A FUNÇÃO DE PUBLICIZAÇÃO DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA CLÍNICA: O Contexto, o Texto e o Foratexto Do AT
A FUNÇÃO DE PUBLICIZAÇÃO DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA CLÍNICA: O Contexto, o Texto e o Foratexto Do AT
A FUNÇÃO DE PUBLICIZAÇÃO DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA CLÍNICA: O Contexto, o Texto e o Foratexto Do AT
Mestrado em Psicologia
Niterói
2007
ii
Niterói
2007
iii
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Profa. Dra. REGINA BENEVIDES DE BARROS - Orientadora
UFF
____________________________________________________
Prof. Dr. EDUARDO PASSOS
UFF
_____________________________________________________
Profa. Dra. HELIANA DE BARROS CONDE RODRIGUES
UERJ
_____________________________________________________
Profa. Dra. ANALICE DE LIMA PALOMBINI
UFRGS
Niterói
2007
iv
AGRADECIMENTOS
RESUMO
PALAVRAS-CHAVE
ABSTRACT
This research investigates the Therapeutic Accompaniment (AT) as a clinical-political device and
its implications in the mental health attention in the context of the Psychiatric Reform in Brazil.
We constructed the dissertation in three moments: in the first one, we outlined the context in
which experiences of AT have been happening; in a second moment, we brought to the scene the
texts on AT, and in a third moment, we included the out-text, that is, we problematized and made
intercede in the text and in the context the functions that such a device sets at work. AT arose
during a movement of deinstitutionalization of madness, taking the city as its field of
experimentation and inserting itself beyond the very health establishments. It does a “clinic
without walls”, problematizing at the same time the mental disease and its relations with urban
spaces and radically interrogating manicomial practices. Paradoxally, there is a tendency in the
field of AT to institutionalize and privatize the clinic, making of it a specialism. Accompanying
the device in its variations and in its articulation with the network of brazilian mental health, we
took into consideration the agenciations that it establishes with Psychiatry, with Psychoanalysis,
with the Universities and with the city and the political effects that such agenciations produce.
The relations that are established between the vectors that compose the plan of the clinical
experimentation of AT give visibility to some functions that the AT device operates:
micropolitical function, transversalization function, rhizomatic function, delocalizer and analyzer
function of the clinic, function of resistance to the centripetal models and analyzer of the
Brazilian Psychiatric Reform Movement, function of territorialization, inclusive function and
function of publicization, or of generation of a common plan in the clinic. AT affirms itself as a
mobilizer of forces capable of consolidating a public status for the clinic.
KEYWORDS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................008
1.1 Mapa 1: Nosso ponto de partida – Brasil e América Latina ............................................... 033
1.2 Mapa 2: História(s) do AT .................................................................................................. 036
1.3 Mapa 3: História(s) do AT na rede pública de saúde brasileira ...........................................054
1.3.1 No Rio Grande do Sul .......................................................................................................058
1.3.2 No Rio de Janeiro ..............................................................................................................065
1.3.3 Em São Paulo ....................................................................................................................069
1.3.4 Em Minas Gerais ...............................................................................................................074
1.3.5 No Espírito Santo, em Pernambuco e em Santa Catarina ..................................................076
1.4 Embates e alianças: articulações políticas no processo de institucionalização do AT .........077
ANEXOS .....................................................................................................................................169
ANEXO1. CARTA PARA INSTITUIÇÕES DA AMÉRICA LATINA ....................................170
ANEXO 2. CARTA PARA INSTITUIÇÕES DA AMÉRICA LATINA (versão em
espanhol)...................................................................................................................................... 172
ANEXO 3. SITES E EMAILS ....................................................................................................174
8
INTRODUÇÃO
1
Ao longo do texto, utilizaremos AT, para designar Acompanhamento Terapêutico e at, para acompanhante
terapêutico. Tal abreviação foi inicialmente adotada por Kleber Duarte Barreto no livro A ética e a técnica no
Acompanhamento Terapêutico (2000).
2
A seguir apresentaremos um pouco do trabalho do cartógrafo e na Caixa de Ferramentas apresentaremos a
cartografia como metodologia.
9
3
Sob a coordenação dos professores Eduardo Passos e Regina Benevides.
4
“Uma máquina se define como um sistema de cortes. Não se trata absolutamente do corte considerado como
separação da realidade; os cortes operam em dimensões variáveis, conforme o caráter considerado. Toda
máquina, em primeiro lugar, está relacionada com um fluxo material contínuo (hylé) que ela corta. (...) Ao invés
de opor-se à continuidade, o corte a condiciona, implica ou define o que ele corta como uma continuidade ideal.
É que, já vimos isso, toda máquina é máquina de máquina. A máquina só produz um corte de fluxo porque está
ligada a uma máquina que se supõe produzir o fluxo. E, sem dúvida, esta outra máquina é também, por sua vez,
10
de partida pesquisar o AT no Brasil e na América Latina, já que esse foi o contexto em que se
deram as experiências que foram nos engajando na construção de políticas públicas de saúde.
Assim como no trabalho de AT, durante a pesquisa fomos acompanhando um coletivo de
forças, de intensidades, ou ainda poderíamos dizer de variações intensivas das forças.
Percorremos/ construímos caminhos que foram nos indicando diferentes pontos de chegada,
possíveis de se constituírem em novas partidas.
Para tal percurso, buscamos suporte no trabalho de Lourau (1988) em que ele analisa
diários de pesquisadores, na década de 80, buscando o que parecia uma estranha e inquietante
intimidade. Passos e Benevides de Barros5 nos alertam de que não se tratava de pesquisar o
mais íntimo e interior da vida de alguém, mas sim da busca da estrangeiridade própria da
criação, fazendo aparecer o que se encontrava separado dos textos oficiais escritos pelos
diaristas. Isto lhe permitiu ultrapassar o que ainda comparecia como autoral nesses escritos,
trazendo para a cena os vetores constituintes do ato de criação, despessoalizando, trazendo o
Fora como o mais íntimo. Lourau problematizou, assim, o sagrado e o profano, colocando em
questão a pretensa assepsia e neutralidade dos textos científicos e da própria academia. No
trabalho analítico dos diários, incluiu o que estava fora do texto, o “hors texte”, ou como
preferem Passos e Benevides de Barros6, o foratexto. Mostrou que a relação entre texto e
foratexto é sempre variável, imprevisível, sem regras a priori sendo estas – regras e metas –,
construídas na experiência.
Influenciados pelo movimento de Lourau, construímos nossa pesquisa em três
momentos: num primeiro momento traçamos o contexto em que tem se dão experiências de
Acompanhamento Terapêutico; num segundo momento trouxemos à cena os textos, ou seja,
os artigos, documentos eletrônicos, dissertações, livros e publicações sobre Acompanhamento
Terapêutico e, num terceiro momento, incluímos o foratexto. Propusemos transversalisar
contexto, texto e foratexto, rompendo as barreiras “dentro e fora”, relacionando o que, em
princípio, não tem relação. Indicamos as relações entre contexto e textos, fazendo aparecer o
foratexto do Acompanhamento Terapêutico, o plano do poder. Ora, sabemos a partir da leitura
que Deleuze (2005) faz de Foucault, que o poder coloca em relação o que não tem relação. “O
poder é precisamente o elemento informal que passa entre as formas do saber, ou por baixo
na verdade, corte. (...) Resumindo, toda máquina é corte de fluxo em relação àquela a que está ligada, mas fluxo
em relação àquela que a ela está ligada. Esta é a lei de produção de produção. Eis porque, no limite das conexões
transversais ou transfinitas, o objeto parcial e o fluxo contínuo, o corte e a conexão se confundem numa coisa só
– em toda parte cortes-fluxos de onde brota o desejo, e que são sua produtividade, operando sempre o enxerto do
produzir sobre o produto” (DELEUZE E GUATTARI, 1976, p. 54-55).
5
Anotações de aula, da disciplina “Subjetividade e Clínica” no mestrado de Psicologia/UFF no ano de 2005,
ministrada pelos professores Eduardo Passos e Regina Benevides de Barros.
6
Idem nota 5.
11
delas. Por isso ele é dito microfísico. Ele é força e relação de forças, não forma” (DELEUZE,
1992, p. 122).
As relações de saber-poder contemporâneas produzem novos dispositivos de
intervenção. No campo da saúde, já não se trata de exilar os loucos nos hospitais
psiquiátricos, mas de incorporá-lo de outra maneira à vida da cidade. Num esforço de
desestabilização do modo de relação com a loucura, o movimento de desinstitucionalização
marcou um processo não apenas de construção de novas políticas de saúde mental e de
serviços substitutivos ao manicômio, mas um processo também de desnaturalização das
lógicas manicomiais presentes em diversos espaços de cuidado, em diferentes paradigmas, nas
muitas formas de intervenção clínica e mesmo nas relações sociais mais insuspeitas
(BAPTISTA apud CABRAL, 2005).
Uma vez que as práticas sociais produzem os diferentes objetos, saberes e sujeitos,
constituindo, em nosso trabalho cotidiano, poderoso instrumento de reprodução e/ou criação
de mundos, faz-se necessária, portanto, uma análise das implicações, assinalando o que nos
atravessa, nos constitui e nos produz, e o que constituímos e produzimos com essas mesmas
práticas (COIMBRA E NASCIMENTO, 2003). Ou seja, faz-se necessária a análise do
sistema de lugares que ocupamos, que buscamos e que nos são designados a ocupar com os
riscos que isto implica (BENEVIDES DE BARROS, 1994). Tal análise não diz respeito a
engajamentos pessoais, mas aponta para um campo de forças dito implicacional, aquém e
além das pessoas.
Passos e Benevides de Barros (2004) chamam a atenção justamente para a importância
de colocarmos a própria clínica em análise, não bastando dizer que ela está comprometida
com a indissociabilidade entre a macro e a micropolítica. Afinal, a clínica pode tanto legitimar
as políticas de poder e de controle quanto ser uma abertura da potência criativa e suas
diferenças. Portanto, trata-se de problematizar a clínica ela mesma, fazendo aparecer suas
forças instituintes, ou seja, fazendo emergir o próprio plano de produção da clínica: o plano
do coletivo.
Por isso mesmo, consideramos fundamental que nos interroguemos sobre os diversos
sentidos cristalizados na clínica do AT. Um dos sentidos a ser interrogado é o do AT como
uma técnica a mais, ou seja, como mero objeto a ser consumido, incorporado como mais uma
prática médica ou psicológica, sendo consumido tal como um remédio e mesmo uma
internação. Quando definimos a clínica articulada com a dimensão micropolítica de produção
de subjetividade, somos convocados a nos arriscar numa experiência de análise crítica da
própria clínica, o que nos compromete politicamente.
12
Não há, portanto, nenhum oculto a ser revelado, há incisões a serem feitas
nos estratos, para que o invisível, já-presente, se torne visível. Blocos de
invisíveis buscam passagem e, ao fazê-lo, produzem rachaduras. O que há
para ser feito é investir nas rachaduras mais do que nas configurações
13
No primeiro capítulo, que trata do contexto do AT, traçamos alguns mapas, puxando
fios que tecem o campo do AT no Brasil e na América Latina. Apresentamos algumas
histórias do surgimento do AT percorrendo algumas condições para essa emergência. A partir
das leituras dos diferentes textos, em sua maioria brasileiros e argentinos, um denominador
pareceu ser comum a todos: o AT surgiu em meio a diversos e diferentes movimentos, entre
eles, o movimento da Reforma Psiquiátrica.
Assim, também construímos um mapa de como esse dispositivo foi se compondo com
a rede pública de saúde no Brasil. Escolhemos contar as histórias do AT na rede pública
apenas brasileira, pois na busca de dados e no estabelecimento de contatos, o que foi
emergindo foi traçando um mapa, um certo mapa-efeito destes próprios movimentos. Nossa
metodologia de pesquisa indicou o Brasil como uma direção e por isso não construímos um
mapa dos outros países da América Latina. Buscamos inicialmente textos que nos contassem
os percursos do AT na rede pública de saúde dos diferentes países, mas mesmo no caso
brasileiro foram poucas as publicações encontradas.
Influenciados pela afirmação de Rolnik (1989) de que os procedimentos do cartógrafo
são inventados em função daquilo que pede o contexto em que se encontra, recorremos ao uso
de uma lista de emails pessoais para obtermos as notícias do trabalho de AT na rede pública
de serviços. Segundo a autora
7
As citações foram retiradas da Tese de Doutorado da autora, recentemente publicada em livro: Grupo – A
afirmação de um simulacro.
14
Deleuze (2005), em seu livro sobre Foucault, distingue o que Foucault chama de
máquina abstrata e máquina concreta. “O diagrama, ou máquina abstrata é o mapa das
relações de força, mapa de densidade, de intensidade, que procede por ligações primárias não-
localizáveis e que passa a cada instante por todos os pontos, ‘ou melhor, em toda relação de
um ponto a outro’” (DELEUZE, 2005, p. 46). É a exposição das relações de forças que
constituem o poder; é a repartição dos poderes de afetar e dos poderes de ser afetado; é a
mistura das puras formações não-formalizadas e das puras matérias não-formadas. “A
máquina abstrata é como a causa dos agenciamentos concretos que efetuam suas relações; e
essas relações de forças passam, ‘não por cima’, mas pelo próprio tecido dos agenciamentos
que produzem” (Idem, p. 46).
E, de um diagrama a outro, novos mapas são traçados. Por isso não existe
diagrama que não comporte, ao lado dos pontos que conecta, pontos
relativamente livres ou desligados, pontos de criatividade, de mutação, de
resistência; e é deles, talvez, que será preciso partir para se compreender o
conjunto. É a partir das ‘lutas’ de cada época, do estilo das lutas, que se
17
O diagrama nunca age para representar um mundo preexistente, ele produz um novo
tipo de realidade, um novo modelo de verdade.
Cada diagrama produz certos dispositivos ao mesmo tempo em que é por eles
diferenciado. Dessa forma, não se pode pensá-los como independentes um do outro
(BENEVIDES DE BARROS, 1994). Os dispositivos, ou agenciamentos concretos, por sua
vez, efetuam as relações de forças dos diagramas em maior ou menor grau. Eles são uma
montagem ou um artifício produzido que mistura o visível e o enunciável. Para Foucault
(2001) o dispositivo é como um conjunto “heterogêneo que engloba discursos, instituições,
organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas,
enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas” (FOUCAULT, 2001, p.
244). Ele “é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos” (Idem, idem).
O dispositivo é então um conjunto multilinear, composto por diferentes naturezas.
Essas linhas traçam processos que estão sempre em desequilíbrio, e que ora se aproximam ora
se afastam uma das outras (linhas que se movimentam), de modo que qualquer linha está
sujeita a variações de direção e está submetida a derivações. Há linhas de sedimentação, diz
Foucault, mas também há linhas de fissura, de fratura. Desenredar as linhas de um dispositivo
é construir um mapa, cartografar (DELEUZE, 1996).
O dispositivo é constituído por linhas de saber, de poder e de subjetivação, sendo essas
últimas, o limite extremo do dispositivo (Deleuze, 2005). As linhas se entrecruzam e se
misturam, acabando por dar uma nas outras, ou suscitar outras, por meio de variações ou
mesmo mutações de agenciamento. E se todas as linhas são linhas de variação, que não têm
sequer coordenadas constantes, uma das conseqüências filosóficas do dispositivo, diz Deleuze
(1996) é o repúdio dos universais. A outra é que todo o dispositivo se define pelo que detém
em novidade e criatividade, e que ao mesmo tempo marca a sua capacidade de se transformar.
À novidade de um dispositivo em relação aos que o precedem chamamos atualidade do
dispositivo. O atual não é o que somos, mas aquilo em que nos tornamos, aquilo que somos
em devir, nosso devir-outro (Idem). E devir é, a partir de uma forma inicial, extrair partículas
18
as mais “próximas daquilo que estamos em vias de nos tornarmos, e através das quais nos
tornamos. É nesse sentido que o devir é o processo do desejo” (DELEUZE E GUATTARI,
1997, p. 64). Como dissemos anteriormente, em todo dispositivo é necessário distinguir o que
somos (o que não seremos mais), e aquilo que somos em devir; a parte da história e a parte do
atual (DELEUZE, 1996).
Na clínica traçamos os mapas ou os diagramas que operam no plano das intensidades
(plano não estratificado ou inextenso), no plano do poder. Para Foucault (2001) o poder é algo
que se exerce, não é um objeto, mas uma relação: ele é luta, é relação de força8. Fora e forças
são duas faces da mesma moeda. Fora se refere ao domínio das forças (FOUCAULT apud
PELBART, 1989).
O que é uma força? É relação com outra força. Uma força não tem realidade
em si, sua realidade íntima é sua diferença em relação às demais forças, que
constituem seu exterior. Cada força se “define” pela distância que a separa das
outras forças, a tal ponto que qualquer força só poderá ser pensada no contexto
de uma pluralidade de forças. O Fora, que é o exterior da força, é também sua
intimidade, pois é aquilo pelo que ela existe e se define (PELBART, 1989, p.
121).
Para Foucault, segundo Deleuze (2005), o poder é relação de forças sobre forças, que
se definem por sua capacidade de afetar e serem afetadas. Incitar, limitar, desviar e dificultar
são algumas de suas ações. Essas forças se articulam em uma rede sempre móvel, transversal,
instável, que engendra as formas que compõem o real. O poder faz ver e faz falar, ou seja,
produz saber. O saber, através de seu duplo registro – forma discursiva e não-discursiva,
forma do visível e do enunciável – é a atualização das virtualidades, das intensidades do
campo do poder. Saber e poder se articulam, numa pressuposição recíproca, compondo uma
trama inextricável, ainda que estejamos falando de duas dimensões: relações de formas e
relações de forças.
As forças operam num plano que não é o das formas, como no saber, de modo que um
devir das forças não se confunde com a história das formas. O saber diz respeito a matérias
formadas e funções formalizadas, ele é “estratificado, arquivado, dotado de uma
8
Foucault indicou que “os poderes se exercem em níveis variados e em pontos diferentes da rede social e neste
complexo os micro-poderes existem integrados ou não ao Estado” (MACHADO, 2001, p. XII)8. Ou seja,
Foucault explicitou relações de poder que se diferenciavam do Estado e seus aparelhos, concluindo que o poder
não está localizado em nenhum ponto específico, mas funciona em rede. O poder existe apenas enquanto
práticas, enquanto relação. “O que significa dizer que o poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona”
(idem, p. XIV). A força não está nunca no singular, ela tem como característica essencial estar em relação com
outras forças, de forma que toda força já é relação, isto é, poder: a força não tem objeto ou sujeito a não ser a
força. O poder não é uma forma, mas é uma relação de forças, ou melhor, toda relação de forças é uma relação
de poder. Ele não fala e não vê, mas faz ver e falar. As relações de forças não estão fora dos estratos, mas são o
seu lado de fora (DELEUZE, 2005).
19
9
“É sempre do lado de fora que uma força é afetada por outras ou afetas outras. Poder de afetar ou de ser
afetado, o poder é preenchido de maneira variável, conforme as forças em relação. O diagrama, enquanto
determinação de um conjunto de relações de forças, jamais esgota a força, que pode entrar em outras relações e
dentro de outras composições. O diagrama vem de fora, mas o lado de fora não se confunde com nenhum
diagrama, não cessando de fazer novos ‘lances’. Assim, o lado de fora é sempre abertura a um futuro, com o qual
nada acaba, pois nada nunca começou – tudo apenas se metamorfoseia. A força, nesse sentido, dispõe de um
potencial em relação ao diagrama no qual está presa, ou de um terceiro poder que se apresenta como capacidade
de ‘resistência’. Com efeito, um diagrama de forças apresenta, ao lado das (ou antes, ‘face às’) singularidades de
poder que correspondem às suas relações, singularidades de resistência, os ‘pontos, nós, focos’ que se efetuam
por sua vez sobre os estratos, mas de maneira a tornar possível a mudança. Além disso, a última palavra do poder
é que a resistência tem o primado, na medida em que as relações de poder se conservam por inteiro no diagrama,
enquanto as resistências estão necessariamente numa relação direta com o lado de fora, de onde os diagramas
vieram. De forma que um campo social mais resiste do que cria estratégias, e o pensamento do lado de fora é um
pensamento da resistência” (DELEUZE, 2005, p. 96).
20
Não são apenas as linhas de saber que compõem o dispositivo AT. Ele é também
atravessado pela Reforma Psiquiátrica brasileira, pelos Centros de Atenção Psicossocial
(Caps), pelos hospitais-dia e pelas tensões das políticas de saúde brasileira e argentina. No
caso específico do Brasil podemos afirmar que a Reforma brasileira é um vetor constituinte
do AT, porque altera, produz, incentiva, abre portas do AT, e é também por ele constituída.
Mas ela é também contexto onde a experiência do AT se (re) inventa e em nosso trabalho a
tomaremos mais nessa sua dimensão de contexto do que como vetor. Destacamos também a
cidade como um vetor fundamental do AT, pois ela se constitui como linha de subjetivação,
como vetor de existencialização.
Como sabemos, Foucault destaca três dimensões de um dispositivo: o Saber ou as
relações formadas, formalizadas sobre os estratos; o Poder ou as relações de força ao nível do
diagrama; e o Pensamento, que seria a relação com o lado de Fora, uma relação que é também
10
Segundo Deleuze e Guattari, 1991, o plano de imanência não é um conceito, nem um método, é um plano que
compreende todos os conceitos. “É uma mesa, uma bandeja, uma taça” (p. 51).
11
[...] “todo saber assegura um exercício de poder. Cada vez mais se impõe a necessidade do poder se tornar
competente. Vivemos cada vez mais sob o domínio do perito: [...] é o saber enquanto tal que é se encontra
dotado estatutariamente, institucionalmente, de determinado poder. O saber funciona na sociedade dotado de
poder. É enquanto saber que tem poder” (MACHADO, 2001, p. XXII).
21
não relação. O Fora não é um limite fixo, mas uma matéria móvel, cujas dobras constituem
um lado de dentro – do lado de Fora (DELEUZE, 2005).
Dentro como operação do fora: em toda sua obra, um tema parece perseguir
Foucault – o tema de um dentro que seria apenas a prega do fora, como se o
navio fosse uma dobra do mar. A respeito do louco lançado em sua nau, na
Renascença, Foucault dizia: ‘ele é colocado no interior do exterior, e
inversamente [...], prisioneiro no meio mais livre, da mais aberta das estradas,
solidamente acorrentado à infinita encruzilhada, ele é o Passageiro por
excelência, isto é, o prisioneiro da passagem’ (Idem, p. 104).
12
“A idéia fundamental de Foucault é a de uma dimensão da subjetividade que deriva do poder e do saber, mas
que não depende deles” (DELEUZE, 2005, p. 109).
22
Esses mapas não se pretendem verdadeiros14, tampouco fixos. Não são a representação
de um todo estático, e sim são sempre circunstanciais, vivos. Fazem-se ao mesmo tempo em
que acompanham movimentos de transformação. Por isso mesmo que chamamos de histórias
do AT e não a história do AT, pois sabemos que apresentamos um dos possíveis recortes
sobre como esse dispositivo vem sendo montado.
Por isso, esta designação ou descrição do real jamais tem um valor prescritivo
do tipo "porque é assim, assim será". É também por isso que, em minha
13
Mil platôs não formam uma montanha... Debate com G. Deleuze, C. Descamps, Didier Eribon e Robert
Maggiori.
14
Foucault (1994) já nos ensinava que acreditava por demais na verdade para não supor a existência de
diferentes verdades e diferentes modos de dizê-la. Além disso, Foucault nos aponta uma dimensão ficcional da
história: “[...] nunca escrevi nada além de ficções. Com isso não quero dizer que elas estejam fora da verdade.
Parece-me plausível fazer um trabalho de ficção dentro da verdade, introduzir efeitos de verdade dentro de um
discurso ficcional e, de algum modo, fazer com que o discurso permita surgir, fabrique algo que ainda não existe,
portanto ficcione algo. Ficciona-se a história partindo de uma realidade política que a torna verdadeira; ficciona-
se uma política que ainda não existe partindo de uma verdade histórica” (FOUCAULT apud RODRIGUES,
1998, p. 66).
15
“A história, genealogicamente dirigida, não tem por fim reencontrar as raízes de nossa identidade, mas ao
contrário, se obstinar em dissipá-la; ela não pretende demarcar o território único de onde nós viemos, essa
primeira pátria à qual os metafísicos prometem que retornaremos; ela pretende fazer aparecer todas as
descontinuidades que nos atravessam” (FOUCAULT, 2001, p. 35).
24
Para Foucault, segundo Rodrigues (1998), só se faz história, então, derivando pela
fratura crítica do presente, “contingenciando o presente mediante a construção de uma história
rigorosa do precário e do frágil” (Idem, p. 38).
Aquilo que Foucault afirma dos poderes, poderíamos dizer da história: ela se
exerce, é um como, e não um quem, um para que ou um por que totalizantes.
Caso queiramos indagar do por que, ou seja, perguntar de onde vem a
transformação das práticas, teremos que nos defrontar com um vazio, isto é,
com insuspeitadas conexões entre práticas, que nossa razão tranqüila não
supõe a princípio. Cada evento, em história, é uma raridade, um bibelô de
época. Vale, por conseguinte, acontecimentalizá-lo; quer dizer, desconstruí-
lo como evidência ou natureza, produzindo-o na qualidade de diferença
irredutível a qualquer espécie de "mesmo" (mecanismo econômico, estrutura
antropológica, processo demográfico, etc... etc...) (Idem, p. 52).
16
Raulet, G. Structuralism and post-structuralism: an interview with Michel Foucault, mimeo.
17
Conceito formulado por Deleuze (1992) que diz da relação de intervenção e interferência que desestabiliza, e,
ao mesmo tempo, possibilita a criação.
25
composições de fluxos que ainda não se atualizaram (BENEVIDES DE BARROS, 1994). Ela
visa interrogar os diversos sentidos cristalizados nas instituições: trata-se de produzir
evidências que tornem visível o jogo de interesses e de poder encontrados no campo de
investigação. Tal metodologia trata de desmanchar os territórios constituídos e convocar a
criação de outras instituições num “processo de desnaturalização permanente das instituições,
incluindo a própria instituição da análise e da pesquisa” (Idem, p.165).
Segundo Passos e Benevides de Barros (2000), a intervenção foi então associada à
construção e/ou utilização de “analisadores”, conceito-ferramenta utilizado por Guattari, no
contexto da Psicoterapia Institucional. Segundo Lourau (2004), para a Análise Institucional é
o analisador que realiza a análise. É a transformação de uma palavra terapêutica em uma
palavra política, liberada e liberadora, dos analisadores que faz a análise. Passa-se da noção de
análise à de analisador. Os analisadores são as manifestações de não-conformidade com o
instituído, são reveladoras da natureza do instituído. Chama-se analisador, em uma instituição
de cura, aos lugares onde se exerce a palavra, bem como a certos dispositivos que trazem à luz
os elementos que constituem um determinado conjunto. Uma situação qualquer pode servir de
analisador desde que seu movimento seja o de catalisar vetores e abrir o plano de análise que
estava bloqueado. “Daremos o nome de analisador àquilo que permite revelar a estrutura da
organização, provocá-la, forçá-la a falar” (LOURAU, 1975).
18
Nota de Regina Benevides de Barros, da tese de doutorado “Grupo: Afirmação de um Simulacro”.
26
19
Anotações de aula, da disciplina “Subjetividade e Clínica” no mestrado de Psicologia/UFF no ano de 2005,
ministrada pelos professores Eduardo Passos e Regina Benevides de Barros. Anotações também da fala do
professor na mesa de abertura do I Congresso Internacional, II Congresso Ibero-Americano, I Congresso
Brasileiro de Acompanhamento Terapêutico, no dia 07 de setembro de 2006.
28
enunciados). O plano intensivo ou molecular, por sua vez, tem a predominância de linhas
flexíveis, de fluxos e devir que buscam desviar-se da sobrecodificação totalizadora das linhas
duras (plano do invisível, da intensidade e das mutações maquínicas). O decisivo nesse plano
são as intensidades20. No plano intensivo, essas linhas flexíveis, através de seus
agenciamentos, operam pequenas modificações perceptivas, sensitivas e do desejo (Neves,
2002).
Um rizoma está sempre entre, no meio, tem como tecido as conjunções e...
e... A árvore tem filiações, começa e termina em algum ponto. O entre não é
algo localizável no espaço, é um movimento transversal, um fluxo
incessante, um devir. Como tal, não pode ser definido a não ser
fragmentária e provisoriamente, na relação, podendo sempre ser outra
coisa, outro signo, outro som, outro animal, outro vegetal, etc. O rizoma é
uma rede de devires, processos maquínicos, transformações não
estratificadas. O devir é aquilo que é sem ser um, sem ser identidade, sem
20
Os planos molar (realidades constituídas) e molecular (processos de constituição) são composições de linhas:
duras ou sedentárias, nômades ou flexíveis e de fuga. Em ambos existiriam os três tipos de linha, mas em cada
um haveria dominância de um dos tipos. “O plano molar seria predominantemente habitado por linhas duras,
enquanto que no molecular a predominância seria de linhas flexíveis e de fuga. As linhas duras são aquelas que
estão subordinadas a um ponto que se torna referência, que ‘significa’ os demais. Formam um sistema
arborescente, em que sempre há uma forte unidade principal tomada como referência primeira, enquanto que as
outras duas linhas formam um rizoma” (BENEVIDES DE BARROS, 1994, p. 146).
30
Uma multiplicidade não tem nem sujeito nem objeto, mas somente
determinações, grandezas, dimensões que não podem crescer sem que mude
de natureza [...]. Um agenciamento é precisamente este crescimento das
dimensões numa multiplicidade que muda necessariamente de natureza à
medida que ela aumenta suas conexões. Não existem pontos ou posições num
rizoma como se encontra numa estrutura, numa árvore, numa raiz. Existem
somente linhas. (DELEUZE E GUATTARRI, 1995, p. 16-17, grifos nossos).
Ainda que sem metas predefinidas, a clínica e a pesquisa têm uma direção e essa se dá
a partir de uma postura ética. A implicação de ambas num processo de produção de
subjetividade, como resistência às formas de assujeitamento, faz com que não se separem do
campo social, da história, da política, da estética e da ética. Isso significa que, na pesquisa,
assim como na clínica, não assumimos uma posição de julgamento, uma posição moralista a
partir de um conjunto de regras coercitivas que definem a priori o que é certo e o que é errado.
Por outro lado, em hipótese alguma nossa atitude (ethos) será de omissão ou submissão.
Temos um comprometimento ético, entendido enquanto criação de “um conjunto de regras
facultativas que avalia o que fazemos, o que dizemos, em função do modo de existência que
isso implica” (DELEUZE, 1992, p. 125-126). O método, portanto, nos implica politicamente.
Como parte do método genealógico, Foucault propõe um ethos filosófico,
caracterizando-o como “atitude-limite” que deve conduzir a uma dimensão experimental:
“(...) uma atitude indagadora, prudente, ‘experimental’, é necessária; a cada momento, a cada
passo, devemos confrontar o que estamos pensando e dizendo com o que estamos fazendo,
com o que estamos sendo” (FOUCAULT22 apud RODRIGUES, 1998, p. 42).
21
Anotações da aula, da disciplina “Subjetividade e Clínica” no mestrado de Psicologia/UFF no ano de 2005,
ministrada pelos professores Eduardo Passos e Regina Benevides de Barros e anotações da fala de Eduardo
Passos na mesa de abertura do I Congresso Internacional, II Congresso Ibero-Americano, I Congresso Brasileiro
de Acompanhamento Terapêutico, no dia 07 de setembro de 2006.
22
Foucault. M. Politics and ethics, entrevista de 1983, incluída em Rabinow, P. (ed) Foucault reader. New
York: Pantheon Books, 1984, p. 374.
32
[...] este trabalho, feito nos limites de nós mesmos, deve, por um lado, abrir um
campo de investigação histórica e, por outro, submeter-se ao teste de realidade, de
realidade contemporânea, tanto para identificar os pontos onde a mudança é
possível e desejável quanto para determinar a forma precisa que esta mudança deve
tomar. Isto significa que a ontologia histórica de nós mesmos deve afastar-se de
todos os projetos que clamam ser globais ou radicais (Idem, 1998, p. 41).
A aposta no limite de nós mesmos é também uma aposta na experiência de crise: não
pactuamos com a atitude confortável do consenso, da unificação, da totalização. Valorizamos
o dissenso, colocando em análise nossas posições e as instituições que nos atravessam. Nossa
postura, portanto, não é a de naturalização do mandato social que nos cabe enquanto
psicólogos, clínicos, acompanhantes terapêuticos, pesquisadores. Pelo contrário, colocamos
em análise os instituídos de modo desestabilizá-los, fazendo aparecer as forças históricas do
processo de institucionalização e salvaguardando os movimentos instituintes.
Iniciamos nossa busca em duas grandes frentes: procuramos por textos produzidos
sobre Acompanhamento Terapêutico no Brasil e em todos os outros países na América Latina.
Além do Brasil, os países em que encontramos material publicado sobre o tema, foram: Peru,
México, Uruguai e Argentina, com especial destaque para este último, país de origem da
maioria das publicações não brasileiras. Nossa busca se deu no sentido de encontrarmos todas
as publicações sobre AT de janeiro de 1980 a junho de 2006, com especial atenção para
aquelas que estivessem voltadas para a relação do AT com a rede pública de saúde.
Entretanto, essas foram justamente as mais difíceis de serem encontradas, e por isso
precisamos fazer um desvio metodológico e pesquisar essas experiências a partir de contatos
telefônicos, e-mails, conversas e entrevistas informais com atores implicados diretamente na
construção do AT como dispositivo de saúde no Brasil.
Fez parte também de nossa pesquisa, a busca por sites específicos sobre o tema do AT
e por sites oficiais do Ministério da Saúde de cada país. Quando nenhum desses foi
encontrado, procuramos sites oficiais dos governos desses países. Entramos em contato por e-
mail com os ministérios da saúde de quase todos os países da América Latina24, sempre com
uma carta25 padrão de apresentação do tema e do nosso problema de pesquisa, solicitando
contatos com instituições e pessoas que trabalham no campo da saúde mental que pudessem
estar interessados em nossas experiências e em contar-nos sobre o trabalho que vêm também
desenvolvendo no âmbito do AT.
Dos países da América Latina, alguns dos endereços de e-mail foram conseguidos em
pesquisa através de páginas da Internet, tanto nos sites oficiais dos governos quanto em
páginas afins com nosso tema. Outros contatos são frutos da construção, ao longo da
pesquisa, de uma rede de relações com trabalhadores de diferentes instituições de saúde.
23
Ao final de nossa pesquisa, encontramos livros (19 livros), artigos (em torno de 100, incluindo aqui os
documentos da Internet), Dissertações de Mestrado (13) e uma Tese de Doutorado. A primeira publicação data
de 1987 e a última de 2006, à exceção da Tese da Analice Palombini de março de 2007, constituindo-se como a
segunda Tese incluída em nossa pesquisa. Não incluímos aqui Trabalhos de Conclusão de Curso sobre AT.
24
Nem todos os países possuem um Ministério específico da Saúde e nem todos possuem contato de e-mail.
25
Ver ANEXO 1.
34
Em nossa busca, constatamos que dos 2226 países que constituem a América Latina 10
não possuem sites oficiais de seus governos. Quanto aos e-mails enviados para endereços
eletrônicos conseguidos na própria rede obtivemos resposta apenas do Chile. Apesar dos
poucos retornos que obtivemos de nossos contatos na América Latina (mais ou menos 5%),
não podemos, com isso, concluir que não haja prática do AT nos países com os quais não
conseguimos estabelecer um contato efetivo. Como não tivemos noticias de AT nesses países
por nenhum de nossos mecanismos de buscas, supomos que se houver AT nesses países, a
prática ainda é pouco divulgada. Mesmo nos países em que tivemos notícias de trabalhos de
AT ou de uma proposta parecida, ainda são poucos os registros encontrados.
Na busca de contatos no México vistamos um site oficial e enviamos 14 mensagens de
e-mail, das quais não obtivemos resposta. Na Argentina também visitamos um site oficial e
enviamos 19 e-mails, sem resposta. Na Bolívia visitamos um site oficial e não conseguimos
nenhum endereço de mensagem eletrônica. No Chile visitamos dois sites oficiais e enviamos
mensagem eletrônica para 109 endereços, dos quais quatro responderam. Na Colômbia
visitamos um site oficial e enviamos dois e-mails, sendo um respondido. No Equador
visitamos três sites oficiais e enviamos um e-mail, sem resposta. Na Guiana, Paraguai e
Venezuela conseguimos apenas visitar um site oficial e nenhum endereço de e-mail. No Peru
visitamos quatro sites oficiais e fizemos contato através de cinco endereços de e-mail, sem
resposta. No Uruguai visitamos dois sites e enviamos uma mensagem, sem resposta. Da
Argentina, Colômbia, Peru, e México responderam a nossa carta pessoas para as quais nos
apresentamos a partir da indicação-referência de profissionais do campo do AT no Brasil.
No Brasil, a dificuldade encontrada no estabelecimento de contato virtual não foi
diferente. Visitamos o site oficial do Ministério da Saúde e entramos em contato por e-mail
com todas as secretarias estaduais do país e com todas as coordenações de saúde mental das
capitais dos estados, apresentando a mesma carta enviada para os países da América Latina.
Duas coordenadorias responderam ao contato. Uma delas foi a do Estado do Rio de Janeiro,
através da coordenadoria de saúde mental do estado, na pessoa de Claudia Tallemberg, que
integrou o projeto de AT da Universidade Federal Fluminense em parceria com um Caps do
Município do Rio de Janeiro e com um Caps do Município de Itaboraí. A outra resposta foi da
26
Países da América Central: Belize, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua e
Panamá. Destes, apenas o México possui site oficial do governo e é o único país do qual temos notícias a
respeito do trabalho de AT.
Países da América do Sul: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Ilhas
Falkland, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. Destes, a Guiana Francesa, as Ilhas Falkland e o
Suriname não possuem site oficial do governo. Ver no ANEXO 2 sobre os sites visitados e os endereços de e-
mail contatados.
35
27
Comunicações por e-mail com diferentes atores do campo do Acompanhamento Terapêutico.
28
Como a ONG ATUA, o Projeto Humanitas e o Instituto Sedes Sapientiae, sendo esses três de São Paulo.
29
Idem nota 27.
36
30
Em nosso segundo capítulo destacamos alguns desses vetores (Psiquiatria, Psicanálise, Universidade e cidade).
31
A autora realizou uma pesquisa buscando analisar as produções científicas referentes ao tema
Acompanhamento Terapêutico, no Brasil, no período entre 1960 e 2003, com o objetivo de estabelecer o que é
esta prática para seus agentes e identificar os temas emergentes dessa produção. Reuniu como publicações:
exposições orais apresentadas em encontros científicos, artigos publicados em revistas especializadas,
documentos eletrônicos, dissertações de mestrado e livros sobre o tema. Apesar da proximidade metodológica,
no que se refere à busca pelas produções científicas sobre o AT, entendemos que foram diferentes os percursos
pelos quais fomos levadas ao longo do processo de pesquisa.
37
32
Silveira Carvalho (2004) e Carlota Maria Zilberleib (2005). Fabio Araújo (2006) também
aborda esse tema ao longo de sua dissertação, principalmente na discussão que faz sobre a
mudança de nomenclatura de amigo qualificado para Acompanhamento Terapêutico. Ana
Celeste de Araújo Pitiá (2005) dedica um capítulo de seu livro, fruto de sua tese de doutorado,
para falar do surgimento e da trajetória histórica do AT. Regina Fiorati (2006), em sua
dissertação de mestrado, no capítulo em que faz uma revisão da literatura sobre AT, aborda
também esse tema. Há também os textos dos argentinos Gabriel Pulice e Federico Manson
(2005), Gustavo Rossi (2006) entre outros.
Reis Neto (1995), Barreto (2000), Richter (2003), Pelliciolli (2003), Zilberleib (2005),
Araújo (2006), Pulice e Manson (2005), Rossi (2005), Cabral (2005) e outros situam o
nascimento do AT com o trabalho denominado amigo qualificado, surgido no contexto dos
movimentos da Anti-Psiquiatria e da Psiquiatria Democrática, movimentos esses que tiveram
profunda influência nos países da América do Sul, especialmente na Argentina e no Brasil.
Em que pese uma sintonia de Reforma Psiquiátrica na América Latina, cada um dos países
vem construindo sua Reforma nas frestas e brechas que vêm conseguindo.
Segundo Bezerra Júnior (1994), desde a Segunda Guerra Mundial, surgiram
movimentos de crítica ao asilo e à instituição psiquiátrica em diversos países do Ocidente, que
“procuraram criar novas bases de sustentação teórica e institucional para o tratamento das
doenças mentais” (Idem, p.171).
Segundo o autor foi apenas nos anos 60 que o modelo psiquiátrico foi posto em
questão, colocando em análise as bases e fundações do conhecimento psiquiátrico. Na
32
A autora realizou uma pesquisa em que construiu, a partir da perspectiva do Acompanhante, uma primeira
caracterização sócio-demográfica e clínica do Acompanhamento Terapêutico no Brasil. A pesquisa contou com
32 questionários respondidos por acompanhantes de diversas cidades brasileiras e com uma entrevista realizada
com o Nelson Carrozzo. A pesquisa também traçou um perfil geral dos acompanhantes terapêuticos que
participaram do 3º. Encontro Paulista e 1º. Encontro nacional de Acompanhantes Terapêuticos, realizado em São
Paulo em 2001.
38
33
Foucault (1993, 1999) descreve a sociedade disciplinar como um modo de pôr a funcionar um conjunto de
técnicas de adestramento, vigilância e individuação dos elementos do corpo social.
39
de tuberculose, entre outros problemas. Nessa época, então, a assistência aos portadores de
sofrimentos psíquicos perdeu certa importância e houve uma redução da proporção de gastos
com saúde mental em relação aos dispêndios com a assistência médica (RESENDE, 2000).
Na segunda metade da década de 70, segundo Bezerra Júnior (1994), com o fim do
chamado milagre econômico e o início do processo de abertura do regime autoritário no
Brasil, foi inevitável o processo de discussão na sociedade brasileira sobre a reorganização do
sistema de poder no país. Foi um período de efervescência e crescente participação política
dos movimentos sociais (movimento negro, movimento homossexual, de mulheres,
associações de bairro e favelas, sindicatos, conselhos profissionais). Esse foi um momento em
que novas experimentações clínicas foram possíveis, constituindo as primeiras experiências
de Reforma, mas ainda sem essa denominação. A partir da luta pela democratização, iniciou-
se uma crítica às políticas de saúde do Estado autoritário e a elaboração de propostas
alternativas. No campo da saúde, essas propostas confluiram para delinear o programa da
Reforma Sanitária, que propunha “o enfrentamento da questão da saúde em todas as suas
dimensões (técnica, política, econômica e social) dentro de uma perspectiva de luta pela
democratização do país” (Idem, p. 173).
Segundo o autor, “no campo psiquiátrico, em meados dos anos 70, havia poucas
experiências em andamento tentando quebrar a hegemonia do modelo asilar” (Idem, p. 174) e
as mesmas não possuíam uma perspectiva de transformação global do sistema, pois
aconteciam de forma isolada. Foi ao longo dos anos 70 que começaram a surgir, “no contexto
das lutas setoriais contra o regime, denúncias contra a violência e o abandono a que estavam
submetidos os pacientes” (Idem, p. 175). Bezerra Júnior destaca três experiências importantes
contra o modelo asilar nos anos 70: uma que ocorreu no Rio de Janeiro, com a Dra. Nise da
Silveira que possibilitou a criação do Museu de Imagens do Inconsciente, a segunda ocorreu
na unidade de atenção primária de Murialdo e outra com programa de setorização do
atendimento no Hospital São Pedro, sendo as duas últimas localizadas em Porto Alegre.
Segundo Paulin e Turato (2004), três estados se tornaram referências de tais
experimentos: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. O Rio Grande do Sul foi o
estado em que o modelo preventivo-comunitário mostrou-se mais marcante e foi onde surgiu,
nos anos 60, “a Clínica Pinel, considerada o primeiro modelo assistencial no país influenciado
pelos princípios da comunidade terapêutica postulado por Maxwell Jones e das experiências
da psicoterapia institucional francesa” (Idem, p. 254). No Rio de Janeiro, no final da década
de 60, os autores também destacam a experiência da Dra. Nise da Silveira no Centro
Psiquiátrico Pedro II (CPPII). Em São Paulo, os autores enfatizam uma forte parceria entre os
41
sobre a prática clínica nos serviços e foram criados cursos de extensão e especialização
voltados para o preparo dos profissionais no sentido de avançar nos desafios lançados pela
necessidade de mudança da situação asilar. Dessa forma, na segunda metade da década de 80,
já estavam instaladas relevantes propostas de reestruturação da assistência psiquiátrica.
Foi então em 1989, em Santos, que a Prefeitura da cidade fez uma intervenção na Casa
de Saúde Anchieta, um hospital privado marcado pelo modelo asilar que contava com mais de
500 internos e criou uma rede de cuidados e relações com a sociedade (BEZERRA JÚNIOR,
1994), implementando um Programa de Saúde Mental organizado em torno dos Núcleos de
Atenção Psicossocial (NAPS). Nesse mesmo ano foi criado o Projeto de Lei nº 3.657/89 do
deputado Paulo Delgado, que preconizava a reestruturação da assistência psiquiátrica no país,
regulamentava os direitos do doente mental e previa a substituição progressiva do manicômio
por novos dispositivos de tratamento e acolhimento (AMARANTE, 1994). Tal projeto
culminou na Lei 10.216 aprovada em seis de abril de 2001, após muita problematização e
conseqüente popularização da reforma.
Bezerra Júnior (1994) descreve outras experiências inovadoras no final dos anos 80 e
início dos anos 90, entre elas, no Rio Grande do Sul, a Nossa Casa, em São Lourenço do Sul e
a Pensão Protegida Nova Vida, em Porto Alegre. Em São Paulo, o Centro de Atenção
Psicossocial Prof. Luiz Cerqueira, no qual foram questionadas teoricamente as experiências
psicóticas a partir de diversos referenciais, incluindo a Psicanálise.
Assim, o Movimento Sanitário e o Movimento da Reforma, associados à perspectiva
de municipalização34 do sistema de saúde pública abriram espaços privilegiados de mudança e
de efetivação do movimento antimanicomial brasileiro (RICHTER, 2003). O objeto da
desinstitucionalização deixou de ser o manicômio e passou a ser as lógicas que reproduzem as
relações que operam a loucura como doença mental. Entendia-se que a extinção dos hospitais
psiquiátricos não era suficiente para garantir uma rede de tratamento adequada. A diminuição
do número de leitos oferecidos em hospitais psiquiátricos era (e ainda é) fundamental, mas
deveria ser acompanhada de estratégias sólidas com relação à criação e manutenção de
serviços substitutivos à internação. Nesse sentido, foram necessárias a criação e legitimação35
de outros dispositivos que dessem conta desta clientela que apenas em último caso deveria
34
A municipalização foi a estratégia implementada no Brasil em cumprimento à diretriz da descentralização do
Sistema Único de Saúde. Nesse processo, os municípios assumiram a responsabilidade de instituir o sistema
municipal de saúde e sua gestão, implementando uma política local de saúde, com controle social, por meio dos
Conselhos Municipais de Saúde e Conferências de Saúde. A NOB 01/93 definiu distintas modalidades de
habilitação estadual e municipal ao SUS, as quais supõem graus distintos de responsabilidade sobre a gestão dos
serviços.
35
Através de leis e portarias, como a Lei 10.216/2001 e as portaria 336/2002 (que cria os Caps); e 251/2002 (cria
os Serviços Substitutivos) e outras.
43
36
Segundo Rossi (2006) e Pulice e Manson (2005) o Hospital Dia passou a ser um lugar cada vez mais
importante desde o final dos anos 50 na Argentina, junto a outros sistemas alternativos. O desenvolvimento dos
Hospitais Dia para enfermidades psiquiátricas se produziu logo depois do final da Segunda Guerra Mundial.
37
“Ao final dos anos 60, assistimos à eclosão da turbulência mundial representada pelas manifestações de maio
de 68. Jovens corações e mentes desencadearam então uma onda de protestos em todo o mundo, sintetizável na
formulação de um desejo: mudar a vida. Assembléias, passeatas, slogans e barricadas selaram alianças entre
estudantes, intelectuais, artistas e trabalhadores para contestar a autoridade em toda a parte. Nas palavras de
Marcuse, maio de 68 significa ‘a grande recusa’: do autoritarismo, da centralização do poder, da tecnocracia, da
burocracia, do consumismo, do cientificismo. Em suma, do totalitarismo em todas as suas manifestações – do
Estado à vida cotidiana –, sejam elas de direita ou de esquerda. Também chamada Internacional Estudantil, a
insurgência fez com que convergissem séries de fluxos até então dispersos, destacando-se neste processo:
desejos de politização do cotidiano; constituição de novos campos de luta em torno do político; produção de
formas alternativas de existência social, contestando diretamente os sistemas totalitários através da ação;
surgimento de modos originais de intervenção no plano político, nos quais os elementos estéticos têm presença
marcante” (RODRIGUES ET AL, 2001, p. 141).
44
tortura” de pessoas (QUADRAT, 2006). Pulice e Manson (2005) situam o golpe militar
ocorrido como tendo produzido efeitos catastróficos no campo da Saúde Mental, pois houve
um desmantelamento das experiências antimanicomiais que vinham acontecendo e muitos
profissionais acabaram tendo que se exilar em países como Espanha, Venezuela e México,
difundindo do AT nesses países.
Os movimentos que naquele momento, em diversos países, debatiam a loucura em
seus aspectos psíquicos, sociais e políticos, e as condições de tratamento disponíveis,
entendiam-na como um produto social e por isso defendiam a desconstrução de valores
instituídos na cultura, bem como a abertura dos hospitais. Esses movimentos lutaram e
seguem lutando contra o enclausuramento através de um novo olhar e um novo discurso sobre
a loucura e foram os responsáveis por criar as condições necessárias para a construção de
também novas e alternativas práticas terapêuticas para lidar com ela.
As experiências européias de Reforma Psiquiátrica e o Movimento Antimanicomial da
América do Sul, portanto, tiveram um papel determinante para a instauração e
desenvolvimento do Acompanhamento Terapêutico como prática clínica voltada
especialmente ao atendimento de psicóticos e neuróticos graves (RICHTER, 2003). A criação
do AT, portanto, está fortemente atravessada por esse contexto de lutas e por um multi -
atravessamento de saberes (e políticas). Foi através do trabalho com pacientes em hospitais
psiquiátricos e da crítica ao enclausuramento, que vimos surgir, além dos Hospitais Dia, o
Acompanhamento Terapêutico como um dispositivo da Reforma (CABRAL, 2005).
Através dos textos, pudemos ir traçando o contexto do AT, entendendo que texto e
contexto se atravessam. Assim, as histórias contadas através dos textos sobre AT, indicam que
ele chegou ao Brasil graças ao intercâmbio científico-cultural entre nosso país e a Argentina,
mas, principalmente, a partir da imigração de inúmeros profissionais da saúde e psicanalistas
em função da situação política de ditadura na Argentina. A médica argentina Carmen Dametto
foi uma dessas pessoas: trabalhou na Clínica Pinel, em Porto Alegre, durante sua formação
como psiquiatra e depois se transferiu para a Clínica Vila Pinheiros (1969/1976), no Rio de
Janeiro (REIS NETO, 1995; SERENO, 1996). Outra psicanalista que veio para o Brasil foi
Beatriz Aguirre, que chegou a São Paulo e participou da fundação do instituto A Casa.
A prática do Acompanhamento Terapêutico que primeiro nos chegou da Argentina
parece ter servido como base para o desenvolvimento do que veio a se constituir como prática
brasileira (RICHTER, 2003). Segundo Sereno (1996), o amigo qualificado argentino chegou
ao Brasil na década de 70, percorrendo dois trajetos. Um dos trajetos vem da Argentina para
Porto Alegre (atendente psiquiátrico) e depois para o Rio de Janeiro (auxiliar psiquiátrico) e o
45
outro chega diretamente da Argentina para São Paulo (amigo qualificado). Em ambos os
percursos realizados, essa prática foi trazida por psicanalistas argentinos de influência
lacaniana, teorias de grupo-operativo38 e análise institucional39.
Mas antes de seguirmos por essas histórias que partem da Argentina, traremos duas
histórias que Carvalho (2004) considera que podem ser tomadas como precursoras do AT. A
do médico psiquiatra francês Eugene Minkowisky, que no início do século XX viveu por dois
meses na casa de um de seus pacientes, atuando, segundo ela, como hoje o fazem os ats. E a
da terapeuta suíça Mme. Sechehaye que acolheu uma paciente em sua casa como um membro
de sua família e quando se ausentava deixava a mesma a cargo de uma enfermeira instruída
por ela (LERNER40 apud CARVALHO, 1984). Pitiá (2005) também se refere ao trabalho de
Mme. Sechehaye.
Rossi (2006) considera também outros aspectos dos primórdios do AT e afirma que o
mesmo teria começado como uma alternativa para alguns jovens psicanalistas, aos quais
algumas famílias, que não queriam que fossem internados em uma instituição psiquiátrica,
solicitavam um tratamento de emergência para crise. Tratavam-se de famílias com excelentes
recursos econômicos que, por questões sociais ou por possíveis preconceitos, não queriam
tornar públicos uma internação ou a gravidade da doença de um familiar. Recorriam então a
internações domiciliares e ao acompanhante terapêutico, que se colocava nessa interação
numa posição bastante indiferenciada do terapeuta. A maioria dos encaminhamentos era de
pessoas que faziam uso de drogas ou que passavam por episódios psicóticos.
De qualquer maneira, parece um haver certo consenso de que o início da experiência
de AT se deu no final da década de 60 e início da década de 70, em Buenos Aires (Argentina),
com o nome de amigo qualificado, pessoa que se dispunha a estar junto do paciente fora da
instituição e auxiliá-lo em seus afazeres cotidianos quando necessário. Esse tipo de
acompanhamento foi inicialmente feito por enfermeiros, e depois principalmente por
estudantes de Psicologia e de Medicina. Posteriormente essa figura migrou para o Brasil,
comparecendo em Porto Alegre (Clínica Pinel), Rio de Janeiro (Clínica Vila Pinheiros, CPPII
e Comunidade Terapêutica do Hospital Pinel) e São Paulo (Hospital-Dia A CASA), que
tinham o atendente, o auxiliar psiquiátrico e o amigo qualificado, respectivamente, como
38
Técnica criada por Pichón-Riviere, que considera que um conjunto de pessoas só se estrutura como grupo
quando estiver operando sobre uma tarefa, entendida como o elemento disparador do processo grupal. O grupo
operativo tem como função desenvolver a capacidade de resolução de situações conflitantes manifestadas no
campo grupal (PICHÓN-RIVIERE, 1971).
39
Aqui nos referimos a Análise Institucional Socionalítica (60/70), tendo como referências principais Lourau e
Lapassade.
40
LERNER, B.D. Nuevo modo de investigar em psiquiatria: El acompañamiento terapêutico. Acta Psiquiátrica
y Psicopatológica de América Latina, 30, 1984, 21-8.
46
41
Falaremos mais detidamente a seguir, quando traremos a experiência do CETAMP.
47
42
Como veremos mais adiante, no Brasil o termo amigo qualificado também foi questionado, e no Primeiro
Encontro de Acompanhantes Terapêuticos no Rio de Janeiro, realizado e 1984, foi mudado para acompanhante
terapêutico.
48
A autora nos conta que o termo atendente gerou problemas com o Conselho Regional
de Enfermagem, que considerou que a Psiquiatria havia se apropriado de modo indevido deste
termo usado para nomear o fazer da enfermagem. Além disso, a maioria das pessoas que
exerciam tal prática eram estudantes de Psiquiatria e não de Enfermagem. Nessa época,
vemos comparecer no campo do AT o que Cabral identifica como uma guerra por campos de
saber, e conseqüentemente por espaços de poder.
O termo auxiliar psiquiátrico, por sua vez, surgiu na experiência de Carmem Dametto,
que realizou sua formação na Clínica Pinel em Porto Alegre, na década de 60. Influenciada
por essa experiência, ela desenvolveu essa modalidade de atendimento na Comunidade
Terapêutica Clínica Vila Pinheiros, no Rio de Janeiro, a partir de 1969. Essa Comunidade
formou uma equipe de auxiliares psiquiátricos que, posteriormente (no início da década de
80), tornaram-se acompanhantes terapêuticos. O atendimento era realizado por estudantes de
Psicologia e de Medicina, bem como por pessoas interessadas em se profissionalizar em saúde
mental.
A função exercida pelo auxiliar psiquiátrico superava a tradicional função do tripé
proteção, vigilância e contenção (IBRAHIM 1991), pois ampliava a intervenção na medida
em que indicava que o auxiliar psiquiátrico pudesse ouvir os pacientes (DAMETTO apud
CABRAL, 2005). Para Cabral (2005) a proposta de Dametto “é transformadora, pois assegura
que o doente é um sujeito que tem algo a dizer sobre si, a respeito das histórias que viveu, até
mesmo sobre suas alucinações e sua doença” (Idem, p. 28).
Segundo Reis Neto (1995), há uma divergência sobre a origem do atendente
psiquiátrico. Alguns de seus entrevistados colocam que, dado o intercâmbio entre Psicanálise
e Psiquiatria em Porto Alegre e Buenos Aires, o precursor do acompanhante terapêutico
surgiu no interior de comunidades argentinas e depois na Clínica Pinel, em Porto Alegre e
outros entrevistados consideram que a prática de atendentes teria sido uma experiência
pioneira da Clínica Pinel. De qualquer forma, segundo o autor, o AT é originário dos
auxiliares psiquiátricos que costumavam “estar junto” dos pacientes no cotidiano de uma
clínica psiquiátrica. Os acompanhantes costumavam ser leigos ou estudantes de Psicologia ou
de Medicina, e acompanhavam pacientes dentro da clínica (Vila Pinheiros/RJ e Pinel/RS) e
em saídas externas. Eles também eram solicitados por psiquiatras que visavam evitar a
internação de alguns. Segundo o autor, embora tudo indique que o AT tenha surgido dentro de
49
43
O autor coloca em dúvida que essas instituições funcionassem efetivamente como comunidades terapêuticas,
como espaço de uma prática balizada num modelo não hierarquizado de comunicação entre pacientes e técnicos,
o qual viria a pôr em questão o saber e as práticas psiquiátricas vigentes. “Certamente pode-se atribuir a essa
hesitação e dubiedade quanto aos princípios políticos em cujo meio se forja a figura do at a possibilidade de uma
afirmação categórica, como a que se lê em artigo publicado no periódico eletrônico brasileiro vinculado ao
International Journal of Psychiatry, onde, especialmente a partir da experiência pregressa como at junto à
Clínica Pinel em seus primórdios, o seu autor sustenta que “o surgimento do Acompanhamento Terapêutico não
tem nenhuma relação com o movimento da antiPsiquiatria e muito menos com o movimento de Reforma
Psiquiátrica (Piccinini, 2006)” (PALOMBINI, 2007, p. 126-127).
44
A Clínica Pinel ainda existe em Porto Alegre.
45
Esta CT fechou no ano de 1975. O Hospital Pinel, por sua vez teve uma CT aberta em 1969 e fechada em
1973(Paulin e Turato, 2004).
46
Discutindo o modelo proposto pelas Comunidades Terapêuticas (CTs) no Brasil, o autor assemelha as CTs
brasileiras às argentinas do começo da década de 70, já que tendiam a constituírem-se como espaços de
resistência política em que tomavam a “doença mental e a utilização da psicanálise sob um cunho social e
coletivo” (Idem, p. 257).
50
Reis Neto marca a troca da supervisão dos estagiários de Psicologia, - feita por um
psiquiatra e que passou a ser feita por um psicólogo - como uma mudança importante
ocorrida na Vila Pinheiros. Entretanto, ainda que a supervisão tenha passado a ser feita por
psicólogos, esses últimos, tanto quanto os psiquiatras, tinham no referencial psicanalítico um
modelo teórico para o trabalho. A referência psi, portanto, permaneceu e permanece de
modo geral nos trabalhos realizados pelos ats, e percebemos isso tanto no Brasil como na
Argentina. Ou seja, o dispositivo AT foi construído nos limites entre Psiquiatria, Psicologia
e Psicanálise, ora mais identificado com um ou outro desses saberes.
Na Vila, os laços com a Psicanálise eram mais explícitos do que na Clínica Pinel e
influenciaram uma mudança no perfil da pessoa selecionada para ser acompanhante
terapêutico. “À equipe inicial formada por ex-atendentes da Clínica Pinel, todos leigos,
foram juntando-se novos contratados, quase todos estudantes de Psicologia interessados na
área clínica” (Idem, p. 54-55).
Em São Paulo, na mesma direção de afirmar o AT como tendo o amigo qualificado e o
auxiliar psiquiátrico como antecessor do acompanhante terapêutico, guardadas as diferenças
entre eles, Metzger (2006) relata uma experiência com assistentes psiquiátricos: a
Comunidade Enfance, fundada em 1968 e situada na divisa das cidades de Diadema e São
Paulo, atendia crianças com transtornos mentais e tinha o “assistente recreacionista”, depois
“assistente psiquiátrico” como forma de “poder ‘levar relações humanas terapêuticas para
47
Segundo nos contaram, alguns ex-auxiliares psiquiátricos, em conversas informais, os mesmos eram
considerados “superiores” aos auxiliares de enfermagem. Quando estudantes de Psicologia ou de Medicina
passaram a ocupar tal função, tal distinção tornou-se mais evidente, pois esses eram considerados detentores de
um “saber” sobre a loucura.
51
qualquer lugar’ e não restringi-las aos atendimentos em consultório” (Idem, p. 174). Como
dissemos anteriormente, foi também por influência de uma psicanalista argentina que, em
1981, o recurso do AT começou a ser utilizado em São Paulo. A psicanalista Beatriz Agoure
fez parte do grupo que em 1979 implantou o Hospital Dia A Casa, o qual dois anos mais tarde
passou a utilizar como estratégia de tratamento o amigo qualificado.
Já em Belo Horizonte, a experiência com o Acompanhamento Terapêutico aparece na
década de 70, no mesmo momento de criação das Comunidades Terapêuticas na cidade. Na
década de 80 muitas dessas comunidades fecharam e o AT ressurgiu em meados da década de
90, a partir do trabalho da Clínica Urgentemente, diante do desafio de investir na implantação
de uma moradia para pacientes com percurso de internação psiquiátrica (MILAGRES,
mimeo).
O que percebemos é que os movimentos argentinos e brasileiros, influenciados pelo
cenário europeu, no sentido de criação de outras propostas de tratamento em saúde mental, se
constituíam enquanto resistência a uma força extremamente conservadora em ambos os
países.
Na Argentina, segundo Pulice e Manson (2005), ao final dos sete anos de ditadura
militar, no início da década de 80, o campo da Saúde Mental e todos os elementos do tecido
social estavam devastados, de forma que o questionamento do modelo asilar e as experiências
pautadas nesse pressuposto precisaram de um complexo processo de amadurecimento.
Segundo os autores, foi neste cenário, sem possibilidade de capacitação, sem bibliografia
adequada e sem conhecimento formal específico que o AT se firmou como especialidade48.
É interessante observarmos que parece haver, de modo muito marcado na Argentina,
uma preocupação com a formalização do trabalho, com a construção um contorno mais
estabelecido do fazer do at, distinguindo-o dos demais profissionais de saúde e principalmente
com a defesa do mesmo como uma especialidade. Retornaremos a essa questão mais adiante,
por hora deixemos apenas uma indicação de que esta é uma questão bastante importante para
a qual precisamos atentar.
Assim como Pulice e Manson (2005) situam um retrocesso no processo de
desinstitucionalização na Argentina, Ibrahim (1991) também sinaliza esse mesmo processo no
Brasil, a partir do enrijecimento da ditadura e o conseqüente fechamento das comunidades
terapêuticas, num processo de fortalecimento das instituições psiquiátricas, com suas práticas
de exclusão e tratamentos desumanos. “Voltavam a predominar, nas instituições psiquiátricas,
48
Colocaremos em questão o AT como um especialismo ao longo do nosso trabalho, problematizando esse
movimento de fazer dele uma especialidade clínica.
52
49
Como veremos no nosso segundo capítulo, quando apresentamos o vetor Psiquiatria.
53
Embora com diferentes concepções de trabalho, o auxiliar passou, então, a exercer seu
trabalho fora das instituições de tratamento, inserindo-se no universo doméstico dos
acompanhados e ganhando o espaço da cidade.
auxiliar tivesse uma atuação pragmática, no sentido de tornar possível a convivência entre
paciente e família e o meio social (Idem). Já o amigo qualificado tinha como função estar
junto do paciente nas atividades fora do hospital-dia, dando apoio em horários em que a
instituição não funcionava, principalmente no final de semana (BARRETO, 2000).
social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento
dos laços familiares e comunitários” (BRASIL, 2004, p. 13).
Os Serviços Residenciais Terapêuticos, por sua vez, constituem-se como alternativas
de moradia para os usuários egressos de longas internações psiquiátricas. “São moradias ou
casas inseridas, preferencialmente, na comunidade, destinadas a cuidar dos portadores de
transtornos mentais, egressos de internações psiquiátricas de longa permanência, que não
possuam suporte social e laços familiares e, que viabilizem sua inserção social” (BRASIL,
Portaria 251/2002). Servem de apoio aos usuários de outros serviços de saúde mental, que não
contam com suporte familiar e social suficientes para garantir espaço adequado de moradia.
A rede territorial de serviços substitutivos ao manicômio que foi criada (incluindo o
Caps, Residências Terapêuticas, Clubes de Convivência e de Lazer Assistidos, Cooperativas
de Trabalho Protegido e Oficinas de Geração de Renda ) vem consolidando-se como
estratégia eficaz para o processo de desinstitucionalização da loucura, tomada como doença
mental.
Essa política, malgrado as conjunturas que lhe são ora mais, ora menos
adversas, tem-se sustentado do esforço de cada um dos que por ela militam,
sejam gestores, trabalhadores ou usuários dos serviços de saúde mental, que
vêem como inaceitáveis as condições de isolamento em que foi concebida nos
seus primórdios, e perdurou durante séculos, uma terapêutica da loucura. A
cidade, e não mais o asilo, é o espaço em que a experiência da loucura requer
ser acompanhada (PALOMBINI, 2007, p. 132).
50
Através das Leis Federais 8080, de 19 de setembro de 1990 e 8142, de 28 de dezembro de 1990, são
determinadas novas condições para a organização e o funcionamento dos serviços de saúde, incluindo a
participação da comunidade na gestão do sistema. No campo da saúde mental foi criada a Lei 10216/01 que
dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo
assistencial em saúde mental; a Lei 10708/03 que institui o auxílio-reabilitação psicossocial para pacientes
acometidos de transtornos mentais egressos de internações. E as portarias: 251/02, que legisla sobre os Serviços
Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental; 336/02, que legisla sobre os Centros de Atenção Psicossocial
(Caps); entre outras.
57
partir do final da década de 8051 e início da década de 90, o AT se insere na cena pública dos
serviços do SUS, juntando forças na luta pela reformulação dos cuidados em saúde mental,
principalmente através dos Caps e dos Residenciais Terapêuticos, evidenciando a aposta de
uma atenção feita de fato no território.
51
Na experiência de Santos, em 1989, a idéia era de que os agentes comunitários de saúde trabalhassem como
“amigos qualificados” (LANCETTI, 2001).
52
O movimento pelo Ato Médico e as posições retrógradas contra a Reforma Psiquiátrica Brasileira, retomando
a defesa do hospital psiquiátrico como estratégia hegemônica de cuidado, assumidas pela Associação Brasileira
de Psiquiatria (ABP) no ano de 2006, é um exemplo de tais forças conservadoras.
58
No Rio Grande do Sul, em meados dos anos 70, a experiência de saúde mental na
unidade de atenção primária do Murialdo e o programa de setorização do atendimento no
Hospital São Pedro destacam-se como experiências que tentavam quebrar a hegemonia do
modelo asilar (BEZERRA JÚNIOR, 1994). De lá para cá, nas últimas três décadas, ocorreram
mudanças significativas nas políticas de gestão municipal, com a criação de serviços
substitutivos, pensões protegidas e cooperativas de trabalho, num esforço de ampliação da
rede de saúde mental, com a aprovação de leis municipal e estadual, modificando o perfil
gaúcho da saúde mental. No que diz respeito à experiência do Acompanhamento Terapêutico,
as primeiras experiências de AT na rede pública aconteceram em São Lourenço, Viamão e
Porto Alegre (CABRAL, 2005).
Segundo Cabral (2005), São Lourenço iniciou suas primeiras ações em saúde mental
em 1984 e em 1995 já contava com seis acompanhantes terapêuticos, profissionais de nível
médio, mas não em um serviço da rede pública.
Em Viamão, o processo de municipalização iniciou em 1998, na gestão de Sandra
Fagundes55 como Secretária da Saúde. Durante essa gestão, o número de profissionais para
53
Comunicação por e-mail com Joana Tarraf.
54
Lei nº 9.716 de 07 de Agosto de 1992, que dispõe sobre a Reforma Psiquiátrica no Rio Grande do Sul,
determina a substituição progressiva dos leitos nos hospitais psiquiátricos por rede de atenção integral em saúde
mental, determina regras de proteção aos que padecem de sofrimento psíquico, especialmente quanto às
internações psiquiátricas compulsórias, e dá outras providências.
55
Profissional da saúde e militante fundamental do Movimento pela Reforma Psiquiátrica no Rio Grande do Sul.
Cf. FAGUNDES, S. M. S. Águas da Pedagogia da Implicação: intercessões da educaçãopara políticas públicas
de saúde. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS,
2006.
59
56
Eduardo Pelliciolli escreveu uma dissertação de mestrado e a mesma comparece na nossa pesquisa, pois trata
justamente do trabalho de AT desenvolvido em Viamão.
60
Saúde de Viamão indicavam que houve um índice de 74% de solicitações para consultas não
atendidas e 476 internações registradas só naquele ano” (Idem, p. 24).
A partir de 1998, com a gestão de Sandra Fagundes como secretária de saúde do
município, começou a implantação do Cais Mental de Viamão. Este foi composto
inicialmente por funcionários que já eram do município, do estado e contratados.
assim que passaram a integrar a equipe do Centro de Atenção Psicossocial do município (Cais
Mental Viamão), acabaram sendo absorvidas pelo cotidiano de trabalho já instituído no
serviço.
Para o autor, apesar de Viamão ter ousado em sua proposta, já que foi o primeiro e, na
verdade, único município a instituir o cargo de at no Rio Grande do Sul e no Brasil, “talvez a
equipe e o próprio município não estivessem preparados para tal, tendo em vista as funções
que as ats realizaram no primeiro ano de trabalho” (PELLICIOLLI, 2004, p.62). Viamão tem,
sem dúvida, o mérito de ter apostado no AT como um dispositivo importante da Reforma, e
de ter garantido, através da seleção de profissionais de nível médio, a não especialização do
mesmo. Além disso, a criação de um projeto para o trabalho dos ats nas equipes que não
atribua funções burocráticas aos acompanhantes e que, sobretudo, garanta a eles acompanhar
os usuários dos serviços é uma questão que se coloca não apenas para a essa experiência, mas
para todos os projetos de Acompanhamento Terapêutico.
Em Porto Alegre, foi em 1996 que se deu a implementação da experiência de AT, no
Caps Cais Mental Centro (que na época se chamava Cais Mental 8), em função de alguns
usuários (moradores de rua) que não se beneficiavam das formas de tratamento instituídas.
Houve a idéia de incluir o AT como uma ferramenta para o trabalho na equipe, com a
preocupação em não reproduzir na rede pública, o modelo pedagógico e comportamental do
AT existente na rede privada (CABRAL, 2005). Durante o ano de 1996, a equipe do Caps
propôs então aos estagiários de Psicologia que realizassem o Acompanhamento Terapêutico
de usuários do serviço indicados por ela. No ano seguinte, a experiência continuou com os
novos estagiários e foi proposta sua continuidade na forma de projeto de pesquisa e extensão
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, numa parceria com a Prefeitura de Porto
Alegre.
No ano de 1998 a proposta de estágio foi vinculada a uma pesquisa sobre Espaço e
Tempo na Psicose, da qual participamos juntamente com mais cinco estagiários. Nesse ano
62
57
Nota de rodapé de Cabral (2005, p. 39): “O Santa Marta é uma Unidade de Saúde situada no centro de Porto
Alegre que comporta vários serviços dentre eles o Pró-jovem, PSF para população de rua, Centro de referência à
saúde do trabalhador, equipe de saúde mental, entre outros”.
58
Secretaria Municipal de Saúde/ Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
63
Desde 2003, a coordenação do projeto vem sendo feita por Edson Luiz André de
Sousa e os atuais serviços parceiros do projeto são: o Caps Cais Mental Centro da Prefeitura
Municipal de Porto Alegre, o Serviço Residencial Morada São Pedro da Secretaria Estadual
da Saúde do Rio Grande do Sul, a rede de Serviços de Saúde Mental de Novo Hamburgo e o
Serviço Residencial Terapêutico Morada Viamão.
Como vimos, entre os anos de 1999 e 2002, a Escola de Saúde Pública do Estado do
Rio Grande do Sul implantou o Curso Básico de Qualificação em Acompanhamento
Terapêutico, dirigido para trabalhadores do nível médio e básico da rede de serviços de saúde.
O curso, com duração de oito meses, em suas três edições atingiu cerca de
120 trabalhadores e 30 serviços de saúde de diversas localidades em torno
da região metropolitana do Estado, além dos abrigos de proteção especial,
vinculados à Secretaria do Trabalho, Cidadania e Ação Social. Sua terceira
edição encerrou-se em janeiro de 2003, com uma expectativa grande, por
parte dos serviços, de que o governo estadual que então assumiria viesse a
dar continuidade à proposta, o que não chegou a ocorrer. Em 2004, a
Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre tomou ao seu encargo a
tarefa de capacitação, para o AT, de trabalhadores da rede municipal de
serviços [...]. Cinqüenta e dois trabalhadores – abrangendo desde Programa
de Saúde da Família e Unidades Básicas a Caps e Unidades de Internação
Psiquiátrica – participaram do curso, que teve início em maio do mesmo
ano (PALOMBINI ET AL, 2004, p. 95, nota de rodapé).
Em 2000, foi criado o Residencial Terapêutico Morada São Pedro a partir do Projeto
Morada São Pedro, que integrava o Programa Estadual de Regularização Fundiária e o
Programa São Pedro Cidadão. O Projeto São Pedro Cidadão foi aprovado em 1993 pela
Comissão de Saúde Mental do Conselho Estadual de Saúde, mas só foi assumido
prioritariamente na gestão de Olívio Dutra. O projeto visava à reformulação do Hospital
Psiquiátrico São Pedro, redimensionando o modelo de atenção em saúde mental, revertendo o
atual modelo hospitalocêntrico, num esforço de “fortalecimento de uma rede de ação integral
à saúde mental e incluía, entre os seus objetivos, a reinserção social de seus moradores,
através da garantia de oportunidades de trabalho e moradia” (CABRAL, 2005, p. 40). A
equipe de saúde que compunha o residencial “realizou um trabalho de reinserção social dos
pacientes do hospital, utilizando como uma das ferramentas desse processo o
Acompanhamento Terapêutico” (Idem, p. 41). Tal projeto era fruto da conjugação de esforços
dos programas da Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social, numa aposta
francamente intersetorial do governo estadual.
Enquanto residentes do Hospital Psiquiátrico São Pedro, acrescemos esforços aos
profissionais das equipes do Projeto Morada São Pedro no sentido de promover e acompanhar
a travessia de usuários ainda moradores no hospital para outros espaços comunidade. Entre
esses novos espaços estavam os projetos de Geração de Renda e os Residenciais Terapêuticos.
Fomos acompanhantes terapêuticos com a tarefa de incitar e sustentar o desejo de construir
uma vida para além dos muros institucionais.
Nos anos de 2001 e 2002 Analice Palombini, Károl Veiga Cabral e Márcio Mariath
Belloc assessoraram a equipe do Projeto Morada São Pedro, composta por “trabalhadores de
nível médio, técnico e superior que, através de edital, haviam se candidatado a trabalhar no
Morada São Pedro” (CABRAL E BELLOC, 2004).
Em 2005, através professora Analice Palombini, foi estabelecida uma parceria entre a
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a Universidade Federal Fluminense, pela
participação no Projeto de Acompanhamento Terapêutico dessa universidade, coordenada
pelos professores Eduardo Passos e Regina Benevides de Barros. Tal parceria resultou na
realização de dois eventos conjuntos com o nome de Colóquio em dois movimentos: De Porto
Alegre a Niterói: Acompanhamento Terapêutico e políticas públicas de saúde, em outubro de
2005 em Porto Alegre e em janeiro de 2006 em Niterói. Estes possibilitaram o encontro e a
troca de experiências entre os acompanhantes terapêuticos da UFRGS e UFF (PASSOS ET
AL, mimeo).
65
59
Os ats trabalham 24 horas por semana, divididas em 3 turnos de 6 horas, mais 6 horas que incluem reunião de
equipe e supervisão.
60
Entrevista com Sérgio Bezz.
66
em grande parte, pela necessidade de acompanhamento dos usuários para além da internação
psiquiátrica (Idem).
Segundo Sérgio Bezz, a proposta de acompanhantes dentro da internação psiquiátrica
é um pouco a de subverter a função do AT como a daquele que evita a internação, no sentido
de reconhecer que a mesma existe e é importante, principalmente para pacientes psicóticos. O
trabalho dos ats e a participação dos mesmos nas reuniões de equipe produz repercussões na
equipe como um todo, pois permite que ela perceba a relevância do trabalho dos ats para o
tratamento dos pacientes em crise, sendo eles muitas vezes a referência principal para os
mesmos. Além disso, a circulação dentro e fora das enfermarias, que os ats faziam “arejava” o
trabalho. Entretanto, além de deixarem de fazer esses movimentos para fora do hospital,
durante alguns anos, por questões institucionais, os ats ficaram sem supervisão, o que
acarretou numa despotencialização e burocratização do trabalho nesse período. Depois da
volta da supervisão foi possível colocar em análise as funções do at dentro da equipe e
recuperar a força de intervenção do Acompanhamento Terapêutico.
Outra experiência de AT, isto é, de inclusão de acompanhantes domiciliares em saúde
mental no quadro de profissionais dos serviços substitutivos, foi realizada em 2002, no
município do Rio de Janeiro através de um projeto-piloto do Projeto de Acompanhamento
Terapêutico do Departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense, conforme
orientação da III Conferência Estadual de Saúde Mental de 2001. O projeto contou com seis
estagiários de graduação em Psicologia da UFF, uma extensionista e uma auxiliar de
enfermagem, os quais atuaram como acompanhantes terapêuticos no CAPS Rubens Corrêa,
sob a supervisão do professor Eduardo Passos e colaboração técnica de uma aluna de
mestrado em Psicologia da UFF (PASSOS ET AL, mimeo).
A escolha dos usuários que eram acompanhados era construída junto à equipe do
serviço. Os critérios que foram sendo estabelecidos davam prioridade aos usuários com pouca
adesão ao tratamento e, conseqüentemente, com grande número de internações, usuários
institucionalizados, isto é, com longa permanência em instituição psiquiátrica e baixa
interlocução da família com o serviço substitutivo. Nesse projeto piloto, na grande maioria
dos casos acompanhados, houve um impacto significativo, tanto na trajetória de tratamento
dos usuários como na qualidade de vida dos mesmos, estreitando os laços do serviço com o
usuário e produzindo possibilidades singulares de intervenção clínico-institucionais (Idem).
Em 2005, numa parceria da Universidade Federal Fluminense com o Ministério da
Saúde, foi iniciado o Projeto de Acompanhamento Terapêutico com inserção junto ao Caps
Rubens Corrêa, do município do Rio de Janeiro, e ao Caps Pedra Bonita, do município de
67
Itaboraí, com um total de quinze ats. Este projeto teve como objetivos: articular a rede de
atenção substitutiva às demandas do território, no sentido de interferir e diminuir radicalmente
o circuito internação-desinternação, consolidando os Caps como serviços preferenciais de
acolhimento e tratamento de portadores de transtornos mentais; servir como instrumento que
potencializasse o trabalho de inserção psicossocial do usuário do Caps, possibilitando a
expansão de suas redes de vivências, visando operacionalizar o Caps como porta de saída;
contribuir com os outros dispositivos para o tratamento, acompanhando os usuários que
apresentam dificuldades em estabelecer vínculos. Além disso, o projeto também visava
responder algumas demandas percebidas pelos profissionais destes centros, dentre elas:
fortalecer a rede substitutiva de cuidados, criando condições para que os usuários
freqüentassem os serviços, para que tivessem um projeto terapêutico individual consolidado, e
construíssem outros sentidos para além da doença mental em seu cotidiano, modificando sua
relação com o Caps e com o território, diminuindo assim o número de internações em
hospitais, além de promover a inserção social dos usuários (PASSOS ET AL, mimeo).
Este trabalho foi realizado com estagiários graduandos em Psicologia da Universidade
Federal Fluminense e com extensionistas psicólogos já formados. O trabalho contou com
quatorze acompanhantes terapêuticos divididos em dois grupos, e cada grupo ficou referido a
um serviço. Cada serviço fez um levantamento dos usuários que demandavam
acompanhamento e, junto com os acompanhantes, foram sendo elaborados os respectivos
projetos de Acompanhamento Terapêutico. A partir desses projetos, foram realizadas
atividades de participação em oficinas, acompanhamento no deslocamento pela cidade, visitas
domiciliares, intervenções junto à família, bem como ações de desinstitucionalização,
passeios culturais (cinema, teatro, centros culturais, museus, áreas de lazer), acompanhamento
em atividades cotidianas do usuário.
Segundo o Relatório Final Projeto AT UFF (PASSOS ET AL, mimeo) cada um dos 14
estagiários atendeu em média dois usuários do serviço. Na perspectiva do Acompanhamento
Terapêutico, tomando cada caso em sua complexidade própria, esse atendimento era
expandido, implicando parcerias e contratos com os familiares, vizinhos, profissionais de
outras instituições, próprio serviço e outros membros da comunidade envolvidos com o
usuário.
Os efeitos produzidos nos dois serviços foram diferentes tanto nas equipes, no impacto
clínico com os usuários e suas redes sociais, como na relação com o próprio processo de
implementação da Reforma Psiquiátrica. Em um dos serviços o dispositivo AT teve efeito
desestabilizador dos processos instituídos na equipe, principalmente no que diz respeito aos
68
Esse projeto é de fundamental importância, não apenas para o campo do AT, mas para
a rede que se estabelece entre o campo da saúde pública, na sua interface da saúde mental, e o
AT, pois tem como objetivos, além de acompanhar usuários, articular a prática clínica, a
saúde pública e a formação acadêmica. Mais do que isso, são também metas do projeto:
facilitar a inserção do usuário na rede de serviços de saúde, potencializando sua relação com a
cidade e proporcionando a expansão de suas redes de vivências; contribuir na articulação da
rede de atenção substitutiva; “consolidar, difundir e problematizar o movimento da Reforma
Psiquiátrica Brasileira no ensino de graduação tendo como princípios orientadores a
construção de laços estáveis entre a Universidade e a rede pública de saúde” (Idem).
61
Em 1996 foi criado o Projeto Qualis I, num convênio da Secretaria de Saúde do Estado e a Fundação Santa
Marcelina. Em 1997 o Projeto Qualis II foi criado a partir de um convênio da mesma secretaria, desta vez com a
Fundação Zerbini.
62
Segundo Lancetti (2001) “a equipe de saúde mental é volante, não está locada em nenhuma das unidades do
Projeto Qualis e sempre atua em parceria com as equipes de saúde da família” (p.22). Não foram utilizadas
consultas psicológicas, psiquiátricas ou visitas domiciliares no intuito de evitar o processo de tratamento da
demanda que começa na consulta (psiquiátrica) e termina no hospício, criando a cronificação dos pacientes e dos
próprios dispositivos de atenção. Foram capacitadas as equipes de saúde mental e de saúde de família.
71
1981, ela conta com um grupo de ats engajados na descoberta de novas estratégias clínicas e,
segundo Carrozzo (1991), a psicanálise é a teoria básica de entendimento de todos os
profissionais da clínica. A Casa é também um espaço de formação em Acompanhamento
Terapêutico, oferecendo cursos e estágios para profissionais da área da saúde mental.
O trabalho de AT, na Casa, surgiu “como uma clínica para atender a uma demanda
institucional de um pedaço do tratamento que ficava fora dos tratamentos institucionais
oferecidos” (Sereno, 1996, p. 29). A equipe da Casa, no trabalho com os pacientes, acabou se
deparando também com uma outra questão importante: o problema da moradia vivido por
alguns pacientes. A solução encontrada foi a criação de uma república63. Segundo Cauchick
(2001), a idéia de criar a moradia surgiu da equipe de ats, juntamente com o psiquiatra e
psicanalista Nelson Carrozzo, pois perceberam que poderia ser transformador para alguns
pacientes sair da casa dos pais e morar em outro lugar.
O município de São Paulo tem também parcerias com a Organização Não
Governamental ATUA e com o Instituto Sedes Sapientae. A ATUA trabalha em parceria com
o Caps Infantil da Mooca, no qual é realizado Acompanhamento Terapêutico individual com
algumas crianças. Esta também se dá com o Hospital-Dia da Escola Paulista de Medicina e
com o Centro de Reabilitação e Hospital-Dia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Há uma outra parceria da
ATUA com a Associação Saúde da Família e a Secretaria Municipal de Saúde no
acompanhamento do processo de desospitalização de oito moradoras de hospital psiquiátrico.
Esta constitui a implantação da primeira residência terapêutica de SP (paga pela prefeitura de
SP). Há também um projeto da ATUA junto à SAS (Secretaria de Assistência Social) para
montar uma república terapêutica, ou seja, uma residência terapêutica para moradores de rua
(informação verbal)64.
O Instituto Sedes Sapientae também conta com projeto de AT em parceria com
serviços da rede pública. É uma instituição filantrópica criada na época da ditadura e que
acolheu alguns dos psicanalistas argentinos exilados. Oferece cursos de especialização e tem
serviço clínico para atender a demanda de pacientes. A equipe é composta por terapeutas
contratados e por estagiários dos diferentes cursos de especialização. Há dois anos foi criada
uma equipe de Acompanhamento Terapêutico, sob a coordenação de Deborah Sereno, para
um grupo de pacientes graves e para um grupo de pacientes oriundos de três Caps da cidade,
63
A experiência de criação da moradia República, seus desdobramentos e a relação com o trabalho de AT são
relatados por Maria Paula Cauchick, na sua dissertação de mestrado, que deu origem ao livro: “Sorrisos
Inocentes, Gargalhadas Horripilantes” (2001).
64
Comunicação por e-mail com Maurício Porto.
72
que segundo as equipes estavam se cronificando nesses serviços. Os ats da equipe são
psicólogos recém-formados e o trabalho é voluntário. Alguns fizeram o curso oferecido entre
2001 e 2004 e outros fizeram o curso da Casa (informação verbal)65.
A partir do contrato feito com os Caps de Itaim, Perdizes, Butantã e Campo Limpo
(três dos 13 da cidade) o grupo de ats do Sedes passou a elaborar, junto com a equipe dos
Caps, o projeto de Acompanhamento Terapêutico. Desde 1997, há também uma parceria do
Sedes com a PUC para desenvolver a escolaridade dentro da sala de aula a partir de um
trabalho realizado com acompanhantes terapêuticos. Este trabalho é denominado de educação
inclusiva.
65
Comunicação por e-mail com Deborah Sereno.
66
Comunicação por e-mail com Luciana Goldman.
67
Comunicação por e-mail com Joana Tarraf.
73
68
A tese foi publicada na forma de livro: PITIÁ, A. C. A. e SANTOS, M. A. Acompanhamento Terapêutico: A
construção de uma estratégia clínica. São Paulo: Vetor, 2005.
69
Comunicação por e-mail com Ana Celeste Pitiá.
70
Fiorati (2006).
74
comunidades terapêuticas, mas que terminou junto com o fechamento dessas comunidades.
Aconteceram ainda outras experiências isoladas e em instituições psiquiátricas particulares.
A partir da década de 90 o AT reapareceu, principalmente na capital mineira, depois da
experiência na década de 70, num movimento congruente com o de instalação de uma prática
antimanicomial no estado (GUERRA E MILAGRES, 2005). O trabalho de AT em Belo
Horizonte começa efetivamente com a Clínica Urgentemente, uma instituição privada,
inspirada no Instituto A Casa, de São Paulo. A Urgentemente introduziu a discussão do AT
em Minas sob a supervisão de Nelson Carroso, psiquiatra do instituto A Casa. Uma das
supervisoras do trabalho de AT é a psiquiatra Maria Silvana Maia. O trabalho de AT também
é realizado através de um convênio com a Cassi (Caixa de Assistência dos Funcionários do
Banco do Brasil)71, oferecendo, inclusive formação de AT para interessados. Foi realizado um
curso de formação de Acompanhantes Terapêuticos, que resultou em um grupo de 10 ats, cujo
trabalho é dirigido a pacientes psicóticos, egressos de internações psiquiátricas, ou pacientes
em situação de risco de internação (informação verbal)72.
A Urgentemente organizou o funcionamento de quatro casas, num regime de moradias
protegidas e que funcionam com o acompanhamento dos ats, sendo custeadas pelas famílias.
Há uma revista chamada "A rede", da Clínica Urgentemente, que tem textos sobre AT, com
apenas um exemplar lançado até o momento (idem)73.
A partir de 2001 as universidades PUC Minas e FUMEC, iniciaram trabalhos de
estágio dos seus alunos de Psicologia, dentro do programa Liberdade Assistida da Secretaria
de Justiça do Estado e nas Residências Terapêuticas da Prefeitura de Belo Horizonte.
A rede de Belo Horizonte conta hoje com sete CAPS (dois deles com funcionamento
24 horas), com equipes de saúde mental em 65 unidades básicas e com sete Serviços
Residenciais Terapêuticos distribuídos em diferentes pontos da cidade (MILAGRES, mimeo).
Em 2000, o município implantou o Programa de Desospitalização Psiquiátrica (PDP) para
clientela de longa permanência dos hospitais psiquiátricos – atualmente “Programa de Volta
para Casa” – e inseriu o Acompanhamento Terapêutico como estratégia clínica (VELOSO E
SERPA JÚNIOR, 2006). O acompanhante não faz parte da equipe oficial de recursos
humanos da rede municipal, mas sim de um convênio firmado entre a Prefeitura de Belo
71
A Caixa de Assistência aos Funcionários do Banco do Brasil (CASSI) montou uma equipe com
acompanhantes terapêuticos que atendem aos pacientes conveniados em Minas Gerais, no Rio de Janeiro, no Rio
Grande do Sul e em São Paulo. Podemos supor que tal projeto apresenta-se como uma reverberação das políticas
públicas nesse campo.
72
Comunicação por e-mail com Maria Silvana Maia.
73
Idem.
75
um trabalho realizado por estagiários de Psicologia na rede de saúde mental de Betim, junto
ao Cersam (equivalente ao CAPS III que trabalha prevalentemente com a urgência
psiquiátrica) desse município (GUERRA E MILAGRES, 2005). Todos esses convênios entre
universidade e serviços públicos acontecem com usuários adultos. Há alguns anos Andréa
Guerra coordena um estágio de AT com crianças e adolescentes também em Betim.
Atualmente existe um convênio entre a rede pública e a PUC Minas Betim, através de
estágios curriculares, de quatro meses de duração. Há também um projeto de extensão em
Saúde Mental da PUC Minas Betim com estágio nos mesmos campos em que acontece o
curricular: no Caps III da cidade, no Caps II, em um Capsi, em uma moradia e em um centro
de convivência, com um ano de duração. O projeto é orientado pelo professor Renato Diniz
Silveira (informação verbal)75.
Até 2006, em Uberlândia também havia estagiários da universidade fazendo AT em
um Caps da cidade, sob a coordenação de Ricardo Wagner Silveira. Os usuários eram
encaminhados pelo Caps e o critério prevalente de encaminhamento costumava ser a não
adesão ao tratamento, esclarecimentos diagnósticos, cárcere privado e reinserção social
(informação verbal)76.
75
Comunicação por e-mail com Carolina Nogueira e Cláudia Generoso.
76
Comunicação por e-mail com Ricardo Wagner Silveira.
77
Comunicação por e-mail com Gláucia Pacca Amaral.
77
78
Comunicação por e-mail com Marcos Otávio Cahú Rodrigues.
79
Comunicação por e-mail com Felipe Brognoli e Fernando Brandalise.
78
80
Em setembro de 2004, foi realizada a Primeira Conferência Internacional de Acompanhamento Terapêutico no
Peru, da qual não conseguimos obter informações.
79
81
“En la ciudad de Buenos Aires, capital de la República Argentina, donde tendrá su domicilio social, queda
constituida una ASOCIACIÓN CIVIL denominada: «ASOCIACIÓN DE ACOMPAÑANTES
TERAPÉUTICOS DE LA REPÚBLICA ARGENTINA», que tendrá por objeto y finalidad las siguientes
actividades: a) Fomentar y coordinar actividades científicas de disciplinas y/o materias vinculadas con el
Acompañamiento Terapéutico; b) Adherirse a federaciones o confederaciones cuando así lo resuelva la
asamblea; c) Efectuar actividades de capacitación y de carácter cultural entre sus asociados; d) Organizar
congresos, conferencias, cursos, charlas, ateneos, debates, seminarios, para el público en general y/o para
profesionales especializados; e) Realizar y organizar cursos regulares de preparación y capacitación de
acompañantes terapéuticos y de perfeccionamiento en todo su espectro, inclusive en las ramas técnicas,
humanísticas, pedagógicas, tanto para su enseñanza como para su difusión; f) Tratar, asistir y/o prevenir
conductas adictivas, drogadicción y alcoholismo, desórdenes alimentarios y de conducta, depresión,
enfermedades terminales, discapacidades, y toda otra de incumbencia en el campo de la salud mental; g) Ofrecer
el servicio de acompañantes terapéuticos, cursos, supervisiones y capacitación laboral; h) Velar por las normas
de la ética profesional relativas al acompañamiento terapéutico y establecer disposiciones al respecto; i)
Propender a la jerarquización del nivel académico de los títulos, así como del ejercicio de esta profesión; j)
Desarrollar un ambiente de cordialidad y solidaridad entre sus asociados evitando, dentro de la institución,
discusiones de carácter religioso, político, o cuestiones contrarias a la moral y las buenas costumbres; k)
Organizar cursos de postgrado, bajo el régimen de enseñanza que al respecto dicte la Asociación; l) Propender al
80
Mas em que contexto se deu a criação dessa associação? Há atualmente uma pressão
para garantir a regulamentação do AT na Lei de Saúde Mental da cidade de Buenos Aires,
promulgada durante o ano de 2000. Essa Lei tem uma perspectiva de trabalho em rede, com a
comunidade e com a proposta de saída do modelo hospitalocêntrico. Tem havido muitos
embates a respeito dos termos da Lei e dificuldades para que ela seja implementada. Além
disso, há um movimento de alguns profissionais da Saúde Mental no sentido de incluir o
dispositivo do AT na Lei, já que ela se refere a alternativas de atenção, incluindo a ênfase nos
tratamentos ambulatoriais, o trabalho em rede com a comunidade, a atenção domiciliar, a
diminuição das internações psiquiátricas, os direitos dos pacientes, entre outros, e em nenhum
momento nomeia explicitamente o AT como uma dessas alternativas (PULICE E MANSON,
2005). A AATRA vem, então, buscando uma maior inserção do AT na rede de Saúde Mental
(informação verbal)82.
Segundo Pulice e Manson (2005), na Argentina existem acompanhantes terapêuticos
em quase todos os hospitais públicos em que há serviços de saúde mental, mas os mesmos
não podem ser contratados porque não são reconhecidos formalmente. Para os atores, o AT
precisa deixar de ser recurso para poucos pacientes – já que os planos de saúde ou sistemas
pré-pagos de saúde não reconhecem esse serviço – e passar a ser um recurso disponível para
todos os tratamentos em que se façam necessários. Tornar-se-ia indispensável, então, segundo
eles, a criação de instâncias de formação regulamentadas que tornassem possível que “essa
especialidade aspirasse a ter o lugar que lhe corresponde no sistema de saúde mental” (Idem,
p. 30, grifos nossos). Um dos passos dados no sentido de garantir ao AT “o lugar que lhe
corresponde no sistema de saúde mental” foi a homologação do Título Terciário de
Acompanhamento Terapêutico pela Secretaria de Educação da cidade de Buenos Aires, e a
inauguração da formação de técnico nessa especialidade na Universidade Católica de Cuyo e
na Universidade Autônoma de Entre Rios (UADER).
intercambio de información, tanto técnica como científica, en colaboración con organismos nacionales,
provinciales, municipales y/o internacionales, tanto de carácter público como privado, y en especial con
entidades de estudios avanzados o superiores, ya sean terciarios o universitarios, de ciencias relacionadas y
afines; m) Administrar el otorgamiento de becas, subsidios, subvenciones y ayudas económicas con sujeción al
reglamento que al respecto se dicte para estudiantes, profesionales, docentes y socios; n) Propender al
intercambio con organismos de similares fines y objetivos que la Asociación; ñ) Adherir y participar en forma
activa en los convenios de intercambio cultural suscriptos por el Gobierno de la República Argentina u
organismos oficiales, sea cual fuere el orden: nacional, provincial y/o municipal; o) Propender a la creación y
posterior mantenimiento de escuelas y/o centros educacionales de instrucción y/o perfeccionamiento como así
también a la instalación de filiales en todo el territorio nacional; p) Propender a la creación y posterior
mantenimiento de centros asistenciales, hospitales de día, y talleres multidisciplinarios para la atención de todo
tipo de problemática del ámbito de la salud mental vinculadas al acompañamiento terapéutico” (AATRA, 2006,
http://www.aatra.org.ar ).
82
Comunicação por e-mail com Gustavo Rossi.
81
seguida, como parte integrante de uma equipe interdisciplinar. Sua função implica também
em fazer parte da dita equipe, como elo fundamental na contenção de ansiedades e angústias,
tanto em internação como em pós-internação. E de acordo com indicado pelo médico e/ou
psicólogo, para evitar a internação; acompanhar pacientes em tratamento de reabilitação por
dependência de qualquer tipo. Nesses casos, acompanhar e conter para logo informar ao
terapeuta encarregado do paciente. É importante assinalar que sua função jamais será a de
interpretar. Acompanhantes de pacientes psicóticos, internados ou não com prévia indicação
profissional. Contenção em caso de crianças, adolescentes ou adultos em situação de risco, se
indicada a intervenção por parte do profissional. O AT, logo de sua participação no Curso,
possui conhecimentos teórico-práticos relativos à saúde mental formando parte de uma rede
de comunicação social85 (tradução nossa).
Parece-nos interessante em tal proposta que os cursos oferecidos em AT possam ser
cursados por toda pessoa com interesse em capacitar-se na área de saúde, independente de seu
nível de formação. Entretanto, ao tentar legitimar essa prática a partir de um Código, o at fica
não apenas engessado num “modo de fazer”, como constrangido a ser auxiliar de outros
profissionais (médicos e/ou psicólogos).
Percebemos, então, que o modo como vai se tecendo o dispositivo do AT aponta
caminhos diferentes no Brasil e na Argentina, porque são diferentes os vetores que entram em
cena nos dois países. Acompanhemos, então, os encontros brasileiros.
O Primeiro Encontro de Acompanhantes Terapêuticos no Rio de Janeiro foi realizado
em 1984 e o Primeiro e o Segundo Encontro Paulista de Acompanhamento Terapêutico (1991
e 1997 respectivamente) foram promovidos pelo Hospital Dia A Casa e resultaram nos dois
primeiros livros publicados por essa mesma instituição: A Rua como Espaço Clínico:
Acompanhamento Terapêutico e Crise e Cidade: Acompanhamento Terapêutico. Nestes
foram organizados os trabalhos apresentados nos dois encontros. O terceiro Encontro Paulista
85
“Actuar como auxiliar del médico y/o psicólogo a cargo, en la contención de pacientes hospitalizados, o
externados. El AT podrá otorgar información pertinente, proponiendo y sugiriendo en función de su labor, la
orientación de la estrategia terapéutica a seguir, como parte integrante de un Equipo Interdisciplinario. Su
función implica también la de formar parte de dicho equipo, como eslabón fundamental en la contención de
ansiedades y angustias, tanto en internación como en post-internación. Y de acuerdo a lo indicado por el médico
y/o psicólogo para evitar una internación; acompañante de pacientes en tratamiento de rehabilitación por
adicciones de cualquier tipo. En estos casos la función del mismo será la de acompañar y contener, para luego
informar al terapeuta a cargo del paciente. Es importante señalar que su función jamás será la de Interpretar.
Acompañante de pacientes psicóticos, internados o no, previa indicación profesional. Contención en caso de
niños, adolescentes o adultos en situaciones de riesgo, si es indicada la intervención por parte del profesional. El
AT, luego de su participación del Curso posee conocimientos teóricos-prácticos en lo relativo a la Salud Mental
formando parte de una red de comunicación social” (Código de Ética, AAT, 2006 http://www.aatbb.com.ar).
83
86
Carvalho (2004) realizou sua pesquisa mapeando o campo do AT por meio de questionários aplicados aos
participantes desse encontro.
84
teóricos e políticos. Tomaremos aqui o conceito de instituição tal como proposto pela Análise
Institucional.
Para o movimento institucionalista, a instituição não se equivale à organização ou
estabelecimento, mas é entendida como um processo que se constitui pelo tensionamento
entre as forças instituintes e as formas instituídas. O instituinte diz respeito então ao plano das
forças, aos processos de criação, enquanto que o instituído diz respeito às formas, às normas,
as hierarquias, as leis. Essas duas dimensões se distinguem, mas não se separam. Há,
entretanto, um primado do instituinte, uma vez que são as forças que garantem os movimentos
e os fluxos. É o “devir instituição” que se atualiza no processo de institucionalização.
O conceito de poder constituinte, analisado por Negri (2002), nos ajuda a pensar os
processos de institucionalização/constituição. Ao tomar o poder constituinte como objeto de
análise, o autor afirma que ele pode ser entendido como transcendente face ao sistema do
poder constituído, como imanente sendo a sua ação a de um fundamento ou ainda como fonte
integrada do sistema constitucional. De qualquer uma dessas três formas, “a relação que a
ciência jurídica (e, através dela, o ordenamento constituído), quer impor ao poder constituinte
atua de modo a neutralizá-lo, a mistificá-lo, ou melhor, de esvaziá-lo de sentido” (Idem, p.
19). O único conceito possível de constituição seria o de revolução, mas o que a teoria
jurídica faz é limitar a revolução na medida em que juridiciza o princípio constituinte,
limitando a democracia. O poder constituído apresenta-se como mediação centralizada,
diluindo e neutralizando o poder constituinte em um mecanismo representativo que pode se
manifestar apenas no espaço político (nas cortes supremas ou nos órgãos do Estado). Ele
constitui-se num mecanismo de regulamentação com a função de manter a ordem. O poder
constituinte, por sua vez, é a força que desfaz todo equilíbrio e continuidade possível, como
“dispositivo radical de algo que ainda não existe, e cujas condições de existência pressupõem
que o ato criador não perca suas características na criação” (Idem, p. 36). Ou seja, o poder
constituinte é a manifestação da força revolucionária da multidão87 construtora da história e
por isso não se trata de limitá-lo através das formas, mas de torná-lo ilimitado.
Para Negri (2002) “no momento em que a potência se institucionaliza, ela deixa de ser
potência, declara jamais tê-lo sido” (Idem, p. 37), por isso faz-se necessário seguirmos o que
nos ensinaram os institucionalistas e atentarmos ao que foge nas instituições, ou seja, aos
87
“Toda prática do poder constituinte revela, tanto em seu início como em seu final, tanto na origem quanto na
crise, a tensão de uma multidão que procura se tornar sujeito absoluto dos processos da potência. Em torno desta
aspiração e contra ela, podemos ler as descontinuidades e as inversões do processo constituinte da racionalidade
ocidental, assim como podemos ler, na continuidade e na preservação do sentido da ação da multitudo, o caráter
tendencial, indefinido e sempre ressurgente do processo” (NEGRI, 2002, p. 423).
86
movimentos instituintes que fazem da institucionalização um processo que não se conclui nas
formas instituídas. Dimensão processual e formal, dimensão instituída e instituinte das
instituições. É nessa dinâmica de tensionamento entre o que se estabelece e o que está em
movimento que se dão os processos de institucionalização.
Assim, nos processos de institucionalização, sabemos que sempre haverá algum grau
de formalizações, regulamentações, mas não podemos ficar restritos a uma preocupação com
a forma (com o instituído), perdendo de vista as forças instituintes que implementam sempre
novas lutas e tensões. O processo de institucionalização deve manter-se sempre tensionado
com novos vetores que vão suscitando sempre novas questões, garantindo os fluxos, os
movimentos, a potência. No que diz respeito ao nosso campo específico do AT não podemos
acreditar nas formas (como as associações de Acompanhamento Terapêutico) ou em
quaisquer leis que o regulamentem como sendo a garantia do reconhecimento e da
legitimidade dessa prática. As formas precisam ser tomadas apenas como estratégias e não
como fim em si, sendo o nosso desafio garantir a potência criadora da dimensão instituinte
dos processos de institucionalização do AT.
Além disso, tal contexto se apresenta criando tensões para a clínica. Como vimos, o
AT surge num movimento de desinstitucionalização da loucura, num processo de
desmantelamento e rearranjo da trama de saberes e práticas construídas em torno da
experiência de sofrimento, que vai forçando uma desinstitucionalização da própria clínica.
Nesse contexto, aliado a outros dispositivos que se pretendem substitutivos ao modelo
manicomial, o AT experimenta, paradoxalmente, um processo de institucionalização pela via
de um especialismo e de uma privatização da clínica.
Assim, quando afirmamos que em seu processo de institucionalização o AT não pode
separar-se de sua força instituinte, tal força diz respeito justamente a um movimento de
desinstitucionalização. Nesse processo, a pergunta a qual não podemos nos furtar é: o que
ganhamos com a institucionalização do AT? Que tipo de provocação para a clínica é colocada
aqui?
87
Trataremos aqui alguns textos referentes ao AT, considerando-os não apenas como
publicações científicas e livros, mas também como trabalhos apresentados em congressos
sobre AT, mensagens eletrônicas (e-mails) conversas, falas, etc. Não tomamos os textos como
algo a ser interpretado, decifrado ou entendido, tampouco como efeito de um determinado
contexto, mas transversalizamos texto e contexto, mostrando que eles são efeito e também
produtores do próprio contexto.
Segundo Pulice e Manson (2005), durante décadas, o único material bibliográfico
específico sobre o tema do Acompanhamento Terapêutico foram alguns artigos publicados em
Buenos Aires. O denominador comum destes textos eram os obstáculos que enfrentavam os
acompanhantes em suas atividades, devido, entre outras coisas, à falta de uma clara linha
teórica e de algum marco regulador de sua atividade. O multi-atravessamento de saberes é
apontado pelos autores como possível justificativa para a diversidade de versões sobre sua
criação e surgimento, e para a dificuldade de estabelecer um marco conceitual próprio ao AT.
Os dois autores argentinos enfatizam reiteradamente a necessidade de construção desse
marco, que parece vir sendo formalizado a partir de uma perspectiva psicanalítica.
O primeiro livro sobre o tema foi publicado por Mauer e Resnizky, na Argentina, em
1985 e era bastante guiado por um debate entre a Psiquiatria Dinâmica e a Psicanálise. O
segundo e o terceiro livros sobre AT foram publicados no Brasil, respectivamente em 1991 e
1997, pela equipe de acompanhantes terapêuticos do Hospital-Dia A Casa, trazendo como
mote das discussões o trabalho na cidade. Desde então, ao longo desses anos, a produção de
textos sobre AT, que era inicialmente escassa, vêm aumentando consideravelmente através da
publicação de artigos88, livros89, dissertações e teses90. Além disso, passaram a acontecer mais
eventos e discussões sobre o tema.
88
Em 2002 a Revista Pulsional traz artigos tratando do tema do AT; em 2005 a Revista Estilos da Clínica
dedicam uma edição ao tema e em 2006 é a Revista Psychê quem publica uma edição sobre AT.
89
Depois dos dois primeiros livros organizados pela Equipe de AT do Hospital-Dia A Casa, temos, em 1998 a
publicação um livro organizado por Márcio Belloc, Károl Cabral, Nauro Mittmann e Eduardo Pellicciolli
intitulado Cadernos de AT: uma clínica itinerante; em 2000 a publicação do livro de Kléber Duarte Barreto
Ética e Técnica no Acompanhamento Terapêutico: andanças com Dom Quixote e Sancho Pança; em 2001 Maria
Paula Cauchick publica Sorrisos inocentes, gargalhadas horripilantes; em 2004 Analice Palombini publica com
nossa colaboração e de outros autores o livro Acompanhamento Terapêutico na rede pública: a clínica em
movimento; no mesmo ano há a publicação de Sandra Silveira Carvalho Acompanhamento Terapêutico: que
clínica é essa?; em 2006 Fábio Araújo publica Um passeio esquizo pelo Acompanhamento Terapêutico; no
mesmo ano Ana Celeste Pitiá e Manuel Antônio dos Santos publicam Acompanhamento Terapêutico: a
construção de uma estratégia clínica; em 2006 a Equipe de AT do Hospital –Dia A Casa publica seu terceiro
livro intitulado Textos, Texturas e Tessituras.
88
A partir dos textos, pudemos identificar diferentes vetores que compõem o plano da
experimentação clínica do AT. Estamos tomando tais vetores como linhas que constituem o
dispositivo, lembrando que o dispositivo é constituído de linhas de visibilidade, de
dizibilidade, de poder e de subjetivação (DELEUZE, 2005). Cada vetor imprime certa força
que tensiona com as forças dos outros vetores e é dessa forma que emergem os territórios,
sempre por um efeito de vetorialização. No território do AT, destacamos alguns vetores,
algumas linhas que constituem, permeiam e modificam tal dispositivo: a Psiquiatria, a
Psicanálise, a Universidade e a cidade. Entendemos que a Reforma Psiquiátrica também é um
vetor de constituição do dispositivo AT, sendo também por ele interferida, além de ser um
vetor de desestabilização de muitos contextos. Tomaremos em nosso trabalho o que ela assim
tecida constitui-se como contexto para o AT. Destacamos principalmente a Reforma
Psiquiátrica brasileira e nela, seu caráter de movimento, de embates e de lutas
desestabilizadoras dos saberes que se pretendiam universais e hegemônicos, constituindo um
tecido que permite justamente a criação de outros dispositivos no campo da saúde mental.
Nos textos de AT, parece haver uma preocupação em explicitar as definições (o que é)
e os objetivos (para quê) do Acompanhamento Terapêutico. Com menor freqüência, mas
também com certa insistência, vemos comparecer o tema da indicação (objeto a quem se
dirige), questão que certamente não se separa das anteriores. Mas o que os textos mais nos
ajudam a perceber é o atravessamento dos diferentes vetores e as diferentes funções que o AT
atualiza (o modo como opera), dando-nos algumas pistas das políticas da clínica nas quais o
AT implica.
90
Algumas dissertações e teses foram citadas no nosso primeiro capítulo, à exceção da tese de doutorado de
Analice de Lima Palombini Vertigens de uma Psicanálise a céu aberto: a cidade de 2007.
89
91
Comentando sobre o trabalho de Foucault publicado no livro História da Loucura, Machado (2001, p. VIII)
diz: “articulando o saber médico com as práticas de internamento e estas com instâncias sociais como a política,
a família, a Igreja, a justiça, generalizando a análise até as causas econômicas e sociais das modificações
institucionais, foi possível mostrar como a Psiquiatria, em vez de ser quem descobriu a essência da loucura e a
libertou, é a radicalização de um processo de dominação do louco que começou muito antes dela e tem como
condições de possibilidade tanto teóricas quanto práticas”.
92
Segundo o autor (apud PALOMBINI, 2007), é nesse contexto que se estabelecem as condições para o
surgimento da Psicanálise, a partir de um processo que leva à implantação do modelo familiar na Psiquiatria, já
no final do século XIX.
90
No Brasil, são as necessidades impostas pela explosão urbana que levam à instalação
do saber e das instituições psiquiátricas no Brasil, com o objetivo da exclusão social aliada a
um intenso esforço classificatório (PALOMBINI, 2007).
93
Comentando os primórdios do AT Reis Neto (1995) observa que, ainda que para uma determinada Psiquiatria
o at se apresentasse como “auxiliar psiquiátrico”, o processo de acompanhar resguardava um espaço livre para
experimentação.
94
Carvalho (2002) descreve que a maioria dos acompanhantes terapêuticos faz parte de uma equipe de
acompanhantes, embora muitas pessoas trabalhem de modo independente. Segundo a autora, o trabalho em
equipe tem sido marca do AT e é indispensável para o sucesso do trabalho.
94
Se o paciente tem medo de sair de casa por causa dos seus perseguidores, o
at vai junto à lanchonete para corrigir seu delírio. Mostra que é uma atitude
normal, num bar, que duas pessoas estejam dando risada, mas que não estão
rindo dele. [...] São todas situações que não aparecem nas sessões
psicoterápicas, necessitam de correção no momento em que ocorrem e
ajudam o paciente a crescer (SHIRAKAWA, 1992, p.95-96, grifos nossos).
95
Projeto de lei 025/2002 que institui o Ato Médico, de autoria do ex-senador Geraldo Althoff (PFL/SC), cujo
substitutivo foi apresentado pelo senador Tião Viana (PT/AC) se encontra em tramitação no Senado Federal e
que regulamenta o exercício da Medicina, e centraliza na consulta médica a definição do tratamento aos
usuários. Tal projeto estabelece uma hierarquia entre a medicina e as demais profissões do campo da saúde. “As
atividades que ‘envolvam procedimentos diagnósticos de enfermidades ou impliquem indicação terapêutica são
atos privativos do profissional médico’, segundo dispõe o parágrafo único do art.1º”
(www.naoaoatomedico.com.br).
95
Segundo Birman (1996), no início dos anos 60, a Psicanálise no Brasil restringia-se a
pequenos grupos em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte. Estes eram
vinculados à Associação Brasileira de Psicanálise e à Associação Internacional de Psicanálise.
Nos anos 80 ela se inseriu com maior abrangência na sociedade e ultrapassou suas influências
iniciais restritas apenas ao Sul e Sudeste do Brasil, multiplicando os centros de formação
psicanalítica. Psicólogos, até então não aceitos para as formações, uma vez que essas eram
restritas aos médicos, iniciaram suas formações com psicanalistas argentinos, já que o
concomitante processo de ditadura na Argentina favoreceu a imigração de psicanalistas
argentinos para o Brasil (BEZERRA JÚNIOR, 1994).
Tais psicanalistas teriam trazido concepções distintas daquelas difundidas aqui pelas
sociedades oficiais, inclusive criticando a limitação da prática analítica aos consultórios
privados. As inovações que eles propunham eram objeto e instrumento de um debate acirrado
na Argentina, suscitado principalmente pelo Contracongresso organizado em 1969, em Roma,
como forma de protesto ao XXVI Congresso Internacional da IPA que se realizava na mesma
ocasião. O Contracongresso foi organizado por grupos europeus descontentes com a política
da associação e que pretendiam pôr em debate a formação psicanalítica, o significado, a
função e a estrutura das sociedades psicanalíticas, o papel social dos psicanalistas, e as
relações entre Psicanálise e instituições (KESSELMAN apud RODRIGUES ET AL, 2001).
formação analítica alternativa aos trabalhadores de saúde mental. Com o golpe de 1976 e as
conseqüentes prisões de alunos e professores, bem como prisões, assassinatos e seqüestros
daqueles considerados subversivos, inimigos da família e da pátria, o Centro foi obrigado a
fechar suas portas.
Segundo Rodrigues et al (2001), os psicanalistas argentinos chegaram então, ao Brasil
num contexto também de ditadura. Comentando a vinda desses para a cidade do Rio de
Janeiro, as autoras problematizam o tratamento em bloco dado a tais atores, apontando uma
tendência de totalização-homogeinização dos mesmos. Segundo as mesmas, é comum a
afirmação de que os psicanalistas argentinos tiveram um papel fundamental na modificação
do contexto no qual as sociedades psicanalíticas se consideravam as detentoras da verdadeira
Psicanálise. As autoras reafirmam a expressão “gerações de argentinos”, proposta por
Coimbra (apud RODRIGUES ET AL, 2001), ressalvando que o termo “geração” não busca
caracterizar um conjunto definido de agentes ou uma temporalidade específica, mas uma
particular articulação entre estes elementos, preservando o vínculo entre a gênese teórica-
técnica de tais práticas e a gênese social das mesmas (suas condições histórico-institucionais
de existência).
contexto sócio-político brasileiro daquela época e foi, sem dúvida, responsável por uma
importante contribuição para o campo psicanalítico brasileiro.
As modificações nas instituições psicanalíticas tiveram, então, conseqüências culturais
imensas no Brasil, pois possibilitaram o confronto entre diferentes modelos teóricos e
clínicos, havendo inclusive um crescimento da pesquisa nessa área. Além disso, a Psicanálise
foi introduzida na universidade brasileira através de cursos de mestrado e doutorado e
reforçou sua articulação com os demais campos do saber (BIRMAN, 1996).
Nas décadas de 60 e 70 ela tornou-se uma das linhas teóricas presentes em alguns
hospícios públicos e em comunidades terapêuticas, com inspiração nas experiências
reformistas européias. Foi na década de 80, num momento de luta pela redemocratização do
país, com o Movimento Sanitarista, com a vinda de Basaglia ao Brasil e com o recém
articulado Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental que se efetivou a participação de
psicanalistas na gestão, teorização e implementação de reformas nos grandes asilos
psiquiátricos e ambulatórios públicos (BEZERRA JÚNIOR, 1992).
Como vimos, no CETAMP, que contava com o amigo qualificado, e depois nas
comunidades terapêuticas brasileiras que contavam com as figuras do atendente/auxiliar
psiquiátrico, muitos dos profissionais tinham na Psicanálise um referencial teórico importante.
Segundo Reis Neto (1995), a forte presença da Psicanálise no contexto da Clínica Vila
Pinheiros no Rio de Janeiro e na prática do AT na Argentina contribuiu para sua ênfase como
referência maior do AT no Brasil. Podemos certamente incluir o Hospital-Dia A Casa como
tendo também contribuído para a presença psicanalítica no campo do AT.
Para Reis Neto (1995), o “saber” atrelado ao “fazer” do AT não era uma questão que
incomodava quando ele estava diretamente ligado às comunidades terapêuticas, pois aquele
era um momento fortemente marcado pelos movimentos de contracultura em que as
identidades estabelecidas eram questionadas. Mas, num segundo momento, cresceu um
movimento de dar aos ats uma identidade bem definida: ele seria o “auxiliar do psiquiatra” e
seu “não saber” ganhou um novo valor e um novo sentido, agora não mais “terapêutico”, mas
sim de “terapeuta menor”, justamente porque não sabia tanto.
saber médico, o psicológico e o da enfermagem. Mas eles pareciam não fornecer um suporte
teórico suficiente para as experiências que vinham acontecendo. Por conta disso, houve um
movimento de abertura para o encontro com outros saberes, entre eles o da Psicanálise.
Simões (2005), no que diz respeito aos pré-requisitos exigidos dos atendentes, afirma
que existem contradições na literatura, pois, diferentemente de Reis Neto (1995) e Lápis
(apud SIMÕES, 2005), Zimerman (Idem) apontava uma necessidade do atendente ter
conhecimentos psicodinâmicos para melhor cumprir sua função. Assim, o perfil dos
acompanhantes foi mudando: “enquanto nas experiências do atendente psiquiátrico e do
auxiliar psiquiátrico não era bem definida a formação necessária para desempenhar tal tarefa,
a partir da experiência do acompanhante terapêutico estas condições foram sendo mais
delimitadas” (SIMÕES, 2005, p. 83).
São muitos os trabalhos e, conseqüentemente, os textos da literatura sobre AT que têm
como referencial teórico o saber psicanalítico. Carvalho (2002) descreve que a maioria dos
acompanhantes que participaram do seu estudo afirmou ter a Psicanálise como referência
teórica, e Simões (2005) afirma que a maioria dos textos analisados aponta esta teoria como
embasamento para a compreensão e intervenção do trabalho de AT. Hoje, dada a expansão da
Psicanálise também no campo dos serviços da rede de serviços de saúde mental, quando o AT
se insere em tal rede, é também com a Psicanálise que ele muitas vezes compõe seu fazer.
Percebemos então, que ao longo dos anos os acompanhantes passam de um suposto
“fazer sem saber” para um “saber para fazer”, a partir das aproximações com a teoria
psicanalítica, que permitia que os mesmos se diferenciassem do lugar de auxiliar ocupado por
tanto tempo. Mas será que tal aproximação com a Psicanálise vem construindo uma trajetória
em que tal fazer se pretende tão específico que se torna uma especialidade? Será que o
encontro com a Psicanálise vem servindo para isso?
Ghertman (1997) refere-se a efeitos análogos à análise produzidos pelo
Acompanhamento Terapêutico, a partir da possibilidade de abertura para outras significações
que a própria rua, a cidade e os encontros oferecem. O autor propõe pensarmos o
Acompanhamento Terapêutico dentro de uma prática com conceitos psicanalíticos, mas faz
uma ressalva que nos parece fundamental:
nunca, tentando manter uma certa assepsia em relação a esses conceitos que
ainda nos garantem minimamente respaldados e seguros em nossa clínica de
consultório. Penso que há aí um impasse. Impasse, esse, que se estrutura
muito mais sobre preconceitos da clínica psicanalítica do que em um real
conhecimento de onde atualmente os desdobramentos das ‘tramas dos
conceitos’ podem nos levar. [...] A ruptura de campo na teorização do
Acompanhamento Terapêutico é podermos nos apropriar do que já está aí, a
potência latente dos conceitos de que dispomos, para, quem sabe, até
mesmo poder superá-los. (GHERTMAN, 1997, p.237-238).
97
Anotações de aula, da disciplina “Subjetividade e Clínica” no mestrado de Psicologia/UFF no ano de 2005,
ministrada pelos professores Eduardo Passos e Regina Benevides de Barros. Anotações também da fala do
professor na mesa de abertura do I Congresso Internacional, II Congresso Ibero-Americano, I Congresso
Brasileiro de Acompanhamento Terapêutico, no dia 07 de setembro de 2006.
98
Na Argentina, houve a inclusão do tema do AT no curso de graduação de Psicologia da Universidade de
Buenos Aires, bem como a criação de estágios em AT. Desde então novas instâncias de formação profissional de
ats vem sendo criadas na cidade de Buenos Aires, em Córdoba e em outras cidades do interior da Argentina
como Paraná (Entre Tios), Bahia Blanca y La Plata (Buenos Aires), Esquel (Chubut), Viedma (Rio Negro);
Rosario (Santa Fé), Dan Juan y San Luis. O mesmo vem acontecendo em outros lugares da América Latina,
como em Lima (Peru), Querétaro (México), Montevidéo (Uruguai), Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte,
Betim, Rio de Janeiro e outras cidades (Brasil).
103
No contexto brasileiro, nos primeiros anos da década de 80, no campo da saúde, deu-
se a consolidação dos serviços públicos como locais de ensino e formação, de tal forma que
avanços foram produzidos, “apesar das enormes oscilações políticas no período e do
conservadorismo, quando não do franco reacionarismo psiquiátrico da maioria dos espaços
acadêmicos” (BEZERRA JÚNIOR, 1994, p. 178). Desde então, tal parceria vem
possibilitando a “problematização dos saberes e práticas agenciados pela Universidade a partir
do que é vivido e construído na interação com saberes e práticas produzidas pelos serviços”
(PASSOS ET AL, mimeo).
Na medida em que muitas experiências de AT estabelecem os serviços públicos de
saúde como campo de estágio, trata-se de atentarmos para a direção política dessa parceria,
pois os serviços podem ser tomados única e exclusivamente como possibilidade de estágio,
sem qualquer engajamento ético-político. O caráter institucional da educação, sustentado no
tripé “pesquisa, extensão e ensino” não é suficiente para evitar o surgimento de práticas
privatistas na articulação com a rede de saúde e dentro da própria Universidade. Mesmo num
contexto de ruptura com a lógica manicomial, que deixa de ter como direção o espaço fechado
dos manicômios e passa a tomar a cidade como campo de experimentação, ainda é “recente e
insuficiente a incorporação pela academia dos inventos resultantes dos processos de
desinstitucionalização da doença mental” (VICENTIN, 2006, p. 110).
Em que pese a importância da supervisão, ela também não pode ficar restrita a
qualquer categoria profissional, tampouco ser tomada naquele sentido clássico de supervisão
que termina por se constituir num espaço de controle da prática dos supervisionandos. A
supervisão se faz importante na medida em que produz um acompanhamento dos processos
disparados pelos encontros entre todos os atores que compõem a rede de tratamento (at,
equipe, acompanhado-usuário, família, vizinhos, etc), garantindo um espaço alteritário para os
ats em relação às equipes dos serviços em que se inserem. Ela oferece o suporte necessário
para os ats, problematizando os projetos terapêuticos dos acompanhados e possibilitando a
produção de desvios e efeitos institucionais para além da dupla acompanhante-acompanhado.
Nesse sentido, a supervisão, mas também a pesquisa e a produção de conhecimentos, no plano
clínico-político em torno à função do Acompanhamento Terapêutico são determinantes da
direção que assume o acompanhamento (PASSOS ET AL, mimeo).
A universidade, instituição de formação comprometida na definição de uma identidade
profissional, dessa forma, responsabiliza-se por colocar saberes a serviço da comunidade e
pelos processos de formação na direção da desmontagem dos clichês e dos saberes
consagrados a partir de um alargamento dos espaços de atuação, trânsito e intercruzamento
entre diferentes áreas na direção da produção de conhecimento numa perspectiva
transdisciplinar, constituindo novas práticas (Idem). Por isso é fundamental o estabelecimento
de tais parcerias entre a universidade e os serviços públicos de saúde, afirmando um
compromisso com a produção de conhecimento entre ambos, consolidando uma formação
voltada a realidade social do país e, ao mesmo tempo, difundindo e problematizando o
movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira.
É nessa perspectiva que o AT vem comparecendo nas práticas de ensino, pesquisa e
extensão voltadas ao campo da saúde mental. Como vimos, em 1998, na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, criou-se o Programa de Acompanhamento Terapêutico na Rede
106
Caiaffa (1991) também traz a rua como o fio comum que caracteriza o trabalho do AT,
entendendo a intervenção na rua, como aquela que se dá fora de um local definido, em locais
de circulação pública (mesmo que esse espaço público seja uma residência). A autora destaca
a ousadia nesse acompanhar que se dá atravessando ruas, esperando em filas, andando de
ônibus, comprando roupas, fazendo ginástica, brincando e até mesmo encontrando amigos de
ambos no meio das ruas, ou seja, em inúmeras situações possíveis.
Historicamente o AT é apresentado como a “clínica de rua”, conquanto muitos
acompanhamentos iniciem-se entre quatro paredes para só depois ampliar este espaço e
ganhar a rua (CABRAL, 2005). Richter (2004) também enfatiza o equívoco da idéia de que o
setting do Acompanhamento Terapêutico é única e exclusivamente a rua, já que às vezes o
acompanhamento se passa no interior da casa e mesmo do quarto.
Na medida em que os acompanhantes passaram a exercer seu fazer nas ruas, a cidade,
“em sua rica variabilidade, passou a ser concebida como matéria constitutiva e primeira dessa
clínica” (PALOMBINI, CABRAL e BELLOC, 2005, p. 43). Fenômenos do cotidiano urbano
passaram a funcionar como materiais e atividades de tratamento (CARROZZO, 1991) num
"fazer andarilho" (SILVA, 2006c), produzindo algo para além da dupla acompanhante-
acompanhado que transitam pela rua.
Para alguns ats, a rua passou a ser o “cenário principal de uma dupla aventura que é
acompanhar e ser acompanhado” (SILVA E SILVA, 1997, p.129). Para outros, ela não foi
tomada como simplesmente cenário, pois essa idéia poderia nos remeter à psique como
representação do mundo: as ruas da cidade não são como panos de fundo de uma história, mas
são elas mesmas interpeladoras, lançando o sujeito em uma proximidade imediata ao mundo
(PALOMBINI ET AL, 2004).
Segundo Palombini (1999), o AT é uma clínica em ato, em que a cidade (a rua, a
praça, a casa, o bar) se oferece como campo múltiplo de possibilidades imprevistas,
produzindo espanto e desacomodação. É uma clínica onde a palavra, mas também o corpo, os
gestos e as atitudes compõem busca por alternativas para a construção de uma rede de atenção
à saúde mental. Nessa modalidade de intervenção circula-se com o acompanhado, utilizando-
se do espaço público não como cenário, mas como dispositivo para o ato terapêutico. A
108
cidade é tomada como protagonista, com seus sons, movimentos, transeuntes, cores e cheiros
(BELLOC, 2005). O cotidiano não ilustra a vida, mas provoca-a. Constrói-se assim uma nova
possibilidade de relação da loucura com a cidade através da sustentação de movimentos
produzidos no acompanhante e no acompanhado (PALOMBINI, 2005).
Para Porto e Sereno (1991) “é marcante para um acompanhante operar na produção de
uma (re) colocação do sujeito em funcionamento com a realidade urbana, de encontrar
espaços onde a cidade incorpora o que ele tem” (Idem, p.26) de modo a aproveitar seus
recursos e sua capacidade criativa. “Uma saída ao bar, ao museu, ao parque tem a intenção de
ser um momento em que o sujeito, com a facilitação do estar acompanhado, exerça alguma
coisa de sua potencialidade vital, o que, muitas vezes, tira-o do mergulho que pode estar
fazendo em direção à morte psíquica” (Idem, p. 28). Caiaffa (1991) reforça a idéia de que a
saída para as ruas possibilita “uma transformação deste social de algo mortífero e apavorante
para algo que pode impedir a morte, que possibilita a vida”. Entretanto, enfatiza que isso só é
possível se os acompanhantes não burocratizarem seu trabalho, “enclausurando o psicótico a
uma circulação neurótica no social, ditando modos de estar alheios ao paciente” (Idem, p. 98).
É interessante que, na experiência carioca de AT da década de 70, Reis Neto (1995)
pontua que quando os ats saíram para a rua, o fizeram em parceria com psiquiatras com
tendências mais tradicionais de tratamento, de tal forma que a intervenção esperada dos ats
deveria ser mais objetiva, de contenção, normatizadora e moralizante. Isso nos faz pensar um
pouco sobre os modos de estar/circular na cidade.
Baptista (1999), em seu livro – A Cidade dos Sábios –, nos fala do contexto em que
vivemos como sendo de desqualificação da rua e de sacralização do lar, lugar de
enobrecimento. Para isso dá como exemplo uma certa experiência do viver na cidade do Rio
de Janeiro:
esparze, que acontecimentos ela engendra, que potências fremem nela e quais novos
agenciamentos espera (PELBART, 2000).
Temos percebido claramente que não basta estarmos na rua com nossos
acompanhados para garantirmos a circulação e o trânsito de fluxos de vida, pois, a cidade da
modernidade propõe um movimento, mas barra o movimento do acaso, do inesperado.
Convivemos com uma forma híbrida de controle que fixa, mas que também não deixa fixar.
“Vamos circular!” parece ser a palavra de ordem. A saída para a rua não garante, por si só, a
passagem de intensidades ou a emergência daquilo que estamos chamando de dimensão
invisível da cidade. Pode acontecer de andarmos pelas ruas da cidade sem que nada nos toque,
sem que nada nos faça vibrar, de modo que ficamos presos e privatizados em pleno espaço
público. Tal risco nos faz lembrar de um dos sentidos daquele movimento de saída para as
ruas dos ats, assinalado anteriormente por Reis Neto (1995) e por Ibrahim (1991): os ats
levavam consigo o esquema proteção-vigilância-contenção.
A respeito desse risco na experiência de saída para as ruas do AT, Porto e Sereno
(1991) assinalam: “é uma vivência que pode cair no silenciamento do corpo esfacelado, que
pode endurecer-se numa saída ritual onde o sujeito não está implicado, reestabelecendo o
isolamento e a exclusão” (Idem, p. 26-27).O autor também reitera que:
É ressaltando perigos como os apontados por Porto e Sereno que Rolnik (1997) faz
duas observações importantíssimas que os acompanhantes terapêuticos precisam ter sempre
consigo:
99
Cf. nosso terceiro capítulo, onde discutimos a questão da inclusão/exclusão.
113
100
“Uma outra paisagem, então se descortina se não nos limitarmos às descrições costumeiras dos turistas, dos
fiscais, dos cartógrafos e dos moradores habituais das cidades. Uma outra maneira de ver, um outro paisagismo.
Cidades invisíveis se deixam entrever, ao se buscar contemplar estas paisagens essenciais” (PEIXOTO, 1996, p.
311). Falando sobre os filmes do cinema mudo, o autor nos diz: “Não é apenas o passado do cinema que se
mostra nestes filmes. Estamos sendo confrontados com uma outra coisa: uma presença, vibrando particularmente
nestes rostos e paisagens. É isso – esta evidência de algo que não podemos ver nem definir, mas que nos arrebata
– que dá consistência a estas imagens” (Idem, p. 301).
115
101
Idéia apresentada por Mariana S. David no trabalho “Uma clínica refletida na cidade” numa mesa de tema
livre do I Congresso Internacional de Acompanhamento Terapêutico, no dia 8 de setembro de 2006.
102
Idéia apresentada por Thomas Brogiollo no trabalho “O AT na perspectiva da fátria: a força da composição
grupal nas cenas de grupo de saída” na mesma mesa de tema livre.
116
Para Palombini (2007), em que pese tal afirmação (de que toda a clínica é
Acompanhamento Terapêutico), o AT carrega uma especificidade. A autora se pergunta sobre
qual singularidade o AT marcaria em relação ao campo da clínica ao mesmo tempo a ele
retornando para radicalizar os seus sentidos. Tal questionamento convoca-nos a afirmar,
então, um específico do AT para além de todo especialismo.
Araújo (2006) afirma que o AT comparece como uma função clínica, que se atualiza
em diferentes dispositivos clínicos. Queremos propor uma reversão nesta afirmação e definir
diferentes funções clínicas que se atualizam no dispositivo AT.
Ao colocarmos o dispositivo AT em análise, deparamo-nos com algumas funções que
ele opera, diferente daquelas funções de proteção, controle e adaptação, bem como de auxiliar
do psiquiatra, psicólogo ou psicanalista e de extensão e representação da equipe terapêutica. A
partir de uma posição clínico-ético-política, destacamos aqui as funções clínico-políticas
produtoras de subjetivação e não de sujeição. São elas: função micropolítica, função de
transversalização, função deslocalizadora e analisadora da clínica, função rizomática, função
117
103
Percebemos que esse tipo de discurso se faz presente ainda hoje, principalmente através daqueles que
parecem querer garantir “seus lugares” de analistas e defendem que não cabe ao acompanhante terapêutico, por
exemplo, interpretar.
118
O amigo qualificado foi então uma forma de fazer clínica que não se
separava de uma intervenção política no campo da saúde mental, que não se
separava de uma prática de liberdade e da criação de novos direitos
relacionais. [...] é quando o amigo qualificado quer construir uma
teorização e uma justificação clínica sobre o que faz que surja o movimento
de mudança de nomes. Para que tal teorização se dê o amigo qualificado se
afastará de sua base político-clínica na Psiquiatria social e se aproximará,
agora como Acompanhamento Terapêutico, de uma inflexão estritamente
clínica buscada na Psicanálise. Mesmo que, como veremos, essa manobra
vá jogar o Acompanhamento Terapêutico em uma espécie de engodo que
faz dele uma prática terapêutica entendida como menor. Ou seja, o amigo
qualificado perde sua especificidade política se tornando assim
Acompanhamento Terapêutico, porém o agora Acompanhamento
Terapêutico, diante das outras formas clínicas e importando suas
concepções de subjetividade, se torna uma prática clínica destituída do valor
de uma clínica stricto senso (ARAÚJO, 2006, p. 32).
O AT, tal como era praticado na década de 90 no Rio de Janeiro, ocupava “um espaço
intermediário entre uma prática psicoterápica reconhecida como profissão e um estágio pré-
profissional” (REIS NETO, 1995, p. 4), sendo quase sempre investido como um meio e não
como um fim na formação clínica. O meio a que se refere o autor, diz respeito ao fato de que
as pessoas que realizavam esse trabalho muitas vezes não queriam ser acompanhantes
119
104
Ao falar da complexidade de trabalharmos em settings não fixos, em movimento, Lancetti (2006b) propõe o
conceito de complexidade invertida. “No sistema de saúde existe uma hierarquização que pode ser descrita da
seguinte forma: os processos simples como programas de aleitamento materno, programas para diabéticos e
hipertensos, enfim todas aquelas ações desenvolvidas em unidades básicas de saúde, situadas no bairro em que
as pessoas moram, são procedimentos simples, de baixa complexidade. Os procedimentos realizados em centros
cirúrgicos e hospitais de grande porte como cirurgias de transplante de órgãos, cirurgias cardíacas, etc. são
procedimentos de alta complexidade. Na saúde mental ocorre exatamente o contrário: os procedimentos
realizados do outro lado do muro do hospital psiquiátrico, nas enfermarias ou nos pátios; as atividades
desenvolvidas nas clínicas de drogados são procedimentos simples e que tendem à simplificação. [...] As ações
de saúde mental que ocorrem no território geográfico e existencial, onde o sujeito vive, em combinação com os
diversos componentes da subjetividade, sejam eles universos culturais locais, de culturas originárias, mídias,
religiões, etc., são ações complexas” (p. 107-108).
105
“O que caracteriza o inumerável não é nem o conjunto, nem os elementos; é antes a conexão, o ‘e’, que se
produz entre os elementos, entre os conjuntos, e que não pertence a qualquer um dos dois, que lhes escapa e
constitui uma linha de fuga” (Deleuze e Guattari, 1997b, p. 173).
120
campo discursivo do AT, este aparece como uma prática atrás de uma teoria, daí as interfaces
dele com a Psicanálise e com a universidade (a partir principalmente da Psicologia)106. É
como se houvesse um certo mal estar da minoridade e uma certa desatenção com o que o AT
tem de devir minoritário: constituir-se numa operação de desinstitucionalização da própria
clínica. Faz-se necessária uma reversão do negativo em positivo, da condição de minoridade
para uma potência minoritária isto é, uma micropolítica ativa.
Segundo Reis Neto (1995), ao longo da construção do dispositivo do AT, houve uma
alteração no perfil do acompanhante. Partindo do leigo (aquele que não sabe) para o estudante
(aquele que está aprendendo) e deste para o profissional de psicologia (aquele que sabe). Para
o autor, “apesar de tentarem conferir à sua prática um outro estatuto profissional e teórico, os
acompanhantes nunca deixaram de lado este aspecto de sua prática que vem desde o tempo
das comunidades terapêuticas: esta coisa meio solta, meio sem lugar” (Idem, p. 230). O autor
identifica, inclusive, a figura do amigo qualificado com a concepção e a atitude em relação à
doença mental proposta pela psiquiatria democrática, na qual Basaglia propõe um modelo de
atendimento em saúde mental no qual os técnicos fossem todos um pouco acompanhantes.
Traz à cena a figura do voluntário, surgido em Trieste, que tinha como premissas de seu
trabalho a “finalidade política comum” dos trabalhadores e não a “profissionalização”,
embora aponte que esse, diferentemente do at em seu contexto de origem brasileiro e
argentino, surgiu sob um enfoque predominantemente político-social, inserido num sistema
público de saúde.
Camargo (1991) sugere que o fato de ser comum aos ats serem considerados pelos
seus contratantes como moças e moços talentosos e não como profissionais de uma
“especialidade espinhosa e de alta exigência emocional” (Idem, p. 58), serviria como pano de
fundo de muitas crises de identidade dos acompanhantes terapêuticos. Tal incômodo foi
gerando entre os ats a necessidade de construção de uma identidade própria. Autores como
Reis Neto (1995), Ghertman (1997), Pelliciolli (2004) e Araújo (2006) nos ajudam a
problematizar tal busca por um referencial identitário, pois afirmam que a identidade é sempre
provisória e que a potência do trabalho do acompanhamento depende em parte da “falta de
identidade” do acompanhante, que garante a abertura para novas formas de se conceber e
106
Embora na experiência do Projeto de AT da UFRGS tratava-se antes de uma toeria em busca de uma prática.
121
107
“Ela [a sobrecodificação] funciona, nos modos de produção capitalísticos, por desterritorializações/
reterritorializações sucessivas e intermitentes. [...] O território pode se abrir, se engendrar em linhas nômades ou
de fuga ou pode se sedentarizar. Nos dois primeiros casos há chance de criação, invenção de saídas; no terceiro,
o que pode ocorrer é a cristalização de certas linhas, levando ao isolamento-dificuldade de conexões ou ao
fenômeno do ‘tudo é sempre igual’, repetição identificada a um ‘mesmo que paralisa’” (BENEVIDES DE
BARROS, 1994, p. 151-152).
125
108
Como vimos na nossa caixa de ferramentas, o poder é diagramático. Ele não passa por formas, mas por
pontos que marcam a aplicação de uma força, a ação ou reação de uma força em relação às outras. As relações de
poder não emanam de um ponto central, mas vão de um ponto ao outro no interior de um campo de forças
(DELEUZE, 2005).
109
Em sua dissertação de mestrado, Santos (2003) descreve o diagrama que engendra as práticas psiquiátricas do
contemporâneo, modulando disciplina e biopolítica, indivíduo e população, através dos efeitos das reformas
psiquiátricas iniciadas no pós-guerra.
127
mas sim graus de transversalidade, experiências de ruptura em que todos os vetores presentes
nas ruas da cidade entram em jogo. A intervenção não vem mais apenas do dito
acompanhante, mas da rua, ou ainda, da rede.
A respeito da experiência do AT, a clínica vê-se deslocada de seu lugar supostamente
natural (o consultório) produzindo uma desterritorialização dela mesma. O AT evidencia que
a clínica se dá num lugar que já não porta nem espacialidade nem temporalidade dada, de
modo que a experiência clínica não é localizável. Isto é ela se dá no entre-dois das formas,
nesse não-lugar que é ele mesmo um espaço qualquer. O AT se faz enquanto clínica sem local
fixo, num não lugar, no “meio”, no “entre”, sempre em relação com uma paisagem da cidade,
constituindo-se como uma clínica peripatética (ARAÚJO, 2006), realizada em passeios, num
“caminhando”.
Como bem nos indica Brasil (2002), para pensarmos uma relação clínica que “escape
das práticas e discursos instituídos, que compõe uma demanda naturalizada por parte de uma
subjetividade sofredora a um agente perito previamente adaptado e legitimado à escuta e
interpretação da mesma” (Idem, p. 153), precisamos justamente instalar-nos no “entre” ou “no
meio”. O “entre”, aquilo que está no “meio”, segue uma orientação de proliferação, como no
sistema rizomático e não tem como referências da origem ou do fim, mas privilegia as
conjunções. O que vem à tona é caráter híbrido, limiar da clínica: “a experiência-limite é a
experiência da ruína dos limites. Nela não se nega nada, pois não há nada para ser negado, a
não ser um limite sempre novo, mas precário, combustível etéreo para um movimento
infinito” (PELBART, 1989, p. 87).
Um aspecto limite do AT apresenta-se quando o at é convocado a se deparar com
todos os inusitados e imprevistos que a vida pode suscitar. A dinâmica que rege o AT seria
assim a de uma ausência de um padrão preestabelecido, uma flexibilidade radical
(CARVALHO, 2004). O AT não é, portanto, um trabalho de solução de problemas, tampouco
uma prática adaptacionista aos modos de funcionamento da cidade, das famílias ou dos
serviços de saúde. Ao contrário, produz intervenções, mas não no sentido de assegurar a
manutenção e/ou o reforço dos territórios já constituídos, reestabelecendo alguma ordem de
conexão com os movimentos do invisível e com os fluxos que ainda não se atualizaram
(BENEVIDES DE BARROS, 1994). O AT produz problematizações, desestabilizando as
formas, pondo-se como mediação, como intercessor, na medida em que toma a própria cidade
como espaço de conflitos e de negociação, de dissensos e de lutas (PALOMBINI, 2007).
Assim, o AT é um dispositivo que se monta sempre no limite das instituições, numa
zona limite, funcionando muitas vezes como articulador, mas também desestabilizador das
128
relações cristalizadas presentes nas famílias e também na rede dos serviços de saúde. Na
medida em que funciona como um dispositivo que opera numa função limiar, o AT produz
como efeito a desestabilização das oposições sujeito/objeto, clínica e política, rompendo com
a lógica dicotômica. E é justamente no limiar, na fronteira das instituições que se dá o
aquecimento das redes. Apostamos nessa função limiar ou de fronteira exercida pelo at no
tratamento, no sentido de um “entre” que não estabelece um limite entre exterior-interior, um
“entre” que não mantém a dicotomia sujeito-objeto.
Ainda que o AT opere radicalizando a deslocalização na clínica, fazendo com que de
fato se construa uma rede de cuidados, paradoxalmente, o acompanhante terapêutico é muitas
vezes tido como a referência dessa rede. No que diz respeito às famílias110, elas costumam
experimentar a entrada do at de forma contraditória: “por um lado o acompanhante é recebido
como quem vai ajudá-los a minimizar o sofrimento, por outro, ele é sentido, em muitas
ocasiões, como ameaçador ou intruso, já que sua mera presença alardeia o lugar de
dependência e cristalização da dinâmica familiar” (MARINHO, 2006, p. 133). Cerqueira
(2006) destaca que a família normalmente projeta no AT expectativas de desempenho nos
papéis nos quais ela experimenta dificuldades, buscando no at um ponto de apoio para suas
angústias. Segundo a autora, a família geralmente percebe gradativamente a necessidade do
trabalho, o que não a impede de apresentar manifestações mais ou menos veladas de ciúmes,
inveja, raiva, boicotes e outras. O at torna-se então uma referência e um suporte não apenas
para aquele a quem acompanha, mas também para a família que, em geral, apresenta-se
cansada e/ou desesperançada quando lança mão da estratégia do acompanhamento. Dessa
forma, na medida em que compartilha com a família os projetos e responsabilidades quanto ao
tratamento, o at intervém na dinâmica de funcionamento da mesma.
O mesmo acontece algumas vezes na entrada do at para uma equipe de saúde, quando
este é colocado numa posição de referência da/na própria rede de tratamento. Tal referência
fica localizada no at para permitir que o cuidado circule e que a própria função da qual ele se
ocupa possa ser uma função da rede. Talvez nesse ponto a idéia de deslocalização, que
apresentamos acima, ganhe uma melhor consistência. O AT permite que a função do cuidado
seja deslocalizada e multiplicada por diferentes pontos que constituem uma rede, tornando
múltiplas as referências.
Nessa estranha posição de referência, é também desnaturalizada a separação, muitas
vezes presente no campo da Reforma, principalmente nos Caps e Residenciais Terapêuticos,
110
Na rede privada, as demandas de AT vêm principalmente das famílias dos acompanhados.
129
entre técnico de referência e terapeuta, entre atenção psicossocial e clínica. Essa falsa
separação faz com que a primeira fique relegada a um lugar subalterno, de complementação
da função clínica, cuja propriedade supõe-se então detida apenas por alguns iniciados
(SANTOS, 2003). O AT faz coincidir tais termos, desenredando-se dessa querela.
O at é também, muitas vezes, um mediador das conexões possíveis de se (re) fazer
entre o acompanhado, a família, outros serviços ou pontos da rede de tratamento nas quais ele
se insere, e a cidade. Um mediador entre o acompanhado e o mundo, transitando pelas ruas da
cidade e sendo o fio que às vezes liga a rede terapêutica (BELTRÃO, 2006; RIBEIRO, 2006;
AGUIAR JÚNIOR, 2006; MARINHO, 2006). Freqüentemente é o acompanhante quem
media a comunicação entre os profissionais que compõem a rede de tratamento, funcionando
como um articulador. Muitas vezes o projeto clínico de AT é construir uma rede de
profissionais (que não existe ou que precisa ser modificada) que opere de modo singular com
cada acompanhado (HERMANN, 2005).
111
Leal (2002) nos dá uma pista bem importante quando fala do risco dos Caps e seus profissionais serem
tomados como heróis salvadores da pátria perante aos usuários vitimizados: [...] no afã de defender os loucos
fomos capturados por uma tendência de vitimizá-los. Há, nessa atitude, uma potência perigosa. Sob essa
perspectiva, a direção das nossas ações segue num rumo que parece contrariar nosso projeto. Por quê? Porque a
vitimização é uma forma de ver o paciente psiquiátrico que tanto o aprisiona no lugar de objeto, como elimina,
ignora e abole totalmente de vida o contexto e a própria história do paciente (Idem, p. 148).
130
quando encontramos sempre as mesmas saídas ou quando não conseguimos mais inventar
novas perguntas” (Idem, p.203).
Tal risco de cronificação se apresenta também quando um serviço ou mesmo a rede de
tratamento “amarra” o usuário/acompanhado em uma circulação viciosa, acreditando ser o
que garante a sobrevivência dele. Vemos isso acontecer, algumas vezes, quando os terapeutas
criam uma rede que “enreda”, isto é que não permite criar saídas sequer para fora de seus
serviços/consultórios, quiçá para fora de uma lógica manicomial. A rede que se estabelece
nesses casos, se é que podemos chamá-la assim, é a rede protetora que captura. Se não há a
construção de uma rede de fato descentralizada, com múltiplas possibilidades de conexão, a
noção de rede precisa ser argüida, pois o que passa a funcionar é menos uma rede e mais um
conjunto de pontos ligados frágil e burocraticamente (Idem).
O AT, além de ser uma das linhas da rede, constitui-se numa operação em rede,
implicada na desconstrução das cronicidades e na desinstitucionalização da clínica. Com isso
queremos dizer que, além de ser uma das linhas entre as redes sociais, as redes de serviços ou
as redes intersetoriais, o AT também opera transversalizando tais redes. Nessa operação dá-se
a constituição de uma rede entendida como plano do coletivo, de modo que a rede coincide
com a dimensão pública da clínica. Acompanhar então é operar em rede.
fenomênica do AT, mas não acontecem de modo aleatório e sim guiadas por uma proposta
terapêutica que procura articular o acompanhado em seu espaço social, reconstruindo e
reelaborando seu cotidiano (PITIÁ, 2005). Não são descoladas dos fluxos da vida, das
passagens do desejo, e do que obstaculiza tais passagens. Trata-se de ressaltar o caráter de
movimento que há na experiência da clínica que o AT evidencia.
O dispositivo AT, portanto, ganha sentido nos seus movimentos, sendo estes: de
perambular pela cidade, que aparece como marca desse trabalho; de produção de
subjetividades; de ruptura das instituições; do Movimento Sanitário; e do Movimento da
Reforma Psiquiátrica. Em suma, contextos nos quais o AT se insere. Assim, ele vai ganhando
sentidos e tensionando esses contextos, a partir de uma postura transdisciplinar, forçando o
necessário trânsito de saberes. Ele vai colocando em análise o próprio Movimento da Reforma
Psiquiátrica brasileira, mostrando que ela não produz superação, mas sim embates, lutas, num
processo de contínua transformação. Ele coloca em evidência que a Reforma, “longe de
reduzir-se a bandeiras ideológicas, traz para a clínica uma exacerbação de complexidade”
(LANCETTI, 2006b, p. 51).
Sabemos que uma simples mudança de modelo pode produzir também efeitos de
homogeneização e normativização, sendo necessário, portanto, manter-nos em movimento,
“sustentando uma atuação ético-política que recusa a reprodução, favorecendo a produção
inventiva de novas práticas de atuação e novos processos de subjetivação” (FERREIRA
NETO, 2006, p. 77).
Como vimos em nosso primeiro capítulo, no processo de Reforma brasileira, foram
sendo criados alguns serviços substitutivos, entre eles os Caps, entendidos como dispositivos
provisórios, que funcionam como eixo de todo o sistema de saúde mental. Apesar de
funcionarem como referência, a proposta é que grande parte do trabalho aconteça fora deles,
ampliando as conexões com outros equipamentos e recursos comunitários. “Diferentemente
do manicômio que condensa toda a vida – ali se trata, se come, se dorme, se vive –, os centros
de saúde mental devem ser pontos de acoplamento ao cotidiano da cidade, ampliando a
permeabilidade entre dentro e fora” (SANTOS, 2003, p. 152). O “Fora” entendido não apenas
no sentido espacial (fora da casa, do manicômio, do Caps, etc), mas principalmente em seu
sentido temporal112 (fora da lógica manicomial) (BENEVIDES DE BARROS, 2003).
Entretanto, na prática, um dos grandes obstáculos dos novos dispositivos é a centralização em
si e a pouca abertura para o território, o que inclui uma escassa e por vezes precária relação
112
No que diz respeito ao Fora, o tempo impõe seu primado ao espaço (DELEUZE, 2005).
132
com os demais serviços da rede de saúde, com associações comunitárias e com a população
em seu território de vida.
Tomando a relação do AT com os Caps como exemplo, no contexto de uma crescente
e por vezes “esmagadora” demanda de atendimentos para os serviços da rede pública, os
acompanhantes terapêuticos geralmente acompanham poucos, pois costumam ter como
referência o trabalho com dois ou três usuários. A aposta em um trabalho intensivo e não
extensivo com os usuários produz um dos primeiros tensionamentos gerados pela entrada de
acompanhantes em um serviço, pois o acompanhamento de poucos muitas vezes é vivido
como um problema pelas equipes que já estão quase sempre esgotadas em suas possibilidades
de atenção. O AT incide, então, institucionalmente, desestabilizando as organizações internas
dos serviços de saúde, produzindo uma tensão entre a máxima extensão dos atendimentos
oferecidos à intensidade máxima sobre um único acompanhamento (PALOMBINI, 2004).
Além disso, ele provoca a definição de critérios para escolha dos usuários a serem
acompanhados.
De modo geral, a partir de nossa experiência, temos percebido que os critérios de
indicação para AT referem-se a dificuldades de circulação dos usuários, tendo como direção
vinculá-los aos serviços, ao trabalho e à escola. A função do AT é possibilitar uma circulação
de modo que o serviço se constitua como uma referência para os usuários, mas não de forma
totalizante como aquela produzida pelos manicômios. Tal circulação se faz tanto dentro
quanto fora dos serviços, construindo e re-significando laços afetivos.
O aumento de usuários tem sido uma realidade dos Caps e com isso cria-se uma tensão
no modo como podem ser construídos os projetos terapêuticos, de forma que os usuários não
venham a “depender” dos Caps, nem os profissionais venham a “se fechar” nos serviços como
num “tipo de captura do paciente pela instituição: a porta fecha-se para dentro” (SERENO,
1997, p. 58). Nesse contexto, o Acompanhamento Terapêutico insere-se na rede de serviços
de saúde mental, principalmente nos Caps e nos residenciais terapêuticos, tendo como direção
o trabalho nos territórios em que vivem seus acompanhados e tal postura reverbera de muitas
formas nas práticas desses serviços. O AT é um importante dispositivo para fazer funcionar os
fluxos de entrada e de saída dos serviços. Opera no sentido de garantir que os usuários
freqüentem o serviço e/ou modifiquem sua relação com ele. Isto de modo que diminuam o
número de internações em hospitais e promovam outros sentidos para além da doença mental
em seu cotidiano, sustentando projetos de vida fora do Caps.
Os ats trabalham “ao mesmo tempo, dentro e fora das unidades de saúde, no território
geográfico e no território existencial, no domicílio e no serviço” (LANCETTI, 2006b, p. 51).
133
113
Benevides de Barros (2003) destaca três ordens de cronicidade para as quais precisamos atentar: a “nova”
cronicidade dos usuários, vivida agora nos Caps; a cronicidade nos modos de gestão, dos dispositivos e dos
profissionais; e a cronicidade produzida pela inexistência ou fragilidade da rede de atenção em saúde, em
especial em saúde mental.
134
Quando o at insere-se numa equipe de saúde, como acontece nos estágios a partir de
parcerias entre a universidade e a rede pública de serviços, são muitas as questões que se
colocam, entre elas: o at é um “apêndice” da equipe? Ele é da equipe ou não? Tais questões
dizem da posição estrangeira e limítrofe do at e acabam constituindo-se como falsas questões.
Mais importante do que saber se o at deve ou não fazer parte de uma equipe constituída a
priori, é a possibilidade que, em parceria com a equipe, possa ser produzida uma rede
descentralizada, produtora de multiplicidades, produtora de participação coletiva e de espaços
de co-gestão.
Aqui a função analisadora retorna numa outra oitava e o AT apresenta-se como
analisador do Movimento da Reforma, pois, em que pese os serviços serem substitutivos,
incluem pouco uma desinstitucionalização da própria clínica. Os acompanhantes terapêuticos
evidenciam a necessidade dos serviços vincularem-se aos usuários nos seus territórios,
construindo uma rede de cuidados. Incluindo assim, novos atores sociais e ações
intersetoriais, o AT coloca em evidência a importância dos serviços não se tornarem
especializados - condição sem a qual não escapam de (re) psiquiatrizar a demanda. A
circulação em rede resiste ao centripetismo do poder que produz nos dispositivos substitutivos
ao manicômio um novo dentro absolutizado. O AT exerce, então, uma função de resistência à
lógica centrípeta, dando visibilidade à dimensão de movimento como resistência.
Guattari e Rolnik (1996) nos advertem para o fato de que o CMI (Capitalismo
Mundial Integrado, modo como designam o capitalismo contemporâneo) colonizou o planeta
e tende a incluir toda e qualquer atividade humana, todo e qualquer setor da produção sob seu
controle, realizando seu projeto ininterrupto de anexação e de equivalência. É deste modo que
o mesmo investe na homogeneização dos modos de produção e nos modos de controle social
(PASSOS E BENEVIDES DE BARROS, 2004), mostrando que sua inventividade é
mercantilizar diferenças e originalidades, isto é, transformar o não capital em capital e incluir
aí maneiras de ser, de fazer, de ter prazer, de ter atitudes (PELBART, 2003):
Pelbart, comentando sobre o livro de Luc Boltanski e Ève Chiapello, Lê nouvel esprit
du capitalisme, apresenta o que definiu como algumas teses gerais que atravessam tal livro.
Uma delas é a de que o capitalismo retomou muitos aspectos das críticas formuladas contra
ele nos anos 60-70 e incorporou ao seu sistema as reivindicações por mais autonomia, por
autenticidade, por criatividade, liberdade e até mesmo as críticas à rigidez da hierarquia, da
burocracia, da alienação nas relações e no trabalho. Segundo esses autores, tais críticas
radicais ao capitalismo agora são postas a trabalhar em favor daquilo mesmo que criticavam,
tendo sido tornadas as novas normatividades, atualmente presentes nos manuais de
management114 utilizados pelos executivos. Pelbart nos conta que os manuais que os autores
consultaram insistem, não por acaso, na palavra conexão, demonstrando a ironia desse
capitalismo em rede, conexionista, rizomático, pois a lógica rizomática formulada por
Deleuze e Guattari.
Passos e Benevides de Barros (2004) nos ajudam a entender que as redes comportam
um funcionamento quente e um funcionamento frio. A globalização neo-liberal opera por
conexão, mas produzindo redes frias, produtoras de homogeneização, pois sua lógica é a do
capital enquanto equivalente universal. Tais redes produzem o que Pelbart (2000) nomeou de
um pseudo-movimento, como apresentamos no vetor Cidade. As redes quentes, por sua vez,
possibilitam a passagem das intensidades e conexões geradoras de efeitos de diferenciação,
pois são produtoras de novas formas de existência a partir de experiências públicas e
coletivas. As redes quentes reconquistam, então, o nomadismo existencial, destacando-se do
falso nomadismo que fixa no mesmo lugar.
A operação em rede feita pelo AT se expressa então em certas formas, mas sua
potência deve-se ao funcionamento em redes quentes. Essas sim, produtoras da diferença, de
cooperação e autonomia. O nomadismo que ele opera não se dá numa circulação apenas entre
espaços, mas também é temporal. Nesse sentido, desloca-se também o que poderíamos supor
137
ser o lugar do at: “de habitante do espaço fronteiriço entre o interior das instituições e seu
exterior, a cidade, ele se transformou em habitante do tempo” (ROLNIK, 1997, p. 94).
“Se a relação com ‘a doença’ tem sempre como referência um hospital, ambulatório
etc..., a relação de desinstitucionalização requer relação com o território” (ROTELLI,
LEONARDIS e MAURI, 2001, 47). A clínica no território ganha imensa materialidade,
fazendo aparecer uma dimensão encarnada da experiência. Quando o acompanhado morador
do manicômio fala do desejo em preparar uma lasanha, como quando morava na sua casa,
trata-se objetivamente de ir com ele ao supermercado, decidindo e escolhendo juntos os
ingredientes e a receita, e preparar a lasanha. Quando fica chateado por não saber se deveria
ter-nos oferecido café na sua casa, é com uma xícara na mão e com o gosto do café na boca
que essa discussão se faz; quando passa horas assistindo televisão em seu quarto fechado, é lá,
sentados na cama do acompanhado assistindo televisão que estaremos. Quando o
acompanhado sofre com suas dificuldades em sair do banheiro ao fazer cocô, é na porta do
banheiro que nos encontramos. Quando gasta compulsivamente, é nas ruas, entre camelôs ou
lojas de shopping que o acompanhamos. A matéria de intervenção no AT, portanto, é
diferente daquela da clínica do consultório, pois o território impõe outros agenciamentos
concretos.
Assim, se o acompanhante terapêutico inicia seu trabalho muitas vezes na casa dos
acompanhados, nos serviços da rede e até nos hospitais psiquiátricos, não se restringe ao
espaço dos equipamentos de saúde. O at busca a construção de uma rede, que muitas vezes
inclui os serviços de saúde, mas não se limita a eles. Ele busca agenciamentos na comunidade
em que o acompanhado se insere (com mães, pais, filhos, vizinhos, amigos, donos de bar,
igrejas, com grupos de trabalho, e com outros inusitados), apostando na construção de uma
rede afetiva capaz de sustentar a produção de novos territórios existenciais.
O conceito de território “coloca em evidência a materialidade do suporte, o espaço
físico tão caro a nós ats, que sempre afirmamos nossa maior potência no fato de estarmos in
loco, no local, na casa, na rua, no cinema, na cena do paciente” (SERENO, 2006, p. 170).
Entretanto, ele “não se reduz a uma área física com características estáticas nem equivale à
idéia de comunidade como totalidade homogênea e sem conflitos (...) o território é, antes,
lugar de vida, possuindo um caráter processual” (PALOMBINI, 2007, p. 121). Ou seja, ele
pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema percebido no seio do qual um
sujeito se sente “em casa” (GUATTARI E ROLNIK, 1986).
Vimos, em nossa caixa de ferramentas, que todo território é formado por linhas e é
função do AT acompanhar e investir nas linhas que vão se construindo para que elas ganhem
138
Ou seja, será importante enunciar uma regra de prudência: cuidar para que o
AT não se transforme num especialista da sociabilidade e da inclusão.
Melhor que a formação do AT (e a de todos operadores da saúde mental)
seja sempre a de uma contra-especialização (Idem, p. 120-121).
O tema da inclusão merece ser apreendido cuidadosamente, pois ele tem sido pensado
em uma perspectiva teórico-política molar, quando na verdade, no contexto das políticas
neoliberais globalizantes, a operação de exclusão por inclusão é praticada com maior
“eficiência” (BENEVIDES DE BARROS, 2003). Se pensarmos a exclusão como algo em si,
como essência ou algo natural, estaremos negando sua construção histórico-político-
econômica. Castel (s/d) questiona o termo exclusão e propõe pensarmos em termos de
processo daquilo que ele chamou de desfiliação, isto é, a insuficiência dos recursos materiais
e a fragilidade do tecido relacional produzem nas populações uma ruptura com o vínculo
social. Segundo esse autor, os processos de precarização econômica tornam-se privação, e os
processos de fragilização relacional, isolamento. Na conjunção da precariedade do trabalho e
da fragilidade do vínculo social surge a vulnerabilidade. Partindo da lógica da exclusão, nosso
intuito será sempre o de incluir algo. A inclusão como normalização/normatação não é o que
propomos com o AT. No que diz respeito à saúde mental cabe nos perguntarmos em que
mundo queremos inserir os acompanhados.
Quando afirmamos que o AT opera a inclusão, não a consideramos, portanto, em
oposição à exclusão, nem no sentido da inclusão operada pelo capitalismo. A inclusão a qual
nos referimos diz de uma aposta num reinventar-se a partir da construção da autonomia dos
acompanhados. Esta autonomia não é entendida num sentido absoluto, como auto-suficiência
ou independência, mas como um aumento da potência contratual, como “a capacidade do
indivíduo para gerar normas, ordens para sua vida, conforme as diversas situações que
enfrente” (KINOSHITA, 1996, p. 57). Se a tutela tem por objetivo a subtração das trocas, de
modo a estabelecer relações de dependência pessoal (ROTELLI, 2001), a autonomia é
possibilidade de criação de novos códigos e regras relacionais (relações de convivência). Ela é
a capacidade de criação de regras com o outro; de exercer protagonismo, ser co-responsável
pela produção de si e do mundo em que vivem. Quanto mais vínculos e maior as redes de
relações que estabelece, maior sua autonomia.
A relação que se estabelece a partir do AT deixa então de ser de interdição e tutela e
passa a ser de criação de espaços de interlocução, viabilizando o exercício do diálogo e da
pactuação de diferenças. Os agenciamentos que se fazem nos territórios existenciais
produzem autonomia e co-responsabilidade, de modo que os próprios acompanhados
assumem o protagonismo no processo de produção de sua própria saúde. Há, deste modo, um
142
Segundo Hardt e Negri (2005), do ponto de vista social, há uma tendência atual a
tornar tudo público, e portanto, suscetível de vigilância e controle por parte do governo. Do
ponto de vista econômico, há uma tendência a tornar tudo privado e sujeito aos direitos de
propriedade. “Considera-se então que o ‘privado’ abarca os direitos e liberdades dos sujeitos
sociais e também os direitos da propriedade privada, confundindo a distinção entre os dois”
(Idem, p. 265). Disso resulta um entendimento de que os interesses, os desejos e até a alma
são como que “propriedades” do indivíduo, reduzindo todas as facetas da subjetividade à
realidade econômica. “O conceito de ‘privado’ pode assim carregar todas as nossas ‘posses’,
tanto subjetivas quanto materiais” (Idem, idem).
O conceito de “público” também tende a tornar indistinta uma importante diferença
entre o controle do Estado e aquilo que está submetido a posse e gestão comuns. Podemos
assim distinguir a função pública atrelada às funções reguladoras do Estado daquelas atrelada
aos processos coletivos, ao comum. Note-se que:
115
Os autores fazem ressalva de que isso não significa que todas as práticas sejam aceitáveis, e sim que as
decisões que determinam os direitos legais são tomadas no processo de comunicação e colaboração entre
singularidades. O comum pode assim ser construído politicamente em nosso mundo contemporâneo.
116
A produção biopolítica a que os autores se referem diz não apenas da produção de bens materiais em sentido
estritamente econômico, mas também a todas as formas de trabalho que criam projetos imateriais, como idéias,
imagens, afetos e relações.
144
Pode-se dizer, simplificando muito, que a globalização tem duas faces. Numa
delas o Império dissemina em caráter global sua rede de hierarquias e divisões
que mantém a ordem através de novos mecanismos de controle e permanente
conflito. A globalização, contudo, também é a criação de novos circuitos de
cooperação e colaboração que se alargam pelas noções continentes, facultando
uma quantidade infinita de encontros. Esta segunda face da globalização não
quer dizer que todos no mundo se tornem iguais; o que ela proporciona é a
possibilidade de que, mesmo nos mantendo diferentes, descubramos os pontos
comuns que permitam que nos comuniquemos uns com os outros para que
possamos agir conjuntamente. Também a multidão pode ser encarada como
uma rede: uma rede aberta e em expansão na qual todas as diferenças podem
ser expressas livre e igualitariamente, uma rede que proporciona os meios da
convergência para que possamos trabalhar e viver em comum (Idem, p. 12,
grifos nossos).
117
Segundo os autores, as correntes centrais da esquerda européia demonstravam uma nostalgia por formas
sociais e comunidades tradicionais a partir da repetição estéril de ritos comunitários desgastados. Os corpos
sociais que sustentavam as práticas comunitárias que faziam parte da esquerda já não se fazem mais presentes,
porque esta faltando o povo. E mesmo quando se manifesta algo parecido com o povo no cenário social tanto dos
Estados Unidos, quanto da Europa e ainda de outras partes dom mundo, é visto pelos líderes da esquerda
institucional como algo deformado e ameaçador. O movimento gay ou ainda as manifestações da globalização
em Seattle e Gênova são considerados incompreensíveis e ameaçadores e por isso monstruosos. Ainda assim, os
autores fazem a ressalva de que nem todos os monstros são iguais e diferenciam, por exemplo, a al-Qaeda, que
“ataca o corpo político global para ressuscitar velhos corpos sociais e políticos regionais sob o controle da
autoridade religiosa” (p. 282-283), das lutas globais que desafiam o corpo político global para criarem um
mundo mais livre e democrático (no sentido de um mundo governado por todos e para todos, uma democracia
sem adjetivos, sem “se”, nem “mas”).
145
dos coletivos. Saúde pública, saúde coletiva. Saúde de cada sujeito, saúde da população”
(Idem, p. 320).
Essa discussão nos remete inevitavelmente às funções que o Estado ocupa e como este
entende a saúde: como direito (Estado garantidor do direito humano inalienável à saúde,
saúde como valor de uso, como bem público, para qualquer um) ou como mercadoria (Estado
como regulador dos bens e fluxos, saúde como valor de troca). Funções estas que implicam
em distintos posicionamentos políticos.
Há, portanto, uma inseparabilidade entre os dois campos, o da rede privada e o da rede
pública (política de Estado e de governo). Os valores com relação aos quais a produção da
saúde deve ser interrogada são os valores de uso, não os de troca (CAMPOS APUD
ONOCKO CAMPOS, 2003). Segundo Benevides de Barros (2002), o pensamento liberal, a
difusão das idéias iluministas e do movimento romântico produziram o indivíduo como objeto
fundamental das preocupações dos séculos XVII e XVIII. O Estado passou a colocar-se como
guardião dos direitos do cidadão e a escola, a infância e a família passaram a ser objetos de
interesse da medicina “que se volta para o bem-estar e a higiene de cada indivíduo e da
população. (...) Aí é a vertente do poder disciplinar, como bem nos alertou Foucault (1977),
que se expressa fixando, imobilizando, regulamentando os anseios e movimentos dos – agora
– cidadãos” (BENEVIDES DE BARROS, 2002, p. 123-124).
Segundo a autora, a partir da instalação do Estado representativo moderno, há a
produção da individualização e da totalização que terminam por produzir uma “oposição
sistemática, mas complementar, entre indivíduo e sociedade” (Idem, p. 124). A oposição
indivíduo-social é, portanto, historicamente produzida e “tem estado presente (...) na
objetivação das práticas psi que teimam em querer se colocar num ou outro lado da querela”
(Idem, p.125). Política e desejo também são colocados como termos que se excluem, de tal
forma que suas economias (da política e do desejo) passam a se opor. A manutenção da
147
oposição das economias serve para a perpetuação de territórios duros, impermeáveis ao devir,
à alteridade, à diferença.
Percebemos assim, dois movimentos correlatos de privatização: dos serviços públicos
e da vida. O primeiro diz respeito a uma tendência da saúde como direito ser continuamente
ameaçada pelo contexto de Estado mínimo, que atende à demanda crescente de racionalização
de despesas atreladas ao imperativo econômico em escala mundial e a concebe como
mercadoria. Nesse movimento, a saúde vai, aos poucos, deixando de ser função do Estado. O
segundo diz de uma tendência à produção de uma vida cada vez mais individualizada, isolada
e solitária, com cada vez menos possibilidades de circulação.
Como mostramos em nosso primeiro capítulo, vivenciamos intensamente nos últimos
pelo menos 40 anos no Brasil, a privatização dos modos de viver e sentir, principalmente na
década de 70 – período em que se consolidou uma visão intimista da sociedade,
principalmente na classe média, engajada em consumir e “subir na vida”. Essa privatização
vem fazendo com que as pessoas pensem que não devem “se meter em política”, de modo que
a vida se vê separada da política. Tal movimento produz uma separação também entre a
clínica e a política, de modo que assistimos, algumas vezes, tal cisão ser atualizada no próprio
campo da Reforma, por exemplo, quando se propõe que caberia à clínica debruçar-se sobre o
sujeito do desejo e caberia à política intervir nos aspectos sociais dos usuários, ampliando
suas redes de suporte social e/ou reestabelecendo sua cidadania (SANTOS, 2003).
Para Batista (1999) a economia, excluída de sua dimensão política, adere a um forte
aliado: o discurso psicológico que reforça a dicotomia entre público e privado como espaços
antagônicos, produzindo a intimização da vida a partir de interiores que se expressam em
solitários e herméticos inconscientes ou personalidades, tornando a vida privada uma
conquista individual à margem da história. A vida perde movimento, força política, e o capital
se multiplica, permitindo apenas a luta pela busca de um voraz preenchimento de faltas ou
vazios marcados por uma incompletude original que necessitará de saciamentos e de
sublimações. A produção dessa falta triste requer tutela, ensimesmamento e inércia e encontra
eficácia não só no espaço fabril ou doméstico, mas nos textos acadêmicos, nas práticas
clínicas, nas análises psicanalíticas e nas formações psi em geral, travestido de humanismo
potencializado nos olhares e escutas dos profissionais do intimismo.
O coletivo, aqui, bem entendido, não pode ser reduzido a uma soma de
indivíduos ou ao resultado de um contrato que os indivíduos fazem entre si.
Coletivo diz respeito a este plano de produção, composto de elementos
heteróclitos e que experimenta, todo o tempo, a diferenciação. Coletivo é
multidão, composição potencialmente ilimitada de seres tomados na
proliferação das forças. No plano de produção, plano coletivo das forças,
lidamos com o que é de ninguém, ou, poderíamos dizer, com o que é da ordem
do impessoal. No coletivo não há, portanto, propriedade particular,
pessoalidades, nada que seja privado, já que todas as forças estão disponíveis
para serem experimentadas. É aí que entendemos se dar a experiência da
clínica: experimentação no plano coletivo, experimentação pública (PASSOS
E BENEVIDES DE BARROS, 2004, p. 168).
plano pulsional, sem formas, pura força, plano coletivo, público, em que todas as forças estão
disponíveis para serem experimentadas que se dá a experiência da clínica. A clínica é
entendida como pública e coletiva, porque implicada com a forma coletiva de produção de
subjetividade. A dimensão do público ou do coletivo é a própria dimensão das redes no
contemporâneo. Ela se faz numa operação de desestabilização das propriedades, do próprio,
das essências e das identidades, num processo de criação de si e do mundo, como resistência
às formas de assujeitamento (MOURÃO ET AL, 2002). Revela-se então, inseparável do
campo social, da história, da política, da ética, da estética, tornando-se mais do que nunca
desprivatizante, menos íntima e mais estranha (RAUTER ET AL, 1996).
O AT resiste aos movimentos de privatização tanto dos serviços, quanto das práticas
em saúde mental. Resiste à privatização e intimização das vidas, produzindo aberturas e
passagens aos fluxos da vida, para a produção de uma clínica pública.
Colocado no tempo e nos fluxos, o AT opera contra fluxos aos “movimentos-
paralisantes-homogeneizantes” do capitalismo contemporâneo, produzindo movimentos e
conexões de forças que intensificam a vida em seu caráter afirmativo e criativo.
150
CONSIDERAÇÕES FINAIS
118
Professores Eduardo Passos, Heliana Conde e Analice Palombini.
119
Professor Eduardo Passos e aluna Selma do Rosário.
151
Essas relações que se estabelecem entre os vetores (linhas) que compõem o plano de
experimentação clínica do AT, portanto, foram nos fazendo perceber algumas funções que
dispositivo AT atualiza.
A condição minoritária do trabalho do AT, sustentada na proposta de um trabalho no
território, sem uma rígida sistematização teórica e sem um contorno identitário vem sendo
confundida com uma condição de menoridade. Tal condição diz de uma atitude que se
diferencia daquilo que na clínica é um padrão majoritário e que radicaliza uma aposta na
intercessão entre diferentes saberes (função micropolítica: devir minoritário). Por constituir-
se como um dispositivo híbrido, operando no trânsito entre diferentes disciplinas, o AT não
tem seus contornos delimitados, não podendo ser reduzido a um saber, seja ele médico,
psicológico, psicanalítico, filosófico ou qualquer outro. Apresenta-se operando um
movimento transversal na clínica, desestabilizando os limites identitários e colocando em
questão a própria noção de disciplina (função de transversalização).
Além disso, também podemos ressaltar que o AT insere-se no contexto das trocas
sociais estabelecidas com a cidade, a partir dos elementos próprios à vida cotidiana dos
acompanhados. Sendo assim, ele desloca a clínica do consultório, seu território por excelência
e “invade” outros territórios, desterritorializando e equivocando-a naquilo que nela comparece
como instituído. Na medida em que toma a cidade como campo de experimentação, tensiona
constantemente a clínica em seus limites, evidenciando que ela se dá no limiar da própria
experiência. O AT coloca em questão “aquele que sabe” sobre o sofrimento do outro, pois as
intervenções não partem apenas do acompanhante, mas da rede (função deslocalizadora e
analisadora da clínica).
Conectando-se com os fluxos da cidade, o AT tece redes de cuidado produtoras de
saúde, constituindo-se numa clínica rizomática, com contornos mínimos, operada nos
percursos e nos encontros que a cidade produz. Apresenta-se, então, como uma operação em
rede implicada na desconstrução das cronicidades. Diferente do funcionamento do capitalismo
que produz redes frias, produtoras de homogeneização, opera um funcionamento das redes
quentes, produtoras de diferenciação, de novas formas de existência, através de experiências
sempre públicas e coletivas (função rizomática ou limiar).
Como efeito da conjugação com a noção de território vemos a ampliação da própria
clínica e a produção de outros modos de habitar a cidade. O AT problematiza então, a um só
tempo, a doença mental e sua relação com os espaços urbanos. A circulação e a operação em
rede configuram-se, assim, como resistência aos modelos centrípetos de poder, colocando em
evidência a importância da desinstitucionalização da clínica no próprio Movimento da
153
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Paulo: Hucitec, 2006, p. 109-122.
ANEXOS
170
Olá! Eu estou entrando em contato com vocês através de X (se havia alguém
conhecido). Eu sou estudante do mestrado de Psicologia da Universidade Federal Fluminense
e orientanda da professora Regina Benevides (UFF e Grupo Tortura Nunca Mais/RJ) num
projeto de pesquisa sobre o Acompanhamento Terapêutico e as conseqüências micropolíticas
da prática do AT como modalidade clínica na rede pública de saúde.
Numa interlocução com a ética e com a política, minha pesquisa propõe-se a pensar
um enfrentamento clínico-político do que está posto na conjunção atual da saúde mental no
contemporâneo, através de uma atitude clínico-ético-política. Entretanto, ainda são poucos os
escritos sobre o AT no Brasil e pouco nosso acesso ao que vem sendo produzido sobre esse
tema na América Latina.
A Reforma Psiquiátrica Brasileira, implementada, a partir dos anos 90, impulsionou a
criação de uma série de dispositivos e serviços substitutivos ao manicômio, num movimento
de desinstitucionalização e desmonte da lógica manicomial através de um processo crítico do
tratamento da loucura. Os serviços substitutivos de saúde mental surgem do entendimento da
necessidade da construção de uma assistência não mais centrada na doença, mas na atenção
integral à saúde.
Algumas estratégias clínico-políticas foram implementadas e, entre elas a do
Acompanhamento Terapêutico (AT), tomado como uma tecnologia da saúde e, portanto, das
políticas em saúde/saúde mental. O AT configura-se como uma clínica pública e vem
problematizar a produção de subjetividades privatizadas, restritas ao domínio psicopatológico
que as define e as constitui. O AT surge como uma possibilidade de clínica na
contemporaneidade, que se insere no contexto das trocas sociais estabelecidas com a cidade,
pois o setting terapêutico se configura a partir dos elementos próprios à vida cotidiana dos
usuários dos serviços de saúde mental.
Entendendo que única possibilidade de enfrentar a doença mental ou a loucura seria
eliminar o manicômio e encontrar agentes revolucionários que desejam mudar nossa
existência, esta pesquisa pretende fazer-criar rede com pessoas e instituições implicadas com
a criação de si e do mundo, como resistência às formas de assujeitamento produzidas pelo
contemporâneo.
Entretanto, ainda são poucos os escritos sobre o tema e temos pouco acesso ao que
vem sendo produzido e experimentado neste campo. Gostaria, então, de solicitar dos senhores
contatos com instituições e pessoas que trabalham no campo da saúde mental que possam
171
Buenos dias.
Mi nombre es Laura Benavides, soy estudiante de la Maestría en Psicología de la UFF
(Universidade Federal Fluminense) Desarrollo un proyecto de investigación en el que intento
estudiar las consecuencias micro-políticas de la práctica del Acompañamiento terapéutico
(AT) como uma modalidad clínica dentro de la red de salud pública, com orientación de la
Profª. Drª. Regina Benavides (UFF e Grupo Tortura Nunca Mais/RJ). Estoy entrando en
contacto con ustedes a través de X.
La Reforma Psiquiátrica Brasileira, implementada a partir de los años 90, impulsó la
creación de una serie de dispositivos y servicios que funcionan como sustitutos del
manicomio, a través de un movimiento de desinstitucionalización y desmantelamiento da la
lógica manicomial dado en un proceso crítico del tratamiento de la locura y de las garantías de
los Derechos Humanos.
Los servicios sustitutos de salud mental surgen al entender la necesidad de creación
de una asistencia que ya no esté centrada en la enfermedad, sino, en la atención integral de la
salud. Algunas estratégias clínico-políticas fueron implementadas; entre ellas la estratégia del
Acompañamiento terapêutico (AT) considerado como una tecnología de la salud, por ende, de
las políticas de salud- salud mental. El AT se configura como una clínica pública y
problematiza la producción de subjetividades privatizadas, restringidas al domínio de lo
psicopatológico que las define y constituye. Surge como una posibilidad clínica en la
contemporaneidad que se inserta en el contexto de los intercambios sociales con la ciudad
como espacio privilegiado, ya que el setting terapéutico se configura a partir de los elementos
propios de la vida cotidiana de los usuários de los servicios de salud mental.
Entendiendo que la única posibilidad de enfrentar la enfermedad mental o locura sería
la eliminación del manicomio y el encuentro de agentes revolucionários que deseen cambiar
nuestra experiencia, mi proyecto de investigación pretende crear redes con personas e
instituciones comprometidas con la creación de si mismos y del mundo como resistencia a las
formas de asujetameinto producidas en la contemporaneidad.
De esta forma, en una interlocución con la ética y con la política, mi investigación se
propone pensar el enfrentamiento clínico-político de lo que está puesto en la conjunción
actual de la salud mental, especialmente en América Latina, incluyendo Brasil.
Por otro lado, son escasos los textos y escritos sobre el tema del AT y, tenemos poco
acceso a lo que viene siendo producido y experimentado en este campo.
173
Solicito a los señores y señoras algunos contactos con instituciones y personas que
trabajan en el campo de la salud mental y que puedan, eventualmente, estar interesados en
nuestras experiencias, así como, intercambiar información con quienes vienen desarrollando
trabajos de investigación sobre la práctica del AT.
Muchísimas gracias por su atención y espero contacto,
Cordialmente
Laura Benevides
email: laurabenevides@pop.com.br
174
Foram procurados sites específicos sobre tema do AT, sites oficiais do ministério da
saúde do país e quando nenhum desses foi encontrado, procuramos sites oficiais dos governos
dos países da América Latina. A maioria dos endereços de email foi conseguida em pesquisa
através das páginas da Internet, tanto nos sites oficiais dos governos quanto em páginas afins
com nosso tema de pesquisa.
http://www.campodepsicologia.com/cdp156.htm
http://www.concienciaenred.com.ar/quienes.htm
http://www.acasa.com.br/acasa/assinatura.asp
http://www.equipedeat.com.br/oqueeat.html
http://ato_rj.tripod.com.br/
http://www.atuanarede.org.br/projetos/projetos.htm
http://equipeacote.ubbihp.com.br/at/contatos.htm
http://www.equipedeat.hpgvip.ig.com.br/
http://psicoconsultas.com/equipo.htm
http://www.institutoindepa.com.ar/areas/clinica.htm
http://institutocita.com.ar/hoja-de-vida-Juan-Bracamonte.htm
http://www.portaltercera.com.ar/sections.php?op=viewarticle&artid=58
http://www.campodepsicologia.com/liaison/acterap2.htm
http://comunidad.ciudad.com.ar/argentina/capital_federal/ecossi/
http://www.mariadiam.com.ar/
http://www.pa.integrando.org.ar/pa5.htm
http://www.ppba.org.ar/equipos.htm
http://www.psicoway.com.br/evento/indice.htm
175
http://www.psiquisnet.com/servicios.htm
http://redasistencial.tripod.com.ar/Cartilla_4
http://siteat.cjb.net/
http://www.psicomundo.com/
http://www.grupotrama.com.ar/
http://aaterapeuticos.4t.com/asociacion.htm
http://www.tantra.org.ar/texto.htm
http://www.congressoat.org.br/
América Central:
Belize, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá não posuem site
oficial do governo, nem qualquer site relacionado diretamente a AT.
México: www.presidencia.gob.mx
libarra@cnr.gob.mx (Dr. Luis Guillermo Ibarra – Diretor General Del Centro Nacional de
Rehabilitación)
asuareza@salud.gob.mx (Lic. Alberto Abad Suarez Ávila – Dep. De Noramatividad y
Derechos Humanos)
mnakamura@salud.gob.mx (Dr. Miguel Angel Nakamura Lopes – Direción Del Programa de
Atención a la Salud de la Infância)
mmonroy@salud.gob.mx (Cord. Adm. Del Centro Nacional para la Salud de la Infancia e
Adolescencia)
fernandobeltran@salud.gob.mx (Lic. Fernando Beltran Aguirre – Dep. De Atención Integrada
de la Adolescência)
consame@salud.gob.mx (Tr. Maria Virgínia Gonzáles Torres – Séc. Técnica Del Consejo
Nacional de Salud Mental e Tr. Maria Elena Dip Márquez – Direción de Desarrollo de
Modelos de Atención em Salud Mental)
raulb@salud.gob.mx (Lic. Raúl Barrón Belmontes – Cord. Adm. Del Secretariado Técnico
del Consejo Nacional de Salud Mental)
rosa1717@prodigy-net.mx (Dra. Rosa Amélia Juarez González – Subdirección Del Centro
Integral de Salud Mental – CISAME)
176
marspy@todito.com (Dr. Marco Antonio López Butrón – Dir. Del Hospital Psiquiátrico Fray
Bernardino Alvarez)
alfa@salud.gob.mx (Dr. Javier Alfaro Flores – Subdirección Del Centro Com. De Salud
Mental Iztapalapa)
cecosamcuahtemoc@prodigy.net.mx (Dr. César Bañuelos Arzac – Subdireción Del Del
Centro de Salud Mental Cuauhtémoc)
Blanca blfernan@yahoo.com.mx
marc@uaq.mx
América do Sul:
Guiana Francesa, Ilhas Falkland e Suriname não possuem site oficial de governo, nem
qualquer site relacionado diretamente a AT.
Argentina: www.argentina.gov.ar
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Gabriel Pulice nbpulice@intramed.net.ar
Federico Manson federicomanson@hotmail.com
Gustavo Rossi grossi@sinfomed.org.ar
Jorge Pellegrini hospimen@sanluis.gov.ar,
propuestas@fundared.org.ar
congresoat2003@psicomundo.com
familiagraino@yahoo.com.ar
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hospimen@sanluis.gov.ar
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Bolívia: www.bolivia.bo
Brasil: www.saude.gov.br
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