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Pesquisas em Ciencias Sociais Unidade I

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PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS

UNIDADE I
O QUE É CIÊNCIA?
Elaboração
Paulo Renato Lima

Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração
SUMÁRIO

UNIDADE I
O QUE É CIÊNCIA?................................................................................................................................................................................. 5

CAPÍTULO 1
CONCEITOS ELEMENTARES DE CIÊNCIA.............................................................................................................................. 5

CAPÍTULO 2
INDUTIVISMO E O MÉTODO HIPOTÉTICO-DEDUTIVO................................................................................................ 12

CAPÍTULO 3
PARADIGMAS, RACIONALISMO, RELATIVISMO, OBJETIVISMO E SUBJETIVISMO............................................. 27

CAPÍTULO 4
FEYARABEND, REALISMO E INSTRUMENTALISMO........................................................................................................ 35

REFERÊNCIAS................................................................................................................................................38
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O QUE É CIÊNCIA? UNIDADE I

Capítulo 1
CONCEITOS ELEMENTARES DE CIÊNCIA

1.1. Conceitos de ciência: evolução, discussão e


significado prático
Etimologicamente o termo, ciência é “sinônimo de conhecimento atento e aprofundado
de alguma coisa” sendo que esta definição se refere a “um tipo de conhecimento que se
propõe a revelar a verdade, através do levantamento e análises de suas causas, podendo,
por isso, ser explicado”. (MICHEL, 2015, p. 4).

Nas palavras diretas de Michel (2015, p. 4):

Pode-se concluir que ciência é um “corpo de conhecimentos”, que trabalha


com técnicas especializadas de verificação, interpretação e inferência da
realidade. Assim, é tida como cada um dos inúmeros ramos particulares
e específicos do conhecimento, caracterizados por sua natureza
lógica, experimentável e sistemática, baseada em provas, princípios,
argumentações ou demonstrações que garantam ou legitimem a sua
validade. Ciência entendida como conhecimento pressupõe reflexão ou
experiência sistemática, adquirida pela observação, identificação, pesquisa
e explicação de fenômenos e fatos formulados metódica e racionalmente.
Fazer ciência significa buscar o controle prático da natureza; e nessa busca
incessante, novos meios de controlar e dominar a natureza são produzidos,
sedimentados e consolidados, mas nunca encerrados. Por isso, se diz
que a ciência se propõe a atingir conhecimento sistemático e seguro, de
forma que seus resultados possam ser tomados como conclusões certas,
aceitas, sob condições mais ou menos amplas e uniformes, quando
ocorrem os vários tipos de acontecimentos. A ciência procura “preservar
os fenômenos” e “tornar inteligível o mundo”. A investigação científica
objetiva contribuir para a evolução do conhecimento humano em todas as
áreas e setores da sociedade. Uma pesquisa é considerada científica se sua
realização for objeto de investigação planejada, desenvolvida e redigida
conforme normas metodológicas aceitas pelos órgãos reguladores.

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UNIDADE I | O QUE É CIÊNCIA

No que concerne aos trabalhos acadêmicos da academia, a fim de que possam ser
considerados científicos, precisam produzir ciência, ou dela derivar, e acompanhar
seu modelo de tratamento. Algumas das propriedades da ciência irão permitir a distinção
de qualquer outro corpo de conhecimentos, tornando-a essencial para o progresso e
para a qualidade de vida do homem na Terra. As propriedades da ciência podem ser
vistas no Quadro 1 a seguir.

Quadro 1. Propriedades das ciências.

O espírito científico parte do princípio que nada se revela na aparência; tudo, para ser explicado, deve ser investigado,
criticado, analisado. Essa capacidade de permitir a distinção entre essência e aparência significa que a ciência
fornece, por meio da metodologia, um conjunto de procedimentos racionais, rígidos e lógicos, que permitem
Distinção entre penetrar na essência dos fenômenos perceptíveis pela inteligência humana e chegar à sua verdade. O uso do
essência e aparência método racional para fazer ciência a diferencia das outras formas de conhecimento humano. E uma de suas
particularidades é não aceitar como verdadeiro nada que não seja comprovado, explicado lógica e racionalmente.
E, mesmo comprovado, não garante que será verdade para sempre. Se tudo pode ser explicado, tudo pode ser
melhorado, revisto, reinterpretado, reinventado.
Ciência não é poesia nem especulação. Como busca, o conhecimento científico exige respostas que expliquem lógica
e racionalmente às indagações: por quê? para quê? como? Para considerar-se uma investigação como científica, as
hipóteses levantadas, suas consequências lógicas, assim como outras explicações do mundo e das coisas devem
ser submetidas a rigorosos testes de equivalência com as coisas observáveis, ou seja, com a realidade, e outras
Compromisso com a hipóteses sugeridas. Exemplificando: um agricultor que acumulou um conhecimento ao longo do tempo pela
verdade tradição, vivência, quanto à época do plantio, tipo de cultura, quantidade de água necessária, época da colheita,
como armazenar o produto, terá grandes chances de obter bons resultados. Para ele, nunca houve curiosidade
de saber o porquê da época do plantio, da quantidade de água, da época da colheita, de determinado modo
de armazenamento. A ciência é que dirige o conhecimento para a explicação desses “porquês”. Dominando,
cientificamente, esses “porquês”, o agricultor multiplicará suas condições de obter melhores resultados.
Embora Fé e Ciência jamais devam ser consideradas opostas ou inimigas, a ciência é o processo de desmistificação
e dessacralização do mundo, em favor da racionalidade natural, supondo-se uma ordem das coisas dada e mantida.
Mitos e sagrados são forças que influenciam e direcionam o comportamento do homem, de tal forma que ele
não vê razão para questionar as “verdades”, não se atreve a buscar explicações para os fenômenos. Se dominado
por mitos e sagrados, seu conhecimento do mundo é insuficiente para analisar e criticar o poder das coisas e dos
fenômenos. Se ele entende a lógica e a razão das coisas, mitos e sagrados perdem o poder de influenciação e
Desmistificação e
controle sobre sua vida. Mito (Houaiss) é um “relato fantástico de tradição oral, geralmente protagonizado por seres
dessacralização do
que encarnam, sob forma simbólica, as forças da natureza e os aspectos gerais da condição humana; lenda, fábula,
mundo mitologia”. Podem ser pessoas ou situações, cuja imagem ou conceito idealizado ou estereotipado amplifica-se no
imaginário coletivo, norteando e interferindo na vida das pessoas. Ex.: o número 13 é tido como sinal de azar; um
mito, um artista ou atleta que tenha se destacado com esse número passa a ser modelo de vida das pessoas. Já
“sagrado” refere-se a entidades e crenças religiosas, cultos, ritos, que inspiram veneração, e emanam de poderes e
dons divinos. A ciência, que incentiva o raciocínio, a crítica, a lógica e o racional dos fatos, propriedades e explicações,
é capaz de desmistificar mitos e dessacralizar sagrados.
O compromisso com a teoria resulta no fato de ser ela própria um conjunto de princípios, ou conjunto de tentativas
de explicação de fenômenos. Fazer ciência, em síntese, é reunir bagagem de conceitos teóricos, princípios
Imbricação com a racionalmente aceitos para explicar o mundo e as coisas. Quanto ao compromisso com a análise, a ciência se
teoria, a análise e a ocupa da explicação, da análise e da aplicação dos princípios teóricos encontrados. Procura interpretar fatos, fazer
política precisões, buscar comprovações. E, com a política, ela tem o compromisso ético de orientar como as coisas devem
ou não ser feitas, balizando seus resultados para o bem da humanidade. Ela se responsabiliza pela transição entre
o que é para o como deve ser. Esta é uma postura ligada ao comprometimento social, à ética.
Fonte: Michel (2015, p. 5-6).

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O QUE É CIÊNCIA | UNIDADE I

Ainda de acordo com Michel (2015), são características da ciência:

» análise crítica;

» busca da verdade lógica e reproduzível;

» curiosidade, questionamento, investigação;

» experimentação, comprovação, verificação;

» interpretação e explicação da realidade;

» observação crítica como instrumento;

» pensamento crítico e analítico;

» racionalidade;

» reflexão.

1.1.1. Ciências fundamentais e ciências aplicadas

Os termos ciência pura e ciência aplicada começaram a aparecer no Reino Unido


com mais frequência algum tempo depois de 1840, sendo usados ​​regularmente por
cientistas americanos de cerca de 1880 a 1930, quando a ciência pura começou a ser
substituída pela ciência básica ou fundamental. Mesmo não havendo consenso
sobre como a ciência aplicada difere da ciência pura, por um lado, ou engenharia e
tecnologia, por outro, as distinções feitas entre ciência pura e aplicada são relevantes
para a ética, por exemplo, em função da presença de crenças amplamente aceitas de
que ciência pura é mais ou menos – eticamente – inocente ou neutra, e que quaisquer
questões eticamente problemáticas surgem apenas quando a ciência é aplicada a questões
práticas (WOODRUFF, 2020).

Uma forma geralmente reconhecida para distinguir a ciência pura da aplicada são os
motivos ou objetivos dos cientistas: se alguém está engajado na ciência a fim de
aumentar sua compreensão do mundo, está fazendo ciência pura, ao passo que se está
fazendo ciência para resolver problemas relativos à atividade humana, está fazendo
ciência aplicada. Ainda conforme Woodruff (2020), uma abordagem semelhante, de
caráter mais sociológico, é distinguir a ciência pura da aplicada de acordo com o cenário
e a fonte dos objetivos que direcionam a atividade científica: ciência pura, então, seria
ciência acadêmica, e ciência aplicada é a ciência produzida em firmas comerciais ou
em projetos do governo. Os cientistas na academia têm a liberdade, dentro de limites
amplos, de perseguir seus próprios objetivos, investigando quaisquer assuntos que
despertem sua curiosidade, independentemente de quanto tempo isso leve.

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UNIDADE I | O QUE É CIÊNCIA

Tradicionalmente, suas descobertas são de sua propriedade – isto é, patente, que


geralmente são divididas com a universidade pública quando for este o caso. Com efeito,
cientistas que trabalham para a indústria ou o governo comumente não têm liberdade
para escolher seus próprios objetivos. Ainda de acordo com o autor supracitado, eles
trabalham em projetos de escolha de terceiros e enfrentam limites estritos de tempo
e recursos. Suas descobertas pertencem aos seus empregadores e a porcentagem que
recebem é geralmente bem pequena. Assim, a ciência é pura na medida em que seus
objetivos são internos à prática científica (verdade, demonstração), com mínima
intrusão de objetivos externos (dinheiro, status, bem-estar social).

Em contraste, ciência aplicada refere-se à ciência aplicada a objetivos externos,


normalmente em projetos comerciais ou governamentais. Embora a maioria dos estudiosos
reconheça que a ciência aplicada e pura tem diferentes motivos ou objetivos, alguns
sustentam que os motivos práticos de controle e uso não podem ser a característica
definidora da ciência aplicada, porque, nesta concepção, a ciência conduzida com um
objetivo prático, engenharia e tecnologia são todas Ciência Aplicada.

Ainda assim, o consenso de estudos recentes é de que nem a engenharia nem a


tecnologia são caracterizadas precisamente como ciência aplicada, porque ambas
envolvem formas de conhecimento e habilidade que não são deriváveis ​​de teoria ou
experimento científico. Embora a engenharia e a tecnologia empreguem a ciência entre
seus elementos, elas se distinguem da ciência aplicada por seu conteúdo cognitivo.

A consideração do conteúdo cognitivo sugere que há um segundo sentido do termo


ciência aplicada. Existem, ainda, as chamadas ciências aplicadas, como o termo
é usado, por exemplo, em descrições de escolas ou programas universitários. Aqui
a ciência aplicada se distingue da ciência básica, uma distinção baseada no conteúdo. A
ciência é básica se aumenta a compreensão humana da classe de entidades com a qual
se preocupa. Ciência aplicada, por sua vez, refere-se às ciências que partem de teorias,
modelos e métodos da ciência básica e os usam para entender as propriedades e processos
materiais que prometem possibilitar a síntese de novos materiais ou a criação de novos
processos de geração ou transformação de energia. Por exemplo, optoeletrônica e
eletrocerâmica são ciências aplicadas baseadas particularmente nas teorias físicas
da termodinâmica e cinética (WOODRUFF, 2020).

Há uma sobreposição considerável entre essas distinções no tocante à ciência aplicada


(conteúdo e motivo), isto é, por que as ciências aplicadas são, em última análise,
motivadas por objetivos práticos de controle e uso. No entanto, fazer essa distinção
permite representar com mais precisão casos de, por um lado, ciência aplicada pura
(por exemplo, aspectos físicos, normalmente em ambientes acadêmicos, estudando as

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O QUE É CIÊNCIA | UNIDADE I

propriedades elétricas de materiais cerâmicos, tendo como motivo principal a produção


de conhecimento) e, por outro lado, ciência básica feita com uma intenção prática
(por exemplo, cientistas empregados por empresas de biotecnologia que trabalham na
caracterização de mecanismos moleculares fundamentais).

1.1.2. Implicações éticas

A diferença nos objetivos da ciência pura e da ciência aplicada a questões práticas sugere
uma diferença importante nas normas apropriadas a essas práticas, especificamente uma
diferença nas normas relativas ao procedimento adequado em condições de incerteza,
quando não se sabe ou não se pode prever o resultado de alguns cursos de ação.

Na ciência pura, de acordo com Woodruff (2020), é preferível limitar os falsos positivos
(alegações de um efeito quando nenhum está presente – também conhecidos como
erros Tipo I) em vez de falsos negativos (alegações de nenhum efeito quando um efeito
está presente – erros Tipo II). Ou seja, é pior aceitar uma falsidade (erro Tipo I) do que
rejeitar uma verdade (erro Tipo II). Um julgamento de valor epistemológico desse tipo é
geralmente visto como um ceticismo saudável e cauteloso, uma virtude ao se fazer ciência.

Nas aplicações da ciência em situações de resultados incertos, dois tipos de erros são
relevantes, isto é, pode-se aceitar e desenvolver um aplicativo que se mostre prejudicial em
conjunto ou rejeitar o desenvolvimento de um aplicativo que seja benéfico em equilíbrio.
Quando a racionalidade científica é usada para avaliar situações com esses tipos de
resultados possíveis, o resultado é uma preferência por errar ao aceitar desenvolvimentos
que podem ser prejudiciais, em vez de errar ao rejeitar desenvolvimentos que possam
se provar inofensivos. Se a ciência é vista como aquela que busca maximizar a verdade,
pareceria mais racional avançar com o desenvolvimento do conhecimento, ou suas
aplicações, mas o objetivo da ciência aplicada a questões práticas não é a maximização
da verdade.

Se deve ser vista como a maximização de algo, é a maximização do bem-estar, e uma vez que
o bem-estar é uma preocupação, a racionalidade exige uma consideração de valores
outros que os puramente epistemológicos. Se se adota uma perspectiva utilitarista
consequencialista, a preocupação se concentra não apenas na probabilidade de uma
hipótese ser verdadeira, mas também nas prováveis ​​consequências decorrentes de uma
hipótese.

Erros práticos que surgem na aplicação da ciência podem afetar adversamente um


grande número de pessoas. Se a situação for de incerteza genuína, o que significa que
não é possível atribuir probabilidades a vários resultados, e alguns resultados são
piores do que outros, pode-se argumentar que a estratégia mais racional é agir como se

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UNIDADE I | O QUE É CIÊNCIA

a pior consequência que poderia acontecer acontecerá e, assim, procurar minimizar a


possibilidade do pior cenário possível. Ou seja, em uma situação em que não é possível
atribuir probabilidades a possíveis consequências benéficas ou possíveis consequências
desastrosas, é melhor que se renuncie a possíveis benefícios.

Já caso se adote uma perspectiva deontológica como a de Immanuel Kant (1724-1804),


questões de obrigação social e legal, consentimento informado e a voluntariedade do risco
tornam-se relevantes na decisão de aplicar algum conhecimento científico. Embora as
normas procedimentais apropriadas na ciência pura sejam estritamente epistemológicas,
as normas procedimentais apropriadas para aplicar a ciência a questões práticas são
epistemológicas e éticas.

Além da consideração das diferentes normas procedimentais da ciência pura e da ciência


aplicada, algumas conclusões podem ser tiradas sobre a relevância geral para a ética das
distinções entre ciência pura e ciência aplicada, e ciência básica e ciência aplicada. Para
perspectivas éticas baseadas no dever, como a de Kant, e perspectivas morais baseadas
na virtude com seu foco no caráter, a distinção entre ciência pura e suas aplicações,
baseadas como é nos motivos para a ação, terá significado moral.

Por exemplo, o respeito pela autonomia das pessoas apoiaria a permissibilidade moral de
todas as ciências básicas, independentemente do que pudesse ser feito com o conhecimento
resultante. Em contraste, as abordagens utilitaristas e consequencialistas focalizam as
consequências previsíveis, e não os motivos, e a distinção pura/aplicada terá pouca
importância. Se for possível prever que o conhecimento adquirido de alguma ciência
básica provavelmente produzirá mais mal do que bem, os motivos dos cientistas são
irrelevantes: tal conhecimento não deve ser adquirido, pelo menos não no contexto
referenciado, como devem proceder, mas também se devem proceder.

Com respeito à distinção básica/aplicada com relação ao conteúdo, aqueles para


quem as consequências determinam a correção das ações não se preocuparão se essas
consequências resultam da ciência básica ou aplicada. Para os não consequencialistas,
a ciência aplicada pura, como a ciência básica, sempre pareceria permissível, enquanto
a moralidade da aplicação prática da ciência aplicada dependeria de os envolvidos
cumprirem suas obrigações para com os outros.

Ainda resta considerar um ponto importante. Certamente é comum falar de ética pura
e aplicada, arte pura e aplicada – e, em raras ocasiões, podem ser feitas distinções entre
engenharia ou tecnologia pura e aplicada. Com relação à ética, a distinção pura/aplicada
pode, como na ciência, ser traçada com base em motivos ou conteúdo. Com referência
aos motivos, as pessoas buscam a reflexão ética no sentido puro simplesmente como

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O QUE É CIÊNCIA | UNIDADE I

um tópico de interesse por direito próprio, ou no sentido aplicado quando o fazem para
levar uma vida melhor.

Tal como acontece com a ciência, o contexto sociológico da primeira provavelmente


seria a universidade, da última, um ambiente clínico ou prático (em algumas interpretações,
a busca da primeira leva a uma vida melhor). Com referência ao conteúdo, a ética pode
ser básica no sentido de estar envolvida com o conhecimento fundamental de teorias e
princípios, ou aplicada no sentido de tomar decisões particulares. Se e em que medida
a análise posterior das diferentes avaliações epistemológicas e éticas dos erros Tipo I e
Tipo II se aplica, é uma questão que permanece em aberto.

No entanto, no que diz respeito à arte pura/aplicada, pode-se sugerir que reflexões
paralelas seriam relevantes. No que diz respeito à engenharia e tecnologia e à distinção
pura/aplicada, as questões tornam-se mais problemáticas. Em parte, isso se deve ao
fator de aplicação que já está embutido nessas disciplinas.

Qualquer engenharia pura ou tecnologia pura, buscada por si mesma, é, entretanto,


algo mais intimamente relacionado com o mundo e, portanto, mais diretamente sujeito
à avaliação ética do que a ciência pura ou básica. Segundo Woodruff (2020), é difícil
imaginar a engenharia ou a tecnologia sendo tão pura ou básica em um sentido eticamente
relevante quanto a ciência pura ou básica.

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Capítulo 2
INDUTIVISMO E O MÉTODO HIPOTÉTICO-DEDUTIVO

2.1. Indutivismo
O termo indução é apresentado por Aristóteles, ao lado da dedução (silogismo),
como um dos caminhos pelos quais são estabelecidos os argumentos que sustentam as
crenças, e cujo significado representa o procedimento em que, baseado nas observações
singulares de casos específicos, são elaboradas leis e conclusões gerais, isto é, “a passagem
dos particulares ao universal”. Vale destacar que para Aristóteles, o silogismo nada
mais é do um “argumento em que, dadas certas proposições, algo distinto delas resulta
necessariamente, pela simples presença das proposições aduzidas”, com efeito, trata-se
de uma “demonstração quando parte de premissas evidentes e primeiras, ou de premissas
tais que, o conhecimento que delas temos, radica nas premissas primeiras e evidentes.”
(ARISTÓTELES, 1987, p. 9)

Em termos históricos, a concepção de ciência – caracterizada por um desdobramento


metodológico a partir do início do século XVII – tem como um de seus pilares o método
indutivo, um critério que usa a experiência e a observação como critério científico. Seu
acolhimento como método científico é uma incursão à postura contemplativa do método
dedutivo praticado pela escolástica (CAPRA, 1995, p. 51).

Escolástica, literalmente,

[...] significa filosofia da escola. Como as formas de ensino medieval


eram duas (Jectio, que consistia no comentário de um texto, e disputatio,
que consistia no exame de um problema através da discussão dos
argumentos favoráveis e contrários), na escolástica a atividade literária
assumiu predominantemente a forma de comentários ou de coletâneas
de questões. (ABBAGNANO, 2000, p. 334)

Segundo Capra (1995), o filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626) se configura como um
dos precursores do método indutivo na modernidade, defendendo que esse seria o método
mais adequado para os trabalhos científicos. O processo indutivo, como procedimento
lógico de construção do conhecimento, foi incorporado também por empiristas dos
séculos XVI e XVII, os quais destacavam o papel do método experimental rigoroso, por
meio de experiências minuciosas de vários casos particulares e da relação entre eles, para
formular conclusões gerais, em que se pode ter nos seguintes aforismos de Francis Bacon
uma expressão nítida da abordagem dada por esta corrente do pensamento científico.

Aforismo XIII: “O silogismo não é empregado para o desenvolvimento


dos princípios das ciências; é baldada a sua aplicação a axiomas

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O QUE É CIÊNCIA | UNIDADE I

intermediários, pois se encontra muito distante das dificuldades da


natureza. Assim é que envolve nosso assentimento, não as coisas”. (...)
Aforismo XIV: “O silogismo consta de proposições, as proposições de
palavras, as palavras são o signo das noções. Pelo que, se as próprias
noções (que constituem a base dos fatos) são confusas e temerariamente
abstratas das coisas, nada que elas depende pode pretender solidez.
Aqui está por que a única esperança radica na verdadeira indução”.
(...) Aforismo XIX: “Só há e só pode haver duas vias para a investigação
e para a descoberta da verdade. Uma, que consiste no saltar-se das
sensações e das coisas particulares aos axiomas mais gerais e, a seguir,
descobrirem-se os axiomas intermediários a partir desses princípios
e de sua inamovível verdade. Esta é a que ora se segue. A outra, que
recolhe os axiomas dos dados dos sentidos e particulares, ascendendo
contínua e gradualmente até alcançar, em último lugar, os princípios
de máxima generalidade. Este é o verdadeiro caminho, porém ainda
não instaurado.” (BACON, 1999, p. 35-36).

Vale ressaltar que as abordagens indutivistas de Aristóteles e de Bacon possuem


perspectivas diferenciadas, pois, sobre este aspecto,

[...] a verdadeira diferença entre Bacon e Aristóteles é que, para Bacon,


a nova disciplina do procedimento indutivo por ele proposta (disciplina
que consiste na formação de tábuas que selecionem e classifiquem as
experiências e na instituição de experiências de verificação) permite
atingir com certeza a substância, de que, segundo Aristóteles, a indução
só pode aproximar-se de maneira incerta ou imprecisa e cuja necessidade
só pode ser atingida pelo processo dedutivo. (ABBAGNANO, 2007a, p.
557-558).

Sobre esse aspecto, enquanto a perspectiva aristotélica busca principalmente construir


premissas de seus silogismos, a perspectiva indutivista adotada por Bacon procura,
por meio da observação de casos, estabelecer uma representação geral e da experiência
verificar empiricamente suas conclusões.

No início do período moderno, os pensadores procuram delinear uma ciência mais


independente – uma tarefa estabelecida gradativamente, que livraria o conhecimento
científico do jugo da autoridade da igreja – e foram obrigados a verberar contra o
método em vigor até então, a saber: o dedutivismo escolástico. Em substituição ao
antigo método é alvitrado o indutivismo. As indagações importantes são: qual seria o
real papel do método indutivo? Quais os problemas inerentes a essa adoção? Sua eficácia
na construção de hipóteses é isenta de críticas? Antes de nos atermos a essas questões
é preciso explicar os conceitos de dedução e indução concebidos aqui.

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UNIDADE I | O QUE É CIÊNCIA

Segundo Paixão (2007), a natureza do argumento indutivo é de consequência, mas


com um viés apenas probabilístico. Por outro lado, um argumento dedutivo válido
tem caráter de necessidade, ou seja, se suas premissas forem verdadeiras, a conclusão
obrigatoriamente também será. Observe o exemplo:

» Um dia meu joelho doeu e depois choveu P1

» Repetidas vezes meu joelho doeu e depois choveu P2

» Logo, sempre que meu joelho doer vai chover Conclusão

Ignorando a jocosidade do exemplo, temos que P1 descreve uma particularidade enquanto


P2 descreve a repetição ou análise de casos semelhantes à P1. Dado que a conclusão emerge
do exame de casos particulares para uma generalização, dizemos, então – segundo o
exemplo dado – que somos induzidos a admitir que “sempre que meu joelho doer vai
chover”. Tomemos agora o seguinte exemplo:

» Todo homem é mortal P1

» Nietzsche é homem P2

» Logo, Nietzsche é mortal. Conclusão

Percebemos agora que há uma inversão de pressupostos inferenciais. Partimos da


ideia de uma generalidade (P1). Em seguida, comparamos o conceito genérico com um
particular. Se for constatado que as características do particular (P2) permitem uma
associação com o conceito genérico, deduzimos que ele pertence àquela generalidade.
Esclarecido esse ponto de nossa abordagem epistemológica, podemos vislumbrar o que
intencionamos em nossa narrativa, a saber: uma investigação da atribuição do método
indutivo e o alvitre do método hipotético-dedutivo por Karl Popper (1902-1994).

Assim, o pesquisador deve recolher o maior número possível de informações a partir


das observações de casos particulares, pois, só assim é possível fazer predições, ou seja,
estabelecer conclusões universais. Essa generalização se converte em uma lei da natureza.
Popper (2004, p. 27) oferece mais detalhes:

Tomemos um exemplo para ajudar em nosso entendimento da


aplicabilidade do método indutivo. Ao medirmos a temperatura de
um recipiente com água, e concomitantemente proporcionamos seu
aquecimento, verificamos que o limite de aquecimento será de 100º C.
Aqui a água começa a ferver. Se repetirmos a experiência observaremos os
mesmos resultados. Conclusão: o ponto de ebulição da água é de 100ºC.

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O QUE É CIÊNCIA | UNIDADE I

Assim, concordando com Reale (2006), é notório que o uso do método indutivo contribuiu
– e contribui – para o desenvolvimento da pesquisa científica. Foi por seu intermédio
que, por exemplo, Galileu Galilei (1564-1642) demonstrou que a física de Aristóteles
(384 a.C.- 322 a.C.) – ainda muito valorizada no início da modernidade – apresentava
problemas cruciais. Ao desenvolver experiência com bolas de metal de massas distintas
(deixando-as despencar de uma mesma altura), Galileu concluiu que o tempo da trajetória
até o solo era o mesmo, enquanto a física aristotélica afirmava que objetos mais pesados
caem com maior rapidez. Também foi utilizando o método indutivo que Gregor Mendel
(1822-1884) delineou as leis fundamentais da genética (CAPRA, 1995).

No entanto, como assevera Reale (2006), os méritos adjudicados ao método indutivo,


se tomado isoladamente, não resolve todos os problemas levantados pela ciência
contemporânea. Segundo Reale (2006), a polêmica que inaugura a epistemologia
contemporânea foi promovida pelos filósofos ingleses Willian Whewell (1794-1866)
e John Stuart Mill (1806-1873) ao questionarem qual seria a importância do método
indutivo para o desenvolvimento do conhecimento científico.

A rigor, para Stuart Mill (1984), a indução seria fundamentada na experiência particular
com o intuito de estabelecer generalidades. De modo categórico, Whewell entendia que,
além dos dados empíricos, a indução trabalhava com conceitos inatos que organizam e
relacionam as experiências. Contudo, de acordo com Benegas (2000), o chauvinismo
proporcionado pelas realizações do método indutivista não escamoteia a sua limitação,
a saber: de que o indutivismo trabalha com generalizações oriundas de observações
de casos particulares sem estabelecer o nexo causal que fundamente essas mesmas
generalizações.

Retomemos o exemplo do recipiente com água que tem como ponto de ebulição 100ºC.
Admitindo condições normais de pressão – experiência realizada ao nível do mar –
podemos inferir probabilisticamente que o resultado se repetirá, mas não temos nenhum
critério para estabelecer uma certeza, não há nada que proporcione tal inferência, que
possa garantir essa relação de causalidade como lei geral – aplicável em qualquer lugar
e em qualquer tempo ou circunstâncias. Com efeito, estamos diante da limitação do
indutivismo.

Além disso, as teorias científicas não se resumem a generalizações, de saltos quantitativos


de casos particulares, corroborados pela experiência, pois os “protocolos não são de
natureza absoluta e definitiva” (REALE, 2006, p. 141). Por exemplo, a teoria da evolução
das espécies, desenvolvida por Charles Darwin (1809-1882), descreve a evolução dos seres
vivos como mutações genéticas constantes associadas a uma disputa pela sobrevivência
e reprodução. Com efeito, Darwin não teria chegado a essa conclusão por meio da

15
UNIDADE I | O QUE É CIÊNCIA

utilização do método indutivo – a evolução das espécies é um processo lento demais


para se resumir a poucos casos de observações –, mas por intermédio de exames de fatos
aparentemente desconexos (vestígios fósseis, semelhanças anatômicas entre diferentes
espécies, mudanças sutis na coloração de uma espécie de borboleta etc.) pode delinear
uma hipótese coerente com esse conjunto de dados (CAPRA, 1995).

Dito de outro modo, a hipótese é de extrema relevância para o desenvolvimento da


pesquisa científica. Mas ela depende da razão – dado que ela, criativamente, processa
(sintetiza, relaciona e formula) informações e conceitos fundamentais para os trabalhos
da ciência. Elaborando hipóteses, o pesquisador necessita da razão para delimitar as
relações e sistematizar os dados empíricos na estrutura geral de uma teoria, ou seja, as
leis da natureza delineadas pelo método indutivo precisam se submeter a uma articulação
entre si, em um quadro mais amplo que é a teoria.

Sem essa articulação, o conhecimento exclusivamente via método indutivo, não gerará
conhecimento científico. Se levarmos em conta, por exemplo, a afirmação de Newton
(1643-1727) que diz que “todos os corpos se atraem em proporção direta as suas massas
e em proporção inversa ao quadrado da distância entre eles” ou a lei de Avogadro que
estabelece que “todos os gases na mesma temperatura e pressão contêm o mesmo número
de moléculas por unidade de volume”, podemos perceber nitidamente que o problema
da indução põe em xeque a autoridade dessas leis, pois, se os indícios de que dispomos
são simplesmente que essas leis funcionaram até o momento, como podemos estar
certos de que elas não serão refutadas por ocorrências futuras? Essa é uma pergunta
que David Hume (1711-1776) fazia com frequência.

2.2. Problema da indução


À medida que as ciências adotam os procedimentos indutivos, emergem incertezas nas
conclusões obtidas tendo em vista a impossibilidade intrínseca da razão humana em
garantir a exatidão absoluta na generalização devido à incapacidade inerente ao homem
de captar intelectivamente a totalidade, bem como da inexistência de garantia de não
ocorrência de mudanças condicionantes no decorrer do tempo. Este fato caracteriza o
que se denomina de problema da indução, sendo detalhadamente exposto por Hume
da seguinte forma:

Mas, se ainda perseverarmos em nosso espírito esmiuçador e


perguntarmos Qual é o fundamento de todas as nossas conclusões a
partir da experiência?, isso introduz uma questão nova que pode ser ainda
mais difícil de solucionar e esclarecer [...]. Afirmo, portanto, que, mesmo
após termos experiência das operações de causa e efeito, as conclusões
que retiramos dessa experiência não estão baseadas no raciocínio ou em

16
O QUE É CIÊNCIA | UNIDADE I

qualquer processo do entendimento [...]. Esta [experiência] simplesmente


nos exibe uma multiplicidade de efeitos uniformes resultantes de certos
objetos, e nos ensina que aqueles particulares objetos, naquela ocasião
particular, estiveram dotados de tais e tais forças e poderes. Quando um
novo objeto se apresenta, dotado de qualidades sensíveis semelhantes,
esperamos encontrar poderes e forças semelhantes, e procuramos por
um efeito semelhante [...]. Se alguém disser que uma proposição foi
inferida da outra, deverá confessar que a inferência não é intuitiva, e
tampouco é demonstrativa. De que natureza é ela, então? Dizer que
é experimental é supor resolvida a própria questão que se investiga,
pois todas as inferências a partir da experiência supõem, como seu
fundamento, que o futuro irá assemelhar-se ao passado, e que poderes
semelhantes estarão associados a qualidades sensíveis semelhantes.
Se houver qualquer suspeita de que o curso da natureza possa vir a
modificar-se, e que o passado possa não ser uma regra para o futuro,
toda a experiência se tornará inútil e incapaz de dar origem a qualquer
inferência ou conclusão. É, portanto, impossível que algum argumento
a partir da experiência possa provar essa semelhança do passado com o
futuro, dado que todos esses argumentos estão fundados na pressuposição
dessa mesma semelhança. Por mais regular que se admita ter sido até
agora o curso das coisas, isso, isoladamente, sem algum novo argumento
ou inferência, não prova que, no futuro, ele continuará a sê-lo. É fútil
alegar que conhecemos a natureza dos corpos com base na experiência
passada; sua natureza secreta e, consequentemente, todos seus efeitos
e influências podem modificar-se sem que suas qualidades sensíveis
alterem-se minimamente. Isso ocorre algumas vezes, e com relação a
alguns objetos; por que não poderia ocorrer sempre e com relação a
todos? Qual lógica, qual sequência de argumentos nos garante contra essa
suposição? Todas as leituras e investigações não foram até agora capazes
de pôr fim à minha dificuldade, ou de prover algum esclarecimento em
um assunto de tamanha importância. Haveria algo melhor a fazer do que
trazer a público essa dificuldade, mesmo que talvez se tenham poucas
esperanças de obter uma solução? (HUME, 2004, p. 61-69)

Foi basicamente nesses termos que o problema da indução foi posto no mundo
moderno, sendo-lhe apresentada três alternativas de soluções fundamentais: a solução
objetivista, a qual consiste em considerar a existência de regularidades que denotam
uniformidade da natureza capaz de admitir a generalização das experiências
uniformes; a solução subjetivista, a qual consiste em admitir a uniformidade categórica
do intelecto, e, por consequência, da forma geral da natureza que dele depende; e a
solução pragmática, ou crítica, que reconhece a impossibilidade de justificação teórica
sem negar a legitimidade do problema, adotando a interpretação probabilística da
ocorrência de determinadas regularidades em amostras examinadas, supondo-se que as
referidas proporções se mantêm-se para todos os exemplos, salvo provas em contrário.

17
UNIDADE I | O QUE É CIÊNCIA

Entretanto, para além das três soluções, o problema da indução ainda não se desenlaça
plenamente na medida em que não se verifica fundamentação lógica sustentável que
justifique predições. Mesmo quando se busca alternativas fundamentadas nas justificações
sobre a existência de características que se manifestam com regularidade no tempo e
espaço como essências permanentes (problema dos universais), as evidências não nos
permitem solucionar na prática a questão, pois

[...] se o realismo fosse a solução, o universal seria a designação de todos os


objetos de uma mesma espécie considerados naquilo que subexiste ou sub-
está em cada um deles. Assim a passagem do particular para o universal
exigirá o conhecimento do que subexiste ou sub-está em cada e em todos
os objetos de uma mesma espécie [...]. Se o nominalismo conseguisse
se impor como explicação coerente dos universais, estes seriam apenas
nomes com função única de predicado de um objeto particular. E a
passagem do particular para o universal exigiria a predicação deste
universal a cada um e a todos os objetos passíveis de predicação [...].
Se o transcendentalismo kantiano garante que sem a pressuposição
de conceitos a priori nada pode ser objeto da experiência; se diz que o
célebre Locke, por falta destas considerações e por ter encontrado na
experiência conceitos puros do entendimento, desviou-os desta, mas
procedeu com tal inconsequência que se atreveu a alcançar, deste modo,
conhecimentos que ultrapassam todos os limites da experiência [...]; e se,
finalmente assevera que a ciência repousa nos juízos sintéticos a priori
não é aqui que se encontrarão elementos de defesa para o princípio de
indução (BARRETO; MOREIRA, 2003, p. 41-42).

Frente à insolubilidade detectada do problema da indução, os delineamentos que


associam as lógicas da indução com dedução ocupam espaços de maior envergadura no
estabelecimento de procedimentos mais consistentes de desenvolvimento do conhecimento
científico. No que se refere à abordagem dedutiva, entendida como a “relação pela qual
uma conclusão deriva de uma ou mais premissas”, pode-se distinguir as seguintes
interpretações:

1ª a que a considera fundada na essência necessária ou substância dos


objetos a que se referem as proposições; 2ª a que a considera fundada na
evidência sensível que tais objetos apresentam; 3ª a que nega que essa
relação tenha um único fundamento e a considera decorrente de regras
cujo uso pode ser objeto de acordo. (ABBAGNANO, 2007b, p. 557-558).

A primeira interpretação (denominada de aristotélica), assume a necessidade de as


premissas serem universais, referindo-se ao objeto em sua totalidade, isso é, a substância
do objeto ou à essência necessária a sua caracterização.

18
O QUE É CIÊNCIA | UNIDADE I

A segunda interpretação (denominada de estoica) assume a necessidade de as premissas


serem fundamentadas na percepção verificável dos fatos sensíveis, substituindo o ponto
de vista predominantemente racional e abstrato da teoria aristotélica pelo “dado sensível”
como fundamento explícito.

Já a terceira interpretação (denominada de convencionalista), formulada pela lógica


contemporânea, não assume a necessidade invariável das premissas se basearem
exclusivamente na substância/essência dos objetos nem nas suas evidências sensíveis
como fatos, e sim, admite que as naturezas das premissas são definidas arbitrária e
convencionalmente sempre que a interpretação do sistema linguístico impuser num
determinado momento (DESCARTES, 1989).

Ao proceder a uma breve análise comparativa entre os princípios metodológicos que


definem a natureza dos processos indutivos e dedutivos de produção do conhecimento
científico identificam-se direcionamentos peculiares de cada processo ao se levar em
consideração a configuração de leis e teorias gerais em relação às situações particulares
que integram os sistemas representativos do conjunto de elementos que caracterizam
o objeto de estudo.

É válida uma ressalta, considerando uma escala de possibilidade indutiva, nós fugimos
daquele velho e antiquado padrão que diferencia indução e dedução apenas dizendo que
indução parte do particular para o geral, e dedução, do geral para o particular. Isso não
está incorreto, mas é uma forma muito reducionista de enxergar a discrepância entre
ambas e, infelizmente, quase não vemos tal diferenciação em grande parte da literatura,
empobrecendo a difusão da Lógica. Dedução tem força argumentativa, enquanto indução
tem menos, e falácia, zero, conforme mostra a figura a seguir:

Figura 1. Escala de possibilidade indutiva.

Dedutivo (100%)
Necessário (maximal)

Indutivo (50%)

Impossibilidade (0%)
Falácia

Fonte: Elaborada pelo autor.

19
UNIDADE I | O QUE É CIÊNCIA

É por este motivo que, em Lógica, não podemos dizer que a ciência é dedutiva,
contrariamente aos pensamentos de Karl Popper (1902-1994), pois, mesmo que a
teoria (ou até mesmo a lei, que pode mudar em diferentes sentenças, como a questão da
completa diferença de propriedade da gravidade na Física Clássica e na Física Quântica)
seja plenamente corroborada, a mudança de paradigma pode ocorrer (Thomas Kuhn).

Em outras palavras, o nível absoluto de certeza na ciência não pode ser alcançado, por
isto, à luz de um pensamento Lógico, toda ciência seria indutiva, como propôs Bacon.
Mas, em um “grau especial”.

Nesta linha, poderíamos entender:


Válidos → deduções (argumentos dedutivos)
Lógica → Argumentos Induções (argumentos indutivos)
Inválidos
Falácias / sofismas / paralogismos

Por mais que, em uma primeira impressão, transpareça que as duas posturas metodológicas
sinalizam vias isoladas e exclusivas a serem empregadas no processo de descoberta e
descrição das coisas, existem complementaridades assumidas por diversas correntes
de pensamento variando no enfoque dado ao valor (legitimidade) e predominância
da natureza indutiva e dedutiva incorporada no processo de desenvolvimento do
conhecimento científico.

2.3. Método hipotético-dedutivo e o falsificacionismo/


verificacionismo
Dialogando com as vias indutivas e dedutivas, Descartes faz transparecer que os processos
analíticos e sintéticos se articulam respectivamente na busca de reduzir a complexidade
dos problemas e de concatenar conclusões gerais. Segundo ele,

[...] assim, em vez desse grande número de preceitos que a lógica é


composta, acreditei que me bastariam os quatro seguintes, contanto
que tomasse a firme e constante resolução de não deixar uma única
vez de observá-los. O primeiro era de nunca aceitar coisa alguma como
verdadeira sem que a conhecesse evidentemente como tal; ou seja, evitar
cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e não incluir em meus
juízos nada além daquilo que se apresentasse tão clara e distintamente
a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida.
O segundo, dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas
parcelas quantas fosse possível e necessário para melhor resolvê-las. O

20
O QUE É CIÊNCIA | UNIDADE I

terceiro, conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos


mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir pouco a pouco, como
por alguns degraus, até o conhecimento dos mais compostos; e supondo
certa ordem mesmo entre aqueles que não precedem naturalmente uns
aos outros. E, o último, fazer em tudo enunciações tão completas, e
revisões tão gerais, que eu tivesse certeza de nada omitir. Essas longas
cadeias de razões, tão simples e fáceis, de que os geômetras costumam
servir-se para chegar às suas mais difíceis demonstrações, levaram-me
a imaginar que todas as coisas que podem cair sob o conhecimento dos
homens encadeiam-se da mesma maneira, e que, com a única condição
de nos abstermos de aceitar por verdadeira alguma que não o seja, e
de observarmos sempre a ordem necessária para deduzi-las umas das
outras, não pode haver nenhuma tão afastada que não acabemos por
chegar a ela e nem tão escondida que não a descubramos (DESCARTES,
1996, p. 23-24).

Entendido como Hipotético-Dedutivo, o método cartesiano imprime uma relação entre


abordagens indutivas e dedutivas identificada na constante releitura da realidade por
meio da experiência condicionada ao recurso das hipóteses, cuja função não seria elevar
a falsidade de uma proposição ao patamar da verdade, e sim, de maneira racional,
compreender pela verificabilidade experimental certos fenômenos cuja explicação não
se apresenta de forma evidente (ANDRADE, 2006).

Já Auguste Comte (1798-1857), ao assumir uma postura enfaticamente racionalista


de separação mútua e excludente entre metafísica, teologia e ciência positiva como
sistemas gerais de Filosofia empregados nas investigações sobre os fenômenos, enfatiza
a dimensão factual na coordenação entre as abordagens indutiva e dedutiva na produção
do conhecimento argumentando que

[...] no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade


de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do
universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para preocupar-se
unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e
da observação, suas leis, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e
de similitude. A explicação dos fatos, reduzida então a seus termos reais,
se resume de agora em diante na ligação estabelecida entre os diversos
fenômenos particulares e alguns fatos gerais, cujo número o processo
da ciência tende cada vez mais a diminuir (COMTE, 1988, p. 4).

Assumindo uma perspectiva pragmática e predominantemente empírica quanto à


produção do conhecimento, Stuart Mill denota que “a justificação das leis científicas

21
UNIDADE I | O QUE É CIÊNCIA

é uma questão de satisfazer o esquema indutivo. O papel da lógica indutiva é fornecer


regras para a avaliação dos juízos sobre a conexão causal” (NASCIMENTO JÚNIOR,
1998, p. 44). Segundo o pesquisador inglês, no contexto do método hipotético-dedutivo,

Hipótese é a suposição que se faz (seja sem prova atual, seja com provas
reconhecidamente insuficientes) para tentar deduzir dela conclusões
concordantes com fatos reais, na idéia de que as conclusões às quais
a hipótese conduz são verdades conhecidas, a hipótese em si deve ser
verdadeira ou pelo menos verossimilhante. Se a hipótese se vincula à causa
ou ao modo de produção do fenômeno, servirá, uma vez admitida, para
explicar os fatos suscetíveis de serem deduzidos dela; e esta explicação
é o objetivo de um grande número, se não a maior parte, das hipóteses
[...]. Vemos, pelo que precede, que as hipóteses são inventadas para
acelerar a aplicação do método dedutivo. Ora, para descobrir a causa
de um fenômeno por esse método, o procedimento consiste em três
etapas: a indução, o raciocínio e a verificação [...]. O método hipotético
suprime a primeira dessas três operações (a indução constatando a lei)
e se contenta com as duas outras (o raciocínio e a verificação). A lei
de que se deduzem consequências é suposta em vez de provada. Este
procedimento pode evidentemente ser legitimado por uma condição, a
saber, que a natureza do caso seja tal que a operação final, a verificação,
equivalerá a uma indução completa. Se a lei hipoteticamente estabelece
resultados verdadeiros, esta será a prova de que ela mesma é verdadeira,
desde que o caso seja tal que uma lei falsa não possa conduzir também a
um resultado verdadeiro, e que nenhuma outra lei, a não ser a suposta,
conduza às mesmas conclusões (MILL, 1984, 232-233).

Embora a integração entre as vias de indução e dedução gere significativos efeitos


práticos para a humanidade, oriundos da produção de conhecimentos sistematizados
pela validação de leis/teorias ou hipóteses indutivamente estabelecidas, por meio de
desenhos metodológicos essencialmente empiristas indutivo-dedutivo (Comte), ou
hipotético-dedutivo (Descartes e Mill), o problema da indução nesses modelos continua
sem solução.

Sobre esse aspecto, a desistência em admitir que há sentido (legitimidade) na proposição


do problema da indução tem sido adotada como única alternativa coerente por vários
estudiosos contemporâneos ao sistematizarem caminhos de produção de conhecimento
geradores de enunciados capazes de transmitir nexos próximos ao que poderia ser
considerado verdadeiro.

22
O QUE É CIÊNCIA | UNIDADE I

Essa postura quanto à ilegitimidade é percebida ao se comparar as diferenças entre as


concepções de vários pesquisadores referente às questões nucleares relacionadas com
o problema da indução no que diz respeito aos pontos de vista:

» Lógico: somos justificados em raciocinar partindo de exemplos (repetidos), dos


quais temos experiência, para outros exemplos (conclusões), dos quais não temos
experiência?

» Psicológico: por que, não obstante, todas as pessoas sensatas esperam, e creem
que exemplos de que não têm experiências conformar-se-ão com aqueles de que
têm experiência?

» Epistemológico: que função lógica tem a indução relativamente à busca do


conhecimento? É método de descoberta? É método de validação? Ou não tem
nenhuma função lógica no decurso de busca do conhecimento? (BARRETO;
MOREIRA, 2003).

Seguindo esta linha de pensamento, Karl Popper se destaca como nome de proeminência
ao descartar o “problema da indução” como cientificamente ilegítimo e assumir uma
abordagem hipotético-dedutiva de falseamento de leis e teorias (consideradas conjecturas/
hipóteses) como única via metodológica capaz de testar suas consistências, identificando
incongruências com o propósito de estabelecer enunciados próximos da verdade conforme
suas capacidades de resistirem ao crivo das tentativas críticas de torná-los falsos, ao
invés de buscar evidências experimentais que possam assumir a função de validadoras
de enunciados. Desta forma, nas próprias palavras de Popper,

[...] o que deve ser abandonado é a busca da justificação no sentido de


justificar a alegação de que uma teoria é verdadeira. Todas as teorias são
hipóteses; todas podem ser derrubadas [...] nossas discussões críticas de
teorias são dominadas pela idéia de encontrar uma teoria explanativa
verdadeira (e vigorosa); e justificamos nossas preferências por um apelo à
idéia de verdade; a verdade desempenha o papel de uma idéia reguladora.
Testamos pela verdade, eliminando a falsidade. O fato de não podermos
dar a nossas suposições uma justificativa – ou razões suficientes – não
significa que o suposto possa não ser verdade; algumas de nossas hipóteses
bem podem ser verdadeiras [...] todas as línguas são impregnadas de
teoria, o que significa, sem dúvida uma revisão radical do empirismo. Isso
me fez também encarar a atitude crítica como característica da atitude
racional; e conduziu-me a ver a significação da função argumentativa
(ou crítica) da linguagem, à idéia da lógica dedutiva com o sistema de
investigação da crítica e a acentuar a retransmissão da falsidade a partir
da conclusão para as premissas (corolário da transmissão da verdade a
partir das premissas para a conclusão) (POPPER, 1975, p. 39-40).

23
UNIDADE I | O QUE É CIÊNCIA

Neste processo, a linguagem (como campo teórico de disputa crítica) e o método (como
campo empírico de testagem) assumem papéis centrais na diferenciação proposta entre
ciência e não ciência no estabelecimento dos critérios de demarcação da validade de
enunciados. De acordo com a perspectiva hipotético-dedutiva popperiana,

A teoria do método, na medida em que se projeta para além da análise


puramente lógica das relações entre os enunciados científicos, diz respeito
à escolha dos métodos – a decisões acerca da maneira de manipular
enunciados científicos [...]. Estou pronto a admitir que se impõe uma
análise puramente lógica das teorias, análise que não leve em conta a
maneira como essas teorias se alteram e se desenvolvem. Contudo, este
tipo de análise não elucida aqueles aspectos das ciências empíricas que
eu prezo muito [...]. Caso alguém insista em prova estrita (ou estrita
refutação) em ciências empíricas, este alguém jamais se beneficiará da
experiência e jamais saberá como está errado. Consequentemente, se
caracterizarmos a ciência empírica tão somente pela estrutura lógica
ou formal de seus enunciados, não teremos como excluir dela aquela
dominante forma de Metafísica proveniente de se elevar uma teoria
científica obsoleta ao nível de verdade incontestável (POPPER, 1987,
p. 51-52).

Após tecidas as considerações anteriores percebe-se que a lógica indutiva é abordada


de maneira diferenciada de acordo com a perspectiva adotada pelas várias correntes
de pensamento em seus sistemas de produção do conhecimento científico. A lógica
indutivista, tanto tem sido incorporada como via única ou compartilhada com a lógica
dedutiva (por meio de métodos empírico-dedutivos ou hipotético-dedutivos) para
proceder à verificabilidade de leis e teorias, quanto descartada pelos métodos inspirados
pela lógica hipotético-dedutiva popperiana que se propõem, por meio de abordagens
dedutivas, falsear enunciados científicos visando testar suas consistências.

Nesse sentido, a falsificação desempenha papel fundamental na solução proposta de


Popper para o infame problema de indução de David Hume. Na interpretação de Popper,
o problema de Hume envolve a impossibilidade de justificar a crença em leis gerais com
base em evidências que dizem respeito apenas a casos particulares. Popper concorda com
Hume que o raciocínio indutivo nesse sentido não poderia ser justificado e, portanto,
rejeita a ideia de que a evidência empírica a respeito de determinados indivíduos, como
as previsões bem-sucedidas, é, de qualquer forma, relevante para confirmar a verdade
das leis ou teorias científicas gerais. 

Isso coloca a visão de Popper em contraste explícito com empiristas lógicos como
Rudolf Carnap (1891-1970) e Carl G. Hempel (1905-1997), que desenvolveram

24
O QUE É CIÊNCIA | UNIDADE I

sistemas matemáticos extensos de lógica indutiva com a intenção de explicar o grau de


confirmação das teorias científicas por evidências empíricas.

Como comentamos anteriormente, Popper também argumenta que existem de fato


dois problemas de indução intimamente relacionados: o problema lógico da indução e
o problema psicológico da indução.

» Problema lógico da indução: diz respeito à possibilidade de justificar a crença


na verdade ou falsidade de leis gerais com base em evidências empíricas que
dizem respeito apenas a indivíduos específicos. Popper sustenta que o argumento
de Hume a respeito desse problema estabelece para sempre que todas as nossas
leis ou teorias universais permanecem para sempre suposições, conjecturas [e]
hipóteses. No entanto, Popper afirma que, embora uma previsão bem-sucedida
seja irrelevante para confirmar uma lei, uma previsão falhada pode falsificá-la
imediatamente. Na visão de Popper, então, observar 1.000 cisnes brancos não faz
nada para aumentar nossa confiança de que a hipótese “todos os cisnes são brancos”’
é verdadeira; entretanto, a observação de um único cisne negro pode, sujeito às
ressalvas mencionadas nas seções anteriores, falsificar essa mesma hipótese.

» Problema psicológico da indução: diz respeito à possibilidade de explicar por


que pessoas razoáveis, no entanto, têm a expectativa de que instâncias não observadas
obedecerão às mesmas leis gerais que as instâncias observadas anteriormente. Hume
tenta resolver o problema psicológico apelando para o hábito ou costume, mas
Popper rejeita essa solução como inadequada, uma vez que sugere que há um
“choque entre a lógica e a psicologia do conhecimento” e, portanto, que as crenças
das pessoas nas leis gerais são fundamentalmente irracionais.

Popper propõe resolver esses problemas gêmeos de indução oferecendo uma explicação
da preferência teórica que não se apoia na inferência indutiva e, assim, evita os problemas
de Hume por completo. Embora os detalhes técnicos dessa conta evoluam ao longo de
seus escritos, ele enfatiza consistentemente dois pontos principais. 

Primeiro, ele sustenta que uma teoria com maior conteúdo informativo deve ser preferida
a outra com menos conteúdo. Aqui, o conteúdo informativo é uma medida de quanto
uma teoria exclui; grosso modo, uma teoria com conteúdo mais informativo faz maior
número de afirmações empíricas e, portanto, tem maior grau de falseabilidade. Em
segundo lugar, Popper sustenta que uma teoria é corroborada pela aprovação em
testes severos.

Ademais, é importante distinguir a afirmação de Popper de que uma teoria é corroborada


por sobreviver a um teste severo da afirmação de que a visão empirista lógica de que

25
UNIDADE I | O QUE É CIÊNCIA

uma teoria é indutivamente confirmada por predizer com sucesso eventos que, se a
teoria fosse falsa, teriam sido altamente improváveis. De acordo com a última visão,
uma previsão bem-sucedida desse tipo, sujeita a certas ressalvas, fornece evidências de
que a teoria em questão é realmente verdadeira.

2.3.1. Teoria como estrutura

A questão da escolha da teoria está intimamente ligada à da confirmação: os cientistas


devem adotar qualquer teoria que seja mais provável à luz das evidências disponíveis. Na
opinião de Popper, em contraste, a corroboração não fornece nenhuma evidência de que
a teoria em questão é verdadeira, ou mesmo que a teoria é preferível a um rival até agora
não testado, mas ainda não falsificado. Em vez disso, uma teoria corroborada mostrou
apenas que é o tipo de teoria que pode ser falsificada e, portanto, pode ser legitimamente
classificada como científica. Embora uma teoria corroborada deva obviamente ser
preferida a uma rival já falsificada, o verdadeiro trabalho aqui está sendo feito pela
teoria falsificada, que se retirou da disputa.

Embora Popper rejeite consistentemente a ideia de que temos justificativa para acreditar
que teorias científicas não falsificadas e bem corroboradas com altos níveis de conteúdo
informativo são verdadeiras ou provavelmente verdadeiras, seu trabalho sobre os graus
de verossimilhança explora a ideia de que tais teorias são mais perto da verdade do que
as teorias falsificadas que eles substituíram. A ideia básica é a seguinte:

» Para uma dada afirmação H, seja o conteafirmaçH a classe de todas as conseque


as teorias falsificadas quH for verdadeiro, então todos os membros dessa classe
seriam verdadeiros; se H fosse falso, entretanto, apenas alguns membros dessa
classe seriam verdadeiros, uma vez que toda declaração falsa tem pelo menos
algumas consequm para sempre supos

» O contefalso, H pode ser dividido em duas partes: o conteúdo de verdade consistindo


em todas as consequências verdadeiras de H, e o conteividido em duas , consistindo
em todas as consequtodas as consequ

» A verossimilhança de H ée lhança ança utodas as conseque o conteúdo de verdade


do H e contea ança utodas as H. O objetivo a utodas as conseque o conteúdo de
verdade do nsistindo em todas as consequências verdadeiras de alsa tem pelo
menos algumas consequm para sempre supos

Com esta definição, pode-se agora perceber que Popper poderia incorporar a verdade
em sua conta de sua preferência teórica: “teorias não falsificadas com altos níveis de
conteúdo informativo estavam mais perto da verdade do que as teorias falsificadas que
substituíram ou suas teorias não falsificadas, mas menos concorrentes informativas”. 

26
Capítulo 3
PARADIGMAS, RACIONALISMO, RELATIVISMO,
OBJETIVISMO E SUBJETIVISMO

3.1. Mudança de Paradigmas em Kuhn


Thomas Kuhn (1922-1996) expandiu a gama de paradigmas para abraçar a prática científica
em geral, ao invés de simplesmente como um modelo para pesquisa. Especificamente, os
paradigmas incluem não apenas as realizações científicas anteriores de uma comunidade,
mas também seus conceitos teóricos, as técnicas e protocolos experimentais e até mesmo
as entidades naturais. Em suma, eles são o corpo de crenças ou fundamentos da
comunidade científica.

Kuhn pode ser considerado um sociológico da ciência, um emérito pesquisador das


Ciências Sociais, mesmo atuando principalmente como filósofo da ciência, especialmente
pelo fato de que se preocupava com as intenções reais e sociais da comunidade científica,
em todos os seus aspectos.

Os paradigmas – os tão famosos paradigmas de Kuhn – também são abertos em termos de


solução de problemas. Além disso, são exclusivos em sua natureza, visto que existe apenas
um paradigma por ciência madura. Finalmente, eles não são acessórios permanentes
da paisagem científica, pois eventualmente os paradigmas são substituíveis. É
importante ressaltar que, para Kuhn, quando um paradigma substitui outro, os dois
paradigmas são radicalmente diferentes – a isto ele chamava de incomensurabilidade
de paradigmas.

A ciência normal, de acordo com Kuhn, é uma atividade de resolução de quebra-


cabeças, e seus praticantes são solucionadores de quebra-cabeças e não testadores de
paradigma. O poder do paradigma sobre uma comunidade de profissionais é que ele
pode transformar problemas aparentemente insolúveis em problemas solúveis por meio
da engenhosidade e habilidade do profissional. Além da solução garantida, o conceito
de paradigma de Kuhn também envolvia regras do jogo de solução de quebra-cabeças
não em um sentido restrito de algoritmos, mas em um sentido amplo de pontos de vista
ou preconceitos.

Com efeito, cientistas normais conduzem análises teóricas para aprimorar a


correspondência entre previsões teóricas e observações experimentais, especialmente
em termos de aumentar a precisão e o escopo do paradigma. Novamente, assim como
a engenhosidade experimental é necessária, também, a engenhosidade teórica para
explicar os fenômenos naturais com sucesso.

27
UNIDADE I | O QUE É CIÊNCIA

Para Kuhn, as descobertas não ocorrem apenas em termos de novos fatos, mas também
há invenções em termos de novas teorias. Ambas as descobertas de novos fatos e a
invenção de novas teorias começam com anomalias, que são violações das expectativas de
paradigma durante a prática da ciência normal. As anomalias podem levar a descobertas
inesperadas. Para Kuhn, descobertas inesperadas envolvem processos complexos que
incluem o entrelaçamento de novos fatos e novas teorias. Fatos e teorias andam de mãos
dadas, pois tais descobertas não podem ser feitas por simples inspeção.

A crise, por sua vez, é o resultado da quebra do paradigma ou da incapacidade de


fornecer soluções para suas anomalias. A comunidade, então, começa a abrigar questões
sobre a capacidade do paradigma de guiar a pesquisa, o que tem um impacto profundo
sobre ela. A principal característica de uma crise é a proliferação de teorias. Como
membros de uma comunidade em crise tentam resolver suas anomalias, eles oferecem
teorias mais variadas. Curiosamente, as anomalias responsáveis ​​pela crise podem
não ser necessariamente novas, uma vez que podem estar presentes o tempo todo. Isso
ajuda a explicar por que as anomalias levam a um período de crise em primeiro lugar.
O paradigma prometia resolvê-los, mas não foi capaz de cumprir sua promessa. O efeito
geral é um retorno a uma situação muito semelhante à ciência do pré-paradigma.

O encerramento de uma crise ocorre de uma das três maneiras possíveis, de acordo
com Kuhn.

» Primeiro, na ocasião em que o paradigma é suficientemente robusto para resolver


anomalias e restaurar a prática científica normal.

» Em segundo lugar, mesmo os métodos mais radicais são incapazes de resolver


as anomalias. Nessas circunstâncias, a comunidade os coloca em tabelas até
investigações e análises futuras.

» Terceiro, a crise é resolvida com a substituição do antigo paradigma por um novo,


mas somente após um período de ciência extraordinária.

Kuhn enfatizou que a resposta inicial de uma comunidade em crise não é abandonar seu
paradigma. Em vez disso, seus membros envidam todos os esforços para salvá-lo por
meio de modificações ad hoc até que as anomalias possam ser resolvidas, tanto teórica
como experimentalmente.

A ciência normal, então, serve como uma oportunidade para revoluções científicas.
Se não houver contraexemplos, argumentou Kuhn, o desenvolvimento científico será

28
O QUE É CIÊNCIA | UNIDADE I

interrompido. A transição da ciência normal por meio da crise para a ciência extraordinária
envolve dois eventos principais.

» Primeiro, os limites do paradigma tornam-se confusos quando confrontados com


anomalias recalcitrantes;

» Segundo, suas regras são relaxadas, levando à proliferação de teorias e, em última


instância, ao surgimento de um novo paradigma.

Cientistas extraordinários, de acordo com Kuhn, comportam-se de maneira errática


─ porque os cientistas são treinados sob um paradigma para serem solucionadores
de quebra-cabeças, não testadores de paradigmas. Em outras palavras, eles não são
treinados para fazer ciência extraordinária e devem aprender à medida que avançam.

Para Kuhn, uma comunidade só pode aceitar o novo paradigma se considerar o antigo
errado. A diferença radical entre os velhos e os novos paradigmas, de tal forma que
o velho não pode ser derivado do novo, é a base da tese da incomensurabilidade. Em
essência, não existe uma medida ou padrão comum para os dois paradigmas. Deste
modo, a mudança na imagem da ciência é o resultado de uma mudança nos padrões da
comunidade sobre o que constitui seus quebra-cabeças e suas soluções.

Finalmente, as revoluções transformam os cientistas de praticantes da ciência normal,


que resolvem quebra-cabeças, em praticantes da ciência extraordinária, que testam
paradigmas. Além de transformar a ciência, as revoluções também transformam o
mundo que os cientistas habitam e investigam, as revoluções transformam os cientistas
de praticantes da ciência normal, solucionadores de quebra-cabeças, em praticantes de
ciência extraordinária, testadores de paradigmas. Para Kuhn, o progresso revolucionário
não é cumulativo, mas não cumulativo.

Para Kuhn, o conhecimento científico não está localizado simplesmente em teorias e


regras; em vez disso, está localizado nos exemplares. A base para um exemplar funcionar
na resolução de quebra-cabeças é a capacidade do cientista de ver a semelhança entre
um quebra-cabeça resolvido anteriormente e outro não resolvido atualmente.

3.2. Racionalismo, relativismo e objetivismo


Uma forma padrão de definir e distinguir os diferentes tipos de relativismo é começar
com a afirmação de que um fenômeno x (por exemplo, valores, normas epistêmicas,
estéticas e éticas, experiências, julgamentos e até mesmo o mundo) é, de alguma forma,
dependente e covaria com alguma variável subjacente e independente y (por exemplo,

29
UNIDADE I | O QUE É CIÊNCIA

paradigmas, culturas, esquemas conceituais, sistemas de crenças, linguagem). O tipo


de dependência que os relativistas propõem tem relação com a questão das definições. 

Uma segunda abordagem para definir o relativismo de forma mais ampla, concentrando-se
principalmente no que os relativistas negam, é quando se trabalha conceitos contrastantes
com o de relativismo, o que equivale à rejeição de uma série de posições filosóficas
interconectadas. Tradicionalmente, o relativismo é contrastado com:

» Absolutismo: visão de que pelo menos algumas verdades ou valores no domínio


relevante se aplicam a todos os tempos, lugares ou estruturas sociais e culturais. Eles
são universais e não estão limitados por condições históricas ou sociais. O absolutismo
é frequentemente usado como a ideia-chave de contraste com o relativismo.

» Objetivismo: pode ser entendido também como a posição de que as normas e


valores cognitivos, éticos e estéticos em geral, na verdade, são independentes de
julgamentos e crenças em momentos e lugares específicos, ou em outras palavras,
são (não trivialmente) independentes da mente. O antiobjetivista, por outro lado,
nega que exista simplesmente ser “verdadeiro”, “bom”, “saboroso” ou “belo”, mas
argumenta que podemos discutir coerentemente tais valores apenas em relação
aos parâmetros que têm alguma relação com nossas vidas mentais.

» Monismo: visão de que, em qualquer área ou tópico sujeito a desacordo, não


pode haver mais do que uma opinião, julgamento ou norma correta. O relativista
frequentemente deseja permitir uma pluralidade de valores ou mesmo verdades
igualmente válidos.

» Realismo: quando definido de tal forma que envolve tanto a objetividade quanto
a singularidade da verdade, também se opõe ao relativismo.

O relativismo, nesse sentido negativo, é uma característica proeminente do trabalho


dos relativistas malgré eux, como Richard Rorty e Jacques Derrida. O que justifica a
denominação de relativista, em vez de cético, não é apenas a suspeita desses filósofos
quanto à possibilidade de objetividade, mas sua insistência no papel dos contextos
sócio-históricos, psicológicos e textuais em relatos de “verdade” e “conhecimento”,
“reivindicações”.

As discussões sobre o relativismo moral, por exemplo, frequentemente assumem


(como a maioria foi assumida aqui até agora) que o relativismo moral é a explicação
correta de todos os julgamentos morais ou de nenhum. Mas talvez seja a explicação
correta de alguns julgamentos morais, mas não de outros ou, mais vagamente, a melhor
explicação da moralidade em relação a essas questões reconheceria elementos relativistas
e objetivistas. Essa posição mista pode ser motivada por algumas das questões filosóficas.

30
O QUE É CIÊNCIA | UNIDADE I

No nível empírico, pode-se pensar que existem muitas divergências morais substanciais,
mas também alguns acordos morais notáveis ​​em diferentes sociedades. 

O tema central em posições mistas é que nem o relativismo nem o objetivismo são
totalmente corretos: pelo menos nos termos em que são frequentemente expressos,
essas alternativas estão sujeitas a sérias objeções e, ainda assim, são motivadas por
preocupações genuínas. Pode parecer que uma posição mista poderia ser desenvolvida
para nos dar o melhor dos dois mundos. 

No entanto, uma implicação da maioria das posições mistas parece ser que, em alguns
aspectos, alguns julgamentos morais são objetivamente verdadeiros (ou justificados),
enquanto outros têm apenas verdade relativa (ou justificação). Isso não deve ser
confundido com a alegação de que uma ação pode ser certa em algumas circunstâncias,
mas não em outras. 

Por exemplo, “A poligamia A está errada nas circunstâncias B” podem ser verdadeiras
em um sentido absoluto. Em contraste, uma posição mista pode dizer que “a poligamia
está certa”, é verdadeira em relação a uma sociedade e falsa em relação a outra (onde
as duas sociedades diferem, não necessariamente em circunstâncias, mas em valores
fundamentais), enquanto outros julgamentos morais têm verdade absoluta ─ valor. Esta
é uma concepção de moralidade bastante desunificada e suscita muitas questões. Um
proponente de uma visão mista teria que mostrar que é um retrato preciso de nossas
práticas morais, ou que é uma proposta plausível para reformá-las.

3.3. Subjetivismo e Objetivismo

3.3.1. Subjetivismo

De acordo com a visão subjetivista, o significado da vida varia de pessoa para pessoa,
dependendo dos estados mentais variáveis de ​​ cada um. Exemplos comuns são pontos
de vista de que a vida de uma pessoa é mais significativa, quanto mais alguém consegue
o que deseja fortemente, mais atinge seus objetivos mais bem classificados ou mais
faz o que acredita ser realmente importante. Ultimamente, um subjetivista influente
tem sustentado que o estado mental relevante é cuidar ou amar, de modo que a vida é
significativa apenas na medida em que alguém se preocupa ou ama algo.

Subjetivismo foi dominante durante grande parte do século XX, quando o pragmatismo,
o positivismo, o existencialismo, neocognitivismo e humanismo foram bastante
influentes. No entanto, no último trimestre do século XX, “equilíbrio reflexivo” tornou-se
um procedimento argumentativo amplamente aceito, em que reivindicações normativas

31
UNIDADE I | O QUE É CIÊNCIA

mais controversas são justificadas em virtude de provocar e explicar reivindicações


normativas menos controversas que não comandam aceitação universal. Tal método tem
sido usado para defender a existência de valor objetivo e, como resultado, o subjetivismo
sobre o significado perdeu seu domínio.

Aqueles que continuam a sustentar o subjetivismo frequentemente suspeitam de tentativas


de justificar crenças sobre valores objetivos. Os teóricos são movidos principalmente
a aceitar o subjetivismo porque as alternativas são intragáveis; eles têm certeza de que
o valor em geral e o significado em particular existem, mas não veem como ele pode
estar fundamentado em algo independente da mente, seja o natural, o não natural ou
o sobrenatural. Em contraste com essas possibilidades, parece simples explicar o que
é significativo em termos do que as pessoas acham significativo ou o que as pessoas
desejam da vida. Debates metaéticos abrangentes em epistemologia, metafísica e filosofia
da linguagem são necessários para abordar essa justificativa para o subjetivismo.

Existem dois outros argumentos mais circunscritos para o subjetivismo. Um deles é que
o subjetivismo é plausível, uma vez que é razoável pensar que uma vida significativa
é autêntica. Se a vida de uma pessoa é significativa na medida em que ela é fiel a si
mesma ou à sua natureza mais profunda, então temos alguns motivos para acreditar que o
significado simplesmente é uma função de satisfazer certos desejos mantidos pelo indivíduo
ou realizar certos fins seus. Outro argumento é que o significado vem intuitivamente de
se perder, isto é, de se tornar absorvido por uma atividade ou experiência. O trabalho
que concentra a mente e os relacionamentos que são absorventes parece central ao
significado e sê-lo por causa do elemento subjetivo envolvido se dá por causa, justamente,
da concentração e absorção.

No entanto, os críticos sustentam que ambos os argumentos são vulneráveis a ​​ uma


objeção comum: eles negligenciam o papel do valor objetivo tanto em se realizar quanto
em se perder. Não se está realmente sendo verdadeiro consigo mesmo se prejudicar
intencionalmente os outros, manter com sucesso 3.732 fios de cabelo na cabeça, ou,
bem, comer seus próprios excrementos, ou seja, a pessoa também não está se perdendo
de forma que confira significado se for consumida por essas atividades. Parece haver
certas ações, relacionamentos, estados e experiências em que devemos nos concentrar
ou nos envolver, se quisermos que haja significado.

É o que diz o objetivista, mas muitos subjetivistas também sentem a atração do


ponto. Paralelamente às respostas na literatura sobre o bem-estar, os subjetivistas
frequentemente respondem afirmando que nenhum ou muito poucos indivíduos
desejariam fazer tais coisas intuitivamente triviais, pelo menos após certo processo

32
O QUE É CIÊNCIA | UNIDADE I

idealizado de reflexão. Mais promissor, talvez, seja a tentativa de fundamentar o valor


não nas respostas de um avaliador individual, mas nas de um grupo específico. 

As perguntas que restam é se tal movimento intersubjetivo evitaria os contraexemplos? Se


sim, seria mais plausível do que uma teoria objetiva?

3.3.2. Objetivismo

Os naturalistas objetivos acreditam que o significado é constituído (pelo menos em


parte) por algo físico independente da mente sobre o qual podemos ter crenças corretas
ou incorretas. Obter o objeto de alguma variável pró-atitude não é suficiente para o
significado, nesta visão. Em vez disso, existem certas condições inerentemente valiosas
ou finalmente valiosas que conferem significado para qualquer pessoa, nem apenas por
que são desejadas, escolhidas ou consideradas significativas, nem por que de, alguma
forma, estão fundamentadas em Deus.

Moralidade e criatividade são exemplos amplamente aceitos de ações que conferem


sentido à vida, enquanto aparar as unhas dos pés e comer neve não o são. Objetivismo é
considerado a melhor explicação para esses respectivos tipos de julgamentos: os primeiros
são ações que são significativas independentemente de qualquer agente arbitrário (seja
um indivíduo, sua sociedade ou mesmo Deus) julgá-las significativas ou procurar engajar-
se neles, enquanto as últimas ações simplesmente carecem de significado e não podem
obtê-lo se alguém acredita que eles têm ou se engaja neles. Para obter sentido em sua
vida, deve-se buscar as primeiras ações e evitar as últimas. 

Um objetivista “puro” pensa que ser o objeto dos estados mentais de uma pessoa não
desempenha nenhum papel em tornar a vida dessa pessoa significativa. Relativamente
poucos objetivistas são puros, assim interpretados. Ou seja, a grande maioria deles
acredita que uma vida é mais significativa não apenas por causa de fatores objetivos, mas
também em parte por causa de fatores subjetivos, como cognição, afeto e emoção. Mais
comumente aceita é a visão híbrida capturada pelo famoso slogan conciso: “O significado
surge quando a atração subjetiva encontra a atratividade objetiva”. 

Esta teoria implica que nenhum significado acumula para a vida de alguém se alguém
acredita em, é satisfeito por, ou se preocupa com um projeto que não vale a pena, ou se
alguém assume um projeto que vale a pena, mas não consegue julgá-lo importante, não
se satisfaz com ele, se preocupa com ele ou se identifica com ele. Diferentes versões desta
teoria terão diferentes descrições dos estados mentais apropriados e da integridade.

Objetivistas puros negam que a atração subjetiva desempenhe qualquer papel


constitutivo em conferir significado à vida. Por exemplo, os utilitaristas com respeito

33
UNIDADE I | O QUE É CIÊNCIA

ao significado (em oposição à moralidade) são puros objetivistas, pois afirmam que
certas ações conferem significado à vida, independentemente das reações do agente
a elas. Nesta visão, quanto mais alguém beneficia os outros, mais significativa a vida
de alguém, independentemente de gostar de beneficiá-los, acredita que eles devem ser
ajudados etc.

A meio caminho entre o puro objetivismo e a teoria híbrida está a visão de que ter
certas atitudes proposicionais em relação a atividades finalmente boas aumentaria o
significado da vida sem ser necessário para ela. Por exemplo, tem havido várias tentativas
de capturar teoricamente o que todas as condições objetivamente atraentes,
inerentemente valiosas ou finalmente valiosas têm em comum na medida em que têm
significado. Alguns acreditam que todos podem ser capturados como ações criativas,
enquanto outros sustentam que eles exibem retidão ou virtude e talvez também
envolvam recompensa proporcional à moralidade. 

A maioria dos objetivistas, entretanto, considera essas respectivas teorias estéticas


e éticas muito estreitas, mesmo que viver uma vida moral seja necessária para uma
vida significativa. Parece para a maioria neste campo não apenas que a criatividade e a
moralidade são fontes independentes de significado, mas também que existem outras
fontes além dessas duas. 

34
Capítulo 4
FEYARABEND, REALISMO E INSTRUMENTALISMO

4.1. Teoria de Feyerabend


Paul Feyerabend (1924-1994), tendo estudado Ciências na Universidade de Viena,
mudou-se para a Filosofia para sua tese de doutorado, ganhou fama tanto como expositor
quanto (mais tarde) como crítico da teoria do racionalismo crítico de Karl Popper,
tornando-se um dos filósofos da ciência mais famosos do século XX. Ele foi um forte
crítico da própria filosofia da ciência, particularmente das tentativas “racionalistas” de
estabelecer ou descobrir regras do método científico.

Embora o foco da Filosofia da ciência tenha se afastado do interesse pela metodologia


científica nos últimos anos, isso não se deve em grande medida à aceitação do argumento
antimetodológico de Feyerabend. Sua crítica da ciência (que lhe deu a reputação de ser
um “filósofo anticientífico”, “o pior inimigo da ciência” etc.) é irregular. Algumas de suas
falhas decorrem diretamente de seu realismo científico. 

Feyerabend estabelece um confronto direto entre a ciência e outros sistemas de crenças,


como se todos estivessem com o objetivo de fazer a mesma coisa (nos dê “conhecimento
do mundo”) e devem ser comparados por quão bem eles entregam as mercadorias. Uma
abordagem melhor seria “traçar contrastes intransigentes” entre os negócios da ciência
e os de outros sistemas de crenças. Tal abordagem se encaixa muito melhor com o tema
que Feyerabend abordou mais tarde em sua vida: o da desunião da ciência.

Feyerabend passou a ser visto como um relativista cultural importante, não apenas
porque enfatizou que algumas teorias são incomensuráveis, mas também porque defendeu
o relativismo na política e também na epistemologia. Suas denúncias do imperialismo
ocidental agressivo, sua crítica da própria ciência, sua conclusão de que “objetivamente”
pode não haver nada a escolher entre outras afirmações que trabalham vertentes como
a astrologia, vodu e medicina alternativa, bem como sua preocupação com as questões
ambientais garantidas, fez de Feyerabend um herói da contracultura e da antitecnologia.

Diferentes componentes e fases do trabalho de Feyerabend influenciaram grupos muito


diferentes de pensadores. Seu realismo científico inicial, teoria contextual do significado
e a maneira como ele se propunha a defender o materialismo foram adotados por Paul
e Patricia Churchland, por exemplo. Richard Rorty, por um tempo, também endossou
o materialismo eliminativo. 

A crítica de Feyerabend ao reducionismo influenciou filósofos da ciência como Cliff


Hooker, Bas van Fraassen e John Dupré. Feyerabend também teve uma influência

35
UNIDADE I | O QUE É CIÊNCIA

considerável nos estudos sociais. Ele inspirou diretamente livros como “Abandoning


Method” (1973), de DL Phillips, em que se tentou transcender a metodologia. Menos
diretamente, ele exerceu enorme influência sobre uma geração de sociólogos da ciência
por meio de seu “relativismo, construtivismo social” e “irracionalismo aparente”. 

4.2. Realismo, instrumentalismo e verdade


A questão da natureza e plausibilidade do realismo surge com respeito a um grande
número de assuntos, incluindo ética, estética, causalidade, modalidade, ciência,
matemática, semântica e o mundo cotidiano de objetos materiais macroscópicos e suas
propriedades. Embora fosse possível aceitar (ou rejeitar) o realismo em toda a linha, é
mais comum que os filósofos sejam seletivamente realistas ou não realistas sobre vários
tópicos: assim, seria perfeitamente possível ser um realista sobre o mundo cotidiano da
macroscopia, isto é, dos objetos e suas propriedades, mas um não realista se debruça
sobre o valor estético e moral. 

Além disso, é enganoso pensar que existe uma escolha direta e clara entre ser realista
e não realista sobre determinado assunto. Em vez disso, pode-se ser mais ou menos
realista sobre determinado assunto. Além disso, existem muitas formas diferentes que
o realismo e o não realismo podem assumir.

A questão da natureza e plausibilidade do realismo é tão controversa que nenhum breve


relato sobre ela irá satisfazer todos aqueles com interesse nos debates amplos que existem
entre os realistas e os não realistas. A discussão das formas de oposição ao realismo está
longe de ser exaustiva e destina-se apenas a ilustrar alguns exemplos paradigmáticos
da forma que tal oposição pode assumir. 

Existem dois aspectos gerais do realismo, ilustrados pelo realismo sobre o mundo
cotidiano dos objetos macroscópicos e suas propriedades. 

» Primeiro, há uma afirmação sobre a existência. Mesas, pedras, a Lua e assim por


diante, todos existem, assim como os seguintes fatos: a mesa é quadrada, a pedra
é feita de granito e a lua é esférica e amarela. 

» O segundo aspecto do realismo sobre o mundo cotidiano dos objetos macroscópicos


e suas propriedades diz respeito à independência. O fato de a Lua existir e
ser esférica é independente de qualquer coisa que alguém diga ou pense sobre o
assunto. Da mesma forma, embora haja um sentido claro de que o fato de a mesa ser
quadrada dependa de nós (afinal, ela foi projetada e construída por seres humanos),
esse não é o tipo de dependência que o realista deseja negar. O realista deseja afirmar
que, além do tipo mundano de dependência empírica de objetos e suas propriedades

36
O QUE É CIÊNCIA | UNIDADE I

familiares a nós da vida cotidiana, não há nenhum outro sentido (filosoficamente


interessante) em que os objetos cotidianos e suas propriedades possam ser
considerados dependentes de quaisquer práticas linguísticas, esquemas conceituais
ou o que seja.

O não realismo pode assumir muitas formas, dependendo se é ou não a dimensão da


existência ou independência do realismo que é questionada ou rejeitada. As formas de não-
realismo podem variar dramaticamente de assunto para assunto, mas as teorias do erro,
não cognitivismo, instrumentalismo, nominalismo, relativismo, certos estilos de
reducionismo e eliminativismo tipicamente rejeitam o realismo ao rejeitar a dimensão
de existência, enquanto idealismo, subjetivismo e antirrealismo tipicamente
admitem a dimensão de existência, mas rejeitam a dimensão de independência. Filósofos
que subscrevem o quietismo negam que possa haver um debate metafísico substancial
entre realistas e seus oponentes não realistas (porque eles negam que haja questões
substanciais sobre a existência ou negam que existam questões substanciais sobre a
independência).

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