A Inserção Do Cristianismo Batista em Moçambique
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A Inserção Do Cristianismo Batista em Moçambique
RESUMO
Este artigo analisa a inserção do cristianismo batista em Moçambique, ex-colônia africana
de Portugal, entre os anos de 1950 e 1971. Naquele contexto, os missionários se envolve-
ram apenas com os colonos que ali viviam. A pergunta que tentaremos responder é: por
que tais evangélicos não incluíram os(as) moçambicanos(as) autóctones em seus projetos?
Consideraremos as razões históricas que explicam a primazia sociorracial assinalada, ques-
tionando alguns conceitos utilizados em estudos sobre história do protestantismo, espe-
cialmente os de protestantismos de “missão” e de “migração”, aqui interpelados a partir
de apontamentos da Escola Italiana de História das Religiões, que oferece suporte para a
principal conclusão do texto, a saber: em lugar de uma suposta natureza não missionária,
o projeto era, sim, proselitista. A mídia impressa confessional do grupo será nossa princi-
pal fonte documental. Esperamos contribuir com os debates sobre as missões cristãs em
África no século XX, sobretudo no âmbito da História Cultural das Religiões.
Palavras-chave: cristianismo batista; Moçambique; protestantismo de missão; protestantis-
mo de migração; História Cultural das Religiões.
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X02305005
Artigo recebido em 5 de novembro de 2020 e aceito para publicação em 25 de junho de 2021.
* Professor da Universidade Federal de Pernambuco / Centro de Educação / Recife/PE – Brasil. E-mail:
pauloemac@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8494-0726.
** Professor da Universidade de Pernambuco / Campus Mata Norte / Nazaré da Mata/PE – Brasil. E-mail:
harley.abrantes@upe.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5535-076X.
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A inserção do cristianismo batista em Moçambique: razões que levaram os missionários a escolherem
apenas os colonos portugueses como objeto de evangelização (1950-1971)
Paulo Julião da Silva e Harley Abrantes Moreira
ABSTRACT
This article analyzes the insertion of Baptist Christianity in Mozambique, a former
Portuguese colony in Africa, between the years of 1950 and 1971. In that context, the
Christian missionaries get involved only settlers who lived there. The question that we will
try to answer is: why such evangelicals did not include native Mozambicans in their projects?
We will consider the historical reasons that explain the socio-racial primacy mentioned,
questioning some concepts used in studies about the history of Protestantism, especially
those of “mission” and “migration” Protestantism, here questioned from notes of the
Italian School of History of Religions, which supports for the main conclusion of the text,
namely: instead of an alleged non-missionary nature, this project was, rather, proselytizing.
The group’s confessional print media will be our main documentary source. We hope to
contribute to the debates on Christian missions in Africa during the 20th century, especially
in the scope of the Cultural History of Religions.
Keywords: baptist christianity; Mozambique; protestantism of mission; protestantism of
migration; Cultural History of Religions.
RESUMEN
Este artículo analiza la inserción del cristianismo bautista en Mozambique, antigua colonia
africana de Portugal, entre 1950 y 1971. En ese contexto, los misioneros sólo se involucraron
con los colonos que allí vivían. La pregunta que intentaremos responder es: ¿por qué estos
evangélicos no incluyeron a los indígenas mozambiqueños en sus proyectos? Consideraremos
las razones históricas que explican la primacía socio-racial señalada, cuestionando algunos
conceptos utilizados en los estudios sobre la historia del protestantismo, especialmente los
de protestantismos de “misión” y “migración”, cuestionados aquí a partir de apuntes de
la Escuela Italiana de la Historia de las Religiones, lo que sustenta la principal conclusión
del texto, a saber: más que un supuesto carácter no misionero, el proyecto era, más bien,
proselitista. Los medios impresos confesionales del grupo serán nuestra principal fuente
documental. Esperamos contribuir a los debates sobre las misiones cristianas en África en el
siglo XX, especialmente en el contexto de la Historia Cultural de las Religiones.
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apenas os colonos portugueses como objeto de evangelização (1950-1971)
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Introdução
Foi nos meados do século XX que os batistas de língua portuguesa adentraram de forma
contínua e sistemática nas porções africanas colonizadas por Portugal. A Primeira Igreja
desse grupo foi estabelecida em Lourenço Marques, então capital da colônia moçambicana.
Fundada em 1950, aquela congregação era filha das iniciativas da Convenção Batista Por-
tuguesa que enviara um grupo de cinco pessoas1 para introduzir a presença e permanência
desses cristãos portugueses metropolitanos, marcando espaço naquela sociedade colonial
através de uma pequena comunidade.
Eram tempos de grandes transformações no mundo, em particular na Europa, após o fim
da Segunda Guerra Mundial. Enquanto declinavam-se os colonialismos europeus, as lideran-
ças missionárias desviavam o foco e as estratégias outrora apontadas para países populosos
como a Índia, a China e outros tradicionais receptores das missões. Esses grandes alvos da
atenção cristã agora eram evitados em detrimento de regiões ainda não alcançadas pelo avanço
do comunismo, e menos afetadas pelos movimentos nacionalistas antiocidentais, ao menos de
acordo com o “radar” das agências missionárias que para esses locais passavam a enviar seus
representantes, redirecionando os rumos do movimento global de propagação cristã.
Na Europa, posteriormente ao término da Segunda Guerra Mundial, o momento apon-
tava para a necessária readaptação das nações do velho mundo, apressadas em desembarcar
de um tipo de imperialismo que tendia a naufragar conforme declinavam-se os colonia-
lismos europeus. Visto que os contextos políticos adversos dificultavam e até impediam
as ações das agências missionárias em regiões outrora colonizadas que, naquele momento,
tornavam-se independentes, é que o Conselho Mundial de Igrejas (do qual não participavam
os batistas) decidiu desviar o fluxo missionário em direção a áreas consideradas tribais na
Oceania, na América e na África (ROBERT, 2002).
No que concerne a Portugal, a ditadura salazarista dava o tom de um período amargo para
os valores democráticos e para os direitos humanos frequentemente violados durante a vigên-
cia do Estado Novo (1933-1974), regime de fortes traços totalitários e notavelmente longevo,
resistindo até mesmo às transformações políticas causadas pela Segunda Guerra Mundial.
Naquela mesma década de 1950, enquanto os outros impérios ocidentais definhavam rumo
às independências das nações africanas, os portugueses intensificavam a colonização daqueles
1
Tratava-se de cinco missionários com formação teológica nas instituições batistas portuguesas: pastor Luís
Rodrigues de Almeida, recém-casado com Maria de José Pato de Almeida, António Rodrigues Tapada, Ale-
xandre dos Santos Faia e Maria Amélia de Sousa. Fundaram a Primeira Igreja Baptista de Lourenço Marques
em 5 de março de 1950 (ZEFANIAS, 2008).
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territórios em franco desenvolvimento como Angola e Moçambique, para onde a forte onda de
emigração conduzia populações lusas que frequentavam a casa dos milhares e eram responsá-
veis pelo vultoso crescimento populacional de cidades como Lourenço Marques, que dobrou o
número de habitantes não africanos naquela década (MEDEIROS, 1985).
Essas pessoas eram atingidas pela propaganda do regime autoritário de Salazar, que ali-
mentava as esperanças de prosperidade desses portugueses com apoio da ideologia lusotro-
picalista do brasileiro Gilberto Freyre (1940), segundo a qual as colônias africanas e demais
regiões ultramarinas, em geral, eram exemplos de um mundo português que se irmanava
sob a proteção da mesma paternidade, da qual podiam se orgulhar, afinal, segundo essas
ideias, dentre os colonialismos europeus, seria este o mais peculiarmente aberto à convivên-
cia com culturas exóticas, para com as quais o português afetuoso e lírico se ofereceria num
gesto cristão e acolhedor para com a miscigenação que a todos misturaria em territórios de
lavra lusitana (THOMAZ, 2003; CASTELO, 2011).
Distante de sua terra natal, essa população portuguesa e católica em África careceria de
uma ação evangelizadora. Assim pensavam as agências missionárias batistas, em especial
a portuguesa, primeira a se engajar na aventura protestante ali. Segundo Tomás Zefanias,
pastor batista moçambicano, autor de História dos batistas de Moçambique2, a nova igreja se
organizou com cinco membros portugueses que, em setembro de 1949, deixaram Portugal
rumo a Lourenço Marques para fundar uma comunidade que, durante o período colonial,
se caracterizou por ser uma igreja portuguesa e branca naquela região do continente africano
(ZEFANIAS, 2008).
Naqueles tempos de colonização portuguesa, a implantação da Primeira Igreja Batis-
ta em Moçambique se deu ainda sob influência do contexto de assinatura da concordata
(1940) com a Santa Sé, onde o Estado Novo passava a reconhecer e a contar com as missões
católicas como instituições de utilidade imperial, responsáveis pela divulgação da cultura
ocidental cristã nas colônias de ultramar (CABAÇO, 2010; SILVA, 2017).
Bem mais que acordos formais, a aliança entre Igreja e Império simbolizava o funda-
mento cristão da missão civilizadora portuguesa pregada pelo regime de Salazar. Afirmado
em discursos oficiais das autoridades civis como o grande paradigma norteador do encontro
cultural entre a civilização e as populações exóticas, ao catolicismo caberia fazer coinci-
dir nos mesmos indivíduos a qualidade de cristão e a de patriota, sendo as missões cris-
tãs não católicas toleradas, apenas se para esse ideal convergissem ou mesmo colaborassem
2
A obra mencionada trata-se de um esforço da liderança batista moçambicana, preocupada em construir um
registro historiográfico da expansão do grupo em Moçambique. Produzido em 2008 pelo pastor moçam-
bicano Tomás Zefanias, teve o objetivo de funcionar como bibliografia dos cursos do Seminário Teológico
Batista da Beira (capital da província de Sofala). A obra rara aparecerá nas referências bibliográficas deste
artigo sem editora, uma vez que é uma produção autônoma do autor e do conjunto de colaboradores com
os quais contou para a efetivação do projeto. O livro, atualmente, pode ser encontrado apenas nos acervos
pessoais de algumas lideranças autóctones desse grupo religioso e nos anexos da tese doutoral de autoria de
Harley Abrantes Moreira (2019).
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(R AMPINELLI, 2014). Nesse contexto de aliança entre Estado e Igreja Católica, o pro-
testantismo foi, quase sempre, perseguido e, muitas vezes, associado, por padres, a outros
“perigos” como o “maometanismo”, o comunismo e o nacionalismo autóctone3.
Contrariamente ao que esperavam as autoridades portuguesas, apesar das igrejas protes-
tantes também possuírem uma mensagem de civilização, em Moçambique, pode-se dizer
que suas missões valorizavam, de modo geral, as línguas africanas e as culturas locais, pois
era através de uma penetração cultural mais profunda que se tentava incutir a religião mis-
sionária, ao passo que o governo português de braços católicos, tentava erradicar a cultura
local substituindo-a pela da metrópole. Considerável fração das igrejas não católicas, por-
tanto, era vista como inimiga do Estado, uma vez que muitas vezes traduziam a bíblia para
as línguas locais, através das quais os cultos eram celebrados, funcionando como um ponto
de encontro e um suporte para as populações nativas diante das durezas do colonialismo
(NEVES, 1998; SILVA, 2001).
Foi dentro desse contexto que a Primeira Igreja Batista de Lourenço Marques surgiu
como uma minoria protestante portuguesa, com um objetivo um tanto distinto dessas suas
irmãs de outras denominações e nacionalidades, pois, em seu caso, apesar do evangelismo
missionário expansionista que lhes impulsionava, na prática primava-se pelo alcance apenas
dos portugueses brancos que viviam em Moçambique e à evangelização de seus compatrio-
tas de mesma cor. É possível chegar a essa conclusão com apoio de materiais produzidos
pela própria imprensa batista e nas fontes orais, em que pastores batistas moçambicanos
recordam que a prioridade e a razão de ser dos primeiros esforços evangelísticos no país eram
dirigidos à comunidade portuguesa (MOREIRA, 2019).
Segundo tal documentação, o período em que o trabalho batista foi dirigido por por-
tugueses na antiga colônia caracterizou-se por uma igreja monocromática que, apesar da
identificação racial com as elites coloniais, sofria as perseguições de um Estado autoritário
sintonizado com a Igreja Católica. Durante esse período, marcado pela deferência ao cato-
licismo e pelo espaço social que este ocupava em termos de direitos e privilégios, o cristia-
nismo não católico desenvolvia seu trabalho em condições próximas às da clandestinidade,
onde o cerceamento das liberdades operava nas mínimas ações do cotidiano (BULO, 2016).
Diante desse quadro, essas outras igrejas teriam de optar, muitas vezes, por uma evange-
lização inserida nas culturas locais, o que implicaria em enfrentamento direto com a igreja
católica e as forças coloniais, ou por um trabalho mais discreto de apoio espiritual aos co-
3
Autores como José Luís Cabaço (2010) afirmam que as denominações protestantes foram reprimidas, men-
cionando Dom Teodósio Clemente de Gouveia, cardeal arcebispo de Lourenço Marques na década de 1950,
como o autor de pronunciamentos intimidatórios contra essas igrejas que, junto às hierarquias islâmicas,
eram alvos das políticas repressoras do clero e do Estado português. Tais ações não se limitavam aos discursos
oficiais, mas, segundo o autor, consistiam de destruições de bíblias, pressões físicas e psicológicas perpetradas
contra as crianças e seus pais frequentadores dessas missões, além de intempestivas obstruções de cultos atra-
vés da entrada de padres durante suas celebrações impedindo seus prosseguimentos.
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países como o Brasil, era o mesmo que se apresentava e tentava transplantar para o territó-
rio português ultramarino de acordo com aquelas páginas.
Segundo Micheline Reinaux (2013), periódicos protestantes sempre se mostraram como
peças fundamentais na propaganda dos trabalhos missionários, uma vez que as lideran-
ças apostavam no poder da palavra impressa para a difusão das doutrinas evangélicas. No
caso de Moçambique, mesmo com boa parte da população não tendo acesso à leitura, ter
um veículo de circulação nos espaços de língua portuguesa facilitaria a divulgação de ser-
mões, notícias, material didático etc. entre os colonos brancos, alfabetizados, que poderiam
expandir o protestantismo nos bolsões populacionais que concentravam o maior número de
portugueses oriundos da metrópole.
A difusão desses periódicos também se dava entre aqueles que não necessariamente per-
tenciam à denominação e, por isso, a atitude de fundar um instrumento de mídia como esse,
logo em seguida à inauguração do trabalho, indicava, também, os propósitos evangelísticos
do grupo. Segundo os defensores de jornais batistas nos locais onde as missões eram implan-
tadas, eles tinham a função de “[...] evangelizar os não-crentes, instruir os crentes e defender
a Causa batista” (PEREIRA, 2001, p. 135) e, em estudos sobre essa imprensa confessional,
esse tipo de material é compreendido como um canal de comunicação com sujeitos sociais
situados para além dos muros da comunidade.
De acordo com Anna Lúcia Collyer Adamovicz (2008), jornais batistas em missões ser-
viam na viabilização do crescimento da denominação. Para a autora, os periódicos eram vis-
tos como uma estratégia de evangelização, ao trazer ensinamento bíblico para os conversos,
bem como informações de caráter secular, mas com interpretações das lideranças batistas,
indicando, assim, sua intenção de funcionar, também, como formador de opinião. No caso
do Brasil, por exemplo, O Jornal Batista chegou a atingir, nos anos 1920, a marca de um
exemplar para cada três membros da denominação4, que poderiam repassá-los a vizinhos e
demais conhecidos de outras religiões.
Assim, o papel da imprensa batista, embora envolvesse a comunicação direta com os mem-
bros das igrejas, ultrapassava esse objetivo, sem dúvida fundamental, uma vez que ali se rela-
tavam progressos e dificuldades das missões, objetivando sensibilizar leitores a ofertar para os
trabalhos desenvolvidos5. Todavia, a existência de um jornal batista moçambicano, entre 1950
e 1975, aponta para o caráter missionário daquela experiência religiosa que, através de sua im-
prensa confessional, visava se comunicar com os habitantes da colônia pertencentes a outras
religiões e, portanto, objetos de conversão e alvos daquela proposta missionária.
4
Em 1930, as igrejas batistas filiadas à Convenção Batista Brasileira alcançaram a marca de 40.500 mem-
bros. Nesse sentido, calcula-se que a tiragem d’O Jornal Batista chegava a 13.500 exemplares semanais
(FEITOSA, 1978).
5
Era comum os missionários tornarem público suas ações através de periódicos, principalmente mostrando o
suposto sucesso naquilo que estavam desenvolvendo. Todas as denominações que desenvolviam trabalhos de
evangelização nesse período usavam dessa estratégia (SOUZA, 2007).
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Dessa forma, é muito improvável que aqueles primeiros batistas em Moçambique al-
mejassem apenas exportar sua igreja e conservá-la quantitativamente intacta enquanto ofe-
reciam suporte espiritual para a membresia lusitana e, antes que se imagine que o tímido
crescimento desse grupo em período colonial6 tenha sido consequência da natureza apa-
rentemente exclusivista de uma proposta endereçada apenas aos lusitanos, avisamos que os
batistas portugueses em Moçambique, apesar de colonos, não representavam uma espécie
daquilo que muitos estudiosos da temática costumam chamar de “protestantismo de migra-
ção”, e sim, também, uma comunidade de missão, cujos cinco fundadores foram enviados
pela Convenção Batista Portuguesa com o intuito de evangelizar na colônia e fazer prosperar
aquele trabalho numericamente.
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As visitas de missionários enviados por suas agências a pedido da igreja moçambicana eram constantemen-
te noticiadas pelo periódico da denominação em Moçambique e podem ser exemplificadas pelos casos do
missionário Lester Collins e da missionária Mary Peeble, entre tantos outros exemplos de missionários que,
durante os 25 anos de existência desse jornal, visitaram Moçambique, enviados por suas agências a convite da
Primeira Igreja Batista de Lourenço Marques. Ver Almeida (1973b, p. 7) e Almeida (1973a, p. 6).
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Em matéria de 1973, o jornal informava que, a convite da principal agência missionária batista norte-
-americana, os irmãos de Lourenço Marques estavam se dirigindo ao Malawi, país vizinho, ao norte, que, a
exemplo da Zâmbia, da Rodésia, da Tanzânia, do Quênia, da Uganda e da Etiópia, era alvo de uma “grande”
campanha de evangelismo. Segundo o periódico, apesar do esforço missionário, os idiomas locais eram uma
barreira, muitas vezes, intransponível e a língua portuguesa era considerada uma porta de acesso a alguns
desses países onde, em suas próprias comunidades sociais, viviam os imigrantes portugueses (ALMEIDA,
1973c, p. 6, 8).
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cristãos visava apenas à conversão exclusiva dos portugueses católicos, ou também consi-
derava alcançar as populações negras? Ou ainda: a evangelização, quase exclusiva, dos co-
lonos portugueses foi uma “fatalidade histórica” ou já era, de fato, parte do planejamento
daquela comunidade?
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dial opção de comunicação em um país onde apenas 6,5% da população tem como língua
materna o português (FIRMINO, 2008; THOMAZ, 2006).
Apesar da única raiz bantu, são múltiplos os vernáculos em constante reelaboração. Inte-
ragem com a influência linguística de outros idiomas e ocupam eminente papel na formação
do enorme mosaico cultural moçambicano, constituindo fatores de agregação e de aparta-
mento entre as diversas populações de Moçambique, incluindo os colonos e missionários
portugueses que não abriam mão da língua portuguesa para sua comunicação escrita e oral.
Somente após a mudança de hábitos e estratégias inauguradas pelo grupo de brasileiras(os)
é que, junto ao esforço por aprender as línguas locais, a conversão de moçambicanos passou
a cooperar com a utilização de tradutores, o que influenciou diretamente nas transformações
numéricas e de representação racial observadas a partir da década de 1970, através de popu-
lações nativas que responderam às iniciativas com algumas dezenas ou centenas de conver-
sões, comentadas e demonstradas por meio das imagens publicadas pelo jornal confessional.
Figura 1: ALMEIDA, Luís Rodrigues de. O povo de Maxaquene ouvindo com atenção o orador.
O Batista de Moçambique, set./dez. 1973c, p. 4. Altura: 6,21; Largura: 9,54
A imagem acima, publicada por uma mídia confessional interessada em divulgar resulta-
dos positivos e convencer os apoiadores da necessidade e viabilidade das missões, longe de se
resumir em provas definitivas, somam evidências10 de que a experiência batista em seus pri-
meiros 25 anos em Moçambique não pode se representar pelo conceito de “protestantismo
10
A respeito do valor e das limitações das fotografias, tomadas como provas, irrefutáveis ou não, pelo histo-
riador, ver Carvalho e Lima (2009, p. 29-60) e Ginzburg (2014, p. 311-338).
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Considerações finais
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que o afastamento entre a primeira igreja desse grupo e as diversas populações africanas da
colônia foi a principal característica desse período, e as explicações para esse fato não passam
por uma suposta natureza não missionária de suas células representativas.
Essa interpretação sugerida sempre que se utiliza os conceitos de “protestantismo de
migração”, antagônico ao “protestantismo de missão”, foi evitada por razões teórico-meto-
dológicas. Assumir essas terminologias aproxima as análises acadêmicas de experiências his-
tóricas protestantes do essencialismo da escola fenomenológica contra a qual se opuseram os
historiadores que fundaram a chamada Escola Italiana de História das Religiões. A concep-
ção que entendia as religiões como inatas ao ser humano, elaborada pelos fenomenologistas
da passagem do século XIX para o XX, terminou por afastá-los da história “para recuperar
uma significação universal, com o objetivo final de alcançar uma pressuposta essência da
religião” (MASSENZIO, 2005) presente em todas as culturas e épocas.
Dessa forma, antes mesmo da pesquisa histórica, assumia-se essa essência universal da
religião como um dado da realidade em uma antecipação semelhante à provocada pelos
conceitos de “protestantismo de missão” e “protestantismo de migração”, que também se
antecipam à pesquisa historiográfica para assumir a existência de dois tipos distintos de pre-
sença protestante. Em nosso texto, tentamos discutir a historicidade da história batista em
Moçambique, analisando fatores históricos de cunho social, político, cultural e inter-racial
para conhecer os motivos que explicam a preferência dos missionários portugueses pela
evangelização de seus compatriotas, em detrimento das preteridas populações locais.
Conforme mostramos ao longo do texto, as razões históricas que explicam essa ca-
racterística das primeiras décadas de presença batista portuguesa em Moçambique estavam
associadas à: hegemonia católica simbolizada pela concordata com o governo português, o
que terminou por gerar uma estratégia missionária mais tímida e restrita aos colonos, garan-
tindo, assim, a anuência do estado colonial para com as atividades daquele grupo religioso;
diversidade linguística de uma população negra subdividida em diversas etnias e idiomas;
organização urbanística de cidades como Lourenço Marques, que afastava os portugueses
das populações nativas e demonstrava a existência de uma organização social racista e racial.
Entre as causas da evangelização apenas de portugueses, portanto, não se encontra uma
suposta natureza de “protestantismo de migração”, basicamente pelas seguintes razões: a
rede de instituições batistas dentro da qual aqueles pioneiros se encontravam era missioná-
ria; a própria comunidade de Lourenço Marques requisitava missionários a agências norte-
-americanas, portuguesas e brasileiras; ademais, pontuamos que a grande maioria da po-
pulação portuguesa em Moçambique era católica e, portanto, aquela primeira igreja batista
jamais consistiria em uma experiência de “protestantismo de migração”, uma vez que essa
tipologia se caracteriza pelo cuidado e assistência pastoral a pessoas da mesma religião e,
segundo nossas fontes documentais, não havia batistas falantes da língua portuguesa antes
da fundação da Primeira Igreja Batista de Moçambique.
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A inserção do cristianismo batista em Moçambique: razões que levaram os missionários a escolherem
apenas os colonos portugueses como objeto de evangelização (1950-1971)
Paulo Julião da Silva e Harley Abrantes Moreira
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