Patrística IRENEU DE LYON
Patrística IRENEU DE LYON
Patrística IRENEU DE LYON
IRENEU DE LYON
FORTALEZA, 2010.
1
IRENEU DE LYON
1. A história de Ireneu
Sou capaz de dizer em que lugar o bem-aventurado Policarpo se sentava para falar, suas
entradas e saídas, sua maneira de viver, seu aspecto físico, as conversas que mantinha
com a comunidade, como falava de seu relacionamento com João em com os outros que
tinham visto o Senhor; como lembrava suas palavras e que coisas os ouvira dizer a
respeito do Senhor, dos milagres que fez e de seu ensinamento; como Policarpo havia
recebido tudo isso das testemunhas oculares do Verbo da vida e as transmitia em
conformidade com as Escrituras. 1
Não se sabe o motivo pelo qual Ireneu deixou a Ásia Menor. Porém, parece que
no seu translado à Lyon ele tenha permanecido certo tempo em Roma. Isso devido ao
fato de serem tão familiares a ele as tradições da Igreja (provém dele a lista que temos
dos primeiros papas) e também os detalhes da viagem de Policarpo a Roma, quando foi
tratar com o papa Aniceto sobre as controvérsias entre a Igreja de Roma e as Igrejas da
Ásia Menor acerca da data da páscoa. 2
No ano de 177, Ireneu, já como presbítero na comunidade de Lyon, é enviado a
Roma como portador de uma carta dos fiéis de Lyon ao papa Eleutério. No período
dessa viagem a comunidade de Lyon sofreu com a perseguição de Marco Aurélio, que
resultou no martírio de pelo menos quarenta e oito cristãos, entre eles Potino, bispo de
Lyon, aos seus 90 anos de idades. Estes são conhecidos como Os mártires de Lyon. Ao
retornar de Roma, Ireneu é eleito bispo de Lyon no lugar de Potino.
1
Carta de Ireneu a Florino, in Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica, V, 20, 4-8. in LIÉBAERT,
Jacques. Os padres da Igreja – séculos I-IV. Vol. 1. Loyola: São Paulo, 2000. (p. 54).
2
Cf. LIÉBAERT, Jacques. Os padres da Igreja – séculos I-IV. Vol. 1. (p. 54).
2
Ireneu, enquanto bispo, fez intervenções junto a outras igrejas em diversos debates
por meio de cartas. A que mais se destaca foi a carta ao papa Vítor (189-199) com o
intuito de pacificar um conflito surgido entre a Igreja de Roma e as Igrejas da Ásia
acerca da celebração da Páscoa.
Liderados por Policrates (Éfeso), os bispos da Ásia queriam conservar a data que
foi adotada por João, que era a data da festa da páscoa hebraica. Já as Igrejas ocidentais
e algumas orientais queriam outra data. Isso levou o papa Vítor a ameaçar com a
excomunhão os que fossem contra o que seria a sua orientação. Isso poderia ter graves
consequências, como uma possível cisão na Igreja. 3
Ireneu, com o intuito de pacificar a situação, escreveu ao papa exortando
respeitosamente a não tomar medidas tão radicais para que não haja uma quebra na
unidade cristã por essas razões. Para Ireneu, “a diversidade dos usos litúrgicos não
compromete a unidade; faz, ao contrário, sobressair mais a comunhão fundamental da
fé; o bispo de Lião lembra a Vítor o exemplo de tolerância dado por Policarpo a
Aniceto. A catolicidade não é a uniformidade.”4
Segundo Eusébio de Cesaréia, Ireneu, pela sua conduta, fez jus ao seu nome:
O nome Ireneu era-lhe bem adequado (Ireneu em grego significa ‘pacífico’) e, por sua
conduta, era pacificador; de modo semelhante, ele aconselhava e intervinha em favor da
paz das Igrejas. Não apenas junto a Vítor, mas também de muitos outros chefes de
Igrejas, mantinha, por meio de cartas, considerações análogas a respeito da questão
discutida.5
Não se sabe ao certo a causa da sua morte. São Jerônimo afirmava que Ireneu foi
martirizado por heréticos com aproximadamente 70 anos de idade. Há outros que
afirmam que ele tenha morrido por volta de 202 em um massacre de cristãos em Lyon,
liderado por Sétimo Severo. Pela Igreja ele é considerado mártir e sua memória é
celebrada no dia 28 de Junho.
3
Cf. RIBEIRO, Helcion. Introdução. in Ireneu de Lyon. Adversus Haereses. Patrística. Trad. Lourenço
Costa. São Paulo: Paulus, 1995. (p.15).
4
LIÉBAERT, Jacques. Os padres da Igreja – séculos I-IV. Vol. 1. (p.56).
5
Eusébio de Cesaréia. História Eclesiástica. V, 24, 18. in LIÉBAERT, Jacques. Os padres da Igreja –
séculos I-IV. Vol. 1. (p.55)
3
2. Obras
3. Influências
6
Bento XVI. Catequese sobre Santo Ireneu em 28 de Março de 2007.
4
As obras de Ireneu ultrapassam uma simples refutação das heresias. Elas trazem
riquíssima densidade teológica, possuindo profunda coerência com a fé. A Regula fidei
está no centro de todo o seu discurso. “Pode-se dizer que de fato ele se apresenta como
o primeiro grande teólogo da Igreja, que criou a teologia sistemática.” 8
A seguir, serão abordados alguns dos principais pontos de sua teologia.
Ireneu não se utilizou do termo “Trindade” para definir o Deus Uno e Trino. Nem
tampouco discute a relação das três pessoas em Deus. Ele deu preferência em sublinhar
o aspecto da unidade e unicidade de Deus.
Antes da criação do mundo já existiam as três pessoas. A criação é, pois, uma
ação única conjunta de Deus. As palavras “façamos o homem à nossa imagem e
semelhança” foram pronunciadas pelo Pai ao Filho e ao Espírito. “A comunicação que
Deus faz de si mesmo implica sempre a relação entre o Filho e o Espírito Santo, a Quem
Ireneu de Lião realmente chama ‘as duas mãos do Pai’”.9
Contrário aos gnósticos, para Ireneu Deus é o mesmo criador revelado em Jesus
Cristo, seu Verbo. O Deus que cria o mundo é o Pai do Logos. Jesus é o Verbo feito
carne, a Palavra de Deus, o Verbum Domini.
7
Cf. RIBEIRO, Helcion. Introdução. in Ireneu de Lyon. Adversus Haereses. Patrística. (p.17).
8
Bento XVI. Catequese sobre Santo Ireneu em 28 de Março de 2007.
9
Bento XVI. Exort. Ap. pós-sinodal Verbum Domini, 15.
5
Somente o Verbo conhece Deus ab initio e somente através dele Deus se torna
conhecido. “De fato, o Filho – afirma Santo Ireneu de Lião – ‘é o Revelador do Pai’”. 10
Por meio de Deus feito homem é aberta a possibilidade ao homem de conhecer Deus,
pois o homem, por si mesmo, é incapaz de conhecer plenamente a Deus.
O pai, por invisível que seja para nós, é conhecido por seu próprio Verbo e, embora
inexprimível, é expresso por ele; reciprocamente, o Verbo não é conhecido senão pelo
Pai: tal é a dupla verdade que o Senhor nos deu a conhecer. E assim o Filho revela o
conhecimento do Pai por sua própria manifestação: o conhecimento do Pai é
manifestação do Filho, pois todas as coisas são manifestas pela mediação do Verbo. 11
Nas pessoas da trindade existe uma unidade na essência, mas uma diferença na
missão. Somente o Pai é o Principium Totius Deitatis. Apesar de um estar no outro, ele
não deixa de ser outro. Ele é o mesmo na sua essência, mas outro enquanto pessoa. Essa
unidade na diversidade rejeita todas as rupturas que o gnosticismo estabeleceu.
Há também uma profunda unidade entre Deus e a sua obra. Nos planos de Deus, o
universo foi criado para o homem, e o homem para a comunhão com Deus. Cristo, pela
encarnação, assumindo a criação para levá-la ao fim visado inicialmente por Deus,
realiza no próprio ser a comunhão de Deus e do homem. Ele é, pois, o mediador da
comunhão entre Deus e o homem.
homem. Deus não impõe sua vontade ao homem. Sua auto-oferta é sempre um dom de
amor. Essa recapitulação do homem só é possível porque o homem é capaz de Deus,
pois foi criado a sua imagem e semelhança.
Esses são [...] o movimento pelos quais o homem criado e modelado se torna imagem e
semelhança do Deus incriado: o Pai decide e comanda, o Filho executa e modela, o
Espírito alimenta e desenvolve, e o homem progride pouco a pouco e eleva-se a
perfeição, isto é, do Incriado; pois não há perfeito a não ser o Incriado, e este é Deus. 12
d) Eclesiologia
12
Ireneu. Adv. Haer., IV, 38, 1 e 3. in RIBEIRO, Helcion. Introdução. (p.67).
7
e) Mariologia
Da mesma forma que aquela fora seduzida para desobedecer a Deus, esta se deixou
persuadir a obedecer a Deus, para ser – ela, a Virgem Maria – a advogada de Eva, de
sorte que o gênero humano, submetido à morte por uma virgem, fosse dela libertado por
uma Virgem.13
f) Tradição apostólica
13
Adv. Haer., V,19,1. in GOMES, C. Folch. Antologia dos Santos Padres. (p.134).
8
Por fim, Ireneu vai dizer que a tradição apostólica é pneumatológica. “Não se trata
de uma transmissão confiada à habilidade de homens mais ou menos doutos, mas ao
Espírito de Deus, que garante a fidelidade da transmissão da fé”.14
14
Bento XVI. Catequese sobre Santo Ireneu em 28 de Março de 2007.