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DESCRIÇÃO

Os direitos dos grupos vulneráveis e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria


de povos indígenas, mulheres, minorias de gênero e idosos.

PROPÓSITO
Compreender o tratamento jurídico-constitucional dos direitos de grupos vulneráveis,
especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal e no campo dos direitos de povos
indígenas, mulheres, minorias de gênero e da pessoa idosa é essencial não só para a prática
específica do litígio de direitos humanos como também para o entendimento mais amplo do
sistema constitucional de proteção desses grupos.

PREPARAÇÃO
Antes de iniciar o conteúdo deste tema, tenha em mãos o texto atualizado da Constituição
Federal de 1988.

OBJETIVOS

MÓDULO 1

Definir o conceito de grupo vulnerável e os fundamentos da proteção aos povos indígenas

MÓDULO 2

Identificar as principais discussões sobre gênero levadas ao Supremo Tribunal Federal

MÓDULO 3

Distinguir os traços gerais da proteção ao idoso na Constituição Federal

INTRODUÇÃO
Neste tema, vamos tratar da relação entre a Justiça e os direitos de grupos vulneráveis no
Brasil. Quando falamos em grupos vulneráveis, tratamos, aqui, daquelas coletividades sociais
que, em razão de determinadas características, foram historicamente marginalizadas ou
discriminadas na história de uma sociedade.

Há grupos que foram vulnerabilizados em razão de:

Gênero: como mulheres e pessoas transexuais


Raça e etnia: como pessoas negras e povos indígenas

Orientação sexual: como pessoas homossexuais e bissexuais

Por vezes, também falamos em minorias para nos referirmos a esses grupos. Nesses casos,
não significa que tais grupos sejam numericamente menores na sociedade — o que não seria o
caso, por exemplo, de mulheres e pessoas negras no Brasil. Esses grupos são minoritários nos
espaços de poder. Portanto, são minorias políticas ou sociais, mas não necessariamente
numéricas.

Aqui, vamos nos debruçar especificamente sobre os direitos de três grupos vulneráveis: os
povos indígenas, as minorias de gênero e a pessoa idosa. Cada um desses grupos recebeu
uma forma de tratamento em nosso texto constitucional e tem recebido um tratamento
específico na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

MÓDULO 1

 Definir o conceito de grupo vulnerável e os fundamentos da proteção aos povos


indígenas

RECONHECIMENTO DOS POVOS


INDÍGENAS E DO MULTICULTURALISMO
A Constituição de 1988 inovou ao trazer um capítulo próprio acerca da proteção dos povos
indígenas. Nos arts. 231 e 232 do texto constitucional brasileiro, encontramos os
dispositivos que conferem essa proteção diferenciada.

Aqui, precisamos nos recordar de que, historicamente, o Estado Brasileiro negou


reconhecimento aos povos indígenas. De fato, na história do Brasil, os índios foram sujeitos
a reiterados casos de genocídio, além da constante tentativa de apagamento de sua cultura e
sua religiosidade. Esse projeto político operou por diversas razões.
De um lado, por interesses econômicos — especialmente relacionados à apropriação
das terras indígenas.

De outro, por interesses sociais, políticos e culturais diversos, que buscaram negar
humanidade e o respeito a essa parcela da população.

A pretexto de “integrar” os índios à sociedade brasileira, buscou-se o apagamento dos


traços característicos desses grupos — desde sua religiosidade, passando por sua
linguagem e seus costumes. Ainda hoje encontramos em diferentes cursos e manuais
jurídicos referências depreciativas aos indígenas — tratados como incivilizados, ingênuos ou
menos capazes do que os não indígenas.

NISSO REPOUSA, ENTÃO, A INOVAÇÃO DO TEXTO


CONSTITUCIONAL BRASILEIRO.

Ao dedicar um capítulo ao tratamento dos indígenas em suas especificidades, a Constituição


Federal passou a reconhecer a condição do indígena não só como sujeito de direito universal,
mas também como sujeito de direitos específicos.

 ATENÇÃO

Em outras palavras, aos indígenas são garantidos todos os direitos previstos no texto
constitucional, tanto quanto os direitos específicos que a condição de povos indígenas exige.

Nesse aspecto, a Constituição incorporou a ideia de reconhecimento do multiculturalismo, ou


seja, da ideia de que determinadas sociedades (e cada vez mais outras delas) são
compostas por diferentes grupos étnicos que partilham modos de vida, cultura e
saberes diferenciados.

Em uma sociedade multicultural, então, não basta assegurar a todos os mesmos direitos
(igualdade formal). É necessário assegurar também o direito à diferença, conferindo a cada
grupo o tratamento jurídico compatível com suas particularidades.

Em nossa análise, vamos verificar como esse grupo vem sendo percebido e tratado pelo Poder
Judiciário. Tradicionalmente, referimo-nos ao Poder Judiciário como um fórum importante de
efetivação dos direitos de grupos vulneráveis, porque, diferentemente de outros poderes, o
Judiciário não estaria sujeito às reações da política majoritária. Juízes são independentes e,
por isso, podem decidir contra a vontade da maioria, protegendo direitos e minorias.

No entanto, nem sempre é assim: juízes e juízas também são pessoas inseridas na sociedade,
de modo que, se a sociedade é marcada por desigualdades estruturais (como racismo,
machismo e etarismo), juízes e juízas também estão sujeitos a reproduzir essas
desigualdades, por vezes perpetuando discriminações. Ainda assim, muitas vezes a Justiça é
capaz de exercer seu papel fundamental de avançar nos direitos dos grupos vulneráveis.

DIREITOS ASSEGURADOS AOS INDÍGENAS

VAMOS CONHECER, AGORA, OS DIREITOS


ASSEGURADOS AOS INDÍGENAS NO TEXTO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO, SOB A PERSPECTIVA
DO DIREITO À DIFERENÇA E AO RECONHECIMENTO.

Já no art. 231, no caput da Constituição, são reconhecidos direitos em favor dos povos
indígenas, os quais podemos classificar em dois grupos.

ETARISMO

Discriminação etária, baseada na idade do indivíduo.

EM PRIMEIRO LUGAR
Vêm os direitos relacionados ao reconhecimento de sua cultura, de seus modos de vida e de
seus saberes (reconhecimento étnico-cultural). É do que trata o dispositivo ao afirmar que:
“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições”
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, art. 231).

EM SEGUNDO LUGAR

O dispositivo reconhece o direito dos povos indígenas “sobre as terras que tradicionalmente
ocupam” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, art. 231). Em uma primeira leitura, poderíamos
concluir que o direito à terra se trata de um direito puramente econômico — o direito de
propriedade sobre as terras.

E, de fato, o art. 231 e seus parágrafos 1º, 2º e 3º versam sobre aspectos eminentemente
econômicos relacionados às terras indígenas. É necessário, no entanto, tecermos algumas
distinções.

PRIMEIRO, AS TERRAS INDÍGENAS INTEGRAM O


CONJUNTO DE BENS DA UNIÃO, CONFORME DISPÕE
O ART. 20, INCISO XI, DA CONSTITUIÇÃO. SÃO OS
INDÍGENAS, CONTUDO, QUE DETÊM A POSSE
PERMANENTE DESSAS TERRAS, NOS TERMOS DO
ART. 231, PODENDO USUFRUIR DE SUAS RIQUEZAS
COM EXCLUSIVIDADE.

Mais que isso: a exploração de recursos hídricos pelo Estado — por exemplo, para construir
uma hidrelétrica — não só depende de um processo mais difícil, exigindo a autorização do
Congresso Nacional, como também da oitiva das comunidades indígenas.

No entanto, precisamos lembrar que a terra, para povos indígenas (e para povos quilombolas,
de que a Constituição trata em outros momentos) não tem um significado puramente
econômico, apesar de também ser fonte de subsistência. A terra também tem um sentido
existencial: há uma conexão intrínseca entre a comunidade e sua identidade e a terra que ela
habita.
Isso significa que, para os povos indígenas, a terra consubstancia múltiplos direitos. São eles:

1º – DIREITO À DIGNIDADE HUMANA COMO DIREITO


AO RECONHECIMENTO
Na medida em que a dignidade da pessoa humana exige o reconhecimento e a proteção de
valores comunitários de povos indígenas, a terra — como integrante desses valores
comunitários — exsurge (ergue-se) como um direito digno de tutela.

2º – DIREITO À MORADIA
A terra indígena também é o local onde os povos indígenas vivem e reproduzem seus saberes
e sua cultura.

3º – DIREITO À IDENTIDADE COLETIVA


A terra indígena não só é condição para a reprodução desses povos, mas também um elo que
une os diferentes indivíduos integrantes desses grupos. Isso significa que, retirados de suas
terras, diversos povos indígenas poderiam desaparecer em seu vínculo coletivo — cada
indivíduo buscando sua subsistência em uma parte da geografia do Brasil, levando, assim, à
extinção da própria coletividade protegida pela Constituição.

É por essa razão que a própria Constituição dispõe, no art. 231, parágrafo 4º, que as terras
indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos que repousam sobre elas são
imprescritíveis. Em outros termos, os povos indígenas, que possuem direito de posse e de
usufruto sobre suas terras, não podem vendê-las a outras coletividades ou a outros indivíduos.

Do contrário, seria possível facilmente desvirtuar o direito previsto na Constituição, já que a


pressão econômica exercida por elites locais sobre as comunidades indígenas (muitas vezes,
pobres) levaria a que todas as terras demarcadas fossem rapidamente vendidas. Assim, a
proteção que a própria Constituição tentou estabelecer seria esvaziada.

PORTANTO, PARA OS POVOS INDÍGENAS, A TERRA


NÃO TEM SENTIDO EMINENTEMENTE ECONÔMICO, E
SIM EXISTENCIAL.

Ainda que essa afirmação não seja totalmente precisa — ou seja, que haja indivíduos ou
mesmo grupos de indígenas que vislumbram um caráter eminentemente econômico em suas
terras —, o fato é que a tutela constitucional do direito à terra de povos indígenas reveste-se
dessa característica existencial.

Tal caráter existencial das terras indígenas fica ainda mais claro se repararmos o que afirma o
parágrafo 5º do art. 231 da Constituição.

O dispositivo veda que grupos indígenas sejam removidos de suas terras, salvo na hipótese de
catástrofe ou epidemia. Mesmo no caso de interesse da soberania do país, a remoção só pode
ser temporária e depende sempre de deliberação do Congresso Nacional.

Estamos falando aqui, de fato, de proteção aos povos indígenas em sua integralidade — como
coletividade, cuja identidade é forjada tanto por seus usos e costumes quanto por sua terra.

TERRAS TRADICIONALMENTE OCUPADAS


PELOS INDÍGENAS
Historicamente, a maior parte (senão toda) das terras brasileiras foi ocupada por indígenas,
expulsos delas desde o processo de colonização portuguesa. No entanto, esta não pareceu ser
a reivindicação dos movimentos dos povos indígenas abarcada pela constituinte.

O que se pretendeu, de fato, foi tutelar os povos indígenas que havia em 1988 e que viam suas
terras sujeitas a constantes investidas advindas do Estado e de particulares. Ainda assim, foi
necessário que o Supremo Tribunal Federal definisse os parâmetros para o reconhecimento do
direito a tais terras.

Foi o que ocorreu no caso Raposa Serra do Sol (Petição nº 3.388), em que o Tribunal
estabeleceu que a definição de “terras tradicionalmente ocupadas” pelos indígenas tem como
marco temporal a promulgação da Constituição, ou seja, 5 de outubro de 1988. Isso significa
que eventuais aldeamentos indígenas que já não existiam à data de promulgação da
Constituição não mais teriam reconhecidos direitos às terras que, no passado,
ocupavam.
Fonte: Agencia Brasil/ Creative Commons Atribuição 3.0 Brasil
 Figura 1- Índio no Tribunal

Assim, são terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas aquelas que, em 1988, eram
ocupadas por povos indígenas. As terras que apenas no passado foram ocupadas por
indígenas, mas que não mais o eram em 1988, não são resguardadas pelo art. 231 da
Constituição.

 EXEMPLO

O que acontece no caso de, por exemplo, um aldeamento indígena haver sido violentamente
expulso de suas terras alguns anos antes da promulgação da Constituição?

Imagine um caso de esbulho possessório ocorrido antes da promulgação da Constituição, ou


seja, a situação em que um terceiro impede que indígenas exerçam a posse sobre suas terras,
muitas vezes mediante violência ou grave ameaça.

SERIA POSSÍVEL NEGAR O DIREITO DESSES POVOS


INDEVIDAMENTE EXPULSOS, MAS QUE SEGUIAM
DISPUTANDO A POSSE DESSAS TERRAS, PELO
SIMPLES FATO DE TEREM SIDO IMPEDIDOS DE
EXERCER SUA POSSE SOBRE AQUELAS TERRAS EM
5 DE OUTUBRO DE 1988?

RESPOSTA
A resposta é negativa. Para o Supremo Tribunal Federal, estes casos — o chamado “esbulho
renitente” — são uma exceção à exigência de que os povos indígenas ocupassem as terras à
data da Constituição de 1988.

Como consequência da proteção constitucional às terras indígenas, a Constituição prevê, no


parágrafo 6º do art. 231, que serão considerados nulos e extintos todos os atos que tenham
por objeto a ocupação, o domínio e a posse dessas terras. Em outros termos, se um
terceiro, não indígena, possuía determinado título que lhe reconhecesse direitos sobre
terras que, em realidade, são tradicionalmente ocupadas por pessoas indígenas, esse
título seria imediatamente anulado e extinto, em favor dos povos ocupantes da terra.

O Supremo Tribunal Federal decidiu nesse sentido, por exemplo, na Ação Originária nº 312,
em que declarou a nulidade de título de propriedade que tinha como objeto imóveis localizados
na Reserva Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu — terras tradicionalmente ocupadas pelo
grupo indígena Pataxó Hã-hã-hãe.

 ATENÇÃO

Assim, a Constituição de 1988 reconhece o direito à terra dos povos indígenas como forma de
assegurar a proteção a esse grupo étnico-racial sob uma perspectiva eminentemente
existencial e econômica. O direito à terra para povos indígenas é uma proteção à sua
identidade coletiva, ao seu direito à moradia, à sua dignidade humana.

Essas terras são definidas de acordo com o dia 5 de outubro de 1988: os povos que ocupavam
terras naquela data tiveram seu direito assegurado pela Constituição, mas também aqueles
povos que se encontrassem em disputa sobre terras — judicializada ou não — teriam seus
direitos reconhecidos. Ficaram de fora tão somente aquelas coletividades indígenas que, muito
antes da Constituição de 1988, haviam deixado de ocupar as terras ou mesmo aquelas que
haviam desaparecido ao longo dos anos.
Fonte: celio messias silva/Shutterstock.com

PROTEÇÃO DE DIREITOS DE POVOS


INDÍGENAS
Diversas particularidades que conformam o direito às terras de povos indígenas não estão
textualmente previstas na Constituição. De fato, nenhuma lei é capaz de antecipar todas as
controvérsias interpretativas que pode gerar. Disso resulta a importância do Supremo
Tribunal Federal, que, ao dar contornos específicos aos direitos previstos na
Constituição, pode assegurar em maior ou em menor grau a proteção desses grupos
vulneráveis.

É por isso que não basta a mera previsão textual de direitos para que eles sejam assegurados.
Direitos fundamentais também exigem a existência de organizações e procedimentos capazes
de protegê-los tanto de ofício quanto mediante provocação dos interessados.

EM OUTRAS PALAVRAS, COMO OS POVOS


INDÍGENAS PODERÃO SE PROTEGER DIANTE DE
VIOLAÇÕES OU AMEAÇAS DE VIOLAÇÕES A SEUS
DIREITOS?
DE OFÍCIO

Sem a provocação de nenhuma das partes, por impulso oficial do Poder Público.

Aqui repousa, então, a importância de irmos além do art. 231 da Constituição. Não muito além:
é o art. 232 que traz importante previsão quanto à organização e procedimentos de proteção
de direitos de povos indígenas. Nos termos desse dispositivo, é garantido aos indígenas, a
suas comunidades e a suas organizações a legitimidade para ingressar em juízo em defesa
de seus direitos e interesses.

LEGITIMIDADE

Aqui, este termo tem sentido processual, ou seja, é a possibilidade de ser autor um
processo. No caso do art. 232 da Constituição, é especificamente a possibilidade de ser
autor em um processo na defesa de tais direitos (legitimidade ativa).

O dispositivo prevê, assim, que os povos indígenas não precisam constituir-se na forma
de Pessoas Jurídicas específicas para que possam ajuizar uma ação judicial em defesa
de seus interesses. Essa previsão é importante, porque, por terem seus próprios modos de
vida, formas e organização, muitas vezes, os povos indígenas não vão estruturar sua ação
coletiva da mesma forma que os não indígenas.

 EXEMPLO

Enquanto outras coletividades, por exemplo, podem formar associações civis como forma de
atender a determinados interesses em comum, povos indígenas não possuem esse costume
nem estão sujeitos a essa exigência.

Uma relevante discussão surge a partir dessa previsão. Apesar de não trazer grandes
controvérsias nas instâncias judiciais de primeiro grau, o dispositivo pode gerar certas dúvidas
com relação aos casos trazidos diretamente ao Supremo Tribunal Federal.
EM ESPECIAL, SURGE A PERGUNTA: SE FOREM
SUJEITADOS A ATOS VIOLADORES DE SEUS
DIREITOS (PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO), OS
POVOS INDÍGENAS PODERÃO AJUIZAR AÇÕES DE
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PERANTE O
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL?

RESPOSTA
A dúvida surge, porque o ajuizamento de ações de controle de constitucionalidade é
limitado aos legitimados previstos no art. 103 da Constituição Federal. Em uma primeira leitura,
os povos indígenas não estão previstos nessa lista de legitimados ativos. A questão foi
solucionada pelo Supremo Tribunal Federal em 2020, no julgamento da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental nº 709 (ADPF nº 709).

AÇÕES DE CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE

Entre estas ações estão:

Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).

Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO).

Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC).

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).

A ADPF foi ajuizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) diante da inércia do
Poder Executivo Federal no combate à pandemia da Covid-19 em comunidades indígenas.
Afinal, a pandemia gerou impacto desproporcional sobre esses grupos, causando níveis
altíssimos de mortes sem uma resposta adequada do governo federal.

Porém, a primeira pergunta que o Supremo precisava responder era: poderia a APIB,
uma articulação que não era constituída como Pessoa Jurídica, ajuizar a ação de
controle de constitucionalidade?

A resposta foi positiva. No entendimento do Supremo Tribunal Federal, o conceito de “entidade


de classe” também abarca as organizações de movimentos sociais. No caso específico dos
indígenas, em relação aos quais a Carta Magna dispensa a constituição de Pessoa Jurídica
específica (art. 232), o relator, ministro Luis Roberto Barroso, entendeu que:

“NÃO SE PODE PRETENDER QUE TAIS POVOS


[INDÍGENAS] SE ORGANIZEM DO MESMO MODO QUE
NOS ORGANIZAMOS. ASSEGURAR O RESPEITO A
SEUS COSTUMES E [A SUAS] INSTITUIÇÕES
SIGNIFICA RESPEITAR OS MEIOS PELOS QUAIS
ARTICULAM A SUA REPRESENTAÇÃO À LUZ DA SUA
CULTURA.”

BRASIL, 2020.

Portanto, o Supremo Tribunal Federal não só conferiu certos contornos aos direitos
fundamentais de povos indígenas ao longo dos anos como também reconheceu a possibilidade
de que tais povos acessem a jurisdição constitucional, o que permitirá, com o decorrer do
tempo, que novos casos de violações possam ser levados e solucionados por essa instância
do Poder Judiciário.
O DIREITO À TERRA DOS POVOS
INDÍGENAS: PROPRIEDADE OU
IDENTIDADE?
O especialista Wallace Corbo fala sobre O direito à terra dos povos indígenas: propriedade ou
identidade?

VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. ESTUDAMOS SOBRE A PROTEÇÃO DE GRUPOS VULNERÁVEIS NO


SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SOBRE O CONCEITO DE GRUPOS
VULNERÁVEIS, ASSINALE A ALTERNATIVA INCORRETA:

A) Minorias sociais e políticas, como povos indígenas e homossexuais, podem ser


considerados grupos vulneráveis.

B) Maiorias numéricas podem ser consideradas grupos vulneráveis, caso tenham sofrido
discriminações históricas, como no caso das mulheres.

C) Não cabe ao Poder Judiciário atuar em favor de grupos vulneráveis, quando isso signifique
contrariar a visão das maiorias políticas e sociais.

D) A vulnerabilidade dos povos indígenas decorre da negação histórica de direitos, da


perseguição e até mesmo do genocídio, praticado pelo Estado brasileiro contra esses povos ao
longo dos séculos.

E) A ideia de discriminação que perpassa o conceito de vulnerabilidade está relacionada à


negação de direitos a certas coletividades.

2. SOBRE A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AOS POVOS INDÍGENAS,


ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA:

A) De acordo com o Supremo Tribunal Federal, a proteção aos povos indígenas busca integrar
tais grupos sociais à sociedade em geral, de modo que eles possam incorporar os usos e
costumes do restante da sociedade, atingindo um nível de civilidade.

B) A proteção aos povos indígenas é necessária, porque este é um grupo social


intelectualmente atrasado e dotado de menor capacidade econômica e técnica.

C) A proteção constitucional aos povos indígenas é uma forma de assegurar-lhes o direito ao


reconhecimento, promovendo o respeito ao multiculturalismo e à identidade coletiva desses
grupos sociais.

D) O Supremo Tribunal Federal reconhece o direito dos povos indígenas às terras


tradicionalmente ocupadas por eles, ainda que os aldeamentos não mais existissem nem
ocupassem tais terras à data de promulgação da Constituição de 1988.

E) Nos termos da Constituição Federal, as terras indígenas são bens de propriedade dos povos
indígenas.

GABARITO

1. Estudamos sobre a proteção de grupos vulneráveis no Supremo Tribunal Federal.


Sobre o conceito de grupos vulneráveis, assinale a alternativa incorreta:

A alternativa "C " está correta.

Ainda que o Poder Judiciário possa ter limitações em sua capacidade de proteger grupos
vulneráveis, sua função é precisamente assegurar-lhes a proteção de seus direitos, ainda que
contra os interesses da maioria.

2. Sobre a proteção constitucional aos povos indígenas, assinale a alternativa correta:


A alternativa "C " está correta.

O reconhecimento dos direitos dos povos indígenas consiste em uma forma de proteção do
direito à diferença. Não se trata, portanto, de considerar os povos indígenas menos ou mais
civilizados nem de reproduzir preconceitos racistas contra esses grupos. Trata-se, sim, de
respeitar a diversidade étnico-racial, especialmente (mas não apenas) a partir do
reconhecimento de seu direito à terra e de sua relevância na formação nacional.

MÓDULO 2

 Identificar as principais discussões sobre gênero levadas ao Supremo Tribunal


Federal

QUESTÕES DE GÊNERO ABARCADAS NA


CONSTITUIÇÃO
Já vimos que grupos vulneráveis receberam especial atenção da Constituição Federal. Isso se
deve a diversos fatores. Um dos principais tem relação com a própria origem da Constituição
brasileira.

A Carta de 1988 foi elaborada no contexto da redemocratização, marcado pela


efervescência de diversos movimentos sociais preocupados com o avanço nas pautas de
promoção da igualdade e dos direitos humanos. Movimentos como os de povos indígenas e de
negros, entre tantos outros, fizeram-se diretamente presentes na Assembleia Constituinte, ou
indiretamente, por meio da pressão social que marcou o processo de elaboração da
Constituição.

É natural, portanto, que o movimento feminista também encontrasse eco em suas pautas,
muitas das quais foram expressamente adotadas pelo texto expresso da Carta Magna. Assim,
para listarmos os exemplos mais evidentes, são previstos na Constituição:

O combate à discriminação de gênero – art. 3º, inciso IV


A igualdade de gênero – art. 5º, inciso I

A proibição de discriminação de gênero no mercado de trabalho – art. 7º, inciso XXX

Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal

No entanto, como vimos no caso dos indígenas, não basta a previsão textual de direitos para
que eles sejam assegurados ou mesmo para que saibamos de antemão o que significam os
dispositivos constitucionais. É apenas a partir da interpretação que conferimos sentido ao texto
constitucional, transformando texto em norma.

Essa transformação, enfim, permite-nos identificar os comandos constitucionais e


verificar as violações à Constituição. Nesse processo, novamente o Supremo Tribunal
Federal é um agente muito importante.

Fonte: fizkes/Shutterstock.com

TIPOS DE DISCRIMINAÇÃO
Um dos mais importantes casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal em matéria de
gênero foi a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.946 (ADI nº 1.946), julgada em
2003. O caso não parecia, a princípio, ter qualquer relação com o tema da discriminação de
gênero. O que se questionava ali era o estabelecimento de um teto de benefícios do regime
geral de Previdência Social estabelecido pela Emenda Constitucional nº 20/1998.
De acordo com as alterações trazidas pela emenda, os benefícios advindos desse regime
previdenciário seriam limitados a R$1.200,00, de modo que caberia, a princípio, aos
empregadores arcar com os valores excedentes desse teto. Mais uma vez, o texto nada dizia
sobre homens e mulheres. Ocorre que, ao julgar a ADI nº 1.946, o Supremo Tribunal Federal
identificou o risco de se produzir, com aquela norma, uma verdadeira discriminação indireta.

DO PONTO DE VISTA JURÍDICO, A DISCRIMINAÇÃO


CONSISTE NA NEGAÇÃO DE DIREITOS A
COLETIVIDADES HISTORICAMENTE
MARGINALIZADAS.

Essa discriminação pode ocorrer de duas formas:

Discriminação direta

Quando uma lei expressamente prejudica pessoas negras, mulheres, pessoas com deficiência
ou outros grupos vulneráveis.


Discriminação indireta

Quando uma lei ou uma prática não nega expressamente direitos a um grupo, mas, aplicada de
fato, acaba produzindo efeitos semelhantes aos que produziria se discriminasse
expressamente.

Foi exatamente isso que o Supremo Tribunal Federal entendeu que aconteceria quando da
aplicação do art. 14 da Emenda Constitucional nº 20/1998 à licença-maternidade.

A lógica, antevista pelo STF, é bastante clara: caso o empregador fosse obrigado a arcar com
todo valor que exceda R$1.200,00, inclusive da licença-maternidade, um incentivo à
discriminação de gênero no mercado de trabalho seria criado. Afinal, para qualquer função cuja
remuneração excedesse o teto, o custo do empregador com relação a uma trabalhadora seria
potencialmente superior ao de trabalhadores homens.
Consequentemente, essa nova norma constitucional iria de encontro ao objetivo de promoção
da igualdade de gênero no mercado de trabalho. Por essa razão, o STF excluiu da aplicação
do mencionado dispositivo o benefício da licença-maternidade, que deixou de estar
sujeito ao teto geral.

Veja que nada na Constituição afirmava expressamente que o teto de benefícios


previdenciários não poderia atingir a licença-maternidade. Porém, por meio de uma
interpretação sistemática, teleológica (argumentativa) e com a aplicação do princípio da
unidade da Constituição, o Supremo Tribunal Federal deu concretude à proteção
constitucional às mulheres como grupo vulnerável ainda sujeito à intensa discriminação
no mercado de trabalho e em outros espaços.

PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL


NA QUESTÃO DO ABORTO
A discussão sobre gênero se desenvolveu no STF para abarcar cada vez mais debates. Um
dos mais relevantes e que se seguiu à ADI nº 1.946/2003 ocorreu na Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 (ADPF nº 54). Neste caso, discutia-se a
constitucionalidade da criminalização do aborto (arts. 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código
Penal) no caso do feto anencéfalo.

FETO ANENCÉFALO

Feto desprovido de um Sistema Nervoso Central. Do ponto de vista biológico, nesses


casos, a vida extrauterina é inviável. Em outras palavras, os fetos anencéfalos são
natimortos — no limite, são capazes de manter células vivas por poucas horas após o
parto.

A discussão sobre o aborto desse tipo de feto tinha relevância na perspectiva do gênero,
porque, a pretexto de se proteger uma vida absolutamente inviável, centenas de mulheres
eram forçadas a se submeter à grave dor psicológica de manter uma gestação sem frutos por
até nove meses.

Para além da dor psicológica, médicos e médicas também se viam sujeitos a graves riscos
jurídicos por realizarem a interrupção da gestação, na medida em que pairava insegurança
jurídica acerca da caracterização do aborto.

ASSIM, AO PONDERAR A INEXISTÊNCIA DE VIDA NO


CASO DO FETO ANENCÉFALO E A LIBERDADE
SEXUAL E REPRODUTIVA DA MULHER, BEM COMO
SEU DIREITO À SAÚDE E À AUTODETERMINAÇÃO, O
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ENTENDEU QUE OS
ARTIGOS DO CÓDIGO PENAL QUE CRIMINALIZAM O
ABORTO NÃO FORAM RECEPCIONADOS PELA
CONSTITUIÇÃO DE 1988 EM RELAÇÃO À
INTERRUPÇÃO DESSE TIPO DE FETO.

O STF não decidiu que a criminalização do aborto é inconstitucional, e sim que a


criminalização do aborto do feto anencéfalo o é, por impor restrições significativas aos direitos
da mulher, sem gerar qualquer benefício possível para o feto.

Em termos mais amplos, a questão do aborto foi levada ao STF em dois casos que já são
paradigmáticos.

1. O primeiro consistiu em uma ação individual — um Habeas Corpus (HC nº 124.306) —


julgada pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal. Nesse caso, a turma entendeu que a
interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação não poderia ser equiparada ao aborto,
tendo em vista o direito à autonomia da mulher e o impacto desproporcional da criminalização
sobre as mulheres mais pobres.
Como se tratava de caso individual e julgado por turma (e não pelo Plenário) do STF, o
entendimento trazido no Habeas Corpus não significou que o Supremo, como instituição,
reconheceu a inconstitucionalidade da criminalização do aborto.

2. O segundo caso foi a análise da compatibilidade entre o crime de aborto e a Constituição,


feita pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF nº 442, cuja relatora é a ministra
Rosa Weber. Nessa arguição, questiona-se a recepção dos arts. 124 e 126 do Código Penal,
tendo em vista a tutela constitucional:

À dignidade da pessoa humana.

À cidadania.

À não discriminação.

À inviolabilidade da vida.

À liberdade.

À igualdade.

À proibição de tortura ou de tratamento desumano ou degradante.

À saúde e ao planejamento familiar das mulheres.

Aos direitos sexuais e reprodutivos.

Até o final de 2020 o caso não havia sido julgado. É certo que caberia ao STF analisar se
a legislação editada em 1940 ainda é adequada à proteção dos bens jurídicos
constitucionais fundamentais, ou se ela revela uma incompatibilidade, total ou parcial,
com o novo ordenamento constitucional brasileiro.

Fonte: ananaline/Shutterstock.com

DIREITOS DAS PESSOAS TRANS


De 2010 a 2020, os debates que envolvem questões de gênero ampliaram-se para além das
discussões sobre igualdade entre homens e mulheres. Nesse período, verificamos, no Brasil e
no mundo, o fortalecimento de movimentos sociais voltados à proteção de minorias de gênero
que, historicamente, foram marginalizadas, e cujas identidades foram até mesmo tratadas
como enfermidades.

Falamos, aqui, especialmente das questões que envolvem pessoas transexuais, transgêneros
e travestis (pessoas trans). Dentro desse grupo estão:

PESSOAS TRANS

Pessoas cuja identidade de gênero não converge com seu sexo biológico ou com o sexo
que lhes foi atribuído no nascimento.

HOMENS TRANSEXUAIS

Identificados no nascimento como se fossem mulheres.

MULHERES TRANSEXUAIS

Identificadas no nascimento como se fossem homens.

TRAVESTIS, NÃO BINÁRIOS E AGÊNEROS

Outros grupos que não se identificam nem como homens nem como mulheres.

E O QUE O DIREITO TEM A VER COM ISSO?


Ora, pessoas trans foram historicamente relegadas à margem da sociedade, e a elas foram
fechadas as portas do mercado de trabalho, do acesso a direitos básicos e do tratamento
respeitoso, em uma sociedade marcada por discriminações e intolerância.

Apenas em 2018 a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a transexualidade da lista de


transtornos mentais, dando um importante passo para compreendermos a necessidade de
proteção desses grupos sociais.

Considerando o compromisso igualitário da Constituição Federal, o reconhecimento do


tratamento discriminatório conferido pela sociedade brasileira às pessoas trans exige a atuação
das instâncias jurídicas e políticas com o objetivo de resguardar seus direitos.

Nesse sentido, dois casos importantes avançaram na pauta da proteção de direitos de


pessoas trans no Supremo Tribunal Federal.

A ADI nº 4.275, ajuizada em 2009 e julgada apenas em 2018, voltava-se contra o disposto no
art. 58 da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973), que estabelece parâmetros para a
alteração do prenome. Para todas as pessoas, o direito ao próprio nome é um dos
primeiros passos para o reconhecimento de sua identidade.

Pessoas cisgênero não enfrentam, em geral, maiores problemas com relação a esse aspecto
de sua identidade. Existem duas exceções:

PESSOA CISGÊNERO

Pessoas cuja identidade de gênero converge com seu sexo biológico ou com as
identidades que lhes foram atribuídas no nascimento.

Quando o prenome causa grave constrangimento à pessoa.

Quando a pessoa adota, ao longo de sua vida, um apelido público notório, pelo qual, por vezes,
é mais conhecida do que por seu prenome real.

NESSES DOIS CASOS, A LEGISLAÇÃO E A


JURISPRUDÊNCIA SEMPRE ADMITIRAM A
ALTERAÇÃO DO PRENOME.

 EXEMPLO

Foi o que aconteceu, por exemplo, com a apresentadora Xuxa e com o político Lula.

No entanto, mesmo os tribunais brasileiros sempre tiveram grande resistência a autorizar a


alteração do nome de pessoas transexuais pelo chamado nome social.

Disso resulta o fato de que, para pessoas trans, o nome registral sempre tenha sido uma
lembrança constante do não reconhecimento pelo Estado e pela sociedade de suas
identidades e de sua dignidade.

O sofrimento psicológico de serem identificadas, em todos os documentos públicos, por


um nome que não condiz com sua identidade, com sua aparência e com seu gênero foi,
então, um dos principais motivadores para o ajuizamento da mencionada ADI nº 4.275.

Com fundamento nesse fato, o STF estabeleceu, no julgamento da referida ADI, o direito das
pessoas trans a alterarem não só seu nome como também seu sexo no registro público,
independentemente da realização de cirurgias e mesmo do ajuizamento de ação judicial.

NOME SOCIAL

Nome pelo qual as pessoas transexuais são conhecidas.

Em outros termos, a partir do julgado do STF, as pessoas trans tiveram reconhecido seu direito
de buscar, administrativamente — ou seja, diretamente junto ao cartório competente de
Registro Civil de Pessoas Naturais —, a mudança de seu nome e sexo, para que fosse
compatível com sua identidade de gênero.

Ao passo que pessoas trans começaram a obter maior visibilidade social, também tornou-se
mais exposta a discriminação sofrida por elas — ora uma discriminação que se produz no
campo da negação de acesso a espaços, ora uma discriminação que se converte até mesmo
em casos de homicídio que afetam desproporcionalmente essa população.
Para lidar com isso, o STF julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26
(ADO nº 26). Nesta, argumentou-se que a Constituição de 1988 impunha o dever do
legislador no sentido de criminalizar não apenas o racismo como também toda forma de
discriminação, nos termos do art. 5º, incisos XLI e XLII, da Constituição Federal.

No entanto, mais de 30 anos depois da promulgação do texto constitucional, jamais


avançaram os projetos de lei tendentes a criminalizar as chamadas:

HOMOFOBIA

Discriminação contra pessoas homossexuais.

BIFOBIA

Discriminação contra pessoas bissexuais.

TRANSFOBIA

Discriminação contra pessoas trans.

Assim, sustentou-se perante o Supremo Tribunal Federal que essa omissão legislativa
violaria o dever de legislar imposto pela Constituição, cabendo ao Supremo suprir tal
omissão até que sobreviesse a legislação criminalizadora.

De fato, o STF acolheu os argumentos apresentados na ADO, afirmando que, até que
sobrevenha a legislação especificamente voltada para a homotransfobia, deve-se considerar
tais manifestações como expressões de racismo, compreendido em sua dimensão
social. Isso significa que, nos termos da decisão do Supremo nessa ADO, as práticas de
racismo criminalizadas pela Lei nº 7.716/1989 também englobam as discriminações de gênero
voltadas contra pessoas trans.
DISCRIMINAÇÃO E DESIGUALDADE DE
GÊNERO
Antes de concluirmos a análise da abordagem do Supremo Tribunal Federal com relação a
questões de gênero, não podemos deixar de tratar de outro conjunto de casos que recebeu a
análise da Corte.

A visibilidade de pessoas trans gerou reações acaloradas em grupos conservadores e em


grupos avessos à garantia de igualdade em favor de tais minorias sociais. Então, esses grupos
organizaram-se nacionalmente, buscando aprovar diversas leis que tinham por objetivo
combater o discurso inclusivo e igualitário de pessoas trans no campo do ensino.

Em outras palavras, tanto no âmbito nacional quanto nos âmbitos municipal e estadual, foram
apresentados projetos de lei que pretendiam excluir do debate escolar as questões relativas à
discriminação e à desigualdade de gênero. Em alguns casos, esses projetos foram aprovados
e converteram-se em leis, que, por sua vez, foram impugnadas no STF.

Assim, na ADPF nº 457, o Supremo entendeu que leis desse tipo, as quais buscam impedir o
debate sobre gênero nas escolas — essencial para a formação de novas gerações capazes de
respeitar a diferença e o outro — violam à Constituição sob duas perspectivas:

Não cabe aos Estados e municípios editar normas gerais sobre o currículo escolar — e a ação
versava sobre lei municipal.

A Constituição veda a imposição do silêncio e a censura, especialmente quando esse silêncio


vai de encontro ao necessário combate a toda forma de discriminação, estabelecido no art. 3º,
inciso IV, da Carta Magna.

Com isso, vimos como são diversas as questões de gênero trazidas ao Supremo: desde casos
envolvendo a discriminação de gênero no mercado de trabalho, a (in)constitucionalidade do
crime de aborto até a proteção dos direitos de pessoas trans.

São muitos os temas nos quais o Supremo Tribunal Federal atua, tomando decisões — todas,
até então, em favor da proteção dos grupos vulneráveis: mulheres (transgênero e cisgênero) e
pessoas trans. Mais uma vez percebemos como a atuação do STF é capaz de conferir maior
especificidade e densidade normativa ao texto constitucional, assegurando o objetivo
constitucional de inclusão, de promoção da igualdade e de combate à discriminação.
DIREITO À IDENTIDADE DE PESSOAS
TRANSEXUAIS, TRANSGÊNEROS E
TRAVESTIS
O especialista Wallace Corbo fala sobre o Direito à identidade de pessoas transexuais,
transgêneros e travestis.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. SOBRE A JUDICIALIZAÇÃO DA DESIGUALDADE DE GÊNERO NO


SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ASSINALE A ALTERNATIVA
INCORRETA:

A) O Supremo Tribunal Federal reconheceu, na ADI nº 1.946, que a limitação genérica do teto
dos benefícios do regime geral de previdência geraria uma situação de discriminação indireta
contra mulheres no mercado de trabalho.

B) O Supremo Tribunal Federal afirmou o direito à interrupção do feto anencéfalo, sem


qualquer repercussão penal para a mulher nem para os profissionais de saúde que realizassem
o procedimento abortivo.

C) O Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou, com efeitos vinculantes, a não recepção
da criminalização do aborto pelo Código Penal de 1940 até o terceiro mês de gestação.
D) Apesar de não serem minorias numéricas, as mulheres podem ser consideradas grupos
vulneráveis diante da discriminação de gênero histórica a que foram sujeitas.

E) Em julgamento não vinculante proferido em habeas corpus, a 1ª Turma do Supremo Tribunal


Federal afastou as repercussões penais do aborto realizado em gestante que não havia
concluído o primeiro trimestre de gestação.

2. SOBRE A POSIÇÃO ADOTADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL


NAS DISCUSSÕES QUE ENVOLVEM IDENTIDADE DE GÊNERO,
ASSINALE A ALTERNATIVA INCORRETA:

A) O Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito de pessoas transexuais, transgêneros e


travestis a alterar seu nome e sexo no registro civil, independentemente de cirurgia ou de ação
judicial.

B) O Supremo Tribunal Federal afirmou que o objetivo de promoção de uma sociedade livre de
discriminações também implica levar discussões envolvendo a discriminação contra mulheres e
contra pessoas LGBT às escolas.

C) O Supremo Tribunal Federal reputou potencialmente lesiva a direitos de crianças e


adolescentes a realização de debates envolvendo discriminação de gênero no âmbito das
escolas.

D) O Supremo Tribunal Federal considerou que a discriminação contra homossexuais e


transexuais pode configurar uma expressão do crime de racismo.

E) O Supremo Tribunal Federal tem contribuído para o avanço de pautas de grupos


vulnerabilizados em razão de gênero, como mulheres e pessoas trans.

GABARITO

1. Sobre a judicialização da desigualdade de gênero no Supremo Tribunal Federal,


assinale a alternativa incorreta:

A alternativa "C " está correta.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, que afastou as consequências penais da interrupção


de gestação no primeiro trimestre, foi tomada em caso individual e proferida por órgão
fracionário. Portanto, não se trata de decisão vinculante.

2. Sobre a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal nas discussões que
envolvem identidade de gênero, assinale a alternativa incorreta:

A alternativa "C " está correta.

O Supremo Tribunal Federal considerou que a ideia de “ideologia de gênero” é uma distorção
do necessário debate acerca da discriminação de gênero e contra pessoas transexuais,
transgêneros e travestis nas escolas — razão pela qual declarou a inconstitucionalidade de leis
que tentavam impor silêncio sobre o tema.

MÓDULO 3

 Distinguir os traços gerais da proteção ao idoso na Constituição Federal

Fonte: Qualit Design/Shutterstock.com

CONCEITO DE IDOSO
Vamos voltar nossa atenção para um terceiro grupo vulnerável que, por vezes, é
negligenciado em seu tratamento jurídico e constitucional: as pessoas idosas.

Sabemos que, no Brasil, tornar-se idoso é um direito que a realidade social, muitas vezes,
transforma em privilégio: a população brasileira jovem e negra, por exemplo, é atingida por
altíssimos níveis de violência e letalidade, impedindo-lhe um envelhecimento saudável e o gozo
da vida na chamada terceira idade.

O fato é, sem prejuízo disso, que as pessoas idosas estão sujeitas a uma forma específica de
vulnerabilidade social: muitas vezes, são acometidas por problemas de saúde diretamente
relacionados à idade, mas também por doenças psicológicas que as afetam
desproporcionalmente.
Fora do campo da saúde, a pessoa idosa também encontra dificuldades ora para ser incluída
no mercado de trabalho, quando assim deseja, ora para gozar de seu direito à vida em um
momento precioso que coroa toda uma existência ao longo de décadas.

É NESSA LINHA QUE O TEXTO CONSTITUCIONAL


BRASILEIRO BUSCOU CONFERIR AMPARO AOS
IDOSOS, O QUE SE REALIZA NÃO SÓ POR MEIO DE
DIREITOS ESPECÍFICOS COMO TAMBÉM DE
POLÍTICAS PÚBLICAS ESPECIFICAMENTE VOLTADAS
PARA ESSA POPULAÇÃO.

Antes de analisarmos tais dispositivos, precisamos, no entanto, definir quem se qualifica


juridicamente como idoso.

O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) considera idosa toda pessoa com idade igual ou
superior a 60 (sessenta) anos.

Diante do envelhecimento da população brasileira, diversos projetos de lei foram apresentados


ao longo dos anos com o objetivo de alterar a idade a partir da qual se considera idosa uma
pessoa.

Mais especificamente, há quem defenda a alteração do parâmetro: dos atuais 60 (sessenta)


anos para 65 (sessenta e cinco) anos. Até que advenha uma alteração legislativa, no entanto,
precisaremos atentar ao Estatuto do Idoso vigente.

Perceba, a este respeito, como estamos, aqui, diante de uma situação na qual a Constituição
nos apresenta um conceito jurídico indeterminado, que depende da atuação legislativa para
sua concretização. Assim, poderíamos considerar como idosos pessoas acima de 80, de
70 ou de 60 anos, e todas essas alternativas poderiam estar corretas.

COMO A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO NÃO NOS DÁ A


RESPOSTA, O LEGISLADOR ACABA, ENTÃO,
DEFININDO O RECORTE APLICÁVEL NOS LIMITES DO
QUE É PERMITIDO PELO CONCEITO.

CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO

Aquele que permite pluralidade de sentidos.

 ATENÇÃO

Aqui, surge um ponto importante: uma lei não poderia definir como idoso, por exemplo, os
maiores de 30 anos, porque sabemos, com segurança, que pessoas com mais de 30 anos não
são idosas. Da mesma forma, a lei não poderia restringir o conceito de idoso às pessoas acima
de 100 anos. Afinal, pouquíssimos brasileiros chegam a essa idade, e implementar uma
classificação desse tipo esvaziaria o princípio constitucional da proteção da pessoa idosa.

Contudo, o legislador goza, sim, de discricionariedade para definir, nos limites semânticos da
palavra “idoso” o recorte que seja adequado à proteção constitucional e aos objetivos da Carta
Magna.

CONSTITUIÇÃO E TUTELA À PESSOA


IDOSA
O idoso é sujeito de direito e goza dos mesmos direitos fundamentais que as demais
pessoas. O Estatuto do Idoso teve a preocupação de prever essa proteção a esse grupo
social:
ART. 2º O IDOSO GOZA DE TODOS OS DIREITOS
FUNDAMENTAIS INERENTES À PESSOA HUMANA,
SEM PREJUÍZO DA PROTEÇÃO INTEGRAL DE QUE
TRATA ESTA LEI, ASSEGURANDO-SE-LHE, POR LEI
OU POR OUTROS MEIOS, TODAS AS
OPORTUNIDADES E FACILIDADES, PARA
PRESERVAÇÃO DE SUA SAÚDE FÍSICA E MENTAL E
SEU APERFEIÇOAMENTO MORAL, INTELECTUAL,
ESPIRITUAL E SOCIAL, EM CONDIÇÕES DE
LIBERDADE E DIGNIDADE.

LEI Nº 10.741, 2003.

Feito esse esclarecimento, passamos à análise do texto constitucional.

Um primeiro direito assegurado à pessoa idosa está previsto no art. 203, inciso V, da
Constituição. Trata-se da garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa idosa
que não possua meios de prover a própria manutenção nem tenha família que possa provê-lo.
Esse benefício, denominado “benefício de prestação continuada”, foi regulado pela Lei
Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/1993), que o limitou a pessoas idosas com 65
(sessenta e cinco) anos ou mais. Mais uma vez, diante do silêncio do texto constitucional, é
razoável que a legislação estabeleça determinado parâmetro para definir quem é a pessoa
idosa tutelada pelo benefício.

Já no capítulo voltado especificamente para a família, a criança, o adolescente e o idoso, a


Constituição consagrou, em seu art. 230, o dever do Estado, da família e da sociedade de
amparar as pessoas idosas:

ART. 230. A FAMÍLIA, A SOCIEDADE E O ESTADO TÊM


O DEVER DE AMPARAR AS PESSOAS IDOSAS,
ASSEGURANDO SUA PARTICIPAÇÃO NA
COMUNIDADE, DEFENDENDO SUA DIGNIDADE E BEM-
ESTAR E GARANTINDO-LHES O DIREITO À VIDA.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988.

Trata-se, aqui, de um dispositivo que reflete o que o ministro Carlos Ayres Britto do
Supremo Tribunal Federal denominou “constitucionalismo fraternal”, que exige a
efetivação de uma solidariedade social em favor da pessoa idosa.

Igualmente, o art. 230, em seu parágrafo 2º, estabelece o direito dos maiores de 65 anos à
gratuidade dos transportes coletivos urbanos. Apesar da previsão constitucional expressa, a
matéria chegou a ser levada ao Supremo Tribunal Federal em ação que impugnava o art. 39 do
Estatuto do Idoso, que reproduzia este dispositivo.

No entendimento do STF, diante da garantia de gratuidade inserida na Constituição, não se


poderia falar em violação pela legislação que reitera o texto constitucional.

Dado o reconhecimento do direito dos idosos pelo Supremo Tribunal Federal, vale
conferir o julgado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.768 (ADI nº 3.768):

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 39


DA LEI N. 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003
(ESTATUTO DO IDOSO), QUE ASSEGURA
GRATUIDADE DOS TRANSPORTES PÚBLICOS
URBANOS E SEMIURBANOS AOS QUE TÊM MAIS DE
65 (SESSENTA E CINCO) ANOS. DIREITO
CONSTITUCIONAL. NORMA CONSTITUCIONAL DE
EFICÁCIA PLENA E APLICABILIDADE IMEDIATA.
NORMA LEGAL QUE REPETE A NORMA
CONSTITUCIONAL GARANTIDORA DO DIREITO.
IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. O ART. 39 DA LEI N.
10.741/2003 (ESTATUTO DO IDOSO) APENAS REPETE
O QUE DISPÕE O § 2º DO ART. 230 DA CONSTITUIÇÃO
DO BRASIL. A NORMA CONSTITUCIONAL É DE
EFICÁCIA PLENA E APLICABILIDADE IMEDIATA, PELO
QUE NÃO HÁ EIVA DE INVALIDADE JURÍDICA NA
NORMA LEGAL QUE REPETE OS SEUS TERMOS E
DETERMINA QUE SE CONCRETIZE O QUANTO
CONSTITUCIONALMENTE DISPOSTO. 2. AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA
IMPROCEDENTE.

ADI Nº 3.768, 2007.

DIREITO PREFERENCIAL DE
RECEBIMENTO DE PRECATÓRIOS
Outro importante direito assegurado pela Constituição à pessoa idosa diz respeito à preferência
no recebimento de precatórios.

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EM SEU ART. 100,


ESTABELECEU UM MECANISMO PRÓPRIO DE
PAGAMENTO DAS CONDENAÇÕES PECUNIÁRIAS
CONTRA A FAZENDA PÚBLICA, BUSCANDO
ASSEGURAR IMPESSOALIDADE NA SATISFAÇÃO A
CREDORES.
Diferentemente do que acontece com um indivíduo que perde em uma ação judicial, a
Fazenda Pública não deve pagar as condenações judiciais imediatamente. Esse
pagamento é feito pelo mecanismo do precatório: a dívida é inscrita no orçamento das
entidades de direito público até 1º de julho, para que seja realizado o pagamento até o final do
exercício seguinte, na ordem cronológica de apresentação dos precatórios.

Isso significa que o prazo para pagamento de condenações judiciais pela Fazenda
Pública nunca será inferior a aproximadamente seis meses.

Na prática, porém, diversos entes públicos reiteradamente descumprem o dever de pagar seus
precatórios, mesmo quando já há muito está esgotado o prazo de pagamento. Em razão disso,
diversas emendas à Constituição foram editadas, de forma a reduzir tais dívidas e facilitar o
pagamento pelos entes.

É nesse contexto de “calote” dos precatórios que surge um tratamento diferenciado e


privilegiado em favor da pessoa idosa. Nos termos do art. 100, parágrafo 2º, da
Constituição, os créditos de natureza alimentícia inscritos em precatório serão pagos
com preferência, caso seus titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais:

ART. 100.
§ 2º OS DÉBITOS DE NATUREZA ALIMENTÍCIA CUJOS
TITULARES, ORIGINÁRIOS OU POR SUCESSÃO
HEREDITÁRIA, TENHAM 60 (SESSENTA) ANOS DE
IDADE, OU SEJAM PORTADORES DE DOENÇA GRAVE,
OU PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, ASSIM DEFINIDOS
NA FORMA DA LEI, SERÃO PAGOS COM
PREFERÊNCIA SOBRE TODOS OS DEMAIS DÉBITOS,
ATÉ O VALOR EQUIVALENTE AO TRIPLO FIXADO EM
LEI PARA OS FINS DO DISPOSTO NO § 3º DESTE
ARTIGO, ADMITIDO O FRACIONAMENTO PARA ESSA
FINALIDADE, SENDO QUE O RESTANTE SERÁ PAGO
NA ORDEM CRONOLÓGICA DE APRESENTAÇÃO DO
PRECATÓRIO.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988.

Essa previsão tem um objetivo específico que vai além da vulnerabilidade da pessoa idosa. O
texto constitucional concluiu que, sem esse tratamento diferenciado, seria possível que
diversas pessoas idosas jamais recebessem o pagamento das condenações judiciais
promovidas em seu favor ou mesmo que, recebendo após anos, não pudessem gozar
dessas condenações.

PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL


NA PROTEÇÃO À PESSOA IDOSA
É interessante notarmos que, diferentemente do que ocorre com os povos indígenas e com as
minorias de gênero, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ainda é escassa em matéria
de proteção à pessoa idosa. Isso ocorre principalmente pelo fato de que a Constituição
não previu amplos direitos em favor desse grupo, o que reduz o parâmetro de controle
de atos do Poder Público.

Além disso, no sistema jurisdicional brasileiro, a proteção da pessoa idosa depende, em larga
medida, da implementação de políticas públicas no campo da saúde, do emprego, do lazer, da
moradia e do mercado de trabalho, cuja implementação e desenho recaem com muito mais
peso sobre:

Poder Legislativo

Define seus objetivos, suas fontes de financiamento e seus parâmetros gerais.

Poder Executivo

Efetivamente implementa as medidas concretas necessárias ao atingimento das finalidades


constitucionais.

Isso não significa que os desafios da proteção da pessoa idosa estejam superados.
Longe disso, há muito que se avançar nesse sentido. O Supremo Tribunal Federal pode,
eventualmente, ser chamado a avaliar omissões e violações aos direitos desse grupo.
Hoje, no entanto, a tutela da pessoa idosa ocorre especialmente fora do debate da jurisdição
constitucional, evidenciando para nós, estudiosos do Direito, como os direitos fundamentais
dependem, em geral, da atuação de outros agentes externos ao sistema de Justiça.

A PROTEÇÃO DO IDOSO COMO DEVER DA


FAMÍLIA E DO ESTADO: ENTRE
SOLIDARIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS
O especialista Wallace Corbo fala sobre A proteção do idoso como dever da família e do
Estado: entre solidariedade e políticas públicas.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. SOBRE A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL ÀS PESSOAS IDOSAS,


ASSINALE A ALTERNATIVA INCORRETA:

A) A pessoa idosa que não possua meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família tem direito ao benefício mensal de um salário-mínimo.

B) Nos termos do Estatuto do Idoso, considera-se pessoa idosa aquela com idade igual ou
superior a 60 (sessenta) anos.
C) A proteção da pessoa idosa é dever do Estado e da própria pessoa, com exclusão de
quaisquer outros.

D) A proteção à pessoa idosa ocorre especialmente no campo das políticas públicas.

E) É constitucional a gratuidade nos transportes públicos, assegurada a pessoas com 65 anos


ou mais.

2. SOBRE OS CONCEITOS QUE ENVOLVEM AS PESSOAS IDOSAS E OS


DIREITOS ASSEGURADOS A ELAS, ASSINALE A ALTERNATIVA
CORRETA:

A) A pessoa idosa não goza de direitos específicos na Constituição.

B) Diferentemente do que ocorre com relação a outros grupos sociais, a Fazenda Pública deve
pagar, de imediato, as condenações judiciais realizadas em favor da pessoa idosa.

C) A vulnerabilidade da pessoa idosa decorre de sua idade avançada, fragilidade de saúde e


dificuldade de inserção em diversos espaços sociais.

D) O Poder Judiciário, em geral, e o Supremo Tribunal Federal, em específico, são os


principais promotores dos direitos da pessoa idosa.

E) Idoso é um conceito jurídico indeterminado, que admite diferentes conformações pelo


legislador, desde que não ultrapassem os sentidos mínimos do termo.

GABARITO

1. Sobre a proteção constitucional às pessoas idosas, assinale a alternativa incorreta:

A alternativa "C " está correta.

De acordo com o art. 230 da Constituição Federal, a proteção da pessoa idosa é dever não
apenas do Estado, mas também da sociedade e da família.

2. Sobre os conceitos que envolvem as pessoas idosas e os direitos assegurados a elas,


assinale a alternativa correta:

A alternativa "C " está correta.


A vulnerabilidade a que se sujeita a pessoa idosa diferencia-se, por vezes, daquela que atinge
outros grupos sociais. Enquanto indígenas, negros e mulheres sofrem discriminações
estruturais ao longo de sua vida, as pessoas idosas encontram-se vulnerabilizadas
especialmente em razão da dificuldade de exercerem sua autodeterminação por motivos de
saúde e de idade avançada, o que também atinge o gozo de seus direitos em outros espaços.

CONCLUSÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Supremo Tribunal Federal tem abordado o tema dos direitos de grupos vulneráveis.
Descobrimos como, por vezes, é em sede judicial que muitos direitos podem ser conquistados,
a despeito das resistências que enfrentam no campo da política majoritária.

Temas como a promoção dos direitos de povos indígenas, o combate à desigualdade e à


discriminação de gênero em diversas facetas, e a proteção da pessoa idosa revelaram as
possibilidades e os desafios na relação entre Justiça e minorias sociais e políticas.

AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Brasília, DF: Presidência da República, [2020].

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº
10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências.
Brasília, DF: Presidência da República, º out. 2003.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.768. Relator:


Cármen Lúcia, 19 de setembro de 2007. Diário da Justiça Eletrônico: jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, Dje-131, Brasília, DF, 2007.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF/709 – Medida Cautelar na Arguição de


Descumprimento de Preceito Fundamental Nr. 709. Relator: Ministro Roberto Barroso, 8 de
julho de 2020. Diário da Justiça Eletrônico: jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Dje-
174, Brasília, DF, 2020.

CORBO, W. Discriminação indireta: conceito, fundamentos e uma proposta de enfrentamento


à luz da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.

GARGARELLA, R. Derecho y grupos desaventajados. Barcelona: Gedisa Editorial, 1999.

LENZA, P. Direito Constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva Educação, 2017.

MENDES, G. F.; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva


Educação, 2020. (Série IDP).

SARLET, I. W.; MARINONI, L. G.; MITIDIERO, D. Curso de Direito Constitucional. São


Paulo: Saraiva Educação, 2016.

EXPLORE+
Para saber mais sobre os assuntos tratados neste tema, pesquise:

No YouTube e assista às sustentações orais realizadas na ADI nº 4.275, que discutiu sobre o
direito de pessoas trans à alteração de nome e sexo no registro civil:

Sustentação oral STF – Registro de Pessoas Trans, por Wallace Corbo.


Sustentação oral STF – Registro de Pessoas Trans, por Gisele Alessandra.

Sustentação oral STF – Registro de Pessoas Trans, por Maria Berenice.

Na mesma plataforma, assista ao julgamento do Supremo Tribunal Federal que tratou da luta
contra o coronavírus em um grupo social considerado vulnerável: Pleno Combate à Covid-19
em comunidades indígenas.

CONTEUDISTA
Wallace Corbo

 CURRÍCULO LATTES

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