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Coragem

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A CORAGEM DE MARIA

este último capítulo, quero meditar sobre a história da anunciação: a proclamação angelical a
Maria de que ela daria à luz o Messias. Estritamente falando, não se trata de um acontecimento
da vida de Jesus, e claro que ocorreu antes de todos os outros eventos que analisamos. Então
por que nos voltamos a ele e por que o deixamos por último? Quero examinar de perto a resposta de
Maria à mensagem do anjo, pois em alguns aspectos Maria é como nós. Ainda não conhece a pessoa
terrena de Cristo, como nós. Mas recebe uma mensagem a respeito dele. Basicamente é a mensagem
do
evangelho, descrevendo quem é Jesus e o que ele fará. A resposta de Maria é maravilhosa,
comovente.
Com seu exemplo brilhante, temos percepções cruciais sobre como deveríamos reagir a tudo que
lemos
acerca de Jesus nos nove primeiros capítulos deste livro.
Eis o relato da anunciação de Lucas 1:
N
No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a
uma virgem comprometida a casar-se
com um homem chamado José, da descendência de Davi; o nome dela era Maria. O anjo veio onde
ela estava e disse: Alegra-te,
agraciada; o Senhor está contigo. Mas, ao ouvir essas palavras, ela ficou muito perturbada e
começou a pensar que saudação seria essa.
Então o anjo lhe disse: Não temas, Maria; pois encontraste graça diante de Deus. Ficarás grávida e
darás à luz um filho, a quem darás o
nome de Jesus. Ele será grande e se chamará Filho do Altíssimo; o Senhor Deus lhe dará o trono de
Davi, seu pai; ele reinará
eternamente sobre a descendência de Jacó, e seu reino não terá fim. Então Maria perguntou ao anjo:
Como isso poderá acontecer, se
não conheço na intimidade homem algum? O anjo respondeu: O Espírito Santo virá sobre ti, e o
poder do Altíssimo te cobrirá com a sua
sombra; por isso aquele que nascerá será santo e será chamado Filho de Deus. Também Isabel, tua
parente, espera um filho sendo já
idosa; aquela que era chamada estéril está de seis meses; porque para Deus nada é impossível.
Maria então disse: Aqui está a serva do Senhor; cumpra-se em mim a tua palavra. E o anjo a deixou
e partiu.
Naqueles dias, Maria saiu e foi apressadamente a uma cidade na região montanhosa de Judá; e,
entrando na casa de Zacarias,
cumprimentou Isabel. Quando Isabel ouviu o cumprimento de Maria, a criancinha saltou em seu
ventre; Isabel ficou cheia do Espírito
Santo e exclamou em voz alta: Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre!
Mas por que me acontece isto, que
venha me visitar a mãe do meu Senhor? Pois, logo que ouvi o teu cumprimento, a criancinha saltou
de alegria dentro de mim. Bem-
aventurada a que creu que se cumprirão as coisas que lhe foram faladas da parte do Senhor (Lc
1.26-45).
O que aprendemos com o anjo sobre quem é Jesus? A mensagem o chama de Filho do Altíssimo.
Ora,
nas línguas antigas por vezes chamava-se de filho a alguém que se assemelhasse muito com outra
pessoaou que cresse nela com fervor. Em João 8, Jesus trava uma discussão bastante acalorada com
os líderes
religiosos, que se declararam filhos de Abraão e de Deus. Jesus retrucou que eles eram filhos do
Diabo
porque mentiam como ele! No entanto, o título representa muito mais do que o simples fato de
Jesus ser
um seguidor de Deus, porque o anjo acrescenta: “ele reinará eternamente sobre a descendência de
Jacó...” (v. 33). Eternamente? Em seguida — talvez sabendo que Maria não consegue acreditar nos
próprios ouvidos — ele repete a declaração de outro modo: “... seu reino não terá fim”. Ou seja:
“Falo
sério quando digo eternamente”. Portanto, há uma promessa de que a criança prestes a nascer não se
tornará um mero rei político, mas terá um reino que durará para sempre. De fato, a forte implicação
é: ele
será mais do que um ser humano mortal.
Então o anjo diz: “... o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra...” (v. 35). Essa declaração é
fascinante e misteriosa, não? “... te cobrirá com a sua sombra; por isso aquele que nascerá será santo
e
será chamado Filho de Deus” (v. 35). Agora ficamos sabendo que esse ser sobrenatural e eterno virá
ao
mundo por intermédio de um nascimento miraculoso. E será chamado de Filho de Deus, não só
porque
seu caráter terá forte semelhança com o de Deus, mas porque a própria natureza divina de Deus será
implantada em Maria em forma física. Portanto, aquele que nascerá será perfeitamente santo, isento
de
pecado e viverá para sempre tanto como pessoa divina quanto humana. Uma declaração
estarrecedora. E
um resumo elegante e conciso do que tem sido chamado de doutrina da encarnação: a doutrina de
que
Deus encarnou quando o Filho de Deus assumiu uma natureza humana e nasceu fisicamente no
mundo.
Outra coisa que aprendemos sobre ele é seu nome, Jesus, que quer dizer “Deus que salva”. Não
seria
possível imaginar um nome mais apropriado. Os fundadores de todas as demais religiões vêm ao
mundo
na condição de seres humanos, como guias para nos mostrar o caminho da salvação. Nenhum deles
jamais afirmou ser Deus ou mesmo um redentor ou salvador. No entanto, a Bíblia sustenta que Jesus
éo
caminho da salvação, vivendo a vida que você deveria viver e até morrendo a morte que você
deveria
morrer por seus pecados. Portanto, precisamente no nome dessa criança vemos a singularidade do
cristianismo em geral e de Jesus em particular. De novo deparamos com um oceano de verdade
traduzido
em uma declaração sucinta, em um nome, para ser mais exato.
Essa mensagem já basta para impossibilitar que se diga que todas as religiões são iguais. Em muitos
círculos da nossa sociedade, insistir nessa ideia é quase uma ortodoxia inflexível. Há quem defenda
que
todas as religiões estão igualmente erradas, e há quem diga que todas estão igualmente certas.
Compreendo muito bem a motivação para adotar essa posição. Ela visa impedir a atitude do
triunfalismo
mortal que muitos religiosos — inclusive os cristãos — têm adotado, com resultados trágicos. No
entanto, o argumento de que o cristianismo é fundamentalmente igual a todo o resto simplesmente
não
funciona. Em quase cada uma de suas páginas, o Novo Testamento faz afirmações acerca de Jesus
que
nenhuma outra religião jamais faria sobre ninguém. Elas são de tal modo predominantes que talvez
nem
as notemos.
Observe, por exemplo, as palavras de Isabel para Maria. No último versículo do trecho lido, ela
chama
Maria de bem-aventurada por crer nas coisas “que lhe foram faladas da parte do Senhor” (v. 45).
Isso é
espantoso. Como pode o filho ainda não nascido (nem concebido ele fora!) de Maria ser o Senhor
que lheenviara a mensagem sobre o próprio nascimento? Lembre-se de que aqui Isabel profetiza sob
o poder do
Espírito Santo. É bem pouco provável que ela mesma compreenda o sentido de tudo que está
dizendo.
Mas a implicação é clara: o bebê que está para nascer é o Senhor Deus eterno que lhe enviou a
mensagem. Uma afirmação chocante e impactante.
Lembre-se de que a ideia hebraica de Deus era dife-rente da professada por outras culturas. Quando
a
Bíblia chama Jesus de divino, isso não quer dizer que ele tenha mais da centelha divina de vida
encontrada em qualquer outra pessoa. Para os hebreus, Deus não era uma força impessoal que faz
parte
de todo ser, mas um Criador único, pessoal embora infinito, imanente ainda que transcendente e
eterno,
que existia antes e acima de todos os demais seres. Considerar Jesus divino e ao mesmo tempo ter
esse
entendimento de divindade era estupendo. Contudo, é a espinha dorsal do autoentendimento do
próprio
Jesus e sustenta tudo que ele ensina. Portanto, ou você afirma que Jesus Cristo é, como a Bíblia diz,
o
Deus Criador singular que veio em carne — o que torna o cristianismo uma revelação melhor de
Deus do
que as outras religiões —, ou você é obrigado a declarar que ele estava errado ou mentindo, o que
faz
dele e de seus seguidores uma revelação pior de Deus. Mas o cristianismo não pode ser uma religião
como as demais.
Alguns anos atrás, participei de um debate com um sacerdote muçulmano no qual falamos sobre
nossas
diferenças diante de um grupo de estudantes universitários. Um deles insistiu o tempo todo: “Bem,
ouvi
os dois falarem por vinte minutos e quero que saibam que não consigo enxergar nenhuma diferença
real
entre vocês. Não vejo nenhuma diferença entre as religiões. Parece que, em suma, dizem que Deus é
amor, que devemos amar a Deus e nos amar uns aos outros”. Em nossas respostas para o estudante,
o
sacerdote e eu concordamos em tudo. À primeira vista parece tolerante dizer “vocês são iguais”,
mas
cada um de nós argumentou com muita delicadeza que o estudante não estava demonstrando
respeito
suficiente em ouvir a voz peculiar de cada religião. Cada fé fizera afirmações únicas que
contradiziam os
ensinamentos mais profundos de outras crenças. Concluímos então que, embora cada fé sem dúvida
pudesse apreciar a sabedoria da outra, não seria possível às duas estarem certas no nível mais
profundo.
O estudante manteve sua posição, dizendo que todas as religiões são fundamentalmente iguais.
Por irônico que pareça, o rapaz estava sendo tão dogmático, superior e ideológico quanto qualquer
seguidor religioso tradicional consegue ser. Em essência, dizia: “Tenho a visão verdadeira da
religião,
coisa que vocês não têm. Consigo ver que são iguais, mas vocês não conseguem. Sou
espiritualmente
iluminado, vocês não”. Todavia, quando conversamos um pouco mais tarde, concluí que havia um
temor
subjacente a motivá-lo. Se aceitasse que toda religião faz afirmações únicas, ele teria de decidir se
essas
afirmações eram ou não verdadeiras. Não desejava a responsabilidade de ter de ponderar sobre isso,
pesar tudo e escolher. Entre jovens adultos seculares, é comum adotar essa crença de que todas as
religiões são mais ou menos a mesma coisa. Ousaria eu afirmar que essa é uma forma de
imaturidade
emocional? A vida é repleta de escolhas difíceis, e é infantil pensar que se pode evitá-las. Talvez a
tentativa pareça livrá-lo de muito trabalho duro, mas a ideia da equivalência entre as religiões não
passa
de uma falsidade. Toda religião, mesmo aquelas que aparentam ser mais inclusivas, faz sua própria
declaração exclusiva. Mas as declarações de Jesus são particularmente alarmantes, pois, se
verdadeiras,não há alternativa senão nos ajoelharmos diante dele. A anunciação impõe a
exclusividade de Jesus bem
diante de nós. Exige uma resposta e nos mostra que há muito trabalho árduo a ser feito.
A anunciação foi um choque para Maria tanto por razões sociais quanto por razões teológicas. Na
época, ela devia ter quatorze anos e ser muito pobre. Evidências de sua posição na escala
socioeconômica podem ser encontradas na ocasião em que Maria e José vão ao templo para a
circuncisão de Jesus. A oferta feita pela cerimônia dependia da classe social da família. Se você
estivesse entre os mais pobres dos pobres, ofertava dois pássaros, e foi o que a família de Jesus fez.
Maria é uma camponesa que, além disso, enfrentará a desgraça com a notícia que o anjo lhe deu. No
entanto, essa simples lavradora, uma menina humilhada, grávida e solteira é hoje um dos seres
humanos
mais famosos da história do mundo. A maioria de nós, ao contrário, será esquecida dentro de umas
duas
gerações. O que a torna tão extraordinária? O modo como reagiu a Deus e sua mensagem. Ela faz
quatro
coisas.
A primeira delas é pensar. Maria usa seu poder de raciocínio. Logo após a aparição do anjo, o texto
diz: “Mas, ao ouvir essas palavras, ela ficou muito perturbada e começou a pensar que saudação
seria
essa” (Lc 1.29). A expressão começou a pensar se refere a deologistico, que significa usar a lógica,
raciocinar com intensidade. Quer dizer que Maria tentava descobrir como tudo isso poderia ser
verdade.
A ideia pode nos parecer estranha. Hoje gostamos de dizer que somos um povo racional e científico

elaboramos perguntas difíceis, usamos o raciocínio lógico e exigimos evidências empíricas —,
portanto
consideramos impossível crer no aparecimento de um anjo. A inferência é que, na antiguidade, as
pessoas
eram supersticiosas e não viam problema algum em acreditar no sobrenatural. Presumimos que, se
um
anjo aparecesse, na época as pessoas diriam: “Ah, um anjo. Olá. Qual a mensagem, por favor?”.
Uma
visão arrogante e paternalista dos nossos ancestrais, para não mencionar uma interpretação
equivocada
proposital do texto. O que vemos aqui é Maria lutando para compreender e crer no que estava
ouvindo.
Por quê? Ela era judia. A notícia com certeza não se encaixava no que sabia, porque a mensagem
dizia
que um ser humano seria divino. A ideia de que o Deus do monte Sinai se tornaria humano era
impossível
para a razão e repugnante para a sensibilidade moral dos judeus. (Isso faz parte do motivo por que
era
tão difícil para Maria Madalena e os discípulos “ouvirem” Jesus lhes falar repetidas vezes que ele
haveria de ressuscitar.) Portanto, Maria tinha tipos diferentes de barreiras racionais para crer na
mensagem profética em relação aos que uma pessoa moderna poderia encontrar, mas as barreiras
que
enfrentou eram tão grandes quanto as nossas. Foi tão difícil para ela, a seu modo, crer no evangelho
como
é para nós hoje. A anunciação era e continua sendo um grande desafio para todos os paradigmas e
cosmovisões. Não há lugar no mundo e nunca houve período na história em que não houvesse
enormes
barreiras para se crer na proclamação de que o Deus Criador do universo está entrando no útero de
uma
moça para nascer como ser humano através dela. Em tempo algum a ideia se encaixou com muita
comodidade na sabedoria predominante da época. Assim, a anunciação toma de assalto todas as
narrativas e exige um duro trabalho intelectual. Maria não se esquiva disso. Faz justamente o que
Jesus
desafiou Natanael, o estudante cético, a fazer. Pondera as evidências, pesa a consistência interna
dasafirmações e conclui que é verdade. Se ela pode fazer isso, nós também devemos estar dispostos
a usar
nosso raciocínio para pesar a mensagem cristã.
A segunda coisa que Maria faz é expressar suas dúvidas sem rodeios. Ela questiona o anjo: “Como
acontecerá, já que sou virgem?”. De novo, Maria não se mostra uma pessoa crédula. Não diz: “Bem,
você é um anjo e tudo isso é milagroso. Portanto, simplesmente vou aceitar”. Não, ela pergunta o
que
qualquer pessoa racional gostaria de saber. Como pode ter um filho se não faz sexo? Uma dúvida
expressa abertamente; para um anjo! Isso mostra a disposição para ser sincera acerca de suas
incertezas e
questionamentos. Ora, eu diria que há dois tipos de dúvidas: as desonestas e as honestas. As
desonestas
são ao mesmo tempo orgulhosas e covardes; demonstram desdém e indolência. Um exemplo desse
tipo de
dúvida é dizer :“Que ideia maluca!” e ir embora. “Isso é impossível” (ou sua versão mais
contemporânea, “Que burrice”) é uma afirmação, não um argumento. Um jeito de fugir ao trabalho
duro
de pensar. No entanto as dúvidas sinceras são humildes, porque levam você a indagar, não a erguer
um
muro apenas. E, quando você propõe uma pergunta autêntica, fica vulnerável de certa forma. A
pergunta
de Maria para o anjo na verdade solicita informações e a deixa aberta para a possibilidade de uma
boa
resposta que talvez mudasse seus pontos de vista. As dúvidas sinceras, então, abrem-se para a
crença. Se
de fato você estiver interessado em informações e bons argumentos, pode ser que obtenha alguns.
E aqui está algo que considero maravilhoso. Se ela nunca tivesse expressado uma dúvida que fosse,
o
anjo jamais teria pronunciado uma das grandes declarações da Bíblia: “porque para Deus nada é
impossível” (Lc 1.37). Sou muito grato pela dúvida de Maria porque essa declaração tem me
confortado
e conduzido há anos. Todos os tipos de pessoas têm sido imensamente ajudados por essas palavras.
Ea
única razão pela qual temos essa revelação extra é porque Maria teve dúvidas. Quanto mais você
estiver
disposto a expressar suas dúvidas com sinceridade e humildade, quanto mais apresentar
questionamentos
francos, mais longe você e as pessoas a seu redor chegarão. Tenho visto muita gente que se recusa a
fazer
perguntas e a expressar suas dúvidas. Algumas agem assim por dureza de coração, enquanto outras,
por
acharem que isso é um tanto desrespeitoso. Por favor, não ouse deixar de exprimir suas dúvidas e
questionamentos sinceros.
A terceira coisa que Maria faz é entregar-se por completo. Sim, no fim isso é o que tem mesmo de
acontecer. Após ouvir que “para Deus nada é impossível”, ela age. Na verdade, “para Deus nada é
impossível” é um bom argumento. Você crê em Deus, Maria? Sim. Bem, se há um Deus que criou o
mundo, libertou seu povo e o protegeu durante séculos, por que ele não pode fazer isso? E isso fez
sentido para ela. Por isso Maria diz: “... Aqui está a serva do Senhor; cumpra-se em mim a tua
palavra...”
(Lc 1.38). Essa é uma tradução moderna, mas prefiro a elegância da boa e velha King James, que
diz:
“Eis aqui a serva do Senhor; seja em mim segundo a tua vontade”.
Às vezes as pessoas comentam comigo: “Gostaria de ser cristão, mas terei de fazer isso? Serei
obrigado a abrir mão daquilo? Terei de orar, deixar de lado o sexo, desistir do meu emprego, mudar
meus pontos de vista?”. Com certeza, questões como essas têm certa legitimidade, pois você precisa
considerar o que lhe custará tornar-se cristão. O próprio Jesus nos diz que quem entra para o
discipulado
“primeiro senta e calcula quanto vai custar” (Lc 14.25-33, NTLH). Mas receio que muita gente
prefiranegociar esse custo, em vez de calculá-lo. Isto é, dispõe-se a abrir mão das coisas, mas não
do direito de
determinar que coisas serão essas. Querem estar em posição de fazer análises contínuas de
custo/benefício de vários tipos de comportamento, o que as mantém ocupando o assento do
motorista, o
trono da própria vida, por assim dizer. Certa vez ouvi um professor de Bíblia colocar a questão do
seguinte modo: “Quando se trata de seguir a Jesus, o mais difícil de entregar é entregar-se a si
mesmo”.
Deus chega para Abraão e ordena: “Abraão, sai da tua terra, da terra dos caldeus, e segue-me”.
Abraão
pergunta: “Onde estou indo?”. Ao que Deus responde apenas: “Eu lhe mostrarei mais tarde”. Deus
quer
que Abraão abra mão do direito de determinar por si próprio a melhor maneira de viver.
Ao entregar sua vida a Cristo, de uma forma ou de outra você precisa falar como Maria. Seu
coração
deve dizer algo do tipo: “Desconheço tudo que o me pedirás, Deus. Mas farei o que ordenares em
tua
Palavra, gostando ou não. Aceitarei com paciência o que enviares à minha vida, compreendendo ou
não”.
Em outras palavras, não há como saber de antemão tudo que Deus lhe pedirá. Por exemplo, a
maioria das
pessoas sabe que a Bíblia diz para não mentirmos ou trapacearmos. Mas podemos chegar a um
ponto em
que contar a verdade nos custará a carreira profissional e contar uma mentira a salvará. Nesse caso,
seguir a Cristo terá um alto custo. Então, frente a uma situação como essa, devemos já ter definido
como
agiremos. Não podemos saber qual será o custo de seguir a Jesus antes da hora. Portanto, você deve
simplesmente dizer: “Desconheço tudo que acontecerá, mas de uma coisa sei: abro mão do direito
de
decidir se farei ou não a vontade de Deus. Eu a cumprirei incondicionalmente”.
Maria certamente não podia saber tudo que lhe custaria a vontade de Deus, embora é provável que
fizesse alguma ideia. O mesmo se aplica a José. É interessante comparar Lucas 1 com Mateus 1.
Lucas
nos oferece a perspectiva de Maria da anunciação, enquanto Mateus 1 nos dá a de José. Quando ele
descobriu que Maria estava grávida, ciente de não ser o pai, decidiu romper o compromisso. Mas
um
anjo apareceu e também lhe entregou uma mensagem da parte de Deus: ele deveria se casar com
Maria de
qualquer modo. Ora, José sabia que, caso a desposasse, todo o mundo da cidadezinha em que
moravam,
naquela sociedade de vergonha e honra em que estavam inseridos, saberia que a criança fora
concebida
fora do casamento. Sabiam interpretar um calendário. Na verdade, a maioria das amigas de Maria
perceberia que ela engravidara antes do casamento. Cedo ou tarde, todos concluiriam que ou eles
tinham
feito sexo antes do casamento ou ela fora infiel. Em ambos os casos, eles teriam infringido as
normas
morais e sociais daquela cultura. Seriam para sempre cidadãos de segunda classe da sociedade. O
casal
e os filhos seriam evitados por alguns e objeto de suspeita da parte de todos.
Sendo assim, o que significou para José e Maria aceitar a Palavra de Deus e declarar: “Aceitamos o
chamado para acolher essa criança e tudo que vier com ela”? O que lhes custou de verdade ter
“Deus
conosco” em seu meio (Mt 1.23)? O que custou estar com ele? A resposta do texto é coragem. E
disposição para fazer a vontade dele a qualquer preço.
Quando o anjo orientou José: “Case-se com Maria”, estava dizendo: “Se Jesus entrar em sua vida,
você será rejeitado. Terá de dar adeus a sua excelente reputação”. E José se casou com ela. Com
certeza
alguns de seus amigos perguntaram: “Por que você se casou com Maria? Ou você é o responsável
pela
gravidez dela, ou ela foi infiel a você”. Já imaginou José tentando contar a verdade? “Ah, eu
possoexplicar. Maria engravidou por meio do Espírito Santo. Soubemos de tudo através de um
anjo.” A
verdade não era algo que seus amigos entenderiam. Portanto, José tinha consciência de que eles
pensariam o pior a seu respeito.
Há muitos lugares no mundo atual em que, se for cristão professo, você sentirá na pele o que
experimentaram José e Maria. Por exemplo, a fé cristã soa tão incrível e implausível para muitos
amigos
na cidade de Nova York quanto a história do anjo soou para os amigos deles. Se você declarar sua fé
cristã em quaisquer que sejam os círculos sociais, redes profissionais ou campos vocacionais em
que
está inserido, muita gente simplesmente não o entenderá, e você não conseguirá fazê-las entender
por que
você é como é. Em muitos casos, sua reputação pode vir a sofrer.
Mas afinal, na sua opinião, por que Jesus Cristo veio a este mundo por meio de uma adolescente
grávida e solteira em uma cultura de vergonha e honra patriarcal? Deus não precisava fazer isso
dessa
maneira. No entanto, acho que esse foi seu jeito de dizer: “Não faço nada da forma que o mundo
espera,
mas inteiramente ao contrário. Meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. Meu Salvador-Príncipe
nascerá não
em um berço dentro de um palácio real, mas em uma manjedoura dentro de um estábulo; não de
gente
poderosa e famosa, mas de camponeses desprezados. Tudo isso faz parte do padrão. Pois Jesus
conquistará a salvação através da fraqueza, do sofrimento e da morte na cruz. Obterá poder e
influência
por meio do serviço sacrificial. Se tiver Jesus em sua vida, você provará tratamento bastante
parecido.
Minha salvação funciona assim: o sofrimento leva à glória e a morte, à ressurreição. Não tema,
portanto.
Receba Jesus Cristo em sua vida e eu serei sua honra. Não importa o que o mundo pensa”.
Portanto, Maria e José estavam dispostos a fazer por Jesus o que Jesus haveria de fazer em favor
deles.
Ele se tornou obediente a seu Pai a ponto de morrer em uma cruz (Fp 2.4-11). E, quando Deus os
chamou,
eles abriram mão do direito que tinham de autodeterminação. Se você de fato quer Jesus no centro
de sua
vida, precisa obedecer a ele incondicionalmente. Tem de abrir mão do controle da própria vida e
desistir
das suas condições. Renunciar ao direito de falar: “Obedecerei se...”, “Farei tal coisa se...”. Dizer:
“Obedecerei se” não é obediência. Na verdade, isso significa: “O senhor é meu consultor, não meu
Senhor. Ficarei feliz em aceitar suas recomendações. Talvez até ponha em prática algumas delas”.
Não.
Se quer Jesus com você, tem de abrir mão do direito de autodeterminação.
Maria faz uma última coisa capaz de nos servir de instrução. Ela procura Isabel, que lhe fala no
poder
do Espírito Santo. Isso deve ter lhe servido de grande auxílio. Com certeza a encorajou e talvez a
tenha
ajudado a entender a própria situação de uma nova maneira. Pois assim que Isabel acaba de falar,
Maria
irrompe em um cântico magnífico. De fato, ele costuma ser chamado de “Magnificat”. Ela se põe a
adorar
e exaltar a Deus de todo o coração: “... A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito exulta
em
Deus, meu Salvador” (Lc 1.46,47). No cântico, Maria volta ao passado através do Antigo
Testamento —
dos Salmos, de Isaías e dos profetas —, estabelecendo conexões notáveis que revelam a vinda do
Messias divino. A anunciação não é uma contradição da fé bíblica, mas seu cumprimento. Todas
essas
percepções lhe sobrevêm porque ela visitou Isabel.
Assim, a quarta coisa de que você necessita é de comunhão. Maria não parece compreender o que
está
se passando até ir visitar outra irmã na fé, e elas conversam e adoram juntas. Sim, como Maria,
vocêprecisa pensar intensamente, duvidar abertamente e, no fim, entregar-se completamente, mas
não será
suficiente fazer isso como um indivíduo solitário, sem amigos de confiança ao redor. Alguns de nós
não
querem que ninguém saiba das lutas espirituais que travam, exceto depois de as terem atravessado,
quando puderem contar tudo no passado: “Foi um tempo de escuridão”. Acontece que, no fim, você
nunca
será vencedor sem comunhão.
Maria era ninguém e se tornou maior do que todo o mundo apenas porque Deus veio foi até ela e ela
respondeu com a maior humildade possível. Raciocinou, duvidou, rendeu-se e se conectou com
outras
pessoas. Você também pode fazer isso.

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