Auto Da Compadecida - Analise
Auto Da Compadecida - Analise
Auto Da Compadecida - Analise
análise)
Rebeca Fuks
Resumo
João Grilo e Chicó são os amigos inseparáveis que protagonizarão a história
vivida no sertão nordestino. Assolados pela fome, pela aridez, pela seca, pela
violência e pela pobreza, tentando sobreviver num ambiente hostil e miserável,
os dois amigos usam da inteligência e da esperteza para contornarem os
problemas.
O falecimento do cão
A história começa com a morte do cachorro da mulher do padeiro. Enquanto o
cão estava vivo, a senhora, apaixonada pelo animal, tentou de todas as
maneiras convencer o padre a benze-lo.
O enterro do animal
Convencida de que era necessário enterrar o animal com pompa e
circunstância, a bela senhora tem a ajuda novamente dos espertos João Grilo e
Chicó para tentar persuadir o padre a realizar o velório.
O maroto João Grilo diz então, em conversa com o padre, que o cão havia
deixado um testamento onde prometia dez contos de reis para ele e três para o
sacristão se o enterro fosse realizado em latim.
Depois de alguma hesitação o padre fecha negócio com João Grilo pensando
nas moedas que receberia. O que ele não poderia imaginar é que apareceria o
bispo a meio da transação.
O bispo fica horrorizado com a cena: onde já se viu um padre velar um cão
(ainda por cima em latim!)? Sem saber o que fazer, João Grilo então diz que o
testamento, na verdade, prometia seis contos para a arquidiocese e quatro
para a paróquia. Mostrando-se também corrompível pelo dinheiro, o bispo faz
vista grossa a situação.
Com medo da morte, João Grilo e Chicó tentam uma última saída: dizem para
os membros do bando que tinham uma gaita benzida por Padrinho Padre
Cícero que era capaz de ressuscitar os mortos e que poderiam entregá-la se os
deixassem vivos.
O bando acredita que o sujeito de fato morreu, até que João toca a tal gaita e
Chicó supostamente ressuscita.
João Grilo, por sua vez, recebe a graça de voltar para o seu próprio corpo.
Quando regressa à Terra, acorda e assiste o seu enterro, feito pelo melhor
amigo Chicó. Chicó, por sua vez, havia prometido à Nossa Senhora que
entregaria todo o dinheiro que tinha à Igreja caso João Grilo sobrevivesse.
Como o milagre acontece, depois de muita hesitação os dois amigos fazem a
devida doação prometida.
Análise
Linguagem utilizada
A peça Auto da Compadecida é profundamente marcada pela linguagem oral,
Suassuna possui um estilo regionalista que pretende replicar com precisão a
fala do nordestino:
JOÃO GRILO: Ó homem sem vergonha! Você inda pergunta? Está esquecido de
que ela o deixou?
JOÃO GRILO: Esse era um cachorro inteligente. Antes de morrer, olhava para a
torre da igreja toda vez que o sino batia. Nesses últimos tempos, já doente para
morrer, botava uns olhos bem compridos para os lados daqui, latindo na maior
tristeza. Até que meu patrão entendeu, com a minha patroa, é claro, que ele
queria ser abençoado pelo padre e morrer como cristão. Mas nem assim ele
sossegou. Foi preciso que o patrão prometesse que vinha encomendar a bênção
e que, no caso de ele morrer, teria um enterro em latim. Que em troca do
enterro acrescentaria no testamento dele dez contos de réis para o padre e três
para o sacristão.
SACRISTÃO, enxugando uma lágrima: Que animal inteligente! Que sentimento
nobre! (Calculista.) E o testamento? Onde está?
Os dois amigos não têm quase trabalho, não possuem praticamente dinheiro,
não tiveram acesso ao conhecimento formal, mas lhes sobra esperteza,
malandragem e perspicácia: Chicó e João Grilo observam as situações e
rapidamente percebem como podem tirar proveito delas.
Crítica ao sistema
Os personagens humildes são vítimas da opressão provocada pelos coronéis,
pelas autoridades religiosas, pelos donos das terras e pelos cangaceiros.
Convém sublinhar que a peça é contada do ponto de vista dos mais humildes,
e é com eles que o espectador cria imediata identificação.
JOÃO GRILO: Está esquecido da exploração que eles fazem conosco naquela
padaria do inferno? Pensam que são o cão só porque enriqueceram, mas um dia
hão de me pagar. E a raiva que eu tenho é porque quando estava doente, me
acabando em cima de uma cama, via passar o prato de comida que ela mandava
para o cachorro. Até carne passada na manteiga tinha. Para mim, nada, João
Grilo que se danasse. Um dia eu me vingo.
O humor
João Grilo e Chicó representam o povo oprimido e toda a peça é uma grande
sátira da triste e cruel realidade nordestina. Apesar do tema tratado por
Suassuna ser denso, o tom da escrita é sempre baseado no humor e na
leveza.
Vemos também no texto o registro dos "causos", isto é, mitos e lendas que se
perpetuam no imaginário popular:
CHICÓ: Bom, eu digo assim porque sei como esse povo é cheio de coisas, mas
não é nada de mais. Eu mesmo já tive um cavalo bento. (...)
JOÃO GRILO: Quando você teve o bicho? E foi você quem pariu o cavalo,
Chico?
CHICÓ: Eu não. Mas do jeito que as coisas vão, não me admiro mais de nada.
No mês passado uma mulher teve um, na serra do Araripe, para os lados do
Ceará.
Personagens principais
João Grilo
Um sujeito pobre e miserável, melhor amigo de Chicó, usa da sua esperteza
para contornar as situações difíceis da vida. João Grilo representa uma parcela
do povo nordestino que, diante de um cotidiano difícil, faz uso da malandragem
e do improviso para se livrar de apertos.
Chicó
Amigo do peito de João Grilo, está ao seu lado em todas as aventuras e tenta
se desvencilhar do cotidiano trágico que vive através do humor. É mais
medroso do que o amigo e teme quando se vê embrenhado nas mentiras de
João Grilo. Chicó é o típico sabido, que se vê obrigado à exercitar a
imaginação para conseguir sobreviver.
Padeiro
Dono da padaria na região de Taperoá, o padeiro é o patrão de Chicó e João
Grilo. Na vida pessoal tem uma mulher infiel por quem é apaixonado. O padeiro
é um típico representante da classe média que tenta sobreviver, muitas vezes
se fazendo às custas dos mais pobres.
A mulher do padeiro
Uma mulher infiel que socialmente se comporta como uma puritana. É
apaixonada pelo cão e o trata melhor do que os seres humanos ao redor. A
mulher do padeiro é um símbolo da hipocrisia social.
Padre João
Devido à sua posição religiosa como comandante da paróquia local, o padre
supostamente era um sujeito incorruptível, despojado de ambições financeiras,
mas que acaba por ser tão corrupto quanto qualquer outro ser humano. Vemos
no padre João um retrato da ganância e da cobiça (por ironia um dos pecados
capitais condenados pela Igreja).
Bispo
Superior ao padre em termos de hierarquia, o Bispo tenta puni-lo quando
descobre a situação do velório do cão. Entretanto cai no mesmo erro do padre
quando a propina também é oferecida a ele. O Bispo afinal se mostra tão
corrompível e mesquinho quanto o padre.
Cangaceiro Severino
É o cangaceiro chefe do bando. Temido por todos na região, já fez uma série
de vítimas e acabou caindo no mundo do crime por falta de oportunidades. O
cangaceiro Severino é o representante de uma enorme parcela da população
que acaba caindo em um destino de violência porque não teve outras
hipóteses.
Nossa Senhora
Intercede por todos durante o julgamento final e intervêm com comentários
inimagináveis como, por exemplo, quando toma a palavra para defender o
Cangaceiro Severino. Nossa Senhora é profundamente bondosa e tenta levar
todos para o paraíso: ela busca argumentos racionais e lógicos para justificar
possíveis falhas de caráter.
Sobre a peça
A peça teatral com tema nordestino foi dividida em três atos. Escrita em
1955, Auto da Compadecida foi levado a público pela primeira vez no ano a
seguir, em 1956.
Mas foi no ano seguinte, em 1957, no Rio de Janeiro, que a peça ganhou
grande destaque. O Auto da Compadecida foi encenado no Rio de Janeiro
durante o 1º Festival de Amadores Nacionais.