Abate Suinos
Abate Suinos
Abate Suinos
RESUMO INTRODUÇÃO
O objetivo desta revisão de literatura foi descrever A melhoria dos procedimentos pré-abate dos
os procedimentos relacionados ao manejo pré-abate animais destinados ao consumo alimentício assumiu
que permitem um eficiente abate humanitário para importância científica quando foi observada a seriedade
os suínos. O manejo pré-abate é definido como dos eventos que ocorrem desde a propriedade rural até
o conjunto de práticas com os animais desde a o abate no frigorifico e sua influência significativa na
propriedade até o frigorifico. Esses procedimentos qualidade da carne (SWATLAND 2000).
receberam maior atenção a partir do momento em O abate humanitário tem como objetivo reduzir
que o estresse foi diagnosticado entre os principais sofrimentos inúteis do animal a ser abatido, sendo
responsáveis por perdas relacionadas à qualidade de prioridade crescente em países desenvolvidos, com
carne e economia de todo o sistema. O embarque, o preferência de alimentos que atendam preceitos de
transporte, o desembarque, o jejum, a dieta hídrica, os bem-estar animal (CORTES 1994 & PICCHI 1996).
tipos e adequação da insensibilização e a eficiência da Quando o manejo pré-abate é realizado de forma
sangria são fatores que necessitam de treinamento para inadequada, o bem-estar dos animais fica prejudicado,
produtores, funcionários e demais envolvidos com a afetando a representatividade na formação do conceito
cadeia produtiva de suínos, desde que interferem com e da imagem do produto frente ao mercado, que
o bem-estar desses animais. possui importância singular para os consumidores,
juntamente a preocupação com a segurança alimentar
ABSTRACT e do meio ambiente (DEN OUDEN 1997).
Para reduzir os efeitos negativos dos
The aim of this review was to describe the procedures procedimentos do manejo pré-abate é necessário que
related to pre-slaughter management to enable humane estratégias sejam desenvolvidas visando à diminuição
slaughter of pigs. The pre-slaughter management do estresse e de fatores que minimizem ao máximo
is defined as the set of practices with them from esse prejuízo. De tal modo, o desenvolvimento
the property to the fridge. These procedures have de condições adequadas de embarque, transporte,
received more attention from the moment that stress treinamento aos funcionários das fazendas,
was diagnosed among the main responsible for transportadoras e frigoríficos, para que sejam capazes
losses related to meat quality and economy of the de desenvolver seu trabalho com segurança, reduzindo
entire system. The shipment, transportation, landing, o risco de que haja sofrimento dos animais durante o
fasting, water diet, the types and adequacy of stunning manejo dos animais (HSA 2001).
and bleeding efficiency are factors that need training De acordo com a importância do bem-estar
for producers, employees and others involved with e qualidade da carne para o mercado consumidor,
the production chain for pigs from interfering with the o objetivo desta revisão de literatura é descrever os
welfare of these animals. principais procedimentos ligados ao manejo pré-abate
que tendem a permitir o abate humanitário de suínos.
1
Universidade de São Paulo, Pirassununga, SP, Brasil.
2
Embrapa Suínos e Aves, Concórdia, SC, Brasil.
*
Autor para correspondência: giseledelaricci@usp.br.
ISSN 2238-1171 (edição on-line) Revista de Ciências Agroveterinárias, Lages, v.14, n.3, p.239-244, 2015 239
Ricci e Costa
Figura 1- Porcos carregados para transporte ao frigorífico. Fonte: DALLA COSTA (2012).
Figure 1- Pigs loaded for transport to the fridge. Source: DALLA COSTA (2012).
Com o objetivo de verificar as condições dos Em frigoríficos espanhóis onde suínos são
veículos que transportam os animais, na chegada, submetidos a jejuns de 12 a 18 horas, apresentaram
o produtor deve realizar uma vistoria prévia dos menores taxa de mortalidade durante o manejo pré-
caminhões, e se for encontrada alguma ilegalidade, abate (GUARDIA et al. 1996). Frigoríficos franceses
deve informar aos responsáveis e a agroindústria de realizam jejum de 12 a 18 horas e tendo resposta
suínos (DALLA COSTA et al. 2005). ideal para esvaziar o estomago (CHEVILLON 1994).
Na chegada ao frigorifico, os suínos devem ser Um jejum excedente há 24 horas resulta em perdas
alojados nas baias de espera permitindo que o animal qualitativas e quantitativas na carne, com perdas de
se restabeleça do estresse causado pelo transporte até 5% de seu peso corporal (DALLA COSTA et al.
(CASTILLO 2006). Os principais objetivos do 2008).
período de descanso, do jejum e da dieta hídrica Na chegada a área de descanso, alguns frigoríficos
são a redução do conteúdo gástrico, para facilitar a realizam a prática de lavar os suínos e submetê-los
evisceração da carcaça, e o reestabelecimento das a dieta hídrica, indicada como fundamental para
reservas de glicogênio muscular (BARBOSA & recuperar os animais da desidratação ocorrida durante
SILVA 2004). o transporte, reduzir o estresse térmico, facilitar a
O jejum dos suínos pode resultar em perdas eliminação do conteúdo gastrointestinal, evitando que
quantitativas e qualitativas na carne. MURRAY (2000) as vísceras sejam rompidas durante a evisceração com
indica entre 10 e 24 horas, CHEVILLON (1994) de posterior contaminação da carcaça (LUCTKE et al.
12 a 18 horas e EIKELENBOON et al. (1991) de 16 2010).
a 24 horas. Para MAGRAS et al. (2000) o período de A mistura de suínos de diferentes lotes aumenta
jejum de 22 a 28 horas, tem como objetivo alcançar o número de disputas pelo estabelecimento de nova
maior porcentagem de suínos com menor peso hierarquia social dentro do novo grupo social,
estomacal. A variação no tempo de jejum dos suínos reduzindo o bem-estar dos animais, necessitando-se
está relacionada ao sistema de transporte e logística que o tempo na área de descanso não seja muito longo.
das granjas e dos frigoríficos (DALLA COSTA et al. Animais que apresentarem sinais de dor, diestresse,
2008). doenças, problemas locomotores, prolapsos, hérnias
graves, caudofagia, contusões e ferimentos devem ser exercida a sangria (LUCTKE et al., 2010).
alojados separadamente em baias onde haja controle e O monitoramento da insensibilização com
monitoramento adequado. Machos inteiros devem ser avaliações regulares e frequentes dos suínos e dos
separados para que seja reduzida a agitação e brigas sensores elétricos é essencial. A garantia de que
no grupo (LUCTKE et al. 2010). os animais passaram pela sangria insensibilizados
É necessário, na área de descanso, que haja pode ser obtida pelos funcionários que avaliam os
redução do estresse térmico pelo calor. Suínos animais devido as fases tônica e clônica dos animais
possuem baixa quantidade de glândulas sudoríparas corretamente insensibilizados (LUCTKE et al. 2010).
o que dificulta a troca de calor e regulação da A insensibilização por Dióxido de Carbono
temperatura corporal. Com o esforço físico, esse (CO2), que é um gás anestésico, tem sido recomendada
calor aumenta, sendo necessário que a área de para insensibilização de suínos e aves, e deve ser
descanso seja coberta, com ventilação, nebulização e administrado em câmaras na concentração de 70%
disponibilidade permanente de água de bebida para os para suínos e 30% para aves (MELDAU 2010).
animais (LUCTKE et al. 2010). Quando se utiliza o sistema gasoso (CO2),
Para que os animais sejam sangrados, normalmente se observa menores índices de fraturas
primeiramente serão insensibilizados. A ósseas, já que há indução de uma contração muscular,
insensibilização ou atordoamento consiste em deixar ou fase tônica, menos intensa em relação ao sistema
o animal em estado de inconsciência que persista elétrico. No entanto, a utilização de insensibilizadores
até o fim da sangria, evitando sofrimento, capaz de elétricos em altas frequências (> 1500 Hz) tem
promover sangria completa (ROÇA 1999). proporcionado resultados semelhantes ao sistema
Na legislação da União Europeia há a exigência gasoso (ANIL 2004).
que todos os animais abatidos para fins de consumo da A insensibilização pode ser feita em baias
carne, devam ser insensibilizados instantaneamente coletivas, onde pequenos grupos de suínos são
e permaneçam insensíveis à dor até que haja perda insensibilizados manualmente dentro da baia,
completa da atividade cerebral, decorrente da sangria aplicando-se o eletrodo em cada animal, com o menor
(EEC 1993). período de aplicação possível. Também pode ser
A eletronarcose é o método de insensibilização feita individualmente, pelo restrainer, que imobiliza
mais utilizado para suínos, carneiros, aves e coelhos o suíno e melhora o posicionamento dos eletrodos
no Brasil (HENCKEL 1998, PRANDL et al. 1994). durante a aplicação. Esse segundo modo causa maior
A insensibilização dos suínos também pode ocorrer estresse pela separação dos suínos para coloca-los em
por eletrocussão ou sistema de três pontos, que é um fila única (LUCTKE et al. 2010).
método irreversível, que induz a inconsciência do O restrainer pode ser em formato V, que
animal seguida por morte por fibrilação ventricular, imobiliza os suínos pela lateral do corpo, através
permitindo maior segurança quanto à insensibilidade de esteiras transportadoras que os levam até o
do suíno antes do abate (LUCTKE 2010). local de insensibilização elétrica, de dois pontos,
A instrução normativa nº 3 de 17 de janeiro de automatizados ou não, ou formato de Midas, que
2000, do Ministério da Agricultura e Abastecimento, consiste em induzir o animal pelo peito atrás de uma
indica que o aparelho de insensibilização deve passar esteira transportadora que se encontra combinada
por manutenção para que a eficiência da eletrocussão com o insensibilizador elétrico automatizado de três
seja atendida. É necessário que haja monitoramento do pontos (LUCTKE et al. 2010).
equipamento, avaliando-se a limpeza dos eletrodos, De acordo com o Programa Nacional de Abate
a intensidade de condução elétrica, requerida de 1,3 Humanitário o formato de Midas reduz os níveis
A para a cabeça e 1,0 A para a região do coração, de estresse e melhora a qualidade de carne, por ser
a funcionalidade do monitor, o alarme de duração um sistema mais confortável, já que os animais são
de aplicação dos eletrodos e avaliação do animal, transportados pelo peito. Garante, também, uma
observando a presença de pelos e espessura do crânio insensibilização mais eficiente devido ao software
que podem dificultar o uso dos eletrodos ou exigir acoplado ao eletrodo que calcula a quantidade ideal de
maior resistência (LUCTKE et al. 2010). O tempo de corrente em relação à resistência que o suíno oferece,
insensibilização por eletronarcose é de 15 milésimos reduzindo as perdas ocasionadas pelo excesso de
de segundo, em média, suficiente para que seja corrente (LUCTKE et al. 2010).
a produção ate seu abate. Dessa forma, o treinamento DEN OUDEN M. 1997. Economic optimization of pork
das equipes, através de cursos teórico-práticos tem production-marketing chains: I Model input on animal
sido reconhecido como a forma principal de mitigar welfare and costs. Livestock Prod. Sci. 48: 23-37.
o estresse dos animais por práticas de maus tratos e EEC. 1993. Council Directive 93/119/EC of 22 December
1993 on the protection of animals at the time of laughter or
abusos. A continuação das pesquisas que aprimorem
killing. Official J. European Commun. 340: 21-34.
as práticas de pré-abate e abate é importante, pois EIKELENBOON G et al. 1991. Effects of feed withdrawal
definem e direcionam as bases da cadeia produtiva, before delivery on pork quality and carcass yield. Meat
criando um circuito adequado de criação, consumo e Sci. 29: 25-30.
bem-estar para os animais e o mercado produtivo. FAO – FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION
OF THE UNITED NATIONS. 2007. FAOSTAT FAO
REFERÊNCIAS Statistical Database. Disponível em: <http://apps.fao.org>.
Acesso em: 10 Ago. 2012.
ALMEIDA LAM. 2005. Manejo no pré-abate de bovinos: GUARDIA MD et al. 1996. Mortality rates during transport
aspectos comportamentais e perdas econômicas por and lairage in pigs for slaughter. Meat Foccus Int. 4: 362-
contusões. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária 366.
Preventiva). Jaboticabal: UNESP. 53f. HENCKEL P. 1998. Influence of stunning method on
ANIL MH et al. 2004. Comparison of religious slaughter pH-decrease and meat quality. In INTERNATIONAL
of sheep with methods that include pre-slaughter stunning, CONGRESS MEAT SCIENCE AND TECHNOLOGY.
and the lack of differences in exsanguination, packed cell Proceedings… Barcelona: Spain. p.1068-1069.
volume and meat quality parameters. Anim Welfare 13: HAS – HUMANE SLAUGHTER ASSOCIATION. 2001.
387-392. Captive-Bolt Stunning of Livestock. Guindance. p.1-22.
BARBOSA FILHO JAD & SILVA IJO. 2004. Abate LUCTKE CB et al. 2010. Abate Humanitário de Suínos.
humanitário: o ponto fundamental do bem-estar. Rev. Nac Rio de Janeiro: WSPA. 132p.
Carne 8: 37-44. MAGRAS C et al. 2000. Quelles durées de mise à jeun
BRASIL. 2000. Ministério da Agricultura, Pecuária e des porcs charcutiers pour um optimun de qualité dês
Abastecimento. Instrução Normativa nº 03. 6p. carcasses? Détermination à partir dún étude terrain. J.
BROOM DM. 1986. Indicators of poors welfare. J. British Rech. Porc. France 32: 351-356.
Vet. 142: 524-526. MELDAU DC. 2012. Eutanásia em Animais.
CASTILLO CJC. 2006. Qualidade da carne. São Paulo: 2010. Disponível em: http://www.infoescola.com/
Varela. 240p. medicinaveterinaria/eutanasia-em-animais/. Acesso em: 27
CHEVILLON P. 1994. Le contrôle des estomacs de porcs dez. 2012.
à l’abattoir: miroir de la mise à jeun en élevage. Techini- MURRAY C. 2000. Reducing losses from farm gate to
Porc. 17: 23-30. packer. Prod. Adv. in Porks 11: 175-180.
COOK JC. 1999. Neurological measures to qualify welfare PICCHI V. 1996. Insensibilização no abate de bovinos.
aspects of stunning. In: INTERNATIONAL WORKSHOP Rev. Nac. Carne 21: 38-44.
ON STUNNING SYSTEMS FOR PIGS AND ANIMAL PRÄNDL et al. 1994. Tecnologia e higiene de la carne.
WELFARE. Proceedings... Billund: Danish Meat Research Zaragoza: Acribia. 854p.
Institute, p.25-27. PRATA LF & FUKUDA RT. 2001. Fundamentos de higiene
CORTESI ML. 1994. Slaughterhouses and humane e inspeção de carnes. Jaboticabal: FUNEP. 249p.
treatment. Rev. Sci. Tecn.Off. Int. Epiz. 13: 171-193. ROÇA RO. 1999. Abate de bovinos. Disponível em: http://
DALLA COSTA OA. 2005. Efeitos do manejo pré-abate no www.comciencia.br/tccarnes/pdf/roberto.pdf. Acesso em
bem-estar e na qualidade de carne de suíno. Tese (Doutorado 20 de set. 2015.
em Medicina Veterinária). Jaboticabal: UNESP. 160f. SILVA JAO et al. 2011. Manejo pré-abate de transporte
DALLA COSTA OA et al. 2005. Aspectos Econômicos e e banho sobre a incidência de mortalidade de frangos de
de Bem-Estar Animal no Manejo de Suínos da Granja até corte. Semina Ci. Agrár. 32: 795-800.
o Abate. Anais... IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE SWATLAND HJ. 2015. Slaughtering. Disponível em:
AVES E SUÍNOS. Florianopolis: Avesui. p.12. http://www.bert.aps.uoguelph.ca/~swatland/ch1.9.htm.
DALLA COSTA OA et al. 2008. Tempo de jejum dos suínos Acesso em: 19 out. 2015.
no manejo pré-abate sobre a perda de peso corporal, o peso
do conteúdo estomacal e a incidência de úlcera esofágica
gástrica. Ci. Rural 38: 199-205.
DALLA COSTA OA et al. 2012. Boas Práticas no
Embarque de Suínos para Abate. Documentos Eletrônicos,
Versão Eletrônica/ Embrapa. (Boletim Técnico 137)