1) O documento discute a função dos princípios na ordem jurídica constitucional e como eles se relacionam com as regras.
2) Os princípios ingressam nas constituições com um caráter de normatividade para contemplar valores sociais em uma configuração normativa aberta.
3) Há um debate sobre como interpretar princípios versus regras e se princípios podem sobrepôr-se a regras.
1) O documento discute a função dos princípios na ordem jurídica constitucional e como eles se relacionam com as regras.
2) Os princípios ingressam nas constituições com um caráter de normatividade para contemplar valores sociais em uma configuração normativa aberta.
3) Há um debate sobre como interpretar princípios versus regras e se princípios podem sobrepôr-se a regras.
1) O documento discute a função dos princípios na ordem jurídica constitucional e como eles se relacionam com as regras.
2) Os princípios ingressam nas constituições com um caráter de normatividade para contemplar valores sociais em uma configuração normativa aberta.
3) Há um debate sobre como interpretar princípios versus regras e se princípios podem sobrepôr-se a regras.
1) O documento discute a função dos princípios na ordem jurídica constitucional e como eles se relacionam com as regras.
2) Os princípios ingressam nas constituições com um caráter de normatividade para contemplar valores sociais em uma configuração normativa aberta.
3) Há um debate sobre como interpretar princípios versus regras e se princípios podem sobrepôr-se a regras.
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Resumo
A FUNÇÃO DOS PRINCÍPIOS NA ORDEM JURÍDICA CONSTITUCIONAL
A partir das primeiras décadas do século XX, diante de experiências
concretas que demonstraram os riscos inerentes ao formalismo e o absolutismo legislativo, instala-se lentamente uma crise no modelo de Estado de Direito. O problema não se restringia somente ao expediente técnico-jurídico do Estado legislativo, mas à dimensão axiológica que o fundamentava. A lei como norma geral e abstrata pressupunha uma sociedade homogênea de homens iguais e livres. Só neste contexto social era possível uma regulação integral da vida jurídica com poucas normas, preferencialmente codificadas. A emergência de múltiplas e heterogêneas pretensões sociais e a separação entre Direito, sociedade e mercado, determinaram a superação dessa imagem de homogeneidade e causaram a lenta erosão do Estado de Direito, em decorrência desse fenômeno, um novo paradigma que há muito vinha sendo delineado começa a fortalecer-se e ganhar contornos definidos, não se afigurando apenas como uma espécie de transição, mas, sobretudo, como uma transformação que afeta profundamente a concepção de Direito. Nesse contexto, é a Constituição que figura como o centro de onde emanam as demais normas, ou seja, com o atributo de ordem jurídica fundamental do Estado e da sociedade, que possui uma validez jurídica formal de natureza superior às demais normas.
A primazia da Constituição sobre a lei exige uma configuração normativa
aberta que não contemple apenas regras, mas sobretudo, princípios. Como normas derivadas de valores consagrados na sociedade, frequentemente já materializadas nas legislações infraconstitucionais internas ou internacionais, os princípios ingressam nas constituições com um caráter de normatividade, outrora inexistente. Por essas razões, apesar de recorrente, a temática dos princípios merece ser revisitada, especialmente quando se trata de obra cujo objetivo é essencialmente proporcionar subsídios de pesquisa aos acadêmicos de Direito. Para compreender como os princípios projetam-se na Constituição, cabe inicialmente contextualizá-la, identificando, sobretudo, o seu conceito e o que deve conter uma Constituição material. A ideia de Constituição já existe desde a mais remota antiguidade. Pelo menos desde o mundo grego e Romano pode-se detectar a idealização de que em toda comunidade política deveria existir um conjunto de normas superiores ao direito ordinário, cujo objeto seria garantir a continuidade da organização comunitária. Apesar de presente no período de esplendor da democracia ateniense e da república romana, somente ressurge na Idade Média sob a forma da chamada «constituição estamental» e continua na Idade Moderna através da noção de lex fundamentalis. Contudo, a Constituição somente vai apresentar-se num sentido moderno a partir do século XVIII, na Europa continental, como uma genuína forma política que vem substituir o anterior Estado absoluto.
Será no século XVIII, em especial, que o conceito de Constituição
adquire o sentido atual de um acordo fundado segundo a ideia de um contrato social, na qual estão contidas as normas fundamentais da Sociedade e do Estado. A proposta que parte da ideia geral de um pacto, como modelo hipotético para explicar a origem da Sociedade e a posterior formação do Estado, apesar da sua aparente superação, segundo Peña Freire, permite manter viva sua utilidade, dadas suas constantes possibilidades de atualização. O pacto é, de certo modo, um instrumento válido para justificar em cada momento histórico a inclusão de novas pretensões e aspirações sociais sentidas como vitais. Assim entendido, o pacto social guarda uma considerável analogia com o momento constituinte, valorando a formação da Constituição e dando-lhe legitimidade.
A ideia do pacto está em consonância com o significado que Lassalle
confere à Constituição, como sendo uma lei que representa o verdadeiro fundamento das outras leis, irradiando sua força jurídica através das normas comuns da nação, de modo que todas devem refletir a sua imagem. A seu ver, a essência da Constituição provém da soma dos fatores reais do poder que regem um país, de tal forma que quando escritos em uma folha de papel transformam-se em verdadeiro Direito. Porém, a Constituição escrita será respeitada e defendida quando corresponder efetivamente aos anseios dos poderes constituídos. Eis que a sua essência não é jurídica, mas política, de modo que se o documento chamado Constituição, não expressar as relações de poder, não passará de um pedaço de papel. A verdadeira Constituição, aquela que reflete a vontade das forças provenientes da Sociedade, é resultado de um pacto de consentimento, sem o que se afigura como ilegítima. Considerando as suas consequências, para Hesse, a concepção de forças reais de poder como delineada por Lassalle implica que, entre a norma fundamental estática e racional e a realidade fluida e irracional, existe uma tensão necessária e imanente que não se deixa eliminar. Para essa concepção, a ideia de uma vinculação determinante da Constituição real não significa outra coisa senão a própria negação da Constituição jurídica, pois esta fica cotidianamente sujeita a sucumbir diante das variações das forças reais de poder. Essa doutrina afigura-se desprovida de fundamento quando se admite que a Constituição é possuidora, ainda que de forma limitada, de uma força própria, motivadora e ordenadora da vida do Estado. Na opinião de Hesse, há que se avaliar a ordenação jurídica e a realidade político-social em seu inseparável contexto e no seu condicionamento recíproco.
A análise isolada e unilateral, separando o ser do dever, conduz
invariavelmente a extrema de uma norma despida de qualquer elemento da realidade ou de uma realidade esvaziada de qualquer elemento normativo. A essência da Constituição reside tanto na norma jurídica que está nela contida como compreende também a realidade com suas forças político-sociais que a constituíram. Assevera ainda o autor que a Constituição adquire força normativa na medida em que logra realizar as suas aspirações normatizadas. Por isso, a Constituição jurídica, para não permanecer estéril, não deve procurar construir o Estado de forma abstrata e teórica, mas deve ser o resultado das forças sociais, políticas e econômicas, visando materializar-se na realidade. Porém, não há normas superiores indefinidamente. É necessária uma última norma, a norma fundamental, que é pressuposta, visto que como norma mais elevada não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria que se fundar numa norma ainda mais elevada. Portanto, o fundamento de validade de uma ordem jurídica é a norma fundamental, como representação do ponto de partida da criação do Direito positivo. Deste modo, a norma fundamental não é uma norma material, pois o seu conteúdo é pressuposto. Se queremos conhecer a natureza da norma fundamental, devemos sobretudo ter em mente que ela se refere imediatamente a uma Constituição determinada, efetivamente estabelecida, produzida através do costume ou da elaboração de um estatuto, eficaz em termos globais.
A Constituição é uma derivação da norma fundamental, materializada
em normas positivas, que atua, especialmente, na ordenação do sistema jurídico, garantia dos direitos fundamentais e separação dos poderes. Em síntese, a ideia da Constituição foi sendo amoldada para configurar-se como o fundamento de validade das demais normas jurídicas, como reguladora dos poderes estatais e como repositório de normas diretamente invocáveis pelos legisladores. Entretanto, como se afirmou, essa conformação não surgiu do mesmo modo e no mesmo período. Nos Estados Unidos, como a Constituição de 1787 foi também o ato constitutivo da União, muito cedo foi lhe atribuído o caráter de norma fundadora do Estado e de todo o sistema jurídico. O mesmo não ocorreu na Europa, onde a preocupação voltou-se, sobretudo, para a reestruturação e controle do poder político, aliada à cultura prevalente de que a lei os princípios são normas jurídicas impositivas e compatíveis com variado grau de concretização, enquanto que as regras prescrevem imperativamente uma exigência os princípios suscitam problemas de validade e peso; as regras apenas questões de validade. Uma variante dessas abordagens, e que se entende como a mais adequada é adotada por Streck, ao sustentar que as regras fundamentam-se nos princípios. Em outras palavras, o princípio atua como o componente jurídico que institucionaliza e, ao mesmo tempo, delimita o campo de aplicação da regra, ainda que nela esteja encoberto. Em vista disso, torna-se impraticável interpretar uma regra sem considerar o seu princípio instituidor.
Do estabelecimento de um liame indissolúvel entre princípios e regras
resulta que, diante de um caso concreto, uma regra deve ser interpretada de acordo com as diretrizes do princípio que lhe dá fundamento, não sendo possível efetuar-se uma confrontação com base em outro princípio que não possui com ela vínculo. Considerando essa conformação como a que adequadamente harmoniza princípios e regras, não há que se cogitar eventuais conflitos entre ambos, quando se encontram no mesmo nível hierárquico, como bem explica Ávila. Entende-se equivocada, portanto, a posição doutrinária de que os princípios sobrepõem-se às regras quando colidem. Se fosse aceitável a tese da possibilidade de ocorrerem conflitos dessa natureza, os efeitos seriam funestos e gerariam insegurança jurídica. Feitas essas ponderações, é necessário ainda analisar o sentido que os princípios jurídicos apresentam no Direito Constitucional. Os princípios constitucionais são os princípios gerais do Direito alçado à norma suprema, o que aparentemente tem sido uma tendência no Constitucionalismo atual, ao positivar aqueles dotados de maior densidade e amplitude normativa. Ao analisar os princípios no texto constitucional, Canotilho estabelece um escalonamento de acordo com a posição que ocupam. A articulação de princípios e regras, de diferentes tipos e características, ilumina a compreensão da Constituição como um sistema interno assente em princípios estruturantes fundamentais que, por sua vez, assentam em subprincípios e regras constitucionais concretizadoras desses mesmos princípios. Procura com isso demonstrar o modo como se concretizam, de forma que os princípios mais abstratos vão sendo densificados por outros de menor grau. Os princípios estruturantes que se constituem em indicativos das ideias diretivas básicas de toda a ordem constitucional são o Princípio do Estado de Direito, o Princípio Democrático e o Princípio Republicano. Assim, por exemplo, o Princípio do Estado de Direito é densificado através de uma série de subprincípios como o da constitucionalidade, da legalidade e da separação dos poderes. Neste paradigma, tem-se então uma estruturação escalonada em que os Princípios estruturantes espraiam as ideias mestras por toda a Constituição, em razão da força densificadora que emanam. A seguir, colocam-se os princípios constitucionais gerais, dotados ainda de uma abstração e abertura que lhes permite dar sustentação e ligação às regras constitucionais para complementar todo o arcabouço jurídico e lhe dar uma consistência uniforme. Não resta dúvida de que a adoção de um sistema em que coabitam princípios e regras, possibilita a compreensão e melhor adequação das normas aos anseios de uma Sociedade em constante evolução, do contrário, um modelo forjado apenas sob regras exigiria uma disciplina legislativa exaustiva e completa, sem qualquer espaço livre para a complementação, característica natural dos sistemas abertos. É possível perceber, portanto, que as regras possuem uma estrutura em que, tradicionalmente, concretizam-se pela descrição de um fato, proibindo ou permitindo determinada conduta, ao que se acrescenta a elas sanções, em se tratando de regras proibitivas. Os princípios, por seu turno, não se reportam a um fato específico, que se possa precisar, podendo mais ser entendidos como delimitadores do campo de abrangência das regras. Nessa linha, as regras são como normas que descrevem determinadas situações jurídicas em que, preenchidos os pressupostos por elas descritos, exigem, proíbem ou permitem algo concretamente, enquanto que os princípios expressam uma diretriz, sem descrever objetivamente uma situação jurídica, nem se reportar a um fato particular. Por possuírem um maior grau de abstração, irradiam-se por diferentes partes, fundamentando e informando a compreensão das regras, dando unidade e harmonia ao sistema normativo. Porém, ressalta-se que esse paradigma deve estar configurado de modo que as regras sejam interpretadas e aplicadas de acordo com os princípios que lhes dão sustentação, sob pena de enfraquecimento da ordem interna do sistema jurídico constitucional.
Compreender a configuração que os princípios alcançaram nas
constituições é fundamental para uma adequada interpretação das normas jurídicas. No Brasil, o texto constitucional conferiu ênfase a alguns valores, inserindo-os no seu preâmbulo, mas desprovidos de força normativa. Em sentido diverso, os princípios constitucionais foram dotados de um grau de efetividade, com a função de guiar o legislador no momento da elaboração das normas infraconstitucionais e o Poder Judiciário no exercício do poder jurisdicional. Contudo, se os valores se materializam em princípios, e estes fundamentam as regras, não cabe utilizá-los em desconformidade com essa lógica, sob o risco de produzir uma instabilidade jurídica, especialmente quando utilizados para a resolução de conflitos na via judicial. Como se asseverou, a abrangência de uma regra é delimitada pelo princípio que lhe confere legitimidade, tornando-se impraticável interpretar uma regra sem considerar o seu princípio instituidor. Diante do exposto, é inegável que na sua acepção hodierna, as constituições convergiram para um viés predominantemente principiológico, transformando-se em irradiadoras de uma nova concepção do Direito, em que os valores são a fonte dos princípios e estes o fundamento das regras. Entretanto, apesar de os princípios desempenharem uma função fundamental para dar concretude às complexas situações que se apresentam ao Direito, não se pode olvidar que não lhes cabe, e nem poderia, servir de álibi para justificar quaisquer decisões no exercício do poder jurisdicional, amparadas numa aparente discricionariedade do juiz. Do mesmo modo, não podem ser utilizados pelo Poder Legislativo, na elaboração das leis, e mesmo pelo Poder Executivo no exercício da sua competência administrativa, para justificar decisionismos e arbitrariedades.