Fome de Bola - Cinema - Futebol
Fome de Bola - Cinema - Futebol
Fome de Bola - Cinema - Futebol
1/6/2006 18:28:25
Fome de Bola
Coleção Aplauso Cinema Brasil lizar esse trabalho de aproximação junto a nossos
Coordenação Geral Rubens Ewald Filho biografados. Em entrevistas e encontros sucessivos
Coordenação Operacional
e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana
foi-se estreitando o contato com todos. Preciosos
Projeto Gráfico Carlos Cirne arquivos de documentos e imagens foram abertos
Assistência Operacional Andressa Veronesi
Tratamento de Imagens José Carlos da Silva
e, na maioria dos casos, deu-se a conhecer o univer-
Revisão Amancio do Vale so que compõe seus cotidianos.
Dante Corradini
Sárvio N. Holanda
A decisão em trazer o relato de cada um para a
primeira pessoa permitiu manter o aspecto de tradi-
ção oral dos fatos, fazendo com que a memória e
toda a sua conotação idiossincrásica aflorasse de
maneira coloquial, como se o biografado estivesse
falando diretamente ao leitor.
Hubert Alquéres
Diretor-presidente da
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
10
Luiz Zanin
Agradecimentos
imaginar que esse esporte e essa forma de entrete- pai que não quer que ele siga a carreira de jogador
nimento (porque no início o cinema não era ainda de futebol. O jovem resolve treinar no Fluminense
uma arte) teriam tudo para dar-se as mãos e iniciar e, com o dinheiro ganho, custeia as despesas do
um diálogo intenso. Mas será que foi assim? curso de Medicina.
Quando comentei o desejo de escrever um livro Nos comentários da época, lê-se que o filme se
sobre a presença do futebol no cinema brasileiro, beneficia da febre do futebol, propagada pela
o documentarista João Moreira Salles riu e disse copa do mundo de 1938, aquela mesma que o
que seria o mesmo que fazer uma pesquisa sobre Brasil perdeu, mas revelando ao mundo a magia
as escolas de samba de Tóquio, tão pobre seria o de Leônidas da Silva, artilheiro do torneio com
material disponível. oito gols.
De fato, à primeira vista o cinema tratou mal a Já na década seguinte, aparece Gol da Vitória, um
grande paixão dos brasileiros. Tão socialmente longa-metragem de 1946, dirigido pelo cineasta
enraizado é o jogo da bola entre nós que deveria José Carlos Burle. Trata-se de uma produção da
ter rendido filmes memoráveis e em quantidades Atlântida com Grande Otelo no papel do jogador
Laurindo, personagem que, em muitas cenas, com o mesmo nome. Outro desses filmes dedica-
lembra passagens da vida de Leônidas, ainda o se menos a um jogo em si do que ao formidável
futebolista da hora. quebra-quebra que sobreveio no Parque Antárctica
depois de um malsinado (sic) Paulistas x Cariocas. A
Isso no cinema de ficção. Mas, como lembra o en- copa do mundo de 1938, realizada na França, teve
saísta Jean-Claude Bernardet, os filmes de enredo, seus principais jogos documentados, e eles eram
aqueles que contam uma historinha com princípio, exibidos nos cinemas muito tempo depois de terem
meio e fim, eram antes as exceções do que a regra sido disputados. Apesar de o Brasil haver perdido
nos primeiros tempos do cinema brasileiro. a semifinal para a Itália, o cinema registra a recep-
ção entusiástica aos jogadores, capitaneados pelo
O grosso da produção, naquela época, eram os
grande ídolo Leônidas. Nesse torneio, o Brasil foi
filmes que hoje chamaríamos de documentais – os
desclassificado por causa de um pênalti discutível
cinejornais de atualidades, os filmes de cavação
cometido por Domingos da Guia no atacante ita-
ou encomenda, registros do cotidiano, todos eles
liano Piola. Pois bem: realizou-se um filme para
exibidos com pompa e circunstância nas casas de
tratar exclusivamente desse lance decisivo. Teria
20 espetáculos e variedades, os cinemas de então. 21
sido pênalti ou não? O juiz roubara o Brasil?
E, buscando esses pequenos documentários, nos
Tudo isso para dizer que o futebol interessou ao
damos conta da riqueza do material filmado sobre
cinema, sim, e muito, e desde os primeiros tempos.
futebol. Esses modestos filmetes registram um sem-
O problema é que a maior parte dessas películas se
número de jogos, através dos quais poderíamos
perdeu. Cinema é memória perecível, ainda mais
refazer toda a história inicial do futebol no Brasil.
a daquele tempo, acumulada em nitrato, material
A começar por um mais do que simbólico Brasil x
altamente inflamável. Não temos notícias de mui-
Argentina, de 1908, considerado o primeiro do-
tos desses filmes, a não ser por vias indiretas, como
cumentário sobre o futebol realizado no País. A
registros em periódicos ou nas empresas exibidoras.
rivalidade latino-americana está toda lá, presente
Mesmo assim não podemos nos comportar como
nessas películas dos primórdios, com disputas entre
se não tivessem sido feitos. Seria ignorar a Histó-
brasileiros e paraguaios, ou uruguaios. A excursão ria. Fazer de conta que a Roma antiga não existiu
de um clube inglês chamado Corinthians foi am- porque dela só restam relatos, lendas e ruínas.
plamente documentada quando ele passou por
aqui em 1910 goleando todo mundo e inspirou um As relações entre futebol e cinema irão se estreitar
grupo de aficionados a fundar um time brasileiro em períodos descontínuos. Essas relações não são
lineares ou regulares, como se poderia esperar. As O futebol não pára de evoluir e de ganhar em
trajetórias do cinema e a do futebol seguem juntas, popularidade ao longo das décadas. Desde a
mas não paralelas. boa participação do Brasil na copa de 1938, ser
campeão do mundo virou obsessão nacional. Mas
Na primeira década do século XX, poucos anos de- demorou um pouco. Primeiro porque não aconte-
pois daquela primeira pelada na Várzea do Carmo, o ceram as copas de 1942 e 1946, devido à guerra.
futebol já se tornara uma nascente paixão do brasi- Depois houve a tragédia de 1950 no Maracanã, e
leiro. Alguns dos grandes clubes tinham sido funda- assim a redenção só chegaria em 1958 na Suécia.
dos, havia campeonatos em andamento, rivalidades Com Pelé e Garrincha, o Brasil virou a coqueluche
entre torcidas, etc. Quer dizer, estavam presentes do mundo da bola e tornou-se hegemônico entre
todos os ingredientes necessários para que o jogo 1958 e 1970, apesar da derrota em 1966. Mas nem
deixasse de ser apenas um esporte entre outros e as- só de copas vive um país boleiro.
sumisse caráter predominante na sociedade, mesmo
que os pobres e os pretos ainda o testemunhassem O nosso divertia-se alegremente com seus belos
a distância e o praticassem no anonimato. times, campeonatos com estádios cheios, torcidas
22 apaixonadas e, de quatro em quatro anos, tentava 23
O cinema brasileiro também não ia mal, pelo me- firmar-se novamente no panorama internacional.
nos em seu início. Nos primeiros tempos faziam
sucesso as reconstituições dos crimes escabrosos Já o cinema vivia aos trancos. Com a entrada dos
que viraram manchetes na crônica policial da poderosos grupos estrangeiros no mercado na se-
época, como o crime da mala ou o crime de Ba- gunda década do século XX, perdeu muito espaço
nhados. Havia espaço também para musicais (com e passou de produtor a exibidor dos filmes dos
os cantores atrás da tela, pois o cinema era mudo, outros. Mesmo assim, criou seus primeiros clássicos
lembremos) ou melodramas. Mas eram os filmes a partir dos anos 30, conheceu o sucesso das chan-
de atualidades que forneciam subsistência aos pio- chadas a partir dos 40 e tentou virar indústria com a
neiros, que então, vez por outra, se aventuravam Companhia Cinematográfica Vera Cruz, nos 50. Nos
em películas de enredo. Para se ter idéia: de 1912 anos 60, os rapazes do Cinema Novo entenderam
em diante, durante 10 anos, apenas seis filmes de que filmes podiam exercer função crítica e discutir
enredo foram lançados (Gomes, 1986, p. 30). Todo política. Depois o cinema compôs-se com a dita-
o resto era formado pelas atualidades. E, nelas, o dura, apostou no espetáculo ao longo da década
futebol estava muito presente, pois cada vez mais de 70 e teve êxito; enfraqueceu-se aos poucos nos
fazia parte do cotidiano das gentes. anos 80 e quase morreu de choque anafilático com
a vacina neoliberal que lhe aplicaram. Renasceu humano e também a sua face dura. Com outros
em meados dos anos 90 e, redivivo, reaprendeu a títulos contemporâneos como Ginga e Sonhos de
gostar do futebol. Bola, testemunha as transformações sofridas pelo
futebol na era da economia global. Estilisticamen-
Mas de que futebol estamos falando? Porque este te, cada um desses filmes é típico de sua época: o
também não deixara de se transformar no correr melodrama dos anos 30, o cinema-verdade dos 60,
dos anos. Do amadorismo de fachada dos anos 20 o verismo de espetáculo dos 80, a diversidade de
passou a profissional a partir de 1933. Excluídos de
poéticas dos 90 e 2000, e a fusão com uma estética
início, negros e mulatos entraram para o esporte
da publicidade, típica do nosso tempo.
e lhe deram estilo único. Surgiram os grandes
astros, Friedenreich, Feitiço, Fausto, Domingos, Cada um desses filmes, se soubermos fazê-lo falar,
Leônidas, Heleno, Zizinho. O futebol viveria, mais expressa tanto um momento da história do cinema
ou menos entre o final dos anos 50 e começo como um momento da história do futebol e da
dos 70, uma fase de êxito fora do comum, que se própria história do País. É um nó de significados.
poderia chamar de romântica não fosse esse um
24 termo pejorativo hoje em dia. E, finalmente, após Essas máquinas de gerar sentidos estão na parte 25
longa etapa de adaptação ao capitalismo da bola, inicial do livro, nos quatro capítulos que formam
o futebol brasileiro ingressaria alegremente na era o que chamei de Primeiro Tempo deste Fome de
global, ligando-se aos grandes negócios mundiais Bola. No Segundo Tempo, vêm as entrevistas com
de forma igualmente bem-sucedida, pelo menos alguns dos principais cineastas que dialogaram com
no âmbito externo. o futebol através dos seus filmes. Fechando essa
parte, uma longa e exclusiva conversa do autor
O propósito deste livro é mostrar como essas duas com Pelé, bate-papo que ocorreu por ocasião da
linhas – a do futebol e a do cinema – se encontram estréia do documentário Pelé Eterno.
em certos pontos nodais, em filmes que exprimem,
em cada época, o que de mais significativo existe Como acontece com alguns jogos, este aqui tam-
tanto na história de um como na história do outro. bém vai para a Prorrogação, para a qual gostaria
Por exemplo, Alma e Corpo de uma Raça registra de chamar a atenção do leitor. Trata-se da Filmo-
os devaneios nacionalistas e de eugenia da era Var- grafia, que vale uma olhada mesmo pelos que não
gas; Garrincha e A Falecida discutem uma suposta tenham nenhuma pretensão a pesquisador. Ela
função alienante do jogo; Pra Frente Brasil revela contém algumas curiosidades, como as mencio-
a sua utilização política, Boleiros mostra seu rosto nadas brigas no Palestra e a discussão do pênalti
cometido pelo zagueiro clássico que foi Domingos.
Inclui filmes que falam diretamente do futebol ou
apenas o utilizam como elemento narrativo. Mos-
tra, de maneira límpida, como o Brasil foi, desde o
início do século XX, um país habitado pelo futebol
– e como essa onipresença social do jogo da bola
impregna o cinema, infiltra-se nele, cola-se à sua
pele. O futebol entra em campo na tela grande,
mesmo que às vezes pelas portas dos fundos, sem
bater nem pedir licença.
26 27
Arthur Friedenreich
Primeiro Tempo
Capítulo I
Dos Primeiros Bate-bolas na Tela à
Catástrofe de 1950
Por seus méritos, Friedenreich tornou-se um ser Brasil. Outros dois filmes dessa fase inicial, ambos
quase acima do bem e do mal, apesar do país ser de 1938, são a comédia Futebol em Família, diri-
recortado por todo esse tipo de questão racista e gida pelo português Rui Costa, e Alma e Corpo de
classista. Consta que sua fama chegou ao auge por uma Raça, de Milton Rodrigues, irmão de Nelson
ocasião da final do campeonato sul-americano de Rodrigues e Mário Filho.
seleções, em 1919, quando marcou o gol da vitória
Naquela altura do campeonato, o Brasil aumentara
sobre o Uruguai. Nunca o Brasil havia chegado tão
sua experiência internacional em copas do mun-
longe nesse tipo de competição e o feito deu lugar
do. Na da Itália, em 1934, havia-se saído tão mal
a manifestações nacionalistas extremadas. Diz-se
quanto na do Uruguai. Jogou uma única partida
também que poucas vezes a então capital federal
e perdeu de 3 a 1 para a Espanha. Leônidas, então
havia sido palco de tamanha euforia popular. Frie-
com 19 anos, marcou um gol, mas só viria a brilhar
denreich era um herói. Um herói mulato.
na copa seguinte, a da França. Vencendo a Checos-
Esse sucesso popular de Friedenreich não impediu lováquia por 2 a 1, a Itália, em casa, se sagraria a
que outros negros e mulatos fossem expurgados segunda seleção a vencer uma copa do mundo.
Em 1938, o Brasil teve sua primeira boa participação A Eugenia à Brasileira
em mundiais. O sistema de disputa era como o do No âmbito doméstico, o País vivia sob Estado Novo,
torneio anterior. Dezesseis seleções se enfrentavam de Getúlio Vargas, que, demorando em se decidir
em jogos eliminatórios desde o começo. Por sorteio, qual dos lados iria apoiar na guerra da Europa,
definiam-se os adversários. Quem perdesse, voltava nutria indisfarçável simpatia inicial pelo Reich
para casa; quem ganhasse, avançava. No primeiro alemão.
jogo, com prorrogação, o Brasil bateu a Polônia por
6 a 5, quatro gols de Leônidas. No segundo, contra Em Alma e Corpo de uma Raça, temos em filigrana,
a Checoslováquia, uma batalha campal de 120 mi- e talvez à revelia do próprio diretor, a presença de
nutos, com empate de 1 a 1, provocando novo jogo. algumas questões básicas vividas pelo futebol, e
E desta vez o Brasil venceu por 2 a 1. pela sociedade, daquela época.
Na semifinal, contra a Itália, o Brasil lutou dura- Na trama, dois jogadores do Flamengo, um pobre,
mente e estava empatando quando o grande Do- outro rico, disputam a mão de uma donzela abas-
mingos da Guia cometeu um pênalti infantil sobre tada, que havia prometido se inclinar por aquele
38 Piola, que deu à Itália o segundo gol e o direito de que conseguisse levar seu time à vitória. Trata-se 39
disputar o título. Sobrou para o Brasil a luta pelo 3º de um filme de ficção, com passagens documentais,
lugar contra a Suécia, e a seleção venceu por 4 a 2, ambientado no Flamengo e com colaboração mate-
mais dois gols de Leônidas que assim somaria oito rial do próprio clube, além de incluir, em algumas
e se tornaria o artilheiro da competição. Na final, cenas, a lenda viva da época, o jogador Leônidas
a Itália venceu os húngaros por 4 a 2 e se tornou da Silva, o homem de borracha da copa de 1938 e
o primeiro país bicampeão da história. tido como o inventor do gol de bicicleta. Nota: há
É preciso lembrar também que esta copa da França autores que atribuem a invenção da jogada – corpo
foi disputada na véspera da II Guerra Mundial e no ar, de costas para o chão, acertando a bola com
sob tremenda tensão no continente europeu. No uma tesourada da perna – a Ramón Unzaga, que a
ano seguinte, a Alemanha invadiria a Polônia e teria mostrado no porto chileno de Halchahuano.
daria início a um conflito que iria durar até 1945. Mas a jogada só se popularizou quando mais tarde,
Desse modo, a seqüência de copas do mundo, com em 1927, David Arellano, atacante do Colo Colo, a
torneios previstos para 1942 e 1946, seria inter- executou nos estádios da Espanha. Os jornalistas
rompida. A disputa seguinte aconteceria apenas espanhóis passaram a chamá-la de chilena (Galea-
em 1950, e de novo na América do Sul. no, 2004, p. 58-59).
que nunca tinham visto acrobacia do gênero. As
façanhas de Leônidas na França lhe valeram o ape-
lido de Diamante Negro. Com o apelido, mais tarde
ele ganharia royalties de uma fábrica de chocolates
que lançou um tablete com esse nome.
providência sensata a fim de garantir o sucesso ginástica e mesmo a equitação. Além de Leônidas,
vêem-se alguns negros, aqui e ali, mas o filme é
da fita, como se dizia então. Friedenreich, Feitiço,
predominantemente branco e respira um ar euro-
Leônidas, e depois Garrincha, Pelé, Zico e tantos
peu. O Flamengo parece um country club e não a
outros viraram atores em filmes de ficção, em
agremiação popular brasileira que nos habituamos
documentários ou nas obras mistas que às vezes
a ver nele.
chamamos de docudramas. Pelé tentou mesmo
se transformar em ator, trabalhando em filmes A historinha que liga os núcleos semidocumentais
nacionais como Os Trombadinhas e Pedro Mico, de Alma e Corpo de uma Raça é das mais simples.
além da produção norte-americana Fuga para a E também das mais significativas. Garoto pobre,
Vitória, um John Huston menor. Seus dotes no set filho de jogador famoso do Flamengo, já morto,
de filmagem previsivelmente não se comparavam tenta se tornar, por sua vez, atleta do time. Os por-
aos que exibia no campo de jogo. tões do clube abrem-se para ele em homenagem
à memória do pai. O garoto irá treinar e estudar
Leônidas é apenas figurante de Alma e Corpo de em bom colégio, tudo por conta do Flamengo. A
uma Raça, aparecendo em poucas cenas. E mesmo coleguinha de infância parte para se educar em
Paris, como era praxe entre os filhos dos ricos, e os entre classes no edifício social brasileiro. Afinal,
dois se reencontram anos depois. Ele, já como o jo- Luisinho, pobre (e branco), porém talentoso e es-
gador Luisinho, promessa para o ataque do clube. forçado, conquistará o coração de Maria Helena,
Ela, como grã-fina raffinée, educada na França e derrotando o rival rico.
de nariz empinado. Para complicar, o coração da
moça se divide entre Luisinho e o veterano Rubens, Há outro detalhe: Luisinho não será apenas mais
também atacante, e de família abonada ainda por um bom jogador de futebol. Dividindo seu tem-
cima. Quem jogará o Fla-Flu e assim se credenciará po entre os treinos no Flamengo e os estudos, se
à mão de Maria Helena? formará em Medicina. O filme termina com seu
edificante discurso de doutorado diante de uma
Nos letreiros iniciais da cópia restaurada pela banca de lentes, defendendo a prática do esporte
empresa produtora, a Cinédia, somos informados e do exercício físico como forma de melhorar a
de que a estréia de Alma e Corpo de uma Raça se raça brasileira, que se deseja forte e voltada para
deu no dia 15 de novembro de 1938, aniversário os desafios do futuro.
da Proclamação da República, e nas presenças de
44 Getúlio Vargas, acompanhado de Dona Darcy Var- Nas cenas propriamente futebolísticas, as seqüên- 45
gas, do ministro Gustavo Capanema, do interventor cias são longas, em especial as do Flamengo versus
do Distrito Federal, Amaral Peixoto, e D. Alzira Fluminense, decisivo não apenas para o Campeo-
Vargas do Amaral Peixoto, filha de Getúlio. Estréia nato Carioca mas para os destinos sentimentais
solene, reunindo o comandante-em-chefe e o alto dos personagens. Com tudo isso, Alma e Corpo
estafe do Estado Novo, que havia sido instaurado de uma Raça (até mesmo em seu título), e apesar
no ano anterior. da sua ingenuidade, não deixa de ser um precio-
so documento para o estudo das mentalidades
Nem poderia ser de outro modo, em se tratando de daquela época.
filme tão edificante e construído segundo o melhor
receituário patriótico da ditadura varguista. Como O estudioso Luis Alberto Rocha Melo, em texto
se disse, ele colocava em pauta alguns elementos sobre o filme, preparado para o catálogo de uma
caros da era Vargas: a incorporação de elementos retrospectiva da Cinédia no Centro Cultural Banco
populares na cultura oficial da nação; a miscige- do Brasil, escreve o seguinte: 1938 é também o ano
nação como forma de branqueamento da raça e em que o Brasil irá surgir de forma destacada, pela
da atenuação do elemento africano, tido como primeira vez, no cenário mundial do futebol, com
rebelde; a idéia de que existia uma livre circulação sua participação na copa do mundo disputada
na França, chegando em terceiro lugar após derro- havia se profissionalizado mas enfrentava novos
tar a Suécia por 4 a 2. O fato de uma importante preconceitos. No começo, como vimos, o futebol
produtora como a Cinédia se voltar para o tema do era um clube fechado de moços ricos e brancos.
futebol não era gratuito: sinalizava um evidente es- Depois, teve de aceitar aos poucos a entrada de
forço de diálogo da classe cinematográfica brasileira negros e pobres. Finalmente, tornou-se atividade
com a nova fase da ditadura de Vargas, tomando profissional, portanto em tese aberta a quem a
de empréstimo um dos símbolos da ideologia na- escolhesse e tivesse talento. Mas, ainda assim, em
cional-popular, o futebol. Como aponta Lilia Moritz paradoxo aparente, era malvisto pelas famílias
Schwarcz, o chamado esporte bretão sofreria, ao sérias, em especial se adotado como modo de vida
longo dos anos 1930, o mesmo processo de oficiali- e não como passatempo ou forma de aprimora-
zação que atingiria outros elementos culturais, tais mento físico. Nos dois filmes os rapazes jogam, mas
como a feijoada, progressivamente desafricanizada também estudam e se diplomam em uma profissão
e tornada mestiça (ou melhor, nacional), a capoeira, socialmente valorizada como é a medicina.
que em 1937 foi reconhecida como modalidade es-
portiva nacional, e o samba, celebrado como ritmo O futebol, em si, não dignifica ninguém. Para gente
46 brasileiro por excelência (Melo, 2005, p. 18). séria, pode ser meio, jamais fim. Fabrica ídolos, mas 47
não modelos de homens.
A Bola e a Família Brasileira
Já em Futebol em Família, também de 1938, encon- Para ilustrar esse aspecto, há uma cena muito
tramos outro tipo de situação, que não deixa de significativa em Alma e Corpo de uma Raça. As-
ter alguma semelhança, e mesmo certa simetria em sim que é admitido no Flamengo, Luisinho, ainda
relação a Alma e Corpo de uma Raça. No filme, o garoto, ouve uma preleção do presidente do clu-
rapaz é jogador de futebol e briga com o pai, que be, que aponta para retratos na parede: Este foi
deseja para ele a carreira de médico. O moço entra um jogador excepcional e se formou engenheiro.
para o Fluminense, rival do Flamengo, e consegue Aquele outro era grande atleta e concluiu o curso
conciliar as duas atividades para alegria do pai, que de medicina. Outro virou poderoso industrial. E
então lhe perdoa. O filme, dirigido por Rui Costa, assim por diante. Como se o futebol, bem jogado,
é baseado em peça de teatro de Antônio Faro e fosse uma etapa preparatória para o verdadeiro
Silveira Sampaio. sucesso na vida, e não um objetivo em si.
O texto de João Cabral é magnífico, mobiliza me- E o Brasil parecia disposto a aproveitá-la. Além de
táforas para mimetizar o estilo de jogo do Divino, construir o maior do mundo, que é como os nar-
filho de Domingos da Guia. Jogo em aparência radores de rádio se referem ainda hoje ao velho
Maraca, empenhou-se em montar uma grande
lento, que impunha ao adversário um ritmo ina-
seleção, sob o comando de Flávio Costa. Havia
dequado para este. Ademir cadenciava a partida
jogadores para tanto e o Brasil parecia fulminante
segundo os interesses da sua equipe, paralisando o
ao longo do torneio.
adversário que, subitamente, abre a guarda e en-
tão o ritmo passa de lento a rápido, sem transição, Torneio? Bem, não era apenas uma competição
e vem a jogada fatal. Aqui, como diz Bento Prado esportiva. A copa do mundo, realizada de quatro
Jr. (em Literatura e Mistério da Bola), Com João em quatro anos, sob a inspiração de Jules Rimet,
Cabral, a assimilação literária do futebol deixou de havia se convertido em um acerto de contas sim-
ser mera retórica ou simples provocação. Tornou- bólico entre as nações. Essa mania não começou no
se, finalmente, assunto real para o conhecimento Brasil, convém avisar, antes que nos imputem mais
literário do Mundo. esta falta. Mussolini emprestara significado especial
às disputas, entendendo que uma vitória poderia aperfeiçoamento da raça brasileira, a miscigenação
significar muito para o orgulho nacional italiano às agora vista não mais como desvantagem, mas como
vésperas de uma guerra de verdade, com tanques, característica positiva da nação, que deveria ser
fuzis, aviões e gente morrendo. Hitler fez a mesma bem-aproveitada em todos os setores, a começar
coisa na Olimpíada de 1936 e a utilização política pelo futebol. O País procurava sua cara, sua iden-
do esporte tornou-se uma praxe do século XX, e tidade, sua maneira de ser, seu estilo, seu caráter
não apenas entre ditadores. Nada indica que o sé- nacional, para usar um termo que esteve em moda
culo XXI vá ser diferente nesse particular. A menos durante tanto tempo.
que mudem o jogo e os políticos.
No final dos anos 1920 e começo dos 1930, come-
Em 1950, o Brasil não queria guerrear ninguém, no çam a aparecer os grandes estudos sobre o caráter
sentido literal do termo. Queria, talvez de forma brasileiro: Retrato do Brasil, de Paulo Prado, Casa
inconsciente, apenas ser reconhecido no plano Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, Raízes do
internacional. Desde 1938, desconfiava-se, e por Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, entre outros
aqui se escrevia isso, que talvez o futebol brasileiro menos cotados. A pergunta de todos eles: quem
66 fosse o melhor do mundo. Não se sabe onde esse somos? Temos um estilo particular de ser, ou somos 67
ufanismo se amparava, talvez no desempenho de meras cópias adulteradas do modelo europeu?
Leônidas na França, onde recebera o apelido de Em conseqüência: temos alguma contribuição a
homem borracha pelas jogadas acrobáticas e fora dar ao processo civilizatório, ou resta apenas nos
aclamado pelos oito gols. Ou simplesmente osten- conformarmos com uma posição subalterna diante
távamos uma característica até hoje dominante na do mundo desenvolvido? O futebol, que era paixão
mentalidade brasileira, ciclotímica por definição nacional, estava à mão para servir como represen-
– ou somos os melhores do mundo ou os piores tante simbólico dessa, digamos assim, aspiração
do planeta, sem nenhum estágio intermediário coletiva ao reconhecimento.
possível. Enfim, preparava-se o palco para que o
Brasil mostrasse, em sua própria casa, não apenas Para quem acha tudo isso tolo, ou se considera
o poderio do seu futebol, mas a sua força como muito superior a esse tipo de desejo, gostaria de
nação e povo. deslocar por um momento a discussão e recomen-
dar a leitura do belo livro de Tom Wolfe, Os Eleitos
Nada disso acontece gratuitamente e esse tipo de (The Right Stuff), que aliás virou filme dirigido por
atitude vinha lá de trás, com a ideologia nacio- Philip Kaufmann. Nele, Wolfe analisa a função
nalista do Estado Novo, a busca pela eugenia, o simbólica dos pilotos de aviões de prova e, depois,
dos astronautas, como representantes do orgulho
nacional na guerra fria que os Estados Unidos tra-
vavam na época com a União Soviética.
E que preparou o clima para a grande final, contra trauma não assimilado pela nação.
o de antemão derrotado Uruguai. Os jogadores do Foi assunto de incontáveis análises e artigos. O
Brasil posaram com faixas de campeão, os políticos brasileiro queria entender. Onde falhara? Por que
foram abraçá-los e o próprio técnico Flávio Costa perdera, justamente quando não podia perder?
decidiu no ato concorrer às eleições para vereador
A caça às bruxas começou com a perseguição aos
do Rio de Janeiro. Só quem não estava de acordo
jogadores negros: o goleiro Barbosa, Bigode e
com toda essa festa prévia era o Uruguai, que
Juvenal. Flávio Costa não foi eleito vereador. E
entrava em campo com a desvantagem de ter de
começou-se a dizer que o Brasil, que o homem
vencer (o Brasil jogava pelo empate, segundo as
brasileiro, tremia nos momentos de decisão. A tal
regras daquele torneio), mas disposto a colocar
da raça miscigenada, o nosso orgulho, não tinha
água na caipirinha do país anfitrião. Desse modo,
equilíbrio emocional quando chegava a hora H. E
ao marcar o gol de desempate aos 33 minutos do
então seria preciso repensar o projeto de país.
segundo tempo, Ghiggia calou o Maracanã, com
suas 170 mil pessoas – estatística oficial – ou mais A ruminação da copa perdida se estenderia por
de 200 mil para outras fontes, porque os portões anos a fio. E, no cinema, começou ainda no calor
da hora, com Copa do Mundo de 1950, de Milton do fracasso jamais fosse reatualizado (Antunes,
Rodrigues. Sim, o mesmo diretor de Alma e Corpo 2004, p. 40).
de uma Raça, aquele filme de ficção que entro-
nizava o futebol como prática esportiva, capaz A propósito: é claro que a derrota diante do Uru-
de promover a eugenia da raça brasileira. Agora, guai se reveste de condições singulares. O Brasil
neste documentário produzido por outro dos nunca havia sido campeão, e procurava, como dis-
irmãos de Nelson Rodrigues, Mário Filho, Milton se, afirmar-se no plano internacional. Mas aquela
fazia o primeiro filme que tentava entender os era, antes de tudo, uma época com sua cultura
motivos da derrota do Brasil para o Uruguai na peculiar, e os sentimentos de 50 provavelmente
final de 1950. não se repetiriam nos dias de hoje, pelo menos
com a mesma intensidade. Ainda assim, quando o
Essa obsessão em compreender tem sua origem no Brasil sofreu uma derrota humilhante na copa do
fato de 1950 ter se transformado numa espécie de mundo de 1998, perdendo por 3 a 0 para a França,
mito às avessas, segundo a expressão de Fátima instaurou-se uma Comissão Parlamentar de Inqué-
Antunes em seu livro Com Brasileiro não Há quem rito para apurar supostas ingerências comerciais na
72 Possa: O mito mostra ao homem que sua vida seleção, um bem cultural tombado do povo bra- 73
tem uma origem e uma história sobrenaturais. sileiro. Ronaldo, que sofrera aquela suspeitíssima
Ele também mostra que essa história é plena de convulsão no dia do jogo, foi convidado a depor.
sentido, preciosa, e, sobretudo, exemplar. Próprio Um deputado lhe perguntou por que o Brasil havia
das sociedades chamadas tradicionais, ainda assim perdido para a França. E o jogador, entre sério e
o mito pode explicar fenômenos e comportamen- irônico, respondeu: Porque eles fizeram três gols
tos de uma sociedade histórica e integrada ao e a gente não fez nenhum. E acabou-se a história.
mundo moderno, como a brasileira. Aplicando Bola pra frente, que ninguém iria perder o sono
essa discussão ao caso da derrota na copa de 1950, por causa daquilo.
o acontecimento histórico transformado em fato
mítico teria a função de exemplificar aquilo que Na indiferença mercantil contemporânea, corrente
não se deve fazer, ou seja, a derrota de 1950 teria no futebol globalizado, não cabe perder tempo ru-
se transformado numa espécie de mito às avessas. minando derrotas ou comemorando vitórias, pois
É nesse sentido que a rememoração da história há negócios a fazer e idealmente um jogo talvez
mítica, que acontecia a cada nova copa do mundo, possa ser apenas um jogo. Pelo menos no ponto
devia lembrar a todos que o exemplo de 1950 não de vista dos profissionais da área. No da torcida,
deveria ser seguido, pois se esperava que o mito ainda é outra coisa. Mas em 1950 a história era
atormentado pela derrota contra o Uruguai, que
ele havia presenciado em criança, inventa uma
máquina do tempo e resolve voltar a 1950, ao Rio
de Janeiro, ao Maracanã, na tarde do dia 16 de
julho. Para fazer o quê? Impedir que Ghiggia chute
e marque o segundo gol uruguaio. Na verdade, o
personagem representa o próprio Paulo Perdigão
que, com onze anos de idade, foi com os pais ao
Maracanã ver a partida.
um jogo como aquele era uma questão de honra, Em um depoimento ao filme, Barbosa diz que um
de vida ou de morte. dia estava fazendo compras, foi reconhecido por
uma pessoa que chamou o filho e disse: Olha para
E assim, a partida fatal continuou a gerar tentativas esse homem, meu filho, ele fez o Brasil inteiro
de explicação. Mito às avessas, como se disse. Nel- chorar.
son Rodrigues e outros cronistas escreveram sobre
o assunto durante anos seguidos. Mas nenhum com Em outra aparição, Barbosa diz que no Brasil a
o detalhismo obsessivo de Paulo Perdigão, autor pena máxima era de 30 anos de prisão e ele se
de um rigoroso Anatomia de uma Derrota, que sentia condenado à prisão perpétua. Jamais foi
chega ao requinte de transcrever a emissão radio- indultado e sua condenação não teve fim.
fônica da partida por um dos narradores famosos
Então o filme tem esse aspecto, digamos, documen-
da época, minuto a minuto.
tal. Na parte de ficção, o personagem principal,
Perdigão finaliza o livro com um conto original – O que volta ao passado, é interpretado por Antonio
Dia em que o Brasil Perdeu a copa do mundo, mis- Fagundes. Por uma hábil superposição de imagens,
to de ficção histórica e científica. O personagem, Fagundes é visto no Maracanã no dia 16 jul. 1950.
Observa as pessoas chegando, o desenvolvimento
do jogo, o Brasil marcando 1 a 0 com Friaça, e
a vitória então dada como ainda mais certa do
que antes. Depois vem o empate, com o gol de
Schiaffino e, em seguida, o de Ghiggia, virando
o placar. E o personagem não conseguiu evitar o
gol, motivo afinal de sua viagem no tempo? Não,
na imaginação do artista, ele, pelo contrário, se
torna o causador da tragédia. Ao tentar intervir na
cena, distrai o goleiro, facilitando assim a vida do
atacante uruguaio. Há um determinismo que não
pode ser rompido. Não se muda a história. E, quan-
do se procura alterar o passado, o máximo que se
consegue é reiterá-lo, reafirmá-lo ainda mais.
houve agressão nem reação. Mas uns disseram que para abandonar o campo e melar o espetáculo.
Obdúlio cuspiu na minha cara; outros, que levei Versões.
um tapa, mas não reagi (p. 96). O certo é que Obdúlio Varela jogou com toda
A versão de Bigode não foi a que ficou. Em 1963, raça – que aliás era uma característica daquele se-
portanto 13 anos mais tarde, e depois de o Brasil lecionado uruguaio – e incendiou o time com sua
já ter faturado duas copas do mundo, um cronista disposição. Mas as versões continuam circulando – e
da influência de Nelson Rodrigues ainda podia na boca de gente que nem era nascida na época
escrever: Amigos, vocês se lembram da vergonha daquele jogo, considerado pela pesquisadora Fá-
de 50. Foi uma humilhação pior que a de Canu- tima Antunes não apenas o mito às avessas mas o
dos. O uruguaio Obdúlio Varela ganhou de nosso próprio mito fundador do futebol brasileiro.
escrete no grito e no dedo na cara (O Globo, 18
nov. 1963). Quase todos os protagonistas e testemunhas estão
mortos, o que intensifica o mistério do mito e o
E o irmão de Nelson, Mario Filho, escreve em O solidifica. O surpreendente é que na era do futebol
Negro no Futebol Brasileiro: Quando Bigode, duro, negócio, do esporte globalizado e pragmático,
alguém ainda se interesse em fazer um filme Capítulo 2
evocando a figura romântica de Obdúlio Varela.
Surpreendente, mas compreensível: nos anos se- O Ópio do Povo
guintes, passou-se a martelar na cabeça dos brasi-
leiros que os nossos jogadores tinham de ser como O problema é que o intelectual brasileiro não sabe
ele, Obdúlio Varela, o macho, o mulato raçudo, o bater um escanteio.
paradigma de hombridade que, depois de ganhar José Lins do Rego
uma copa do mundo em terra estrangeira, ainda
encontrara ânimo para beber sozinho pela noite Quem, tendo visto a seleção brasileira em seus
do Rio de Janeiro. E, segundo relatos, entre os dias de glória, negará sua pretensão à condição
quais o de Galeano, teria conversado amavelmente de arte?
com brasileiros, que não faziam idéia de quem era Eric Hobsbawm
A Era dos Extremos
aquele gringo simpático que os consolava. Não
se sabe se é verdade. Mas que dá uma história e O desempenho da seleção na copa de 1954, na
tanto, lá isso dá. Suíça, pareceu aos derrotistas vocacionais a con-
82 firmação de que o Brasil não era mesmo um país 83
destinado a dar certo. No futebol, e talvez em todo
o resto. Zezé Moreira, o técnico, deixou o grande
Zizinho no Brasil, alegando que ele havia passado
da idade. Tinha 33 anos. E assim, mesmo depois de
golear o México por 5 a 0 e empatar por 1 a 1 com a
Iugoslávia, o Brasil acabou despachado pelo bicho-
papão do torneio. A Hungria de Puskas, Hidegkuti,
Kocsis & Cia. venceu a seleção por 4 a 2 num jogo
apelidado pelos cronistas de A Batalha de Berna.
Houve violência no tempo regulamentar e briga no
final da partida, com direito a uma cinematográfica
rasteira aplicada pelo então jornalista Paulo Planet
Buarque num guarda suíço, além de uma chuteira-
da que o treinador Zezé enfiou na cara do Ministro
de Esportes húngaro, Gusztav Sèbes. Pode-se dizer
que o Brasil ganhou no braço – ou nas pernadas –
mas voltou para casa do mesmo jeito. E podia se a ser conhecido como Marechal da Vitória e hoje é
consolar com o fato de ter perdido para a melhor o nome oficial do Estádio do Pacaembu.
seleção e virtual campeã daquela copa.
Ok, ninguém ganha copa apenas porque está bem
Mas, depois de eliminar o Brasil, a favorita Hungria organizado, ou tem estrutura, como se diz hoje.
acabaria perdendo para os alemães na partida Ganha porque dispõe de jogadores para isso. E o
final, um jogo épico com gosto de valor simbólico Brasil seguiu viagem com uma esplêndida equipe,
para a reconstrução da Alemanha devastada por que começava com Gilmar no gol, Nílton Santos na
uma guerra que ela mesma havia provocado. O lateral-esquerda e o príncipe Didi no meio-campo.
cinema registrou essa conquista em dois filmes, Sem falar em Mané Garrincha e Pelé que chegaram
um de ficção e outro documentário, ambos se à Suécia na condição de reservas e só entraram a
referindo ao milagre de Berna, como aquele jogo partir do terceiro jogo.
acabou conhecido. Como se vê, a cidade suíça de
Berna sediou uma batalha e um milagre, quer dizer, A seleção saiu vaiada do Brasil, após um jogo de
tanto o quebra-quebra brasileiro como a zebra despedida contra o Corinthians, no Pacaembu. Mas
84 alemã. O filme de ficção se chama simplesmente O foi se aprimorando ao longo do torneio. Ganhou 85
Milagre de Berna e é dirigido por Sönke Wortman. o primeiro jogo por 3 a 0 contra a Áustria e em-
O documentário, de Oldenburg e Dehnhardt, tem patou o segundo por 0 a 0 diante da sempre dura
o título mais acadêmico de O Milagre da copa do Inglaterra. O jogo-chave era o seguinte, contra
mundo em Berna 1954 – a História Real. Ambos a União Soviética que, dizia-se, praticava um tal
são de 2005 e bons exemplos de como um mesmo futebol científico tido como imbatível. O que po-
acontecimento pode ser objeto de uma versão deria contra ela um país subdesenvolvido, intuitivo,
romanceada e outra realista. pouco racional como o Brasil?
A desforra brasileira viria na copa seguinte. E Naquela época, a URSS era temida não apenas
mesmo assim, ninguém dava nada pela seleção por ser um país de comunistas que comiam crian-
quando ela saiu do Brasil. Mas o fato é que em cinhas no café da manhã, mas por seu avanço
1958, e pela primeira vez em sua história, havia tecnológico. No ano anterior, havia colocado em
uma organização digna desse nome, montada órbita o Sputnik, o primeiro satélite fabricado
para ganhar um torneio da importância da copa pela mão do homem, dando o pontapé inicial na
do mundo. A delegação era chefiada por Paulo competição espacial com os Estados Unidos, um
Machado de Carvalho que, depois do feito, passou verdadeiro Fla-Flu do cosmos.
E, dizia-se, os temidos russos aplicavam esse mes-
mo domínio técnico também ao futebol. Mas em
pouco tempo de jogo, com dois ou três dribles de
Mané Garrincha e outras tantas gingas de Pelé,
além dos lançamentos de Didi, o Brasil se incum-
biu de desmontar o aparato logístico do futebol
soviético, tramado nos laboratórios de Moscou.
Nas palavras de um cronista da época, os primeiros
cinco minutos de Brasil e União Soviética foram os
mais fantásticos de toda a história do futebol.
amizade ao som dessa música de Zé Kéti: A idéia de base desse novo tipo de cinema era sair
Eu sou o samba do ambiente artificial dos estúdios e ir à rua. E, na
A Voz do Morro sou eu mesmo, sim senhor rua, observar o que se passa com o povo, com o que
Quero mostrar ao mundo que tenho valor ele se preocupa, do que gosta e não gosta. Olhando
Eu sou o rei do terreiro/Eu sou o samba em todas as direções, os cineastas não poderiam
Sou natural daqui do Rio de Janeiro deixar de ver... justamente o futebol. Foi assim na
Sou eu quem levo a alegria própria Itália, onde se originou o movimento, e
Para milhões de corações brasileiros também no Brasil, onde os neo-realistas encon-
traram seguidores na figura de Nelson Pereira dos
O filme joga o tempo todo com o contraste entre Santos e dos jovens do Cinema Novo, como Paulo
o Rio turístico e/ou burguês e o Rio popular. Se César Saraceni, Glauber Rocha, Joaquim Pedro de
às vezes chega a ser maniqueísta nesse trabalho Andrade, Leon Hirszman e outros.
comparativo sem muitas nuances (idealizando a
solidariedade na favela e demonizando os ricos e Na Itália, vemos cenas de futebol em Roma – Cida-
os turistas) não deixa de registrar o que também de Aberta (1945), de Roberto Rossellini, filme que
é uma espécie de manifesto da nova estética neo- crítico do que no filme de Nelson Pereira. O jogo
realista. Enquanto na cidade, a ocupação pelos da bola será visto, então, como válvula de escape
nazistas se consuma, os meninos da periferia se para as frustrações populares, catarse das massas
distraem jogando bola na rua. Em La Città si Di- que contribuiria para a sua alienação. Mas – é aí
fende (1951), de Pietro Germi, quatro malandros que está a nuance – não apenas isso.
roubam a bilheteria de um jogo, sendo um, entre
eles, o antigo centroavante da Azurra, a seleção Ainda não é inteiramente assim em Rio 40 Graus.
É verdade que Nelson pode eventualmente ver o
nacional italiana.
futebol como catarse e alienação, mas enxerga-o
Em Belíssima (1951), de Luchino Visconti, a grande também como aquele acontecimento privilegiado,
Anna Magnani é fiel torcedora da sua querida o único momento em que as classes sociais de fato
Roma, vai ao estádio, xinga o adversário e incentiva se encontram e se confraternizam, pois no cotidia-
o time. Enfim, o futebol está em toda a parte, vive no a sociedade as divide e faz com que lutem entre
no DNA do povo, e cabe ao novo cinema registrar si. No estádio, torcendo por nossos times, somos
esse fato, ainda que às vezes de maneira crítica. todos iguais e isso está no filme, embora possa ser
96 uma ilusão de momento. 97
Também no Brasil o processo de ambientação do
neo-realismo teria de contemplar o futebol. O Essa visão do esporte como elo social não entra de
ensaísta Paulo Emilio Salles Gomes, num texto clás- maneira isolada no filme. Em Rio 40 Graus, o fute-
sico, Trajetória do Subdesenvolvimento, escreve: bol é também veículo para interpretar a sociedade
Tomado em conjunto, o Cinema Novo monta um como um todo. O jogo é reflexo da sociedade e de
universo uno e mítico integrado por sertão, favela, sua estrutura, espelho da hierarquia da sociedade
subúrbio, vilarejos do interior ou da praia, gafieira de classes, com seus explorados e exploradores.
e estádio de futebol (grifo meu) (Gomes, 1986, p. Dessa forma, aparecem os cartolas, cuja única
96). Assim, a presença do estádio, como locação, preocupação é o lucro. Tratam o jogador como
fazia parte de um programa mínimo de filmagem mercadoria descartável, como se vê no relacio-
dos ambientes populares brasileiros. namento entre o mais velho, Daniel, e o novato,
Foguinho. Daniel é consciente de que seu tempo
Mais adiante, como veremos, o futebol foi toma- está acabando e ele agora é mercadoria de pouco
do ainda mais a sério em dois documentários do valor, embora ainda ídolo da torcida. Incentiva
Cinema Novo – Garrincha, Alegria do Povo e Sub- o mais moço e diz que, um dia, eles, jogadores,
terrâneos do Futebol – mas por um viés ainda mais deixariam de ser tratados como objetos. Mas, por
enquanto, era assim mesmo. Os jogadores são Alienados São os Outros
como os trabalhadores assalariados, dentro de uma A tendência é que a partir anos 1960 surja uma
estrutura capitalista que suga sua força de trabalho leitura sociológica mais intensa, que não se per-
e depois se descarta deles. Em torno dos atletas e mite ver o futebol com suas nuances e aspectos
cartolas movem-se os torcedores, que levam para o positivos, isto é, manifestação cultural vinda do
campo suas aspirações e suas frustrações. São eles próprio povo, ou pelo menos apropriada por ele,
que sustentam a máquina, pagando seus ingressos. enraizada nas camadas populares e que constitui
E, em outro círculo, concêntrico, surgem os jorna- um dos seus fatores mais poderosos de identifica-
listas, que contribuem para transformar o jogo ção e auto-estima. Uma atividade, portanto, que
tanto pode distraí-lo dos seus problemas como
em espetáculo e dessa maneira gerar mais lucros,
funcionar como cimento para a solidariedade e
etc. Toda a engrenagem da sociedade capitalista
para o sentimento de identidade. Para uma boa
se reproduz no campo de jogo e encontra nele a
parte da intelectualidade prevalecia a visão ne-
sua expressão.
gativa do futebol. O intelectual, de esquerda em
Isso também está no filme e é um comentário geral, costumava ver o futebol de fora, e também
98
esperto sobre a sociedade da época. Portanto, de cima, numa perspectiva que resistia a integrá-lo 99
analisar o futebol com a lupa do cinema significa no todo da experiência social popular.
decifrar a sociedade de maneira mais ampla. O Um exemplo de como o futebol aparece dessa ma-
futebol é não apenas um espetáculo dentro do neira é a adaptação da peça A Falecida (1965), de
campo de jogo, mas até se oferece como dramati- Nelson Rodrigues, por Leon Hirszman, cineasta de
zação da vida social, que torna visível o seu modo formação marxista. Com a história da mulher que
de funcionamento. sonha com um enterro de luxo, Hirszman tinha de
fato a intenção de ilustrar a tese da alienação, da
O mérito de Nelson Pereira dos Santos foi ter en- pessoa à margem da vida social e que não compre-
focado o futebol dessa maneira crítica, sem perder ende a sua posição no curso da História. No final
de vista que ele é também festa popular, motivo do filme, o viúvo vai torrar o dinheiro destinado
de alegria, beleza e congraçamento social. Sua ao enterro numa animada partida do Vasco da
abordagem é dialética, vendo os vários lados da Gama, no Maracanã. O próprio Nelson Rodrigues
questão, e poucas vezes maniqueísta, a não ser que, reacionário assumido, nada tinha em comum
quando retrata burgueses e turistas, estes sim os com as interpretações da esquerda e ainda por cima
vilões da história. adorava o futebol, disse que Hirszman havia feito
uma leitura equivocada da sua peça, expurgando-a – Ademir não joga. Imagina que o Ademir machu-
do humor, implícito no texto, segundo ele. Transfor- cou o tornozelo...
mou-a num tratado marxista, rosnou Nelson.
– Que Ademir?
Mas não se trata apenas disso. O filme, de resto
excelente, dirige de fato o centro da análise para – Tu nunca ouviste falar em Ademir? Parece que
outro ponto, não pretendido pelo dramaturgo, e vive no mundo da Lua... Se ele não jogar vai ser
o futebol acaba entrando de gaiato nessa história uma tragédia...
ilustrada da alienação. É visto de maneira depre-
Zulmira não responde e continua a tossir. O marido
ciativa, como uma paixão algo infantil da classe
prossegue, resignado, crítico:
trabalhadora, que desvia a atenção dos problemas
reais, e de suas eventuais soluções – que se daria – Às vezes eu tenho inveja de ti. Não liga para fute-
pela via da contestação política, é claro. bol. Não fica de cabeça inchada. Benza-te Deus!
O filme abre com uma inscrição sobre a tela: No
100 tempo em que Ademir era Pelé. Ademir Menezes, 101
atacante do Vasco e da seleção de 1950, nove gols
numa copa do mundo, um recorde até hoje inigua-
lado, para brasileiros. A personagem principal, Zul-
mira (Fernanda Montenegro, talvez em seu melhor
papel no cinema), é obcecada pela idéia da morte e
acredita estar tuberculosa. Seu marido, interpretado
por Ivan Cândido, é vascaíno fanático e também
alimenta sua obsessão – saber se Ademir vai jogar
na decisão do campeonato, contra o Fluminense.
curioso verificar que, se um dos dois grandes ídolos lembrar do pai, triste, depois de ouvir pelo rádio
da época, Garrincha, inspirou filme tão crítico, o a derrota do Brasil em 1950. O pai é sempre uma
outro, Pelé, esteja na origem de uma cinebiografia presença marcante na vida do craque.
mais inclinada para o sentimentalismo. Estamos fa- Ex-jogador, Dondinho teve de parar cedo por causa
lando de O Rei Pelé (1963), do argentino radicado de um problema no joelho. Ao ver o pai desani-
no Brasil Carlos Hugo Christensen, que se baseou mado depois do jogo contra o Uruguai, o menino,
no livro Eu Sou Pelé, memórias precoces do craque então com nove anos de idade, e já bom de bola
ditadas a Benedito Ruy Barbosa. Na adolescência, nos campinhos de Bauru, lhe promete que um dia
Pelé é interpretado pelo jogador Luiz Carlos de irá conquistar uma copa do mundo. Para reparar
Freitas, o Feijão, que já vimos como personagem a dor do pai. Será sempre assim. Mundialmente
de Subterrâneos do Futebol. consagrado, a cada entrevista Pelé dirá que Don-
dinho era ainda melhor do que ele. Que teria ido
E é também claro que o futuro teledramaturgo de longe, não fosse o problema do joelho. Quando
Os Imigrantes, Pantanal e Terra Nostra encontrou o entrevistei a propósito do lançamento de Pelé
na biografia de Édson Arantes do Nascimento Eterno, de Anibal Massaini, disse que havia batido
todos os recordes de um futebolista, menos um, o
de Dondinho (àquela altura já morto), que havia tão difícil retratá-lo no cinema, ou em qualquer
marcado cinco gols de cabeça no mesmo jogo. Nes- arte: coloca-se a ênfase em uma faceta, ficam fal-
se ponto, nem mesmo o rei havia passado o pai. tando as outras. Tenta-se apanhar o todo, cai-se
na dispersão.
O menino pobre de Três Corações, que cedo se
mudou com a família para Bauru, teve de fato uma Retratar o futebol é como dormir com um cobertor
vida de novela mexicana. Boa e estável família, curto. Temos de optar entre proteger o peito ou
muito modesta, exigira que ele colaborasse para os pés. Foi assim de meados dos anos 50 até o final
o orçamento engraxando sapatos. A caixa de en- da década de 60, com o futebol relacionando-se
graxate do garoto Dico, que era como a família o com cinema das mais diversas maneiras.
chamava, hoje é peça de museu. A caixa de sapatei-
ro aparece, em certo momento, em Subterrâneos No país, os anos dourados perdiam o brilho. Jusce-
do Futebol. De modo que essa vida, essa façanha lino inaugurou Brasília em 1960 e passou o poder
de realização pessoal de alguém vindo do nada no ano seguinte para um instável Jânio Quadros,
e que se impõe pelo talento, fornecia material que renunciou sete meses depois. Subiu o vice, João
132 saboroso para o cinema. Mas também é evidente Goulart, em meio a uma crise militar. Numa socie- 133
que, quanto mais o material se presta natural- dade de ânimos crispados, as posições contrárias
mente para o melodramático, mais o diretor tem foram ficando cada vez mais acirradas ao longo
de se esforçar para segurar o tom e não deixá-lo do seu curto mandato. Até que em 31 de março
escorregar para a pieguice. Como Christensen nem de 1964 veio o golpe militar e levou o marechal
sempre se contém, o filme não foi lá muito bem Humberto de Alencar Castello Branco à presidên-
recebido pela crítica. E de fato não é memorável, cia. Apesar do golpe, com suas arbitrariedades,
mas marca a primeira tentativa do cinema em re- havia ainda alguma liberdade no País e as artes
fazer a trajetória do rei. floresciam nessas frestas. Mas o enfrentamento
entre direita e esquerda continuava muito forte e
O futebol, no Brasil, é tão importante e abrangente iria desaguar no criativo e também trágico ano de
que desafia classificações muito rígidas. Festa po- 1968, quando então começaria fase mais violenta
pular, escapismo, alienação, fator de integração da ditadura com a edição do Ato Institucional
social, celebração, veículo de ascensão social das nº 5, em 13 de dezembro.
classes populares, tema cômico, enredo melo-
dramático. O que é o futebol para o brasileiro? Sob a violência militar, o país ia se encaminhando
Provavelmente tudo ao mesmo tempo. Por isso é para um final de década muito sombrio. Os sonhos
de transformação social ficavam para trás, com a Capítulo 3
democracia. O Congresso foi fechado e políticos
da oposição, cassados; artistas tiveram de deixar Batendo Bola nos Anos de Chumbo
o país, e o Cinema Novo acabou, nessa onda de Amigos, glória eterna aos tricampeões mundiais.
pânico e intimidação. Havia presos políticos nos Graças a esse escrete, o brasileiro não tem mais
porões da ditadura. vergonha de ser patriota. Somos 90 milhões de
brasileiros, de esporas e penacho, como os Dragões
Torturava-se e matava-se no Brasil do milagre eco-
de Pedro Américo.
nômico, slogan criado pelo regime para expressar
Nelson Rodrigues
o crescimento do país. O Globo
22 jun. 1970
Enquanto isso, a seleção preparava-se para disputar
a copa do mundo no México, e uma excepcional Quando Carlos Alberto Torres recebeu o passe de
geração de atletas, comandada pelo treinador João Pelé e acertou a bola na veia, sem apelação para
Saldanha, prometia ser a sensação. Ao veterano o goleiro Albertosi, começava a festa da conquista
Pelé somavam-se jovens como Roberto Rivellino do tricampeonato. 4 a 1 sobre a Itália, uma aula de
134 futebol que coroava a estupenda campanha do Mé- 135
e Clodoaldo, além de outros fora de série como
Tostão, Gérson, Jairzinho e Carlos Alberto Torres. xico. A seleção canarinho, como a chamavam, trazia
A campanha do tri estava apenas começando. O para o Brasil da ditadura Médici a copa Jules Rimet,
país vivia seus anos de chumbo. Mas aquele escrete em definitivo, pois era o primeiro país a vencer três
faria História. campeonatos mundiais em toda a história.
Na decisão, o Brasil jogou com Félix (Fluminense),
Carlos Alberto (Santos), Brito (Flamengo), Piazza
(Cruzeiro), Everaldo (Grêmio); Clodoaldo (Santos)
e Gérson (São Paulo); Jairzinho (Botafogo), Tostão
(Cruzeiro), Pelé (Santos) e Rivellino (Corinthians).
Coloco os times de origem dos titulares para que o
leitor faça uma comparação mental com as seleções
contemporâneas.
Era o fim de um longo percurso de reformulação
do selecionado, que fora tão mal na copa da Ingla-
terra. Três técnicos se sucederam, sem grandes
resultados – Aymoré Moreira, Osvaldo Brandão e Romênia, 4 a 2 no Peru, 3 a 1 no Uruguai, e 4 a 1,
Zagallo – até que o país foi surpreendido com a na final, contra os italianos. Seis jogos, seis vitórias,
escolha do jornalista João Saldanha, que já havia 19 gols a favor, 7 contra.
sido treinador do Botafogo. Homem de tempe-
ramento forte, polêmico e membro do banido Aos 29 anos, o míope Pelé fez a sua melhor copa
Partido Comunista, Saldanha foi logo anunciando desde que começara a disputar mundiais, em 1958.
um time de feras para enfrentar as eliminatórias. Comandou uma equipe de craques, jogou todas as
E, de fato, com suas feras o Brasil jogou seis vezes partidas, marcou quatro gols e inventou algumas
e ganhou as seis, fazendo 23 gols e sofrendo 2. jogadas de antologia, como o chute do meio de
campo contra o goleiro Viktor, da Checoslováquia,
Mas, no começo de 1970, os resultados não eram os e o drible de corpo sobre Mazurkiewicz, goleiro do
mesmos. Pressionada pela cúpula militar, a então Uruguai. Houve também a famosa cabeçada espal-
Confederação Brasileira de Desportos, presidida mada por Gordon Banks, da Inglaterra, para muitos
por João Havelange, procurava um pretexto para uma das maiores defesas de todos os tempos. São
demitir João Saldanha. E ele veio quando Saldanha três dos mais famosos gols não concretizados de
136 ameaçou com um revólver seu desafeto, o técni- todos os tempos, com certeza. 137
co do Flamengo, Yustrich. A comissão técnica foi
desfeita e Saldanha, ao ser demitido, soltou uma A Jules Rimet chegava a um país dividido. Os gran-
bomba sobre o país: Pelé não poderia disputar a des órgãos de comunicação, que, em sua maioria,
copa pois tinha miopia em alto grau. Não enxerga- haviam apoiado o golpe militar, agora viviam sob
va mais a bola, sobretudo em partidas noturnas. censura. O país crescia a taxas espantosas, o que
garantia o apoio silencioso de boa parte da classe
Assumiu Zagallo que, com o juízo no lugar, preser-
média. Os empresários faziam seus negócios e, na
vou a base da seleção de Saldanha e convocou mais
superfície, tudo parecia tranqüilo – a paz dos ce-
cinco jogadores – entre os quais o centroavante
mitérios, pois os estudantes não podiam protestar,
Dario, que, se dizia, era o queridinho do general
os operários não podiam se reunir, os sindicatos
Emílio Garrastazu Médici e cuja não convocação
viviam sob intervenção. Havia uma guerrilha em
teria sido uma das causas da queda de Saldanha.
andamento no Araguaia, mas quase ninguém sabia
Há quem ache a hipótese delirante.
disso. Quem ousava se opor, sumia. O clima era de
A campanha de 1970 foi irretocável. 4 a 1 contra pânico contido, intolerável, como sabe quem viveu
Checoslováquia, 1 a 0 sobre a Inglaterra, 3 a 2 na aquele período com um mínimo de consciência.
A conquista do tri representou um raro momento É apenas o registro de uma carreira futebolística –
de euforia popular. Não se sabe se essa alegria ainda por se desenvolver. E centrado, em especial,
contribuiu para atrasar a tal da roda da história ou nas partidas das eliminatórias para a copa. Nesse
se ela teria feito seu movimento lento da mesma sentido, como documento, é interessante.
maneira, caminhando para um processo de rede-
mocratização que só se completaria 15 anos depois Feito antes da copa, o filme não poderia trazer os
daquele chute antológico de Carlos Alberto Torres grandes momentos de Tostão, ou pelo menos aque-
contra a meta do goleiro italiano. les que ficaram registrados internacionalmente
na dobradinha infernal com Pelé. Gols e jogadas
Pouco antes da campanha no México, era apresen- decisivas para a campanha, como por exemplo
tado um documentário tendo como protagonista aquela em que ele protege a bola e dribla meia
aquele que seria um dos responsáveis pela con- defesa adversária; atrai os zagueiros para aquele
quista, Tostão, a Fera de Ouro (1970), de Paulo lado do campo e cria o espaço para a infiltração
Leander e Ricardo Gomes Leite. O filme traça um de Pelé, que então recebe a bola e rola para o gol
perfil, parcial, da carreira de Eduardo Gonçalves de Jairzinho, na mais difícil das partidas de 1970,
138 de Andrade, o Tostão, indo da infância, através de o suado 1 a 0 contra a Inglaterra. 139
depoimentos, até as vésperas da copa de 1970. No
entanto, Tostão quase não foi ao México, pois so- Essa e outras jogadas de Tostão e de todo o sele-
freu um grave problema de saúde, o descolamento cionado iriam aparecer com detalhes um pouco
de retina causado por uma bolada que levou no depois em Brasil Bom de Bola (1970), o badalado
olho quando jogava em seu time, o Cruzeiro de documentário de Carlinhos Niemeyer sobre a copa
Belo Horizonte. do México. A esse belo filme se associou um fato
escabroso – e que só poderia se produzir naqueles
O filme mostra a aflição com a cirurgia em Houston anos de chumbo da ditadura militar. Brasil Bom de
mas, antes disso, destaca o jogador inteligente, que Bola foi o escolhido para substituir outro docu-
sabia jogar com a bola e sem ela. Num momento mentário, País de São Saruê, de Vladimir Carvalho,
difícil para o país, o documentário é extremamente vetado pela censura para concorrer no Festival de
neutro. Mantém seu foco no ídolo e dele não se Brasília de 1971.
afasta. Ao contrário dos documentários da época do
Cinema Novo, este não extrapola jamais o campo de Vladimir, paraibano, irmão do diretor de fotografia
jogo, por assim dizer. Conserva o futebol num plano Walter Carvalho, nessa época radicado em Brasília,
de assepsia e dele não tira nenhuma conclusão. apresentou ao festival essa obra que fala das difí-
ceis condições sociais no Vale do Rio do Peixe, na a abertura política conduzida por Geisel e Gol-
Paraíba. Desde sua criação, e até hoje, o Festival bery. Só então, depois de nove anos de geladeira,
de Brasília é o mais politizado do Brasil. É também pôde, finalmente, concorrer no mesmo Festival de
o mais antigo. Fundado em 1965 por gente como Brasília, quando então ganhou o Prêmio Especial
Paulo Emilio Salles Gomes e outros professores da do Júri. Mesmo assim desconfia-se que tenha sido
então recém-inaugurada UnB, realiza-se no centro um troféu de consolação, pois havia ainda uma
do poder político do país. Naquela época compli- má vontade institucional que impedia o filme de
cada, o que acontecia em Brasília repercutia mais, receber o prêmio principal.
tornava-se grave, nevrálgico, agudo.
Brasil Bom de Bola não tinha nada a ver com essa
E, em 1971, tudo o que o governo do Brasil Grande confusão toda e, se entre cineastas e críticos aca-
não queria saber era de um filme que mostrava o bou marcado pelo episódio, nem por isso deixa de
que havia por trás dessa fachada publicitária do país ser um belo documento sobre o futebol brasileiro,
cujo PIB crescia 10% ao ano, ao mesmo tempo que com a grife de qualidade Canal 100, dirigido por
aumentavam também os bolsões de pobreza nas Niemeyer.
140 grandes cidades e no campo. Dessa maneira, O País 141
de São Saruê, com sua radiografia da miséria nordes- Que Bonito É...
tina, não conseguiu obter o certificado liberatório da Na entrevista que concedeu a este livro, o cineasta
censura, e acabou substituído pelo documentário de João Moreira Salles afirma que ninguém filmou
futebol de Carlinhos Niemeyer. Entrando no festival o futebol brasileiro com a qualidade estética do
pelas portas dos fundos, Brasil Bom de Bola acabou Canal 100. Oswaldo Caldeira diz a mesma coisa
execrado pela maior parte da crítica. Menos por aqui- e esta opinião é uma quase unanimidade entre
lo que era, como filme, do que pelas circunstâncias quem gosta de cinema e de futebol. Também é
políticas de sua apresentação no festival. um consenso entre especialistas que a excelência
do Canal 100 se deve ao câmera Chico Torturra,
Com a crise aberta pela desclassificação de Saruê, segundo Caldeira o maior cinegrafista de futebol,
e também de outro concorrente, Nenê Bandalho, do Brasil e do mundo, em qualquer tempo.
de Emílio Fontana, o festival foi suspenso durante
três anos. Só voltou a ser realizado em 1975. Exagero? Não sei. Mas, de fato, não me lembro de
ter visto imagens tão plásticas e impressionantes
O festival voltou, mas Saruê continuou sem o visto como aquelas do Canal 100, sempre acompanhadas
dos censores. Conseguiu obtê-lo em 1979, durante da música Na Cadência do Samba (“Que Bonito
é...”), de Luiz Bandeira. O Canal 100 ajudou a difun- disparando nas bilheterias é uma vitória da objeti-
dir a imagem do futebol brasileiro pelo país. Ficaram vidade somada à técnica, à bossa, ao amor e à ex-
célebres suas inserções nos cinejornais, e os primei- periência – enfim, de virtudes semelhantes às que
ros acordes de Na Cadência do Samba têm até hoje nosso futebol demonstrou na conquista da copa
o efeito de uma verdadeira madeleine proustiana 70. A vibração de aficionado de Carlos Niemeyer,
para os torcedores mais veteranos, que aprenderam a vivência documentária da equipe do cinejornal
a amar o futebol brasileiro nas sessões da tarde Canal 100, os conhecimentos cinematográficos, o
dos cinemas. Nossos pais nos levavam aos velhos equilíbrio e o calor humano do crítico, torcedor e
cinemas de rua e, antes dos filmes propriamente agora cineasta Alberto Shatovsky produziram um
ditos, tínhamos de agüentar aqueles noticiários precioso documento, um espetáculo, uma festa –
caretas, com suas chatíssimas inaugurações de obras Brasil Bom de Bola – seguramente o melhor filme
e solenidades políticas. Tédio que era quebrado, brasileiro sobre o futebol.
para nosso alívio, pela musiquinha de Luiz Bandeira
anunciando o que realmente interessava – o futebol Em seguida, no mesmo texto, o crítico enumera os
na tela grande. Era uma festa. documentários áridos em torno do esporte-paixão,
142 segundo ele meras acumulações de gols e dribles, 143
As tomadas de câmera junto ao pé dos jogadores, sem encontrar a confluência do documento com
em discreto slow motion, os enquadramentos ou- o espetáculo. E, ao elogiar Niemeyer, aproveita
sados e caprichados, a participação das imagens para dar um chute de bico em Garrincha, Alegria
da torcida no espetáculo – tudo isso fez do Canal do Povo, que aproximou-se da meta, mas preferiu
100 um marco histórico no registro fílmico do fu- a área pedante do chamando cinema-verdade e a
tebol nacional. E Brasil Bom de Bola não passava doce embriguez da filigrana ensaística.
de um Canal 100 ampliado, e focado num tema,
a conquista do tri no México, talvez até hoje a Brasil Bom de Bola é um panorama filmado da
copa do mundo que mais marcou a imaginação história do jogo no Brasil – e de como aqui ele se
de uma geração inteira de torcedores, embora o adaptou tão bem. Retrata os craques do passado,
Brasil tenha conquistado mais dois títulos mundiais como Leônidas, Ademir e Heleno e os do presente
depois daquele. (estamos no início dos anos 70), Garrincha, Pelé,
Tostão. Fala dos juízes, das malandragens em cam-
O filme mereceu resenha elogiosa de um dos po, torna-se um pouco melodramático ao abordar
mais influentes críticos de cinema da época, Ely o problema de saúde de Tostão que ninguém sabia
Azeredo: A goleada que Brasil Bom de Bola está se iria jogar depois do descolamento de retina.
Mas mesmo uma resenha tão favorável quanto maravilhas para servir como símbolo do assim
a de Ely Azeredo não podia ignorar que o filme chamado Brasil Grande, logotipo do país ideal
passa como gato em cima de água fria sobre um criado pelos órgãos de propaganda do regime
dos episódios mais polêmicos da copa de 1970 – militar. O ditador de plantão não se furtava a ser
a substituição de João Saldanha, comunista de filmado e fotografado com o radinho de pilha no
carteirinha, por Zagallo, às vésperas da compe- ouvido, acompanhando as façanhas de Pelé, Ger-
tição. son, Rivellino & Cia. no México. O ambiente era
de nacionalismo tacanho, que falava de um país
Enfim, deter-se nesse ponto poderia ser bastante cuja economia crescia mais que a média mundial
incômodo num país que vivia sob ditadura militar, e se dava ao luxo de construir obras faraônicas
em sua fase mais violenta, além de politizar alguma como a Transamazônica e a Ponte Rio-Niterói. Os
coisa que, em tese, deveria ficar além ou aquém dividendos da suposta prosperidade não eram
da política – o bom e popular futebol brasileiro e bem distribuídos. O próprio general Médici viu-
a sua maior expressão, a seleção nacional. se obrigado a admitir que a economia ia bem
enquanto o povo ia mal. Que isso não servisse de
144 Mas até as marquises do Maracanã sabem que não 145
álibi para a oposição se manifestar. Para os insa-
é assim e que não existe esporte mais propenso à tisfeitos, o regime mandava o recado primário:
utilização política do que o futebol, cuja história, Brasil – Ame-o ou Deixe-o, indicando a porta da
aliás, poderia ser contada seguindo-se a sua apro- rua para quem tivesse críticas a fazer.
priação pelos poderosos de cada hora. Da ênfase
nacionalista de Getúlio Vargas às metáforas bolei- Nesse clima, Brasil Bom de Bola era o que dele se
ras do presidente Lula, o esporte bretão sempre esperava, apenas um bom filme sobre futebol e
se prestou muito bem à função de ponte entre sobre a façanha desse esporte no exterior, trans-
governantes e o povo. Digamos assim: o futebol formada em vitória de toda uma nação. Reafirma
assume o papel de uma linguagem comum entre o que o Canal 100 tinha de melhor: intuía que o
os de cima e os de baixo. Uma espécie de esperanto futebol em geral, e cada jogo em particular, deveria
social. ganhar na tela a forma de uma narrativa, de uma
pequena história com tensão dramática própria.
E aquela seleção de 1970 – eleita em 2005 pelos Foi o que fez o Canal 100 durante os seus anos de
ouvintes da BBC o mais perfeito conjunto es- atuação (1959 a 1986), produzindo seu infalível
portivo de todos os tempos – se prestava às mil cinejornal a cada semana.
O Futebol e a Política nada correspondia ao país real. Este ia muito mal.
Esse relacionamento forçado entre futebol e polí- Apesar do crescimento da economia, nada fora
tica, com o uso que a ditadura fez da conquista do feito para diminuir os terríveis abismos que sepa-
tricampeonato no México, não seria discutido de ravam classes sociais. A democracia fora abolida.
forma direta pelo cinema no calor da hora. Mesmo E quem se aventurasse a discordar pagava com o
porque não havia clima para isso. exílio, a prisão, perseguições de todo o tipo até
a morte. Mas o futebol jogado era exuberante. E
Entre a esquerda, que havia percebido o risco da vencedor. Ofensivo e competente, adequava-se,
utilização ideológica do futebol pelo regime, criou- como nenhuma outra atividade, à imagem do país
se a ilusão de que seria possível fazer as pessoas que vai para a frente que o regime desejava passar
torcerem contra a seleção. Era uma esperança que para a sociedade. Por isso foi instrumentalizado e
só poderia surgir na cabeça de quem não levava não por sua culpa.
em conta a importância do futebol no imaginário
do brasileiro – mesmo que esse brasileiro fosse Os jogadores campeões foram recebidos pelo ge-
politizado, consciente, de esquerda e contrário neral Médici. Mas nesse aspecto, nada foi diferente
146 ao governo. Porque se podia muito bem lutar em relação a outros times vencedores, também 147
contra a ditadura e ser a favor da seleção, como acolhidos pelos presidentes no poder. A seleção
se viu depois. No calor da hora, não se percebeu o de 58, por Juscelino; a de 1962 por Jango; a de 94
fundamental: o que não se podia tolerar era que por Itamar Franco, a de 2002 por Fernando Hen-
um bem cultural como a seleção fosse apropriado rique Cardoso. Todos os poderosos se aproximam
pelo poder espúrio. Era o que deveria ter sido dito do futebol, se alimentam de sua aura popular, e
– caso houvesse a possibilidade de fazê-lo sem assim o também o fizeram Mussolini, Hitler, Franco
correr sério risco de vida. e outras amáveis figuras do século XX. Continuará
a ser assim no século XXI. É inevitável.
No entanto, trata-se de uma cegueira da esquerda
no mínimo compreensível, dadas as circunstâncias. De toda forma, mesmo num clima eufórico como o
O futebol, durante a vigência do AI-5, era visto da copa de 1970, a coesão interna do país era uma
não como um fator de alienação, como fora nos miragem, um fino verniz que encobria contradições
filmes dos anos 60. Era, para esses setores, algo muito sérias. Esse descompasso entre aparência e
ainda pior. Servia como disfarce sob o qual se realidade seria objeto de um longa-metragem ape-
acobertava um regime assassino. Fornecia a ele nas 10 anos depois. Pra Frente, Brasil, de Roberto
uma capa ideológica perigosa, vistosa e que em Farias (mesmo diretor de Assalto ao Trem Pagador,
Noventa milhões em ação
Pra Frente Brasil, do meu coração
Todos juntos vamos
Pra Frente Brasil, salve a seleção
De repente é aquela corrente pra frente
Parece que todo o Brasil deu a mão
Todos ligados na mesma emoção
Tudo é um só coração.
Onda Nova (1983), de José Antônio Garcia, pouco A emenda pelas Diretas não passou. Sócrates
teria a fazer neste livro não fosse a presença no embarcou para a Itália e, sem a sua liderança, o
elenco de alguns jogadores do time do Corinthians que acabou passando de vez foi a Democracia
da época, como Wladimir e Casagrande. Naque- Corinthiana, termo criado pelo publicitário Wa-
les anos, o time de Parque São Jorge fazia uma shington Olivetto, famoso, rico e corinthiano. Mas
experiência interessante de gestão, que veio a experiências desse tipo, mesmo que em aparência
ser conhecida como Democracia Corintiana. Num frustradas, são importantes. Deixam sua marca, ex-
meio de hábito conservador (e paternalista) como pressam as esperanças de um tempo e ficam como
o futebol, os jogadores aboliam a concentração, exemplos para o futuro, mesmo que não ganhem
nova oportunidade de serem aplicadas.
expressavam suas opiniões políticas e defendiam
comportamentos liberais. Liderados por Sócrates, Esse espírito da época vem à tona, de maneira
Wladimir, Casagrande e outros jogadores, eles incisiva, embora de jeito meio confuso, em Onda
180 decidiam, em colegiado, o que fosse de interesse Nova. Num filme que dialogava de maneira mui- 181
para o clube: contratações, demissões, a escalação to forte com a pornochanchada, a história é a de
da equipe, local e duração das concentrações. Era um time de futebol feminino e seus problemas de
um sopro de renovação no âmbito do esporte. Mais afirmação no mundo macho. Pontuado por cenas
importante: essa liberalidade só se sustentava por- de sexo (hetero e homossexual), o filme tem ainda
que o time, em campo, era vencedor. O Corinthians a participação especial de um engraçado Caetano
foi campeão paulista em 1982 e 1983. Veloso. O mundo do futebol, no entanto, passa
pela trama como um gato passa em cima de água
O modelo corintiano parecia sintonizado às aspi- fria. Mas vale o registro por ter sido uma das poucas
rações do país como um todo e o clube, durante vezes (senão a única) em que o universo do futebol
a gestão do sociólogo Adilson Monteiro Alves na feminino teve alguma chance no cinema de longa-
diretoria de futebol, sofreu não poucas pressões metragem do país. Pelo menos no cinema sério.
do governo militar. Aquela gestão liberal era con-
Já no registro da, digamos assim, comédia erótica,
siderada péssimo exemplo para a população que,
as menções são múltiplas e por motivos óbvios.
pelo contrário, deveria ser instruída na disciplina e
na hierarquia. Ainda mais que esse mau exemplo No universo da pornochanchada, a associação
partia de clube tão popular como o Corinthians. entre sexo e futebol não foi rara. Prova disso são
filmes como O Fraco do Sexo Forte (1973), de Osíris como aquela de 1982. Começou com três vitórias,
Parcifal de Figueroa, sobre um sujeito que ganha 1 a 0 (Espanha), 1 a 0 (Argélia) e 3 a 0 (Irlanda do
na Loteria Esportiva e decide se tornar produtor Norte) para em seguida perder nos pênaltis para
cinematográfico – adivinhe de que tipo de filmes. a França e ser mandada de volta para casa. Quem
Ou o episódio Núpcias com Futebol, de Ary Fernan- venceu a copa foi a Argentina, com Maradona em
des, parte do longa Guerra é Guerra (1976), com seu esplendor.
o corinthiano fanático que se casa em dia de jogo
Nesse ano, no cinema, apenas um filme sobre futebol
contra o rival Palmeiras e parece pouco interessado
e, mesmo assim... Em Trapalhões e o Rei do Futebol
em cumprir a sua parte no acordo matrimonial. Ou
(1986), Renato Aragão, dirigido pelo rei da chancha-
ainda o longa-metragem O Futebol que Elas Gos-
da Carlos Manga, é faxineiro de um clube e assume
tam (1985), também conhecido como A Pelada do
por acidente o cargo de técnico. Com ele, o time
Sexo, dirigido por Mário Lúcio. O título de duplo
começa a ganhar os jogos, o que contraria interesses
sentido diz tudo o que é preciso saber sobre ele.
dos cartolas nas bolsas de apostas. Pelé faz o papel
Aparece quando o próprio gênero pornô da Boca
de um repórter esportivo, Nascimento, que consegue
do Lixo se encontrava em franca decadência.
182 vencer a desonestidade dos dirigentes com a sempre 183
O país tentava exorcizar os 21 anos sob domínio bem-vinda ajuda de Luiza Brunet. Bom público (mais
militar, ao mesmo tempo em que procurava (em de 3,5 milhões de espectadores) neste último traba-
vão) dominar a inflação com o Plano Cruzado, que lho de Carlos Manga no cinema, investimento no
naufragou. Em todo caso, se os preços continuavam humor inocente que rendeu aos Trapalhões algumas
a subir, ao menos respirava-se no Brasil a liberdade das melhores bilheterias dos anos 70 e 80.
social que uma geração inteira não havia ainda Enfim, se o futebol mostrado pela seleção não era
experimentado. lá essas coisas, também não se pode dizer que o
Enquanto isso, a seleção, derrotada de forma trau- cinema estivesse batendo um bolão. O sistema de
mática na copa da Espanha, tentava mostrar que sustentação estatal da Embrafilme já se encontrava
aquela desclassificação fora apenas acidente de per- próximo do colapso e não se via substituto à altura
curso. Preparou-se para a copa de 1986, novamente na linha do horizonte. Era tempo de se repensar e
disputada no México, com uma base formada pelos tentar caminhos inovadores para a produção. Mas
jogadores de 1982, e comandada pelo mesmo téc- não foi bem isso o que aconteceu.
nico, Telê Santana. Como na vez anterior, também
não foi muito longe. E nem chegou a encantar,
Capítulo IV
O Jogo do Mundo
Interessante é o fato de se basear em texto antigo Nessa copa de 1994, o Brasil fez com a Itália a primei-
de Oswald de Andrade, que já havia percebido que ra final da história que terminava por uma disputa
um clube de futebol funciona segundo a estrutura de pênaltis. O 0 a 0 persistiu durante os 90 minutos
de classes da sociedade mais ampla, com o cartola de jogo e nada mudou nos 30 de prorrogação. O
sendo o capitalista e o jogador, o explorado. Já en- lance a ser guardado foi a cobrança do atacante
contramos esse modelo em outros filmes, incluindo Baggio, tido como um dos melhores jogadores do
um documentário tão importante quanto Subter- mundo. Como se lembra, Baggio bateu a penali-
râneos do Futebol. O roteiro de Perigo Negro foi dade e jogou a bola por cima do travessão. Era o
extraído do romance Marco Zero e publicado em quarto título brasileiro, coroando uma campanha
1938 na Revista do Brasil. Pelo que consta, Oswald baseada no realismo de Parreira (compreendeu
que não tinha uma grande seleção) e no talento de jogar bola, definiu o estilo europeu como um
de Romário, o nome da copa de 1994. futebol de prosa. E o estilo sul-americano, brasi-
leiro em particular, como futebol de poesia. Não
Passado o período Collor, o cinema nacional tam- fez distinções de valor entre um e outro. Apenas
bém saiu da fila e os filmes recomeçaram a surgir. constatou que determinados povos, por razões
Quis o acaso que fosse um brasileiro a dirigir o culturais e históricas, jogam de um jeito, enquanto
documentário oficial da Fifa justamente em 1994, outros povos jogam de outro. O futebol europeu
quando a seleção ganhava a copa. E foi um cineasta depende muito da organização tática e do jogo
especial, Murilo Salles, grande fotógrafo, diretor coletivo. O sul-americano, poético, seria um futebol
experiente e de muitas qualidades, que compreen- que se inventa, improvisa, desloca significados e cria
deu perfeitamente o que uma partida de futebol o novo. Um futebol do drible. Se a poesia cria novas
contém de dramaticidade e beleza plástica. Tanto possibilidades de linguagem pelo uso das figuras de
assim que o filme – aqui lançado em 1996 como linguagem como metáfora e metonímia, o futebol
Todos os Corações do Mundo – atinge seu ápice brasileiro ampliaria os limites do jogo com os dribles,
na seqüência final, nessa última partida, Brasil o jogo de corpo, os passes e deslocamentos inespe-
194 contra Itália. rados. Um futebol que se poderia definir também 195
como futebol de invenção. De arte. E uma arte que
O jogo em si não foi grande coisa, a não ser pelo havia batido no México a prosa estetizante da Itália.
fato de que se disputava uma final de copa do Pasolini cita o Brasil como o maior representante
mundo e isso entre duas seleções vencedoras de do futebol de poesia, pois estariam aqui os maiores
três títulos mundiais cada. Era um tira-teima (mais dribladores do mundo (Pasolini, 1999).
um) entre Europa e América do Sul. Seria, em tese,
o desafio entre o futebol prático, de pouco brilho Pois bem, se Pasolini pudesse assistir àquele jogo
e eficiente dos italianos contra o futebol-arte do de 1994 entre Itália e Brasil (morrera assassinado
Brasil. Um duelo de estilos que se repetia 24 anos em 1975) provavelmente rasgaria a tese. Vinte anos
depois de o Brasil massacrar a Itália por 4 a 1 na depois, os dois países jogavam de maneira muito
final da copa do México. semelhante. A primeira ordem era não tomar gols,
depois tentar fazer um golzinho no adversário e
Naquela ocasião, o cineasta, poeta e polemista levar o título. Um queria ser mais pragmático do
Pier Paolo Pasolini, impressionado com o que vira, que o outro. E, com tanto excesso de zelo, a beleza
escreveu um ensaio hoje clássico sobre o futebol. do jogo foi para o espaço. Zero a zero, depois de
No texto, Pasolini, que não era só teórico e gostava 120 minutos de disputa.
Mas é claro que um jogo não se mede apenas pelo Todos os Corações do Mundo compreende aquilo
número de gols e aquela foi uma partida tensa, em que o futebol havia se convertido na socieda-
tática, e de pouca margem para o espetáculo. de do espetáculo. Inspira-se, de forma explícita, à
maneira de uma homenagem, à melhor escola de
No entanto, Murilo Salles captou de maneira filmagem do jogo, a do Canal 100.
magnífica aquele drama sem maiores atrativos
aparentes que se desenrolava em campo. E o fez Câmeras próximas dos jogadores, filmagem ralen-
da maneira a mais cinematográfica possível – sem tada, diálogo constante entre o que se passa no
nenhuma palavra. O filme, que é muito bom em campo e que acontece fora dele, na torcida – esse
seu todo, embora convencional até esse jogo, coro grego do mundo do futebol. Tudo isso para
muda de figura quando avança rumo à partida compor o cenário de uma copa do mundo, talvez
final. Passa a valer-se única e exclusivamente da o maior espetáculo sobre a Terra. Um show do
imagem, captada por várias câmeras e de ângulos qual o público faz parte integrante, e não apenas
diferentes. O esforço dos atletas, a disputa pela aquele que o acompanha no estádio ao vivo, mas
bola, centímetro a centímetro, o suor, os músculos uma platéia planetária. O futebol como espetáculo
196
no limite de sua extensão e esforço – tudo está lá. global, festa da TV. 197
Até chegar a prorrogação e a manutenção do zero Claro, filmar o público, torná-lo parte do show, não
a zero. E finalmente os pênaltis. era propriamente uma novidade. Filmes das copas
Murilo deve ter sido o único brasileiro a festejar mais antigas, como as de 1950 e 1958, já utilizavam
aquela até então inédita disputa de um título imagens dos espectadores. Cedo os cinegrafistas
descobriram que havia um espetáculo à parte logo
mundial por pênaltis. Eu sabia que então a dra-
ali nas arquibancadas, e este podia ser tão interes-
maticidade seria total, o que beneficiaria o filme,
sante quanto o que se passava nas quatro linhas do
disse em entrevista. De fato, não se pode conceber
campo. Torcedores empolgados ou desesperados,
situação mais tensa do que uma copa do mundo
damas que perdem a classe e xingam o juiz, gente
sendo resolvida na assim chamada loteria dos pê-
que se abraça, gente que ri ou que chora – tudo
naltis. A bola parada na cal, o batedor, o goleiro, a
isso faz parte do espetáculo humano com o qual
humanidade por testemunha. Nessa situação ultra-
se compõe o futebol.
simplificada se pode dizer que reside o drama do
futebol em estado bruto. E Murilo captou-o com Com o Canal 100, essa presença do público na tela
uma felicidade rara. ampliou-se. Ganhou presença maior, baseada
numa espontaneidade que hoje se perdeu nas
transmissões esportivas pela TV – o público agora
sabe que está sendo filmado e se exibe para a
emissora, muitas vezes portando cartazes com
mensagens, que visam a atrair o olhar da câmera.
Em todo caso, discípulo da escola do Canal 100,
Murilo entendeu que a copa era algo muito mais
amplo do que aquilo que se passava no campo de
jogo. E portanto ampliou o alcance de suas câme-
ras, isto é, de sua visão, pelas ruas das cidades
americanas onde se disputavam os jogos, pelas
arquibancadas, mas também pelas cidades do
mundo onde se acompanhavam as partidas pela
televisão. Inaugurou quase que uma câmera tes-
temunha, um olho onipresente. E este olho lá es-
198 tava para ver Baggio perder a sua cobrança de 199
pênalti e dar o quarto título mundial ao Brasil. No
registro sinfônico-operístico imposto por Todos os
Corações do Mundo.
Consciência de Si
Todos os Corações do Mundo foi um passo adiante
no registro de uma copa do mundo, a primeira
realmente global, de alcance planetário e sob o
domínio amplo da televisão. Mas é com dois filmes
do primeiro semestre de 1998 que o cinema toma
consciência, mais uma vez, e agora para valer, da
importância cultural do jogo para o país, como já
o fizera nos anos 60 em outras circunstâncias. E, o
que é mais importante, Boleiros, de Ugo Giorgetti,
e Futebol, trilogia de João Moreira Salles e Artur Boleiros, com Cássio Gabus Mendes, Denise Fraga e Otá-
Fontes, reparam que o jogo está mudando e que vio Augusto
essas transformações merecem acompanhamento
por parte do cinema.
230
Na mesma reportagem, o produtor Luiz Carlos Bar- 231
reto conta que quando tentou vender Garrincha,
Alegria do Povo para a Inglaterra, foi desestimu-
lado por um colega daquele país. Segundo ele, o
inglês típico é fanático por futebol. Vai ao estádio
aos domingos e deixa a mulher em casa. Ao longo
da semana, trabalha durante o dia, chega e vai
ouvir no rádio o comentário esportivo. O futebol
é uma barreira entre os sexos. Quando ele for
levar a mulher ao cinema, ela vai querer qualquer
coisa, menos um filme de futebol. O cineasta Zeli-
to Viana disse que queria ver Pelé Eterno, mas
precisava arranjar outro filme no mesmo horário
para a mulher porque ela se recusava a ver um
documentário sobre um jogador. Mesmo que esse
jogador fosse o maior de todos os tempos. Pouco
importa. Futebol, nem pensar. Cena de Uma História de Futebol
ainda sobre as mulheres o estigma do fracasso de nos campos de pelada, algumas jogadas que se
bilheteria de um título que teria tudo para atrair tornarão marcas registradas do Rei. Um exemplo:
multidões. Afinal, o que as esperava na tela era o famoso drible de corpo no goleiro do Uruguai,
melhor ator do mundo em sua área de atuação e Mazurkiewicz, na copa de 1970.
o um trabalho competente para colocá-lo em cena.
Só faltou mesmo a platéia. As Mulheres Boleiras
Não se sabe se foram as mulheres que impediram
O curioso é que a trajetória de vida do Rei está na os maridos de ver Pelé Eterno no cinema, mas de
origem de outro filme – Uma História de Futebol qualquer forma nem tudo está perdido. Um índice
(1999), de Paulo Machline, concorreu ao Oscar de de que talvez o relacionamento das mulheres com
melhor filme em sua categoria, aproveitando-se, o futebol esteja mudando é o curta-metragem
talvez, da notoriedade de Pelé, mesmo nos Estados Decisão (1998), de Leila Hipólito. O filme é des-
Unidos, um dos poucos países do mundo que não pretensioso e a história muito bem contada. Rapaz
elegeram o futebol como seu esporte nacional. Mas (Murilo Benício) namora a bonita Letícia Sabatella.
Pelé, como se sabe, depois de encerrar a carreira O caso não vai adiante porque ele dá prioridade
232 na seleção brasileira e no Santos, foi jogar no New ao futebol e a moça tem outros programas em 233
York Cosmos, uma estratégia (infrutífera) de um mente. Separam-se. Mas ele sente saudades. Um
grupo de empresários para tornar o esporte mais dia, um amigo lhe dá um ingresso para o balé, onde
popular nos Estados Unidos, recrutando craques ele poderá reencontrar a garota e tentar reatar.
famosos em fim de carreira. Além de Pelé, jogaram
O problema é que o horário do espetáculo é o
no Cosmos Carlos Alberto Torres e Franz Becken-
mesmo da final do campeonato, com o Flamengo
bauer, entre outros.
jogando contra o Vasco. Como está apaixonado,
Em Uma História de Futebol, Machline inspira-se na o rapaz vai ao Municipal, mas leva um walkman
biografia de Pelé, mas apresenta-se como filme de e fica escutando a narração da partida enquanto
ficção. Mas estão lá todas as passagens dessa vida assiste ao balé. Vibra com os gols que ouve e a ex-
consagrada, inclusive as peladas nos campinhos de namorada pensa que ele está emocionado com o
terra que já haviam assinalado o menino como um espetáculo. Voltam para casa, retomam o namoro
fora de série. O filme brinca com esse fato. Nunca e ele se surpreende quando ela sugere que vejam
assume que se trata de Pelé, mas o espectador sabe os melhores momentos do jogo na TV. Sabe como
disso o tempo todo. E, se não sabe, algumas senhas é, ela diz, com o tempo que passei junto com você,
o avisarão. Por exemplo, o garotinho antecipa, eu acabei gostando também de futebol.
234 235
Freqüentam os campos de futebol, praticam o jogo e O filme é despretensioso e procura apenas trazer
o compreendem. Já existem árbitras e bandeirinhas. para o, digamos assim, campo da rivalidade futebo-
A queda desse preconceito será importante para lística, aquela inimizade mais fundamental, de
o relacionamento futuro entre cinema e futebol. Verona, descrita por William Shakespeare em sua
Mesmo porque, segundo se sabe, quando um casal peça. Assim, como não existe conciliação possível
vai ao cinema, em geral é a mulher quem escolhe entre as famílias Montecchio e Capuleto na Verona
o programa. Algo está mudando. E, não por acaso, medieval, também aqui, na São Paulo do século
o filme que detecta essa mudança, Decisão, é, ele 20!, é impossível que uma família palmeirense e
próprio, dirigido por uma mulher. outra corintiana, ambas fanáticas por seus clubes,
se unam pelo matrimônio.
236 Mas antes dela, outra diretora já havia invadido esse 237
templo da masculinidade – Laís Bodanzky, que depois A solução de Ricca será se fazer passar por palmei-
dirigiu o premiado Bicho de Sete Cabeças, estreou rense, o que não é fácil para um chefe de torcida do
com o curta Cartão Vermelho (1994), que tem como Corinthians como ele. Sacrifício que se estende até a
protagonista Fernanda (Camila Kolber), garota que ida a Tóquio, em companhia do futuro sogro, para
gosta de jogar com os meninos e bate um bolão. Às a partida em que o Palestra joga (e perde) para o
vezes é até um pouco agressiva com seus adversários. Manchester em busca de um título mundial. Algu-
Mas Fernanda é uma menina pré-púbere e tem de mas das peripécias têm sua graça e o filme, como
enfrentar esse rito de passagem feminino. O cartão não poderia deixar de ser em tempos politicamente
vermelho, brandido pelos juízes nos campos de fute- corretos, termina com uma mensagem de tolerância
bol de verdade, é uma alusão à entrada da menina mútua, do tipo: eu tenho meu time e você tem o
na puberdade com a primeira menstruação. seu. Podemos muito bem conviver com isso.
Outro filme que se interessa pelo novo relaciona- Conclusão justa, bastante distante do fanatismo
mento da mulher com o futebol é a comédia O violento que se observa nas modernas torcidas orga-
Casamento de Romeu e Julieta, de Bruno Barreto. nizadas, incluindo as dos dois times em questão.
Nele, o que se tem é uma situação cômica, tirada Mas, com suas limitações – que são muitas –
O Casamento de Romeu e Julieta nos mostra como
fica interessante o uso do futebol como material de
ficção. Enriquece a trama e a aproxima das pessoas,
já que o futebol faz parte do cotidiano delas.
O Jogo do Cifrão
Depois de certo tempo, os cineastas começaram a
compreender que o mundo da bola – junto com o
mundo em geral – havia mudado para valer. E al-
guns filmes passaram a registrar o fato de maneira
mais direta, com intenção crítica ou não. Entre eles,
alguns títulos lançados entre 2005 e 2006 – Ginga,
O Dia em que o Brasil Esteve Aqui, Sonho de Bola
e Boleiros 2 – Vencidos e Vencedores.
Nota-se a tentativa de pôr em cena a famosa magia O filme é muito bem-feito e faz questão de manter
do futebol brasileiro. Talvez a origem dela esteja o astral lá em cima. Não busca compreender grande
na dança, na música, como achava Gilberto Freyre, coisa e nem abre espaço para pensamentos depres-
talvez tudo se sedimente no fato de que esse jogo sivos, tais como o fato de que o talento brasileiro
seja praticado em todos os cantos de um país enor- virou item de exportação. Aliás, do ponto de vis-
me. Talvez, e isso não é ufanismo, se beneficie de ta publicitário, é até melhor assim. Nada como
associar a marca de um material esportivo a um afluência, da publicidade, das marcas de material
jogador que brinca com a bola, como Robinho, por esportivo e da infinidade de produtos e serviços
exemplo, e que esse vínculo tenha projeção inter- que se associam ao multimilionário futebol da
nacional e não apenas no limitado mercado interno globalização. Neste caso, como em outros, trata-se
brasileiro. Astros globais vendem no mundo todo de fato de uma peça publicitária. Mas não devemos
e não apenas em seus países de origem. nos iludir. Muitas vezes, nos filmes, documentais ou
de ficção, está ficando cada vez mais difícil distin-
Essa imagem lúdica – e também associada ao suces- guir o que é publicidade do que não é. O futebol
so – tornou o jogador globalizado moeda forte do não seria exceção na era do simulacro.
mundo publicitário. Recentemente, um grupo finan-
ceiro espanhol, que comprou um banco brasileiro O Jogo Nosso de Cada Dia
e se instalou no país, promoveu uma campanha Ao lado desse futebol das corporações, um futebol
de US$ 100 milhões, contratando alguns dos mais ainda quase romântico, ou pré-capitalista aparece,
famosos atletas da seleção – Ronaldinho Gaúcho, por exemplo, no episódio Meia Encarnada Dura de
Ronaldo, Cafu, Kaká, Roberto Carlos e Robinho. Sangue (2001), dirigido por Jorge Furtado para a
254 TV Globo. 255
Estrategicamente, com exceção de Cafu e Kaká,
todos os outros quatro jogam no Campeonato Es- Baseado em conto homônimo de Lourenço Ca-
panhol. Mensagem subliminar – a Espanha é logo zarré, fala do jogador negro que tem de escolher
ali, povos irmãos, latinos; jogar no Real Madrid entre o time pobre em que joga e o time dos ricos,
ou no Barcelona é a mesma coisa que jogar no que lhe oferece uma casa como recompensa. Nesse
Flamengo, no Corinthians ou no Santos. Da mesma relato modesto, temos de volta o futebol do inte-
forma, esse banco, que cultua os nossos meninos, rior, dos campos de terra, onde se tematiza esse
seria tão brasileiro quanto eles, apesar de vir de dilema do jogador – entre a fidelidade ao time do
fora. Merece que lhe confiemos o nosso dinheiro. coração e as recompensas financeiras oferecidas
Nas peças publicitárias os jogadores estão vestidos pelo adversário. Não espanta que tenha sido es-
com as cores da seleção brasileira, com exceção colhido por Jorge Furtado, um artista consciente
do logotipo do banco, estampado no peito das dos efeitos do capital sobre o comportamento das
camisas, amarelas, é claro. pessoas. Essa pequena história discute esse tema
básico do jogo, que vem sendo debatido desde
Estamos aqui naquele mundo em que futebol e os tempos da adoção do profissionalismo, ainda
os altos negócios se dão as mãos. É o mundo da na década de 30 – qual o papel desse elemento
estranho, o dinheiro, na matéria simbólica da qual O filme revela, dessa maneira bastante inesperada,
ele se julga feito, isto é, a fidelidade às origens, a e através da descoberta de um rito pouco conheci-
um time, a uma vizinhança? As relações humanas do, essa função esquecida de socialização exercida
ou o vil metal? pelo futebol na comunidade brasileira. Aqui, es-
tamos anos-luz distantes do futebol profissional,
Já um documentário como Preto contra Branco, de com seu dinheiro, seu marketing, seus ídolos, seus
Wagner Morales, feito para o programa DocTV do produtos a serem vendidos. Aqui temos o futebol
Ministério da Cultura, nos abre os olhos para outra de fato popular, jogado na várzea, em campos
realidade. O filme revela tradicional partida de precários, por amadores. A função do jogo aparece
futebol em Heliópolis, São Paulo, no qual brancos aqui em toda a sua pureza, digamos assim. Não há
jogam contra negros. A tradição foi iniciada em nada externo a ele (interesses econômicos, etc.)
1972, por moradores de São João Clímaco, em He- que o justifique. Ele se justifica por si e pelo que
liópolis, zona Sul de São Paulo. Numa comunidade representa, em termos de valor simbólico, para a
altamente miscigenada, o problema é separar os comunidade. Em plena era do futebol-negócio,
brancos dos pretos para formar os times. O jogo um filme como Preto contra Branco testemunha a
256 sempre se realiza no mês de dezembro e seu re- sobrevivência do futebol em suas funções mínimas 257
sultado vira o assunto preferido dos moradores ao para a sociedade.
longo do ano.
É o futebol pequeno que, distante dos interesses
Logo se vê que o tal jogo tem valor ritual. Feito para econômicos multinacionais, continua a ser prati-
atenuar diferenças, acaba por revelá-las. A questão cado pela gente do povo – de onde saiu, aliás,
racial, de abordagem tão difícil, é exposta a pretex- convém não esquecer.
to da escalação das equipes. Quem é preto, quem
é branco? Resposta: quem se declara como tal. As Da mesma forma, o futebol cotidiano tem apareci-
tensões raciais estão lá e são encaradas sob a forma do de maneira incidental em vários filmes recentes,
de piada. O jogo anual, estabelecido como rito pela como Carandiru, de Hector Babenco, Bicho de Sete
comunidade, atualiza essas tensões e, ao mesmo Cabeças, de Laís Bodanzky, e Cidade de Deus, de
tempo, ajuda a comunidade a lidar com elas. Dito Fernando Meirelles, para ficar em três exemplos.
isso, convém esclarecer que essas conclusões se tiram Em Carandiru, um dos momentos mais emocio-
a partir do filme. Não há nele uma voz autoritária, nantes é aquele em que os presos cantam o Hino
em off, forçando a conclusão. Ela fica por conta do Nacional antes da partida entre os dois times rivais
espectador. Mas é bastante evidente. de detentos. Naquele momento, o diretor conse-
gue, em poucos momentos, realizar a aproximação visita seus pontos preferidos. Um antiturismo por
do preso com o homem brasileiro comum. E que excelência, preferindo os botecos de periferia, as
melhor estratégia para isso do que o Hino Nacional, casas das tias onde se faz samba aos ícones mais
cantado antes de uma partida importante? conhecidos. Mas há uma passagem obrigatória
pelo Maracanã, em dia de jogo do Flamengo. E lá
Em Bicho de Sete Cabeças, a relação conflituosa as câmeras registram o colorido da torcida, para
entre pai e filho aparece mediada pelo futebol deleite de Jano. E, evidentemente, de um dos dire-
quando o pai (Othon Bastos) leva o filho (Rodrigo tores do filme, Eduardo Souza Lima, flamenguista
Santoro) a um jogo do time deles, o Santos. E, em doente. Para além da globalização e da lógica
Cidade de Deus, a ação começa com uma partida no imperial do mercado, o futebol doméstico conti-
campinho de terra do conjunto habitacional, com nua no coração das pessoas, é ele que impregna o
os personagens jogando, até que um deles alveja a nosso cotidiano. Podemos (devemos) muito bem
bola com seu revólver – uma cena de faroeste que olhar o mundo, mas é o nosso quintal que mexe
dá a dimensão da violência que vem pela frente. mais com a gente.
258 O futebol comparece de maneira cômica nos filmes Esse futebol de todos nós vai continuar a apare- 259
Rádio Gogó (1999), de Araripe Jr., A Taça do Mun- cer no cinema. O diretor Reinaldo Pinheiro está
do é Nossa (2003), de Lula Buarque de Holanda, preparando um documentário sobre o futebol de
ou O Mundo Segundo Sílvio Luiz (2000), de André várzea – ou o que restou dele numa cidade como
Francioli, para citar apenas alguns títulos recentes. São Paulo.
Neles, o futebol se associa ao bom humor, um traço
brasileiro também ameaçado de extinção numa E Sampa será também locação de Linha de Passe,
época tão séria, pedante e mal-encarada como a longa-metragem de Walter Salles e Daniela Tho-
nossa. mas sobre o futebol da periferia. Na história que
será filmada pela dupla (a mesma de Terra Estran-
Mas nem tudo está perdido e o futebol continua a geira), quatro garotos esperam fugir à pobreza por
fazer parte da paisagem e da alegria das pessoas. meio do futebol.
Por exemplo, o documentário O Rio de Jano (2004)
fala do relacionamento do cartunista francês com Esse tipo de registro será, talvez, contraponto para
a cidade do Rio de Janeiro e a maneira como ele o mundo do futebol chamado de alto nível, cada
a interpretou em seus desenhos geniais. A equipe vez mais exclusivo das grandes potências. Com seu
de filmagem passeia pela cidade com o artista e poder de sedução monetária, clubes – Milan, In-
ternazionale e Juventus, Real Madrid e Barcelona, ex-premiê italiano Silvio Berlusconi, dono do Mi-
Chelsea e Manchester – tendem a se assemelhar a lan, andou propondo que o Campeonato Mundial
outras grandes corporações do capitalismo global. de seleções seja substituído por um torneio entre
Com capacidade de aliciamento sem par, monopo- clubes. Dessa maneira não haveria essa interferên-
lizam os melhores jogadores de todo o mundo e cia indevida na ordem capitalista, que reserva os
reduzem a concorrência em seus próprios países. prêmios para o mais rico. Competiriam para valer
Daí a tendência, na Europa, dos campeonatos os clubes com mais dinheiro, que assim pudessem
nacionais se limitarem à disputa entre dois, ou escalar os melhores jogadores, comprados a peso
no máximo três clubes. Como em outros setores, de ouro.
também no futebol o capital se concentra, com
Daí a antiutopia futebolística ensaiada pelo econo-
graves danos para a livre concorrência.
mista francês Jacques Attali em seu provocativo Di-
E como quem já tem o mercado quer sempre mais, cionário do Século 21: Esse esporte se transformará
os clubes mais ricos, através do seu representante, em indústria de altíssimo nível; os times tornar-
o G-14 (que, na verdade, reúne 18 agremiações se-ão propriedade de empresas multinacionais no
260 da Europa) vêm pressionando a Fifa para serem controle de numerosos clubes no mundo inteiro e 261
remunerados quando emprestam seus atletas às constituindo equipes de jogadores circulando de
seleções nacionais. Querem cobrar um aluguel pelo um time a outro segundo as necessidades. Attali
atleta, limitar mais ainda o número de datas dos ainda prevê modificações na própria estrutura do
jogos entre seleções e obter reembolso em caso jogo como forma de atender às necessidades do
de contusões. show biz: Para continuar sendo um dos espetáculos
dominantes, terá de tornar-se mais violento, mais
Tudo vai no sentido de uma limitação maior às rápido, mais dramático. As partidas serão picota-
seleções nacionais. De fato, o mundo do futebol das em seqüências mais curtas. A possibilidade de
é regido de maneira muito direta pelo dinheiro, a fazer mais gols será providenciada. Suas regras e
não ser no caso das seleções. Quando reúne seus sua prática tenderão a convergir para as do rúgbi
jogadores expatriados para formar um time, o po- e do futebol americano (Attali, 2001, p. 193).
bre Brasil é o Primeiro Mundo e não a rica Espanha,
para citar um exemplo. Não é preciso levar ao pé da letra a distopia de
Attali para concluir que o futebol está a caminho
Assim, uma copa do mundo é uma notável exceção de mudanças talvez inesperadas. Vem se transfor-
à lei suprema do capital. Por quanto tempo? O mando desde que entrou para valer no circuito
dos grandes negócios mundiais. A concentração de cinema não está só nessa alienação. Leiam e ouçam
poder econômico na Europa teve como contrapar- os comentaristas esportivos, sempre dispostos a
tida o enfraquecimento dos centros futebolísticos condenar a falta de estrutura do futebol brasilei-
de outros países, em especial na América do Sul, ro, o despreparo dos dirigentes, etc., mas também
embora o outrora criativo futebol africano também sempre omissos em relação às desiguais relações
tenha entrado na dança. Para que não se diga que de poder do futebol internacional. Nesse particu-
essa constatação é choradeira terceiro-mundista, lar, Nelson Rodrigues ainda é atual, e o brasileiro
ela aparece, sob a forma de consciência do imperia- continua sendo um narciso às avessas, que cospe na
lismo europeu, num bonito filme italiano chamado própria imagem. Diante do sinhozinho europeu, só
Puerto Escondido (1992), de Gabriele Salvatores
nos cabe submissão e deslumbramento.
(também diretor de Mediterrâneo com o qual
ganhou o Oscar na categoria de melhor produção Enfim, esse parece ser o estágio atual da história
estrangeira). Dois italianos, no exterior, conver- do futebol brasileiro. Nascido na elite, foi a duras
sam, nostálgicos: Sabe qual é o país mais lindo do penas apropriado pelo povo, que, no final de um
mundo? É aquele que tem também o campeonato longo processo, dos anos 1990 em diante, viu-se
262 mais lindo do mundo: a Itália! E o outro, realista, novamente desapropriado do que conquistara, 263
responde: Mas para a Itália ter o campeonato mais pelo menos dos seus maiores ídolos, também eles
lindo tem de produzir pelo mundo centenas de
vindos do povo. Um círculo que se fecha.
outros campeonatos que dão nojo de ver. É simples
assim. Para concentrar talentos, você tem de tirá- E que poderia conduzir ao pessimismo, não fosse
los dos seus países de origem. essa uma desapropriação parcial, uma vez que o
futebol continua a ser praticado em toda parte,
Poucas vezes, talvez nunca, o cinema brasileiro foi
assim tão simples, direto e incisivo no diagnóstico por gente de todas as classes sociais. E, se somos
desse estado das coisas do futebol contemporâneo privados do tal futebol de alto nível, que agora se
como esse italiano nostálgico do seu calcio, coloca- joga alhures e com jogadores saídos daqui, sempre
do por Salvatores em Puerto Escondido. Será por podemos bater a nossa bolinha por aqui mesmo e
pudor? Ou pelo sempre vigente complexo de vira- nos divertirmos e emocionarmos com os boleiros
latas brasileiro, que nos torna responsáveis por tudo remanescentes. Os que não têm mercado lá fora,
de ruim que acontece, mesmo que, neste caso em ou porque ainda são jovens demais ou porque
particular, sejamos de fato a parte fraca em uma passaram da idade. Ou porque não têm bola para
ordem econômica que nos ultrapassa? De resto, o tanto.
Talvez agora o cinema esteja despertando a sua Parte II
sensibilidade para tematizar tanto o futebol dos
grandes ídolos, cada vez mais onipresentes pela Segundo Tempo
TV e sempre mais distantes dos comuns mortais,
quanto o futebol do dia-a-dia, da rua, da nossa As Entrevistas
esquina, aquele praticado pelas pessoas normais,
próximas, iguais a todos nós. João Moreira Salles (Rio, 1962)
João Moreira Salles é autor de alguns dos mais
Assim, ao mesmo tempo em que existem projetos importantes documentários do cinema brasileiro
milionários para documentários sobre os astros contemporâneo: Notícias de uma Guerra Particular
globais, como Ronaldo Fenômeno e Ronaldinho (2000), Nelson Freire (2004) e Entreatos (2005). Veja
Gaúcho, há esse interesse renovado pelo futebol os temas: a violência ligada ao tráfico nos morros
de várzea, tido como moribundo, o futebol das cariocas, um pianista genial, os bastidores de uma
periferias e dos morros. O pobre e o rico, o global campanha política. Preocupado com a temática
e o local convivem, o que aliás seria de se prever.
social, em seus múltiplos aspectos, mas sobretudo
264 com a questão da forma documental, esse bota- 265
Nessas duas direções, entre as celebridades e os
anônimos, os projetos se avolumam. O cinema foguense engajado dirigiu em 1998 a trilogia Fute-
mostra mais fome de bola neste início de século bol, em parceria com Arthur Fontes.
do que em toda a sua história anterior.
O que te parece essa tentativa de fazer um livro
relacionando futebol e cinema brasileiro?
Acho que é um pouco como fazer um livro extraor-
dinário sobre as escolas de samba de Tóquio (risos).
O objeto em si é relativamente pobre (o cinema e
o futebol). Quer dizer, o futebol é riquíssimo, mas
o cinema que se fez sobre ele é comparativamente
muito pobre.
A partir dessa experiência infantil e juvenil, você O filme é muito focado no Santos, o grande time
chegou ao futebol no cinema de que maneira? da época, e, num plano menor, no Palmeiras. Há
Vale lembrar que o Subterrâneos faz parte de um também uma presença forte do Corinthians, como
projeto mais amplo de mapeamento nacional, o rival do Santos, inclusive com a presença da torce-
Brasil Verdade, e você ficou com o futebol. Me dora-símbolo, a Elisa. Por que essas escolhas?
explique essa opção. O Santos, era óbvio, por causa do time e do Pelé...
Quando o Farkas tornou viável o projeto de quatro E pela esperança concretizada naquele ano de 1964
médias-metragens, não tive dúvida em escolher de que estávamos seguindo o campeão. E não deu
o futebol como um dos temas. Estava pronto e outra. O Corinthians porque era o time freguês...
maduro para transformar em imagens e sons as E a torcida, principalmente a Elisa, o símbolo do
sofrimento do perdedor... O sofredor pobre coita- Engraçado que tivemos há algum tempo em São
do... Enfim, nem precisava da narração. Paulo uma mesa-redonda comigo, o Juca Kfouri e o
João Moreira Salles justamente sobre isso. Segundo
As imagens de jogo são todas suas ou algumas são o Juca nada mudou, mais do que isso, talvez piorou.
do Canal 100? Como filmar o futebol, para que ele No caso dos jogadores continua a distância entre
mantenha o seu encanto e magia plástica? Esse é poucos craques que ganham fortunas e muitos que
um desafio para os cineastas? trabalham, quer dizer, jogam pelo salário mínimo.
Usamos imagens do Canal 100 só para os créditos. Isso na primeira divisão, no Brasileiro. É só ver o
Os gols do Maracanã eram provavelmente da Tupi orçamento do São Caetano, por exemplo, e vamos
ou da Globo, não me lembro mais. Aprendemos chegar ao tema dos incluídos e dos excluídos. Talvez
com o Canal 100 na verdade como filmar o futebol. tenha que ser isso mesmo... Afinal, estamos em que
Além do Farkas, que fazia mais as entrevistas, os país, em que regime econômico? Era muita inge-
jogos eram filmados pelo Armando Barreto, que nuidade da minha parte... Ou talvez um excesso de
fora cinegrafista do Canal 100. O segredo estava rigor ideológico, fazer essa pergunta. É só pergun-
na velocidade da câmera. O futebol deve ser fil- tar: Qual a entidade mais rica do futebol brasileiro?
296 mado a 30 quadros por segundo porque senão Os clubes? Não, a CBF e algumas federações... Quer 297
não se enxerga a bola. No caso da televisão já é dizer, o capitalismo está na direção do futebol e
diferente porque são 29 frames que correspondem então seja o que Deus quiser. No caso do torcedor
aos quadros do cinema. Então aprendemos isso e não tem jeito... Vai ser assim até a eternidade. Quem
o uso da teleobjetiva que era a marca registrada consegue desfazer o nó paixão x torcida? E de outra
do Canal 100. Filmamos quase todos os jogos do forma não teria graça, não é?
Santos naquele campeonato, tanto no Pacaembu,
na Vila Belmiro, e nas cidades como Piracicaba no Acho muito bonito aquele final, com o torcedor
estádio do XV, Campinas, etc. santista comemorando o título de forma alucinada
e depois um corte para o estádio, vazio já e com os
O filme faz uma pergunta: Quem ganha com isso? jornais pegando fogo nas arquibancadas. O que o
De um lado está o torcedor pobre; de outro, o levou a fazer esse final?
jogador, que apesar de ganhar bem está sujeito Foi uma cena captada por acaso no vestiário do
a contusões e tem carreira breve. Além disso, Santos em Vila Belmiro logo após o time ganhar o
naquela época, estava preso ao clube pela Lei do campeonato de 64 na final contra a Portuguesa por
Passe. Afinal, quem ganha com tudo isso?, como 3 a 1. O último gol foi do Pepe, que está filmado no
você se perguntava. E o que mudou hoje? meio de muita chuva. Quando estávamos na edição
e precisávamos de um final, encontrei a imagem o futebol está se colocando na balança comercial
meio perdida e funcionou muito bem. como matéria-prima do futebol estrangeiro? Os
meninos estão saindo daqui cedo, aos 14, 15 anos.
Vamos falar um pouco do presente. Depois de
Alguns mais cedo ainda. Enfim, começamos com
muitos anos sem se dedicar ao futebol no cinema,
o pau-brasil, depois o açúcar, o café, hoje a carne,
você voltou ao tema com aqueles programas para
a laranja e os meninos craques do futuro futebol
o Canal Brasil e agora com esse novo projeto, sobre
o que define um torcedor na infância. Você poderia europeu... Não deixa de ser carne também... Só que
falar um pouco desses projetos? humana, como as prostitutas e os travestis...
Os programas no Canal Brasil, documentários de Provavelmente na copa o Brasil jogará com uma
meia hora intitulados O País do Futebol, são temas
seleção em que nenhum atleta atua no Brasil.
pinçados do projeto de um longa que gostaria de
Acha que isso pode influir na identificação que o
fazer. Vou rodar mais quatro programas, desta
torcedor tem com a seleção?
vez com Zico, Romário, Tostão e Zagallo. Se tudo
correr bem, vamos ter ano que vem mais quatro Isso já foi constatado pelo Gérson. Há um certo
documentários e um especial de 55 minutos com estranhamento da torcida com a nossa seleção.
298
uma edição das quatro horas que vou ter. Quanto Ela perdeu o contato direto como o povo. Está 299
ao longa, vamos ver se aparece um patrocinador... distante. Mas numa copa pode ser que a torcida
A idéia é estabelecer certos vínculos temáticos que, volte a se encontrar...
no conjunto, explicam um pouco o que somos a
Acha que o futebol cumpre hoje outras funções no
partir do futebol. Na verdade, o filme e os pro-
imaginário coletivo diferentes das que tinha nos
gramas procuram estabelecer a nossa identidade
a partir da vivência, participação e envolvimento anos 60, quando você fez o Subterrâneos?
do povo brasileiro com o futebol. Eu tenho a impressão de que os anos passam, mas
o imaginário se desenrola mais ou menos no mes-
Como vê as mudanças que ocorreram no futebol mo nível. Não temos mais Pelé, Garrincha, Zico,
brasileiro e mundial dos anos 60 para cá? Como Tostão e tantos outros próximos do alambrado e
analisa esse futebol globalizado, em que os clubes da geral onde se aboletava o torcedor. E ali estava
mais ricos levam os jogadores brasileiros cada vez a redenção do herói corporificado no craque do
mais jovens para o exterior? seu time.
Engraçado o que se passa no futebol. Somos por
tradição um país importador de bens manufatu- Para o torcedor, o jogador não é um homem co-
rados e exportador de matéria-prima. Não é que mum... É uma entidade como um orixá que baixa
no campo e faz seu time ganhar... Ele é visto mática que tenha o futebol como pano de fundo.
como um ser superior, privilegiado porque não se O Romeu e Julieta do Bruno Barreto ficou aquém
dedica a um trabalho vulgar, mas sim porque se das expectativas, mas quase chegou ao 1 milhão
tornou um artista da bola. Temos menos craques, de espectadores. Enfim, pode ser que aconteça um
menos artistas, mas também a exigência do povo milagre de termos um estouro de bilheteria muito
diminuiu... proximamente...
Quais são seus filmes preferidos sobre futebol, brasi- Você tem alguma teoria que explique a importân-
leiros em especial, mas também estrangeiros? Pode cia do futebol para as pessoas, no Brasil e também
citar filmes dedicados integralmente ao futebol, ou em vários outros países? Afinal, de longe, é o jogo
que só usam o futebol en passant, como elemento mais popular do planeta. Alguma coisa diferente
dramático. Por que é tão difícil filmar o futebol? há de ter.
E por que filme de futebol em geral vai mal de Creio que é a falta de lógica, a imprevisibilidade
bilheteria? Não é uma contradição? O futebol, tão nos resultados, da beleza dos movimentos dos
popular, o filme sobre ele, fracasso de público? jogadores num quadrado imenso e verde, enfim,
300 Dos brasileiros gosto do Garrincha, Alegria do não sei explicar, porque a distância tinha tudo para 301
Povo... do Boleiros, daquele filme do Afonsinho ser um jogo chato, se pensarmos no basquete e
(Passe Livre), do longa do David Neves sobre o Fla- no vôlei. Mas, estranhamente, o futebol seduz,
mengo (Flamengo Paixão)... Desculpe que esque- encanta e hipnotiza os povos de quase todo o
ci os nomes... Daquele curta Barbosa... E tantos mundo... Incrível.
outros que não me lembro agora. Dos estrangeiros
aquele filme do John Huston com o Pelé (Fuga para Noto que nos últimos tempos, o futebol tem sido
a Vitória). Não sei dizer o porquê de filme de fu- tema de mais filmes do que no passado. Recente-
tebol não dar certo. Quer dizer, não podemos nos mente houve o Gol!, um filme de ficção americano,
balizar pelo fracasso do Pelé do Aníbal Massaini... o Giorgetti fez o Boleiros e o Boleiros 2. Teve o
Não podia dar certo mesmo, pois os gols do Pelé documentário sobre o Pelé, os filmes do Zico, etc.
estão todo dia na televisão... No caso do Boleiros Você mesmo quer voltar ao tema. Há uma nova
deu, de certa maneira, certo visto que ele já fez tendência de alta na relação entre cinema e fu-
outro. Tenho a impressão também que por ser um tebol? O marketing do futebol globalizado tem
esporte tão popular fica mais difícil encontrar um alguma coisa a ver com isso?
foco que atraia a atenção do público. Mas não creio Olha, não acho que há uma tendência de alta entre
que seja impossível encontrar uma situação dra- cinema e futebol. Podia ser muito mais tendo em
vista o ano da copa em 2006. Poderíamos estar fa- nova de couro, que logo iam ficando muito gastas.
zendo muito mais filmes e não estamos, justamente As camisas do clube, as meias, as joelheiras de go-
porque não somos exportadores de filmes e sim de leiro, objetos mágicos, toda a parafernália ligada
jogadores. Eles querem nos ver em campo e não ao futebol. Jogava futebol o dia inteiro no colégio,
nas telas dos cinemas. no quintal de casa sozinho ou com outras pessoas, e
depois as peladas de rua naqueles canteiros grama-
Oswaldo Caldeira (Belo Horizonte, 1943) dos que ficavam no centro das avenidas. Nas férias
O mineiro e atleticano Oswaldo Caldeira é diretor
do Rio, o fascínio do futebol de praia visto de perto.
de vários filmes sobre futebol: Passe Livre (1974),
Na infância, os treinos no campo do Atlético Mineiro
Futebol Total (1974) e Brasil Bom de Bola 78 (1978).
perto de minha casa, a escalação sempre na ponta
É também autor de filmes de ficção histórica: O
da língua. A ida aos estádios era uma coisa mais
Bom Burguês (1982), sobre a resistência armada
problemática e rara, mas sempre esperada, uma coisa
à ditadura militar, e O Grande Mentecapto (1987-
deslumbrante, mágica.
88), baseado no personagem de Fernando Sabino.
Mais recentemente dirigiu Tiradentes (1998), um Para que time torce?
302 filme de ficção e ensaio histórico sobre Joaquim Meu time mesmo de coração é o Clube Atlético 303
José da Silva Xavier. Mineiro, o famoso Galo. No Rio, sou Flamengo. E
torço também pelo Football Club do Porto.
Como você chegou a se interessar por futebol?
Fale um pouco da sua relação com o futebol na Em São Paulo, sou Corinthians. Todos os três primei-
infância e adolescência. ros, eram os clubes de meu pai. Em Belo Horizonte,
O futebol está presente na minha vida desde sempre. não creio que haja alguém de minha família que
Está profundamente ligado à minha infância, em não seja Galo.
Belo Horizonte. Lembro-me de com 4 ou 5 anos de
idade recortar fotografias de jogadores dos jornais Ia a estádios?
para colecionar em álbuns. E ficar folheando os ál- Meu pai tinha muito medo de me levar a estádios e
buns enquanto ouvia no rádio programas de futebol. morreu antes que eu tivesse idade para me levar. Eu
Sabia a escalação de clubes de cor, ouvia as partidas tinha 8 anos. Então, eu tinha um primo bem mais
de ouvido colado no rádio, todos os domingos. O velho, o Daniel Debrot, que passou a me levar aos
presente favorito era sempre uma bola de couro, estádios. Ele era um cara apaixonado, desses caras
sempre um esperado e mágico presente, não havia que vão aos treinos, e me levava, era amigos dos
aniversário em que meu pai não me desse uma bola jogadores, me levava a todas as decisões. Graças a
ele vi o Galo ser várias vezes campeão, incluindo o antiga, tombada, que eu adoro e me lembra o
primeiro tricampeonato, um momento histórico, estádio do Atlético da minha infância; então eu
porque o rival, o América, era DECA e o Atlético ando em torno do gramado admirando aquelas
nunca passava do BI. Nesse dia fomos carregando velhas arquibancadas, olhando aquilo tudo mara-
os jogadores do estádio até as colinas de Lourdes, vilhado praticamente todos os dias. Volta e meia
onde ficava o campo do Atlético, aliás, perto de vejo os jogadores treinando, aquele fetichismo,
minha casa. Nunca fui muito de ir a estádios, sobre- os uniformes, a pose ritualística, as manhas, a
tudo depois da televisão. De vez em quando ia ao gestualidade, o modo até de andar, as meias, as
Maracanã para ver o Atlético que vi ser campeão chuteiras; futebol é uma coisa incrível e especial.
nacional em cima do Botafogo. E levei meu filho Fico espiando e matando duplamente a saudade
mais velho para ver o Flamengo no Maracanã. do futebol e do estádio dos velhos tempos, aquela
coisa bem próxima do alambrado, você estar ali
Continua indo? vendo o jogador olho no olho, cara a cara, você
Não vou mais a estádios por causa da violência, essa fala com o jogador e ele te ouve. Fora isso, quan-
coisa das torcidas organizadas, tenho horror disso, do almoço no clube aos domingos, fico espiando
304 desse fanatismo. Minha rivalidade com os outros algum jogo, fico mostrando para o meu filho mais 305
times, mesmo com o Cruzeiro em Belo Horizonte, novo, às vezes de futebol amador, só para sentir a
é uma coisa do esporte, uma coisa afável. Agora, beleza plástica, o som, a vibração do espetáculo,
o futebol no estádio é uma coisa única, insubsti- uma coisa muito especial.
tuível, o gramado verde, a emoção contagiante
das torcidas, do grito de gol. Sobretudo o som Como você interpreta a extraordinária populari-
dos estádios, a torcida, o foguetório da entrada dade do futebol no Brasil (e também em outros
em campo, o grito do gol, que considero uma países)? Será que esse jogo teria algum encanto
emoção extraordinária, o rumor da massa, quase a mais, algo que envolve tanto as pessoas e as
um orgasmo coletivo. emociona dessa forma?
Talvez uma das explicações seja o fato de ser um
Apesar de eu não ir mais a estádios para assistir a esporte exercido coletivamente; por exemplo, a
partidas de futebol, pode-se dizer que diariamente natação é um esporte extremamente solitário. Os
vou a um campo de futebol, porque como sou sócio esportes coletivos são mais alegres, uma forma de
do Fluminense, perto da minha casa, ando todo dia comunicação com os outros, seja na alegria, na
em torno do gramado e depois vou nadar. Além tristeza, no ódio ou na euforia, todas as emoções.
disso, o Fluminense tem uma sede maravilhosa, E nos outros esportes coletivos como o vôlei, ou
o basquete, o fato de serem jogados em quadras, e pés fossem próprios de quadrúpedes, uma coisa
não têm a grandiosidade épica dos grandes está- de irracionais. Mas aí é que está o malabarismo,
dios, são bem mais aprisionados às regras e às pre- é uma coisa forte e ao mesmo tempo delicada,
determinações que impedem de haver um maior não é de força bruta, é de circo, é uma prestidi-
improviso como no futebol. Ao mesmo tempo, o gitação com a cabeça e também com as mãos – o
futebol não tem a boçalidade militar guerreira goleiro – , é uma coisa coletiva e que envolve tá-
no mau sentido que tem, por exemplo, o futebol tica, estratégia, uma coisa da inteligência. Para se
americano. Ou o beisebol, ambos muito presos. ganhar um campeonato envolve bastidores, uma
No futebol há uma infinidade de variedade de política de alimentação, de preparação física, etc.
jogadas a cada partida. O futebol tem uma carga É fantástico.
de improviso que o aproxima da dança, do circo,
do malabarismo, da firula, essa é a essência do Você acha que o cinema brasileiro tem dado a
futebol que leva os estádios ao delírio. importância que o futebol merece? Ele é bem
retratado nas telas?
Entendo como o mais dionisíaco dos esportes, uma Eu acho que dizer que o cinema brasileiro não
306 forma dionisíaca de encantamento, o improviso, o deu a devida importância que o futebol brasileiro 307
imprevisível. O futebol é o esporte brasileiro por ex- merece, deixa entrever uma forma preconceituo-
celência, futebol e Brasil são quase sinônimos, como sa de exclusão, já que exclui o cinejornalismo
samba e carnaval. O brasileiro tem tudo a ver com da classificação de cinema brasileiro. Embora eu
o futebol, essas coisas da subversão carnavalesca, entenda perfeitamente que a pergunta se justifica
dos rituais africanos, do nosso ainda sobrevivente se considerarmos que determinados segmentos
anarquismo. Nossa desconstrução permanente, do cinema brasileiro – como o cinema de ficção
uma coisa que sempre se disse do rebolado, o jogo – tenham abordado pouco o futebol brasileiro,
de cintura, o mexer-se com as cadeiras, a pélvis, o direta ou indiretamente, proprorcionalmente à
baixo-ventre. O futebol se joga por aí. Mas tanta paixão que o futebol desperta no Brasil, o cine-
coisa mágica envolve o futebol, a arena ovalada, jornalismo, sobretudo através do Canal 100, de
as arquibancadas, o gramado verde e a entrada Carlos Niemeyer, empolgou e marcou o cinema
em campo, as voltas olímpicas e a magia do balé, mundial com um estilo, uma escola de se filmar
do malabarismo de jogar com os pés, coisas que já futebol. Tivesse este tipo de cinema o reconheci-
vi o David Letterman debochando: Que esporte é mento e sobretudo o respeito que merece, seria
esse que se joga com os pés?, como se fosse uma dito e escrito que o Canal 100 imprimiu histórica
barbárie, como se seres humanos usassem as mãos e internacionalmente uma marca, deu aula para o
mundo inteiro, fez escola e empolgou as pessoas, Nesse sentido, qual ou quais são seus filmes favo-
mais de uma geração, com centenas de horas fil- ritos, tendo o futebol como tema ou mesmo como
madas do melhor futebol. elemento narrativo secundário?
Garrincha, Alegria do Povo, de Joaquim Pedro de
É claro que isso também tem uma razão, num certo Andrade, e Brasil Bom de Bola, de Carlos Niemeyer.
sentido o preconceito se justifica, pelo menos se Isto é Pelé, do Escorel e Barreto, e Tostão, a Fera
explica. O cinejornal via de regra era constituí- de Ouro também são bons exemplos. Na ficção
do de matérias previamente pagas, de material temos o Asa Branca, do Djalma Limongi, temos o
sem interesse, um tormento para o espectador, e Boleiros, do Ugo Giorgetti. Temos tido bons filmes.
freqüentemente, por sucessivos governos, numa Não se filmou mais não por desinteresse, mas prin-
prática se não me engano inaugurada com o DIP cipalmente pelas dificuldades que isso apresenta.
e continuou pela ditadura militar, fazendo a apo- Qual o grande nome, o nome mais importante do
logia de políticos, etc. Isso não impediu que o seu cinema sobre futebol no cinema reportagem até
futebol fosse da melhor qualidade e sempre ansio- hoje? Carlos Niemeyer e o seu famoso Canal 100.
samente esperado nas sessões públicas de cinema. Se eu fosse definir o cinema de futebol do Canal
308 E, ironicamente, esse tipo de cinema tornou-se 100 eu diria que é um cinema para quem gosta 309
vítima também dos intelectuais da esquerda, por de futebol. Para quem tem a paixão do futebol,
considerarem que o espetáculo do futebol em para quem ama o futebol. Nem antes nem depois
si não era suficientemente valioso, que teria de foi feito nada igual e aí fora uma equipe muito
vir acompanhado de algo mais nobre como, por boa, muito azeitada não tem como você diminuir
exemplo, uma reflexão sociológica, senão seria o papel do Carlos, a paixão do Carlos, a visão do
um produto de segunda categoria, um produto Carlos, a objetividade, o amor pelo futebol é que
de segunda classe, o que paradoxalmente revela fizeram daquele cinejornal uma marca insuperável.
também um preconceito contra as massas, um É um absurdo que os intelectuais sejam capazes de
preconceito contra o sabor popular, em nome da escrever dicionários sem colocar Carlos Niemeyer
alienação política, do engajamento político. num verbete dourado sobre o futebol. É um pre-
conceito, uma vergonha. Então se você escolher o
O maior câmera do mundo em todos os tempos grande cineasta brasileiro ligado ao futebol eu es-
foi e continua sendo Francisco Torturra, do Canal colheria Carlos Niemeyer por mais de uma razão.
100. Ele estabeleceu um padrão: a câmera lenta, o
lance próximo, as câmeras de baixo. O Canal 100 Transcrevo o que disse no livro O Esporte Vai ao
inventou o futebol filmado e fez escola. Cinema, organizado pelo Victor Andrade de Melo e
editado pela Senac Nacional: Ele se distingue por ter antes mesmo que ela partisse numa direção. Isso
durante quatro décadas semanalmente produzido pode parecer uma coisa inverossímil, mas é a mais
em todas as edições do Canal 100 uma pequena pura verdade. Eles tinham tanta prática que eles
reportagem, na verdade um pequeno filme sobre pressentiam a jogada através da movimentação
futebol – basta fazer as contas para se deduzir que do conjunto. Eles praticamente se antecipavam à
estes pequenos filmes alcançaram a marca dos mi- jogada, conheciam os jogadores e seus estilos com
lhares de filmes e milhares de horas editadas. Mais tal intimidade que praticamente participavam
do que quantidade, no entanto, este tipo de cinema do jogo. Ninguém filmou melhor uma partida de
estabeleceu uma relação extremamente duradoura futebol e estou falando internacionalmente. Isso
com o espectador. Niemeyer estabeleceu um padrão é uma coisa tão verdadeira quanto simples. Até
de filmagem, uma maneira de filmar, uma marca pela própria importância que o futebol brasileiro
registrada. Seu filme era esperado por quem ia ao sempre alcançou internacionalmente. Dávamos
cinema, como alguma coisa a mais no programa. E uma importância ao futebol que ninguém dava
aos primeiros acordes da música de Luís Bandeira Na e investimos mais nisso. Como dizia Nelson Rodri-
Cadência do Samba a platéia era tomada por uma gues: “Foi a equipe do Canal 100 que inventou uma
310 nova distância entre o torcedor e o craque, entre o 311
alegria contagiante, era o sinal de que ia chegar
finalmente o grande momento, a hora de se diver- torcedor e o jogo, grandes mitos do nosso futebol,
tir com futebol. Suas cenas muito próximas e em em dimensão miguelangesca, em plena cólera do
câmera lenta eram aguardadas como o tira-teima gol. Suas coxas plásticas, elásticas enchendo a tela.
da época. Era o jornalístico daquele momento, não Tudo o que o futebol brasileiro possa ter de lírico,
tinha videotape nem TV direta, então era para ver dramático, patético, delirante.
de perto depois em detalhes – a chuteira, a falta, Niemeyer sem dúvida alguma aliou uma paixão a
a penalidade, o soco, o juiz, o insulto, a ameaça, uma produção competente e produziu bom cine-
o palavrão proibido, o choro, a lágrima, o sangue, ma de futebol. E não se pode deixar de tributar
o impedimento, o torcedor, a expressão do rosto, essas qualidades a ele porque ele era o cara que ia
a emoção, a beleza, a plasticidade da jogada, os ao túnel, ia ao vestiário, acompanhava a equipe,
detalhes estéticos, a montagem, o lance em todos estava na cabine na hora de chegar o copião – um
os ângulos e em todas as dimensões. O futebol momento esperado, um ritual de fim de tarde em
filmado por quem ama futebol e para quem ama sua empresa em Botafogo em frente à Sears – Nie-
futebol. É muita coisa quando se trata de Brasil. meyer se deslocava de seu aquário de vidro para
Seus câmeras eram capazes de acompanhar a bola se deslocar à pequena cabine no fundo do quintal
onde todos já o aguardavam para ver o resultado aí para pruridos, chiliques, autoria, ciúmes. Ele
do futebol filmado. Tinha uma participação total, queria o melhor, não tinha dúvida em mudar, em
intensa, apaixonada, se metia em tudo, o jornal era admitir que o outro estava fazendo melhor e tentar
ele, era a sua marca, a sua paixão, o seu Flamengo melhorar imediatamente; foi adotando tudo que
e a seleção brasileira. foi aparecendo: a cor, o som direto, o melhor equi-
pamento, o mais sofisticado, etc… Ele estabeleceu
O lance ocorria e Carlinhos – como era chamado –
uma forma de se comunicar com o espectador,
corria para seus câmeras e gritava alucinado: Pegou
o gol? Pegou o gol? Atento a cada lance que ia uma maneira de fazer (mostrar) e se ver futebol no
ocorrendo no campo e traduzindo a emoção em cinema que persiste até hoje. Se Joaquim foi o pri-
cinema. O importante era captar aquele momento meiro a usar várias câmeras em diversas posições,
mágico e depois repeti-lo à exaustão para o desfru- Niemeyer consolidou essa linguagem, essa forma
te e prazer do torcedor. O torcedor contava com de narrar, aperfeiçoando-a e trazendo diversas
aquilo , com aquela mágica que mais uma vez ia contribuições e o principal – estabelecendo uma
ocorrer no próximo cinejornal. sólida relação com o espectador de cinema. Seu
montador Walter Roenick sabia a melhor maneira
312 Seu futebol cinematográfico era o futebol de 313
de armar um chute, de passar de cima para baixo
produtor, de torcedor, de diretor, de apaixonado e do fechado para o mais aberto rompendo com o
pelo futebol. Pelo depoimento do próprio Joaquim verismo em função do impacto maior, favorecendo
Pedro ficamos sabendo que uma semana depois o espetáculo. Sabiam os macetes. Sabiam a medi-
de ver a nova disposição, a nova colocação das da certa, o necessário e o indispensável. Walter
câmeras no filme do Joaquim, ele já adotara a montava com takes pendurados na banheira. E
mesma coisa e passou a fazer assim dali por diante. Francisco Torturra já virou lenda, lugar-comum
Acho que isso mostra como Niemeyer foi capaz é o maior câmera de futebol de todos os tempos
de reconhecer imediatamente com seu faro, seu
no mundo até hoje. Mas era uma equipe – Chico
discernimento e sua cabeça aberta para as coisas
não teria sido capaz de filmar aquilo sozinho. Era
que o interessavam o que havia de melhor, sem
uma equipe e Carlinhos Niemeyer era o maestro.
nenhum tipo de melindre, adotando o posiciona-
Então, indo um pouco mais além eu diria que Carlos
mento de câmera do Joaquim por reconhecer que
Niemeyer ainda é o grande nome a ser destacado
seria o melhor para o futebol filmado.
nessa relação cinema e futebol, até hoje. Talvez
Quer dizer, ele rapidamente enxergou o melhor e Niemeyer nunca tenha feito um filme superior a
adotou o melhor sem pestanejar, ele nem estava Garrincha, Alegria do Povo, por exemplo. Quero
deixar registrado com clareza que na minha opi- das massas. Aquele tipo de raciocínio tortuoso que
nião é o melhor filme sobre futebol feito no Brasil levou muita gente boa a torcer contra o Brasil du-
até hoje, sobretudo se contextualizado nas condi- rante o governo Médici. Manipulação do esporte
ções da época e considerando o conjunto de sua em função da ditadura. Como arma de propaganda.
proposta. É possível que existam até outros filmes Nos filmes conta a estética, conta o autor, conta a
melhores do que qualquer um dos que Niemeyer política, conta o social. Mas o futebol não.
produziu. Mas além do seu cinejornal semanal
durante 40 anos, ele produziu um dos mais belos É subestimado por causa disso: puro preconceito.
filmes de futebol enquanto espetáculo produzidos Porque Carlos Niemeyer não era um diretor, um
até hoje, na minha opinião, o mais belo: Brasil Bom intelectual na acepção mais restrita e mais corrente
de Bola, em 1970. Outros grandes filmes de futebol do termo – o cara rico do Clube dos Cafajestes, um
foram feitos com o material do Carlos Niemeyer. cara nada ligado aos intelectuais. Porque era um
mero produtor de um cinejornal.
Pelo conjunto de seu trabalho e pela importância
daquilo que implantou na relação entre o cinema Já se disse que o futebol é mais bem representado
314 de futebol e o espectador no Brasil e até mesmo nos documentários do que na ficção. Você concor- 315
internacionalmente, considero que Carlos Nie- da? Caso afirmativo, por que isso acontece?
meyer foi o maior realizador de futebol no Brasil Acho que sem dúvida. Acho muito difícil filmar
até hoje. futebol em ficção por causa das boas jogadas, de
conciliar um bom ator com um bom jogador e assim
Muito preconceito tem impedido que isso seja dito por diante. Mas acho que o computador vai superar
com todas as letras até hoje. Preconceito de toda isso com facilidade. Será um filme basicamente de
ordem, o maior deles contra o esporte mesmo, efeitos especiais.
como se o futebol focalizado apenas enquanto um
esporte, enquanto um show, enquanto um espetá- Há diretores que acham muito difícil filmar o fu-
culo fosse uma coisa insuficiente, uma coisa menor. tebol, propriamente dito. Por que você acha que
Como se ele pudesse ser considerado como um tema isso acontece?
nobre apenas a partir do momento em que estives- Acho que filmar futebol no campo exige uma técni-
se associado a uma abordagem social, sociológica, ca especial, exige especialização, profissionais que
psicanalítica ou seja lá o que for. No caso, o futebol conheçam e gostem de futebol. É preciso conhecer
é coisa menor. Pior ainda, uma forma de alienação, o jogo intimamente, conhecer os jogadores, de
uma dificuldade a mais no curso da conscientização preferência conhecer tão bem os times que estão
em campo de modo que a jogada possa ser pres- já foi muito cara com película, mas hoje em dia com
sentida. Claro, pode ser facilmente solucionado outros suportes torna-se mais fácil.
com um grande número de câmeras em inúmeras
posições, filmando integralmente a partida. Ou No tempo de Nelson Rodrigues havia uma associa-
ficar no arroz-com-feijão como na televisão. ção muito clara da nacionalidade com o futebol,
em especial com a seleção. Você acha que, nestes
O futebol e o cinema de ficção: não é uma área onde tempos de globalização, essa relação mudou?
o cinema brasileiro tenha se destacado até hoje. Como disse a propósito de outra pergunta, acho
Mundialmente que eu me lembre, só vi um grande que o futebol ainda preserva nosso caráter afável,
filme, se não me engano sobre o George Best (Best, nossa afabilidade ainda viva, a cuca fresca, a des-
2000, de Mary McGourian). Eu não destacaria em es- contração do brasileiro, se podemos complicar pra
pecial nenhum filme brasileiro como particularmen- que simplificar? O brasileiro carnavaliza o futebol.
te bem-sucedido neste campo, considerando que o O essencial é o enfeite, o detalhe. O maior absurdo
melhor ainda hoje é o de Djalma Batista Limongi que eu já vi e ouvi falar em matéria de futebol foi
– Asa Branca, um Sonho Brasileiro, de 1981. o jogador brasileiro que foi punido num jogo por-
316 que enfeitou uma jogada, o juiz e certos jornalistas 317
Eu colocaria como a maior dificuldade do filme
disseram que ele humilhou o adversário, teve uma
ficcional de futebol, em primeiro lugar, a questão
atitude antidesportiva. São os eternos eunucos,
do ator / jogador ou do jogador / ator. Em segundo,
são os castradores, os caras que não querem festa
a questão da boa jogada forjada.
nem alegria. Essa é a nossa marca e essa é a nossa
As trucagens, os efeitos especiais, as novas tecnolo- diferença. Às vezes dizem que nos falta tática, etc.
gias, vão solucionar este problema no computador, Essa habilidade individual é e deve ser o ponto de
muito provavelmente. Não sou um especialista nem partida de nossa tática.
estou capacitado a responder sobre o futuro, mas
algum entendido o dirá. Pergunto a mesma coisa em termos da identidade
nacional. Muitos críticos entendem que o estilo do
Mesmo no caso do filme documentário, se você quer brasileiro jogar reflete de certa forma o caráter na-
o futebol espetáculo, que você tem de filmar dezenas cional do país. Você concorda? Acha que isso ainda
de horas para colher o bom lance, tem de ter várias tem validade hoje em dia? Como você define esse
câmeras, tem de ter sorte para colher o flagrante, a estilo e como define esse caráter nacional?
não ser que você filme integralmente a partida com Acho que há uma maneira de se jogar bem brasilei-
várias câmeras em diversas posições, uma coisa que ra. Há habilidade técnica, a improvisação, o gosto
pela firula, até mesmo o gosto pela jogada a mais, texto e uma espécie de roteiro. Então, o Niemeyer
é uma coisa brasileira. Se a gente pode complicar e levou com ele o Carlos Leonam que trabalhava no
fazer uma jogada de efeito, para que simplificar? lugar do Shatovsky para a copa de 74, achando
Pode-se ver isso também em alguns times africanos que bastava filmar os jogos, o Brasil erguer a taça
e latino-americanos. Mas quem se firmou no ramo e faturar novamente. Claro, Leonam fez toda uma
foram os brasileiros, é sua marca, nossa marca regis- abordagem complementar muito boa em torno
trada. Os próprios argentinos, que têm um futebol dos jogos, torcida, bastidores, concentração e tudo
muito forte, já formaram craques e supercraques, mais. Mas nem o Brasil nem Niemeyer estavam
como Maradona, têm um futebol diferente do bra- preparados para a derrota. Então fui chamado
sileiro. Eu diria que são mais objetivos, mais rápidos, para dar um jeito naquele material encalhado.
partem com mais objetividade em direção ao gol, Bolei um roteiro em que escolhi um expoente de
com menos passes, menos enfeite, menos jogadas cada copa ao longo da história e cada um deles
tentava explicar a derrota do Brasil em cada uma,
inúteis. É um futebol muito bonito e muito eficiente.
culminando com a de 74. Foi um estrondoso suces-
Não estou discutindo eficiência, estou falando em
so com mais de um milhão de espectadores. O tom
estilo. Hoje em dia o jogador de cintura dura rareia,
polêmico do filme contagiava as platéias, assisti
318 há craques habilidosos no mundo inteiro. Mas o 319
uma sessão no Art Copacabana em que a platéia
jogador brasileiro preserva sua maneira de jogar saiu literalmente na porrada dividindo-se diante
mesmo no exterior, aí está o Ronaldinho Gaúcho das questões colocadas no filme.
que não nos deixa mentir, ou um Deco, etc.
A platéia se comportou como arquibancada e deu
Há uma crença de que filme de futebol não dá mais de um milhão de espectadores. Eu analiso
certo em bilheteria. Como se explica essa con- assim: o filme de futebol para fazer sucesso com
tradição? O futebol é uma paixão nacional, mas, quem gosta de futebol, tem de falar de futebol
quando retratado numa tela de cinema, não atrai na perspectiva do cara que gosta de futebol. Eu
grande público. Por que isso acontece? coloquei ali uma discussão sobre futebol. O jogo,
As razões são várias e o contexto também pode e de quem gosta do jogo. Então, até a derrota deu
ser variado. Fiz um filme para Carlos Niemeyer, dinheiro. Agora, você fazer uma análise psicoló-
Futebol Total, explicando as razões da derrota da gica, política, antropológica, você vai ter de fazer
copa de 74 e deu-se uma coisa curiosa: Niemeyer sucesso com os intelectuais, não vai fazer sucesso
vinha de um sucesso estrondoso, o Brasil Bom de com o público de futebol. É outro lance. Existem
Bola, baseado em seu arquivo e na copa de 70. muitos outros fatores, sobretudo hoje em dia com
Foi seu primeiro longa. Alberto Shatovsky fez o a transmissão simultânea na TV.
Na copa de 78 Niemeyer não conseguiu os direitos forma muito estreita, muito forte. O Canal 100 foi
e me chamou não para consertar, mas com o papel uma de minhas escolas, sinto por todos eles um ca-
de profeta eu tinha de fazer um filme sobre os rinho muito grande, fui levado para lá por Alberto
grandes sucessos da copa que viria e escolhemos Shatovsky, um cara também muito importante na
Zico e Reinaldo, do Atlético Mineiro. Niemeyer não minha vida. E, sobretudo, não entendo minha in-
estava preparado para a transmissão simultânea. fância sem o futebol, talvez seja mais fácil esquecer
Todos ficaram vendo os jogos em casa pela primeira meu nome completo do que a escalação do time
vez pela televisão o dia inteiro enquanto o cinema do Atlético do final da década de 40.
ficava às moscas. Saiu de cartaz praticamente sem
espectadores. E nossas profecias deram no que Camus tem um texto muito bonito em que fala
deram (trata-se de Brasil Bom de Bola 78). da vontade de chorar nas tardes de domingo de-
pois de uma derrota do seu clube. Estou ligado
Acho que o espectador de futebol quer ver fu- ao futebol como paixão. Nas copas do mundo,
tebol ou então uma discussão muito próxima ao para falar a verdade, tenho orgulho quando vejo
futebol, algo envolvendo a história de um craque, a camisa da seleção brasileira pelo mundo todo,
320 como seria o alcoolismo de Best visto pelo público tenho orgulho de ver em Pelé um símbolo mundial 321
inglês. Neste sentido ainda não fizemos um filme insuperável.
à altura.
Em que medida o futebol globalizado, que leva
Você sente que a sua vida está ligada ao futebol? para o exterior os jovens valores de maneira muito
De que forma isso acontece? Qual é a sua relação prematura, mudou a relação do público com seus
atual com ele? ídolos? O cinema já retratou essa mudança de
Minha vida está ligada ao futebol por várias razões. perspectiva?
Basta dizer que fiz três filmes de longa-metragem Não tenho conhecimento de que o cinema tenha
sobre futebol, inclusive com abordagens bem di- tratado desse tema. Mas hoje em dia, muitos
ferentes. Passe Livre, premiado pela CNBB, foi um desses temas são tratados pela televisão. Eu acho
filme de resistência, um filme com Afonsinho com que apesar da venda para o exterior dos jovens
todas as implicações, abriu o mercado alternativo. valores refletir uma deficiência financeira do
Não dá para não considerá-lo um marco, passou nas nosso futebol, não termos condições de competir,
fábricas; Afonsinho é um homem digno, decente, de manter o craque jogando em nosso país, acho
um cara especial até hoje, um idealista, dedicado a que houve contribuições positivas mesmo para o
obras sociais, então me sinto ligado a tudo isso de nosso futebol. Hoje, seria impensável sermos sur-
preendidos pelo carrossel holandês, por exemplo. estrangeira os caras se casam, levam logo a mãe,
Nossos jogadores e nossos técnicos estão em todos um amigo, a dona Maria para morar com eles e
os lugares do mundo, não só a informação circula, cozinhar um feijãozinho, para aquela feijoada
mas a experiência, a vivência em diversos níveis. dos sábados com os amigos.
Uma coisa importante no futebol globalizado é Nesse sentido, você acha que o futebol hoje está
que nosso craque agora é um cidadão do mundo. mais enraizado no imaginário das pessoas, ou esse
Não há mais Obdúlio Varela, ganhando no grito, vínculo era maior no passado?
que nos intimide. Nosso jogador, agora, briga com Não me sinto capaz de avaliar esta diferença.
o juiz na língua dele, seja ela qual for. Então nosso Apesar da imensidade de novas ofertas, internet,
craque, que já era superior tecnicamente, agora
de jogos, games, etc., creio ser mais ou menos a
fala de igual para igual, não teme, não abaixa a
mesma coisa de antes. E digo mais: o futebol é uma
cabeça, não perde no grito, e também desfruta
paixão praticamente no mundo todo.
das modernas técnicas de treinamento, de apri-
moramento físico, da saúde. Acho que quando o Djalma Limongi Batista (Manaus, 1950)
322 torcedor, o menino torcedor, vê os Ronaldinhos Talvez a contribuição mais inesperada para o fute- 323
com a camisa do Real Madri, do Barcelona, ele bol brasileiro visto pelo cinema tenha vindo de
sente um grande orgulho da mesma forma, ele Djalma Limongi Batista. Como ele mesmo diz na
sente orgulho do cara ser brasileiro e estar se
entrevista a seguir, tem horror da bola. Mesmo
dando bem lá fora, mostrando para o mundo
assim teve sensibilidade de perceber a potenciali-
inteiro o nosso futebol. Porque tem depois o
dade dramática do futebol com um título indispen-
momento da camisa verde-amarela e esta verda-
sável a qualquer filmografia dedicada ao assunto,
de, este fato fala mais alto. Nosso jogadores têm
essa qualidade de permanecerem profundamente Asa Branca – Um Sonho Brasileiro. Djalma é autor
brasileiros, hábitos brasileiros, atitudes brasileiras de filmes como Brasa Adormecida (1985) e Bocage,
muito fortes, muito arraigadas, com raras exce- o Triunfo do Amor (1999), adepto da linguagem
ções o cara está sempre louco para voltar, tocar poética aplicada ao cinema. Confira a entrevista.
samba, bater uma bolinha na praia, tomar uma Talvez as opiniões de Djalma sobre o futebol sejam
caipirinha. Acho que o nacionalismo fala mais as mais surpreendentes entre todas, em especial
alto, nossos craques continuam no imaginário porque partem de um artista que mantém de ma-
falando com o Brasil, nossos hábitos, das coisas neira radical um distanciamento crítico em relação
de que orgulhamos. Você vê que nem com mulher a esse esporte.
Como você chegou a se interessar por futebol? Durante as décadas de 70 e 80 fui torcedor exal-
Fale um pouco da sua relação com o futebol na tado, ia aos jogos e tudo mais. Inclusive aqueles
infância e adolescência. Para que time torce? Ia a em pequenos estádios, como do Pari, da Mooca...
estádios? Continua indo? Depois, nos anos 90, tomei um enjôo absoluto.
Tenho pavor de bola. Pânico. Mas gostava muito Hoje não sei te dizer nem quem é quem no futebol,
de ver futebol. Na minha casa era algo que nem se quem foi campeão... Às vezes, um jogador, tipo Ro-
pensava, não existia, meu pai e todos nós éramos binho, ainda chama a minha atenção, mais nada.
os antiatletas. Contudo, eu, sempre louco, gostava.
Em Manaus sempre torci pelo Nacional, é claro. No
Na casa vizinha, morava o técnico do principal time
Rio de Janeiro, sempre fui Vasco da Gama, e, em
de futebol de Manaus; na época (anos 50), era o
São Paulo, quando cheguei, gostava de saber que
Nacional. Um solteirão obeso, muito engraçado
o Palestra era o time dos italianinhos, e adotei o
e amigo da gente, camarada. Era o seu Alfredo
Palmeiras – porque tenho um lado italiano, por
Barboza. Todas as fardas dos jogadores, no dia
parte de mãe.
seguinte das partidas, eram lavadas no tanque
pelas irmãs dele, que aproveitavam e faziam isto Como você interpreta a extraordinária populari-
324 só de saia, com os seios à mostra, e a gente, mo- 325
dade do futebol no Brasil (e também em outros
leques, eu e meu irmão Gualter, adorávamos ficar países)? Será que esse jogo teria algum encanto
olhando. Quando nos descobriam, elas gritavam, a mais, algo que envolve tanto as pessoas e as
chamavam minha mãe, ameaçavam jogar cinza emociona dessa forma?
nos nosso olhos... Depois as fardas dos jogadores e Tenho uma visão bastante antipática sobre o
as chuteiras lavadas ficavam no varal dos imensos futebol. Perdi todo o encantamento que supunha
quintais dessas casas, no Alto de Nazaré, bairro existir, de expressão da cultura popular, mistifi-
longínquo da longínqua Manaus... Esta é minha cações do gênero. Acho que é uma sublimação a
primeira lembrança de futebol. mais da cultura machista do mundo, cultivada por
Depois, já nos anos 70, fiquei muito amigo de isto mesmo, num mundo de machões e belicistas,
jogadores de vários times, em São Paulo e Ma- animalesco mesmo. Acho que é um ópio do povo
naus. Meu tio Flaviano Limongi foi presidente da como o fundamentalismo das religiões no mundo
Federação Amazonense de Futebol, e construiu o do século 21. Hoje tenho horror a futebol! Espe-
estádio da cidade, o Vivaldão. Graças a ele, amigo cialmente copa do mundo, esse súbito fanatismo
de cartolas do Rio, conseguimos filmar no estádio misturado a um nacionalismo conduzido pela mí-
do Maracanã cenas do Asa Branca. dia, que não existe no cotidiano brasileiro.
Você acha que o cinema brasileiro tem dado a Não concordo, porque acho que o melhor filme so-
importância que o futebol merece? Ele é bem bre futebol feito na América Latina é o Asa Branca
retratado nas telas? – Um Sonho Brasileiro, o mais corajoso e audacioso.
Por que teria de dar importância? O futebol existe O resto, especialmente os documentários, apela
independentemente do show-business. O cinema sempre para a mesma lengalenga, misto de política e
brasileiro hoje é machista, misógino e profunda- arrivismo, machismo e nacionalismo. Exceto, é claro,
mente homofóbico. Como poderia tratar do fute- as filmagens do Canal 100, que eram deslumbran-
bol, se o futebol é só isto tudo sublimado? Teria tes. Tenho uma amiga até, tinha porque já morreu,
que fazer também filmes que sublimem tudo isto Ângela Borges, que costumava me esculhambar
na violência, como os filmes made in Hollywood. dizendo que o melhor do cinema brasileiro ainda
Mas, para isto, o cineasta precisa ser basicamente eram as filmagens de futebol do Canal 100... Com
esperto, completamente desprovido de preconcei- suas teleobjetivas colocadas rente ao gramado, tinha
tos, e querer só sucesso no box (bilheteria). Longe
algo de monumental na imagem. A imagem era
dos cineastas brasileiros, que ainda se acham arau-
película. A idéia ainda era nelsonrodrigueana.
tos de verdades...
326 Há diretores que acham muito difícil filmar o fu- 327
Qual ou quais são seus filmes favoritos, tendo o
tebol, propriamente dito. Caso positivo, por que
futebol como tema ou mesmo como elemento
narrativo secundário? você acha que isso acontece?
Só gosto de Garrincha, Alegria do Povo, de Joa- Difícil não é nem um pouco, basta ter dinheiro.
quim Pedro de Andrade, e do meu Asa Branca – Um Para queimar negativo à vontade. Hoje em dia,
Sonho Brasileiro. Eles ainda têm a ingenuidade com digital, nem este problema existe mais, pode-
de acreditar na cultura brasileira, na civilização se gastar filme à vontade. Difícil é fazer CINEMA,
brasileira... No meu caso, o estereótipo da estrela escrever cinema – isto, decididamente, não é pra
do Brasil, que no final dos anos 70 – quando o qualquer um, diria Jean Renoir...
filme foi rodado – significava mudança comporta-
Você acha que o futebol tem mudado de função
mental que logo foi reprimida pela globalização e
no imaginário popular ou é basicamente o mesmo
dominação do consumismo nos esportes, tornado
espetáculo de televisão. de há muitos anos? Nesse caso, você acha que o
cinema tem retratado de maneira adequada essa
Já se disse que o futebol é mais bem representado posição que o futebol ocupa no imaginário das
nos documentários do que na ficção. Você concor- pessoas? Mudou essa forma de representação com
da? Caso afirmativo, por que isso acontece? o passar dos anos?
Claro que o futebol se adapta à época. Na idade imprevisível. Hoje é lenda. Apenas reflexo de uma
de ouro do século 20, que são os anos 60 e 70, ele cultura classista, cuja única saída para o menino
ia acompanhando – com muita dificuldade, por pobre ascender socialmente é ainda o futebol.
sua motivação intrínseca ser altamente conserva- Afirmando mais uma vez o machismo dominante.
dora – as transformações radicais do mundo. Foi Ou comandar o tráfico, né? Ou entrar pro Bolshoi?
por isto que me interessei pelo futebol, foi uma Ou pro Olodum... Enfim, uma merda.
época em que era possível falar do outro lado do
Há uma crença de que filme de futebol não dá
futebol – no meu caso, recusando o proselitismo
certo em bilheteria. Como se explica essa con-
político. Entretanto, ainda acho que as estrelas do
tradição? O futebol é uma paixão nacional, mas,
Brasil são os jogadores de futebol, e ainda acho que
quando retratado numa tela de cinema, não atrai
muitos deles farão um dia revoluções...
grande público. Por que isso acontece?
No tempo de Nelson Rodrigues havia uma associa- Sem essa! Asa Branca teve mais de 600 mil espec-
ção muito clara da nacionalidade com o futebol, tadores em 1982, com pífio lançamento, pra variar
em especial com a seleção. Você acha que, nestes (como aconteceu com todos meus filmes). Entre-
328 tempos de globalização, essa relação mudou? tanto, foi muito premiado e até hoje é exibido 329
Nelson Rodrigues – mesmo no que pese sua genia- em tudo que é evento internacional que exiba o
lidade em escrever as crônicas esportivas – tem em audiovisual do futebol.
relação ao jogador de futebol quase uma posição
O que acontece é que ninguém sabe como abor-
escravagista. Ele associa o jogador ao utilitarismo,
dar – cinematograficamente – o futebol. E aí é que
ao usufruto – que transforma em nacional, no que
fica melhor dizer que filme de futebol é fracasso...
é esperto. Foi contra este tipo de atitude que o
Estou falando de filme de ficção. Documentário é
jogador de futebol dos anos 70, os Asas Brancas,
outra coisa, não precisa de bilheteria... Precisa de
começou a rebelar-se.
impacto social, talvez.
Pergunto a mesma coisa em termos da identidade
Há autores que entendem que o futebol é uma
nacional. Muitos críticos entendem que o estilo do
espécie de dramatização da vida social em forma
brasileiro jogar reflete de certa forma o caráter na-
de jogo. Nesse sentido, muito rico e cheio de pos-
cional do país. Você concorda? Acha que isso ainda
tem validade hoje em dia? Como você define esse sibilidades, ele não deveria atrair mais a atenção
estilo e como define esse caráter nacional? dos cineastas do que o fez até agora?
Refletiu. Quando era anárquico, individualista, Esses autores devem ser muito primários. Talvez
Tom & Jerry sejam mais dramáticos... Contudo, ser atleta do século, menino de ouro, jogador do
digamos que futebol é ação, e drama em grego ano, etc...
significa ação. Pode-se fazer um filme de ação so-
bre futebol tão hipnótico quanto qualquer filme Em que medida o futebol globalizado, que leva
de ação (dos mais brutais e sucesso de bilheteria!) para o exterior os jovens valores de maneira muito
americano... É só saber como. Ter saco de fazer prematura, mudou a relação do público com seus
algo assim! Convencer um cretino dum financia- ídolos? O cinema já retratou essa mudança de
dor a produzir... Como todo fato humano, é claro, perspectiva?
antropologicamente, pode-se fazer uma leitura O cinema não retratou quase nada sobre o fute-
genial também. Pode-se fazer uma leitura poética, bol, a não ser o óbvio, desses que saem em qual-
como no meu Asa Branca... Tudo é, no cinema, uma quer mesa-redonda de programa dos domingos,
questão de linguagem, formal mesmo. ou dos diários. O futebol globalizado é parte da
ditadura financista do mundo atual. É claro, como
Você sente que a sua vida está ligada ao futebol? tudo, há no seu interior um movimento dialético
De que forma isso acontece? Qual é a sua relação que deverá explodir muito em breve... Deve haver
330 atual com ele? uma espécie de internet no interior do futebol, 331
Só pelo Asa Branca – Um Sonho Brasileiro, pela só pode! Alguma coisa que vai detonar! Uma alta
alegria imensa de ter feito este filme, pela alegria comunicação que não se tem nem idéia, que vai
imensa de que ele foi feito pensando sobretudo virar a mesa um dia... Continuo otimista, apesar
no povo brasileiro, na cultura do Brasil. Sem arre- de tudo.
pendimento. De resto, tenho boas lembranças de
uns namorados jogadores de futebol que tive... Nesse sentido, você acha que o futebol hoje está
São que nem bailarinos: belos, cultuam o corpo, e mais enraizado no imaginário das pessoas, ou esse
criam com isto uma liberdade que seria fantástica, vínculo era maior no passado?
se... Todos transam, mas todos não podem sequer O futebol é como o ato teatral, faz muita onda,
realizar isto em palavras, em pensamentos... Há mas termina ali mesmo... Como, evidentemente,
um medo terrível comandando suas vidas. Há uma a comparação termina aí, o teatro permanece na
terrível corte marcial coercitiva em torno deles, há memória, o futebol cria apenas uns mitos – quase
mesmo um Santo Tribunal da Inquisição da Mídia, sempre por suas vidas fora do campo, e uma meia
horrível, que nos dias de hoje se camufla em caste- dúzia de jogadas geniais... Mais nada. É um renovar
los de Chantilly, desfiles fashion, riqueza, riqueza constante de uma sublimação, precisa de lenha
e mais riqueza, é preciso dar lucro, estar na mídia, como numa lareira, permanente. Imediatista, e
pronto. Até telenovela é capaz de criar um vínculo De que maneira começou a sua relação com o
maior no inconsciente coletivo... A não ser que futebol?
você comece a tomar pelo pior lado do futebol: Minha relação com o futebol começou nas peladas
permanece como expressão de massa mal-educada, de rua com bola de meia em Fortaleza; depois nos
sem cultura, machista, violenta, desesperada... terrenos baldios até chegar a um time organizado
Manipulada, cordeiros de filme de Buñuel, ópio do qual eu era o center-half (hoje meio de campo),
do povo mesmo. presidente e técnico. Este time se chamava 24 de
Maio Futebol Clube, nome da rua que eu morava.
Luiz Carlos Barreto (Sobral, Ceará, 1928)
Em 1947 vim morar no Rio e passei a jogar no ju-
O produtor Luiz Carlos Barreto foi diretor de foto-
venil do Flamengo, onde me chamavam de Danilo
grafia dos clássicos Vidas Secas (1963), de Nelson
cearense por ter estilo parecido com um famoso
Pereira dos Santos, e Terra em Transe (1967), de
Glauber Rocha. Produziu O Assalto ao Trem Paga- center-half do Vasco da gama, Danilo Alvim.
dor (1962), de Roberto Farias, Garrincha Alegria Em 1948 fui convocado para a seleção brasileira de
do Povo (1963) e O Padre e a Moça (1965), ambos amadores que disputaria a Olimpíada de Londres, o
332 de Joaquim Pedro de Andrade, A Hora e a Vez de que não aconteceu por falta de verba para custear 333
Augusto Matraga (1965), de Roberto Santos, entre a ida da seleção para a Inglaterra.
outros. Dirigiu o documentário Isto É Pelé em 1974,
ano em que o Rei se despediu do futebol brasileiro. Antes de se envolver com o cinema você teve uma
Antes da carreira cinematográfica, Barreto foi fo- longa carreira na imprensa. Como ela se vincula
tógrafo conhecido na imprensa carioca e fez época ao futebol?
com sua câmera favorita, uma Leica alemã. Nessa Em 1950 larguei o futebol e voltei ao jornalismo,
função, a serviço da revista O Cruzeiro, se encon- carreira que iniciei no Ceará nos anos 40. Tornei-
trava atrás da meta de Barbosa quando Ghiggia me repórter e fotógrafo da revista O Cruzeiro e
marcou o segundo gol do Uruguai e decretou a cobri como chefe da equipe esportiva as copas de
derrota do Brasil na copa do mundo de 1950. Um 50, 54, 58 e 62.
dia deseja transformar em filme essa experiência
traumática, o que talvez seja a melhor forma de Você torce para que time? Ainda vai ao estádio?
esquecê-la. Rubro-negro no Rio e tricolor em São Sou torcedor do Flamengo no Rio e do São Paulo
Paulo, continua ligado ao futebol. O ex-jogador em SP. Sempre freqüentei os estádios por prazer
Claudio Adão é seu genro e Felipe Adão, o neto, e por dever de ofício. Atualmente só vou a jogos
joga atualmente no Botafogo. no Maracanã para ver meu neto Felipe Adão jogar
pelo Botafogo. Felipe é filho de Cláudio Adão, Rocha como meu assistente de câmara no dia em
casado com minha filha Paula. que usamos cinco câmaras num jogo Botafogo x
Flamengo, no Maracanã. Filmar com Pelé no auge
Às vezes a gente se pergunta por que o futebol da glória foi uma estimulante experiência, mesmo
tem essa importância na vida das pessoas. Você porque ele sempre deu mais importância ao cinema
tem alguma teoria a respeito? do que ao futebol. Tenho as melhores recordações
Há várias teorias para explicar o encanto e a das filmagens de Garrincha, Alegria do Povo em
popularidade do futebol que vão das mais inte- Pau Grande no ambiente da família do Mané e
lectualizadas às mais simples ou simplórias, mas seus amigos.
pessoalmente penso que o encanto do futebol é
Dos jogadores que você viu, quais os que mais o
pelo fato de ser o único esporte com bola que é
impressionaram?
praticado com os pés, exigindo, portanto, maior
Zizinho, Pelé, Garrincha e Nílton Santos foram os
habilidade e maior uso de gestos e expressão
que mais me impressionaram pelo amor, prazer e
corporal. O futebol mistura força, habilidade, in-
carinho com que tratavam a bola. Eles souberam
teligência e criatividade. O grande craque é uma elevar o ato de jogar futebol em forma de arte
334 entidade superior, um DEUS. pura.
335
Voltando ao cinema. O que você realizou nessa Acha que o cinema ainda pode fazer grandes fil-
área que tenha relação com o futebol? mes sobre o futebol?
Como diretor, realizei Isto É Pelé. Produzi, colaborei Acho que o futebol pode motivar grandes filmes
no roteiro e fiz segunda unidade de câmara em quando se compreender melhor a dramaturgia do
Garrincha, Alegria do Povo, dirigido por Joaquim jogo e a paixão do torcedor.
Pedro. Produzi o documentário Mané Garrincha,
Qual o seu filme favorito que tem o futebol como
de Fabio Barreto, que mostra a decadência desse assunto?
grande ídolo. Produzi Uma Aventura do Zico (fic- O Casamento de Romeu e Julieta é meu filme
ção), direção de Antônio Carlos Fontoura, e O Ca- preferido por sua construção dramatúrgica esta-
samento de Romeu e Julieta, de Bruno Barreto. belecendo o elo entre o dentro do campo e a vida
Quais são as melhores lembranças que você tem fora do campo.
dessas atividades? Quais as dificuldades para filmar o futebol?
Filmar o Mané no Maracanã foi uma aventura O jogo de futebol, propriamente dito, é quase
inesquecível, sobretudo porque tinha Glauber impossível de ser reencenado com precisão e
credibilidade. No filme O Casamento de Romeu e de patriotismo, a bandeira nacional passou a fazer
Julieta conseguimos reencenar lances de uma par- presença em todos jogos das seleções brasileiras,
tida Corinthians x Palmeiras de 1979 e obtivemos não só de futebol mas em todas as competições
excelentes resultados, mas tivemos que usar joga- esportivas pras quais o Brasil se fez representar.
dores juniores do Palmeiras e ensaiar as jogadas
durante uma semana. Essas cenas foram dirigidas Ainda existe um estilo brasileiro de jogar ou isso
por Cláudio Adão e Paula Barreto, e o Bruno ape- acabou, com a globalização?
nas posicionou as câmaras para documentar. No O estilo, a técnica e o apurado espírito de improvisar
filme Garrincha, Alegria do Povo, Joaquim Pedro, do jogador brasileiro é um dado cultural e represen-
que não curtia muito futebol, revolucionou a tativo da alma popular brasileira. Isso acabou sendo
forma de filmar futebol e torcida introduzindo a deturpado nos anos 80 e 90. Só agora, com a geração
teleobjetiva de 1 metro para captar, em close-up, dos Ronaldos e Robinhos, é que se está recuperando
as emoções das jogadas e das reações do torcedor. a picardia, a alegria da firula que sempre foi a marca
Daí para frente o Canal 100 passou a adotar a do nosso futebol.
mesma técnica.
336 O que acha que está faltando o cinema fazer pelo 337
Mudou a relação do brasileiro com o futebol? futebol?
A excessiva profissionalização e a exagerada explo- Acho que se deveria fazer uma série de filmes (do-
ração comercial transformaram a relação do torce- cumentários e ficções) sobre nossos grandes ídolos
dor com o futebol, tornando-a menos romântica. (Domingos da Guia, Leônidas, Zizinho, Didi, Gerson,
Mesmo assim o futebol ainda ocupa importante Rivellino, etc. etc.) além de outros aspectos envolven-
espaço no imaginário popular. do a vida social, política e cultural do Brasil a partir
do tema futebol. Pessoalmente tenho um projeto
O Nelson Rodrigues identificava a seleção com o com o Armando Nogueira de realizar um filme inspi-
país. Isso ainda vale? rado no filme Campo dos Sonhos para tentar atingir
A seleção brasileira ainda é a pátria de chuteiras a poesia que envolve o futebol. Como aconteceu
como dizia Nelson Rodrigues. Por isso mesmo com todo brasileiro daquele tempo, o gol do Ghiggia
no final dos anos 50 a seleção teve que mudar o foi como se um raio tivesse me fulminado.
uniforme para o verde e amarelo depois de uma
forte campanha liderada pelo Walter Mesquita, Já tivemos um roteiro sobre aquele jogo mas a in-
então chefe da página de esportes do jornal ca- tensidade daquela tragédia é irreproduzível. Quem
rioca Correio da Manhã. Para reforçar essa idéia sabe ainda conseguiremos.
Pelé ā Edson Arantes do Nascimento (Três Cora- eu acho que por isso eu sou lembrado e mesmo
ções, 1940) por gente que não era daquela época. Imagine,
Precisa apresentar o personagem? Basta dizer que um menino de 30 anos, por aí, não me viu jogar.
esta longa conversa com Pelé aconteceu na casa Pode ter visto um ou outro gol, mas não me viu. E
de Anibal Massaini Neto, diretor do documentário a memória permanece.
Pelé Eterno. Pelé é muito simpático, atencioso,
direto, não foge de perguntas e lembra-se de A gente vendo o filme, a sensação que fica é que
tudo. Homem do mundo, ocupadíssimo, cede ge- nunca mais vai se ter um futebol como aquele.
nerosamente seu tempo a quem deseja ouvi-lo, Então aproveito para te perguntar. Como você
ou pelo menos foi o que aconteceu dessa vez, um compara o futebol que você jogava na sua época
bate-papo sobre futebol de umas três agradáveis com o de hoje?
horas. Uma pequena parte da conversa foi pu- Eu acho que a mudança não foi só no futebol.
blicada no jornal O Estado de S. Paulo. O que se Ela foi de toda a sociedade. Sabe, o conceito de
segue é a íntegra. vida é que mudou. Na educação, no respeito ao
próximo. Por exemplo, entre os jogadores, os mais
338 339
Você parou de jogar no Brasil em 1974 e tem
recebido incríveis manifestações de carinho nas
pré-estréias do filme Pelé Eterno pelo país. A que
atribui essa permanência na memória do povo?
Eu acho que é porque eu sempre respeitei o torce-
dor. Eu vejo hoje, e fico até meio triste com isso, o
jogador que tira sarro da torcida, manda a torcida
calar a boca. Eu quando entrava em campo, orava
e pedia duas coisas: para que ninguém se contun-
disse e o jogo não empatar em zero a zero, por-
que o torcedor se sacrifica, viaja, vem de fora, ele
paga, e o jogo de zero a zero é uma frustração. Se
tiver de empatar, que seja um 4 a 4, por exemplo,
porque aí ele viu um show. Então eu pedia isso,
para ninguém se machucar e a gente dar um bom
espetáculo. E isso aí deixava o pessoal feliz. Então Luiz Zanin Oricchio, Pelé e Anibal Massaini
jovens chamavam os mais velhos de senhor. Ain- todo time que ele vai ele beija o escudo. Diz que
da tinha aquele negócio de pedir a bênção para ama o time quando é apresentado. Pô, então é um
os pais. Então havia um respeito maior entre os negócio meio falso, não é? Quem paga mais, ele
clubes, diretores e torcidas. O jogador jogava no beija a camisa. É isso que eu acho um perigo para
clube porque gostava. Então houve essa grande futebol, o perigo dessa falta de continuidade.
mudança na cultura, em nível mundial, essa coisa Porque o torcedor tem uma relação de paixão com
do imediatismo. Mudou tudo. Agora, com tudo o seu time...
isso, o futebol continua sendo o maior espetáculo E com o seu ídolo... Para os mais jovens hoje é
de todos, apesar de tantas mudanças. Você vê: na complicado porque ele não se identifica com o
época em que eu apareci e passei a ser conhecido, seu ídolo. É até engraçado você ver. Porque anti-
não havia um só jogador de qualidade. Era um gamente você falava do Rivellino, sabia que era do
monte. Em cada clube tinha 3, 4 craques. E você Corinthians, Zico, era do Flamengo...
se identificava com eles. E quase ninguém queria
sair para jogar lá fora. Era um ou outro que saía. Pelé, sabia que era do Santos...
Mas a maioria preferia ficar no clube. Tostão, era do Cruzeiro. E assim por diante. Então,
340 eram pontos de referência para os jovens. Hoje, 341
Você mesmo recebeu um monte de propostas para não... No Santos de 2002, 2003, se via muito na
sair, não? Vila Belmiro as menininhas que iam ao estádio só
Um monte. E vários jogadores foram embora. Na para ver o Diego... ou o Robinho. Pois é, são os que
época em que eu recebia essas propostas, da Europa, criam vínculo com o time. Se vão embora...
do México, vários se foram. Foram o Sormani, Nenê,
Pois é, eu estou preocupado com essa situação do
o Altafini, Evaristo, o Dino Sani, que jogava no
futebol brasileiro...
Palmeiras, o Julinho Botelho, o Amarildo, que foi
E também essa transferência, sei lá, como dizer.
campeão do mundo, jogou em 1962 comigo. Quer
O jovem vai ao campo, ele não vai para ver o fu-
dizer, mesmo naquela época, saía muita gente.
tebol, ele vai para desabafar, e daí essas cenas de
Mas ficava muita gente. A produção era maior.
violência...
Saíam muitos bons e ficavam muitos bons também.
Hoje infelizmente saem e a gente fica com déficit É uma violência da sociedade, na verdade, e o cara
por aqui. Então essa mudança que eu acho que é vai para desabafar...
perigosa para o futebol. Hoje o jogador fica uma Justamente. Então não é só o problema específico
temporada no Corinthians, a outra temporada ele da mudança no futebol. É a sociedade de uma ma-
vai para o Palmeiras ou vai para o Flamengo. Em neira geral, que está sofrendo essa mudança.
Pelé, você vendo o filme, ele é um retrato que te
agrada da tua carreira? É um retrato completo, ou
você sente falta de alguma coisa?
Completo não dá para ser (risos). Mas tanto quanto
é possível, num compacto de duas horas, define,
não a minha carreira, mas a minha vida, até o mo-
mento. Porque muito pouca gente, por exemplo,
sabia da história do meu pai. Essa história que está
no filme, não adianta querer explicar, porque é
uma coisa de Deus. O Pelé bateu todos os recordes
de gols, em nível mundial. O único recorde que o
Pelé não bateu foi o de cinco gols de cabeça num
jogo só. Agora, por que é que tinha de ser o meu
pai a ter esse recorde? Podia ser o Leônidas, podia
ser um inglês, que só jogam na base da bola cru-
342 zada e marcam muitos gols de cabeça. Podia ser 343
um italiano. Mas não. Foi o Dondinho, meu pai.
Então são coisas difíceis de explicar. Para explicar
essa história precisava de um outro filme. Isso é
uma coisa importante por causa da minha forma-
ção religiosa.
Até 1950
Brasil x Argentina
1908, Rio de Janeiro, RJ. produção e direção: Anto-
nio Leal; Companhia produtora: Foto Cinemato-
gráfica Brasileira; p&b; 35 mm; curta-metragem; Futebol entre Fluminense e Cruzador Inglês Ame-
Documentário. thyst
Filme de atualidades sobre a sensacional disputa 1909, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm;
entre brasileiros e argentinos. Tido como primeiro curta-metragem; gen: Documentário.
filme brasileiro sobre futebol.
Palmeiras x Paulistano
Campeonato de 1908 1909, São Paulo, SP. p&b; 35 mm; curta-metragem;
1908, São Paulo, SP. p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário.
Documentário. Jogo de futebol entre os times do Palmeiras e do
Campeonato de futebol de 1908, no qual o Clube Paulistano, em São Paulo.
Paulistano conquistou a taça, assistindo-se à en- Festival no Parque Antártica
trega ao referido clube 1909, São Paulo, SP. Produção: Francisco Serrador;
Primeira Partida de Futebol entre o S.C. Pelotas e direção: Alberto Botelho; Companhia produtora:
Empresa F.Serrador; p&b; 35 mm; curta-metragem;
o S.C. Rio Grande
Documentário.
374 1908, Pelotas, RS. Direção de Nicola Petrelli; p&b; 375
Festival do Parque Antártica, São Paulo, em be-
35 mm; curta-metragem; Documentário.
nefício dos empregados da Light, Humanitária
Match Internacional de Futebol entre Brasileiros do Comércio e Maternidade. Aprecia-se o match
e Argentinos de futebol, as corridas de aranhas e aspectos das
1908, Rio de Janeiro, RJ. produção: Labanca, Leal & arquibancadas, repletas de famílias e cavalheiros.
Cia.; direção: Antonio Leal; Companhia produtora: Disputa da Taça Ipiranga
Photo-Cinematographia Brasileira; p&b; 35 mm; 1910, São Paulo, SP. Produção e direção: José Balsells;
curta-metragem; Documentário. p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário.
Jogo de futebol entre brasileiros e argentinos Doze times de futebol disputam a Taça Ipiranga,
no Rio de Janeiro. Segundo a fonte consultada, no Velódromo paulistano.
trata-se do primeiro documentário sobre futebol
rodado no Brasil. Primeiro Encontro do Corinthians com os Brasi-
leiros
Match de Futebol entre Ingleses e Fluminenses 1910, São Paulo, SP. produção e direção: José Bal-
1908, Rio de Janeiro, RJ. p&b; 35 mm; curta-metra- sells; Companhia produtora: Empresa José Balsells;
gem; Documentário. p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário.
Jogo de futebol entre o time do Corinthians Inglês Jogo de futebol entre os times do Botafogo e do
e o Palmeiras, no Velódromo Paulistano, com o Palmeiras no Velódromo Paulistano, São Paulo.
resultado de 2 x 0 para o Corinthians.
Matches de Futebol e Exercícios pelos Marinheiros
Segundo Encontro Corinthians Versus Brasileiros Nacionais no Campo do Fluminense
1910, São Paulo, SP. produção e direção: José Bal- 1910, Rio de Janeiro, RJ. p&b; 35 mm; curta-metra-
sells; Companhia produtora: Empresa José Balsells; gem; Documentário.
p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário.
Jogo de futebol entre o time do Corinthians inglês Matches entre o Corinthians x Brasileiros
e um combinado paulista, com o resultado de 5 x 0 1910, São Paulo, SP. p&b; 35 mm; curta-metragem;
para o Corinthians. Partida realizada no Velódromo Documentário.
Paulistano. Jogo de futebol entre o time do Corinthians e
combinado brasileiro.
Terceiro Match de Futebol Corinthians e Brasileiros
1910, São Paulo, SP. produção: José Balsells; dire- Botafogo, Campeão de Futebol de 1910
ção: João Stamato; Companhia produtora: Em- 1910, Rio de Janeiro, RJ. p&b; 35 mm; curta-metra-
376 377
presa José Balsells; p&b; 35 mm; curta-metragem; gem; Documentário.
Documentário.
Jogo de futebol entre o time do Corinthians inglês Campeonato de Futebol Fluminense x Botafogo
e o Atletic, no Velódromo Paulistano, com o resul- 1910, Rio de Janeiro, RJ. p&b; 35 mm; curta-metra-
tado de 8 x 2 para o Corinthians. gem; Documentário.
Os times do Fluminense e do Botafogo disputam
Palmeiras x Paulistano
o campeonato de futebol.
1910, São Paulo, SP. produção e direção: José Bal-
sells; Companhia produtora: Empresa José Balsells; Match de Futebol entre Corinthians (da Inglaterra)
p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário. e Paulistas
Os times do Palmeiras e do Paulistano disputam a 1910, São Paulo, SP. direção: Antonio Campos; p&b;
Taça Penteado de Futebol. 35 mm; curta-metragem; documentário.
Match no Velódromo entre Botafogo e Palmeiras
Football entre os Campeões do Rio e São Paulo
1910, São Paulo, SP. produção e direção: José Bal-
1911, Rio de Janeiro, RJ. p&b; 35 mm; curta-metra-
sells; Companhia produtora: Empresa José Balsells;
p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário. gem; Documentário.
Quarto e Último Match Internacional Uruguaios Jogo de futebol no velódromo de São Paulo, entre
Versus Scratch Paulista Palmeiras e Ipiranga.
1911, São Paulo, SP. produção e direção: Francisco
Serrador; Companhia produtora: Empresa F. Serrador; Match Internacional A. A. Palmeiras Versus Bota-
distribuição: Companhia Cinematográfica Brasileira; fogo C. A.
p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário. 1911, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: produção e
Jogo de futebol entre uruguaios e paulistas, em direção: Alberto Botelho; companhia produtora: A.
São Paulo. Botelho Film; p&b; 35 mm; curta-metragem; gen:
Documentário.
Sétimo Match do Campeonato de 1911, São Paulo Jogo de futebol entre A. A. Palmeiras e Botafogo
Atlético Clube Versus Clube Atlético Paulistano C. A. Interessante fita tirada no Rio Ground da Rua
1911, São Paulo, SP. produção: Francisco Serrador; Voluntários da Pátria. Aprecia-se, além do belo
direção: Antonio Campos; Companhia produtora: jogo dos dois valentes teams, o aspecto grandioso
Empresa F.Serrador; p&b; 35 mm; curta-metragem; das arquibancadas que estavam repletas com tudo
Documentário. o que há de mais distinto na sociedade carioca.
378
Jogo do campeonato de futebol de 1911 entre São 379
Paulo A.C. e C.A. Paulistano, em São Paulo. Primeiro M atch de Futebol Uruguaios Versus
Paulistano
Terceiro Match de Futebol Uruguaios Versus Ame- 1911, São Paulo, SP. ficha técnica: produção: Fran-
ricano cisco Serrador; direção: Antonio Campos; compa-
1911, São Paulo, SP. Produção e direção: Francisco nhia produtora: Empresa F. Serrador; distribuição:
Serrador; Companhia produtora: Empresa F.Serrador; Companhia Cinematográfica Brasileira; p&b; 35
distribuição: Companhia Cinematográfica Brasileira; mm; curta-metragem; Documentário.
p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário.
Terceiro jogo de futebol entre uruguaios e paulis- Match Corinthians
tanos. Vitória do Paulistano. A fonte consultada 1911, São Paulo, SP. ficha técnica: companhia pro-
sugere um erro no título, que seria: ‘Terceiro Match dutora: Casa Radio; p&b; 35 mm; curta-metragem;
de Futebol Uruguaios Versus Paulistano’. Documentário.
Jogo de futebol com o time inglês do Corinthians.
Palmeiras x Ipiranga
1911, São Paulo, SP. Produção e direção: José Bal- Football
sells; companhia produtora: Empresa J. Balsells; 1911, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: p&b; 35 mm;
p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário. curta-metragem; Documentário.
Festa promovida pelo semanário O Pirralho em futebol entre Americano e São Paulo Atletic no
benefício das vítimas das inundações do Sul. Filme Velódromo de São Paulo.
tirado no velódromo no dia em que se realizou
Match de Football contra S. C. Americano
essa festa.
1911, São Paulo, SP. ficha técnica: direção: Antonio
Palmeiras x Ipiranga Campos; p&b; 35 mm; curta-metragem; Documen-
1911, São Paulo, SP. ficha técnica: produção e direção: tário.
José Balsells; companhia produtora: Empresa J. Bal- Segundo a fonte consultada, pode tratar-se do
sells; p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário. filme Match de Football entre Americano Versus
Jogo de futebol no velódromo de São Paulo, entre São Paulo Atletic, do mesmo ano.
Palmeiras e Ipiranga.
Match de Football entre Palmeiras e Paulistano
Palmeiras x Paulistano (I) 1911, São Paulo, SP. ficha técnica: produção: José
1911, São Paulo, SP. ficha técnica: produção e dire- Balsells; direção: Antonio Campos; companhia
ção: Francisco Serrador; companhia produtora: produtora: Empresa J. Balsells; p&b; 35 mm; curta-
Empresa F.Serrador; p&b; 35 mm; curta-metragem; metragem; Documentário.
380 381
Documentário. Jogo de futebol no Velódromo de São Paulo em
Disputa do campeonato de 1911. Jogo de futebol disputa da Taça Penteado, entre Palmeiras e Pau-
entre Palmeiras e Paulistano, no velódromo de listano.
São Paulo.
Campeonato de 1912
Palmeiras x Paulistano (II) 1912, São Paulo, SP. ficha técnica: direção: Anto-
1911, São Paulo, SP. ficha técnica: produção e direção: nio Campos; companhia produtora: Companhia
José Balsells; companhia produtora: Empresa J. Bal- Cinematográfica Brasileira; p&b; 35 mm; curta-
sells; p&b; 35 mm; curta-metragem; Documentário. metragem; Documentário.
Jogo de futebol entre Palmeiras e Paulistano, re- Jogo de futebol entre as equipes do Paulistano e
alizado no Velódromo de São Paulo, em disputa do Americano.
do campeonato de 1911.
Football: Os dois Primeiros Matchs entre Portu-
Match de Football entre Americano Versus São gueses e Brasileiros
Paulo Atletic 1913, Rio de Janeiro, RJ. ficha técnica: direção:
1911, São Paulo, SP. ficha técnica: p&b; 35 mm; Paulino Botelho; p&b; 35 mm; curta-metragem;
curta-metragem; Documentário. sinopse: Jogo de Documentário.
Os dois primeiros jogos de futebol entre os times Match de Futebol entre Paulistano e Fluminense
dos brasileiros e dos portugueses em Botafogo, 1916, São Paulo, SP. ficha técnica: p&b; 35 mm;
Rio de Janeiro. curta-metragem; Documentário.
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Alcides Nogueira - Alma de Cetim
Tuna Dwek Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional
(Lei nº 1.825, de 20/12/1907).
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