. São Paulo, SP. ficha técnica: produção e dire-
ção: Emílio Vieira; p&b; 35 mm; curta-metragem; 1962. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção:
Documentário. Armando Nogueira; direção: Joaquim Pedro de
As viagens, as concentrações e os jogos do Santos Andrade; roteiro: Joaquim Pedro de Andrade, Luiz
em diversos países, conquistando o título de Cam- Carlos Barreto, Armando Nogueira, Mário Carneiro
peão do Mundo. e David Neves; fotografia: Mário Carneiro; câmera:
José Rosa; narração: Heron Domingues; compa-
O Rei Pelé nhia produtora: Produções Cinematográficas L. C.
1963. São Paulo e Rio de Janeiro, RJ. produtor: Fá- Barreto e Armando Nogueira Produções Cinema-
bio Cardoso; direção: Carlos Hugo Christensen; ro- tográficas; p&b, longa-metragem; 35 mm.
Documentário sobre a carreira de Mané Garrincha, Meta e Herbert Richers; p&b, longa-metragem
feito quando o jogador vivia o auge da fama, de- – drama. Elenco: Fernanda Montenegro, Paulo
pois da conquista da copa do mundo no Chile. De Gracindo, Wanda Lacerda, Ivan Cândido, Nelson
tom sociológico, o filme mostra como os jogadores Xavier, entre outros.
são explorados pela estrutura dos clubes. Estuda Zulmira é obcecada com a idéia da morte e se
também a paixão do brasileiro pelo futebol e como convence de que sofre de tuberculose, embora o
ela serve de desabafo para as más condições de médico lhe garanta que nada tem. Ela quer um
vida de boa parte da população. É considerado o enterro de luxo e expressa o desejo ao marido, um
primeiro documentário brasileiro sobre um joga- vascaíno fanático. O filme mostra o futebol como
dor de futebol. válvula de escape e fator de alienação diante de
uma realidade frustrante.
O Homem que Roubou a copa do mundo
1963. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção e Esportes no Brasil
argumento: Victor Lima; companhia produtora: 1965. São Paulo, SP. ficha técnica: produção: Luiz
Herbert Richers; p&b; longa-metragem – comé- Sérgio Person; direção e roteiro: Maurice Capo-
418 dia. Elenco: Ronald Golias, Grande Otelo, Renata villa; fotografia: David E. Neves e Armando Bar- 419
Fronzi, entre outros. reto; montagem: Glauco Mirko Laurelli; música:
Dois detetives amadores tentam desvendar o hipo- Francisco Mignone; narração: Hamilton Almeida
tético roubo da taça Jules Rimet, implicando um e Fabbio Perez; companhia produtora: Líder Cine
time estrangeiro que veio ao Rio para disputar uma Laboratórios e Socine Produções Cinematográficas;
partida com o Botafogo. financiamento: Ministério de Relações Exteriores
do Brasil; p&b; 35 mm; curta-metragem; 12 min;
A Falecida Documentário.
1965. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção: Os diversos esportes do Brasil, principalmente o
Joffre Rodrigues; direção: Leon Hirszman; argu- futebol, com entrevistas de Pelé, Garrincha, Eder
mento: baseado na peça homônima de Nelson Jofre, José Teles da Conceição, Maria Ester Bueno,
Rodrigues; roteiro e diálogos adicionais: Leon Valmir Marques e outros.
Hirszman e Eduardo Coutinho; fotografia: José
Medeiros; câmera: Dib Lutfi; música: Radamés Subterrâneos do Futebol
Gnatalli; tema musical: Luz Negra, de Nelson Cava- 1965. São Paulo, SP. ficha técnica: produção:
quinho e Amâncio Cardozo; companhia produtora: Thomaz Farkas; pre: Edgardo Pallero; direção e
Produções Cinematográficas Meta; distribuição: roteiro: Maurice Capovilla; diretor de produção:
Vladimir Herzog; texto: Celso Brandão; direção O Corintiano
de fotografia: Thomaz Farkas e Armando Barreto; 1966. São Paulo, SP. ficha técnica: produção e ar-
colaboração: Clarice Herzog, Francisco Ramalho Jr., gumento: Amácio Mazzaropi; direção e roteiro:
João Batista de Andrade e Carlos Niemeyer (Canal Milton Amaral; narração esportiva: Pedro Luis;
100); assessores esportivos: Celso Brandão e Onofre comentários esportivos: Geraldo Bretas; compa-
Gimenez; montagem: Luiz Elias e Roberto Santos; nhia produtora: PAM Filmes; p&b, 35 mm, longa-
assistente de montagem: Francisco Ramalho Jr.; metragem, ficção – comédia. Elenco: Mazzaropi,
seleção musical: Walter Lourenção; narração: An- Lúcia Lambertini, Roberto Orosco, Roberto Pirillo,
thero de Oliveira; companhia produtora e distribui- Olten Ayres de Abreu, entre outros.
ção: Thomaz Farkas Filmes Culturais; p&b; 16 mm; Mané é torcedor tão fanático do Corinthians que
curta-metragem; 30 min; Documentário. acaba criando problemas com toda a vizinhança.
O filme revela aspectos da vida do jogador e a
Heleno de Freitas
paixão do brasileiro por futebol, levantando a 1967. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção:
problemática dos jovens que vêem nesse esporte Victor Rangel; direção e roteiro: Gilberto Macedo;
a grande chance de ascensão social, riqueza e argumento: Gilberto de Macedo Freitas e Luiz Carlos
420 421
fama. Entrevistas com jogadores e treinadores Marques; texto: Walmir Ayala; direção de fotogra-
mostram as dificuldades e obstáculos, a competi- fia: Gunther Paper e José William de Oliveira; fotos
ção, a violência, a estrutura econômica e política (reprodução): Paulo Lorgos; trucagens: Sebastião
dos bastidores do futebol. Finalmente, focalizando Dias; montagem: Lygia Pape; música: Carlos Castilho;
o torcedor, o filme mostra como a paixão pelo p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário.
esporte leva milhões de brasileiros à loucura e, Documentário sobre um dos maiores ídolos do
muitas vezes, à alienação. A proposta do filme é futebol brasileiro, Heleno de Freitas, do Botafogo
analisar o que era o futebol em 1964, por meio de e da Seleção Brasileira, mostrando por meio de
craques em ascensão e em declínio e as relações montagens fotográficas e diversos depoimentos
do público com esse esporte. Terceiro episódio do de pessoas que com ele conviveram.
longa Brasil Verdade.
Campeonato Colegial de Esportes
Santos Futebol Clube 1969. São Paulo, SP. ficha técnica: direção: José A.
1965. São Paulo, SP. ficha técnica: direção: Roberto Carvalho; companhia produtora: Departamento
Santos; montagem: Máximo Barro; colorido; 35 de Educação Física; p&b; 35 mm; curta-metragem;
mm; curta-metragem; Documentário. Documentário.
Evolução do Futebol Brasileiro da força: o fato de constituir-se em linguagem nova,
1969. São Paulo, SP. ficha técnica: produção: Pedro porta-voz bruto, de alguma coisa que não pode ser
Carlos Rovai; direção: Hector Babenco; colorido; 35 vivida separadamente – texto extraído do catálogo
mm; curta-metragem; Documentário. do Festival de Manaus, AM, 1970.
Futebol Brasileiro Voltar é Conquistar Duas Vezes
1969. Rio de Janeiro-Brasil e Nova York-EUA. 1969. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção: Aé-
ficha técnica: direção: Dale Pucket; companhia cio de Andrade; direção de fotografia: José Dantas;
produtora: Lowe Internacional; p&b; 35 mm; curta- montagem: Diva Machado; companhia produtora:
metragem; Documentário. Kratex Produções Cinematográficas; p&b; 35 mm;
curta-metragem; 10 min; Documentário.
Futebol, como Exemplo A trajetória de Garrincha, a partir dos arquivos de
1969. Belo Horizonte, MG. ficha técnica: direção: cinejornais com jogos de futebol de 1954 a 1957 e de
Paulo Augusto Moreira Camargos; direção de fo- cenas das copas de 1954 e 1958. Os melhores passes,
tografia: Silvio de Almeida Barques; p&b; 16 mm; dribles e os gols de Mané. A parada e o tratamento
422 curta-metragem; Documentário. médico, a volta aos campos para o campeonato 423

Superstição e Futebol mundial de 62. Cenas de seus jogos. As duas fases do


1969. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção: futebol de Garrincha: suas vitórias, o delírio da torci-
Sylvio Lanna e Andrea Tonacci; direção e roteiro: da com seus gols, mostrando como ele conquistou e
Sylvio Lanna; narração: José Cunha; companhia reconquistou esse público que lotava os estádios do
produtora: Total Filmes; 16 mm; curta-metragem; mundo inteiro para ver seus dribles. A brasilidade e
20 min; Documentário. companheirismo nas jogadas em campo.
Documentário sobre as crenças de caráter religioso Aconteceu no Maracanã
ligadas ao futebol. Superstição e Futebol, como do- 1969. Direção de Nilo Machado. Colorido, longa-
cumentário, é antes de tudo um fato, uma constata- metragem. Ficção.
ção. Eufórico na mesma medida do fato que é força. O narrador conta que encontrou seu grande amor
Não nos interessou a análise, a origem, o porquê, por ocasião da copa do mundo.
mas tão-somente o fenômeno, tal qual se expressa,
como significado para todo um povo. Chave talvez Adultério à Brasileira
de muitas compreensões, encontrei nessa colagem 1969. Episódio A Receita, de Roman Stubach. Colo-
a certeza da crença, da esperança e principalmente rido, curta-metragem, ficção.
Marido chega em casa embriagado, para ver o O ator/diretor faz os papéis de jogador, espectador,
jogo de futebol na TV com os amigos, enquanto a juiz, bandeirinha, com o Maracanã inteiramente
mulher o trai com um estudante. vazio.

Como Vai, Vai Bem? Brasil x Itália


1969. Episódio de Uma Vez Flamengo, Sempre 1970. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção e
Flamengo, de Walkíria Salvá. Colorido, curta-me- direção: Carlos Niemeyer; companhia produtora:
tragem, ficção. Canal 100 Filmes; p&b; 35 mm; curta-metragem;
Conta a história de um torcedor fanático do Mengo Documentário.
e como isso lhe traz problemas conjugais. Brasil x Romênia
1970. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção e
Máscara da Traição
direção: Carlos Niemeyer; companhia produtora:
1969. Direção de Roberto Pires. Colorido, longa-
Canal 100 Filmes; p&b; 35 mm; curta-metragem;
metragem, ficção.
Documentário.
Esposa do chefe tesoureiro do Maracanã trai o ma-
rido com um dos funcionários. O enredo amoroso Brasil x Tchecoslovaquia
424 425
faz parte de uma história de assalto da renda de 1970. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção e
um grande jogo internacional direção: Carlos Niemeyer; companhia produtora:
Canal 100 Filmes; p&b; 35 mm; curta-metragem;
O Rei da Pilantragem Documentário.
1969. Jacy Campos. Colorido, longa-metragem,
ficção. Brasil x Uruguai
Malandro tenta conquistar uma mulher, mas é 1970. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção e
obrigado por um grupo de meninos a servir como direção: Carlos Niemeyer; companhia produtora:
juiz de uma partida de futebol. Canal 100 Filmes; p&b; 35 mm; curta-metragem;
Documentário.
Anos 1970
Um Jogo de Futebol no Maracanã A Matemática e o Futebol
1970. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção, 1970. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção e
direção, argumento, roteiro, pesquisa, fotografia montagem: Frieda Dourian; direção: Sanin Cherques,
e montagem: Demerval Netto; colorido; Super-8; Lygia Pape e Frieda Dourian; consultoria (pedagó-
curta-metragem; 6 min; Ficção/Experimental; elen- gica): Jairo Bezerra; roteiro, texto e narração: Sanin
co: Demerval Netto. Cherques; direção de fotograia: Pompilho Tostes;
animação: Domingo Cervera; música: Gilberto Gil; Filme mostra o cotidiano, os treinos, os jogos de
narração: Cláudio Cavalcanti; companhia produtora: Pelé na cidade de Santos.
Instituto Nacional de Cinema – INC; p&b; 35 mm;
A Bola
curta-metragem; 10 min; Documentário.
1970. Carlos Alberto de Souza Barros. Colorido,
Com imagens relacionadas ao futebol, o filme inicia
curta-metragem; Documentário.
o estudo dos conjuntos (elementos do conjunto, Por meio de imagens associativas, mostra a paixão
conjunto vazio, conjunto infinito, subconjunto, do homem pela bola, passando pelo futebol, rúgbi
equivalência ou dupla implicação. O estudo da e a chegada dos americanos na Lua.
matemática moderna.
Brasil Bom de Bola
Dente de Leite 1971. Rio de Janeiro, RJ. Direção de Carlos Niemeyer,
1970. São Paulo, SP. ficha técnica: produção: Má- colorido, longa-metragem; Documentário.
rio Kuperman; direção: Flávio Portho; companhia História do futebol brasileiro e suas grandes con-
produtora: Futura Filmes; p&b; 35 mm; curta- quistas, em especial a do tricampeonato no México,
metragem; Documentário. em 1970
426 Documentário que analisa os jogos de futebol de 427
Bola de Meia
crianças, os ‘dentes-de-leite’, futuros craques do
1971. Rio de Janeiro-Brasil e Roma-Itália. ficha
futebol brasileiro.
técnica: produção, direção, roteiro e argumento:
Tostão, a Fera de Ouro Carlos Couto; texto: Carlos Couto e Lionello de Feli-
1970. Paulo Leander e Ricardo Gomes Leite. Colo- ce; fotografia e câmera: Jorge Veras; som: Renato
Cadueri; montagem: Lina Caterini; música: Remo
rido, longa-metragem; Documentário.
Usai; narração (francês): Jacques Stany; companhia
A vida e a carreira do craque Tostão, com depoi-
produtora: Cassia Filmes (Brasil) e Tele Centauro
mentos de colegas, técnicos e do próprio biogra-
Filmes (Itália); colorido (Eastmancolor); 35 mm;
fado. Vai da infância, com depoimentos e chega curta-metragem; Documentário.
até às vésperas da copa de 1970, com o jogador já O filme começa com a despedida de Pelé da sele-
recuperado do descolamento de retina, que quase ção brasileira no Maracanã e apresenta o futebol
o tira da competição. amador como base e acesso ao profissionalismo.
Pelé Parabéns, Gigantes da copa
1970. Daniel Fernandes. Colorido, curta-metragem, 1971. Hugo Schlesinger. Colorido, longa-metragem;
Documentário. Documentário.
Filme sobre a conquista do tri, usando imagens O Anjo Negro
da copa do México e também dos campeonatos 1972. Direção de José Umberto Dias. Colorido,
de 58, 62 e 66. longa-metragem. Ficção.
O personagem principal é Hércules, um juiz de
Como Ganhar na Loteria sem Perder a Esportiva futebol em crise com a profissão. Entra em cena
1971. Direção de J. B. Tanko. Colorido, longa- uma divindade negra que irá bagunçar com a vida
metragem – ficção. do árbitro.
Comédia sobre a mania das apostas na loteria es-
portiva dos jogos de futebol, uma febre dos anos Receita de Futebol
70 no Brasil 1972. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção,
argumento e roteiro: Carlos Diegues; diretor de
O Barão Otelo no Barato dos Milhões produção: Aluizio Leite Filho; texto: Carlos Diegues,
1971. Miguel Borges. Colorido, longa-metragem Paulo Alberto Monteiro de Barros; fotografia e
– ficção. câmera: David E.Neves; som: Jorge Rueda; mon-
Rapaz que trabalha de gandula no Maracanã tenta tagem: Mair Tavares; música: copa Roca e Música
428 manipular o resultado de um jogo do Fluminense, Popular Brasileira; narração: Paulo Alberto Mon- 429
por meio de macumba, para poder ganhar sozinho teiro de Barros; companhia produtora: Filmes da
na Loteria Esportiva. Matriz; locações: Rio de Janeiro-Brasil e Buenos
Aires-Argentina; colorido (Eastmancolor); 35 mm;
O Bolão curta-metragem; 14 min; Documentário.
1971. Direção de Wilson Silva. Colorido, longa- Documentário sobre a preparação da Seleção
metragem – ficção, comédia. Brasileira de Futebol para a disputa da copa Roca,
Homem acredita que ficou milionário ao fazer os em 1972. O filme analisa também os rumos da Se-
13 pontos na Loteria Esportiva, fica valente, enfren- leção Brasileira depois da saída de Pelé. ‘Exibido
ta a sogra, uma megera e manda tudo às favas. na TV Globo em 1972, este documentário analisa
os métodos de treinamento para a copa Roca,
Tô na Tua, Bicho na Argentina, escolhendo um jogador (Paulo
1971. Direção de Raul Araújo. Colorido, longa- César) e o acompanhando desde a convocação,
metragem, ficção – Comédia. e a preparação até o jogo final. Há uma série de
Homem ganha na Loteria Esportiva e desperta a entrevistas com som direto, com Gerson, Tostão e
cobiça de uma quadrilha que quer roubar o talão outros jogadores, e com o Dr. Lídio Toledo, no qual
premiado. é comparado o tratamento dado à elite do futebol
brasileiro e aos outros times’ – texto extraído do Pânico no Império do Crime
Guia de Filmes nº 44, Editado pelo INC – Instituto 1972. Direção de Ary Fernandes.
Nacional de Cinema, em março/abril de 1973. Longa formado por quatro episódios da série O Vi-
gilante Rodoviário. Episódio Jogo Decisivo: jogador
Esportes no País do Futebol famoso procura o vigilante dizendo-se vítima de
1972. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção, chantagem. Para capturar os bandidos, o policial
roteiro e texto: Domingos Oliveira; criação: Paulo faz-se passar por goleiro do time
Gil Soares; diretor de fotografia: Rogério Noel;
som: Jair Vieira; companhia produtora: Central Ensaio Urbano
Globo de Produção e Shell do Brasil; colorido 1973. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção:
(Eastmancolor); 16 mm; média-metragem; 56 min; Demerval Netto; argumento e roteiro: Edgar de
Documentário. Carvalho Júnior; diretor de fotografia: Roberto
O esporte num país onde o futebol exerceu mo- Pádula; som: Jorge Napoleão; companhia produ-
nopólio durante muitos anos, tradição agora tora: TV Educativa; p&b; 16 mm; curta-metragem;
quebrada pela ascensão de modalidades como o 8 min; Documentário.
430 basquete, voleibol, atletismo e outras. Documen- O filme documenta a experiência que o artista 431
tário produzido para a série Globo Repórter da TV conceitual Edgar de Carvalho Jr. promoveu na Av.
Globo, em co-produção com a Shell do Brasil. Rio Branco, no Rio de Janeiro, em 18 de Dezembro
de 1973. Com a camisa do Fluminense, calção do
Viver é Uma Festa Vasco, meias do América, bandeira do Flamengo,
1972. José Carlos Avellar, Tereza Jorge, Isso Milan, uma bola de futebol de salão e um apito, ele
Manfredo Caldas e Álvaro Freire. Colorido, curta- saiu do Museu Nacional de Belas Artes e foi até
metragem; Documentário. a Rua do Ouvidor, de onde voltou jogando bola,
As comemorações de rua no Rio de Janeiro por conversando com as pessoas e soando o apito, en-
ocasião da conquista definitiva da taça Jules Rimet, quanto a câmera registrava a reação do público.
em 1970. ‘Este filme foi exibido em duas sessões diárias no
Museu Nacional de Belas Artes, durante a exposi-
Receita de Futebol ção de pintura denominada O Futebol no Museu,
1972. Carlos Diegues. Colorido, curta-metragem, de Edgar de Carvalho Jr. Sobre o mesmo tema – o
documentário. futebol como forma de manifestação direta com
Registra atuação do Brasil na copa Roca e a seleção o público – o artista realizou uma experiência em
brasileira após a saída de Pelé. São Paulo, no Viaduto do Chá: Escolhi o futebol
para documentar a reação do público diante de Bandeiras e Futebol
uma situação que é a do indivíduo vestido de 1973. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção:
jogador, em plena tarde de um dia de semana, Hugo Kusnet; diretor de fotografia: Renato Neu-
porque é um tema intimamente ligado à nossa mann e Ricardo Eckstein; montagem: Carlos Elino
realidade e que polariza e sensibiliza o brasileiro’, Boechat; companhia produtora: Instituto Nacional
diz o artista, que está realizando uma pesquisa no de Cinema – INC; colorido; 35 mm; curta-metragem;
campo da comunicação visual que inclui diversas 11 min; Documentário.
técnicas como o Super-8, artes plásticas e expressão A integração por meio dos símbolos, apresentando
corporal – texto extraído do Guia de Filmes nº 44, a bandeira como elo de comunicação entre o torce-
Editado pelo INC – Instituto Nacional de Cinema, dor e o clube. Retrata, ainda, o respeito por esses
em março/abril de 1973. símbolos, a possibilidade de reflexão do jovem ao
O Mestre e Seu Método construir sua própria bandeira e a integração social
1973. São Paulo, SP. ficha técnica: direção: Saul existente numa torcida.
Lansa; roteiro: Júlio Mazzei; fotografia: Peter Breil; O Fraco do Sexo Forte
música: Severino Sivuca; companhia produtora:
432 1973. Osíris Parcifal de Figueroa. Colorido, longa- 433
Servicine – Serviços Gerais de Cinema; colorido
metragem – ficção.
(Eastmancolor); 35 mm; curta-metragem; Docu-
Comédia sobre o sujeito que ganha na Loteria
mentário. Participação: Edson Arantes do Nasci-
Esportiva e decide se tornar produtor cinemato-
mento (Pelé) e o time do Santos Futebol Clube.
Série de seis documentários, nos quais Pelé ensina gráfico.
as técnicas de jogar futebol: 1- Introdução, controle Futebol Brasileiro: Administração
de bola e drible; 2- Chute; 3- Cabeceio e domínio; 1974. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção:
4- Passe; 5- Pênaltis, Tiros livres e goleiro; 6- Pre- André Palluch; diretor de fotografia: André Pal-
paração física. luch, Júlio Heilbron, Eduardo Ruegg, Yann Lys e
Detetive Bolacha contra o Reino do Crime Albertson Pádua; montagem: Carlos Elino Boe-
1973. Tito Teijido. Colorido, longa-metragem – fic- chat; companhia produtora: Instituto Nacional de
ção. Cinema – INC; colorido; 35 mm; curta-metragem;
Comédia sobre três meninos que decidem descobrir 10 min; Documentário.
onde fica uma fábrica clandestina de figurinhas de Todas as funções administrativas da Comissão Téc-
futebol, que está levando à falência os fabricantes nica da seleção brasileira, necessárias ao bom de-
das figurinhas autênticas. sempenho da seleção. Toda a programação para
o atendimento à Seleção, desde a alimentação até Futebol Brasileiro: Preparação Técnica
os jogos. 1974, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção:
Júlio Heilbron; diretor de fotografia: André
Futebol Brasileiro: Exame Médico e Tratamento Palluch, Júlio Heilbron, Eduardo Ruegg, Yann Lys
1974. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção: e Albertson Pádua; montagem: Carlos Elino Boe-
Júlio Heilbron; diretor de fotografia: André chat; companhia produtora: Instituto Nacional de
Palluch, Júlio Heilbron, Eduardo Ruegg, Yann Lys Cinema – INC; colorido; 35 mm; curta-metragem;
e Albertson Pádua; montagem: Carlos Elino Boe- 10 min; Documentário.
chat; companhia produtora: Instituto Nacional de As técnicas aplicadas no futebol brasileiro. A pre-
Cinema – INC; colorido; 35 mm; curta-metragem; paração dos jogadores em todas as situações de
10 min; documentário. jogo, desde as formas de chute até as técnicas de
Documentário sobre o serviço médico da Seleção fazer gol.
Brasileira. O trabalho dos médicos dentistas, mas-
sagistas e preparadores físicos junto aos jogadores, Futebol Brasileiro: Tática
desde os cuidados com a alimentação de cada um 1974. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção:
434 até as previsões dos gramados para o bom treino. André Palluch; diretor de fotografia: André 435
Os diversos exames e testes que determinam o Palluch, Júlio Heilbron, Eduardo Ruegg, Yann Lys
estado de saúde do jogador a ser convocado. e Albertson Pádua; montagem: Carlos Elino Boe-
chat; companhia produtora: Instituto Nacional de
Futebol Brasileiro: Preparação Física Cinema – INC; colorido; 35 mm; curta-metragem;
1974, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção: 10 min; Documentário.
André Palluch; diretor de fotografia: André Histórico do futebol e sua prática no Brasil. Um re-
Palluch, Júlio Heilbron, Eduardo Ruegg, Yann Lys trospecto desde as origens do futebol, às primeiras
e Albertson Pádua; montagem: Carlos Elino Boe- regras do jogo e depois as leis mundiais, os diversos
chat; companhia produtora: Instituto Nacional de sistemas de jogo e a individualidade de cada time
Cinema – INC; colorido; 35 mm; curta-metragem; em todo o mundo. Finalizando, o filme mostra, pe-
10 min; Documentário. los depoimentos do técnico da Seleção, os sistemas,
Documentário sobre a preparação física da Seleção técnicas e estilos do futebol brasileiro.
Brasileira. As fases do treinamento, o controle das
bases científicas e técnicas por parte dos treinado- Futebol Brasileiro: Testes de Capacidade Física
res, através de testes aplicados periodicamente, 1974. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção: Júlio
levando o jogador a uma forma física ideal. Heilbron; diretor de fotografia: André Palluch,
Júlio Heilbron, Eduardo Ruegg, Yann Lys e Albert- O que aconteceu na copa do mundo da Alemanha
son Pádua; montagem: Carlos Elino Boechat; com- para que o Brasil fosse derrotado? O filme procu-
panhia produtora: Instituto Nacional de Cinema ra responder a essa e outras perguntas, como o
– INC; colorido; 35 mm; curta-metragem; 10 min; motivo da derrota da favorita Holanda diante
Documentário. da Alemanha. Mostra o final da copa, em que a
Testes aplicados aos jogadores da Seleção Brasi- Alemanha se sagrou campeã contra a Holanda.
leira que indicam suas possibilidades e limitações, Um mês depois, um Maracanã lotado, com 115
a carga de treinamento e a ênfase a ser dada ao mil pessoas, vibrava com a final do campeonato
treinamento individual. carioca, mostrando que o país podia estar com o
orgulho ferido, mas nem por isso se desinteressava
Brasil Tricampeão pelo futebol.
1974. Direção de Rogério Martins. Colorido, longa-
metragem, Documentário. Isto é Pelé
Filme sobre a conquista do tricampeonato de fu- 1974. Rio de Janeiro, RJ. Direção: Luiz Carlos Bar-
tebol no México e a conquista definitiva da Taça reto e Eduardo Escorel. Colorido e p&b, longa-
436 437
Jules Rimet metragem; Documentário.
Filme sobre a carreira do Rei, lançado no ano em
Futebol Total que ele encerrou sua carreira. Feito com material
1974. Rio de Janeiro, RJ. produção: Carlos Nie- de arquivo do Canal 100 e da TV Globo, mostra
meyer; direção e roteiro: Oswaldo Caldeira e mais de 100 gols e passagens da sua vida, como as
Carlos Leonam; colaboração: Alberto Shatowsky, conquistas das três copas do mundo (1958, 1962 e
fotografia: equipe do Canal 100: Francisco Tortur- 1970), além dos grandes jogos que disputou pelo
ra, Eurico Richers, José Pereira Dantas, e outros; Santos.
montagem: Walter Roenick, edição: Walter Gou-
lart; texto: Sérgio Noronha; narração: Cid Moreira; Passe Livre
companhia produtora: Produções Carlos Niemeyer 1974. Rio de Janeiro, RJ. Direção: Oswaldo Caldeira.
Filmes; colorido (Eastmancolor), longa-metragem, Colorido, longa-metragem, 16 mm; Documentário.
colorido, 35 mm. Participações: Carlos Alberto, Cé- Filme que tem como personagem o jogador Afon-
sar, Clodoaldo, Domingos da Guia, Félix, Garrincha, sinho, atleta diferenciado, culto e consciente, que
Gerson, Gilmar, Jairzinho, Pelé, Rivellino, Tostão, defendia seus direitos e contestava a Lei do Passe,
Preguinho, Breitner, João Saldanha, etc. que prendia o jogador ao clube.
História do Brasil Loteria Esportiva. Um marciano aparece do espaço
1974. Glauber Rocha. P&b, longa-metragem; Do- e o aconselha a jogar na maior zebra, o time dos
cumentário. índios Xavantes, e assim ganhar a aposta sozinho.
Em seu afresco-colagem sobre a história nacional,
o filme termina com uma metáfora esportivo-ope- Lição de Amor
rística entre Villa-Lobos e Pelé. 1975. Eduardo Escorel. Colorido, longa-metragem –
ficção. Baseado no romance de Mário de Andrade,
Os Índios Kanela Amar, Verbo Intransitivo.
1974. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção: Homem contrata uma fräulein para dar lições e
Walter Lima Jr.; imagens: Edson Santos; companhia também iniciar sexualmente o filho adolescente,
produtora: TV Globo; colorido; 16 mm; curta- mas este, a princípio, parece mais interessado em
metragem; 26 min; Documentário. jogar futebol na rua.
Vítima de um massacre em 1963, a tribo dos Ka-
nela, ou Rokamekrá, do Maranhão, vive dividida O Futebol no Brasil
entre a recuperação de suas raízes culturais e os 1975, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção: Pau-
438 apelos das grandes cidades. Falam português, usam lo Bastos Martins; companhia produtora: Agedor 439
relógio de pulso e jogam futebol, ainda que com – Meios de Comunicação e Filmes; distrib: Embra-
regras alteradas para terminar sempre em empate. filme – Empresa Brasileira de Filmes; colorido; 16
O filme lança um olhar etnográfico ao dia-a-dia mm; curta-metragem; 10 min; Documentário.
dos índios, a tradicional corrida de toras, o índio O futebol no Brasil é um fenômeno que apaixona
jovem que conta sua viagem deslumbrada ao Rio a maioria da população, principalmente em época
de Janeiro. Num momento tocante, as palavras de copa do mundo. O filme documenta o auge
de saudade de uma mãe indígena são levadas em desse esporte, com a conquista do tricampeonato
filme até seu filho, que há cinco anos vive em São mundial, nos anos de 1958, 1962 e 1970. Relata
Paulo. Feito para o programa Globo Repórter da ainda a conquista de outras taças e fala sobre os
TV Globo. craques excepcionais como Pelé e Garrincha.

Um Edifício Chamado 200 Núpcias com Futebol


1974. Carlos Imperial. Colorido, longa-metragem 1976. São Paulo, SP. ficha técnica: produção e
– ficção. direção: Ary Fernandes; argumento e roteiro: Ary
Comédia sobre homem que só encontra uma manei- Fernandes, Maurício Toledo, José Carlos Rodrigues,
ra de resolver seus problemas financeiros: ganhar na Ulisses Tavares, Maurício de Campos; direção de
fotografia: Cláudio Portioli; montagem: Gilberto Jecão... Um Fofoqueiro no Céu
Wagner; companhia produtora: Misfilmes e Proci- 1977. Pio Muzzer e Amácio Mazzaropi. Colorido,
tel – Empresa Paulista de Cinemas; distribuição: Pa- longa-metragem – comédia.
ris Filmes Produção e Distribuição Cinematográfica; Jecão vai à capital receber a fortuna que ganhou
colorido (Eastmancolor); colorido; curta-metragem; na Loteria Esportiva. Assaltado por um fazendeiro
30 min; Ficção. elenco: Nuno Leal Maia, Felipe da região, acaba assassinado e vai para o céu, onde
Carone, Lenilda Leonardi, Marcos Lander, Tânia começam as suas aventuras.
Costa, Oswaldo Campozana. Raízes Populares do Futebol
O casamento de Nuno ocorreu no dia do jogo entre 1977. São Paulo, SP. ficha técnica: direção: Maurice
Corinthians e Palmeiras, final da disputa do campeo- Capovilla; companhia produtora: Antene 2 – Rádio
nato. Nuno é corintiano fanático. Após o casamento, e Televisão Francesa; colorido; 16 mm; média-
vai de táxi com a noiva para o hotel, ouvindo o jogo metragem; 50 min; Documentário.
pelo rádio. O chofer é palmeirense e durante o traje- Essa Freira é uma Parada
to trocam ironias. Já no hotel, Nuno sente-se dividido 1977. Roberto Machado. Colorido, longa-metra-
440 entre continuar ouvindo o jogo ou ficar com a noiva. gem – ficção. 441
1º episódio do longa: Guerra É Guerra. Freira tenta administrar a rivalidade entre o páro-
co e o prefeito de uma cidade promovendo uma
Tem Folga na Direção partida de futebol entre os times de ambos. A boa
1976. Victor Lima. Colorido, longa-metragem – intenção é prejudicada por um juiz ladrão.
ficção, comédia.
Volta de Zé Trindade ao cinema, na pele de um Meu Glorioso São Cristóvão
fanático torcedor do Flamengo, que se mete em 1978. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção:
confusões seguidas. Braz Chediak; direção: Ney Costa Santos; direção
de fotografia: Hélio Silva; colorido; 35 mm; curta-
Chacal é o Juiz metragem; Documentário.
1976, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção: Luiz Documentário rodado no Rio de Janeiro, sobre o
Alphonsus Guimarães; colorido; Super-8; mudo; time de futebol cujo lema é Meu Glorioso São Cris-
1’02”; Ficção/Experimental. tóvão, campeão de 1926 – breve será outra vez.
Usando por vezes um cigarro no lugar do apito, o O Incrível Mané Garrincha
poeta é o juiz de uma partida de futebol. Cartelas 1978. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção:
explicam várias grafias da palavra futebol. Aécio de Andrade; companhia produtora: Guru
Produções Cinematográficas; distribuição: Embra- Futebol 3 ā Jogo dos Homens
filme – Empresa Brasileira de Filmes; p&b; 16 mm; 1979. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção:
curta-metragem; 11 min; Documentário. Roberto Moura; cpr: Corisco Filmes; distrib: Embra-
De bom temperamento, ingênuo e brincalhão, no filme – Empresa Brasileira de Filmes; p&b; 16 mm;
campo Mané Garrincha se transformava no gênio curta-metragem; 13 min; Documentário.
do futebol. Com sua picardia, os dribles descon- As paixões dos torcedores, os olhares aflitos, a
certantes e gols fantásticos, Garrincha conquis- expectativa do próximo gol. O futebol é euforia e
tou a simpatia de todas as torcidas. Graças a Seu loucura. As analogias possíveis entre o futebol e a
Mané, também conhecido pelo apelido carinhoso vida e figura do torcedor. Comentários: Composto
de Passarinho, o Brasil conquistou duas copas do de três partes, que podem ser vistas como curtas-
mundo, 1958 e 1962. Vítima de uma artrose no metragens independentes, o filme registra a paixão
do povo brasileiro pelo futebol.
joelho, Garrincha parou de jogar durante 3 anos.
O filme é uma homenagem à sua volta aos campos Futebol 3 ā M eio de Vida
de futebol. Mané chorou ao ouvir os aplausos de 1979. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção:
442 150 mil pessoas. 443
Roberto Moura; companhia produtora: Corisco
Filmes; distribuição: Embrafilme – Empresa Brasi-
Homem de Seis Milhões de Dólares contra as
leira de Filmes; p&b; 16 mm; curta-metragem; 12
Panteras
min; Documentário.
1978. Luís Antonio Piá. Colorido, longa-metragem As particularidades das leis trabalhistas no futebol
– ficção, comédia. fazem do jogador um misto de assalariado e mer-
Bandidos seqüestram o jogador Marinho, na vés- cadoria – propriedade dos clubes. As vantagens e
pera da copa do mundo e pedem como resgate um desvantagens de uma carreira que dura em média
poderoso computador de um cientista maluco. oito anos.
Copa 78 ā o Poder do Futebol ā 215 Futebol 3 ā Zona do Agrião
1979. Direção de Maurício Sherman. Colorido, 1979. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção:
longa-metragem. Roberto Moura; companhia produtora: Corisco
Documentário sobre a copa da Argentina, vencida Filmes; distribuição: Embrafilme – Empresa Brasi-
pelo país-sede. Mostra lances dos principais jogos leira de Filmes; p&b; 16 mm; curta-metragem; 13
e também os bastidores da disputa. min; Documentário.
O aproveitamento do espaço esportivo para fins Garrincha em Pau Grande e jogando pelo Milioná-
políticos. Os estádios, por sua grande capacidade rios. Cenas do jogo beneficente organizado pela
de concentração, serviram ao longo dos anos de CBF e a melancólica cena em que um defensor se
ponto de encontro entre governantes e governa- deixa driblar, para que a platéia revivesse a magia
dos, em especial durante o Estado Novo. de um Mané já decadente.
É Isto Aí Todo Mundo
1979. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção e 1978/80. São Paulo, SP. ficha técnica: produção, di-
roteiro: Rita Benchimol; diretor de produção e reção e roteiro: Thomaz Farkas; asp: Nando Costa;
montagem: Adnor Pitanga; diretor de fotografia: produção de campo: Rogério Corrêa da Silva, Eliane
José de Almeida e Luiz Beja; som: Jorge Madu- Barreto, Wagner Carvalho, Eduardo Schoor e José
reira; companhia produtora: Scorpius Filmes; Joaquim Salles; imagens: Pedro Farkas, Eduardo
distribuição: Embrafilme – Empresa Brasileira de Poiano, Nilo Mota, Zetas Malzoni, André Klotzel,
Filmes; colorido; 35 mm; curta-metragem; 5 min; Gilberto Otero e Thomaz Farkas; transcrição de
Experimental. som: Walter Rogério; edição e montagem: Sérgio
444 Filme experimental no qual as paixões do brasileiro Muniz, Júnior Carone; colaboração: Roberto Santos; 445
– o futebol, a praia, etc. – são vistas deixando de companhia produtora: Thomaz Farkas Filmes Cultu-
lado as regras tradicionais de montagem e sono- rais, Prefeitura de São Paulo, Secretaria Municipal
rização. de Cultura; som: Stopsom, Álamo; 16 mm; média-
Brasil Bom de Bola (2) metragem; 35 min; Documentário.
1978. Rio de Janeiro, RJ. Direção de Carlos Niemeyer. O espetáculo do futebol, visto pelas ações das
Colorido, longa-metragem, Documentário. torcidas e suas participações nos jogos dos cam-
Preparativos da seleção para a copa de 1978, na peonatos brasileiros.
Argentina, discutindo a renovação da equipe após
Pelé Joga Contra o Crime (Os Trombadinhas)
a conquista de 1970 e o fracasso de 1974.
1979. Anselmo Duarte. Colorido, longa-metragem
Mané Garrincha – ficção.
1978. Fábio Barreto. Curta-metragem, colorido e Pelé é técnico dos juvenis do Santos Futebol Clube e
p&b. tenta fazer alguma coisa pelos menores abandona-
Documentário sobre o jogador, com depoimentos dos. Mas constata que a ação individual é incapaz
do jornalista Armando Nogueira, entrevistas com de resolver esse problema.
O Torneio Amílcar Cabral O filme resume a história dos três tricampeonatos
1979. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção: Jom cariocas vencidos pelo clube. É também uma home-
Tob Azulay, Fernando Cabral e Flora Gomes; diretor nagem aos grandes jogadores que vestiram a camisa
de fotografia: Jom Tob Azulay, Fernando Cabral, rubro-negra, como Leônidas, Almir, Fausto, Zizinho e
Mário da Silva, Flora Gomes e Sunah Na N’hada; outros, culminando com o aparecimento de Zico.
companhia produtora: Embrafilme – Empresa Bra-
O Jogo da Liberdade
sileira de Filmes e Instituto Nacional do Cinema da
1980, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção: Sér-
Guiné-Bissau; colorido; 35 mm; curta-metragem; 28
gio Baker e Raimundo Bandeira de Mello; compa-
min; Documentário.
nhia produtora: Nostodos Produções; distribuição:
Torneio de futebol disputado por Senegal, Mau-
Agedor – Meios de Comunicação e Filmes; colorido;
ritânia, Cabo Verde e Guiné-Bissau, em janeiro de
35 mm; curta-metragem; Documentário.
1979. Uma homenagem ao líder da independência
da Guiné. Cinema e Futebol
1980, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção:
Domingo do Gre-Nal
David E. Neves e Francisco Drummond; direção de
446 1979. Direção de Pereira Dias. Colorido, longa- 447
fotografia: Walter Carvalho; montagem: Carlos
metragem – Ficção, comédia.
Cox e Fernando Baccarin; companhia produto-
Filme que explora a rivalidade entre os torcedores
ra: Embrafilme – Empresa Brasileira de Filmes;
do Internacional e do Grêmio. Duas famílias rivais
colorido/p&b; 16 mm; média-metragem; 50 min;
vivem às turras até que descobre que o filho de
Documentário.
uma namora a filha de outra. Romeu e Julieta
O futebol visto pelo cinema desde o início do sé-
gaúcho e futebolístico.
culo: as primeiras filmagens, em 1908, de um jogo
A Bola da Escola Brasil x Argentina; na década de 20, encontros
1979. São Paulo, SP. ficha técnica: direção: José futebolísticos no campo do Fluminense; os jornais
Antonio Garcia; colorido; 35 mm; curta-metragem; de tela desde o seu início até o atual canal 100; os
Ficção. documentários de longa metragem sobre jogado-
res famosos, como Garrincha e Pelé. Depoimentos
Anos 1980 de Nelson Rodrigues e Alex Viany. Trechos de vários
Flamengo Paixão filmes, inclusive de A Falecida, de Leon Hirszman,
1980. Direção de Davi Neves. Colorido, longa-me- filme de ficção brasileira que usa o fanatismo do
tragem; Documentário. futebol em sua temática.
Um x Flamengo tora: Cinematográfica Superfilmes; co-produção:
1980. Ricardo Solberg. Colorido, longa-metragem ECA/USP; colorido; 16 mm; curta-metragem; 22
– Documentário. min; Documentário/Ficção.
Estudo sobre o modo de ser do carioca, tomando Gaviões da Fiel é o nome da grande torcida orga-
como modelo o torcedor do Flamengo. Tipos popu- nizada de um dos times de futebol mais populares
lares, como Dom Pepe, flamenguista fanático, são do Brasil, o Corinthians. Em tom de crônica, mis-
mostrados, enquanto tudo conflui para a grande turando ficção e documentário, acompanhamos
decisão do Campeonato Carioca, um Fla-Flu no alguns personagens desta torcida. Um filme sobre
Maracanã. a torcida corintiana, intercalando cenas filmadas
em estádios de futebol com representação sobre
Fica Comigo Esta Noite o imaginário dos torcedores. O fanatismo, a vio-
1980. Fauzi Mansur. Colorido, longa-metragem lência, momentos de vitória e de derrota do time
– ficção. e suas repercussões sobre os torcedores.
Borracheiro é campeão de bocha e zagueiro do
seu time na várzea. Comédia erótica, em que o Três Palhaços e o Menino
448 herói empresta sua amante para que o filho se 1982. Rio de Janeiro, RJ. direção: Milton Alencar 449
inicie sexualmente. Jr., Colorido, longa-metragem – ficção.
Menino seqüestrado por bandidos é libertado gra-
Asa Branca, um Sonho Brasileiro ças ao auxílio do craque Zico, em pleno Maracanã,
1981. Djalma Limongi Batista. Colorido, longa- dia de jogo do Flamengo.
metragem – ficção.
Boleiro do interior vem para a capital tentar a sorte No Vai da Várzea
num grande clube. O filme fala das dificuldades 1983. São Paulo, SP. ficha técnica: produção:
da carreira de jogador de futebol, de lidar com a Patrícia Pascale e Rodolfo (Ruda) Ancona Lopes;
fama súbita e o sucesso imediato. direção: Rodolfo (Ruda) Ancona Lopes; companhia
produtora: Fundação Armando Álvares Penteado
Gaviões – FAAP; colorido; 16 mm; curta-metragem; Docu-
1982. São Paulo, SP. ficha técnica: produção exe- mentário.
cutiva: Luis Carlos Villas Boas; direção, roteiro e Filme sobre o fim dos clubes amadores varzeanos.
montagem: André Klotzel; diretor de produção: A urbanização terminou com as áreas das avenidas
Nilson Villas-Boas; diretor de fotografia: Chico marginais onde localizavam-se todos os campos
Botelho; som: Walter Rogério; companhia produ- de futebol.
Gol Treze Pontos
1983. Campinas, SP. ficha técnica: direção: Maurício 1985. Alonso Gonçalves. Colorido, longa-metragem
Squarisi; companhia produtora: Núcleo de Cinema – ficção.
de Animação de Campinas; colorido; 16 mm; curta- Professor de matemática que detém a fórmula infa-
metragem; 2’27”; Animação. lível para ganhar na loteca é assassinado. Quadrilha
A violência e a exploração comercial do futebol. persegue a viúva em busca do segredo.

Prá Frente, Brasil Projeto Zico


1983. Roberto Farias. Colorido, longa-metragem 1985. Roteiro de Rogério Steinberg para a histó-
– ficção. ria de um grupo de fãs que embarca para a Itália
Enquanto o Brasil vive a febre da copa do mun- e tenta comprar o passe de Zico para repatriar
do no México, um inocente é preso e torturado o craque, que então jogava na Udinese. Com
pela polícia política da ditadura Médici. O filme participação de Roberto Dinamite, do ex-juiz
é um comentário sobre a utilização política do Mário Vianna e atores como Sérgio Brito, Ankito
futebol. e Ronald Golias
450 451
Onda Nova Os Trapalhões e o Rei do Futebol
1983. José Antonio Garcia. Colorido, longa-metra- 1986. Carlos Manga. Colorido, longa-metragem
gem – ficção. – ficção.
Filme discute a divisão do mundo entre homens e Faxineiro de um clube (Renato Aragão) assume
mulheres a partir da criação de um time de futebol por acidente o cargo de técnico e o time começa a
feminino. Com a participação de atores e também ganhar os jogos, o que contraria alguns interesses.
de atletas como Casagrande e Wladimir, além do Pelé faz um repórter esportivo.
narrador Osmar Santos e do compositor Caetano
Veloso. Heleno e Garrincha
1987. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção:
O Futebol que elas Gostam (A Pelada do Sexo) José Mariani; direção e roteiro: Ney Costa Santos;
1985. Direção de Mário Lúcio. Colorido, longa- diretor de fotografia: Toca Seabra; montagem:
metragem – ficção. Carlos Cox; música: Aluísio Didier; companhia pro-
Pornochanchada que fala da disputa entre times de dutora: Andaluz Produções Cinematográficas; p&b;
futebol masculino e feminino. Poucas referências, 35 mm; curta-metragem; 14 min; Ficção. elenco:
mas pode-se imaginar o tom. Jaime Periard, Carlos Fernandes.
Heleno de Freitas e Garrincha são dois personagens companhia produtora: DBA Filmes; colorido; 16
trágicos do futebol brasileiro. O filme trata os dois mm; curta-metragem; 8 min; Ficção. elenco: Luis
personagens como mitos que tocam em algo pro- Ramalho.
fundo de nosso inconsciente. Torcedor doente do Piraporinha do Norte, Alencar
rasga o coração na grande final do campeonato.
Itália 90 Arrebatado pela emoção é levado a um engano
1989. São Paulo, SP. ficha técnica: direção: Edu fatal pela locução do final do jogo.
Felistoque e Nereu Cerdeira; colorido; 35 mm;
curta-metragem; Documentário. Barbosa
1988, Porto Alegre, RS. ficha técnica: direção:
Anos 1990 Ana Luíza Azevedo e Jorge Furtado; argumento:
baseado no conto O Dia em que o Brasil Perdeu a
Noventa Minutos Copa, de Paulo Perdigão; roteiro: Giba Assis Bra-
1990. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção sil, Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo; diretor
executiva, direção e roteiro: Ronaldo German; de fotografia: Sérgio Amon; mixagem: Roberto
452
animação: Arci Dourado; diretor de fotografia: Carvalho; direção de arte: montagem: Giba Assis 453
Cristiano Requião e Ronaldo German; companhia Brasil; música: Geraldo Flach; companhia pro-
produtora: Daron Cine Vídeo; colorido; 35 mm; dutora: Casa de Cinema de Porto Alegre, NGM
curta-metragem; 9 min; Ficção. elenco: Marcos Produções e Luz Produções; colorido/p&b; 35 mm;
Barbosa, Flávio da Silva. curta-metragem; 13 min; Ficção. elenco: Antônio
Durante a copa do mundo de 1986, dois pivetes Fagundes, Pedro Santos, José Victor Castiel, Abel
tentam arrombar uma padaria. Surpreendidos por Borba, Ariel Nehring, Nilson Pereira da Silva, Luiz
um automóvel circulando em alta velocidade que Carlos Lopes, Lucas Elias e Carlito Ferreira.
atira contra eles, um consegue fugir enquanto o Um gol. E o Brasil perdeu a copa de 50. Este gol
outro é atingido, agonizando durante os 90 mi- mudou a vida de milhões de pessoas. E se fosse
nutos da partida. possível voltar no tempo, até 1950, e impedir o gol
de Ghiggia? Uma daquelas pessoas está disposta
Noventa Minutos a fazer isso. Então o rapaz volta a 16 de julho de
1990. São Paulo, SP. ficha técnica: produção: João 1950 para dar um soco no uruguaio Ghiggia, au-
de Bartolo; direção e roteiro: Patrícia Castilho; tor do gol sofrido pelo goleiro Barbosa, tirando a
diretor de fotografia: Lito Mendes da Rocha; copa do mundo do Brasil em plena inauguração
montagem: Willem Dias; música: Mauro Lima; do estádio do Maracanã.
Perigo Negro seleção brasileira. Mostra o craque em ação, traz
1992. São Paulo-SP e Rio de Janeiro-RJ. ficha técni- depoimentos de colegas, amigos e comentaristas.
ca: direção: Rogério Sganzerla; roteiro: Oswald de
Andrade; argumento: baseado no roteiro publicado Rojas?
na Revista do Brasil em 1938, extraído do romance 1994. São Paulo, SP. ficha técnica: produção: Na-
Marco Zero, de Oswald de Andrade; direção de thália Rabczuk; direção e roteiro: Alexandre Mello;
fotografia e câmera: Nélio Ferreira; montagem: narração: Osmar Santos; companhia produtora:
Sylvio Renoldi; companhia produtora: Secretaria da ECA/USP; colorido; 16 mm; curta-metragem; 5 min;
Cultura de São Paulo e Tupan Realizações; colorido; Ficção. elenco: Antonio de Campos, José Rubens
35 mm; curta-metragem; 28 min; Ficção. elenco: Tita, Chachá, Moreno Zaidan Garcia, Wladimir Lued-
Abrão Farc, Ana Maria Magalhães, Antonio Abu- mann; Eliete Maziero e Dani Ramos.
jamra, Helena Ignez, Bayard Tonelli, Betina Viany, Rojas, goleiro chileno, é inquirido por um jornalista
Conceição Senna, Guaracy Rodrigues, Guerra Peixe, sobre os acontecimentos do jogo Brasil e Chile. Ele
Jorge Salomão, Marcos Bonisson, Ninho de Moraes, confirma as acusaçöes, mas diz que o fez com arte.
Paloma Rocha, Paulo Moura e Sandro Solviati. Rojas é visto brincando com filhos, ensinando o
454 Ascensão e queda de um jogador de futebol vistas truque da gilete ao som da narraçäo do suposto 455
por um torcedor fanático e sua mulher volúvel e acidente ocorrido durante a partida. O jornalista
deslumbrada pelo cartola Moscosão, que liquida pergunta sobre a mulher ‘que fez aquela fumaceira
com a carreira do craque. Comentários: 5° episódio toda’. Imagens de uma mulher nua, dançando ao
do longa Oswaldianas. O Estado de S. Paulo, de som de uma marchinha, com uma tocha na mão.
21 fev. 1992, caderno 2, pág. 1 comenta: ‘Rogério O goleiro assegura que eram apenas bons amigos.
Sganzerla, baseia-se num roteiro inédito escrito Imagens de Rojas e da mulher beijando-se na entra-
por Oswald para produzir o episódio. ‘Quis fazer da do campo de futebol. A esposa de Rojas entra
uma comédia contando a ascensão e queda de um na sala e faz uma cena de ciúmes. Pressionado,
craque vitimado por um cartola’, diz o cineasta. Rojas resolve a situação oferecendo a mulher ao
Oswald tinha escrito esse roteiro pensando na copa jornalista.
do mundo de 1938, e, em particular, no jogador
Leônidas da Silva’. Vala Comum
1994. São Paulo, SP. ficha técnica: produção e dire-
Je Vous Salue Raí ção João; companhia produtora: Kawy Produções
1993. Thiago Villas-Boas. Documentário sobre o Artísticas e Culturais; colorido; 16 mm; média-
jogador Raí, do São Paulo, Paris St. Germain e da metragem; 32 min; Documentário.
A partir de uma vala comum clandestina encontrada New York Film Academy e Cine Qua Non; colorido;
no cemitério de Perus (SP) em 1990, um passado 16 mm; curta-metragem; 8’30”; Documentário.
mantido oculto emerge para exumar parte da his- Trata-se da história de Alfredo Teixeira, o Russo,
tória recente do Brasil. Apresenta cenas da época do nascido em Goiânia e que começou a jogar futebol
regime militar: posse de presidentes, propagandas aos cinco anos. Jogou mais tarde no Botafogo. Hojé
governamentais, copa do mundo de futebol (1970), é corretor de imóveis no Queens, bairro de Nova
construção da Transamazônica, entre outras. Iorque. É a trajetória de um homem dividido entre
duas (im)possibilidades de sucesso, na terra onde
Cartão Vermelho sucesso é o que mais conta. Esta é uma abreviação
1994. São Paulo, SP. ficha técnica: curta-metragem, cinematográfica de sua história.
14 min, cor. Direção: Laís Bodanzky. Elenco: Camila
Kolber. Decisão
Menina de 12 anos gosta de jogar bola com os 1998. Leila Hipólito. Ficção, comédia.
garotos. Ela joga bem, sabe driblar e chutar em Rapaz tenta conciliar namoro com futebol. Para levar
gol, mas é discriminada pelos meninos. a namorada ao balé e, ao mesmo tempo, acompa-
456 nhar o jogo do Flamengo, é obrigado a entrar no te- 457
O Efeito Ilha atro com um walkman e ouvir a partida escondido.
1994. Luis Alberto Pereira. Durante a copa do mun-
do, um raio atinge um técnico de televisão, que Uma Aventura do Zico
passa a ser transmitido a todos os lares 24 horas por 1998. Rio de Janeiro, RJ. Direção de Antonio Carlos
dia, impedindo, inclusive, a transmissão dos jogos. Fontoura.
Filme que ficcionaliza a vida de Zico, o maior ídolo
Todos os Corações do Mundo da história do Flamengo.
1996. Murilo Salles. Longa-metragem, cor. Docu-
mentário oficial da Fifa sobre a copa do mundo de Boleiros, Era uma Vez o Futebol
1994, nos Estados Unidos, vencida pelo Brasil, nos 1998. São Paulo, SP. Direção de Ugo Giorgetti.
pênaltis, contra a Itália. Não se limita a mostrar os Ficção.
melhores momentos do torneio, mas transforma-se Os boleiros do título são antigos profissionais do
numa celebração ritualística do jogo da bola. futebol que se reúnem num bar e trocam recor-
dações do tempo em que atuavam. A partir dessa
Russo‘s Way ā Russo e seu Caminho situação original são contadas seis histórias típicas,
1998. Curitiba, PR. ficha técnica: produção, direção a do juiz ladrão, a do antigo ídolo obrigado a ven-
e roteiro: Ricardo Carvalho; companhia produtora: der suas medalhas para sobreviver, a do jogador
negro vendido para o exterior mas mesmo assim Histórias do Flamengo
parado pela polícia, como suspeito por estar diri- 1999. Rio de Janeiro, RJ. Direção: Alexandre Nie-
gindo um automóvel caro, etc. meyer.
Com imagens de arquivo do Canal 100, de Carlos
Uma História de Futebol
Niemeyer, o filme revive a história do Flamengo,
1998. São Paulo, SP. ficha técnica: produção: Pau-
mostrando gols e trazendo depoimentos de joga-
lo Machline e Tony Gil; direção: Paulo Machline;
dores como Adílio, Júnior, Romário, Rondinelli,
roteiro: José Roberto Torero, Maurício Arruda e
entre outros, além de entrevistar torcedores.
Paulo Machline; companhia produtora: Um Fil-
mes; colorido/p&b; 35 mm; curta-metragem; 21 Rádio Gogó
min; Ficção. Narração: Antonio Fagundes. elenco: 1999. Salvador, BA. ficha técnica: direção e rotei-
José Rubens Chachá, Marcos Leonardo Delfino, ro: José Araripe Jr.; companhia produtora: Truq
Eduardo Santos, Magda Miranda, Tina Rinaldi, Produtora de Cinema TV e Vídeo; colorido; 35
André Di Maio, Frederico Betcher, Anselmo Stocco mm; curta-metragem; 20 min; Ficção. elenco: Caco
e Leonardo Pazzini Barcelos. Monteiro, Isabel Marinho, Karina Santos, Riachão
458 História real de um final de campeonato de várzea e Manoel Bonfim. 459
entre dois times infantis, no interior de São Paulo, A paixão de Gogó (Caco Monteiro) por futebol
em 1950. Dois meninos de nove anos de idade par- não tinha limite. Carioca, vai morar na Bahia. Sua
tilham uma grande amizade. Um deles será Pelé. vida era narrar partidas de futebol de bairro, no
O outro ficou no local para contar esta história. futebolês, os babas de rua. Sonhava em ter sua
Narrado por Zuza, amigo de infância de Dico (mais própria rádio, a Rádio Karioca, mas seu veículo
tarde conhecido como Pelé), a história acontece em mesmo era uma kombi. Depois de narrar espetacu-
Bauru, em 1950: o Sete de Setembro irá enfrentar larmente a final da copa de 94, na qual o Brasil sa-
seu maior rival, o Barão de Noroeste. gra-se campeão, Gogó revela um segredo mantido
a sete chaves, desde 1970. Na final da copa de 94
Futebol ele trama uma grande pirataria.
1998. Rio de Janeiro, RJ. Direção de Arthur Fontes
e João Moreira Salles. Xadrez
Três episódios mostrando os diferentes estágios da 1999. Porto Alegre, RS. ficha técnica: direção:
carreira: o garoto que sonha jogar num grande clu- Vinícius Nora; companhia produtora: Carrion
be, o atleta que assina seu primeiro contrato e o ex- Factory Cinema & Vídeo; colorido; Super-8; curta-
craque que administra sua vida longe dos estádios. metragem; 3 min; Animação.
Após uma discussão, peças de um tabuleiro de xa- frente da televisão, enquanto Geci acha que ele
drez resolvem tudo em uma partida de futebol. deve procurar trabalho. Os dois brigam e a televi-
são de Valdir acaba quebrada. Valdir sai nervoso
Iremos a Beirute
de casa e vai para um bar onde encontra muita
1999. Fortaleza, CE. Direção: Marcus Moura. Uma
cachaça e um homem solitário chamado Juvenal.
partida de futebol é interrompida por um acon-
Desse encontro resulta O Negócio. Valdir troca sua
tecimento trágico e é retomada 20 anos depois.
mulher pela televisão de Juvenal. Assim poderá ver
Uma mulher, dividida entre dois homens, promete
a copa do mundo. Mas o que Geci acha disso?
se decidir por um deles, segundo o resultado do
jogo. Anos 2000
Nós que Aqui Estamos por Vós Esperamos O Mundo Segundo Silvio Luiz
1999. São Paulo, SP. Direção: Marcelo Masagão. 2000. São Paulo, SP. ficha técnica: produção: Caro-
Visão do século 20 a partir da justaposição de frag- lina Agabiti e Fábio Silvestre; direção, argumento
mentos de vários filmes. Numa delas, o bailado de e roteiro: André Francioli; companhia produtora:
460 Fred Astaire com um cabide é comparado ao jogo ECA/USP; colorido; 16 mm; curta-metragem; 6 min; 461
de pernas de Mané Garrincha. Ficção. elenco: Adolfo Moura, Eduardo Scatolin,
O Negócio Roberta Estrela D’Alva e Zilio.
1999. Porto Alegre, RS. ficha técnica: produção: Um homem esquece uma mala num ponto de ôni-
Flávia Seligman, Gisele Jacques e Aletéia Selonk; bus. Um corintiano que também esperava no ponto
direção: Diego Azevedo de Otero, Roberto Tietz- tenta entregá-la, mas o ônibus vai embora. Começa
mann e Aletéia Selonk; dip: Aletéia Selonk e Gi- uma partida de futebol, que o corintiano acompa-
selle Jacques; roteiro: Diego Azevedo de Otero; nha pelo radinho de pilha, segurando a mala. Ele
companhia produtora: Curso de Especialização em se imagina em pleno estádio, aos beijos com uma
Produção de Cinema da Famecos/PUC-RS; colorido; morena, enrolados na rede do gol. Um músico toca
16 mm; curta-metragem; 14 min; Ficção. elenco: gaita de fole numa arquibancada, enquanto uma
Deborah Finocchiaro, Carlos Azevedo, Carlos bailarina faz evoluções. Com a visão filtrada pelo
Cunha, Lurdes Eloy. futebol, o locutor esportivo Sílvio Luiz faz a narra-
copa do mundo de 1998, o Brasil inteiro só pensa ção, em off, de uma série de situações cômicas que
em futebol e no pentacampeonato. Na casa de envolvem futebol, torcida e até dirigentes e usa o
Valdir e Geci não é diferente. Valdir não sai da improviso para contornar a surpresa e o vazio.
Bodas de Campeonato A Turma do Gol
2001. Belo Horizonte, MG. ficha técnica: direção: 2000. Paulo Mariotti e Renato Bulcão. Animação
Adilson Bernardo Silvestre; roteiro: Ana Cláudia sobre um menino pobre que deseja fundar um time
Resende Meana e Carlos Henrique de Campos; de futebol e subir na vida para ajudar a família
companhia produtora: IEC/PUC Minas; colorido; 35 Linha Burra
mm; curta-metragem; 10 min; Ficção. 2000. São Paulo, SP. ficha técnica: produção e rotei-
O aniversário de casamento de um casal coincide ro: Thiago Oliveira; direção e montagem: Thiago
com a final de um campeonato brasileiro de fute- Oliveira e Diogo Miranda; companhia produtora:
bol. A romântica esposa espera pela comemoração Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP;
das bodas, enquanto o marido torce fanaticamen- colorido; 16 mm; curta-metragem; 5 min; Ficção.
te pela vitória de seu time. A narração do jogo é elenco: Lua Gabanini e Cadu Torres.
misturada com o conflito do casal. Durante a discussão com a namorada, rapaz sonha
que está jogando uma partida de futebol.
O Jeito Brasileiro de ser Português
2001. Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção: Bicho de Sete Cabeças
462 463
Maria Correa e Castro e Jota Farias; direção e 2000. São Paulo, SP. Direção de Laís Bodanzky.
roteiro: Gustavo Melo; animação: Allan Rabelo; Aqui o futebol aparece de maneira secundária
quando o pai (Othon Bastos) tenta se reaproximar
fotografia: Dib Lutfi; companhia produtora: Grupo
do filho (Rodrigo Santoro), levando-o a um jogo de
Nós do Morro; colorido; 35 mm; curta-metragem;
futebol. Por curiosidade, o time pelo qual torcem
15 min; Ficção. elenco: Flávio São Thiago, Márcia é o Santos Futebol Clube.
Frederico, Lucas Valentim, Lúcio Andrey, Nello Ma-
nese, Wendel Barros, Amir Haddad, Guti Fraga. Meia Encarnada Dura de Sangue
A história do filme é toda narrada por um sujeito 2001. Jorge Furtado. Especial apresentado na TV
que não está muito satisfeito com o sucesso que Globo, baseado em conto homônimo de Lourenço
Manoel e sua família obtêm após a instalação Cazarré. Jogador negro tem de escolher entre o
de uma TV a cabo/antena em seu bar-quitanda time pobre em que joga e o time dos ricos, que lhe
oferecem uma casa como recompensa.
dum subúrbio carioca. A instalação é feita após
a interrupção dos jogos televisionados para a TV O Casamento de Louise
aberta para que seus fiéis fregueses pudessem ver 2001. Brasília, DF. Direção: Betse de Paula; longa-
os principais jogos do campeonato brasileiro. metragem, cor, ficção. Comédia.
Jogador chega a uma festa para ver sua ex-mulher, Ficção, baseada no livro de Dráuzio Varella, sobre
empregada em uma mansão e descobre que tem o cotidiano dos detentos na mais famosa prisão de
de disputá-la com um maestro sueco, que se apai- São Paulo até o massacre de 1991, quando mor-
xonou por ela, sua feijoada e suas caipirinhas. reram 111 presos. Também neste filme o futebol
aparece de maneira incidental, mas é responsável
Zico
por uma das sequências mais emocionantes, quan-
2002. Rio de Janeiro, RJ. Direção: Eliseu Ewald.
do os presos disputam a final de campeonato da
Documentário que conta a vida de Artur Antunes
penitenciária e, antes do jogo, se perfilam para o
Coimbra, da infância em Quintino até o sucesso
Hino Nacional Brasileiro.
no Flamengo e na seleção. Filme que mescla cenas
documentais com outras reconstituídas por atores Cidade de Deus
interpretando personagens reais. Cláudio Fontana 2003. São Paulo, SP. Direção de Fernando Meirelles.
vive o Zico adulto. Também o futebol entra en passant nessa história
de violência e tráfico de drogas adaptada do livro
Fluminense Football Club ā Centenário de uma
homônimo de Paulo Lins. Mas são de um jogo de
Paíxão
464 bola, num campo de terra, as primeiras cenas do 465
2002. Direção: Marcelo Santiago; pesquisa: Rober-
filme, quando os personagens são apresentados
to Assaf; textos: Nelson Rodrigues; apresentação:
à platéia.
Pedro Bial. Companhia produtora: Produções
Cinematográficas L.C. Barreto/Filmes do Equador. Casseta e Planeta ā a Taça do M undo É Nossa
Ficha técnica: média-metragem, cor/p&b. 2003. Rio de Janeiro, RJ. Direção: Lula Buarque de
Documentário sobre a história do clube carioca, Holanda.
fundado em 1902 por Oscar Cox, um dos pioneiros Durante os anos 70, revolucionários roubam a Taça
do futebol brasileiro. Depoimentos de torcedores, Jules Rimet para protestar contra a ditadura. Comé-
personalidade e craques, cenas de jogos atuais e dia anárquica da turma do Casseta & Planeta.
do passado, com textos do torcedor mais ilustre,
o dramaturgo Nelson Rodrigues. Garrincha ā a Estrela Solitária
2003. Rio de Janeiro. Direção de Milton Alencar.
Carandiru Longa-metragem, cor, ficção.
2003. São Paulo, SP. Direção: Hector Babenco. O jogador é interpretado pelo ator André Gon-
Longa-metragem, cor. çalves nessa tentativa de reconstruir a sua vida,
desde a infância pobre em Pau Grande, o estrelato
no Botafogo e na seleção, a sua ligação com Elza de um corintiano fanático que se apaixona por
Soares, a decadência e a morte prematura, causa- uma palmeirense.
da pelo vício do álcool. Baseado na biografia do
jogador escrita por Ruy Castro. Preto contra Branco
2005. São Paulo, SP. Direção; Wagner Morales.
Futebolisticamente Média-metragem, cor.
2004. Daniel Boesel e Rodolfo Pelegrin. Curta- Documentário que revela uma tradicional parti-
metragem, cor, ficção. da de futebol em Heliópolis, São Paulo, na qual
Inspirado no livro Febre de Bola, de Nick Hornby, brancos jogam contra negros. Parte do programa
torcedor fanático do Arsenal, o filme mostra a tra- DocTV, do Ministério da Cultura.
jetória de um são-paulino, cujas desgraças pessoais
coincidem com as derrotas do Corinthians, time O Dia em que o Brasil Esteve Aqui
para o qual sua namorada torce. 2005. Caíto Ortiz e João Dornelas. Longa-metra-
gem, cor.
Pelé Eterno Documentário sobre a ida da seleção brasileira ao
2004. São Paulo, SP. Direção: Anibal Massaini. Haiti, para o Jogo da Paz. Mostra o prestígio dos
466 467
Longa-metragem, cor/p&b. jogadores da seleção, em especial Ronaldo. O filme
Documentário sobre a vida e a obra do rei do futebol. contém cenas do jogo, mas também os bastidores
Inclui cerca de 400 gols, jogos pelo Santos e pela se- da ida da seleção a um país conflagrado e ocupado
leção, histórias, como a do milésimo gol, etc. Mostra militarmente, inclusive por forças brasileiras.
também, cenas de família, cerimônias oficiais, etc.
Os Fiéis
O Rio de Jano
2003. São Paulo, SP. ficha técnica: direção e roteiro:
2004. Rio de Janeiro, RJ. Direção: Eduardo Souza
Danilo Solferini; companhia produtora: Fundação
Lima, Renata Baldi e Anna Azevedo.
Armando Álvares Penteado – FAAP; colorido; 35 mm;
Documentário sobre a relação do cartunista francês
curta-metragem; 17 min; Ficção. elenco: Gustavo
Jano com a cidade do Rio de Janeiro. Inclui cenas
Brandão, João Bresser e Donizete Mazonas.
no Maracanã, onde o artista foi assistir a jogos do
Três amigos contam as aventuras vividas durante
Flamengo.
uma famosa partida de futebol, Corinthians e Flu-
O Casamento de Romeu e Julieta minense, pelo Campeonato Brasileiro de 1976. As
2005. Rio de Janeiro, RJ. Direção: Bruno Barreto. lembranças, a euforia e a sensação de viverem um
Baseado em conto de Mário Prata, conta a história momento histórico, a invasão corintiana ao Maraca-
nã. O depoimento é entrelaçado por fragmentos de do próprio Odbúlio, que morreu em 1996 e tam-
suas memórias da viagem para o Rio de Janeiro. bém em texto de Eduardo Galeano, que narra o
episódio no livro Futebol ao Som e à Sombra.
Ginga
2005. São Paulo, SP. Direção: Hank Levine, Tocha Sonho de Bola (Sogni di Cuio)
Alves, Marcelo Machado. Longa-metragem, cor, 2005. Brasil/Itália. Direção: César Meneghetti e
documentário. Elisabetta Paindemiglio. Longa-metragem, cor,
Filme patrocinado pela Nike sobre a arte do drible Documentário.
no futebol brasileiro. Reúne jogadores famosos, O filme acompanha a aventura de 23 jovens jo-
como Robinho e Falcão e anônimos, que jogam gadores argentinos e uruguaios, todos de origem
nas peladas, além de outros, que buscam uma italiana em Fiorenzuola, uma pequena cidade ita-
oportunidade num grande clube. O filme ficou liana. O projeto era fazer um time integralmente
marcado pelo veto do Corinthians às pedaladas sul-americano e, ao mesmo tempo, inteiramente
que Robinho aplicou no lateral Rogério, na final europeu, pois todos são comunitários. Levar o time
do Brasileirão de 2002. da terceira à primeira divisão e ganhar com a nego-
468 469
Boleiros 2 ā Vencedores e Vencidos ciação dos atletas. Quem dirige o time é o campeão
2006. São Paulo, SP. Direção: Ugo Giorgetti. Longa- mundial pela Argentina, Mario Kempes.
metragem, cor, ficção. Papão de 54 ā a Trajetória Gloriosa do Renner, o
O Bar do Aurélio, tradicional reduto dos boleiros Time dos Industriários
agora tem um novo sócio, o pentacampeão Marqui- 2005. Porto Alegre, RS. Direção e argumento de
nhos, que joga no Roma e vem fazer uma visita ao
Alexandre Derlam. Longa-metragem, cor. Docu-
estabelecimento. No filme, as histórias dos velhos
mentário.
jogadores se mesclam aos novos personagens do
Em 1954, um time chamado Grêmio Esportivo Ren-
mundo do futebol, em especial os empresários.
ner foi campeão gaúcho. Durante décadas o clube
A Noite do Capitão foi o único a conseguir ser campeão do Estado,
2006. Direção: Adolfo Lachtermacher. Curta-me- com exceção da dupla Gre-Nal. Essa marca só seria
tragem, cor, ficção. quebrada no final da década de 90 por Juventu-
Registra o passeio de Obdúlio Varela pela noite de e Caxias. O Renner funcionava nos moldes do
carioca depois da vitória do Uruguai sobre o Brasil clube-empresa, com muitos dos jogadores sendo
na final da copa de 1950. Baseado em depoimentos funcionários das fábricas do grupo Renner.
Como Se Fosse Ontem e depoimentos de outros jogadores, como Dudu,
2005. Vitória, ES. ficha técnica: direção: Gustavo Oberdã Catani, César, Sócrates, entre outros.
Moraes e Roberto Seba; colorido; 35 mm; curta-
metragem; 6 min; Ficção. Linha de Passe (em produção)
Dois adultos, um homem e uma mulher, relatam 2006. Rio de Janeiro, RJ. Direção: Walter Salles e
aparentemente para a câmera suas versões de um Daniela Thomas. Longa-metragem, cor, ficção.
mesmo acontecimento do passado: a final de um Quatro meninos da periferia de São Paulo buscam
escapar da pobreza por meio do futebol.
campeonato de futebol de bairro, quando eles
mesmos se conheceram e se apaixonaram. Goleiro (em produção)
2006. Cao Hamburger.
A Odisséia Musical de Gilberto Mendes
Anos 70, com suas crises e repressão política, vistas
2005. São Paulo, SP. Direção: Carlos Mendes. Longa-
pelos olhos de um menino que joga de goleiro em
metragem, cor.
seu timinho.
Documentário sobre o compositor de vanguarda
Gilberto Mendes, que tem o ponto alto na execu- O Maior Amor do Mundo (em produção)
470 ção de sua peça sinfônica Santos Football Music. 2006. Rio de Janeiro, RJ. Direção: Cacá Diegues. 471
Longa-metragem, cor, ficção. Elenco: José Wilker
Berlinball e Taís Araújo.
2006. Rio de Janeiro, RJ. Direção: Anna Azevedo. Seqüência de imagens velozes em que a trágica
Documentário sobre Marcelinho Paraíba, jogador partida final da copa de 50, Brasil x Uruguai, des-
do Hertha Berlim e sua influência sobre a garotada ponta como fio condutor dramático, alternando-se
da sua cidade natal, Campina Grande, que sonha com a agonia de Antonio, o protagonista, vivido
seguir os passos do ídolo em terra alemã. por Wilker.
Um Craque Chamado Divino ā Vida e Obra de
Ade mir da Guia
2006. Florianópolis, SC. Direção: Penna Filho.
Longa-metragem, cor.
Documentário sobre o maior ídolo da história
do Palmeiras, enfocando sua trajetória desde o
Bangu, até os 16 anos em que ficou no time do
Parque Antártica. Mostra gols e jogadas do craque
Bibliografia do 1º Tempo

Ą Agostino, Gilberto. Vencer ou Morrer, Mauad,


Rio, 2002

Ą Almeida Prado, Décio. Seres, Coisas, Lugares,


Companhia das Letras, São Paulo, 1997

ĄAntunes, Fátima Martin Rodrigues Ferreira. Com


Brasileiro Não Há Quem Possa, Unesp, São Paulo,
2004

Ą Artundo, Patricia. Mario de Andrade e a Argen-


tina, Edusp/Fapesp, 2004

ĄAssaf, Roberto. Banho de Bola, Relume Dumará,


473
Rio, 2002

ĄAttali, Jacques. Dicionário do Século XXI, Record,


Rio, 2001

Ą Augusto, Sérgio. Botafogo – Entre o Céu e o


Inferno, Ediouro, Rio, 2004

ĄBaggio, Luiz Fernando. copas do mundo – Histó-


rias e Estatísticas, Axcel, Rio, 2006

ĄBarreto, Lima. Melhores Crônicas, Global, Rio, 2005

Ą Bellos, Alex. Futebol – o Brasil em Campo, Jorge


Zahar, Rio, 2002

Ą Bernardet, Jean-Claude, Brasil em Tempo de


Cinema, Paz e Terra, Rio, 1978
Bernardet, Jean-Claude, Cineastas e Imagens do Ą Giacomini, Conrado. São Paulo, Dentre os Gran-
Povo, Companhia das Letras, São Paulo, 2003 des, És o Primeiro, Ediouro, Rio, 2005

Bernardet, Jean-Claude, Historiografia Clássica do ĄGomes, Paulo Emilio Salles. Cinema: Trajetória no
Cinema Brasileiro. Annablume, São Paulo, 1995 Subdesenvolvimento, Paz e Terra, Rio, 1986

ĄBilharinho, Guido. Cem Anos de Cinema Brasilei- Ą Liguori, Guido & Smargiasse, Antonio – Ciak, si
ro, Editora do Triângulo Mineiro, Uberaba, 1998 Gioca!, Baldini e Castoldi, Milano, 2000

Ą Castello, José. Pelé – Os Dez Corações do Rei, Ą M achado, Alcântara. Brás, Bexiga e Barra Funda
Ediouro, Rio, 2003 & Laranja da China, O Globo, Rio, s/d

Ą Castro, Ruy. Flamengo, O Vermelho e o Negro, Ą M attos, Cyro de (org.). Contos Brasileiros de Fu-
Ediouro, Rio, 2004 tebol, LGE, Brasília, 2005

Ą Castro, Ruy. A Estrela Solitária – Um Brasileiro Ą M auad, Maurício. Futebol e Cinema no Brasil
474 Chamado Garrincha, Companhia das Letras, São (1908-1998) in Costa, Márcia Regina. Futebol: Es- 475
Paulo, 1999 petáculo do Século. Musa Editora, 1999.

ĄCunha, Odir. Time dos Sonhos – História Completa ĄM áximo, João. Brasil: um Século de Futebol, Arte
do Santos F.C, Códex, 2003 e Magia. Aprazível Edições, Rio, 2006

ĄEspírito Santo, Michel do – O Futebol no Cinema Ą M elo, Luís Alberto Rocha. Alma e Corpo de uma
Brasileiro. Revista Filme Cultura nº 26, setembro Raça in Cinédia – 75 Anos. Catálogo da mostra
de 1974 organizada no Centro Cultural Banco do Brasil,
2006
Ą Fausto, Boris. História Concisa do Brasil, Edusp,
São Paulo, 2001 Ą M elo, Victor Andrade de. Esporte e Cinema:
Diálogos, UFRJ, Rio, 2004. Relatório de pesquisa
Ą Fabris, Mariarosaria. Nelson Pereira dos Santos, (pós-Doutorado em Estudos Culturais), disponível
um Olhar Neo-realista em www.ceme.eefd.ufrj.br/cinema

Ą Galeano, Eduardo. Futebol ao Sol e à Sombra, Ą M elo, Victor Andrade de & Faria Peres, Fábio. O
L&PM, Porto Alegre, 2004 Esporte vai ao Cinema, Senac, São Paulo, 2005
Ą M iranda, Luis Felipe. Dicionário de Cineastas Ą Salem, Helena. Nelson Pereira dos Santos – o
Brasileiros, Art Editora, 1990 Sonho Possível do Cinema Brasileiro

ĄM oniz Vianna, Antonio. Um Filme por Dia, Com- ĄSilva Neto, Antonio Leão da. Dicionário de Filmes
panhia das Letras, São Paulo, 2004 Brasileiros, São Paulo, 2002

ĄM oraes Neto, Geneton. Dossiê 50, Objetiva, Rio, ĄSimis, Anita (org.). Cinema e Televisão durante a
Ditadura Militar: Depoimentos e Reflexões, Cultura
2000
Acadêmica, São Paulo, 2005
Ą Nadale, Marcel. Djalma Limongi Batista – Livre
ĄSouza, Carlos Roberto de. Nossa Aventura na Tela,
Pensador, Imprensa Oficial, São Paulo, 2005 Cultura Editores Associados, São Paulo, 1998
Ą Pasolini, Pier Paolo – Il Calcio è un Linguaggio
com i suoi Poeti e Prosatori. In Saggi sulla Letteratu-
ra e sull’arte, Meridiani Mondadori, Milano, 1999
476 477
Ą Perdigão, Paulo. Anatomia de Uma Derrota,
L&PM, Porto Alegre, 2000

Ą Ramos, Fernão (org). História do Cinema Brasi-


leiro, Art Editora, São Paulo, 1990

Ą Ribeiro, André. O Diamante Eterno – Biografia


de Leônidas da Silva, Gryphus, 1999

ĄRodrigues, Mário Filho. O Negro no Futebol Bra-


sileiro, Mauad, Rio de Janeiro, 2003

ĄRodrigues, Nelson. À Sombra das Chuteiras Imor-


tais, Companhia das Letras, São Paulo, 2002

ĄRosenfeld, Anatol. O Futebol no Brasil. In Revista


Argumento, fevereiro de 1974
Índice
Apresentação - Hubert Alquéres 5
Agradecimentos 13
Introdução 15
Primeiro Tempo 29
Dos Primeiros Bate-bolas na Tela
à catástrofe de 1950 29
O Ópio do Povo 83
Batendo Bola nos Anos de Chumbo 135
O Jogo do Mundo 185
Segundo Tempo 265
As Entrevistas 265
Filmografia 373
Bibliografia do 1º Tempo 473
Crédito das fotografias Coleção Aplauso
Clóvis Ferreira/AE 42 Perfil
Bueno/AE 74
Anselmo Duarte - O Homem da Palma de Ouro
cena do filme A Falecida Luiz Carlos Merten
(dir. Leon Hirszman/Eduardo Coutinho) 101
Aracy Balabanian - Nunca Fui Anjo
cenas de Subterrâneos do Futebol Tania Carvalho
(dir. Maurice Capovilla) 116,117, 292, 293 Bete Mendes - O Cão e a Rosa
cena de O Rei Pelé (dir. Carlos Hugo Christensen) 130 Rogério Menezes
cena de Pra Frente Brasil (dir. Roberto Farias) 148 Carla Camurati - Luz Natural
Carlos Alberto Mattos
cenas de Passe Livre (dir. Oswaldo Caldeira) 165, 166
Carlos Coimbra - Um Homem Raro
cenas de Asa Branca Luiz Carlos Merten
(dir. Djalma Limongi Batista) 175, 176, 177
Carlos Reichenbach -
cenas de Boleiros (dir. Ugo Giorgetti) 199, 201, 202
O Cinema Como Razão de Viver
cenas de Boleiros 2 (dir. Ugo Giorgetti) 243, 244, 246 Marcelo Lyra 481

cenas de Futebol Cleyde Yaconis - Dama Discreta


(dir. João Moreira Salles) 205, 206, 207, 208 Vilmar Ledesma
cena de Uma Aventura de Zico David Cardoso - Persistência e Paixão
(dir. Antonio Carlos da Fontoura) 224 Alfredo Sternheim
Djalma Limongi Batista - Livre Pensador
cena de Uma História de Futebol
Marcel Nadale
(dir. Paulo Machline) 231
Etty Fraser - Virada Pra Lua
cenas de O Casamento de Romeu e Julieta Vilmar Ledesma
(dir. Bruno Barreto) 234, 235 Gianfrancesco Guarnieri - Um Grito Solto no Ar
cena de O Dia em que o Brasil Esteve Aqui Sérgio Roveri
(dir. Caito Ortiz/João Dornelas) 239 Helvécio Ratton - O Cinema Além das Montanhas
cenas de Ginga (dir. O2 Produções) 249, 250 Pablo Villaça
Thiago Queiroz/AE 339, 342 Ilka Soares - A Bela da Tela
Wagner de Assis
As demais fotografias pertencem a DIVULGAÇÃO/
Irene Ravache - Caçadora de Emoções
Agência Estado Tania Carvalho
João Batista de Andrade - Sonia Oiticica - Uma Atriz Rodrigueana?
Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria Thereza Vargas
Maria do Rosário Caetano Ugo Giorgetti - O Sonho Intacto
John Herbert - Um Gentleman no Palco e na Vida Rosane Pavam
Neusa Barbosa Walderez de Barros - Voz e Silêncios
José Dumont - Do Cordel às Telas Rogério Menezes
Klecius Henrique
Niza de Castro Tank - Niza Apesar das Outras
Sara Lopes Especial
Paulo Betti - Na Carreira de um Sonhador Dina Sfat - Retratos de uma Guerreira
Teté Ribeiro Antonio Gilberto
Paulo Goulart e Nicette Bruno - Tudo Em Família Gloria in Excelsior - Ascensão, Apogeu e Queda do
Elaine Guerrini Maior Sucesso da Televisão Brasileira
Paulo José - Memórias Substantivas Álvaro Moya
Tania Carvalho Maria Della Costa - Seu Teatro, Sua Vida
Reginaldo Faria - O Solo de Um Inquieto Warde Marx
Wagner de Assis Ney Latorraca - Uma Celebração
482 Renata Fronzi - Chorar de Rir Tania Carvalho 483
Wagner de Assis Sérgio Cardoso - Imagens de Sua Arte
Renato Consorte - Contestador por Índole Nydia Licia
Eliana Pace
Rodolfo Nanni - Um Realizador Persistente
Neusa Barbosa Cinema Brasil
Rolando Boldrin - Palco Brasil Bens Confiscados
Ieda de Abreu Roteiro comentado pelos seus autores
Rosamaria Murtinho - Simples Magia Carlos Reichenbach e Daniel Chaia
Tania Carvalho Cabra-Cega
Rubens de Falco - Um Internacional Ator Brasileiro Roteiro de DiMoretti, comentado por Toni Venturi
Nydia Licia e Ricardo Kauffman
Ruth de Souza - Estrela Negra O Caçador de Diamantes
Maria Ângela de Jesus Vittorio Capellaro comentado por Maximo Barro
Sérgio Hingst - Um Ator de Cinema A Cartomante
Maximo Barro Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis
Sérgio Viotti - O Cavalheiro das Artes Casa de Meninas
Nilu Lebert Inácio Araújo
O Caso dos Irmãos Naves © 2006
Luís Sérgio Person e Jean-Claude Bernardet
Como Fazer um Filme de Amor
José Roberto Torero Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
De Passagem
Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Oricchio, Luiz Zanin.
Dois Córregos Fome de bola : cinema e futebol no Brasil / por Luiz
Carlos Reichenbach Zanin Oricchio. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado,
2006.
A Dona da História 488p. : il. - (Coleção aplauso. Série cinema Brasil / coorde-
Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho nador geral Rubens Ewald Filho).
O Homem que Virou Suco ISBN 85-7060-233-2 (Obra completa) (Imprensa Oficial)
Roteiro de João Batista de Andrade por Ariane Abdallah e ISBN 85-7060-453-X (Imprensa Oficial)
Newton Cannito
1. Futebol no cinema – Brasil - História 2. Cinema
Narradores de Javé – Brasil I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série.
Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu
CDD – 791.430 981

484
Teatro Brasil Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : Futebol no cinema : História 791.430 981
Alcides Nogueira - Alma de Cetim
Tuna Dwek Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional
(Lei nº 1.825, de 20/12/1907).
Antenor Pimenta e o Circo Teatro Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98
Danielle Pimenta
Luís Alberto de Abreu - Até a Última Sílaba
Adélia Nicolete
Trilogia Alcides Nogueira - ÓperaJoyce -
Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso -
Pólvora e Poesia
Alcides Nogueira

Imprensa Oficial do Estado de São Paulo


Ciência e Tecnologia
Rua da Mooca, 1921 - Mooca
Cinema Digital 03103-902 - São Paulo - SP - Brasil
Luiz Gonzaga Assis de Luca Tel.: 11 6099-9800
Fax: 11 6099-9674
www.imprensaoficial.com.br/lojavirtual
e-mail: livros@imprensaoficial.com.br
SAC 0800-0123401
Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site
w w w.imprensaoficial.com.br/lojavirtual
Fome de Bola capa.indd 1

Você também pode gostar