O Líder Que Deus Usa
O Líder Que Deus Usa
O Líder Que Deus Usa
Shedd
Moisés nasceu num momento crítico. O povo dele, os descendentes de Abraão escolhidos para receber grandes promessas, estava
sofrendo terrivelmente. Os egípcios dominavam os hebreus com tirania, e até matavam os filhos recém-nascidos para controlar o
crescimento da nação escrava. A mãe de Moisés escondeu o próprio filho e, depois, deixou que ele fosse adotado por uma
princesa do Egito.
Moisés viu a injustiça e tentou defender seu povo. Ele matou um egípcio que espancava um dos hebreus, imaginando que o povo
lhe daria apoio. Mas, o povo medroso não entendeu o que Moisés queria fazer, e ele tinha que fugir do Egito. Dos 40 aos 80 anos
de idade, ele ficou longe do Egito, servindo como humilde pastor de ovelhas. Neste tempo, ele casou e teve filhos. Talvez ele
conseguiu esquecer um pouco do sofrimento dos parentes no Egito. Até um dia, quando Deus apareceu no Monte Sinai, numa
moita que ardia mas não se queimava. Deus mandou que Moisés descesse para o Egito para livrar o povo da escravidão.
Moisés, com 40 anos de idade e com todo o vigor físico e o desejo ardente de ajudar os parentes, não conseguiu fazer nada.
Agora, com 80 anos, vai fazer o que? Vai entrar na presença do rei do país mais poderoso do mundo e exigir a libertação de
milhões de escravos? Moisés se considerava um libertador pouco provável, e começou a oferecer suas desculpas ao Senhor.
Vamos examinar as cinco desculpas que ele deu, e a maneira que Deus respondeu a cada uma. O relato se econtra em Êxodo 3 e
4.
Muitas pessoas recusam cumprir os papéis que Deus lhes tem dado, porque se julgam incapazes. Olham para outras pessoas mais
talentosas e acham desculpas por não fazer a vontade de Deus. O fato é que sempre encontraremos ao nosso redor pessoas mais
inteligentes, mais fortes, mais eloqüentes e mais conhecidas. Mas, Deus nunca usou tais qualidades para medir seus servos. Ele
não quer pessoas auto-confiantes, mas pessoas que confiam nele. Se você tende a fugir da responsabilidade porque não é
ninguém, está olhando na direção errada. Pare de olhar no espelho para ver suas limitações, e comece a olhar para Deus Todo-
Poderoso.
í O que direi?
Deus respondeu à primeira desculpa, e Moisés já ofereceu a segunda. Tudo bem, eu vou lá para falar com o povo sobre a
libertação, e else vão perguntar para mim. Vão querer saber o Nome do Deus que me enviou. O que eu direi para else? (3:13).
Os egípcios serviam muitos deuses, e os hebreus foram corrompidos pela influência deles (veja Josué 24:14). Para alguém chegar
no meio deles e dizer que "Deus me mandou" seria uma mensagem vaga. Ao mesmo tempo, Deus já tinha se identificado para
Moisés (3:6). Da mesma maneira que Deus USA muitas descrições de is nos outros livros da Bíblia, ele usou várias neste
capítulo. Além de ser o Deus de Abraão, Isaque, Jacó e do pai de Moisés (3:6), ele se descreve como "Eu Sou o Que Eu Sou"
(3:14). Esta descrição, a mesma usada por Jesus em João 8:24 e 58, é uma afirmação da eternidade de Deus. Ele é, e sempre
existia. Mais ainda, Deus usou o Nome traduzido na maioria das Bíblias atuais com maiúsculos: SENHOR. Este Nome vem do
tetragrama, ou Nome de quatro letras (YHWH). Sem vogais, ninguém sabe a pronuncia correta deste Nome (alguns sugerem
Javé). Alguns séculos depois de Moisés, os judeus acrescentaram vogais e começaram pronunciar o Nome como "Jeová". A
tradução grega do Antigo Testamento USA a palavra "Kyrios" que é traduzida em nossas Bíblias como "Senhor".
Algumas pessoas hoje, incluindo as Testemunhas de Jeová, têm insistido que "Jeová" ou alguma forma semelhante é o único
Nome de Deus, e que devemos usar este Nome exclusivamente. Usam passagens como Êxodo 3:15 ("este é o meu Nome
eternamente"). Algumas observações na Bíblia mostram claramente que Deus não estava dizendo que os servos dele usassem este
Nome como a única maneira de falar sobre Deus. Outras passagens usam diversos nomes ou descrições de Deus, mostrando seu
poder, sua eternidade, etc. Um versículo é suficiente para provar o erro da doutrina de "um único nome" para Deus. Amós 5:27
diz: "...diz o SENHOR, cujo nome é Deus dos Exércitos". Se o próprio SENHOR (YHWH) diz que seu nome é Deus (Elohim)
dos Exércitos, nenhum homem tem direito de proibir o uso de descrições bíblicas de Deus. Para tirar qualquer dúvida, podemos
ver o exemplo de Jesus. Ele citou, várias vezes, a tradução grega do Velho Testamento, que usa a palavra Kyrios (Senhor) no
lugar de YHWH. (Por exemplo, ele cita a Septuaginta, que usa a palavra Kyrios, em Marcos 12:11). Mais uma observação nos
ajudará: o nome YHWH não aplica somente a Deus Pai, como alguns falsos mestres sugerem. Mateus 3:3 fala sobre o papel de
João Batista em preparar o caminho de Jesus, e cita Isaías 40:3. YHWH (Javé ou Jeová) de Isaías 40:3 é Jesus!
A resposta do Senhor a Moisés não foi dada para sugerir que haveria apenas um nome oficial de Deus. O Deus eterno e soberano
queria se destacar dos falsos deuses adorados pelos egípcios e até pelos próprios hebreus.
Ainda hoje, os homens tendem a supervalorizar a eloqüência. Enfatizam a homilética ao invés de ensinar como estudar e entender
as Escrituras. Em muitos púlpitos, a embalagem se tornou mais importante do que o produto.
Paulo recusou valorizar a eloqüência acima do conteúdo: "Eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando_vos o testemunho
de Deus, não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria. Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e
este crucificado. E foi em fraqueza, temor e grande tremor que eu estive entre vós. A minha palavra e a minha pregação não
consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, para que a vossa fé não se
apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de Deus" (1 Coríntios 2:1-5).
Observamos a mesma coisa quando estudamos as qualificações de obreiros na igreja (presbíteros, diáconos, etc.). Deus quer
homens com conhecimento que mostram obediência nas suas vidas (1 Timóteo 3:1-13; Tito 1:5-9; Atos 6:3). Os homens querem
homens que têm sido formados em seminários e institutos de teologia. Vamos seguir a sabedoria de Deus ou a dos homens?
É natural se sentir inadequado para as responsabilidades da vida. Muitos homens não se sentem capazes de ser bons maridos e
pais. Muitas mulheres não querem assumir a grande responsabilidade de ser donas de casa e mães dedicadas. Muitos cristãos têm
medo de ensinar a palavra de Deus, de corrigir um irmão ou de ajudar com os problemas dos outros. Mas, nem sempre dá para
fugir! Às vezes, somos as pessoas indicadas para determinados trabalhos. O pai de família tem que protegê-la. A mãe de filhos
tem que cuidar deles. Os pastores de igrejas têm que alimentar e proteger as ovelhas.
E se fugirmos da responsabilidade que Deus tem nos dado? A ira do Senhor se acendeu contra Moisés. Será que ele ficará
contente conosco, se recusamos fazer a vontade dele?
Depois de todas as desculpas, Moisés fez o que Deus pediu. Ele era um servo fiel na casa do Senhor (Hebreus 3:5), e ainda é um
bom exemplo para nós. Às vezes, somos tentados fugir de alguma responsabilidade. Daqui para frente, vamos procurar ser servos
fiéis, fazendo tudo que Deus pede de nós. O poder não está em nós, porque realmente não somos ninguém. O poder está em Deus.
Precisamos aprender o que Paulo aprendeu: "tudo posso naquele que me fortalece" (Filipenses 4:13).
São Paulo lança as bases para a ética da vida cristã nascente. No alvorecer do cristianismo, a originalidade da proposta
desenvolvida pelo apóstolo Paulo consistiu em aliar a liberdade à responsabilidade: "tudo me é permitido, mas nem tudo convém"
(1Cor 6,12).
Todos os seres humanos prezam a liberdade, tendo sido criados para ela. Para não diminui-la ou até destruí-la, no entanto, requer-
se que se viva com responsabilidade. Essa foi a grande intuição de São Paulo, defendida em suas cartas dirigidas às primeiras
comunidades cristãs.
Em tempos mais recentes, o Vaticano II resgatou essa intuição, sobretudo, com a Gaudium et Spes, atribuindo grande valor às
consciências das pessoas: "a consciência é o sacrário das pessoas" (GS 16).
Permeando a ética de São Paulo é possível encontrar um grande desafio lançado a todo ser humano: saber discernir quais são os
melhores caminhos a serem percorridos no dia-a-dia. É assim que a pessoa se realiza e edifica o mundo à sua volta.
Em tempos de pensamento fraco e de relativismo, onde até o amor (síntese da mensagem cristã) é tido como líquido, é mais do
que oportuno revisitar as intuições éticas que nos foram legadas pelo apóstolo São Paulo.
O mais antigo escrito do Novo Testamento, 1Tessalonicenses é uma carta de exortação ética. O apóstolo Paulo lembra que a vida
cristã constitui-se em espera ativa do Senhor. Através de linguagem bastante emotiva, São Paulo lembra seus laços de
fraternidade para com os que abraçaram a mensagem de Jesus Cristo, recomendando-lhes a não abandonar o que haviam
aprendido dele. Tal recomendação era endereçada a cristãos que viviam em ambiente bastante laxismo ético, de modo particular
no que se referia à vida sexual. Ora, a adesão à mensagem de Jesus Cristo implica em compreender de maneira nova a si mesmo,
aos outros e às relações humanas. Há, nessa passagem de 1 Tessalonicenses, defesa ao respeito do próprio corpo e ao corpo das
outras pessoas (cf. 1Ts 4).
Outra carta que traz precioso ensinamento, em ótica cristã, é 1Coríntios: "Quando lemos essa carta, vemos logo que Paulo usa
algumas das mesmas espécies de apelos morais que em 1Ts. A maneira de ele introduzir esses apelos mostra que as semelhanças
não nascem só dos hábitos do mesmo autor, mas também do fato de Paulo e seus colaboradores ensinarem crenças e normas
semelhantes a novos cristãos nos dois lugares" (1).
Os destinatários de 1Cor encontram nessa carta importantes balizas éticas de como agir em situações concretas. Paulo valoriza a
liberdade, mas aconselha a prudência: "tomai cuidado para que a vossa liberdade não se torne ocasião de queda para os fracos"
(1Cor 8,9). A recomendação é a de que se mantenha sempre a sadia humildade perante as outras pessoas. Liberdade, sim!
Responsabilidade, também!
Nessa carta encontramos grande incentivo ético à generosidade: "Ninguém procure satisfazer seus próprios interesses, mas aos do
próximo" (1Cor 10,24). Essa linha de conduta foi bastante sublinhada em encontros do Episcopado Latino-americano. Bastaria
lembrar, por exemplo, Puebla 31-39 (feições concretíssimas, nas quais deveríamos reconhecer as feições sofredoras de Cristo),
Santo Domingo 178 (descobrir nos rostos sofredores dos pobres o rosto do Senhor), Aparecida 407-430 (rostos sofredores que
doem em nós).
Nas origens da teologia cristã deparamos com o apóstolo Paulo, que tem a grande lucidez de traduzir e testemunhar em concreto o
cerne da mensagem de Jesus Cristo: "este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei" (cf. Jo 15,12). No
pedido à generosidade presente em 1Cor temos a tradução concreta do mandamento maior deixado por Jesus.
Outra carta de Paulo, verdadeiro hino de louvor à liberdade humana, é endereçada aos Gálatas: "É para a liberdade que Cristo nos
libertou" (Gl 5,1). A liberdade é um dos elementos éticos fundamentais do ser humano. São Paulo acentua e valoriza essa
dimensão constitutiva do ser humano. Por outro lado, chama atenção que determinados comportamentos desencadeados pelo
próprio ser humano podem torná-lo escravo. Alerta, então, para a vigilância. Somente quem é vigilante mantém sólida sua
liberdade e nela cresce.
O apóstolo Paulo codifica a originalidade da mensagem ética de Jesus destinada particularmente aos cristãos -- mas também a
todas as pessoas de boa vontade: "tudo me é permitido, mas nem tudo me convém" (1Cor 6,12; 10,23). No contexto daquilo que
Paulo escreve é possível deduzir o que convém, especialmente aos cristãos: tudo o que congrega, edifica e tece a vida das pessoas.
Agir desse modo é a recomendação!
É preciso, então, discernimento. O texto capital é o seguinte: "E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos,
renovando a vossa mente, e fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito" (Rm 12,2). A
esse respeito, o grande mestre da teologia moral contemporânea, Bernhard Häring afirmou: "Para Paulo, a partir do momento em
que consentiu em viver segundo as exigências do batismo, o crente está capacitado a descobrir por si mesmo a vontade de Deus
no cotidiano de sua vida. E assim chegamos a um dos filões éticos mais importantes de Paulo, o tema do discernimento... O
cristão tem de descobrir e realizar aquilo que a vontade de Deus lhe propõe no aqui e agora da situação" (2).
Qual é a encruzilhada para assumir esse novo estilo de vida, por parte de quem abraça a fé cristã?
Isso se dá por ocasião do sacramento do batismo. Quem se dispõe a assumir o sacramento do batismo está se comprometendo a
percorrer os caminhos propostos por Jesus e a abraçar fielmente o seu evangelho (cf. Rm 6,1-12). O indicativo proposto por Jesus,
passa a ser um imperativo para o batizado. "Pela fé e o batismo, o crente se incorpora a Cristo, mas o cristão tem de se apropriar
dessa realidade através de sua obediência ativa. Assim, a justificação batismal acarreta conseqüências éticas reais para a vida do
crente" (3).
3. Importância da consciência
Ao longo do século passado, não obstante as duas grandes guerras mundiais, houve um grande desenvolvimento do mundo
moderno. Esse contexto trouxe estímulo à corrente ética personalista, defensora dos indivíduos. Também a teologia moral deixou-
se alcançar por esse modo de pensar. Com a convocação do Concílio Ecumênico Vaticano II por parte de João XXIII, ao final dos
anos 50, tudo estava posto para que também a instituição oficial da Igreja católica desse uma resposta em consonância com "os
sinais dos tempos".
Tal resposta deu-se com a Gaudium et Spes. Há passagem relevante, nesse sentido, que afirma: "A consciência é o núcleo mais
secreto e o sacrário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser. Graças à
consciência, revela-se de modo admirável aquela lei que se realiza no amor de Deus e do próximo..." (GS 16). Vê-se aí a enorme
importância dada pelo Concílio Vaticano II às decisões individuais das pessoas (4). Até então, o que trazia tranqüilidade moral às
pessoas de fé era o seguimento à normativa. O importante era "enquadrar-se" nas leis. O que vigorava era a heteronomia moral.
De agora em diante, as leis passam a funcionar como importantes subsídios, mas nunca como elementos decisórios às pessoas. A
última palavra é sempre dada pela pessoa, em consonância com seu contexto vital, seu desenvolvimento psíquico e sua situação
particular. O que passa a vigorar é a defesa de autonomia moral.
E Gaudium et Spes prossegue: "... Não raro, porém, acontece que a consciência erra, por ignorância invencível, sem por isso
perder a própria dignidade. Outro tanto não se pode dizer quando o homem se descuida de procurar a verdade e o bem e quando a
consciência se vai progressivamente cegando, com o hábito de pecar" (GS 16). Admite-se claramente que o julgamento moral de
uma pessoa, no ponto de vista teológico, não pode ser feito a todos do mesmo modo. Cada um tem seu próprio estágio de vida,
que deve ser respeitado. Por outro lado, há também a lembrança de que todos os seres humanos têm o dever de se aprofundar ao
longo de toda a vida para aperfeiçoar a voz de sua própria consciência. Nada de acomodação! Nessa decisão conciliar, renova-se a
essência da mensagem ética de São Paulo: liberdade com responsabilidade! O Vaticano II atualiza o que o apóstolo Paulo
recomendou em Romanos 12,2.
Paulo tem palavras de esperança também a essa pessoas: "Os pagãos não têm Lei. Mas, embora não a tenham, se eles fazem
espontaneamente o que a Lei manda, eles próprios são Lei para si mesmos. Eles assim mostram que os preceitos da Lei estão
escritos em seus corações" (Rm 2,14s). A proposta de Jesus está aberta a todos! O que importa moralmente é agir segundo a voz
da própria consciência, tendo sempre presente que enquanto se vive há a obrigação de aperfeiçoar essa voz, em consonância com
o querer de Deus para o presente histórico de cada pessoa.
A teologia e a pastoral da América Latina das últimas décadas abriram novas perspectivas também para a ética fundamental. Do
personalismo defensor da autonomia do ser humano, passou-se a defender a solidariedade compassiva. Diante de tanto sofrimento
e carência de milhões de seres humanos, levantou-se o grito profético de muitas pessoas.
O apóstolo Paulo estimula essa proposta de sensibilidade compassiva e atuante perante o rosto do outro: "Ainda que eu falasse
línguas, a dos homens e as dos anjos, se eu não tivesse a caridade, seria como bronze que soa... Agora, portanto, permanecem fé,
esperança e caridade. A maior delas, porém, é a caridade" (1Cor 13, 1;13).
Os ventos eclesiais pelos quais passamos não são nada animadores. Prefere-se percorrer caminhos mais suaves, acompanhados de
letras de melodias menos transformadoras das desigualdades existentes. Em parte, isso se deve também à cultura das imagens na
qual nos encontramos, "que trocou a reflexão pela emoção, o espírito crítico pelo espetáculo animado" (5). Essa cultura estimula o
individualismo, desarticulando iniciativas éticas dos que procuram se organizar para atender às necessidades dos outros. De
qualquer modo, sempre há quem continue a acreditar no valor permanente da caridade compassiva.
Em meio ao crepúsculo do dever de um mundo hiperindividualista (6), também há lugar para iniciativas de pessoas mais ousadas.
"Ousar é mover-se e agir com destemor. Ousar é desprender-se do lugar onde se está. Ousar é desamarrar-se, é lançar-se, é atirar-
se a um projeto. É atitude corajosa, é ímpeto arriscado... Ousar é promover a dignidade da pessoa humana que está sendo
violentada pela crueldade e envergonhada pela miséria. Ousar é abrir clareiras que permitem enxergar horizontes fecundos para o
futuro da humanidade" (7).
Essa perspectiva da ousadia de abrir-se para a alteridade, exige desprendimento: "O caráter misterioso da experiência de Deus é
um importante elemento de seu poder de sedução... Essa sedução 'altera' radicalmente o homem: expropriando-o da segurança de
todas as normalidades pessoais ou sociais, da possibilidade de prever o futuro e planejar o presente, arrastando-o para algo que
parece ser loucura insana aos olhos do mundo... Ao viver e sofrer essa entrega e suas conseqüências, no entanto, o homem
percebe que o que é loucura para o mundo é sabedoria de Deus (cf. 1Cor 1,18ss)... é perceber, como o apaixonado Paulo de Tarso,
ter 'perdido' até mesmo a própria identidade para reencontrá-la, renovada, cristificada, no rosto de amor que o possui e o habita
por inteiro" (8).
5. Tempo de indiferentismo
Nos últimos anos, alastra-se mundo afora determinada cultura defensora do indiferentismo. Livros que defendem o ateísmo são
bastante veiculados. Se à nossa volta a imensa maioria das pessoas afirmam crer, na prática vive-se infantilismo na fé. Essa
postura reflete-se também na moral cristã. Declarações oficiais da Igreja são relativizadas ou ignoradas até mesmo por pessoas
que têm prática religiosa com certa regularidade. A superficialidade religiosa reflete-se na superficialidade dos comportamentos
morais.
Em instâncias que se auto-denominam científicas, há defesa de mão única à ciência. Somente ela bastaria para a vida e o
progresso do ser humano. Essa postura já conquistou muitos corações e mentes, mas sem deixá-los satisfeitos.
É a fé em Deus que humaniza o ser humano. Lançar bases em volta desse princípio ajuda o ser humano a ter esperanças num
mundo melhor para mais gente. Uma sociedade só é sólida se os membros que a formam forem portadores de valores sólidos.
Para isso é necessária a preocupação com os valores éticos que oxigenam a vida da sociedade.
Mesmo em meio a uma cultura que propaga o indiferentismo, é possível construir pontes de resistência. As propostas que nos
vêm do apóstolo Paulo são importantes alavancas para o fortalecimento da caminhada. Partindo de tais propostas torna-se menos
árdua a missão de testemunhar a Boa Nova de Jesus Cristo no hoje da história. Que este ano paulino nos anime a assumir esse
desafio!
Conforme Max De Pree “Um servo é aquele que está disposto a fazer o que Jesus Cristo fez, dando a sua própria vida para
cumprir a missão.
A liderança é acima de tudo uma posição de serviço”. É a disposição de servir que impulsiona a missão e produz resultados. O
exemplo clássico está relatado por Paulo em Filipenses 2, falando da trajetória vivida por Jesus para se tornar um servo, que
através da missão atingiu resultados eternos.
Este processo mostra que ele abriu mão da fama para servir. Para uma pessoa servir é necessário entender o que aconteceu com
Jesus. Ele viveu o processo de transformação para conectar sua atitude de serviço à missão e gerar resultados eternos.
Jesus mostra que poder, fama, multidões, reconhecimento, aclamação e honra são coisas passageiras. Jesus fez tudo isto para
mostrar que o ápice fica do outro lado da linha. Quem deseja servir no Reino de Deus precisa entender isto. O ato de servir é
usado por Deus para transformar a vida de outras pessoas.
Aqueles que desejam transformar sua comunidade ou a nação precisam ultrapassar a linha do voluntariado e entenderem que são
servos usados por Deus para transformar a vida de outras pessoas. Para isto é preciso ajustar o caráter e abandonar os interesses
do seu ego. Assim, é possível entender o que significa servir. Depois disto é necessário submeter-se à missão dada por Deus e não
querer realizar um ministério segundo os seus interesses. Desta forma será possível focar na realização da visão.
Jesus humilhou-se à missão recebida de Deus e foi até a cruz. Quando Jesus morreu, ele começou a multiplicar os resultados da
sua vida e ministério.
A multiplicação de resultados foi conseqüência da sua missão de servir e da sua visão de morrer para dar uma vida abundante
para aqueles que o seguissem. Ele foi um líder-servo que transformou as pessoas e essas pessoas continuam transformando o
mundo até hoje.
Em qualquer atividade do Reino que você esteja desenvolvendo, tenha a consciência de que tem uma missão dada por Deus e que
está disposto a servir para a transformação da vida de outras pessoas.
* O que aprendi nesta reflexão?
* O que decido mudar em minha vida?
* Qual é minha resposta a Deus?
É implícito ao conhecimento da maioria que qualquer ato ilícito ou de falta de caráter para com a verdade e aos
conjuntos de valores impostos pela sociedade são considerados antiéticos, seja no âmbito pessoal ou profissional. Mas
aí é que vem a pergunta: quem de nós, por exemplo, nunca usou de algum tipo de conhecimento ou contato para tirar
algum tipo de proveito pessoal, seja a retirada daquela multa de trânsito, da ajuda do amigo influente na hora de
conseguir um emprego ou ainda da profissão para conseguir alguma vantagem? Pois bem, se você fez, faz ou cultua
esse tipo de coisa, acaba de encaixar-se no perfil de uma pessoa antiética.
Mas só pensando nesse âmbito fica fácil fazermos um prejulgamento agora. Quando se trata de valores morais,
educacionais, culturais e religiosos, nem todos têm uma opinião verdadeiramente formada. Exemplo disso é o fato de
a igreja e muitos da sociedade repudiarem a prática do aborto, eutanásia, uso da camisinha ou ainda a clonagem para
fins terapêuticos. Mas o interessante de tudo isso é como a Igreja, com seus dogmas e valores “divinos”, consegue nos
afetar e influenciar até os dias de hoje. Igreja essa que não se contentou em perseguir e matar milhares de pessoas em
nome de sua ética, fé, e valores distorcidos sobre Deus.
Afinal de contas, onde está essa ética que também exclui milhões de pessoas vítimas das indiferenças sociais e do
capitalismo selvagem que não tem o mínimo interesse em satisfazer as necessidades mais básicas da humanidade
como, por exemplo, uma alimentação digna?
Enquanto sonhamos em comprar um ipod, milhares de pessoas sonham simplesmente em ter uma refeição diária.
Muitos de nós passamos o dia preocupados com coisas que para outras não são essenciais para a vida, como de fato
não são. Muitos se preocupam em comprar roupas e brinquedos para cães, mas nem por um instante se preocupam
com o que acontece com o ser humano que está ao lado, padecendo de fome ou frio.
A ética é baseada em conceitos que são inerentes aos costumes e a cultura de cada povo, e as diferenças culturais
existentes fazem com que a ética seja peculiar e reflita um sentimento geral da nação em que está inserida.
A própria ética exclui, pois uma pessoa que não recebeu da sociedade educação, saúde ou alimentação é mal vista
pela mesma sociedade quando comete um delito ou perturba o sossego de seus membros. Daí surge à questão: é ético
negar o pão, ou é antiético roubar um pão que foi negado?
Temos muitos conceitos que norteiam nossas vidas e é devido a isso que criamos um ideal de como devemos agir em
diversas situações corriqueiras e são nesses conceitos que se encaixam os valores éticos e morais que devem sempre
andar junto para que vivamos de maneira correta e em sociedade. Mas, na prática, isso não acontece, pois a ética tem
se afastado gradativamente dos valores morais. Temos nos tornado tolerantes com muitas coisas, antes vistas como
erradas e que agora devem ser aceitas devido à ética. Ser ético é ser conveniente, e isso até certo ponto pode ser ruim
porque algo inconveniente gera em nós uma necessidade de mudança e essa mudança pode nos elevar.
A ética só é proveitosa quando é seguida por pessoas éticas, mesmo que isso pareça incoerente, não é, pois pessoas
éticas sempre se preocupam com os outros, por isso seus atos são verdadeiramente bons. Já os não éticos usam da
ética alheia para se dar bem e alcançar seus próprios objetivos. “Tempos atrás a ocasião fazia o ladrão, hoje a ocasião
faz o ético”.
Com base em tudo isso, a história nos ensina que o Estado ou pessoa que assume as funções de censor, sob o pretexto
de conservar os bons costumes, proteger a cultura, a religião, a ética, acabam sempre arbitrários, superpoderosos e
inquisitoriais, pois dizem que agem para o bem público e em favor dos cidadãos, mas na verdade impõe uma
ideologia, que beneficia via de regra apenas um pequeno grupo.