Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

LEANDRO. Uma Análise Dos Efeitos Socioeconômicos Do Regime de Recuperação Fiscal No Estado Do Rio de Janeiro

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 134

Andreu Wilson Pereira Leandro

Uma análise dos efeitos socioeconômicos


do regime de recuperação fiscal no Estado
do Rio de Janeiro

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada como requisito parcial para


obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em Direito do Departamento de Direito da
PUC-Rio.

Orientador: Prof. Ilie Antonio Pele

Rio de Janeiro
Abril de 2018
Andreu Wilson Pereira Leandro

Uma análise dos efeitos socioeconômicos


do regime de recuperação fiscal no Estado
do Rio de Janeiro

Dissertação apresentada como requisito parcial para


obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-
graduação em Direito do Departamento de Direito da
PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora
abaixo assinada.

Prof. Ilie Antonio Pele


Orientador
Departamento de Direito – PUC-Rio

Prof. Adriano Pilatti


Departamento de Direito – PUC-Rio

Prof. Florian Fabian Hoffmann


Departamento de Direito – PUC-Rio

Prof. Ricardo Nery Falbo


Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

Prof. Augusto César Pinheiro da Silva


Vice-Decano Setorial de Pós-Graduação do
Centro de Ciências Sociais - PUC-Rio

Rio de Janeiro, 20 de abril de 2018


Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução
total ou parcial do trabalho em a autorização da
universidade, da autora e do orientador.

Andreu Wilson Pereira Leandro

Graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela


Faculdade Nacional de Direito da UFRJ (2009).
Especialista em Regulação da Energia Elétrica pela FGV-
RJ (2015)..

Ficha Catalográfica

Leandro, Andreu Wilson Pereira

Uma análise dos efeitos socioeconômicos do regime de


recuperação fiscal no estado do Rio de Janeiro / Andreu
Wilson Pereira Leandro ; orientador: Ilié Antonio Pelè. –
2018.
134 f. ; 30 cm

Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade


Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Direito,
2018.
Inclui Referências bibliográficas

1. Direito – Teses. 2. Direito constitucional. 3. Direitos


humanos. 4. Orçamento público. 5. Bens públicos. 6.
Justiça distributiva. I. Pelè, Ilié Antonio. II. Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento
de Direito. III. Título.

CDD: 340
Agradecimentos

Inicialmente, agradeço imensamente o apoio propiciado pela CAPES e pela PUC-


Rio, os quais permitiram a dedicação integral aos estudos durante o período de
confecção deste trabalho;

Agradecimentos especiais ao meu orientador e amigo, Antonio Pele, pela


convivência, discussões e por ser um exemplo de professor ao longo desses dois
anos.

Por terem tornado este programa num espaço de conhecimento e amizade, faço os
merecidos elogios à coordenação programa, exercida pelos mais que queridos
Gisele Cittadino e Fábio Leite.

Aos queridos Anderson e Carmem o apoio e amizade de vocês é um presente.

Aos queridos Pedro Rogério, Lu, Mary e Bernardo, vocês tornaram a estada muito
mais aprazível.

Ao meu amigo-irmão Bernardo Brauer, pela amizade e por ter sido o interlocutor
privilegiado durante esta grande aventura.

Aos meus pais pelo carinho, compreensão e apoio e ao meu irmão, Andersen
Fellipe, pela convivência e incentivo.

Neste que é o empreendimento individual mais coletivo que existe, os eventuais


méritos do trabalho são frutos essencialmente das aulas, conversas e projetos de
pesquisa dos quais participei, sendo os defeitos integralmente de minha
responsabilidade.
Resumo

Leandro, Andreu Wilson Pereira; Pele, Ilié Antonio. Uma análise dos
Efeitos Socioeconômicos do Regime de Recuperação Fiscal no Estado
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2018. 134p. Dissertação de Mestrado -
Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro.

A presente dissertação de mestrado tem como proposta analisar o


fenômeno da desigualdade social, sobretudo aquela que aflige os grupos mais
vulneráveis da nossa sociedade, problemas este tradicionalmente caracterizado
como um fato social e transmutar tal aporia numa questão jurídica. Para tanto,
utiliza-se do Pacto Internacional sobre Diretos Econômicos, Sociais e Culturais de
1966 e de sua previsão que veda a discriminação na fruição dos direitos objetos do
referido pacto. Como efeito, a discriminação no desfrute desses direitos, mesmo
que involuntária, é uma infração ao dever de não discriminação, dever este que é
de aplicabilidade imediata e não sujeito a considerações de ordem orçamentária.
Posteriormente, é analisado o caráter neoliberal do Regime de Recuperação Fiscal
ao qual aderiu o Estado do Rio de Janeiro, sendo pontuadas as repercussões deste
regime excepcionalíssimo para o proveito dos direitos socioeconômicos e
culturais numa situação de recrudescimento do conflito pelo dispêndio público.
Após, abordam-se exemplos de políticas implementadas de modo geral a
assegurar a fruição dos direitos socioeconômicos e culturais, bem como de
políticas para verificar se as políticas implementadas pelo Estado são ou não
discriminatórias. Por fim, é apresentada tanto uma sugestão de estrutura de
verificação das políticas a serem implementadas em âmbito estadual quanto
enumeradas iniciativas inovadoras em âmbito internacional que combinam baixo
custo orçamentário para sua implementação e alto impacto sobre o público-alvo
dos programas.

Palavras-Chave

Direito Constitucional; Direitos Humanos; Orçamento Público; Bens


Públicos; Justiça Distributiva; Neoliberalismo; Nudge.
Abstract

Leandro, Andreu Wilson Pereira; Pele, Ilié Antonio (Advisor). A


Socioeconomics Impact Analysis of the Fiscal Recovery Regime in the
State of Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2018. 134p. Dissertação de
Mestrado - Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro.

This Masters Dissertation aims to analyze the phenomena of social


inequality, especially that which affects the most vulnerable strata of our society.
Problems such as these are traditionally characterized as social facts. However, it
is this Dissertation’s purpose to approach the issue as a legal matter. To that end,
this work will have recourse to the International Covenant on Economic, Social
and Cultural Rights of 1966, and its provision which prohibits discrimination in
the recognition of the rights it sets forth. In effect, the discrimination in the
fruition of such rights, even when unintentional, constitutes a breach of the duty
of non-discrimination, a duty of immediate applicability and not subject to
budgetary considerations. Afterwards, the neoliberal character of the Fiscal
Recovery Regime to which the State of Rio de Janeiro adhered will be analyzed.
Remarks will then be made on the repercussions of this overly exceptional regime
on the enjoyment of socioeconomic and cultural rights in an environment afflicted
by the escalation of disputes on public expenditure. Furthermore, examples of
policies implemented with a general objective to ensure the fruition of
socioeconomic and cultural rights, as well as policies aiming to verify whether the
policies adopted by the State are discriminatory or not, will be presented. At last,
a proposal of State level policy verifying structure will be put forward, and several
innovative initiatives in the international ambit, which combine low budget cost
for implementation and high effectiveness over the target demographic, will be
evaluated.

Keywords

Constitutional Law; Human Rights; Public Budget; Distributive Justice;


Neoliberalism; Nudge.
Sumário

1 Introdução 9

2 A Necessidade de Construção de um marco teórico para a


compreensão da Crise Fluminense 13
2.1 As Premissas Básicas no Estabelecimento de um Critério de
Análise 15
2.2 A Justificativa da Adoção da Perspectiva Orçamentária 17
2.3 A Perspectiva Orçamentária e o Problema da Coordenação 32

3 O Estado do Rio de Janeiro e o Regime de Recuperação Fiscal 38


3.1 O Liame entre Neoliberalismo e Austeridade Fiscal 39
3.1.1 A gênese da austeridade econômica 41
3.1.2 A crise de 2007/2008 46
3.2 As Características do Regime de Recuperação Fiscal 50
3.3 Enumeração das Medidas de Ajuste Fiscal no Estado do Rio de
Janeiro 52
3.4 Um Diagnóstico do Plano de Recuperação Fiscal 55
3.5 uma Síntese do Plano de Recuperação Fiscal 57

4 A Aplicação dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais 62


4.1 O Controle de Convencionalidade dos Tratados Internacionais de
Direitos Humanos 63
4.2 O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais de 1966 como Alternativa à Visão Tradicional das
Normas Programáticas 67
4.3 Os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Controle de
Políticas Públicas 71
4.4 A Vedação à Discriminação no pacto sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais e a Discriminação Indireta 77
4.5 O Controle de Convencionalidade e o Dever de
Não-Discriminação 82
5 Conclusões Parciais: A Busca de Alternativas à Escassez e a
Experiência Internacional 85

5.1 As Iniciativas de Efetivação do Gasto Público 89


5.2 Os Nudges como um Atenuador do Conflito Distributivo 93
5.3 Uma Proposta para o Estado do Rio de Janeiro 100
5.4 A Experiência Internacional na Efetivação dos Direitos
Socioeconômicos e Culturais 106

6 Conclusão 119

7 Referências bibliográficas 125


1
Introdução

Ao longo dos últimos 3 (três) anos, o país experimentou uma crise


econômica inaudita em tempos de paz, com uma redução do Produto Interno
Bruto de 9% (nove por cento) apenas entre os anos de 2014 e 20161.
Evidentemente, uma diminuição da economia nacional desta monta tem
reflexos tanto sobre a arrecadação tributária quanto sobre os indicadores sociais,
sendo um dos mais notáveis o comportamento da taxa de desemprego, que
dobrou em apenas 2 (dois) anos2, tornando muito maior o contingente de
famílias carecedoras de apoio estatal para lidar com as vicissitudes da perda de
renda causada pelo desemprego.
No entanto, o que se observou foi um comportamento estatal antípoda ao
esperado (ou ao menos devido), verificando-se que a crise econômica culminou
numa crise fiscal, ou seja, houve uma contaminação da capacidade de atuação
estatal em razão da insuficiência de recursos orçamentários para o pagamento
das despesas mais básicas, sendo o caso fluminense um extremo, mas longe de
se configurar como uma exceção.
Com efeito, uma série de Estados se mostrou incapaz de arcar sequer
com o pagamento de seu quadro de servidores ativos, com atrasos ocorrendo
frequentemente3, o que, embora não seja o caráter mais insidioso verificado ao
longo do período estudado, é o arquetípico da incapacidade de atuação estatal.
Neste contexto, foram implementadas uma pletora de medidas, tanto em
âmbito fluminense quanto federal, com o intuito manifesto de assegurar a
estabilidade macroeconômica e fiscal do Estado, sem que isso implicasse
qualquer tipo de preocupação com o bem-estar da população em geral.
Para compreender este fenômeno, faz-se uso de autores cruciais para a
compreensão do neoliberalismo, sobremodo de Michel Foucault e David Harvey,

1
BARBOSA FILHO, Fernando de Holanda. A crise econômica de 2014/2017. Estud. av., São
Paulo, v. 31, n. 89, p. 51-60, Apr. 2017. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142017000100051&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 25 fev. 2018.
http://dx.doi.org/10.1590/s0103-40142017.31890006.
2
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Análise de Indicadores
Selecionados (2016). Disponível em:
https://www.dieese.org.br/anuario/2017/Livro0_AnaliseIndicadoresSelecionados.pdf Acesso em: 25
fev. 2018.
3
Disponível em: http://www.valor.com.br/politica/5116742/estados-estao-atrasando-salarios-de-
servidores-diz-fenafisco. Acesso em: 25 fev. 2018.
10

de modo a apreender se tal estado advém de uma mera escolha política das
elites dirigente ou se constitui, de outra sorte, traço indelével do próprio
neoliberalismo.
Superada a questão conceitual, quanto ao esclarecimento dos caracteres
ínsitos ao fenômeno neoliberal, passa-se à análise do paradoxo pastoral e do fim
da ideia de uma salvação coletiva, substituída pela prescindibilidade de parcelas
cada vez maiores da sociedade, cujo infortúnio, ao invés de ser visto como uma
falha da sociedade, progressivamente é compreendida como uma falta pessoal,
como a incapacidade destes indivíduos em salvarem-se a si mesmos.
Traço fundamental atribuído a tal proposta é a possibilidade de atuar no
âmbito “defensivo”, isto é, num cenário de improvável ampliação do acesso a
direitos, sobremodo daqueles mais carentes de recursos orçamentários para sua
efetivação, busca-se evitar que os recursos existentes sejam utilizados de modo
a privilegiar as camadas mais privilegiadas da sociedade, em detrimento das
populações mais necessitadas de prestações estatais.
Para tanto, o conceito de não-discriminação assume caráter fulcral,
possibilitando (ao menos teoricamente) a aferição sobre o caráter discriminatório
de políticas públicas formalmente isonômicas, mas capazes de afetar
desproporcionalmente certos segmentos da sociedade.
Com efeito, reconhecendo-se as limitações impostas pelo neoliberalismo
para a ampliação de receitas orçamentárias, bem como para a obtenção de
receitas não-orçamentárias (limitações legais ou autoimpostas à obtenção de
empréstimos e qualquer tipo de endividamento público) propõe-se a utilização de
nudges, conjuntamente com a elaboração de políticas públicas baseadas em
evidências para a realização de políticas públicas cujo público-alvo sejam os
grupos socialmente vulneráveis.
Baseados na ideia de recrudescimento do conflito distributivo em razão
da limitação orçamentária enfrentada em âmbito estadual, considera-se mais
provável que quaisquer medidas mitigadoras dos efeitos cruéis do ajuste fiscal
sobre essas populações marginais, dependeria da demonstração de sua alta
efetividade e baixo custo.
Como uma proposta de enfrentamento deste quadro de esmaecimento da
responsabilidade coletiva pelo infortúnio dos membros mais vulneráveis da
sociedade, esta dissertação divide-se em 4 (quatro) capítulos que abordam
diferentes aspectos da crise que aflige o Estado do Rio de Janeiro, culminando
numa proposta de utilização do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais como um mecanismo hígido de controle de políticas públicas.
11

Assim, o primeiro capítulo ocupa-se da construção de um marco teórico


para a compreensão da crise fluminense, um fenômeno multifacetado cujo ápice
foi o recente decreto de intervenção federal, o qual estripou grande parte da
autoridade do Executivo estadual, numa situação de caráter excepcionalíssimo
desde a redemocratização.
Em um segundo momento, justifica-se a eleição dos critérios de análise,
assim como as aporias advindas do atual modelo de judicialização das políticas
públicas. Pontuar-se-á, problemas específicos quanto à própria atuação do
Judiciário no controle e aplicação de políticas públicas, que resultam numa
aporia fundamental, qual seja, o problema da coordenação de políticas públicas.
Por fim, com a intenção de clarificar-se a potência advinda da análise
orçamentária, demonstra-se que as características necessárias para a
implementação de políticas públicas efetivas e factíveis, depende do
reconhecimento da existência de limitações orçamentárias, as quais podem ser
mais adequadamente observadas caso o papel preponderante na sua definição
recaia sobre o Legislativo e Executivo.
O segundo capítulo tem por objetivo a exposição das principais medidas
impostas em âmbito estadual em razão da adesão ao Regime de Recuperação
Fiscal criado pelo governo federal, o qual implica a adoção de uma série de
medidas neoliberais para a reaquisição de estabilidade fiscal, mesmo que às
custas da redução do dispêndio público, buscando-se com isso o retorno dos
pagamentos da dívida estadual perante a União.
Discorrerá o capítulo ainda sobre quais os caracteres do plano que
possuem um cariz neoliberal, discernindo-se se o previsível efeito adverso sobre
o bem-estar dos grupos socialmente vulneráveis é um efeito colateral ou
pressuposto do pacto de austeridade erigido no Rio de Janeiro.
O terceiro capítulo busca clarificar a proposta de utilização do Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Socais e Culturais, sobretudo quanto
ao veto à consideração de critérios interditados (tais como sexo, raça,
pertencimento a grupo étnico) possam interferir na fruição dos direitos
socioeconômicos e culturais.
Intenta-se ainda apresentar um conjunto de razões pelas quais a
utilização do mecanismo proposto é superior à visão tradicional dos direitos
sociais enquanto normas programáticas, bem como de sua superioridade
também em relação às tentativas de efetivação dos direitos sociais
(especialmente o direito à saúde) por meio do Judiciário.
12

Por fim, aborda-se a questão da discriminação indireta e de como se dá


sua utilização (ao menos potencial) para o controle de políticas públicas, sendo
realçada a necessidade de criação de critérios de análise e aferição de um
potencial disparate impact advindo de políticas públicas formalmente não-
discriminatórias.
O último capítulo apresenta mecanismos oriundos do direito comparado,
sobretudo incipientes experiências na utilização de nudges para o
estabelecimento de políticas públicas fundamentalmente assentes na economia
comportamental e na utilização massiva de dados para a melhoria da qualidade
de vida dos cidadãos a um custo muito mais baixo que as alternativas
atualmente utilizadas.
Ao termo, propõe-se uma estrutura de controle em âmbito fluminense,
isto é, a institucionalidade que permita mensurar os efeitos potencialmente
discriminatórios das políticas implementadas pelo governo estadual, com a
apresentação também de lições da experiência comparada, especialmente a
análise do orçamento baseada em gênero, a qual acredita-se ter o potencial
para servir como base para o controle dos efeitos discriminatórios em outras
categorias além do gênero.
2
A Necessidade de Construção de um Marco Teórico para a
compreensão da Crise Fluminense

No dia 06 de setembro de 2017 foi homologado um acordo entre a União


e o Governo do Estado do Rio de Janeiro com o explícito fito de amenizar-se os
deletérios efeitos socioeconômicos decorrentes da severa crise4 fiscal a qual o
Estado do Rio de Janeiro está presentemente submetido.
O traço marcante desta crise, sobre o prisma fiscal, é a existência de um
descomunal déficit, que perfaz o importe de R$ 16.071.904.638,00 (dezesseis
bilhões, setenta e um milhões, novecentos e quatro mil, seiscentos e trinta e oito
reais) apenas no ano de 20175.
Característico deste ano de profunda crise fiscal, foram as consequências
nocivas aos cidadãos decorrentes do recrudescimento da violência, colapso da
rede estadual de saúde pública, atraso generalizado dos salários e
aposentadorias do funcionalismo público, bem como o funcionamento
intermitente da maior universidade estadual e uma das melhores do Brasil, a
678
UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) .
Como solução para a situação precária em que se encontram as finanças
estaduais, propôs o Plano de Recuperação Fiscal (o qual será analisado
propriamente em capítulo posterior) um conjunto de medidas de austeridade que
podem ser sumarizadas como um pacote neoliberal compreendendo um corte de
despesas atinentes às atividades-fim do Estado, com a redução de servidores

4
Crise aqui é não é utilizada como uma expressão retórica, mas sim como o termo que descreve a
atual incapacidade estatal para o exercício de suas funções básicas em razão da inexistência de
fundos orçamentários para o pagamento de salários do funcionalismo, investimentos e custeio de
despesas ordinárias, tais como a manutenção da frota de carros utilizados pela Polícia Militar.
5
Lei n.º 7.514. Lei Orçamentária Anual. Volume I. Página 59 Disponível em:
http://www.rj.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=3a571122-6250-4905-a720-
ee20a44e62c6&groupId=91233 Acesso em: 23 set. 2018..
6
Fato que corrobora a situação excepcionalíssima do Estado do Rio de Janeiro foi a publicação do
Decreto n.º 9.288, de 16 de fevereiro de 2018, o qual determina a intervenção federal no Estado do
Rio de Janeiro com o objetivo de pôr termo ao grave comprometimento da ordem pública.
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2018/decreto-9288-16-fevereiro-2018-
786175-publicacaooriginal-154875-pe.html Acesso em: 18 fev. 2018..
7
Segundo dados do Instituto de Segurança Pública, houve um aumento de 44% do número de
homicídios anuais entre os anos de 2012 e 2017. Disponível em:
http://www.ispdados.rj.gov.br/Arquivos/SeriesHistoricasLetalidadeViolenta.pdf. Acesso em: 25 fev.
2018.
8
Segundo o Rio Previdência, o pagamento do 13º salário dos servidores aposentados e dos
pensionistas referentes ao ano de 2016, somente ocorreu no dia 20 de dezembro de 2017.
Disponível em: https://www.rioprevidencia.rj.gov.br/RIOPREVIDENCIA/ListaNoticias/RP_019541
Acesso em: 18 fev. 2018.
14

ativos, aumento da contribuição previdenciária de servidores ativos e inativos (e


pensionistas) e aumento de receita com a extinção ou redução de incentivos
fiscais, aumento de impostos e a privatização de empresas estatais.
Em troca da adoção de tal conjunto de medidas de que buscam a
ampliação de receitas orçamentárias e redução do dispêndio público, o Estado
do Rio de Janeiro teria o direito de, nos termos do artigo 9º, § 1, da Lei
Complementar n.º 159, de 19 de maio de 2017 (LCP n.º 159/2017), suspender
por três anos os pagamentos administrados pela Secretaria do Tesouro Nacional
do Ministério da Fazenda, prazo este que pode ser prorrogado por igual período,
como o pagamento da dívida ocorrendo na forma prescrita pelo artigo 9º, § 2º,
da LCP n.º 159/2017.
Diante da penúria que atualmente caracteriza as finanças fluminenses,
cujo um dos mais emblemáticos exemplos (embora não o mais ofensivo) é o
acintoso atraso no pagamento do 13º salário do funcionalismo público relativo ao
ano de 2016, cabendo indagar se este é um bom acordo. A questão fulcral
passa a ser o que constituiria um bom acordo, logo, está-se diante da questão
da eleição de um critério de avaliação.
A presente dissertação intenta estabelecer mecanismos de aferição e
salvaguarda do cumprimento dos direitos socioeconômicos e culturais durante o
Regime de Recuperação Fiscal no âmbito fluminense, regime este que
pressupõe a redução paulatina das despesas públicas (em termos proporcionais)
para que o estado deixe de ter déficit fiscal, como os verificados nos anos
antecedentes.
No entanto, o referido regime não estabelece quaisquer tipos de proteção
aos grupos socialmente vulneráveis diante dos previsíveis efeitos decorrentes do
ajuste fiscal em fase de implementação, seja em razão dos aumentos de
alíquotas de impostos indiretos, os quais impactam mais intensamente as
populações mais pobres, bem como em razão dos cortes de gastos, os quais,
como será demonstrado nos capítulos subsequentes, habitualmente atingem
desproporcionalmente as populações mais vulneráveis.
Vislumbra-se assim que, não obstante o ajuste seja retratado de modo
tecnicista, quase como um fato inevitável, existe sempre um fator arbitrário
(deliberado ou não) ao determinar os grupos que serão afetados
preferencialmente pelas medidas implementadas.
Da simples leitura do Plano de Recuperação Fiscal percebe-se que, nas
parcas vezes em que se demonstra preocupação com o contribuinte, este é
15

incluso numa categoria ampla, sem que sejam feitas considerações quanto aos
distintos efeitos específicos sobre os díspares grupos sociais. Veja-se:

“[...]As medidas de ajuste são parte integrante do Plano e seus impactos


individuais estimados contribuem para que haja uma trajetória de volta ao
equilíbrio das contas públicas. O cumprimento de cada medida apresentada faz
parte do compromisso do Estado do Rio de Janeiro com o ajuste fiscal. [...]
Como serão detalhadas adiante, as ações previstas abrangem diversos aspectos
fiscais com o objetivo de não sobrecarregar grupos impactados, como por
exemplo, servidores, fornecedores ou contribuintes. Mais importante do que o
resultado alcançado por cada medida é o somatório do conjunto das mesmas,
que irá se traduzir na trajetória de equilíbrio apresentada.”9

Deste modo, é imprescindível o estabelecimento de instrumentos de


medição que permitam aferir como os efeitos das medidas de ajuste fiscal
afetam os distintos grupos sociais, sobremodo em relação às camadas mais
vulneráveis da sociedade.

2.1
As Premissas Básicas no Estabelecimento de um Critério de Análise

Evidenciada na seção antecedente qual a razão subjacente à criação de


um mecanismo de apreensão da realidade que possibilite a avaliação dos efeitos
sobre a fruição dos direitos socioeconômicos e culturais das medidas de
austeridade em âmbito fluminense, passa-se a delinear quais os pressupostos
para que tal avaliação produza resultados que se prestem ao fim intentado10.
Estabelecer um critério implica responder quais são as variáveis
relevantes, o que se quer medir e com qual finalidade. Assim, o presente
trabalho pretende identificar os impactos das medidas previstas no ajuste fiscal
fluminense sobretudo em relação a grupos socialmente vulneráveis, perquirindo
se as medidas aplicadas têm caráter inexorável ou são moldadas para poupar os

9
Plano de Recuperação Fiscal do Estado do Rio de Janeiro. p. 6 Disponível em:
http://tesouro.gov.br/documents/10180/602241/Plano+de+Recuperação+Fiscal/8fabd06f-10b0-
424d-845f-9fa833235a88. Acesso em: 18 fev. 2018
10
Entre os critérios de análise existentes, Michael Adler aduz que: “[...] Enquanto métricas de
desigualdade analisam a distribuição global de algum atributo relevante entre a população (renda,
riqueza, felicidade, longevidade, etc), com as métricas de pobreza focando na distribuição acima e
abaixo do referencial de pobreza, há uma terceira perspectiva para examinar disparidades entre
grupos sociais diferentes. Denomina-se tal perspectiva como “social gradiente”. Tal perspectiva é
utilizada, particularmente nos Estados Unidos, na análise de disparidades raciais. Quão séria é a
desigualdade racial em relação à renda, riqueza, longevidade, escolaridade, etc? Um diferente uso
do social gradient é atinente à análise de diferenças socioeconômicas, especialmente à correlação
entre um status socioeconômico e um indicador não-econômico, normalmente saúde. ADLER,
Michael D. Equity by Numbers: Measuring Poverty, Inequality, and Injustice. 66 Alabama Law
Review, 2015. p. 555 Disponível em: https://scholarship.law.duke.edu/faculty_scholarship/3064
Acesso em: 21 fev. 2018.
16

estamentos privilegiados enquanto as repercussões negativas derivadas de um


ajuste fiscal são imputadas mais intensamente sobre os grupos socialmente
vulneráveis.
Deste modo, a questão cinge-se a definir se os grupos socialmente
vulneráveis, justamente aqueles que deveriam ser poupados do fardo decorrente
do pacote de austeridade, são de fato poupados ou se, ao revés, a ausência de
representatividade política desses grupos implica a imputação preferencial sobre
eles dos ônus decorrentes das medidas ampliadoras da receita tributária
estadual e dos cortes nas prestações estatais.
Para tanto, faz-se necessária uma digressão para justificar a escolha pela
analise orçamentária em detrimento de uma perspectiva muito mais utilizada no
Brasil, consistente na investigação da judicialização de políticas públicas para a
efetivação de direitos socioeconômicos e culturais.
Por judicialização das políticas públicas, das quais o paradigma da
atuação do Judiciário é o acesso à saúde, entende-se a tentativa mais ou menos
exitosa de efetivar a fruição dos direitos sociais por meio de pleitos diretamente
ao Judiciário, o qual determinaria que o Executivo desse cumprimento à sua
11
decisão .
Deste modo, ao invés de o Judiciário determinar ao Executivo a
formulação de um critério para o fornecimento de certos medicamentos e
tratamentos médicos, sob pena de deferimento do pedido autoral, o que tornaria
sua atuação supletiva de uma inaptidão do Executivo, passou-se a deferir o
fornecimento de medicamentos em termos individuais.
Essa característica da concessão dos pleitos em bases individuais
implica a ausência de coordenação e hierarquização das prioridades do sistema
de saúde e seu mister de tratar a maior quantidade possível de pacientes da
melhor forma com os recursos disponíveis.
Ademais, este tipo de análise individual dos casos inibe que se faça uma
análise quanto ao custo e efetividade advindos da atuação judicial, ou seja,
decide-se os casos em bases individuais e os dados não são agregados para
verificar seus efeitos sistêmicos para a promoção da saúde.
Por outra senda, entende-se aqui como perspectiva orçamentária a
análise que seja fundamentada na arrecadação e dispêndio de recursos

11
Para uma visão mais completa do tema, ver, entre outros: TAYLOR, Mathew M. O Judiciário e
as Políticas Públicas no Brasil. DADOS, Rio de Janeiro, Vol. 50, nº 2, 2007. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-
52582007000200001&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 21 fev. 2018.
http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52582007000200001.
17

públicos, pressupondo-se que as reais prioridades públicas sejam os itens do


orçamento que recebam as maiores dotações orçamentárias.
Assim, para se verificar se os direitos reprodutivos de mulheres negras
são respeitados, seria aferido o dispêndio na promoção desses direitos e
compará-lo com o dispêndio sobre o grupo de controle, por exemplo, mulheres
brancas, verificando-se se há diferenças quanto ao gasto per capita dependendo
da cor/raça da mulher e se essa eventual diferença verificada tem implicações
para a fruição dos direitos socioeconômicos e culturais, como por exemplo maior
taxa de mortalidade materna.
A partir da disparidade de dispêndio e de resultados verificados, seria
possível a promoção de medidas equalizadoras da fruição do direito em questão.
Na seção subsequente serão apresentados os argumentos que justificam
a superioridade desta perspectiva em comparação com a judicialização das
políticas públicas.

2.2
A Justificativa da Adoção da Perspectiva Orçamentária

Intenta-se demonstrar ao longo deste segmento as razões que justificam


a adoção de uma perspectiva que vincule a efetividade dos direitos
socioeconômicos e culturais à análise do orçamento, mais propriamente da
forma como os seus recursos são destinados à promoção dos mais diversos fins
sociais.
Em tal intento, realiza-se uma pesquisa doutrinária baseada
principalmente em Sunstein e Holmes para a demonstração das aporias
institucionais advindos da atuação do Judiciário na definição e aplicação de
políticas públicas, bem como das lições de Cançado Trindade e Fábio Konder
Comparato para a apresentação do liame entre orçamento, vedação à
discriminação e o prisma orçamentário, o que serve como sustentáculo da tese
aqui defendida, qual seja, a de que o orçamento é o local privilegiado para
assegurar-se a efetivação dos direitos socioeconômicos e culturais.
Por fim, serão expostos problemas específicos da tentativa brasileira de
efetivação dos direitos sociais, sobremodo do direito à saúde, com a utilização
da avaliação produzida por Ana Paula de Barcellos e Ricardo Lobo Torres sobre
os termos desiguais em que se verificou na prática tal tentativa de efetivação.
Considera-se que da análise do dispêndio público há mais possibilidades
tanto para apreender quais as reais prioridades estatais quanto para promover
18

alterações (ou ao menos apontar desequilíbrios) quanto à alocação dos recursos


públicos.
Também se constituiriam como um mecanismo eficaz para lidar com a
incapacidade fundamental da judicialização das políticas públicas, qual seja, a
inaptidão para minorar ou extinguir violações sistemáticas e pervasivas aos
direitos socioeconômicos e culturais. Entende-se por isso as aporias decorrentes
de profundas desigualdades sociais ou a demanda de medidas protetivas de
toda a coletividade ou de parcela significativa.
Assim, percebe-se a inabilidade do Judiciário para assegurar os homens
homo e bissexuais não sejam contaminados pelo HIV proporcionalmente 5 vezes
12
mais que os homens heterossexuais , já que um mero comando judicial não
tem como aferir quais os meios mais eficazes tanto em termos de efetividade
quanto no tocante à relação custo-benefício da miríade de políticas públicas que
podem ser utilizadas para diminuir a tétrica diferença nas taxas de contaminação
13
verificadas .
O ponto focal para a escolha da perspectiva orçamentária para a
avaliação dos efeitos das medidas de austeridade advém de uma constatação
trazida por Fábio Konder Comparato, o qual afirmava que o local de realização
dos direitos socioeconômicos e culturais era no orçamento.
Isto porque Fábio Konder Comparato indicava que os direitos previstos
no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais têm sua
implementação dependente do estabelecimento de políticas públicas e
programas de ação governamental, sendo tais políticas dotadas de
coordenação. Nas palavras do preclaro autor:

12
Disponível em: http://mercadopopular.org/2017/06/restricoes-a-doacoes-de-sangue-preconceito-
ou-uma-medida-baseada-em-dados/ Acesso em: 20 fev. 2018.
13
Da mesma forma, Kasper Lippert-Rasmussen aponta que: “[...] a ideia de que nós deveríamos
estar mais preocupados com as desigualdades nos indicadores de saúde induzidos por
discriminação que em relação às desigualdades nos indicadores de saúde causados por
diferenças genéticas, não é baseado somente na noção de nós temos que acomodar outros
valores ou observar restrições de ordem prática. Vários escritores importantes têm indicado, de
fato, que são inclinados a favorecer algum tipo de medição baseada em grupos sociais ao menos
parcialmente sobre este fundamento. Asada e Thiomas Hedemann, por exemplo, comparam duas
populações com idêntica variação nos indicadores individuais de saúde. A primeira população teria
experimentado discriminação sistemática e há uma grande desigualdade nos indicadores de saúde
entre os grupos sociais. A segunda população não foi exposta à discriminação sistemática, sendo
livre da desigualdade entre os grupos sociais que caracteriza a primeira população, mas contém o
mesmo nível de desigualdade nos indicadores de saúde entre os seus membros. Asada e
Hedemann apontam que a perspectiva individualista iria considerar estas duas populações iguais
em termos de desigualdade na saúde e que, considerando que a maioria consideraria que a
primeira população conteria uma injusta desigualdade na saúde, a medida individual está
confinada a não perceber algumas importantes desigualdades.” In Lippert-Rasmussen, Kasper.
When Group Measures of Health Should Matter in EYAL, Nir; HUST, Samia; NORHEIM, Ole F.;
WIKLER, Daniel. (Org.). Inequalities in Health:Concepts, Measures, and Ethics. New York: Oxford
University Press, 2013. p. 59
19

“[...]A elevação do nível de vida e da qualidade de vida das populações carentes,


supõe, no mínimo, um programa conjugado de medidas governamentais no
campo do trabalho, da saúde, da previdência social, da educação e da habitação
popular.”14

Constatou ainda, num diagnóstico preciso, que a elaboração das


garantias relativas aos direitos culturais e socioeconômicos seria um
empreendimento em grande parte irrealizado, fora do campo restrito dos direitos
derivados do contrato de trabalho e da liberdade sindical. Como possibilidade de
implementação, num ponto acorde com o posicionamento exposto na presente
dissertação, o autor reputa que o instrumento próprio de realização de políticas
15
públicas é o orçamento público .
A utilização da análise orçamentária em detrimento das tentativas de
implementação dos direitos sociais por meio de ação direta do Judiciário,
decorre do reconhecimento de que a atuação do Judiciário não se mostrou
capaz de elaborar políticas públicas com o grau de coordenação e duração
necessários para a produção de resultados benéficos à fruição dos direitos em
questão.
Exemplar desta tentativa frustrada de efetivação de direitos foram os
resultados verificados na atuação judicial quanto ao direito à saúde, a qual
segundo a doutrina especializada, obteve resultados entre pouco significativos
ou que exacerbavam a desigualdade na distribuição de recursos públicos, tendo
sido observado que os gastos privilegiaram precipuamente as classes mais
abastadas, constituindo-se como verdadeira apropriação da riqueza nacional em
benefício de grupos privilegiados.
As críticas quanto à atuação judicial na efetivação dos direitos sociais têm
entre suas bases a temática da coordenação social16. Não obstante reconheça o
crucial papel que cabe ao Judiciário para a efetividade dos direitos humanos,
considerou-se que, além de o tema já ter sido objeto de relevantes estudos17, há
uma série de razões pelas quais não deveria o Poder Judiciário decidir temas

14
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 8ª edição. São Paulo:
Saraiva, 2013. p. 350
15
Ibid. p.353
16
Temática esta a ser explorada detidamente na seção subsequente deste capítulo.
17
Cite-se como exemplos: DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya Gasparetto. Dimensões da
constitucionalização das políticas públicas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.
273, p. 237-267, set. 2016. ISSN 2238-5177. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/66662>. Acesso em: 24 set. 2017.
doi:http://dx.doi.org/10.12660/rda.v273.2016.66662. e TORRES, Ricardo Lobo. O Direito ao
Mínimo Existencial. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2009.
20

cujos Poderes Legislativo e Executivo são mais aptos a tomarem uma decisão
ótima.
Inicialmente, o Judiciário não tem legitimidade democrática ou expertise
para resolver as questões decorrentes da efetiva coordenação social. A atuação
do Judiciária é muito efetiva para assegurar a uma pessoa determinada um
direito cujo gozo seja individual e, quando o faz, usualmente não considera
eventuais efeitos deletérios da sua conduta, isto é, a análise feita não leva em
conta considerações como a limitação orçamentária dos entes federativos ou se
a medida determinada é prejudicial a outros fins socialmente desejáveis.
Ademais, quanto mais sistemática a violação aos direitos humanos,
menor a eficácia do Judiciário. Se é indubitável que ao Judiciário é perfeitamente
possível a condenação de Estado ou Município à entrega de medicamentos ou a
imediata internação de um paciente grave, como o Judiciário pode garantir que
um certo grupo étnico ou minoria sexual tenha acesso médico equivalente à
média da população?
Neste sentido, apontam Holmes e Sunstein que o Judiciário não está bem
posicionado para rever o processo de eficiente alocação de recursos públicos,
conduzidos, com maior ou menos habilidade pelas agências executivas,
tampouco sendo capaz de rever as alocações inadequadamente feitas. Aos
juízes faltaria o adequado treinamento para exercer tal papel e eles operariam
com base em informação inadequada e tendenciosa18.
Além disso, quando juízes julgam, decidem um caso individual, sem
considerar limites de gastos orçamentários. Contrariamente ao Legislativo e o
Executivo, o Judiciário está limitado a analisar os casos individualmente, não
podendo perquirir o amplo conjunto de necessidades sociais e, sopesando tais
necessidades, decidir quanto alocar para o fornecimento de cada bem
socialmente valorizado. Assim, juízes são institucionalmente proibidos de
considerar as potenciais consequências distributivas de suas decisões19.
O fato mais relevante para que o Judiciário não seja o responsável por
resolver esses conflitos distributivos é que este Poder é o único que não é
responsabilizável perante a população, ou seja, o juiz não pode ser
responsabilizado politicamente (quer por censura ou remoção) pela correção ou
não da escolha alocativa que eventualmente tenha feito.

18
SUNSTEIN, Cass R.; HOLMES, Stephen. The Cost of Rights. New York: Norton & Company
Ltd., 1999. p. 95
19
Ibid.
21

Ainda, faltaria ao Judiciário a capacidade de vislumbrar as vinculações


entre os aspectos econômicos e técnicos da questão para decidir aplicar uma
política ao invés de uma de suas alternativas20.
Elaborando críticas no mesmo sentido, Ana Paula de Barcellos aduz que
o Judiciário não contribui para a generalização da saúde pública quando
determina o fornecimento de medicamentos, tratamentos e/ou insumos que não
constituam o mínimo existencial, uma vez que tais decisões acabam resultando
numa distribuição de renda iníqua em âmbito nacional. Isto é atribuído por Ana
Paula de Barcellos ao fato de toda a sociedade brasileira custearia as
necessidades de alguns poucos indivíduos que tiveram seus pleitos
judicialmente reconhecidos, sem que tivesse ocorrido qualquer deliberação
democrática neste sentido21.
Do mesmo modo, observaram Chilton e Versteeg à luz da experiência
comparada que, usualmente, a atuação judicial favorece primordialmente
aqueles que tem os meios financeiros para o acesso ao Judiciário, pontuando-se
que nos casos brasileiro e colombiano observou-se que a efetivação judicial dos
direitos sociais direcionou recursos para as camadas mais privilegiadas, sem
que essa atuação melhorasse a vida dos mais pobres, já que ausentes
mudanças alocativas que privilegiassem os pobres e miseráveis22.
Em contundente crítica sobre à extensão do direito à saúde atribuído pelo
Judiciário, afirma Ricardo Lobo Torres que:

“[...] A partir desse julgado no STF os tribunais de grau inferior passaram a sacar
diretamente do art. 196 da Constituição a fonte legitimadora da afirmação
positiva das prestações na área da saúde nos casos de omissão administrativa
ou legislativa. A nova posição do Judiciário brasileiro trouxe grande avanço para
a defesa do mínimo existencial e do direito à saúde. Mas, por outro lado,
provocou inúmeros exageros quanto à extensão do direito, que passou a
aquinhoar também os ricos e se aplicou até mesmo à garantia de tratamento
médico no estrangeiro, além de inovar no equacionamento jurídico de inúmeras
matérias ligadas ao orçamento.
O Superior Tribunal de Justiça garantiu o pagamento de despesas de tratamento
médico no exterior mediante a fixação de indenização “a posteriori”, o que
obviamente só beneficia os ricos.”23

20
SUNSTEIN, Cass R.; HOLMES, Stephen. The Cost of Rights. New York: Norton & Company
Ltd., 1999. p. 127
21
BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana. 3ª Edição: Revista e Atualizada. Rio de Janeiro, Renovar, 2011. p.
324
22
CHILTON, Adam S.; VERSTEEG, Mila. Rights Without Resources: The Impact of Constitutional
Social Rights on Social Spending (October 26, 2016). Virginia Law and Economics Research Paper
No. 2016-20; University of Chicago Coase-Sandor Institute for Law & Economics Research Paper
No. 781; U of Chicago, Public Law Working Paper No. 598. Disponível em:
https://ssrn.com/abstract=2857731. Acesso em: 25 fev. 2018. p. 8
23
TORRES, Ricardo Lobo. O Direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2009.
pp. 254-256
22

No caso brasileiro, os problemas apontados teoricamente foram


verificados de modo ainda mais exacerbado na prática. Neste sentido, é
especialmente educativa a análise da tomada de contas realizada pelo Tribunal
de Contas da União que analisou os efeitos da judicialização da saúde sobre os
gastos do Ministério da Saúde.
Tal procedimento de tomada de contas verificou que a atuação do
Judiciário desvirtuou as prioridades traçadas em âmbito ministerial, sendo
característico da judicialização da questão no Brasil a prevalência na concessão
de medicamentos de altíssimo custo.
Exemplificativamente, citam-se os dados relativos à aquisição de
somente 3 (três) dos medicamentos em razão de decisões judiciais
determinando o seu fornecimento às expensas do governo federal:

“182. No período de 2010 a 2015, o Ministério da Saúde gastou mais de


R$ 2,7 bilhões com compras determinadas judicialmente. Desse valor, mais de
54% (R$ 1,49 bilhão) referiram-se a três medicamentos (Elaprase®: idursulfase;
Naglazyme®: galsulfase; e Soliris®: eculizumabe), enquanto 46% (R$ 1,3 bilhão)
disseram respeito às compras dos demais itens contabilizados pelo Ministério.
183. No período de 2010 a 2012, os medicamentos Elaprase® e Naglazyme®
foram responsáveis por mais de 57% do gasto federal com a judicialização. A
partir de 2013, o Soliris® passou a ser a principal compra no âmbito federal,
superando os R$ 125 milhões naquele ano (29% do total).
184. Em 2014, as compras dos medicamentos Soliris® e Naglazyme®
representaram 55% do total gasto pelo Ministério com o cumprimento de
ordens judiciais, totalizando mais de R$ 381 milhões para atender a 382
pacientes. Naquele ano, o custo médio por paciente foi de R$ 941.541,19 no
caso do Soliris®, e de R$ 1.081.594,78 no caso do Naglazyme®.”24

Na perspectiva adotada nesta dissertação, uma hiperconcentração de


recursos para o atendimento a casos excepcionalíssimos, com o gasto do
atendimento de poucas centenas de pessoas sendo superior ao gasto para o
tratamento de doenças endêmicas que atingem largas parcelas da população
brasileira é uma prova cabal da incapacidade institucional do Poder Judiciário
ser o ramo estatal responsável prioritariamente pela efetivação do direito à
saúde, sendo a análise desta atuação prática elemento confirmador da
incapacidade que até então era meramente teórica25.

24
Disponível em: http://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/aumentam-os-gastos-publicos-com-
judicializacao-da-saude.htm. Acesso em: 16 fev. 2018
25
Para uma discussão mais ampla sobre o tema, ver: BROCK, Dan W. Identified versus Statistical
Lives: Some Introdutory Issues and Arguments in COHEN, I. Glenn; DANIELS, Norman; EYAL, Nir.
Identified versus Statistical Lives: na Interdisciplinary Perspective. New York: Oxford University
Press, 2015 e Voorhoeve AE, et al. including Eyal N. Making Fair Choices on the Path to Universal
Health Coverage: Applying Principles to Difficult Cases. Health Systems & Reform. 2017.
Disponível em:
http://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/23288604.2017.1324938?needAccess=true Acesso
em: 21 fev. 2018.
23

Como efeito da incapacidade institucional, verificou o Tribunal de Contas


da União que os gastos com 381 (trezentos e oitenta e um) pacientes
favorecidos com decisões judiciais para concessão de medicamentos de
altíssimo custos são comparáveis com os gastos do Ministério da Saúde com
medicamentos e insumos para todos os brasileiros portadores de doenças como
tuberculose, hanseníase, malária, leishmaniose, doença de chagas, tabagismo e
outras doenças endêmicas.
Este é um resultado que, na presente dissertação, se considera
socialmente inadequado, com o dispêndio de bilhões de reais em medicamentos
e insumos anualmente sem que haja uma melhora efetiva na saúde da
população brasileira, já que tais gastos não se prestam à melhoria da qualidade
de vida da população em geral, mas antes voltam-se para o atendimento das
necessidades individuais das camadas mais privilegiadas da sociedade.
Tal cenário observado pelo Tribunal de Contas da União, como já
anteriormente salientado por Sunstein e Holmes, deve-se as características de
atuação do Judiciário, ou seja, advém do fato de as demandas serem propostas
usualmente como processos individuais, acrescido ao fato de não se
considerarem os efeitos orçamentários das decisões proferidas.
Importa frisar que tampouco seria o Judiciário equipado para hierarquizar
e racionalizar os gastos na área da saúde de forma a favorecer à coletividade,
faltando-lhe tanto a expertise quanto os meios institucionais tanto para a
elaboração das políticas quanto dos critérios de concessão dos medicamentos e
insumos na saúde.
Diante de uma infrutífera tentativa efetivação do direito à saúde por meio
de uma atuação extremamente ativa do Judiciário, a necessidade de uma
perspectiva distinta torna-se imperativa.
Neste sentido, adota-se neste trabalho um enfoque que privilegia a
análise orçamentária para a efetividade dos direitos humanos, sobremodo
daqueles de cariz socioeconômico e cultural, em detrimento de uma perspectiva
assaz adotada no Brasil e cujos resultados, como acima demonstrado, variam
entre tímidos e ostensivamente decepcionantes.
Da mesma forma, não se vislumbra como o Judiciário seria mais capaz
que o Executivo e Legislativo para assegurar uma educação de qualidade aos
estudantes ou à universalização da disponibilidade de saneamento básico e
água potável à população. Isto porque ambas as demandas são dependentes de
políticas coerentes para o alcance do fim desejado, sobretudo diante das
inúmeras maneiras de se alcançar este fim.
24

Para fins ilustrativos, o fornecimento de água potável e saneamento


básico pode ser fornecido por uma empresa pública, por uma sociedade de
economia mista, por uma parceria público-privada ou mesmo por uma empresa
privada. Cada uma dessas formas tem seus benefícios e deméritos, quer em
relação à rapidez com que é capaz de universalizar o acesso ao bem da vida, o
preço a que será fornecido tal bem e sua qualidade, chegando até mesmo a
questão crucial se o Estado tem recursos orçamentários suficientes para
promover os investimentos imprescindíveis à real universalização do serviço e
sua prestação com qualidade aceitável26.
Nenhuma dessas escolhas, com suas díspares consequências tanto à
universalidade do serviço quanto à qualidade com a qual este será prestado,
podendo-se até inquirir se o fornecimento de água potável e saneamento básico
será visto como um direito (ou como tipicamente ocorre nesta era neoliberal)
será visto como um serviço, tem como foro adequado de discussão o Judiciário.
Deste modo, não tendo o Poder Judiciário a capacidade institucional de
coordenar referidas políticas públicas, uma série de considerações atinentes a
quais os bens/objetivos socialmente valiosos, bem como quanto aos necessários
compromissos para sua efetivação, é imperativo inquirir qual seria o lócus
privilegiado para a realização deste tipo de discussão.
Neste caso, sendo a precípua preocupação desta dissertação os efeitos
sobre os grupos socialmente vulneráveis, a adoção de uma perspectiva que
considere os custos ínsitos à efetivação dos direitos, bem como os dramas
distributivos decorrentes de cada escolha tomada, mostra-se fundamental.
Com efeito, o ponto focal de realização destas escolhas
supramencionadas encontra-se na discussão do orçamento público, onde a
finitude de recursos e a existência de prioridades concorrentes é mais hialina.
Adotar-se tal perspectiva permite analisar a complexa relação entre o
binômio arrecadação – dispêndio para se aferir o papel do Estado no
recrudescimento ou atenuação das desigualdades sociais por meio de sua
atuação, que se dá fundamentalmente pela forma como (e de quem) se arrecada
os recursos da coletividade que sustentam o aparato estatal e suas políticas
públicas, assim como qual o público-alvo do dispêndio público.

26
Segundo dados do Ministério das Cidades, no ano de 2014 o fornecimento de água potável e
saneamento básico era prestado por 975 órgãos da administração direta, 428 autarquias, 31
sociedades de economia mista, 5 empresas públicas, 72 empresas privadas e 2 Organizações-
Sociais. Ministério das Cidades. Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgoto – 2014 Disponível
em: http://www.epsjv.fiocruz.br/upload/Diagnostico_AE2014.pdf. Acesso em: 21 fev. 2018.
25

Para o alcance de tal intento, verificou-se que o Pacto Internacional sobre


Direitos Econômicos, Sociais e Culturais é um instrumento extremamente
promissor para a realização de uma análise assente nas premissas aqui
utilizadas, sobremodo por ter provisões específicas quanto a deveres
imediatamente aplicáveis, independentemente de considerações orçamentárias
(deveres procedimentais), bem como vedação a que a fruição dos direitos
convencionalmente previstos sejam fruídos distintamente em razão de critérios
interditados de discriminação.
Aqui são preciosas as lições trazidas por Cançado Trindade que, muito
adequadamente, ressaltava a necessidade de também denunciar-se no âmbito
dos direitos econômicos, sociais e culturais a eventual prática de atos
discriminatórios, da mesma forma que amplamente aplicado aos direitos civis e
políticos, com as infrações ao princípio da não-discriminação deixando de ser
vistas como “lamentáveis realidades”27.
Para citado autor, numa perspectiva que é fulcral para este trabalho, o
princípio da não-discriminação é o motriz que perpassa todas as normas
atinentes à proteção internacional dos direitos humanos. Destaca-se ainda que,
até recentemente, a doutrina e a jurisprudência dedicaram-se diligentemente ao
estabelecimento das consequências jurídicas decorrentes de práticas
discriminatórias no âmbito dos direitos civis e políticos, enquanto
negligenciavam-se as mesmas práticas no gozo dos direitos sociais, econômicos
e culturais.
Numa mudança reputada auspiciosa por Cançado Trindade,
recentemente passou-se a estudar-se os efeitos discriminatórios no gozo e
fruição dos direitos sociais, econômicos e políticos, não podendo mais
considerar-se essas violações como meros consectários das escolhas políticas e
econômicas formuladas pela Estado, quando não vistos simplesmente como
infortúnios28.
Conclusivamente, aponta o Cançado Trindade que a aplicação do
princípio da não-discriminação tem o condão de desbravar uma nova e profícua
senda para se garantir uma implementação mais efetiva dos direitos sociais,
econômicos e culturais.
Tal perspectiva permite dar tratamento legal a potenciais efeitos
desproporcionais sobre certos grupos sociais em razão da implementação das

27
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos
Humanos. Volume 1. 2ª edição revista e atualizada. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor.
2003 p.475
28
Ibid. p. 480
26

medidas de ajuste fiscal em âmbito fluminense, demandando a criação de


medidas reparatórias da desigualdade verificada2930.
O referido Pacto Internacional foi celebrado em 16 de dezembro de 1966
juntamente com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e teve
como efeito a extensão do conteúdo da Declaração Universal de 1948.
Referidos pactos internacionais foram ratificados pelo Brasil por meio do
Decreto Legislativo n.º 226, de 12 de dezembro de 1991 e promulgados,
respectivamente, pelos Decretos n.º 592 e 591, ambos de 06 de julho de 1992.
Nos termos do artigo 49, I, da CF, cabe ao Congresso Nacional “resolver
definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem
encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”.
Os direitos socioeconômicos e culturais previstos no Pacto Internacional
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais são definidos por Flávia Piovesan
como um catálogo de direitos que abarcam desde o direito à educação até
mesmo o direito a seguro social. Veja-se:

“[...]Os Estados têm, assim, o dever de respeitar, proteger e implementar os


direitos econômicos, sociais e culturais enunciados no Pacto. Esse Pacto, que
conta atualmente com a adesão de 145 Estados-partes, enuncia um extenso
catálogo de direitos, incluindo o direito ao trabalho e à justa remuneração, o
direito a formar a sindicatos e filiar-se a eles, o direito a um nível de vida
adequado, o direito à moradia, o direito à educação, à previdência social, à
saúde etc. Nos termos em que estão previstos pelo Pacto, esses direitos
apresentam realização progressiva, estando condicionados à atuação do Estado,
que deve adotar todas medidas, até o máximo de seus recursos disponíveis,
com vistas a alcançar progressivamente a completa realização desses direitos
(artigo 2º , parágrafo 1º do Pacto).Como afirma David Trubek: “Os direitos
sociais, enquanto social welfare rights, implicam a visão de que o governo tem a
obrigação de garantir adequadamente tais condições para todos os indivíduos.”31

29
Neste sentido a contribuição de Liam Murphy é extremamente relevante para a compreensão da
justificativa moral para a implementação de políticas que asseguram a fruição igualitária dos
direitos socioeconômicos e culturais: “[...] Há duas possíveis alternativas disponíveis para um
welfarista. A primeira, a que veio a ser chamada pelo não-inspirado nome de “visão prioritária”,
considera que as melhorias no bem-estar dos grupos mais vulneráveis são mais importantes que
melhorias no bem-estar dos grupos mais privilegiados. Isso acresce mais uma razão em favor da
redistribuição, dependendo do quão forte for a prioridade. Não é apenas que o dinheiro seja mais
benéfico em termos de utilidade agregada caso os pobres recebam os recursos, mas sim que a
melhoria do bem-estar dos pobres importa mais, do ponto de vista moral.” In MURPHY, Liam, Why
Does Inequality Matter? Reflections on the Political Morality of Piketty's Capital in the Twenty-First
Century (May 1, 2016). Tax Law Review, Vol. 68, No. 3, 2015; NYU Law and Economics Research
Paper No. 16-21; NYU School of Law, Public Law Research Paper No. 16-19. pp. 617-618
Disponível em: https://ssrn.com/abstract=2769759 Acesso em: 21 fev. 2018.
30
No mesmo sentido, Michael Adler considera que o prioritarismo dá maior valor ao bem-estar dos
mais vulneráveis ou, em outras palavras, o prioritarismo enxerga os mais vulneráveis como
possuidores de pretensão maior ao bem-estar que as classes privilegiadas. ADLER. Michael D.
Future Generations: A Prioritarian View (October 22, 2009). George Washington Law Review, Vol.
77, p. 1478, 2009; U of Penn Law School, Public Law Research Paper No. 09-30; U of Penn, Inst
for Law & Econ Research Paper No. 09-39. Disponível em:
SSRN: https://ssrn.com/abstract=1492737 Acesso em: 21 fev. 2018.
31
PIOVESAN, Flavia. Direitos sociais, econômicos e culturais e direitos civis e políticos. Sur, Rev.
int. direitos human., São Paulo , v. 1, n. 1, p. 20-47, 2004 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-
27

Fábio Konder Comparato32 aponta que o liame entre os direitos atinentes


ao Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e ao Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos é a proteção das classes ou grupos
socais desfavorecidos em face da dominação socioeconômica exercida pela elite
dirigente, a qual conjuga poder e riquezas.
Neste caso, a conduta antijurídica seria aquela em que o Estado fosse
inerte, negligente ou no qual seus órgãos se recusassem a moderar ou controlar
o poder econômico privado33.
No mesmo sentido, esclarece Cançado Trindade que a distinção entre os
dois instrumentos era decorrente da crença então existente de serem os direitos
civis e políticos automaticamente implementáveis, enquanto os direitos
socioeconômicos e culturais somente seriam passíveis de progressiva
realização, por serem dependentes uma atuação ativa do Estado.
De outro, dir-se-ia que era considerado necessário para a efetivação dos
direitos civis e políticos a mera abstenção de atuação estatal ao passo que os
direitos socioeconômicos e culturais demandariam prestações positivas do
Estado34, as quais são limitadas por questões orçamentárias e de
implementação progressiva.
No entanto, adotando posição antípoda à defendida por Norberto
35
Bobbio , Sunstein e Holmes afirmam que os direitos não podem ser
resguardados ou protegidos sem financiamento público e suporte, o que é válido
tanto para o direito de propriedade quanto para os direitos derivados do Estado
de Bem-Estar Social36.

64452004000100003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 19 fev. 20188.


http://dx.doi.org/10.1590/S1806-64452004000100003. p. 37
32
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 8ª edição. São Paulo:
Saraiva, 2013. p.349
33
Ibid. p. 350
34
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos
Humanos. Volume 1. 2ª edição revista e atualizada. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor.
2003 p. 446
35
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Nova edição. Rio
de Janeiro: Elsevier. 2004. Às folhas 60, Bobbio afirma que: “[...] Sobre isso, é oportuna ainda a
seguinte consideração: à medida que as pretensões aumentam, a satisfação delas torna-se cada
vez mais difícil. Os direitos sociais, como se sabe, são mais difíceis de proteger que os direitos de
liberdade.” Um posicionamento como o acima exposto pode ser reputado como cost-blind ao não
considerar os enormes custos envolvidos para a promoção dos chamados direitos das liberdades,
que envolvem desde a realização de eleições até os gastos com o Poder Judiciário, policiamento e
bombeiros para proteger-se a liberdade de ir e vir e a proteção ao patrimônio privado.
36
SUNSTEIN, Cass R.; HOLMES, Stephen. The Cost of Rights. New York: Norton & Company Ltd.
1999. p. 15
28

Essa visão tem o benefício de criar uma unicidade na análise dos direitos,
os quais não seriam distintos quanto à sua natureza, mas sim competiriam pelos
escassos recursos disponíveis para a sua efetivação.
Desta forma, não haveria uma diferença fundamental no direito de
propriedade ou à livre circulação quando comparados com o direito à educação
ou à saúde. Ambos os conjuntos de direitos dependem de uma série de
atuações estatais para sua proteção, atuação esta que demanda recursos
financeiros e de pessoal para assegurar a fruição do direito em questão.
No mesmo sentido aqui exposto, Cançado Trindade aduziu que, no plano
internacional, não se tardou para perceber que havia direitos sociais e
econômicos cuja implementação era similar àquela dos direitos civis e políticos,
o que, segundo Cançado Trindade, salientava a unidade fundamental da
concepção de direitos humanos37, o que corrobora o tratamento dado aos
direitos por Holmes e Sunstein.
Para Holmes e Sunstein, todos os direitos representariam requisições
sobre o tesouro público38. Aqui, num ponto que se aproxima de Joseph Raz,
entendem Sunstein e Holmes que um interesse (fim socialmente desejável) se
qualifica como direito quando um sistema legal efetivo usa recursos coletivos
para defendê-lo39.
Num ponto de conexão com estudiosos da dinâmica orçamentária e seu
vínculo com o orçamento público, defendem Sunstein e Holmes que os filósofos
morais deveriam ater-se mais detidamente sobre questões de tributação e gasto
público do que normalmente o fazem, já que não se pode explorar
completamente as dimensões morais da proteção dos direitos se não se
considerar adequadamente a questão da justiça distributiva40.
Isto porque recursos obtidos coletivamente são frequentemente, por
nenhuma boa razão, direcionados para assegurar direitos de alguns cidadãos
em detrimento de outros.
Algo causticamente, Holmes e Sunstein afirmam que um direito legal
existiria somente quando e se tivesse custos orçamentários. E tais custos são
impostos tanto aos particulares quanto ao orçamento público41.
Numa perspectiva aqui também adotada, Sunstein e Holmes aduzem os
benefícios do foco exclusivo no orçamento público como sendo a forma mais

37
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Op. cit. p. 451
38
SUNSTEIN, Cass R.; HOLMES, Stephen. Op. cit. p. 15
39
Ibid. p. 17
40
Ibid. p. 19
41
Ibid. pp. 19-21
29

simples de dar atenção à fundamental dependência que as liberdades


individuais têm em relação às contribuições coletivas manejadas por oficiais do
governo42.
Ademais, frisa-se que a proteção de certos direitos é autofinanciável,
com custos iniciais altos, mas que, a longo prazo, aumentam a base tributária.
Adequadamente, é exposto também que o valor de um direito não pode ser
avaliado apenas analisando sua contribuição positiva para o crescimento da
economia, tampouco podendo ser desconsiderados os impactos orçamentários
de longo prazo decorrentes dos gastos públicos43.
Afirmar que direitos tem custos é confessar que a sociedade tem que
abdicar de algo para assegurar ou garantir esses direitos. Assim, para Sunstein
e Holmes, ignorar os custos dos direitos implica também a ignorância quanto aos
penosos compromissos decorrentes das escolhas feitas por uma certa
sociedade44.
Esclarece-se assim a vinculação entre a atuação política ao extrair e
realocar recursos públicos e seu efeito sobre o valor, escopo e previsibilidade
dos nossos direitos. Exemplificativamente, se o governo não investir recursos
suficientes para coibir o abuso policial, haverá abuso policial independentemente
do que a lei prescreva. A quantidade de recursos que a comunidade escolher
gastar afeta decisivamente a extensão em que direitos fundamentais serão
protegidos e aplicados45.
Assim, o financiamento dos direitos fundamentais por meio de receitas
tributárias permite que se veja claramente que direitos são bens públicos, já que
financiados por meio do pagamento de impostos e prestando serviços públicos
administrados pelo governo com o fito de aumentar o bem-estar coletivo e
individual46.
Para Sunstein e Holmes, uma constituição que não organize um governo
efetivo e publicamente apoiado, capaz de taxar e despender recursos públicos,
vai necessariamente falhar na proteção dos direitos na prática, uma lição que
alguns ativistas dos direitos humanos também devem aprender47.
Para exercer suas funções, um estado precisa arrecadar dinheiro por
meio de impostos e então os destinar de forma inteligente e responsável48.

42
Ibid. p. 22
43
SUNSTEIN, Cass R.; HOLMES, Stephen. Op. cit. p. 22
44
Ibid. p. 24
45
Ibid. p. 31.
46
Ibid. p. 48.
47
Ibid. p. 48.
48
Ibid. p. 78
30

O ponto em que a análise de Holmes e Sunstein é mais percuciente é na


crítica à forma como os direitos são normalmente descritos:

“Direitos são costumeiramente descritos como invioláveis, absolutos e


categóricos. Mas isto é simplesmente um floreio retórico. Nada que custe
dinheiro pode ser absoluto. Nenhum direito cuja efetivação dependa um
dispêndio público pode, ao fim do dia, ser protegido pelo Judiciário
unilateralmente sem consideração com as consequências orçamentárias que os
outros ramos do Poder suportam em última análise.”49

Assim, depara-se com a escolha entre analisar a efetividade dos direitos


socioeconômicos e culturais ignorando ou considerando os custos derivados de
sua aplicação quando do estudo dos direitos fundamentais50.
Aqui, adotou-se uma perspectiva que considera os custos necessários
para que os direitos socioeconômicos e culturais sejam efetivamente gozados
pela população, de tal modo que a aferição desta efetividade, num cenário como
o verificado no Estado do Rio de Janeiro, é extremamente dependente tanto da
capacidade/vontade de os contribuintes arcarem com o pagamento de impostos
suficientes para que estes direitos sejam efetivamente gozados pela população,
quanto de eventuais medidas que envolvam o retrocesso de direitos como efeito
da redução de recursos em épocas de crise fiscal ou recessão econômica.
A adoção de tal prisma dá visibilidade às escolhas socialmente feitas,
inclusive no âmbito financeiro (o que para Holmes e Sunstein não significa que
tais escolhas devam ser feitas por contadores), mas que agentes políticos e os
cidadãos devem considerar os custos orçamentários de suas escolhas.
Como consequência disso, finanças públicas seriam uma matéria de
ciência ética porque forçam-nos a ter uma contabilidade pública dos sacrifícios
que democraticamente escolhemos fazer, bem como explicar o que (ou quem)
decidimos abandonar na busca das metas consideradas socialmente
relevantes51.
Holmes e Sunstein salientam que a teoria do direito seria mais realista se
examinasse abertamente a competição por recursos escassos que
necessariamente ocorre entre diversos direitos fundamentais e entre direitos
fundamentais e outros valores socialmente relevantes52.
Parte do conflito entre direitos deriva da necessidade comum que todos
os direitos têm em face de um orçamento limitado. Por si só, os limites
financeiros excluem a possibilidade de todos os direitos fundamentais serem

49
SUNSTEIN, Cass R.; HOLMES, Stephen. Op. cit. p. 97
50
Ibid. p. 96
51
Ibid. p. 98
52
Ibid. p. 98
31

efetivados integralmente e simultaneamente. De acordo com Holmes e Sunstein,


direitos implicam a escolha de prioridades.
Como justificativa para o financiamento por meio de impostos ao invés da
cobrança de taxas, apontam Holmes e Sunstein que os direitos protegidos
asseguram bens que beneficiam pessoas além daquela que pessoalmente o
exerce em certo momento53.
Holmes e Sunstein entendem ser necessário uma atitude conciliatória ao
lidar com as dificuldades decorrentes de escolhas entre o grau de proteção de
certos direitos, devendo-se considerar os efeitos de uma postura intransigente, a
qual pode ter o condão de ter um efeito agregado nocivo54.
Chama-se a atenção para a necessidade de direcionar os recursos
existentes para as questões mais prioritárias, entre as quais, indelevelmente se
encontram a implementação dos direitos socioeconômicos e culturais. Com isso
querem frisar Holmes e Sunstein que os agentes políticos devem fazer escolhas
difíceis sobre quais os problemas e grupos cujos interesses tenham um interesse
prevalente sobre os recursos coletivos55.
Assumindo a perspectiva das finanças públicas, as três gerações de
direitos ocupam um continuum, ao invés de serem radicalmente distintos tipos de
pretensões56, sendo os distintos graus de efetividade dos direitos de distintas
gerações frutos de uma escolha, uma opção57.
Num ponto crucial para adoção de sua perspectiva, trazem Holmes e
Susntein que:

“[...]aqueles que descrevem os direitos como absolutos fazem com que seja
impossível perguntar uma questão de grande importância factual: quem decide o
nível de recursos necessários para financiar um conjunto de direitos básicos para
quem? Quão justo, quão prudente é o nosso atual sistema de alocação de
recursos escassos entre direitos concorrentes, inclusive direitos constitucionais?
E quem exatamente tem o poder de fazer tais decisões alocativas? Atenção aos
custos dos direitos nos leva não apenas a problemas de cálculo orçamentário,
mas também em questões filosóficas basilares de questões como justiça
distributiva e accountability democrática.”58

53
SUNSTEIN, Cass R.; HOLMES, Stephen. Op. cit. p. 117
54
Ibid. pp. 124-125
55
Ibid. pp. 125
56
Ibid. p. 127
57
CUNHA, José Ricardo. Os direitos sociais vistos de uma perspectiva humanística ou sobre por
que estamos diante de uma questão ética de primeira grandeza in. TOLEDO, Cláudia (Org.)
Direitos Sociais em Debate. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 124
58
SUNSTEIN, Cass R.; HOLMES, Stephen. Op. cit. p. 131
32

Deste modo, consideram os autores que a escassez de recursos é uma


razão inteiramente legítima para a falha governamental em proteger direitos
absolutamente59.
Adotando uma perspectiva crítica à adotada na presente dissertação,
José Ricardo Cunha salienta que são raros os discursos que vinculam o
oferecimento de segurança pública a questões orçamentárias ou que sua
realização deva ser progressiva, a ser realizada de acordo com a disponibilidade
orçamentária do Estado, apontando algo sardonicamente que:

“[...]Qualquer cidadão de classe média ou alta ficaria estupefato diante do


argumento de que o policiamento não pode ocorrer porque não há
disponibilidade orçamentária... E nenhum político eleito seria tolo o suficiente
para falar algo assim.”60

Neste ponto, José Ricardo Cunha salienta um ponto abordado


anteriormente por Holmes e Sunstein, qual seja, sobre o papel de escolhas
políticas sobre a efetividade de certas políticas públicas em detrimento de outras,
sendo um dos casos mais notáveis a grande discrepância tanto entre os índices
de criminalidade existentes nas áreas mais ricas e mais pobres de uma mesma
região metropolitana quanto em relação ao perfil das vítimas da referida
violência.
Ilustrativamente, indica-se que ao longo de 2016 as taxas de letalidade
violenta para cada cem mil habitantes na Baixada Fluminense e na capital
(cidade do Rio de Janeiro) tiveram uma diferença de quase 90% (noventa por
cento), havendo 55,8 homicídios para cada cem mil habitantes na Baixada
Fluminense, enquanto ocorreram 29,4 homicídios para cada cem mil habitantes
na capital61.
Este tipo de disparidade abissal na fruição de direitos encontra na
conjugação da análise do dispêndio de recursos orçamentários com os deveres
procedimentais e de não-discriminação previstos no Pacto Internacional sobre
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais um importante conjunto de ferramentas
de análise da realidade.

2.3
A Perspectiva Orçamentária e o Problema da Coordenação

59
Ibid. p. 131
60
CUNHA, José Ricardo. Os direitos sociais vistos de uma perspectiva humanística ou sobre por
que estamos diante de uma questão ética de primeira grandeza in. TOLEDO, Cláudia (Org.)
Direitos Sociais em Debate. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 123
61
Instituto de Segurança Pública. Letalidade violenta no ano de 2016. Disponível em:
http://www.ispvisualizacao.rj.gov.br/Letalidade.html. Acesso em: 24 set. 2017.
33

Abordados nas seções antecedentes tanto as razões da necessidade de


adoção de uma perspectiva alternativa à tentativa de efetivação dos direitos
sociais por meio da concessão direta pelo Judiciário de pleitos individualmente
considerados, bem como listados os motivos que determinaram a concentração
da análise no orçamento público, cabe ainda apresentar uma mais acurada
fundamentação teórica desta escolha.
Neste sentido, realiza-se uma pesquisa doutrinária assente em Raz,
Murphy e Nagel, vinculando-se à natureza de bens públicos com a ideia de
coordenação social como imprescindível para a coerência e efetividade de
políticas públicas, bem como com a necessidade fundamental de que os bens
públicos sejam financiados por toda a coletividade.
Assim, dois temas apresentam-se intimamente imbricados, quais sejam,
a necessidade de coordenação social para a elaboração de políticas públicas e a
definição do modo de financiamento dos bens públicos.
O conceito de bem público utilizado neste trabalho é distinto daquele
utilizado pelo Direito Civil62, tratando-se aqui especificamente da inerente
coordenação necessária para que políticas públicas sejam estabelecidas, entre
esses motrizes, um dos mais relevantes são as garantias constitucionais e
tratados internacionais aos quais o Brasil é signatário.
Bens públicos são, de acordo com Murphy e Nagel, aqueles bens que
não podem ser fornecidos a ninguém a menos que sejam fornecidos para todos.
Assim, o controle de crimes violentos, poluição ambiental, o risco de incêndio e a
ameaça de doenças transmissíveis são mantidos sob controle dentro de um
território, todos os que vivem neste território beneficiam-se disso
automaticamente e ninguém pode ser excluído desses benefícios63.
A justificativa para que o financiamento dos bens públicos seja por meio
de impostos ao invés de subvenção privada reside no fato de que o
financiamento público desses bens exclui os “aproveitadores”, os quais gozariam
desses bens sem ter de arcar com o ônus decorrente do seu financiamento,

62 Art. 99. São bens públicos:


I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da
administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como
objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes
às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.
63
MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. O mito da propriedade: os impostos e a justiça. São Paulo:
Martins Fontes, 2005. p.62
34

sendo a única solução para que os “aproveitadores” não gozassem do benefício


a condenação ao exilio, o que torna tributação imposta por coerção o meio mais
eficiente de fazer-se com que cada um pague sua parte64.
Aqui a vinculação entre impostos e bens públicos torna-se mais
evidenciada, já que a quantidade de bens públicos que uma dada sociedade
deliberar como necessários, tem repercussão direta sobre a quantidade de
recursos que os cidadãos terão de verter para o Estado ser capaz de prover
esses supramencionados bens públicos65.
Assim, é ínsita a qualquer discussão sobre a implementação de direitos a
forma de financiamento desses direitos, ou seja, estar-se-á diante de uma
discussão sobre tributação, a qual pode ser entendida como tendo duas funções
precípuas.
A primeira função é a determinação de qual proporção dos recursos da
sociedade estará sobre controle estatal para ser dispendida de acordo com
algum procedimento de decisão coletiva e, consequentemente, que proporção
será deixada como propriedade pessoal dos indivíduos.
A segunda função é a atinente à forma de divisão do produto socialmente
obtido, tanto sob a forma de propriedade privada quanto sob a forma de
benefícios fornecidos pela ação pública, ou seja, o caráter distributivo da
tributação66.
O pressuposto utilizado por Murphy e Nagel para o financiamento dos
gastos públicos por meio de contribuições desiguais dos indivíduos,
contribuições estas que se aproximem o máximo possível de igualar, para cada
um deles, a utilidade marginal dos gastos públicos e privados67.
No exemplo dado por Murphy e Nagel (mas que pode ser estendido para
outras situações) para qualquer nível de gasto público com a defesa nacional, a
proteção resultante valerá mais dinheiro para os que tem mais do que para os
que tem menos, de modo que se os ricos pagarem mais, o sistema será mais
eficiente68.
Em relação aos bens públicos, os indivíduos não podem adquiri-los em
diferentes quantidades e não existe a necessidade de cobrar o mesmo de todos,

64
Ibid.
65
MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. O mito da propriedade: os impostos e a justiça. São Paulo:
Martins Fontes, 2005. p. 62
66
Ibid. p.101
67
Ibid. p. 108
68
Ibid. pp. 108-109
35

cabendo ao Estado perquirir qual a quantidade única desse bem que deve
fornecer a todos, e quanto deve cobrar, separadamente, de cada um69.
Caberia assim ao Estado operar emulando um monopólio com
discriminação de preços, devendo saber, de acordo com Murphy e Nagel:

“[...]Precisa saber o quanto o bem público vale para cada indivíduo e cobrar de
cada um esse tanto, financiando o custo total do bem com a soma dessas
avaliações desiguais e estabelecendo o nível de ação pública direta num ponto
em que para cada pessoa a avaliação de preço seja igual ou menor que o preço
de reserva da pessoa para aquele nível.”70

A atuação estatal enquanto “monopólio” suscita importantes questões


sobre justiça e eficiência71.
Sobre o benefício de se estender a classe de bens públicos para além
daqueles considerados clássicos (defesa externa, segurança interna, sistema
jurídico, proteção ambiental e saúde pública), cita-se que também há bens
sociais, culturais e estéticos que não podem ser fornecidos pela iniciativa
privada72.
A efetivação desses valores (mesmo que à base de uma contribuição
desproporcional dos ricos e mínima dos pobres) tem como efeito um resultado
social e econômico vantajoso não somente para os pobres como também para
os ricos73.
Num posicionamento particularmente percuciente adotado por Murphy e
Nagel, sobretudo diante da possibilidade de severa austeridade pela próxima
década (ao menos no Estado do Rio de Janeiro), tem extremo relevo o alerta
abaixo transcrito, o qual clama também pela necessidade de analisarem-se os
efeitos das políticas públicas ao longo do tempo. Veja-se:

“Para dizê-lo de modo sombrio, o custo de um subsidio de renda aos


trabalhadores não-especializados, de modo a torná-los capazes de sustentar
uma família, pode ser compensado pela diminuição dos gastos com a construção
de prisões e com a polícia, diminuição esta produzida por uma tal mudança; isso
sem mencionar a mudança do ambiente social, valiosa para todos.”74

Numa abordagem antípoda à de Rawls com o princípio da diferença,


defendem Murphy e Nagel que os benefícios conferidos aos pobres
dependeriam do ponto de igualdade do benefício marginal oferecido “aos ricos

69
Ibid. p. 109
70
MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. O mito da propriedade: os impostos e a justiça. São Paulo:
Martins Fontes, 2005. p.110
71
Ibid.
72
Ibid. p. 114
73
Ibid. p. 114
74
Ibid. pp. 114-115
36

por diversas categorias de gastos – com quanto as pessoas ricas poderiam


contribuir antes que os usos alternativos de seu dinheiro (o que inclui o consumo
privado) passassem a valer mais para elas.”75
Complementarmente a tal posicionamento, o qual justifica o tratamento
dos direitos socioeconômicos e culturais como bens públicos, isto é, após
deliberação quanto à necessidade de fruição universal dos direitos
convencionalmente previstos, imprescindíveis esclarecimentos sobre o modo de
efetivação destes direitos.
E neste sentido, Joseph Raz é fundamental, sobremodo na forma com a
qual determina a legitimidade da autoridade estatal, vinculando-a
preponderantemente à sua capacidade de garantir a coordenação social76.
Para Joseph Raz, os esquemas de coordenação das ações que as
autoridades políticas devem perseguir são aqueles com os quais as pessoas
devem estar comprometidas, ou aqueles necessários para assegurar objetivos
que as pessoas devem ter, o que não significa sempre que necessariamente
sejam estes os objetivos que as pessoas efetivamente tenham.77
Aponta Joseph Raz que, frequentemente, não importa o conteúdo da lei,
mas sim se ela razoavelmente regula a questão. Assim, haveria casos nos quais
o papel da lei seria assegurar as convenções de coordenação78.
Desta forma, a questão primordial seria quanto à necessidade de
determinação do modo de fruição dos direitos socioeconômicos e culturais,
sendo mais importante um consenso quanto à forma e limites de fruição desses
direitos do que propriamente o conteúdo material que lhe é atribuído. E como
exposto anteriormente, este é um tipo de consenso mais adequadamente
localizado nos poderes eleitos, os quais possuem legitimidade política e
capacidade institucional para lidar com os dilemas distributivos.
Considera-se assim que o Direito tem o condão de tornar evidente para
as pessoas que um caso necessita de uma ação coordenada e assegura a
esses indivíduos que o número de oportunistas e aproveitadores será limitado79,
isto é, permite-se que seja estabelecido um meio tanto de conceder-se direitos
quanto de articular a forma de divisão do ônus econômico inerente ao
financiamento desses bens socialmente desejáveis.

75
Ibid. p. 115
76
No original: “A major, if not the main, factor in establishing the legitimacy of political authorities is
their ability to secure coordination.” In RAZ, Joseph. Between Authority and Interpretation: On the
Theory of Law and Practical Reason (Locais do Kindle 2674-2675). Oxford University Press.
Edição do Kindle.
77
Ibid. Locais do Kindle 2686-2688.
78
Ibid. Locais do Kindle 5003-5004.
79
RAZ, Joseph. Op. cit. Locais do Kindle 5006-5007.
37

Logo, caberia ao Direito assegurar essa coordenação social e trazer à


população os benefícios derivados de informações que não são usualmente
disponíveis. A habilidade de se beneficiar dessas informações e assegurar a
coordenação social é frequentemente vantajosa ou até mesmo necessária para
o alcance de fins valiosos e o cumprimento de deveres morais80.
Para Raz, o Direito facilita o alcance de metas morais e condições
moralmente desejáveis, pontuando que o Direito assegura essas metas sendo o
garantidor da coordenação das condutas sociais, resolvendo os chamados
problemas de coordenação e problemas relacionados ao dilema do prisioneiro81.
Indubitavelmente, entre os fins mais socialmente desejáveis se
encontram os direitos humanos constantes em inúmeras declarações das quais
o país é signatário entre os quais assumem um papel preponderante para os fins
do estudo ora empreendido tanto o Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais quanto aqueles assegurados na Constituição
Federal.

80
No original: “The law can help in securing social coordination and in bringing to people the
benefits of information that is not generally available. The ability to benefit from such information
and to secure social coordination is often advantageous or even necessary to achieve valuable
goals, and even for compliance with moral requirements.” RAZ, Joseph. Op. cit. Locais do Kindle
5995-5997.
81
No original: “The law can help in securing social coordination and in bringing to people the
benefits of information that is not generally available. The ability to benefit from such information
and to secure social coordination is often advantageous or even necessary to achieve valuable
goals, and even for compliance with moral requirements.” RAZ, Joseph. Op. cit. Locais do
Kindle.3360-3363.
3
O Estado do Rio de Janeiro e o Regime de Recuperação
Fiscal

O presente capítulo tem por intento a apresentação das principais


medidas tomadas tanto em âmbito regional (governo do Estado do Rio de
Janeiro), quanto federal (União). O ponto focal a ser apresentado serão as
medidas legais já tomadas pelo governo do estadual para adequar-se às
exigências do Regime de Recuperação Fiscal.
Inicialmente, será feita uma análise dos efeitos de dois conceitos
basilares à própria existência do Regime de Recuperação Fiscal, quais sejam, os
conceitos de austeridade econômica e neoliberalismo, sendo ressaltada a
complexa interação entre os Direitos Humanos e as medidas de austeridade,
relacionamento este especialmente conflituoso sob o prisma da fruição dos
direitos socioeconômicos e culturais.
Com isto, intenta-se demonstrar o caráter discriminatório das medidas
implementadas, as quais impactam as camadas mais pobres da sociedade
desproporcionalmente, cabendo a indagação se este é um efeito colateral das
medidas aplicadas em âmbito fluminense ou se seria inerente à própria lógica
neoliberal.
Em tal empreendimento, será realizada uma pesquisa doutrinária
baseada fundamentalmente na compreensão de Michel Foucault, Cristian Laval,
David Harvey e Maurizio Lazzaratto e sua representação do fenômeno
neoliberal, investigando-se a intricada relação entre o neoliberalismo e a
atribuição de responsabilidade individual pelo próprio sucesso ou fracasso, o que
implica o esmaecimento dos mecanismos de solidariedade social.
Posteriormente, far-se-á uma síntese dos principais caracteres do Plano
de Recuperação Fiscal do Rio de Janeiro, isto é, apontar-se-á se as medidas
são preponderantemente tendentes a reduzir as despesas públicas ou aumentar
as receitas. Adicionalmente, faz-se também a análise das medidas constantes
no Plano de Recuperação Fiscal do Rio de Janeiro que não são dependentes de
medidas diretas do governo estadual, questão especialmente atinente aos
royalties do petróleo, cujo papel é crucial para as contas públicas estaduais,
sobremodo por sua utilização para arcar com as aposentadorias e pensões do
Rio Previdência.
39

3.1
O Liame entre Neoliberalismo e Austeridade Fiscal

Foi mencionado no capítulo antecedente que as medidas adotadas pelo


Governo Estadual eram medidas de austeridade que tinham um cariz neoliberal,
alegações estas que demandam uma justificativa mais detida, o que será feita
nesta seção do trabalho.
Para tanto, será adotado um encadeamento no qual se apresentam,
inicialmente, as principais características do neoliberalismo, seguido de lições
sobre a austeridade na experiência comparada, por fim, sendo explicitadas as
conexões entre ambos os conceitos.
Com isso, pretende-se demonstrar que políticas de austeridade tem sido
a solução-padrão na forma de enfrentamento das crises fiscais vivenciadas pelos
estados-nacionais tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, sendo
especialmente útil para o intento deste trabalho inquirir os efeitos das medidas
de austeridade aplicadas por estes países sobre a fruição dos direitos
socioeconômicos e culturais.
Analisados tanto as medidas de austeridade quanto seus efeitos para o
gozo dos direitos em questão, possibilita-se inferir os potenciais resultados
nocivos à fruição dos direitos decorrentes de certas medidas, sendo possível
com base neste diagnóstico, indicar as medidas reparatórias ou ao menos
salientar a necessidade de instituir-se medidas compensatórias para
contrabalançar os efeitos advindos das medidas de austeridade.
Apresentada a senda a ser trilhada, inicia-se a com a enumeração dos
caracteres básicos do neoliberalismo, conceito muito utilizado, mas cujas bases
metodológicas são largamente incompreendidas. Para a elucidação do que aqui
se denomina neoliberalismo, utilizar-se-á principalmente as lições de Michel
Foucault e David Harvey, autores cujas obras permitem uma ampla
compreensão deste conjunto de políticas.
David Harvey define o neoliberalismo como uma teoria das práticas
econômicas, cujo pressuposto é que o bem-estar humano é melhor promovido
com a liberação das liberdades e da capacidade empreendedora dos indivíduos,
sendo institucionalmente caracterizada pela sólida proteção dos direitos a
propriedade privada, livres mercados e livre comércio. Caberia assim ao Estado
a garantia, ainda que forçosa, do funcionamento dos mercados. Por outro lado,
as intervenções do Estado nos mercados deveriam se manter em patamares
40

baixos, sobretudo considerando-se a limitação da atuação estatal e a


possibilidade de captura por agentes privados, que deturpariam o sentido dessas
intervenções82.
Stephanie Mudge concebe o neoliberalismo como um conjunto de
políticas distinto dos demais liberalismos por ter a pretensão ideológica de
colocar o “mercado” numa posição superior à da política, ou seja, idealmente,
deveria ser o “mercado” imune aos efeitos da política em quaisquer casos83.
Como efeito, o neoliberalismo também possuiria uma face burocrática, a
qual implicaria um conjunto de reformas com o deliberado intento de promover
uma ampla competição com o afastamento do Estado das atividades
econômicas, introduzindo competição ou market-like competition em áreas até
então imunes a mecanismos competitivos ou de mercado, tais como a educação
pública84.
Baseando-se em Polanyi, afirma Stephanie Mudge que a implantação do
neoliberalismo não tem como efeito a diminuição ou extinção da burocracia
estatal, mas sim a criação de um estado neoliberal, sustentado também por uma
burocracia estatal.
No mesmo sentido, Cristian Laval indica que a dominância da lógica
capitalista e sua colonização da vida social não se deve apenas à expansão
dinâmica do capital, mas principalmente à atuação do Estado, por meio de sua
burocracia e ação política, transformou-se no mais efetivo agente de
transformação social em direção ao neoliberalismo85.
Nos anos 90 do século XX, John Williamson definiu as bases do
chamado consenso de Washington, que seriam o conjunto de 5 (cinco) medidas
liberalizantes que consistiriam na privatização de empresas públicas; separação
da autoridade regulatória (autarquia) do Poder Executivo (incluindo um Banco
Central independente); despolitização da política econômica com o insulamento
das autoridades regulatórias de influências políticas; liberalização econômica
derivada da abertura dos mercados e monetarismo86.

82
HARVEY, David. O Neoliberalismo: história e implicações. Tradução de Adail Sobral e Maria
Stela Gonçalves. São Paulo: Editora Loyola, 2008. p. 2
83
MUDGE, Stephanie Lee. What is neo-liberalism? Socio-economic review, v. 6, n. 4. 2008. p. 715
Disponível em: https://doi.org/10.1093/ser/mwn016 Acesso em: 03 nov. 2017
84
Ibid.
85
LAVAL, Christian. FOUCAULT AND BOURDIEU: TO EACH HIS OWN
NEOLIBERALISM?.Sociol. Antropol., Rio de Janeiro , v. 7, n. 1, p. 63-75, Apr. 2017 .
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2238-
38752017000100063&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 23 fev. 2018 .
http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752017v713. pp. 71-72
86
Ibid. p. 718-719
41

Característico deste período foi a disseminação de privatizações pela


América Latina e Europa Oriental nos anos 90, bem como pelo Norte da África e
Oriente Médio, fulcrada em setores tradicionalmente estatais, tais como
telecomunicações, eletricidade, água, saneamento básico e transporte87.
É especialmente instigante para este trabalho a discussão sobre a
inevitabilidade ontológica do neoliberalismo, ou seja, a discussão se filosofias
econômicas alternativas ao neoliberalismo deveriam sequer ter representação
política, defendendo Wiliamson a desnecessidade de sua participação no
processo democrático88.
No caso brasileiro, salienta Daniel Bin que a formulação de políticas
fiscais e monetárias, bem como daquelas atinentes à dívida pública, a atuação
do Estado evitaria o desenvolvimento de conflitos e a organização de interesses
anticapitalistas, já que tais esferas seriam reputadas como relativas a assuntos
estritamente econômicos, devendo ser baseadas em decisões exclusivamente
técnicas89.
Com isso a solução neoliberal envolve a preferência por um governo
exercido por elites e especialistas, com as decisões tomadas
preponderantemente nos Poderes Executivo e Judiciário ao invés de pelo
parlamento, atuação esta cumulada com o isolamento de instituições-chave
como o Banco Central das pressões democráticas90.
Na seção posterior, será apresentada uma breve gênese da austeridade
econômica e a atribuição de um caráter moral para as medidas de austeridade.

3.1.1
A gênese da austeridade econômica

Pode-se definir austeridade econômica como um meio de reduzir-se o


déficit de um país, ou seja, a diferença entre suas receitas e gastos

87
LAVAL, Christian. FOUCAULT AND BOURDIEU: TO EACH HIS OWN
NEOLIBERALISM?.Sociol. Antropol., Rio de Janeiro , v. 7, n. 1, p. 63-75, Apr. 2017 .
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2238-
38752017000100063&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 23 fev. 2018 .
http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752017v713. p. 719
88
WILLIAMSON, John. Democracy and the “Washington Consensus”. World Development, Vol. 21,
No. 8. 1993. p. 1330 Disponível em: https://ac.els-cdn.com/0305750X9390046C/1-s2.0-
0305750X9390046C-main.pdf?_tid=66a1788a-dac2-11e7-af88-
00000aacb362&acdnat=1512591594_8c48edbd918eca65e7f757265861556e Acesso em: 06 dez.
2017.
89
BIN, Daniel. Macroeconomic policies and economic democracy in neoliberal Brazil. Economia e
Sociedade 24, no. 3. 2015. p. 521 Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1982-
3533.2015v24n3art1 Acesso em: 10 nov. 2017.
90
Idem. p. 522
42

governamentais. Daí que as medidas de austeridade incluem alguma


combinação entre redução de gastos públicos e aumento de impostos. No
entanto, questão mais complexa é a forma como se dará o financiamento deste
déficit, isto é, a escolha entre a emissão de moeda ou a utilização de
empréstimos, sobretudo, por cada uma destas formas ter distintas
consequências econômicas, sociais e políticas, as quais devem ser
91.
consideradas para a escolha de uma das duas opções
Neste ponto, as lições de Foucault são imprescindíveis, ao esclarecer a
complexa relação entre escassez no âmbito individual e no nível da população.
O ponto focal da análise foucaultiana sobre a escassez é que ela seria
pressuposta, ou seja, um elemento pertencente à ordem neoliberal.
Deste modo, Foucault atribui a escassez um caráter instrumental,
devendo haver alguma fome, alguma carestia, para que a escassez deixasse de
existir enquanto flagelo. Assim, alguns indivíduos deveriam ser sacrificados para
92
que a escassez deixasse de ter um caráter pervasivo .
Este modo de agir demarca uma ruptura com a paradigma pastoral e o
objetivo de salvar todo o “rebanho” em detrimento de uma postura que justifica o
sacrifício de alguns como necessário para a manutenção do todo, inexistindo a
necessidade de uma escatologia da salvação de toda a coletividade.
Para entender o porquê da lógica neoliberal permitir o convívio de forma
aparentemente paradoxal de uma biopolítica que visa incrementar da sociedade
entre outros elementos junto com uma tanatopolítica, ou seja, uma política de
morte socioeconômica aplicada à parcela maior da população (brasileira)
convém lembrar a abordagem foucaultiana sobre a governança (neo)liberal.
Com efeito, Foucault demonstrou na genealogia do liberalismo que esse
se articulou a partir da economia política (em particular com David Ricardo), o
qual, por sua vez, introduziu pela primeira vez no pensamento econômico a
noção de escassez, caracterizando-a como um elemento essencial da vida
econômica93.
Desde o século XIX, a morte, a sua necessidade, a sua produção, torna-
se um fator determinante nas relações modernas de poder. Trata-se não

91
KONZELMANN, Suzanne J.; The economics of austerity. Centre for Business Research,
University of Cambridge Working Paper No. 434. 2012. p. 2 Disponível em:
http://ssrn.com/abstract=2127567 Acesso em: 02 nov. 2017
92
FOUCAULT, Michel. Segurança, Território, População. Curso dado no Collège de France (1977-
1978). Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008. pp. 52-56
93 DIX, Gus. Ricardo’s discursive demarcations:a Foucauldian study of the formation of the
economy as an object of knowledge. Erasmus Journal for Philosophy and Economics, Volume 7,
Issue 2, Autumn 2014, pp. 1-29. Disponível em: http://ejpe.org/pdf/7-2-art-1.pdf. Acesso em: 24 fev.
2018. p.7
43

somente de uma forma notória de “fazer viver e deixar morrer”, mas também de
uma exposição desigual diante “à iminência de morte”, no qual o Estado abdica
de sua função pastoral, dividindo a população entre aqueles dignos de serem
salvos e aqueles que serão sacrificados94.
Assim, a morte passa a estar sobre o domínio do poder de modo geral,
global e estatístico, o que implica dizer que o poder deixa de ter domínio sobre a
morte, passando a atuar sobre a mortalidade95.
No nosso caso, são as populações mais vulneráveis que sofrem e devem
sofrer essa “morte” social96. Ou podem ser considerados como “vidas
abandonadas” seguindo a fórmula de Jean-Luc Nancy97.
Ponto que merece uma análise detida para a apreensão do fenômeno
neoliberal é que, ao invés de se buscar os complexos mecanismos coletivos que
levam a tal situação, qual seja, a existência de uma grande massa de
trabalhadores parcamente qualificados ou simplesmente não-empregáveis na
ordem capitalista, imputa-se o infortúnio a falhas individuais desses indivíduos,
que passam a ser vistos como dispensáveis ou indesejáveis.
Clara Mattei aduz um caráter original à discussão sobre austeridade
econômica, trazendo à lume o fato de que a própria concepção de austeridade
ser antecedente ao surgimento do neoliberalismo, localizando referida autora
suas bases nas conferências internacionais de Bruxelas (ocorrida em 1920) e de
Gênova (ocorrida em 1922), atribuindo à austeridade tanto uma base econômica
quanto moral98.
Assim, a austeridade econômica seria um consenso do stablishment
internacional econômico, surgido posteriormente à 1ª Guerra Mundial, atribuindo
responsabilidade pela crise vivida à época aos cidadãos, que teriam vivido além
de suas posses. Como resultado, caberia aos economistas ensinar os cidadãos
a terem ciência da necessidade de sacrifício pessoal para a recuperação da
economia nacional.
Num ponto de conexão entre a genealogia da austeridade, bem como de
seu laço com o pensamento tecnocrático, Clara Mattei conclui que ambos são
complementares e intrinsecamente inter-relacionados, visto que o clamor por

94
PELE, Antonio. Human dignity, Archaeology and Power. A Foucauldian Approach, 2018. p. 34
95 FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Sociedade: Curso no Collège de France: (1975-1976).
Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 295
96 Ver capítulo V, da história da sexualidade, 1 “Direito de morte e poder sobre a vida”. pp. 147-
176
97
NANCY, Jean-Luc. The birth of presence, Trans. Brian Holmes & Others. P. 44
98
MATTEI, Clara E. The Guardians of Capitalism: International Consensus and the Technocratic
Implementation of Austerity. Journal of Law and Society No. 44.1. 2017. p.20. Disponível em
http://dx.doi.org/10.1111/jols.12012. Acesso em: 01 dez. 2017.
44

austeridade demanda aplicação efetiva, implicando também a aquiescência dos


cidadãos à ortodoxia econômica, com a inerente renúncia aos pleitos de
distribuição de renda99.
Salienta ainda Clara Mattei que a austeridade econômica é uma resposta
às crises econômicas contemporâneas ou futuras, cujas medidas habituais
incluem aumentos de impostos (majoritariamente por meio de tributação
regressiva), privatização e redução dos salários dos funcionários públicos100.
Diferenciando a austeridade em dois tipos, a austeridade fiscal e
austeridade monetária, caracteriza a austeridade monetária como contração
monetária voluntária pelo Banco Central para reduzir-se a inflação ou aumentar
a taxa de juros, ambas com o intento de ampliar a confiança do mercado no
valor da moeda ou a habilidade de o Banco Central manter uma certa taxa de
cambio.
Teriam ambas as formas de austeridade uma interconexão sem que isso
implicasse necessariamente que tivessem de ser simultaneamente utilizadas,
mas sim, que a austeridade monetária é tendente a forçar a utilização da
austeridade fiscal.
Como resposta à crise 2008, a austeridade fiscal foi a resposta
predominante na Europa, tornando-se a resposta-padrão para crises capitalistas
uma vez que separa o que é bom para a lucratividade do que é bom para o
povo. A privatização de atividades estatais, aumento do desemprego e
contração da economia para enfraquecer os sindicatos de trabalhadores e, no
limite, provocar a falência de pequenas e médias empresas. Todas essas
medidas, denominadas amigáveis ao mercado, são, na verdade, favoráveis ao
lucro, prescindindo de serem favoráveis às pessoas.
Maurizio Lazzarato identifica um processo de transformação dos débitos
públicos em uma nova fonte de lucros para a classe dos credores, causando
uma modificação da própria natureza do Estado de Bem-Estar Social, cuja
função precípua, servir como segurador universal de riscos advindos da velhice,
doença e desemprego, passam paulatinamente a ser oferecidos pela iniciativa
privada em substituição à atuação estatal101.
Com efeito, o processo atual consistiria na redução do dispêndio público
e das alíquotas dos impostos, ambas as medidas privilegiando as empresas e as

99
MATTEI, Clara E. The Guardians of Capitalism: International Consensus and the Technocratic
Implementation of Austerity. Journal of Law and Society No. 44.1. 2017. p.30-31. Disponível em
http://dx.doi.org/10.1111/jols.12012. Acesso em: 01 dez. 2017.
100
Ibid. p.11.
101
LAZZARATO, Maurizio. The Making of the Indebted Man. An Esay on the Neoliberal Condition.
Traslated by Joshua David Jordan. Los Angeles: Semiotext(e), 2012. p. 103.
45

elites, que se beneficiam tanto dos cortes realizados quanto obtêm lucros com o
financiamento dos déficits públicos102.
Evidenciado assim que, na atual ordem neoliberal, a austeridade passou
a ser associada aos momentos recessivos, sendo apresentada como não
apenas uma necessidade política, mas também como uma obrigação moral
dotada de uma lógica “inafastável”, já que ter-se-ia vivido por muito tempo além
das possibilidades. Dado isso, a crise passa a representar um momento no qual
são necessárias a contenção e frugalidade.
A aplicação deste aspecto “moral” da austeridade é de difícil concepção
no Brasil, na qual parcela relevante da população vive em condições muito
precárias, estando sob a égide da desigualdade. Tal desigualdade é definida por
Silvana Tótora como o ponto de chegada e de partida, isto é, passou a
desigualdade a ser vista como valor, como móvel para recrudescer a
competição103.
Assim, tal valorização da desigualdade, implicaria uma forma de gestão
da desigualdade, confinando-se a população dos pobres nas periferias dos
centros urbanos e sujeitando-os a todo tipo de trabalho degradante,
humilhações, discriminação e violência do estatal por meio de seu braço
armado104.
No mesmo sentido, Trent Hamann aponta que todas as formas de
desigualdade social seriam invisíveis como fenômeno social no estado
neoliberal, já que a condição social de cada indivíduo seria imputável a ele,
sendo reflexo de suas escolhas e investimentos. Como resultado, cada indivíduo
deve ser não apenas capaz de cuidar de si próprio, mas também responsável
por esse cuidado, numa forma de eliminação de responsabilidade coletiva
(social) pelos perdedores do jogo neoliberal105.
Em relação à esta responsabilização dos pobres por seu próprio destino,
constataram Stephanie Duflo e Abhijit V. Banerjee que famílias pobres
buscariam oportunidades econômicas, mas que tendem a ser pouco qualificados
(para a atividade econômica). Assim, exerceriam atividades variadas, mas não

102
LAZZARATO, Maurizio. The Making of the Indebted Man. An Esay on the Neoliberal Condition.
Traslated by Joshua David Jordan. Los Angeles: Semiotext(e), 2012. p. 103
103
TÓTORA, Silvia. Foucalt: Biopolítica e Governamentabilidade Neoliberal. Revista de Estudos
Universitários. Volume 37, n.º 2. 2011. Disponível em:
http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php/reu/article/view/646. Acesso em: 23 fev. 2018. pp. 97-98
104
Ibid. pp. 97-98
105
HAMANN, Trent H. Neoliberalismo, governamentalidade e ética. ECOPOLÍTICA, [S.l.], n. 3,
set. 2012. ISSN 2316-2600. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/index.php/ecopolitica/article/view/12910>. Acesso em: 23 fev. 2018. p.
109-111
46

seriam produtivos o suficiente para obter do fruto do seu trabalho um padrão de


vida digno106.
Com a aplicação da austeridade econômica em momentos de crise, num
processo já apontado por Clara Mattei, passa-se a atribuir às causas da crise
aos os excessos decorrentes de um consumo exacerbado movido a
endividamento, revelado por um colapso financeiro, o que atribui um caráter
moral à austeridade.
Como será visto a seguir, este caráter moral tem uma influência sobre as
respostas apresentadas à crise iniciada em 2007/2008 e conforma a atuação do
Governo Federal quando da formulação do Regime de Recuperação Fiscal.

3.1.2
A crise de 2007/2008

Com a eclosão da crise de 2007/2008 e o decorrente risco de os países


mais vulneráveis da zona do Euro não conseguirem arcar com o serviço de suas
dívidas (default), o debate sobre a austeridade econômica voltou ao proscênio
tanto no debate acadêmico quanto no debate político.
Não obstante haver um consenso geral sobre os benefícios a longo prazo
da redução dos déficits fiscais e da dívida púbica, há severo desacordo dos
efeitos a curto prazo da austeridade fiscal, sobremaneira num contexto
recessivo. Enquanto o debate acadêmico está focado precipuamente na
diferença de efeitos econômicos entre austeridade e estímulo econômico, os
formuladores de políticas reconhecem que a austeridade diminui o crescimento e
a recuperação econômica.
Apesar de existir uma série de estudos apontando inexistir base
econômica para aplicar a austeridade durante recessões, considera-se que a
influência dos mercados financeiros, preocupados com seus interesses
financeiros imediatos (ameaçados por um eventual default) demandaram
austeridade como um objetivo, com pouca consideração com relação aos seus
efeitos sobre a performance macroeconômica e sem qualquer necessidade
suportar os países que adotem as políticas demandadas em caso de
insucesso107.

106
DUFLO, Stephanie; BANERJEE, Abhijit V. The Economic Lives of the Poor. (October, 2006)
Disponível em: https://economics.mit.edu/files/805. Acesso em: 22 fev. 2018. p. 12
107
KONZELMANN, Suzanne J.; The economics of austerity. Centre for Business Research,
University of Cambridge Working Paper No. 434. 2012. p. 27-28 Disponível em:
http://ssrn.com/abstract=2127567 Acesso em: 02 nov. 2017.
47

Desta forma, frisa Suzanne Konzelmann que os mercados financeiros


globais são demandantes de austeridade, não em razão de seus efeitos sobre a
economia, mas como um objetivo per se, isto é, como forma de compromisso
dos Estados com a manutenção do pagamento de suas dívidas108.
Aqui evidenciada a diferença em relação à austeridade Keynesiana, a
qual era vista como reverso do estimulo econômico, devendo ser aplicada
durante as fases de expansão econômica ou para evitar o risco de inflação ou de
colapso financeiro e atual iteração da aplicação da austeridade sob a égide
neoliberal. Assim, durante a recessão, a cura do desemprego seria decorrente
dos estímulos econômicos, mas tão logo a recuperação ocorresse, a austeridade
era demandada para evitar que a economia superaquecesse e causasse o
igualmente danoso problema da inflação.
Suzanne Konzelmann assinala que o catalisador para a crescente
demanda por austeridade econômica foi a crise da dívida soberana grega, com
os então crescentes temores sobre o seu possível calote (default) aumentando a
percepção de risco quanto à capacidade de outros países da zona do Euro
arcarem com o serviço de suas dívidas, especialmente Portugal, Itália, Irlanda e
Espanha. Na tentativa de se acalmarem os mercados de títulos da dívida, o
Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional impuseram uma série
de duras medidas de austeridade como pré-condição para a concessão de
auxílio aos países em crise.
Como consequência dessas políticas, ocorreu comoção social quando de
sua aplicação, principalmente quando impostas por órgãos internacionais, como
ocorrido em países como a Grécia e Itália, sendo verificada aguda diminuição do
estado de bem-estar social e a substituição de políticos eleitos por tecnocratas
encarregados de implementar políticas crescentemente mais austeras109.
Num ponto focal para nossa análise, Suzanne Konzelmann esclarece que
o manejo da dívida pública não é somente uma questão de tamanho da dívida
per se, mas também implica a avalição da relação entre receitas e dispêndio
público, sendo o déficit fiscal mais facilmente financiável nos momentos de
bonança.
Fazendo menção a clássico estudo de Alesina, indica Suzanne
Konzelmann que alguns até reputam que a austeridade poderia ter um efeito

108
KONZELMANN, Suzanne J.; The economics of austerity. Centre for Business Research,
University of Cambridge Working Paper No. 434. 2012. p. 22. Disponível em:
http://ssrn.com/abstract=2127567 Acesso em: 02 nov. 2017.
109
Ibid. p. 2
48

benéfico quanto à expansão da economia a curto prazo, assertiva esta, contudo,


altamente contestada.
Para Alberto Alesina e Silvia Ardagna, ajustes fiscais baseados em cortes
de gastos públicos sem o aumento de impostos são mais tendentes a reduzir os
déficits fiscais e reduzir a proporção entre dívida pública e produto interno bruto
que aqueles baseados no aumento de impostos. Ainda, este tipo de ajuste que
reduz o dispêndio público ao invés de aumentos de tributos seria menos
propenso a causar recessões.
Concordando parcialmente com as críticas existentes em relação ao
tema, Alesina e Ardagna admitem que há um grande dissenso entre
economistas sobre se a economia se expande mais por meio de cortes de
impostos ou em razão de aumentos de gastos públicos, existindo conhecimento
limitado sobre os efeitos das políticas fiscais sobre o crescimento e os efeitos
dos multiplicadores fiscais sobre o produto interno bruto. Esta questão é
apontada como politicamente carregada, tendo em vista que, enquanto políticos
e formuladores de políticas públicas de direita privilegiam os cortes de impostos,
aqueles afiliados à esquerda preferem aumento de gastos públicos. A esta
diferença, os autores atribuem a diferentes perspectivas quanto ao papel do
Estado e da desigualdade, com ambos os lados prescrevendo que suas
alternativas são aquelas que propiciam mais crescimento que a política
concorrente110.
Diferenciam os autores a situação atual daquela dos anos 1990 em razão
da ausência de crença na ocorrência no futuro próximo do tipo de crescimento
econômico que reduz fortemente a relação entre dívida pública e produto interno
bruto. Como alternativa, poder-se-ia permitir uma inflação constantemente mais
alta que aquela dos patamares atuais, o que reduziria o montante real da dívida,
sendo importante indicar que o remédio pode ser ainda pior que a doença111112.
Enquanto um período de moderada inflação tem o condão de reduzir o
valor da dívida, tal estratégia, principalmente num país com histórico de
hiperinflação como o Brasil, tem o potencial de desencadear uma inflação
desenfreada, sendo frisado por Alesina que a alta inflação dos anos 1970 só foi
debelada por meio da recessão do início dos anos 1980.

110
ALESINA, Alberto; ARDAGNA, Silvia. Large changes in fiscal policy: taxes versus
spending. Tax policy and the economy 24, no. 1. 2010. p. 35-36. Disponível em
http://www.journals.uchicago.edu/doi/abs/10.1086/649828. Acesso em: 02 nov. 2017.
111
No mesmo sentido, Thomas Piketty aponta que ao longo do século XXI, a taxa de retorno
média do capital estará num patamar muito superior ao do crescimento, estimando a primeira entre
4% a 4,5% ao ano enquanto a segunda seria de parcos 1,5% ao ano in O Capital no Século XXI.
Tradução de Mônica Baumgarten de Bolle. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. p. 607
112
Ibid. p. 36.
49

Assim, a importância do debate entre o ajuste fiscal por meio de redução


do dispêndio ou aumento de gastos públicos derivaria do fato de não ser nem a
inflação tampouco o crescimento econômico capaz de sozinho, estabilizar o
tamanho das dívidas públicas. A discussão passa então a ser sobre se o
aumento de despesas ou a redução do dispêndio seria mais efetivo para a
obtenção de uma estabilidade fiscal, ou seja, estabilidade na relação entre dívida
pública e produto interno bruto.
A conclusão de Alesina e Ardagna, é de que um ajuste fiscal baseado em
corte de gastos públicos é muito mais efetivo que aqueles baseados em
aumento de impostos para a estabilização do débito público, sendo verificado
até mesmo um efeito de expansão da economia ao invés de recessões
associadas à implementação de tais políticas113114.
Deste modo, para o fim que nos importa, sendo controvertida entre os
economistas qual a perspectiva tecnicamente mais correta, ou seja, se o
aumento de impostos ou a redução de dispêndio público é o melhor meio para o
atingimento da estabilidade com o menor ônus, cabe aos governos nacionais a
decisão sobre qual medida adotar.
Neste sentido, a determinação de qual tipo de política deve um certo
Estado adotar é influenciada pelas crenças prevalentes em suas elites políticas,
sendo elucidativo verificar quais os efeitos das políticas aplicadas em outros
países, especialmente naqueles em que as medidas de austeridade foram mais
severamente aplicadas.
Logo, a verificação se as políticas de austeridade foram capazes ou não
de cumprir com seu ostensivo desiderato, qual seja, promover o crescimento
econômico e a estabilidade da proporção entre dívida pública e o produto interno
bruto foi verificada na prática. Aqui, mensurando-se apenas os efeitos
econômicos da aplicação da austeridade (os efeitos sobre a fruição dos direitos
culturais e socioeconômicos serão tratados em capítulo subsequente), notáveis
os dados compilados por Mark Blythe.
Analisando os países conhecidos pelo acrônimo PIIGS (Portugal, Itália,
Irlanda, Grécia e Espanha), verificou-se que a austeridade não estava

113
Ibid. p. 37
114
Para uma crítica às conclusões verificadas por Alesina e Ardagna, entre outros BAKER,
Dean. The myth of expansionary fiscal austerity. No. 2010-23. Center for Economic and Policy
Research (CEPR), 2010.
50

funcionando, ou seja, se mostrou incapaz de reduzir o débito e promover o


crescimento econômico115.
Como resultado, a determinação quanto à aplicação de uma política em
detrimento da outra não é subsidiada por um argumento de autoridade, sendo
dependente das crenças neoliberais prevalentes em suas elites políticas. No
caso brasileiro, optou-se no plano nacional pela adoção de um ajuste de longo
prazo baseado no congelamento real (ou seja, as despesas são
constitucionalmente impedidas de cresceram mais que o índice oficial de
inflação) dos gastos públicos, medida esta reproduzida no âmbito local, como
uma das condições de acesso ao Regime de Recuperação Fiscal.
Assim, passa-se à exposição das principais características do plano de
recuperação fiscal aplicado em âmbito estadual pelo Rio de Janeiro, bem como
uma inferência dos previsíveis efeitos deste plano, o que será feito com subsídio
nas experiências de outros países que anteriormente aplicaram medidas de
austeridade como modo de obter-se o reequilíbrio orçamentário, bem como
serão traçadas as características basilares de um controle pelo prisma do gozo
dos direitos socioeconômicos e culturais das medidas orçamentárias
implementadas.

3.2
As Características do Regime de Recuperação Fiscal

Como já dito alhures116, o ponto focal deste trabalho não é a realização


de um diagnóstico da crise fiscal vivida pelo Estado do Rio de Janeiro, ou seja,
perquirir quanto à preponderância dos caracteres conjunturais ou estruturantes
para a atual crise vivenciada em âmbito estadual.
A justificativa para a adoção de tal perspectiva decorre da
preponderância que se atribui à adoção de medidas para a superação da
situação adversa que se apresenta no Estado do Rio de Janeiro, considerando-
se também que um acurado diagnóstico somente será feito retrospectivamente,
quando é possível apreender os efeitos das medidas tomadas, a atuação do
governo federal e o estabelecimento das relações de causalidade, correlação e
simultaneidade das medidas adotadas. Analisando-se o caso fluminense, cuja

115
BLYTH, Mark. Austerity: The History of a Dangerous Idea. Oxford University Press, USA.
Edição do Kindle. Locais do Kindle 159-165

116
Esclarecimento feito no 1º capítulo da dissertação.
51

atividade econômica é fortemente vinculada à indústria petrolífera e aos


investimentos da Petrobras para sua exploração, a crise fiscal verificada terá sua
duração definitivamente ligada à retomada dos investimentos na indústria
petrolífera, a qual impacta tanto na geração de empregos quanto na arrecadação
de royalties e participações especiais, assim como no nível de atividade
econômica geral no Estado.
Considerou-se mais frutífera a adoção de uma senda diferente, ao invés
de voltar-se para a gênese da crise, a questão fundamental seria o estudo das
medidas implementadas para sua superação, com a análise das medidas fiscais
utilizadas em âmbito estadual e suas consequências previsíveis sobre o regozijo
dos direitos socioeconômicos e culturais.
Tal análise é valiosa para a compreensão de quais os públicos-alvo
preferenciais das medidas de austeridade e perquirir tanto a existência quanto
necessidade de medidas compensatórias dos efeitos do retromencionado plano
sobre o proveito dos direitos retromencionados.
Cabe esclarecer ainda que quaisquer prognósticos para o Estado do Rio
de Janeiro são intimamente dependentes da análise das premissas do Regime
de Recuperação Fiscal previsto na Lei Complementar n.º 159/2017, sendo o
sucesso ou não deste regime crucial para a superação do colapso fluminense.
Importante ressaltar-se que o Estado do Rio de Janeiro, juntamente com o
Estado do Rio Grande do Sul, são os únicos estados elegíveis para ingresso
neste regime de recuperação117.
O Regime de Recuperação Fiscal a que se submete o Rio de Janeiro tem
um cariz marcadamente neoliberal, com a premissa de restabelecer-se a
capacidade de o Estado efetuar o pagamento dos juros da dívida sem que isso
implique uma trajetória “explosiva” da dívida, ou seja, busca-se adequar o gasto
público tendo por base a necessidade de retomada dos pagamentos das dívidas
contraídas pelo Estado, as quais foram contratadas quase que exclusivamente
com a União e os bancos públicos federais118.
Para tanto, o Rio de Janeiro tomou uma série de medidas com vistas
tanto à redução de despesas quanto em relação ao aumento e antecipação de
receitas, as quais serão enumeradas no tópico subsequente.

117
Em 07 de novembro de 2017, O Estado do Rio Grande do Sul apresentou o pré-acordo de
adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. Disponível em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/rrf
Acesso em: 11 dez. 2017.
118
A dívida com a União e bancos públicos federais perfazia o percentual de 85, 57%, como
constante no Plano de Recuperação Fiscal. Disponível em:
http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/content/conn/UCMServer/uuid/dDocName%3aWCC200052
Acesso em: 27 out. 2017.
52

3.3
Enumeração das Medidas de Ajuste Fiscal no Estado do Rio de
Janeiro

Com o propósito de aumentar suas receitas, declinantes desde 2014 em


razão da crise econômica que assolou e ainda assola o país119, o governo
fluminense introduziu uma série de medidas para atender aos compromissos
assumidos no âmbito do Plano de Recuperação Fiscal, bem como ainda precisa
implementar outras medidas, algumas delas de competência do próprio Governo
do Estado e outras dependentes da atuação de Autarquias Federais, sobremodo
em relação à fixação dos preços de referência para os cálculos dos royalties e
participações especiais.
A seguir são listadas as principais medidas implementadas pelo Estado
do Rio de Janeiro.
A principal medida prevista na Lei Complementar n.º 159/2017 é a
suspensão dos 4 (quatro) contratos de empréstimo geridos pela Secretaria do
Tesouro Nacional, que perfazem o valor total de R$ 76,490 bilhões (setenta e
seis bilhões, quatrocentos e noventa milhões de reais)120, sendo suspenso
também o pagamento das obrigações por 3 (três) anos renováveis por mais 3
(três) anos, na forma do artigo 9º, § 2º121.
Da mesma forma, o Estado do Rio de Janeiro tem 40 (quarenta)
operações de crédito garantidas pela União, as quais, nos termos do artigo 17
da Lei Complementar n.º 159/2017 também teve seu pagamento suspenso por
36 (trinta e seis) meses, prorrogáveis por igual período.
Com o intento de antecipar os recursos que serão obtidos com a
alienação das ações da Companhia Estadual de Águas e Esgotos – CEDAE, o

119
O PRF do Rio Grande do Sul aponta que o triênio 2014-2016 foi o pior da história econômica do
Brasil desde a Era Vargas. p. 7-8 Disponível em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/rrf. Acesso em:
11 dez. 2017.
120
Valor atualizado até 30 de junho de 2017. Fonte:
http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/content/conn/UCMServer/uuid/dDocName%3aWCC200052
Acesso em: 29 out. 2017.
121
“Art. 9o A União concederá redução extraordinária integral das prestações relativas aos
contratos de dívidas administrados pela Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda,
por prazo igual ou inferior ao estabelecido para a vigência do Regime de Recuperação Fiscal.
§ 1o A redução extraordinária de que trata o caput deste artigo não poderá ultrapassar o prazo de
36 (trinta e seis) meses.
o o o
§ 2 Na hipótese de prorrogação do Regime de Recuperação Fiscal, nos termos do § 2 do art. 2 ,
os pagamentos das prestações de que trata o caput deste artigo serão retomados de forma
progressiva e linear, até que seja atingido o valor integral da prestação ao término do prazo da
prorrogação.”
53

Estado do Rio de Janeiro pretende realizar operação de crédito para a obtenção


de até R$ 3,5 bilhões (três bilhões e quinhentos milhões de reais), em uma
operação de crédito que, nos termos do artigo 2º, §1º, da Lei Estadual n.º
7.529/2017-RJ, permitirá o pagamento dos salários atrasados dos servidores
públicos estaduais.
Nos termos da Lei Estadual n.º 7.529/2017-RJ, lei autorizadora da
alienação da totalidade das ações representativas do capital social da CEDAE, o
eventual saldo positivo da alienação das ações da CEDAE será utilizado para
quitar as dívidas do Estado do Rio de Janeiro com as dívidas refinanciadas com
bancos federais e garantidas pela União, e as dívidas do Estado com a União122.
Pretende ainda o Estado do Rio de Janeiro contratar outras operações de
crédito com o desiderato de permitir o financiamento do desligamento de
pessoal, auditoria da folha de pagamento, modernização da arrecadação
estadual e financiamento do pagamento de Precatórios e “Restos a Pagar”.
As medidas adicionais propostas têm o custo estimado (contando os
custos financeiros) de R$ 7.765.179.499,99 (sete bilhões, setecentos e sessenta
e cinco milhões, cento e quarenta e nove mil, quatrocentos e noventa e nove
reais e noventa e nove centavos), sendo estimados gastos de R$
3.195.059.354,52 (três bilhões, cento e noventa e cinco milhões, cinquenta e
nove mil, trezentos e cinquenta e quatro reais e cinquenta e dois centavos)123
apenas com o pagamento dos juros, o que corresponde a 41,1% (quarenta e um
ponto um por cento) do total das despesas estimadas com a introdução das
medidas apontadas.
Somado às medidas supramencionadas, prevê-se que sejam
equiparadas as regras do regime próprio dos servidores estaduais às regras
previdenciárias previstas tanto no regime geral quanto no regime próprio previsto
em âmbito federal. Com isso, busca-se evitar que haja regras no âmbito estadual
mais permissivas que aquelas previstas em âmbito federal, bem como a previsão
de que aposentados por invalidez comprovem sua condição anualmente.

122
“Art. 5° Os recursos resultantes da operação de alienação das ações representativas do capital
social da Companhia Estadual de Águas e Esgotos – CEDAE serão obrigatoriamente utilizados
para a quitação da operação de crédito de que trata o artigo 2°, não se aplicando o disposto no
artigo 2° da Lei Estadual n° 2.470, de 28 de novembro de 1995.
Parágrafo único. Observado o disposto no artigo 5°, o saldo do resultado da alienação será
destinado ao abatimento de dívidas, na seguinte ordem, observado o disposto no artigo 44 da Lei
Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000:
I - dívidas refinanciadas com bancos federais garantidas pela União;
II - dívidas do Estado com a União.”
123
Anexo 35 do Plano de Recuperação Fiscal. Disponível em:
http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/content/conn/UCMServer/uuid/dDocName%3aWCC200052
Acessado em 29 de outubro de 2017.
54

Na seara tributária, com a criação do Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal


– FEEF, fundo cujo propósito é a redução dos benefícios fiscais concedidos em
âmbito estadual, previu-se uma arrecadação adicional de R$ 280.000.000,00
(duzentos e oitenta milhões de reais) ao longo do ano de 2017.
Outra medida de grande impacto para a obtenção do equilíbrio fiscal no
Estado do Rio de Janeiro foi a aprovação da Lei Complementar Estadual n.º
176/2017124, Lei esta que estabelece um teto para as despesas referentes ao
ano de 2018 e subsequentes, atuando, semelhantemente ao plano federal, como
um óbice intransponível para que haja crescimento real dos gastos públicos.
Com isso, quer-se dizer que as despesas do Governo do Estado, caso
aumentem (aumento este que tem por pressuposto o aumento de arrecadação
no comparativo quadrimestral), terá um aumento menor que a variação da
inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA. Ou seja,
caso haja um aumento de arrecadação maior que a inflação medida, ter-se-ia um
superávit.
Criou-se ainda, por meio da Lei Estadual n° 7.629/2017-RJ um leilão de
pagamentos, por meio do qual o Governo do Estado efetuará os pagamentos
dos restos a pagar e dos débitos inadimplidos dando-se prioridade para os
credores que derem o maior desconto, estimando-se que o Estado tenha
significativa redução dos dispêndios para a quitação destas obrigações125.
Adicionalmente, elevaram-se as alíquotas do ICMS em relação à
gasolina, cerveja, chope, energia elétrica e telecomunicações. Sendo previsto
um impacto de R$ 325,2 milhões (trezentos e vinte e cinco milhões e duzentos
mil reais) apenas no ano de 2017. Tal medida foi complementada com a
alteração tanto da faixa de isenção quanto das alíquotas do Imposto sobre
Transmissão Causa-Mortis e Doações de Quaisquer Bens e Direitos - ITD,
adequando-as ao padrão dos demais estados brasileiros com renda per capita
similar à do Rio de Janeiro, o que implica um aumento da arrecadação de R$
100 milhões (cem milhões de reais) anuais a partir de 2018.

124
Disponível em:
http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/f25edae7e64db53b032564fe005262ef/351f497288c822cf832
5818b005cf117?OpenDocument&Highlight=0,176. Acesso em: 29 out. 2017.
125
Disponível em:
http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/content/conn/UCMServer/uuid/dDocName%3aWCC200052
Acesso em: 29 out. 2017.
55

3.4
Um Diagnóstico do Plano de Recuperação Fiscal

Foi dito no capítulo antecedente que o Plano de Recuperação Fiscal


possuiria um cariz neoliberal, afirmação esta que, neste momento, merece uma
análise mais detida. Para a compreensão tanto do referido plano quanto de sua
correlação com os conceitos de neoliberalismo e de austeridade, serão
apresentados uma síntese das medidas apresentadas pelo Plano de
Recuperação Fiscal, bem como serão apresentadas as linhas-mestras para a
compreensão dos supracitados conceitos Com isso, intenta-se demonstrar que,
não obstante tanto a literatura econômica e de direitos humanos quanto à
experiência internacional sejam profícuas na comprovação dos deletérios efeitos
sociais advindos das medidas de austeridade, o Governo do Estado do Rio de
Janeiro, ao elaborar o plano em questão, não se manifestou quanto à
possibilidade de danos à população vulnerável.
De fato, a elaboração do Plano de Recuperação Fiscal não contemplou
medidas compensatórias com o fito de minorar os potenciais efeitos adversos
que sua execução potencialmente pode causar às populações vulneráveis.
Deste modo, chama-se a atenção para o fato de, não obstante ser a
política fiscal a ferramenta por excelência que o estado tem para redistribuir
renda, os efeitos das medidas adotadas no referido Plano de Recuperação
Fiscal não foram avaliados tanto sobre o prisma da fruição dos direitos
socioeconômicos e culturais tampouco em relação aos efeitos sobre a
desigualdade.
Adicionalmente, num cenário no qual previsivelmente haverá restrição
orçamentária para qualquer crescimento real do gasto público, ou seja, no qual
despesas constitucionalmente vinculadas à arrecadação e aposentadorias e
pensões limitarão o “espaço fiscal” disponível para que outros bens públicos
sejam providos, o silêncio eloquente é atinente à eficiência do gasto público.
Isto porque, num quadro de previsível intensificação das disputas por
recursos finitos, a ampliação dos serviços prestados ou o incremento de sua
qualidade será progressivamente dependente da efetiva utilização dos escassos
recursos existentes, quer com a aquisição de bens e serviços por preços
menores quer por intermédio de uma estrutura administrativa que diminua o
desperdício ou adote soluções mais eficientes da perspectiva do custo-benefício.
Em importante estudo para a compreensão dos efeitos dos aumentos de
impostos realizados pelo governo fluminense, tanto os previstos quanto os já
56

implementados, uma das equipes técnicas do FMI verificou que, mesmo


aumentos de impostos que sejam regressivos, como é caso paradigmático do
ICMS, podem ter efeitos “líquidos” positivos para a melhoria de vida dos
cidadãos caso o uso dos recursos públicos arrecadados possua um alto efeito
progressivo (ou seja, caráter redistributivo favorecendo preferencialmente os
mais pobres).
Deste modo, o Estado do Rio de Janeiro, mesmo sendo financiamento
majoritariamente por meio de impostos indiretos e regressivos, sem a
necessidade de quaisquer mudanças constitucionais, seria capaz de subsidiar a
tornar mais justas tanto a distribuição de renda quanto a prestação de serviços
públicos em âmbito estadual126.
Na mesma senda, o mencionado estudo aponta a equalização de
alíquotas de impostos indiretos como uma medida que pode ampliar a
arrecadação. Tal medida reduziria os custos de administração e compliance com
as obrigações tributárias acessórias, o que, somado ao fato de alíquotas
distintas não serem um meio efetivo de beneficiar os mais pobres, implicaria que
a destinação eficiente dos recursos adicionais poderia ser uma política favorável
aos vulneráveis127. Daí que a justificativa para alíquotas diferenciadas residiria
na incapacidade estatal de fazer a contento transferências de recursos e
serviços a esses grupos especialmente vulneráveis.
Não obstante, o Plano de Recuperação Fiscal é silente quanto aos efeitos
dos aumentos de impostos em quaisquer outras dimensões que não o mero
aumento de receitas orçamentárias. Assim, as questões conexas e capazes de
atenuar os efeitos adversos da consolidação fiscal em curso, tais como o
aumento da eficiência do gasto público, quer seja baseado na redução de
ineficiências e desperdícios, quer com a ampliação do atendimento sem que haja
um aumento de custo, são assuntos solenemente negligenciados no referido
plano.
Tal silêncio parece-nos fulcrado no desinteresse do Governo Estadual em
mensurar, tornar públicos ou atenuar os previsíveis efeitos sobre os estratos
mais vulneráveis da população, sendo exemplar disso a ausência completa de
informações quanto à gestão do Fundo Estadual de Combate à Pobreza e às

126
FMI. IMF POLICY PAPER FISCAL: POLICY AND INCOME INEQUALITY. p. 22 Disponível em:
https://www.imf.org/external/np/pp/eng/2014/012314.pdf. Acesso em: 06 dez. 2017
127
Idem. p. 24
57

Desigualdades Sociais, não obstante a alíquota do ICMS destinada a financiar


tal fundo tenha dobrado, passando a ser de 2% (dois por cento)128.

3.5
Uma Síntese do Plano de Recuperação Fiscal

Com base nas medidas delineadas na parte antecedente do presente


capítulo, podem-se classificar as medidas propostas no Plano de Recuperação
em 2 (duas) grandes categorias, quais sejam, medidas de competência do
Governo Estadual e medidas dependentes do Governo Federal.
As medidas de competência do Governo Federal são atinentes à
alteração dos preços de referência do barril de petróleo, o que tem impacto
direto no cálculo dos royalties e participações especiais.
Para o ano de 2018, somente considerando-se a correção do valor do
petróleo usado como base o cálculo dos royalties devidos aos Estados, o
governo fluminense espera um incremento de receita de R$ 650.000.000,00
(seiscentos e cinquenta milhões de reais)129.
Ademais, o Governo Estadual considera a ampliação da receita com os
royalties decorrente do início da exploração comercial do Campo de Libra, o qual
começaria a pagar royalties no ano de 2020, num montante estimado de R$
444.300.000,00 (quatrocentos e quarenta e quatro milhões e trezentos mil reais).
Quanto às medidas tomadas em âmbito estadual, sobre as quais reside o
preponderante interesse deste trabalho, concentram-se em 3 (três) vertentes,
quais sejam, incrementos de receitas, alienação de ativos e medidas de
austeridade.
Com o fito de ampliar suas receitas, o Estado do Rio de Janeiro tem
buscado uma série de alterações nas alíquotas de impostos para lidar com os
atuais déficits primários experimentados, confiando sobretudo no principal
imposto estadual, qual seja, o ICMS.
Somente com a elevação das alíquotas sobre energia elétrica,
telecomunicações, gasolina, cerveja e chope, elevação esta que impactou a
arrecadação estadual a partir de abril de 2017, previu o Plano de Recuperação

128
Lei Estadual n.º 4.056, de 30 de dezembro de 2002. Alterada pela Lei Complementar Estadual
n.º 167, de 28 de dezembro de 2015. Disponível em:
http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/faces/oracle/webcenter/portalapp/pages/navigation-
renderer.jspx?_afrLoop=2670029761591327&datasource=UCMServer%23dDocName%3A98979&
_adf.ctrl-state=vzir1x20x_9 Acesso em: 01 dez. 2017
129
Plano de Recuperação Fiscal. p. 39 Disponível em:
http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/content/conn/UCMServer/uuid/dDocName%3aWCC200052.
Acesso em: 29 out. 2017.
58

Fiscal uma ampliação de receitas tributárias no importe de R$ 325.200.000,00


(trezentos e vinte e cinco milhões e duzentos mil reais).
No entanto, utilizar-se de impostos indiretos para a ampliação da receita
tributária tem efeitos conhecidos sobre as parcelas mais pobres da população,
em razão do conhecido caráter regressivo dos impostos indiretos, efeitos estes
desconsiderados na elaboração de referido aumento das alíquotas, as quais se
fiam tanto na ampliação da alíquota de bens supérfluos de consumo (como
cerveja e chope) quanto em bens essenciais (telecomunicações e energia
elétrica).
Como apontam Carlos Góes e Izabela Karpowicz, o Brasil é um país mais
dependente da arrecadação obtida por meio de impostos indiretos que os
demais países latino-americanos e muito mais dependente que os países-
membros da OCDE. Como consequência da utilização maciça de impostos
indiretos (problema este intensificado no âmbito estadual, onde, por exemplo,
86% da receita tributária do Rio é decorrente do ICMS), tem-se um sistema
tributário regressivo.
Exemplificando o quão regressivo é o sistema tributário brasileiro,
estimaram Carlos Góes e Izabela Karpowicz, que um trabalhador que ganhe R$
3.000,00 por mês, comprometa 24% de sua renda com o pagamento de
impostos indiretos, enquanto aqueles que ganham mais de R$ 10.000,00
mensais, comprometem apenas 17% de sua renda com o pagamento de
impostos indiretos, o que corresponde a um comprometimento menor da renda
no percentual de 30%130.
Desta forma, evidencia-se que a ampliação de alíquotas de impostos
indiretos tem efeitos mais nocivos sobre a população mais pobre, a qual já arca,
como acima demonstrado, com uma carga tributária de impostos indiretos mais
elevados que as camadas mais privilegiadas da sociedade.
Somada à elevação da alíquota do ICMS de uma série de itens
(supramencionados), o Governo Estadual também alterou as faixas de isenção e
alíquotas do ITD, revertendo a política anterior, a qual pressupunha uma
renúncia tributária que não fomentava a economia estadual tampouco
estimulava a geração de empregos131.

130
GÓES, Carlos; KARPOWICZ. IMF Working Paper. Inequality in Brazil: A Regional Perspective.
Disponível em http://www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2017/10/31/Inequality-in-Brazil-A-
Regional-Perspective-45331 Acesso em: 17 nov. 2017
131
Plano de Recuperação Fiscal. p. 37 Disponível em:
http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/content/conn/UCMServer/uuid/dDocName%3aWCC200052
Acesso em: 29 out. 2017.
59

Desta forma, foram alteradas as alíquotas do ITD de modo a torná-las


equiparáveis a dos demais Estados com o mesmo patamar de renda per capita,
sendo previsto um incremento de receita com a alteração das alíquotas no
importe de R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) anuais a partir de 2018132.
Propôs-se ainda, a revisão dos incentivos fiscais concedidos, cujas
propostas representariam uma ampliação da receita a partir de 2018 e até o fim
do Plano de Recuperação Fiscal, alcançando a quantia de R$ 1.390.000.000,00
(um bilhão, trezentos e noventa milhões de reais)133.
Criou-se ainda, o Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal – FEEF, por meio
do qual reduziram-se os benefícios e incentivos fiscais, estimando-se um
incremento da arrecadação no valor de R$ 280 milhões apenas no ano de 2017
e de R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ao longo de
2018134.
Conclusivamente, percebe-se que a quase totalidade das medidas
tomadas em âmbito fluminense pelo Governo Estadual tem por foco a ampliação
da receita tributária obtida com o ICMS, seja com a elevação das alíquotas, seja
com a redução de subsídios anteriormente concedidos e alterações referentes
ao ICMS Importação, em relação a alterações no chamado Repetro, regime
aduaneiro especial de exportação e de importação de bens destinados às
atividades de pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural.
No entanto, considerando-se a natureza do ICMS como imposto indireto,
o qual, como já exposto anteriormente, é regressivo, ou seja, sua alíquota
diminui quanto maior a renda. Com isto os estratos sociais de maior renda,
embora em termos per capita paguem mais impostos que as parcelas mais
pobres, em termos proporcionais (percentual da renda total), essas mesmas
classes menos abastadas arcam com uma carga tributária substancialmente
mais elevada que as pessoas de renda mais alta.
A chamada regressividade do ICMS, pelas características
supramencionadas, em qualquer plano que tenha preocupação com seus efeitos
sobre as populações mais vulneráveis deveria tornar qualquer governo estadual
reticente quanto ao uso de impostos indiretos para a ampliação de receitas,
sobretudo, o Estado do Rio de Janeiro, no qual tal fonte já compõe quase 90%
das receitas tributárias próprias.

132
Ibid.
133
Ibid. p. 37
134
Ibid. Anexo 14. p. 4
60

No entanto, conforme adiantado, apesar de conhecidos os efeitos dos


aumentos de impostos indiretos sobre a população mais pobre, o plano de
recuperação não prevê nenhuma medida compensatória para minorar o impacto
dos aumentos sobre a população vulnerável, tampouco apresenta estudos
estatísticos sobre o impacto dos aumentos sobre os preços e/ou aumento da
carga tributária com base na renda auferida.
Tal atuação implica a desconsideração pelos efeitos previsíveis na piora
dos standards de vida da população mais carente e vulnerável do Estado.
Justamente aqueles que deveriam ser prioritariamente poupados dos efeitos
nocivos da austeridade serão quase certamente os mais afetados por tais
medidas de ajuste.
Somadas as medidas de cariz tributário, são previstas medidas que ainda
terão um impacto inestimado/inestimável sobre a vida população fluminense,
quais sejam, a privatização da Companhia Estadual de Agua e Esgotos
(CEDAE), e a renovação antecipada da concessão da Companhia Distribuidora
de Gás Natural do Rio de Janeiro (CEG), com a injeção de receitas nos cofres
estaduais variando entre R$ 394.100.000,00 (trezentos e noventa e quatro
milhões e cem mil reais) e R$ 1.970.000.000,00 (um bilhão, novecentos e
setenta milhões de reais) a depender da modelagem adotada135 pelo Governo
Estadual.
Além disso, previu-se também a concessão das linhas de ônibus
intermunicipais, medida esta que possibilitaria o ingresso de R$
2.100.000.000,00 (dois bilhões e cem milhões de reais) ao longo do período de
concessão, sendo R$ 1.360.000.000,00 (um bilhão e trezentos e sessenta
milhões de reais) até o ano de 2023.
Conclusivamente, percebe-se que as medidas tomadas adotadas pelo
governo do Estado do Rio de Janeiro implicam um aumento da carga tributária,
especialmente de seu imposto mais importante, ICMS, bem como medidas que
impactam diretamente sobre os preços de importantes serviços públicos, quais
sejam, transportes públicos e gás natural.
Como será adiante exposto no capítulo subsequente, a utilização de tais
formas para a ampliação de sua arrecadação, tem efeitos no gozo de direitos
socioeconômicos e culturais, sendo a experiência comparada profícua em

135
Plano de Recuperação Fiscal. Anexo 29. p. 2 Disponível em:
http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/content/conn/UCMServer/uuid/dDocName%3aWCC200052
Acesso em: 29 out. 2017.
61

exemplos sobre como essas medidas de austeridade impactam a fruição dos


supramencionados direitos
Assim, serão estabelecidas as características basilares para o
estabelecimento de um mecanismo de controle das políticas de austeridade com
a utilização do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais.
4
A Aplicação dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

Nesta dissertação, adota-se a visão tradicional das normas


programáticas, considerando-se que o artigo 6º da Constituição Federal é
exemplar de um conjunto de normas programáticas, posicionamento este
majoritariamente adotado pela doutrina, com excepcionais exceções, entre as
quais a de Clèmerson Merlin Clève136.
A perspectiva aqui adotada é díspar das tentativas de atribuir às normas
programáticas o caráter de direitos subjetivos, imediatamente aplicáveis,
posicionamento este que aduz várias complexidades, como normalmente
reconhecem os seus proponentes. Assim, para Fábio Corrêa Souza de Oliveira a
atribuição de eficácia positiva às normas programáticas não representa uma
panaceia capaz de substituir o julgamento do legislador e do Poder Executivo,
havendo inconstitucionalidades cuja solução não pode ser dada pela via
judicial137.
Sob esse prisma, como será exposto nas seções e capítulos
subsequentes, propõe-se a apresentação das possibilidades decorrentes da
utilização do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de
1966 para o controle de políticas públicas, bem como a demonstração de como
tal controle já tem sido realizado para avaliar políticas públicas, sobremaneira
quanto à desigual fruição dos direitos decorrentes do referido pacto.
Para tanto, inicialmente serão apresentadas as razões pelas quais,
entende-se que o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais de 1966 possibilita o controle de políticas públicas, sobremodo aquelas
de cariz orçamentário, bem como a exposição de razões pelas quais a adoção
de tal perspectiva oferece perspectivas mais amplas para a efetividade dos
direitos socioeconômicos e culturais quando comparado com as normas
programáticas da Constituição da República.

136
CLÈVE, Clèmerson Merlin .A eficácia dos direitos fundamentais sociais. Revista de Direito
Constitucional e Internacional, v. 54, p. 28-39, 2006. Disponível em:
http://clemersoncleve.adv.br/wp-content/uploads/2016/06/A-eficácia-dos-direitos-fundamentais-
sociais.pdf. Acesso em: 03 jan. 2018
137
OLIVEIRA, Fábio Souza. Eficácia positiva das normas programáticas. Revista Brasileira de
Direito, Passo Fundo, v. 11, n. 1, p. 34-45, ago. 2015. ISSN 2238-0604. Disponível em:
<https://seer.imed.edu.br/index.php/revistadedireito/article/view/860/958>. Acesso em: 03 jan.
2018. doi:https://doi.org/10.18256/2238-0604/revistadedireito.v11n1p34-45. p. 44
63

Somada a isso, serão apresentados os usos do controle de políticas


públicas por meio de seus efeitos sobre o gozo dos direitos socioeconômicos e
culturais, sendo, por fim, apresentada uma proposta para o controle de políticas
orçamentárias tendo por base efeitos potencialmente discriminatórios na
implementação de políticas públicas.
Para tanto, conduz-se uma pesquisa doutrinária utilizando como marcos
teóricos os escritos de Marcelo Torely, Louise de Araújo e Valério Mazzouli, para
demonstrar a aplicabilidade obrigatória do uso, em âmbito interno (inclusive em
âmbito estadual), tanto pelo Judiciário quanto por Executivos e Legislativo dos
pactos internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja signatário.
Com isto, será demonstrado que as disposições do Pacto Internacional
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais são de observância obrigatória
por Executivos e Legislativos na esfera estadual, sendo aplicáveis inclusive as
obrigações de observância imediata, principalmente àquelas atinentes à não-
discriminação.
Para ilustrar-se o atual tratamento dos direitos sociais enquanto normas
programáticas e os limites deste entendimento, serão utilizados Lucas Konzen e
João Batista Berthier, sendo salientado o posicionamento contrário de
Clemerson Merlin Clève.
Valendo-se principalmente de Rory O’Connell e Aiofe Nolan, serão
expostos os caracteres fulcrais para o estabelecimento de uma análise dos
direitos humanos pelo prisma orçamentário.
Por fim, serão apresentados tanto uma conceituação de não-
discriminação quanto à delimitação dos critérios interditados de discriminação,
ou seja, quais os caracteres sobre os quais não se pode basear o díspar
proveito dos direitos socioeconômicos e culturais.
Com tal intento, serão utilizados o magistério de Roger Raupp Rios,
Patrick Shin e Aaron Felmeth, apresentando-se por fim a possibilidade de
verificar se políticas formalmente igualitárias, são, de fato, discriminatórias.

4.1
O Controle de Convencionalidade dos Tratados Internacionais de
Direitos Humanos

Esta dissertação é assente em uma premissa basilar, a de que o Pacto


Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 possui
aplicabilidade imediata no Brasil, obrigando tanto o Poder Judiciário, quanto os
64

Poderes Executivo e Legislativo, tanto no âmbito federal quanto local, ou seja,


municipal e estadual.
Para demonstrar o cabimento ou não da interpretação dada à
justiciabilidade dos tratados internacionais dos quais seja o Brasil signatário, é
importante que sejam apresentadas, ainda que perfunctoriamente, os caracteres
essenciais do controle de convencionalidade.
Marcelo Torely aponta que o chamado controle de convencionalidade das
Leis e atos dos Estados-Membros é um dos desenvolvimentos recentes da
jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sendo tal controle
o equivalente regional do controle de legalidade realizado pelas cortes
constitucionais em âmbito doméstico138.
Como resultado, caberia aos juízes dos Estados-Membros aplicar no
âmbito doméstico as disposições da Convenção Americana no julgamento das
demandas, ou seja, caberia aos juízes analisar se a lei infraconstitucional estaria
em conflito com a interpretação dada pela Corte Interamericana à Convenção
Americana139.
Diferenciando-se do posicionamento da Corte Europeia de Direitos
Humanos, conhecida pela sua deferência dada aos Estados-Nacionais (margem
de apreciação), a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem a pretensão de
decidir definitivamente quanto à interpretação dos direitos humanos em âmbito
regional, isto é, pretende que a sua interpretação seja aquela aplicada pelos
juízes em âmbito doméstico140.
De outro modo, quer-se dizer que a Corte Interamericana pretende ser a
instância decisória definitiva quanto ao controle de convencionalidade da
Convenção Americana, definida por André de Carvalho Ramos como sendo a
análise da compatibilidade entre os atos internos (quer comissivos ou omissivos)
e as normas internacionais, podendo ser exercido tanto por cortes internacionais,
quanto domésticas, sendo este denominado de controle de convencionalidade
de matriz nacional, provisório ou preliminar141.
Na mesma senda, Louise de Araújo assinala que o controle de
convencionalidade, no plano interno, deve ser efetuado tanto pelo Parlamento,
quanto pelo Executivo e Judiciário, ou seja, não caberia apenas ao Poder

138
TORELLY, Marcelo. Controle de Convencionalidade: constitucionalismo regional dos direitos
humanos? Revista Direito e Práxis, Volume 8, n.º 1. 2017. DOI: 10.12957/dep.2017.23006.
Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/23006. Acesso
em: 29 dez. 2017. p. 323
139
Ibid. pp. 333-334
140
Ibid. p. 326.
141
RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 4ª
edição. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 294
65

Judiciário efetuar o controle de convencionalidade das leis, mas também aos


outros poderes.
Como exemplo desta atuação, salienta que o Parlamento deve fazer as
leis de tal forma que estas sejam compatíveis com os compromissos
internacionalmente assumidos pelo Brasil, bem como que caberia ao Executivo,
antes de sancionar uma lei, fazer o controle de sua convencionalidade, vetando-
a caso em desacordo com os tratados internacionais de direitos humanos dos
quais o Brasil seja signatário142.
Embora exista controvérsia quanto à extensão que deve ser dada ao
controle de convencionalidade, havendo posicionamento doutrinário de que tal
controle somente pode ser utilizado nos casos em que o Brasil tenha
reconhecido a competência contenciosa da corte internacional competente para
aplicar a norma em discussão, filiamo-nos ao entendimento de que, no tocante
aos tratados internacionais de direitos humanos, o reconhecimento da
competência contenciosa da corte para que o Brasil aplique em âmbito nacional
os compromissos internacionalmente assumidos é prescindível 143.
Neste sentido, Valério Mazzouli analisa que o controle de
convencionalidade tem como função compatibilizar verticalmente o direito interno
com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Estado
nacional e vigentes em território nacional144. Na sua visão, a Constituição da
República e os tratados internacionais se uniriam para a edificação de um direito
infraconstitucional compatível com ambas, ou seja, seria inválida uma norma se
incompatível com a Constituição ou com os tratados internacionais ratificados
pelo Brasil145.
Para tal autor, os tratados internacionais de direitos humanos ratificados
pelo Brasil têm status equivalente ao de normas de direito constitucional,
servindo como paradigma para o controle de
convencionalidade/constitucionalidade das leis infraconstitucionais, discernindo-

142
ARAÚJO, Louise de. os direitos humanos como parâmetro de aplicação do controle de
convencionalidade das leis: Precedentes do Sistema Interamericano e o Caso Brasileiro.
Dissertação de mestrado. Universidade de Coimbra, Coimbra, 2015. p. 42
143
LOPES, Ana Maria D´Ávila; CHEHAB, Isabelle Maria Campos Vasconcelos. Bloco de
constitucionalidade e controle de convencionalidade: reforçando a proteção dos direitos humanos
no Brasil. Revista Brasileira de Direito, Passo Fundo, v. 12, n. 2, p. 82-94, dez. 2016. ISSN 2238-
0604. Disponível em: <https://seer.imed.edu.br/index.php/revistadedireito/article/view/1367/1053>.
Acesso em: 29 dez. 2017. doi:https://doi.org/10.18256/2238-0604/revistadedireito.v12n2p82-94. p.
91
144
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis: o novo
modelo de controle da produção normativa doméstica sob a ótica do “diálogo das
fontes”. Argumenta Journal Law, Jacarezinho - PR, n. 15, p. 77-114, fev. 2013. ISSN 2317-3882.
Disponível em: <http://seer.uenp.edu.br/index.php/argumenta/article/view/200>. Acesso em: 31
dez. 2017. p. 21
145
Ibid. pp. 102-103
66

se dos tratados de direitos humanos aprovados com o rito próprio das emendas
constitucionais apenas por não servirem como padrão para o exercício do
controle concentrado de convencionalidade146.
Como modo de assegurar a efetividade dos direitos humanos, propõe
André de Carvalho Ramos que, ao menos nos casos da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, seja criada uma secretaria ou um foro permanente dos quais
participem os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além do Ministério
Público Federal, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, os
Conselhos Nacionais do Ministério Público e de Justiça como forma de incitar os
responsáveis pela implementação dos comandos internacionais a agir147.
Prossegue André de Carvalho Ramos realçando a importância da
invocação no contexto jurídico brasileiro da vedação ao retrocesso,
indivisibilidade, interdependência, eficácia horizontal dos direitos humanos, entre
outros.
Para o retromencionado autor, caberia ao Estado-Juiz agir em
substituição ao Estado-Administrador quando este fosse omisso no cumprimento
de seus compromissos internacionais, devendo ser assegurado em âmbito
doméstico o mesmo grau de proteção que os direitos humanos já alcançaram
internacionalmente, o que revolucionaria a atual interpretação desses direitos no
Brasil, revelando à maioria os pleitos não-atendidos das minorias148.
Como já exposto no capítulo primeiro, este trabalho reconhece as
limitações inerentes à preponderância do Poder Judiciário para o gozo dos
direitos humanos, sobretudo aqueles socioeconômicos e culturais, atribuindo ao
Judiciário um papel “defensivo”, isto é, ao Judiciário caberia analisar a existência
de efeitos discriminatórios na aplicação de certas políticas públicas,
independentemente de tal disparidade derivar de um ato deliberado ou não do
Estado-Administrador.
Assim, o Judiciário seria responsável essencialmente verificar se uma
política foi elaborada e é aplicada de acordo com o tratamento constitucional e
convencional dado à matéria, sem que seja usurpada a competência dos
Poderes Executivo e Legislativo de determinar a forma de efetivação de
determinado direito, o que é sempre condicionado pelas prioridades políticas, os

146
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis: o novo
modelo de controle da produção normativa doméstica sob a ótica do “diálogo das
fontes”. Argumenta Journal Law, Jacarezinho - PR, n. 15, p. 77-114, fev. 2013. ISSN 2317-3882.
Disponível em: <http://seer.uenp.edu.br/index.php/argumenta/article/view/200>. Acesso em: 31
dez. 2017 p. 105
147
RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 4ª
edição. São Paulo: Saraiva, 2014. pp. 311-312
148
Ibid. p. 319
67

eventuais efeitos inesperados decorrentes da proteção de um certo direito e até


mesmo algum dissenso quanto à melhor forma de se atingir um determinado fim.
Exemplar das aporias inerentes à implementação de políticas públicas
extremamente dispendiosas pelo Poder Judiciário pode ser observado no caso
do acesso à saúde (abordado no primeiro capítulo) no qual, apesar da profícua
aplicação de recursos para o cumprimento das decisões judiciais concessivas de
medicamentos e tratamentos de alta complexidade e custo, não se verificaram
resultados positivos para o gozo do direito à saúde da população em geral, ou
seja, as medidas concessivas não trouxeram incremento no proveito do direito à
saúde.
Com base nas vicissitudes verificadas na concessão de medidas judiciais
que impliquem o dispêndio de recursos públicos, serão delineadas nas seções
seguintes deste capítulo a forma como o Pacto Internacional de Direitos,
Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 pode ser utilizado para o controle de
convencionalidade e como o direito da antidiscriminação pode oferecer uma
perspectiva para uma aplicação mais equânime dos direitos econômicos, sociais
e culturais.
Assim, seria possível perquirir a convencionalidade de políticas públicas
atualmente reputadas como neutras, mas cujos efeitos são flagrantemente
díspares sobre distintos grupos sociais, sendo seus efeitos nocivos normalmente
mais proeminentes em relação aos grupos socialmente vulneráveis.

4.2
O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
de 1966 como Alternativa à Visão Tradicional das Normas
Programáticas

Após a demonstração de que o retromencionado Pacto Internacional


serve como base para o exercício do controle de convencionalidade de todas as
leis infraconstitucionais brasileiras, incluindo-se aquelas editadas pelos
legislativos estaduais, ou seja, a atuação do Executivo e Legislativo é
condicionada à observância das previsões constantes no Pacto Internacional.
A partir desta conclusão, parte-se para a demonstração (ao menos na
tentativa) de que a utilização dos direitos socioeconômicos e culturais oferece
uma perspectiva efetiva para assegurar a fruição dos direitos sociais, mais eficaz
que a tradicional discussão sobre a justiciabilidade dos direitos sociais
constitucionalmente assegurados no capítulo II da Constituição da República.
68

Como bem abordado por Lucas Konzen, existem as mais díspares


posições doutrinárias quanto à justiciabilidade dos direitos sociais, desde
aquelas que negam sua possibilidade, até aquelas mais permissivas. Manifesta-
se o autor pela plena justiciabilidade dos direitos sociais, entendendo ser cabível
que o cidadão exija judicialmente a concretização dos direitos sociais quando
esta carência for de tal monta que fustigue a realização da dignidade humana ou
ameace mesmo a existência física dos indivíduos149.
Insurge-se Lucas Konzen quanto às principais críticas à justiciabilidade
dos direitos, referentes à reserva do possível e a separação de poderes,
pretensamente vulnerada com a competência legislativa em matéria
orçamentária150. Considera o posicionamento de Gustavo Amaral e Ricardo Lobo
Torres como excessivos, sendo a utilização do conceito de reserva do possível
demasiadamente amplo, uma vez que se reduziria os direitos sociais ao conceito
de mínimo existencial, cabível a atuação do Judiciário apenas quando em risco a
própria sobrevivência física do indivíduo151.
Para o referido autor, a reserva do possível não seria óbice para infirmar
a justiciabilidade dos direitos sociais, embora reconheça que se trata de
importante limite ao seu reconhecimento, desde que se mantenha discernível do
conceito de mínimo existencial152.
Da mesma sorte, seria insubsistente a crítica em razão de uma pretensa
violação à separação de poderes, já que, frequentemente, a atuação judicial
implicaria a restauração do equilíbrio, pressupondo-se que haveria a proteção da
maioria permanente em detrimento de maiorias ocasionais. Com isso, caberia ao
Judiciário aferir, casuisticamente, quando seria cabível a justiciabilidade do
direito social, cujo gozo seria dependente da confrontação entre o direito
pleiteado, a necessidade fática alegada pelo autor e o custo econômico e político
necessário para a satisfação do pleito153.
Conclusivamente, pontua Lucas Konzen que os direitos sociais não
seriam meramente normas programáticas, carentes de regulamentação e
dependentes de dotação orçamentária, cabendo aos juízes julgar as demandas

149
KONZEN, Lucas. A justiciabilidade dos direitos sociais: considerações a respeito da eficácia
jurídico-subjetiva dos direitos fundamentais. Espaço Jurídico Journal of Law [EJJL], [S.l.], v. 11, n.
1, p. 63-90, Dez. 2010. ISSN 2179-7943. Disponível em:
<http://editora.unoesc.edu.br/index.php/espacojuridico/article/view/1939>. Acesso em: 31 dez.
2017. pp. 77-78
150
Ibid. p. 78
151
Ibid. loc. cit.
152
Ibid. p. 79
153
Ibid. p. 81
69

inclusive quando o desrespeito do Poder Público fosse decorrente da edição de


atos normativos154.
Manifestando-se também sobre o caráter dos direitos sociais, André de
Carvalho Ramos advoga que os direitos sociais não seriam meramente
orientações programáticas, frisando que a recusa quanto à aplicabilidade dos
direitos sociais não pode ser embasada na inexistência de recursos materiais por
parte do Estado, isto porque sendo direitos humanos indivisíveis, o próprio gozo
dos direitos civis e políticos seria propiciado por um acesso mínimo aos direitos
sociais155.
Quanto ao conceito de norma programática, para João Batista Berthier
seria aquela que determina ao Estado o dever de se atingir um determinado fim
que implicará a alteração da sociedade, sendo imprescindível que se compare a
realidade social e o preceito normativo, já que a realidade social permite aferir
sobre o quão factível é a implementação de um direito156.
Assim, as normas constitucionais programáticas demandariam para sua
efetivação a constante atuação estatal, já que sua finalidade social estaria
distante da realidade social157, sendo pontuado que as normas programáticas
sofreriam de maior risco de inefetividade, dado que a alteração do panorama
social é usualmente dependente de reformas de difícil implantação, sobretudo
quando ausente a vontade política para tal empreendimento158.
Para João Batista Berthier, das normas programáticas adviria o poder-
dever de o Estado alcançar um determinado fim socialmente desejável,
modificador do panorama social e que, à medida que fosse progressivamente
concretizado, subsidiaria a exigência de direitos subjetivos159.
Reconhecendo-se as limitações advindas da interpretação dos direitos
sociais enquanto normas programáticas, intenta-se nesta dissertação atribuir-se
uma feição “defensiva” ao Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais.

154
KONZEN, Lucas. A justiciabilidade dos direitos sociais: considerações a respeito da eficácia
jurídico-subjetiva dos direitos fundamentais. Espaço Jurídico Journal of Law [EJJL], [S.l.], v. 11, n.
1, p. 63-90, Dez. 2010. ISSN 2179-7943. Disponível em:
<http://editora.unoesc.edu.br/index.php/espacojuridico/article/view/1939>. Acesso em: 31 dez.
2017. p. 82
155
RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 4ª
edição. São Paulo: Saraiva, 2014. pp. 233-234.
156
SOARES, João Batista Berthier Leite; TAVARES, Ana Lucia de Lyra. Normas constitucionais
programáticas Dissertação (mestrado)-Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
Departamento de Direito, 1996. p. 50
157
Ibid. p. 51
158
Ibid. p. 77
159
Ibid. pp. 79-80
70

Em razão do reconhecimento das vicissitudes decorrentes da atuação do


Judiciário quando substituto da vontade dos Poderes Executivo e/ou Legislativo,
não somente pelas razões apresentadas no capítulo primeiro, mas, sobremodo,
pelo fato de que, diante de várias prioridades concorrentes, cada uma delas
apresentar múltiplas soluções possíveis, o resultado ótimo de qualquer escolha é
dependente da sua aplicação coerente e prolongada no tempo. E tais
características não são atendidas por decisões judiciais, mesmo aquelas de
caráter coletivo, mas sim por meio de planos de governo e/ou uma legislação
que determine a forma de atendimento de uma demanda.
Para fins do presente trabalho, adota-se a premissa de que,
principalmente, os problemas de coordenação (proficuamente abordados no
capítulo primeiro) constituem um óbice para que o Judiciário tenha um papel
preponderante na implementação dos direitos sociais, o que não se confunde
com a inércia.
Em face da aporia verificada, qual seja, a inaptidão do Judiciário para
lidar com as escolhas inerentes a conflitos distributivos, propõe-se aqui um novo
de controle no qual a função preponderante do Judiciário seria evitar que o
dispêndio público seja utilizado apenas ou preponderantemente em benefício de
sua elite dominante, seja pela utilização de mecanismos de rent-seeking160 ou
simplesmente pela abdicação do exercício de seu caráter pastoral, atuando o
Estado-Administração sem a atenção devida com as camadas mais vulneráveis
da sociedade.
A apropriação do aparelho estatal (bem como de seus recursos) seria ao
menos vigiado em razão da vedação constante no artigo 2.2 do referido Pacto
internacional, o qual expressamente proíbe qualquer tipo de discriminação no
gozo dos direitos assegurados naquele Pacto. Veja-se:

“ARTIGO 2º
2. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a garantir que os
direitos nele enunciados e exercerão sem discriminação alguma por motivo
de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza,
origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer
outra situação.”161 (Grifou-se)

160
Para uma aplicação do conceito de rent-seeking em língua portuguesa, ver: RIBEIRO, Ricardo
Lodi. PEC 241: Austeridade seletiva ou rent-seeking. Disponível em:
http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/Ricardo-Lodi-Ribeiro/pec-241-austeridade-seletiva-
ou-rent-seeking Acesso em: 12 dez. 2016.
161
BRASIL. DECRETO N.º 591, de 06 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Promulgação. D.O.U de 07 de julho de 1992.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm Acesso em: 03
jan. 2018.
71

Deste modo, estabelece-se internacionalmente um padrão mínimo de


conduta ao qual o Governo brasileiro está adstrito, qual seja, a de que a fruição
dos direitos estabelecidos em referido Pacto não seja condicionada por critérios
de distinção proibidos, tais como raça, gênero, orientação sexual e/ou identidade
de gênero, idade, etc.
Com efeito, abre-se a possibilidade de se contestar a convencionalidade
de uma política pública não somente com base no descumprimento objetivo de
um direito assegurado pelo Pacto Internacional, mas também quando a fruição
de um dos direitos constantes no pacto em questão for desigual em razão de
uma ação ou omissão estatal.
Tendo-se mostrado que a utilização do Pacto Internacional permite a
aferição da convencionalidade dos atos normativos, a seguir, serão
apresentadas algumas das mais inovadoras formas de utilização do Pacto
Internacional para o controle dos efeitos discriminatórios na implementação de
políticas públicas, as quais consideramos plenamente aplicáveis no caso
fluminense e extensíveis ao âmbito nacional.

4.3
Os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Controle de Políticas
Públicas

Esta seção apresentará os critérios de efetivação dos direitos


socioeconômicos e culturais, bem como de sua relação com a análise do
orçamento público.
Neste sentido, será realizada uma pesquisa doutrinária assente
fundamentalmente nos escritos de Rory O’Connell e Aiofe Nolan, bem como das
opiniões emitidas pelo Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
para estabelecer quais os critérios para a progressiva realização dos direitos
supramencionados. Ainda, estabelecendo-se prioridades para os gastos públicos
em benefício da prestação direta de serviços à população, dotados de caráter
universal, em detrimento de serviços que beneficiem principalmente os grupos
mais privilegiados da sociedade.
Para a verificação acerca do cumprimento de um direito específico,
salientam Rory O’Connell e Aiofe Nolan que há a necessidade de se estabelecer
claramente o que se quer aferir, devendo-se construir o significado substantivo
72

de certo direito socioeconômico ou cultural, para, posteriormente, estabelecer-se


as obrigações legais decorrentes deste direito anteriormente definido162.
As obrigações impostas pelo Pacto Internacional, por sua vez, são as
obrigações de realização progressiva; e também, o dever de não tomar medidas
regressivas, bem como a alocação do máximo disponível de recursos.
O dever de progressiva realização dos direitos elencados no referido
Pacto tem como contraparte a vedação quase que absoluta da implementação
de medidas regressivas, o que implica considerar que o corte de benefícios
existentes, aumento de preços de bens fornecidos pelo Governo ou serviços
prestados, bem como a remoção de proteções legais são todas medidas
possivelmente caracterizáveis como medidas regressivas163.
Salientam O’Connell et al, baseados em AsbjØrne Eide, que os direitos
previstos no Pacto Internacional podem ser classificados como obrigações de
resultado ou obrigações de conduta, sendo as obrigações de conduta
caracterizadas pelo foco na conduta que o agente deve ter ou se abster,
enquanto as obrigações de resultado fulcram sua análise na obtenção ou não de
um resultado que necessariamente deveria ser obtido ou evitado164.
O caráter progressivo dos direitos previstos no Pacto Internacional
pressupõe a imediata atuação em direção ao cumprimento dos direitos previstos,
ainda que a realização integral destes mesmos direitos se protraia ao longo do
tempo, reconhecendo-se que, muitas vezes, a adoção de um corpo normativo
seja indispensável para dar concretude aos direitos socioeconômicos e culturais.
Não obstante, a mera adoção/promulgação de leis relevantes não tem a
capacidade de exaurir por completo o cumprimento das obrigações
165
internacionalmente assumidas .
Assim, a medida legislativa mais importante para a realização dos direitos
socioeconômicos e culturais seria aquela que se valesse da lei orçamentária,
cabendo aos Estados criar instituições e mecanismos para corrigir violações
decorrentes da inadequada dotação orçamentária para satisfazer os direitos
protegidos pelo Pacto Internacional166.
Imprescindível a menção feita por O’Connell et al de que os direitos
socioeconômicos e culturais previstos no Pacto Internacional não

162
O'CONNELL, Rory; NOLAN, Aoife; HARVEY, Colin; DUTSCHKE, Mira; ROONEY,
Eoin. Applying an international human rights framework to state budget allocations: rights and
resources. Routledge, 2014. p. 61
163
Ibid. p. 62
164
Ibid. p. 65
165
Ibid. p. 66
166
Ibid. pp. 66-67
73

necessariamente criam direitos subjetivos a prestações estatais positivas,


cabendo, portanto, aos Estados-signatários determinar o meio mais eficiente
para o cumprimento das obrigações assumidas, sendo, ainda, possível que em
certo país a edificação de um marco regulatório seja mais efetiva para a
proteção de um dos direitos em questão do que a dotação de recursos
orçamentários167.
Reconhece-se que diferentes Estados, cada qual com díspares níveis de
desenvolvimento, têm sua capacidade de dar concretude aos direitos
socioeconômicos e culturais limitada pelos recursos disponível para a
implementação e efetivação desses direitos. Como consequência desta
disparidade, a expectativa quanto ao cumprimento e efetivação dos direitos é
relacional, ou seja, a verificação do cumprimento deve ser compatível com o
nível de desenvolvimento e quantidade de recursos disponíveis168.
O dever de progressiva realização não pode ser reduzido ao mero
incremento de receitas destinadas aos direitos socioeconômicos e culturais.
Pressupõe-se, ao contrário, que os recursos disponíveis sejam utilizados
progressivamente de modo mais eficiente, devendo ser utilizados,
preferencialmente, para a satisfação dos direitos protegidos no Pacto
Internacional169.
Para O’Connell et al, a medição da extensão da progressiva realização
dos direitos em questão é dependente da verificação de seu cumprimento em
relação a grupos específicos, o que só é possível com a obtenção de
informações relevantes ao longo do tempo.
Tais informações devem ser obtidas de modo a permitir a verificação da
implementação e efetividade do direito estudado, com a mensuração do
progresso eventualmente realizado em um certo período. Há também a
necessidade de se estabelecer padrões de desempenho que possibilitem a
realização do dever de medição, ou seja, o dever de progressiva realização
também implica uma obrigação de conduta, relacionada ao estabelecimento de
um processo para a tomada de decisões.
Um processo como este, deve assegurar a participação pública, ser
isonômico e possuir accountability170, ou seja, deve se caracterizar pela

167 167
O'CONNELL, Rory; NOLAN, Aoife; HARVEY, Colin; DUTSCHKE, Mira; ROONEY,
Eoin. Applying an international human rights framework to state budget allocations: rights and
resources. Routledge, 2014. p. 66-67
168
Ibid. p. 67
169
Ibid. p. 68
170
Accountability pode ser definida como sendo relativa ao controle do exercício do poder, sendo
um conceito polissêmico e maleável. Para uma visão mais ampla do tema, ver:
74

existência de controle sobre a atuação dos agentes e resultados obtidos com as


políticas implementadas171.
Seria assim a progressiva realização dos direitos socioeconômicos e
culturais naturalmente flexível e relacional172, consideração esta que tem grande
efeito para o presente trabalho, sobretudo por haver tanto em âmbito fluminense
quanto nacional limitações legais e constitucionais ao aumento real de gastos
públicos, ou seja, enquanto existirem restrições orçamentárias artificiais ao
aumento de gastos públicos, a progressiva realização dos direitos será
intrinsecamente condicionada a uma maior eficiência do gasto público.
Quanto ao dever de não tomar medidas regressivas, caracterizam os
autores como sendo quaisquer medidas deliberadamente tomadas pelo Estado
que representem um retrocesso no nível de proteção conferida aos direitos
socioeconômicos e culturais. Inclui-se nesta hipótese a injustificada redução de
recursos públicos destinadas à efetivação dos direitos socioeconômicos e
culturais, caso ausentes ou insuficientes as medidas mitigadoras para a proteção
dos indivíduos prejudicados pelas medidas173.
Em relação aos efeitos no gozo dos direitos socioeconômicos e culturais,
o presidente do Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais delineou
as condições em que devem ser realizadas políticas de ajuste, como as
implementadas atualmente em âmbito fluminense e nacional. Veja-se:

“[...] Crises econômicas e financeiras, bem como a ausência de crescimento,


impossibilitam a progressiva realização dos direitos socioeconômicos e culturais,
podendo levar ao retrocesso no gozo destes direitos. O Comitê compreende que
alguns ajustes na implementação de alguns dos direitos previstos no Pacto são
algumas vezes inevitáveis. Os Estados-signatários, no entanto, não devem
descumprir as obrigações assumidas por meio deste Pacto.”174

MIGLIORiSI,Stefano; WESCOTT, Clay. A Review of Wordl Bank Support for Accountability


Institutions in the Context of Governance and Anticorruption. IEG Working Paper 2011/5.
Disponível em:
http://lnweb90.worldbank.org/OED/OEDDocLib.nsf/DocUNIDViewForJavaSearch/E13928087B2E4
01085257984006D72A6/$file/IEG-GAC-AccountabilityFinal.pdf. Acesso em: 13 jan. 2018.
171
O'CONNELL, Rory; NOLAN, Aoife; HARVEY, Colin; DUTSCHKE, Mira; ROONEY, Eoin. op cit.
p. 69
172
Ibid. p. 69
173
O'CONNELL, Rory; NOLAN, Aoife; HARVEY, Colin; DUTSCHKE, Mira; ROONEY,
Eoin. Applying an international human rights framework to state budget allocations: rights and
resources. Routledge, 2014. p. 70
174
Nações Unidas. Committee on Economic, Social and Cultural Rights, ‘Letter from CESCR
Chairperson to States Parties in the context of the economic and financial crisis’,
CESCR/48th/SP/MAB/SW, 16 May 2012 Disponível em:
http://www2.ohchr.org/english/bodies/cescr/docs/LetterCESCRtoSP16.05.12.pdf. Acesso em: 04
jan. 2018.
75

No relativo ao dever de máxima alocação do máximo disponível de


recursos175, concede-se uma margem de discricionariedade ao Estado-signatário
para que este determine a quantidade de recursos utilizados para garantir a
fruição dos direitos socioeconômicos e culturais previstos no Pacto.
Este dever não implica que o Estado deva destinar todos os seus
recursos para assegurar a efetividade dos direitos garantidos pelo Pacto, mas
sim que deve ser utilizada a maior quantidade possível de recursos que possa
ser utilizada sem que se prejudique a fruição dos demais direitos protegidos pelo
referido Pacto176.
Deste modo, chama-se a atenção para o fato de, não obstante ser a
política fiscal a ferramenta por excelência que o Estado tem para redistribuir
renda, os efeitos das medidas adotadas no referido Plano de Recuperação
Fiscal não foram avaliados nem pelo prisma da fruição dos direitos
socioeconômicos e culturais tampouco em relação aos efeitos sobre a
desigualdade.
Aponta O’Connell et al que, embora discerníveis os conceitos de
progressiva realização dos direitos e máximo disponível de recursos, a
realização progressiva está diretamente relacionada à quantidade de recursos
disponíveis. Ainda, a obrigação de utilização do máximo disponível de recursos
pressuporia o uso efetivo e eficiente dos recursos e a vedação do desvio dos
recursos destinados à fruição dos direitos protegidos pelo Pacto, bem como a
não-utilização ou contingenciamento de recursos em razão da má-administração
ou corrupção177.
Ponto primordial para a avalição do cumprimento do máximo disponível
de recursos é o da suficiência ou da adequação, ou seja, é a verificação se a
quantidade de recursos dispendido pelo Estado é suficiente para garantir o gozo
dos direitos previsto no Pacto. Deste modo, há a necessidade de se estabelecer
em âmbito nacional e internacional padrões mínimos para o dispêndio de
recursos com os direitos socioeconômicos e culturais178.

175
Máximo disponível de recursos é definido por Ignacio Saiz como uma das funções
preponderantes da tributação, por gerar recursos para o financiamento de políticas públicas
relacionadas à efetivação dos direitos humanos, seu potencial para redistribuição de recursos para
reduzir as desigualdades sociais e seu papel para solidificar os laços de accountability entre o
Estado e a cidadania. SAIZ, Ignacio. Resourcing Rights: Combating Tax Injustice from a Human
Rights Perspective In O'CONNELL, Rory; NOLAN, Aoife; HARVEY, Colin. Human Rights and
Public Finance: Budgets and the Promotion of Economic and Social Rights (Human Rights Law in
Perspective) (Locais do Kindle 2143-2145). Bloomsbury Publishing. Edição do Kindle.
176
O'CONNELL, Rory; NOLAN, Aoife; HARVEY, Colin; DUTSCHKE, Mira; ROONEY, Eoin . op. cit.
p. 74
177
Ibid.
178
Ibid. p. 75
76

Considera-se que o uso de critérios discriminatórios é vedado nos termos


do Pacto Internacional, não servindo como critérios hígidos o status social e
econômico de uma pessoa ou grupo, propriedade, local de residência e sexo,
entre outros critérios. Como consequência, o Comitê sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais no General Comment No. 14, compreendeu que a equidade
demandaria que as residências mais pobres não deveriam ser
desproporcionalmente afetadas com gastos em saúde, quando comparadas com
as residências mais ricas, ou seja, deveria ser assegurada a disponibilidade e
acessibilidade aos equipamentos de saúde sem que este acesso se desse em
bases discriminatórias179.
Num ponto mais enfático do General Comment No. 14, específico sobre
o direito à saúde, abordou-se duas questões absolutamente acordes com a
posição defendida no presente trabalho, quais sejam, de um lado, a adoção de
políticas igualitárias para o acesso aos serviços públicos e, de outro, que haja a
desagregação das informações sobre saúde entre outros direitos cobertos pelo
Pacto, permitindo-se aferir seu cumprimento com base no sexo, raça e dados
socioeconômicos das pessoas.
Neste sentido, manifestou-se o Comitê sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais:

“19. Com relação ao direito à saúde, igualdade de acesso a cuidados médicos


deve ser enfatizada. Os Estados-signatários têm a obrigação especial de prover
aqueles que não tem recursos suficientes com seguro saúde a acesso a
instalações médicas, bem como prevenir discriminação com base em critérios
internacionalmente proibidos a prestação de atendimento médico e serviços de
saúde, especialmente em relação ao núcleo mínimo do direito à saúde. A
alocação inapropriada de recursos destinados à saúde pode levar à
discriminação (ainda que não ostensiva). Por exemplo, investimentos não devem
ser desproporcionalmente destinados para serviços médicos de alto custo os
quais são frequentemente acessíveis apenas para uma pequena parcela
privilegiada da sociedade, ao invés os recursos devem ser destinados
precipuamente para cuidados primários e medicina preventiva, a qual beneficia
uma muito mais ampla parcela da sociedade.”180

Concluem os autores que a utilização do máximo disponível de recursos


não se limita tão-somente à quantidade de recursos financeiros disponibilizados,

179
Nações Unidas. ComESCR, General Comment No. 14, on the Right to the Highest Attainable
Standard of Health, paragraph 12 (b). Disponível em :
http://docstore.ohchr.org/SelfServices/FilesHandler.ashx?enc=4slQ6QSmlBEDzFEovLCuW1AVC1
NkPsgUedPlF1vfPMJ2c7ey6PAz2qaojTzDJmC0y%2b9t%2bsAtGDNzdEqA6SuP2r0w%2f6sVBGT
pvTSCbiOr4XVFTqhQY65auTFbQRPWNDxL Acesso em: 05 jan. 2018.
180
Nações Unidas. ComESCR, General Comment No. 14, on the Right to the Highest Attainable
Standard of Health, paragraphs 19 and 20. Disponível em:
http://docstore.ohchr.org/SelfServices/FilesHandler.ashx?enc=4slQ6QSmlBEDzFEovLCuW1AVC1
NkPsgUedPlF1vfPMJ2c7ey6PAz2qaojTzDJmC0y%2b9t%2bsAtGDNzdEqA6SuP2r0w%2f6sVBGT
pvTSCbiOr4XVFTqhQY65auTFbQRPWNDxL. Acesso em: 05 jan. 2018.
77

mas inclui também recursos informacionais, técnicos, organizacionais, humanos,


naturais e administrativos. Assim, o cumprimento do dever de aplicação da
máxima quantidade de recursos disponíveis implicaria também o dever de
assegurar recursos suficientes para uma administração eficiente dos programas
destinados à efetivação dos direitos protegidos no Pacto181.
Tendo sido expostos os principais caracteres da complexa interação
entre a aplicação de recursos públicos e a garantia do gozo dos direitos
socioeconômicos e culturais assegurados pelo Pacto, passa-se agora a um
ponto que fora anteriormente denominado como defensivo, mas que, como será
adiante exposto, é crucial para a ideia de se evitar que os efeitos decorrentes da
aplicação do Regime de Recuperação no Rio de Janeiro (e por extensão no Rio
Grande do Sul, Estado que já solicitou sua entrada neste regime extraordinário)
sejam distribuídos de modo desproporcionalmente desigual entre os habitantes
do Estado do Rio de Janeiro.

4.4
A Vedação à Discriminação no pacto sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais e a Discriminação Indireta

Nesta seção do trabalho, pretende-se demonstrar o papel que o direito da


antidiscriminação possui para a avaliação das medidas de austeridade
implementadas ou em fase de implementação no Estado do Rio de Janeiro182.
A abordagem aqui escolhida tem uma limitação que precisa ser
salientada, qual seja, com efeito, no Brasil, em particular, os direitos humanos
são estrategicamente desprezados por parte de vários setores sociais e
políticos.
Assim, aplicar essa mesma categoria para defender um certo ideal de
justiça social para a maioria da população brasileira poderia parecer como um
exercício infrutífero.
Contudo, os direitos humanos são primeiramente instrumentos históricos
que possibilitam sempre e não de forma exclusiva as lutas sociais e históricas. E
porque os direitos humanos e os direitos sociais, são negado à maioria da

181
O'CONNELL, Rory; NOLAN, Aoife; HARVEY, Colin; DUTSCHKE, Mira; ROONEY, Eoin . op. cit.
pp. 78-79
182
Medidas estas abordadas nos capítulos 1 e 2 desta dissertação.
78

população brasileira, que precisam ser defendidos e usados como instrumentos


epistemológicos que possibilitam entender as desigualdades sociais183.
Para demonstrar o papel do direito da antidiscriminação, esta dissertação
se baseia tanto no General Comment No. 20, emitido pelo Comitê sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, como também em obra precursora do professor
Roger Raupp Rios sobre o direito da antidiscriminação.
Inicialmente, observa-se que o retromencionado General Comment
explicita o entendimento do Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais sobre o artigo 2º, parágrafo 2º, do Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais.
Em tal análise sobre o referido dispositivo, o Comitê salienta que a
discriminação infirma a efetividade dos direitos reconhecidos no Pacto para
parcela significativa da população mundial, não sendo o crescimento econômico
capaz de, isoladamente, levar ao desenvolvimento sustentável, com indivíduos e
grupos sujeitos à desigualdade socioeconômica. Desigualdade esta,
frequentemente assente em condições históricas e contemporâneas de
desigualdade.
De modo a permitir-se que esses grupos vulneráveis gozem dos direitos
protegidos pelo Pacto em questão, o supramencionado artigo 2º, parágrafo 2º,
obriga a cada um dos Estados-signatários a garantir os direitos assegurados
sem que haja discriminação em relação à raça, cor, sexo, língua, religião, visão
política ou outra opinião, nacionalidade ou origem social, propriedade,
nascimento ou outros status184.
Diante dos restritos objetivos a que este trabalho se propõe, apenas uma
parcela dos critérios vedados de discriminação retromencionados é relevante, já
que o principal ponto de interesse é concernente à discriminação indireta, ou
seja, reconhecesse que o Plano de Recuperação Fiscal não utiliza nenhuma das
categorias de discriminação de indivíduos e grupos convencionalmente vedadas,
mas tal não implica que o efeito sobre grupos específicos não seja
discriminatório.

183
Neste sentido, ver também: CUNHA, José Ricardo. Direito e Marxismo: é possível uma
emancipação pelo direito? / Law and Marxism: is it possible an emancipation by law?. Revista
Direito e Práxis, [S.l.], v. 5, n. 2, p. 422-461, dez. 2014. ISSN 2179-8966. Disponível em:
<http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/13867>. Acesso em: 25 fev.
2018.. doi:https://doi.org/10.12957/dep.2014.13867.
184
Nações Unidas. ComESCR, General Comment No. 20, Non-discrimination in economic, social
and cultural rights (art. 2, para. 2, of the International Covenant on Economic, Social and Cultural
Rights), paragraphs 1 and 2. Disponível em:
http://docstore.ohchr.org/SelfServices/FilesHandler.ashx?enc=4slQ6QSmlBEDzFEovLCuW1a0Sza
b0oXTdImnsJZZVQdqeXgncKnylFC%2blzJjLZGhsosnD23NsgR1Q1NNNgs2QltnHpLzG%2fBmxPj
JUVNxAedgozixcbEW9WMvnSFEiU%2fV. Acesso em: 05 jan. 2018.
79

O estudo, ao menos perfunctório, da discriminação indireta é de relevo


para a compreensão do tema, sobremodo porque o General Comment No. 20
veda tanto a discriminação formal quanto substantiva, havendo um compromisso
material com o exercício igualitário dos direitos em questão.
Neste sentido, são estabelecidas algumas linhas-mestras regentes da
atuação dos Estados-signatários, as quais são abaixo parcialmente
reproduzidas:

“IV. Implementação Nacional


37. A adoção de legislação relativa à discriminação é indispensável para o
cumprimento das obrigações previstas no artigo 2º, parágrafo 2º. Os Estados-
signatários são encorajados a adotar legislação específica proibindo a
discriminação no campo dos direitos socioeconômicos e culturais. Tais leis
devem almejar a eliminação formal e substantiva da discriminação, atribuindo-se
obrigações tanto aos entes estatais quanto privados e cobrir os critérios
interditados de discriminação. Outras leis devem ser regularmente revistas e,
quando necessário, emendadas para assegurar que elas não sejam
discriminatórias ou levem à discriminação, seja forma ou substantivamente, em
relação ao exercício e fruição dos direitos assegurados no Pacto.”185

Para Patrick S. Shin, o direito da antidiscriminação seletivamente proibiria


a consideração quanto ao pertencimento a certos grupos especialmente
vulneráveis, já que os membros destes grupos estariam sujeitos à permanente e
injusta desigualdade que aflige a sociedade, justificando-se o especial
monitoramento de tais categorias interditadas186.
Roger Raupp Rios aponta que, frequentemente, a discriminação advém
de práticas, medidas e decisões aparentemente neutras, cujos resultados geram
impacto diferenciado para diferentes indivíduos ou grupos, podendo ocorrer até
mesmo quando não há intento discriminatório, ou seja, é possível que ocorram
distinções ilegítimas mesmo que involuntárias187188.

185
Nações Unidas. ComESCR, General Comment No. 20, Non-discrimination in economic, social
and cultural rights (art. 2, para. 2, of the International Covenant on Economic, Social and Cultural
Rights), paragraphs 36, 37 e 41. Disponível em:
http://docstore.ohchr.org/SelfServices/FilesHandler.ashx?enc=4slQ6QSmlBEDzFEovLCuW1a0Sza
b0oXTdImnsJZZVQdqeXgncKnylFC%2blzJjLZGhsosnD23NsgR1Q1NNNgs2QltnHpLzG%2fBmxPj
JUVNxAedgozixcbEW9WMvnSFEiU%2fV. Acesso em: 05 jan. 2018.
186
SHIN, Patrick S. Treatment as an individual and the priority of persons over groups in
antidiscrimination law. Duke Journal of Constitutional Law & Public Policy. 1, 107, 2016. ISSN:
1937-9439. p. 112
187
RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.
117
188
Aponta-se a crítica de Lauren B. Edelman, Aaron C. Smyth, e Asad Rahim sobre o alcance do
direito da antidiscriminação, apontando-se que: “[...] Nós temos alegado que as falhas do direito da
antidiscriminação são causadas precipuamente por causa de uma discrepante presunção entre as
civil rights law e a realidade das dinâmicas de raça e gênero no ambiente de trabalho. A filosofia do
direito tem assumido que a discriminação é resultado de atos abertos de discriminação
perpetrados por sujeitos identificáveis (...) No entanto a literatura de Teoria Crítica da Raça e
estudos empíricos sociojurídicos têm demonstrado que tais presunções são imprecisas. Ao
contrário, discriminação e desigualdade são construídas sobre uma estrutura organizacional e são
pervasivas na sociedade [...] in EDELMAN, LB; SMYTH, AC; RAHIM, A. Legal Discrimination:
80

Assim, a discriminação seria um fenômeno objetivo e difuso, cujo


enfrentamento seria dependente tanto da censura às suas manifestações
explícitas ou dissimuladas, quanto daquelas involuntárias, ou seja, onde
inexistente a vontade de discriminar189.
Pode-se traçar a origem do conceito de discriminação indireta no direito
da antidiscriminação norte-americano, cujo leading case foi Grigs v. Duke
Powers, Co., bem como do denominado disparate impact, forma como a doutrina
norte-americana se refere à discriminação indireta190.
No mencionado leading case, o Tribunal, ao analisar os impactos práticos
das medidas implementadas, verificou que os testes propostos penalizavam
desproporcionalmente os negros quando comparados com os funcionários
brancos da empresa, decidindo o Tribunal que o conceito de discriminação
deveria ser interpretado amplamente, alcançando não somente as medidas
deliberadamente discriminatórias, como também aquelas dotadas de impacto
racial diferenciado (entendimento este que pode ser estendido para todas as
demais categorias interditadas de discriminação de acordo com o Pacto)191.
Ressalta-se ainda que, frequentemente, as minorias são prejudicadas
pela passividade estatal diante da discriminação, sendo a aplicação do disparate
impact considerada constitucional pela Suprema Corte dos Estados Unidos192193.
Roger Raupp Rios considera que o direito brasileiro também veda a
discriminação e que tal proibição tem assento constitucional, como inclusive
reconhece o Supremo Tribunal Federal. Para referido autor, o conteúdo
antidiscriminatório integra o núcleo essencial do princípio constitucional da
igualdade, tendo a vedação à discriminação indireta legitimidade
194.
constitucional
Segundo David Oppenheimer, a discriminação seria um fenômeno mais
próximo da conduta negligente que de uma pretensa intencionalidade, raciocínio
este que reforçaria uma concepção de discriminação indireta. Em consonância

Empirical Sociolegal and Critical Race Perspectives on Antidiscrimination Law. ANNUAL REVIEW
OF LAW AND SOCIAL SCIENCE, VOL 12. 12, 395-415, 2016. ISSN: 15503585. p. 15
189
Para uma visão concorrente à apontada por Roger Raupp Rios, ver: STARK, Barbara. How the
age of rights became the new Gilded Age: from international antidiscrimination law to global
inequality. Columbia Human Rights Law Review. 1, 151, 2015. ISSN: 0090-7944.
190
STARK, Barbara. How the age of rights became the new Gilded Age: from international
antidiscrimination law to global inequality. Columbia Human Rights Law Review. 1, 151, 2015.
ISSN: 0090-7944. p. 118
191
RIOS, Roger Raupp. op. cit. p. 121
192
Ibid. p. 130
193
Para um uso do disparate impact no direito à moradia, ver: ZASLOFF, Jonathan. THE PRICE
OF EQUALITY: FAIR HOUSING, LAND USE, AND DISPARATE IMPACT. Columbia Human Rights
Law Review. 48, 3, 98, 2017. ISSN: 00907944.
194
RIOS, Roger Raupp. op. cit pp. 131-132
81

com o posicionamento de Oppenheimer, Roger Raupp Rios aduz que seria


pertinente no caso brasileiro a utilização da negligência como critério proibidor e
sancionador da discriminação indireta.
Em síntese, Roger Raupp Rios conclui que a discriminação indireta seria
a violação do princípio da igualdade, sendo o seu combate fundamental para o
enfrentamento da realidade discriminatória brasileira, sobretudo em razão da
ultrajante disparidade entre os indicadores sociais de negros e brancos, quando
segregados, sendo as condições de vida dos negros substancialmente inferiores
à dos brancos195.
No mesmo sentido, o relatório referente ao Brasil demonstra a
preocupação do Comitê para os Direitos da Criança com a discriminação
estrutural contra crianças indígenas e afro-brasileiras, crianças deficientes,
moradoras de rua ou em favelas, etc, sendo apontada a necessidade de
implementação de medidas que proíbam a discriminação e o incitamento à
violência em razão de orientação sexual ou identidade de gênero196.
Especificamente quanto à fruição dos direitos socioeconômicos e
culturais, o relatório sobre o Brasil indica que o direito ao trabalho e a condições
de trabalho justas e favoráveis é gozado desigualmente em razão de critérios
raciais e sexuais, sendo emitida a recomendação de que tanto o governo quanto
à iniciativa privada tomem medidas para reduzir a disparidade relativas ao
supramencionado direito197.
Conclusivamente, então, pode-se afirmar que, tal como será esclarecido
na seção seguinte, uma disparidade a fruição dos direitos em questão, mesmo
que não configure uma violação direta aos direitos protegidos pelo Pacto
Internacional, constituiria per se uma violação ao dever de não-discriminação198.

195
Ibid. pp. 152-153
196
Nações Unidas. Human Rights Council. Working Group on the Universal Periodic Review.
Twenty-seventh session. Report of the Office of the United Nations High Commissioner for Human
Rights. Compilation on Brazil. Disponível em: https://documents-dds-
ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G17/045/78/PDF/G1704578.pdf?OpenElement. Acesso em: 05 jan.
2018. p. 2
197
Ibid. p, 6
198
Para uma visão interseccional da discriminação, veja-se em língua portuguesa: RIOS, Roger
Raupp; SILVA, Rodrigo da. Democracia e direito da antidiscriminação: interseccionalidade e
discriminação múltipla no direito brasileiro. Cienc. Cult., São Paulo , v. 69, n. 1, p. 44-49, Mar.
2017 . Available from <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-
67252017000100016&lng=en&nrm=iso>. access on 12 Jan. 2018.
http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000100016 e CRENSHAW, Kimberle. "Documento para
o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero". Revista de
Estudos Feministas, v.7, n. 12, p. 177. 2002.
82

4.5
O Controle de Convencionalidade e o Dever de Não-Discriminação

Defende-se na presente seção que a utilização conjugada do controle de


convencionalidade com o dever de não-discriminação previsto no artigo 2º,
parágrafo 2º, do Pacto Internacional, possibilita novas e amplas possiblidades de
controle da atuação estatal, mais amplas que aquelas presentes na tentativa de
se dotar os direitos sociais de aplicabilidade imediata.
Para tanto, utiliza-se principalmente de Aaron Felmeth para demonstrar a
interpretação corrente da Convenção Europeia de Direitos Humanos em relação
ao direito da antidiscriminação.
O dever de não-discriminação embora muito frequentemente corresponda
ao respeito a um direito assegurado no Pacto Internacional, tem efetividade
própria, ou seja, é capaz de regular situações independentemente de ocorrer
uma violação ao direito “material”, sendo aqui visto como um dever
procedimental.
Neste sentido, Aaron Fellmeth colaciona exemplos na jurisprudência da
Corte de Estrasburgo em que se verifica que um Estado que concede um
benefício ou impõe um ônus no âmbito de um direito não deve discriminar
arbitrariamente. Tal leva à conclusão que a Convenção Europeia de Direitos
Humanos proíbe discriminação arbitrária em matérias não necessariamente
tratadas como um direito humano protegido, como nos casos de adoção ou
exercício de uma determinada profissão199.
Muito apropriadamente, aponta-se que um Estado que deliberadamente
aplicasse medidas discriminatórias contra um determinado grupo (utilizando-se
de critério vedado, ou seja, objetivando prejudicar os mais vulneráveis),
sobretudo se a característica na qual se baseia esta discriminação é vista como
imutável ou involuntária, tem efeitos mais graves ao grupo em questão que
aquelas medidas cujo intento é ser neutra em relação aos diferentes grupos200.
Desta forma, o Direito Internacional dos Direitos Humanos veda tanto a
discriminação direta quanto a indireta, ou seja, não se parte do pressuposto que
o Estado teria atuado com boas ou neutras intenções, englobando as cláusulas
antidiscriminatórias no Direito Internacional a interdição tanto quanto aos

199
FELLMETH, Aaron Xavier. Paradigms of International Human Rights Law. Oxford University
Press, 2016. p. 142
200
Ibid. pp. 159-160
83

propósitos explicitamente discriminatórios quanto a efeitos materialmente


discriminatórios201.
Pode-se encontrar medidas que fustiguem os grupos vulneráveis ou
minoritários sem que haja um intento explicitamente discriminatório, ou seja, é
possível que medidas que produzam um disparate impact em grupos
similarmente situados seja uma possível violação do dever de não-
discriminação, estando a legitimidade dessas medidas condicionadas a
existência de bases objetivas e razoáveis para a sua implementação202.
Com efeito, os desafios decorrentes da discriminação indireta requerem
que as autoridades de direitos humanos examinem não somente os atos
alegadamente discriminatórios, mas também os aspectos demográficos,
estatísticos e outras contribuições das ciências sociais, uma vez que uma
política aparentemente neutra pode prejudicar um grupo vulnerável em razão de
diferenças reais ou percebidas entre o grupo fustigado e os grupos
majoritários203.
Neste sentido, abre-se a possibilidade se verificar a respeito à não-
discriminação na aplicação do binômio arrecadação-dispêndio de recursos
públicos, desde que seja estabelecido o imprescindível suporte técnico-científico
e estatístico para tanto.
Tal perspectiva parece virtuosa por permitir que se faça no Brasil tanto
em âmbito nacional quanto local a análise dos efeitos de certas políticas
tributárias (arrecadatórias) ou políticas públicas (dispêndio) sobre grupos
vulneráveis. Assim, pode-se verificar se políticas formalmente isonômicas na
definição da alíquota de impostos ou isenções (tax breaks) têm efeitos
prejudiciais a grupos minoritários da sociedade.
Nesse esteio, seria possível aferir se, com base nos hábitos de consumo
de mulheres, a sua alíquota efetiva seria maior que aquela paga por homens
com o mesmo rendimento, disparidade esta que exigiria a adoção de medidas
legislativas e executivas (como a diminuição de alíquotas de ICMS sobre
produtos consumidos desproporcionalmente por mulheres no âmbito estadual).
Da mesma forma, ter-se-ia um instrumento para verificar se o dispêndio
de recursos públicos para determinado fim (como saúde ou educação) é
usufruído isonomicamente pelo território fluminense (objeto do presente estudo),

201
Ibid. pp. 160-161
202
Ibid. p. 161
203
FELLMETH, Aaron Xavier. Paradigms of International Human Rights Law. Oxford University
Press, 2016. p 162
84

ou seja, permite-se que o dispêndio público seja verificado pela ausência de


efeitos discriminatórios sobre as categoriais interditadas de discriminação.
Caso verificado um disseminado e severo disparate impact em relação a
uma dessas “populações protegidas”, não poderia o Estado opor como óbice
para o cumprimento de suas obrigações quanto ao dever de não-discriminação
limitações de cariz orçamentário, já que a medida corretiva não implica
necessariamente a utilização de novos recursos, mas sim uma distribuição de
recursos (não exclusivamente financeiros, mas também técnicos e gerenciais)
mais equânime dos recursos já disponíveis.
Deste modo, caso um entendimento como o aqui exposto seja
reconhecido e adotado pelos poderes constituídos, uma perspectiva muito
menos condicionada por limitações orçamentárias seria aplicável à proteção dos
direitos socioeconômicos e culturais (objeto desta dissertação), mas cuja lógica
subjacente e compromisso isonômico são plenamente extensíveis para os
direitos civis e políticos.
No cenário aqui apresentado, ao invés de o Judiciário imiscuir-se em
questões orçamentárias, determinando ou desvirtuando as rubricas
orçamentárias, já que os Executivos federal e locais passaram a
progressivamente prever recursos para o cumprimento de decisões judiciais
concessivas de prestações positivas, recomenda-se que a atuação do Judiciário
privilegie a busca por aspectos discriminatórios na efetivação ou elaboração de
políticas públicas.
Tendo-se verificado a possibilidade de utilização do Pacto Internacional
como parâmetro de controle da convencionalidade da atuação estatal, também
sendo especificado que tal controle interdita tanto a utilização de critérios
flagrantemente discriminatórios pelo Estado quanto critérios que sejam
formalmente isonômicos, mas que tenham produzam um disparate impact, o
capítulo subsequente abordará as formas como a análise orçamentária tem
contribuído para assegurar uma fruição isonômica dos direitos socioeconômicos
e culturais no âmbito internacional.
5
Conclusões Parciais: a busca de alternativas à escassez e
a experiência internacional

O presente capítulo tem por desiderato a concatenação das ideias


apresentadas nos capítulos antecedentes, em que foi exposto o liame entre os
pressupostos de uma gestão estatal nos moldes neoliberais e a efetivação dos
direitos socioeconômicos e culturais.
Para tanto, utilizou-se do entrelaçamento entre os pressupostos do
Estado neoliberal, caracterizado sob o prisma macroeconômico pela primazia de
premissas de controle dos índices de inflação e preocupação com a estabilidade
da dívida pública, o que previsivelmente limita as possibilidades de o Estado
obter receitas outras que aquelas advindas da alienação de ativos ou da
arrecadação de tributos, e o conceito fundamental de escassez.
Tal conexão é fundamental para compreender-se como a ideia de
escassez condiciona as possibilidades de atuação do aparelho estatal, cuja
atuação tem como ápice o dispêndio público organizado por meio de um
orçamento. Um conceito de escassez que surge com a economia política
moderna e se desenvolve nos séculos XX e XXI, com o liberalismo e o
neoliberalismo, para justificar o sacrifício das partes mais vulneráveis da
população para desenvolver os interesses da minoria mais poderosa.
O esclarecimento desta conexão é feita por meio de uma investigação
doutrinária baseada principalmente nos escritos de Bobbit e Calabresi, os quais
são fundamentais para a compreensão da ideia de escassez e das escolhas
trágicas advindas de sua existência.
Intenta-se com isto subsidiar a elaboração de políticas públicas que
favoreçam as camadas mais vulneráveis da sociedade enquanto se reconhece
que a capacidade de atuação estatal é limitada durante crises de natureza
econômica e/ou fiscal.
Assim, a elaboração de programas governamentais (dependentes de
dispêndio público) que privilegiem as populações mais vulneráveis compete com
outras prioridades públicas, sendo a sua criação mais factível caso os custos
associados à efetivação destes programas sejam baixos quando comparados
com os resultados sobre sua população-alvo.
86

Neste cenário, vive-se sob a égide do que pode ser denominado


“realismo orçamentário”, ou seja, o dispêndio público é essencialmente limitado
pela capacidade de arrecadar tributos da sociedade e de obter financiamentos
(pressupondo uma trajetória estável da dívida pública). Tal realismo
orçamentário tem como efeito amplificar as crises sob a perspectiva social, já
que diante de uma crise econômica e da previsível queda da arrecadação
tributária, o Estado vê-se desprovido de mecanismos anticíclicos para manter
estável o nível de prestação de bens públicos à sociedade.
Como resultado, foram implementadas políticas com a intenção de
reduzir o dispêndio público, reduzindo-se assim o descompasso nas contas
públicas do ente federativo. No entanto, como já exposto na presente
dissertação e verificado na experiência comparada, os cortes orçamentários,
frequentemente, (mesmo que não deliberadamente) têm efeitos profundamente
desiguais entre os diversos grupos sociais.
Isto porque usualmente os membros dos grupos socialmente vulneráveis
são mais pobres que a média da população e, portanto, mais dependentes da
declinante prestação de serviços públicos ou vivem em regiões mais pobres e
desproporcionalmente afetadas pelos cortes de gastos públicos.
Assim, o reconhecimento da escassez para o planejamento de políticas
públicas assume um papel ambivalente, propiciando tanto uma discussão e,
logo, explicitação dos mecanismos utilizados para lidar com a escassez, quanto
à possibilidade de estabelecimento de medidas acautelatórias da isonômica
fruição dos direitos socioeconômicos e culturais.
Pressupõe-se que em países como o Brasil, no qual as políticas públicas
são pensadas sem que a escassez seja considerada, ou seja, usualmente as
políticas desconsideram métricas para aferir a efetividade dos programas
governamentais, os critérios para informar quais bens públicos serão providos
(destinação de recursos públicos e pessoal), em que medida e para quem, são
naturalizados.
Por naturalização, entende-se aqui a ausência de explicitação dos
critérios que informaram a escolha, isto é, a determinação de qual o público
preferencialmente destinatário de determinadas políticas ou bens, que muitas
vezes se manifesta como uma não-escolha. Esta falta de escolha se manifesta
nas belas palavras de Calabresi e Bobbitt como “[...] Fazendo com que o
resultado pareça necessário, inevitável, ao invés de escolhido, numa tentativa de
87

converter uma escolha trágica em algo que seja meramente um fatal


infortúnio”204.
Assim, a atitude consistiria em evitar-se uma escolha consciente, com o
método de escolha não sendo explicitamente afirmado e, possivelmente,
desconhecido pela população. As decisões quanto à destinação dos recursos
públicos ocorreriam assim na sociedade sem quaisquer seleções explícitas205.
Embora deva-se reconhecer que uma não-escolha tem o propósito de
evitar que os cidadãos tenham consciência quanto à própria realização de uma
escolha, evitando-se os custos sociais advindos de uma escolha numa decisão
trágica, a consciência quanto às escolhas implícitas feitas pelos agentes públicos
permite combater a alocação iníqua dos bens públicos em benefício das classes
mais privilegiadas206.
Segundo Calabresi e Bobbitt, em relação à concessão de bens escassos,
a sociedade deve decidir quais os métodos de alocação irão utilizar (mercados,
alocações políticas, loterias, etc), sendo reconhecido que a distribuição desses
bens pode implicar grande sofrimento ou até mesmo a morte, legitimando que tal
escolha seja feita de modo a preservar a fundamentação moral da colaboração
social207.
Tal escolha seria precedida pela definição das determinações de primeira
ordem, as quais definem a quantidade total do bem escasso, enquanto as
definições de segunda ordem são atinentes à forma de distribuição dos recursos
disponíveis por meio da decisão de primeira ordem208.
Em crítica percuciente, aponta-se que a menos que se esteja diante de
uma escassez absolutamente natural, toda decisão de primeira ordem contradiz
a alegação de que um certo bem não tem preço209.
Comumente, escassez não é fruto de uma absoluta falta de recursos,
mas sim de uma decisão da sociedade que não está disposta a abandonar
outros bens e benefícios em quantidade suficiente para eliminar a escassez210.
No mesmo sentido, Gustavo Amaral leciona que os autores mais
preocupados com a efetividade das normas constitucionais não se ocuparam

204
CALABRESI, Guido & BOBBIT, Philip. Tragic Choices. New York: Norton, 1978. p. 21
205
Ibid.pp. 44-45
206
Ibid. p. 48
207
Ibid. p. 18
208
Ibid. p. 19
209
Ibid. p. 19
210
Ibid. p. 22
88

detidamente sobre as questões distributivas, dado que não fizeram uma análise
apurada sobre os efeitos práticos advindos da concessão de um certo direito211.
Assim, especialmente no caso da saúde, o critério de alocação define
tanto as pessoas que serão alvo quanto aquelas que serão colhidas pelo
infortúnio212.
Deste modo, a discussão quanto à efetivação dos direitos
retromencionados depende da apropriada alocação dos recursos públicos para o
atendimento das necessidades socialmente determinadas.
Neste sentido, o dispêndio público pode ser aplicado privilegiando áreas
não-essenciais em detrimento de outras capazes de produzir um resultado
socialmente mais justo. Como exemplo, o Comitê sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais213 abordou em seus General Comments214 No. 13 e 14 as
abordam como as despesas atinentes à educação e à saúde deveriam privilegiar
tanto o gasto com o atendimento dos usuários quanto o aspecto universal dos
serviços prestados, ao invés de desvio dos recursos com gastos administrativos
Com efeito, a adoção das recomendações feitas no General Comment
No. 14, relativos ao orçamento dedicado à saúde, recomendam que o gasto seja
concentrado na atenção primária e preventiva em detrimento da atenção
terciária, bem como a prestação de serviços diretamente à população em
detrimento de atividades administrativas e não-essenciais215.
Da mesma forma, recomendou-se que gastos com educação fossem
prioritariamente investidos na educação primária, tal como estabelecido no
General Comment No. 13, no entanto, comumente os governos destinam
maiores fundos para a educação secundária e superior216.
Tais orientações são de extrema utilidade no caso brasileiro, sobretudo
considerando-se a atuação judicial na efetivação do direito à saúde217, atuação

211
AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 177
212
Ibid. p. 181
213
O Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais é um órgão composto por 18
especialistas em direitos humanos que se reporta anualmente ao Conselho Econômico e Social
das Nações Unidas. Disponível em: http://www.ohchr.org/en/hrbodies/cescr/pages/cescrindex.aspx
Acesso em: 10 jan. 2018.
214
General Comments são comentários elaborados pelo Comitê sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais com o fito de esclarecer os deveres dos Estados-signatários em relação ao
Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966. Disponível em:
http://docstore.ohchr.org/SelfServices/FilesHandler.ashx?enc=4slQ6QSmlBEDzFEovLCuW1a0Sza
b0oXTdImnsJZZVQcIMOuuG4TpS9jwIhCJcXiuZ1yrkMD%2fSj8YF%2bSXo4mYx7Y%2f3L3zvM2z
SUbw6ujlnCawQrJx3hlK8Odka6DUwG3Y Acesso em: 10 jan. 2018.
215
UNITED NATIONS HUMANS RIGHTS OFFICE OF THE HIGH COMMISIONER &
INTERNATIONAL BUDGET PARTNERSHIP. Realizing Human Rights Through Budget. New York
e Geneva: United Nations. 2017. p. 110
216
Ibid. p. 110
217
De nossa análise quanto à tentativa judicial de efetivação do direito à saúde, verificou-se que
apenas a União gastou no ano de 2015, aproximadamente R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de
89

esta concentrada na concessão de atendimento médico de alta complexidade e


alto custo, com pouquíssimas pessoas sendo auxiliadas por este posicionamento
ativo do Judiciário.
Nas seções subsequentes, serão apresentadas iniciativas que buscam a
otimização do gasto público, seja pelo incremento em sua efetividade seja com a
sua distribuição mais equitativa entre os diversos grupos sociais.

5.1
As Iniciativas de Efetivação do Gasto Público

Como visto nos capítulos antecedentes, a adoção de um modelo


neoliberal baseado no equilíbrio orçamentário e na aplicação de políticas de
austeridade nos períodos de recessão, tem efeitos diretos sobre a fruição dos
direitos socioeconômicos e culturais.
Para analisar as formas de atenuação dos efeitos da austeridade, serão
vistas experiências internacionais, sobremodo na Inglaterra e nos Estados
Unidos, bem como de pesquisa doutrinária demonstrando as dificuldades
decorrentes da multiplicidade de opções para a efetivação dos direitos humanos,
fulcrada na obra de Asher et al, bem como das razões pelas quais há reticência
na implantação de métricas precisas sobre a efetividade das políticas públicas.
Sabe-se que efeitos mais nocivos à fruição dos supramencionados
direitos derivam dos cortes de recursos para o financiamento de políticas
públicas estabelecidas para garantir o acesso aos direitos em questão. No
entanto, especificamente no caso fluminense, não haverá aumento real de
gastos públicos, isto é, os gastos não aumentarão mais que a inflação oficial do

reais) apenas com o cumprimento de decisões judiciais que requeriam a aquisição de


medicamentos e insumos. Enquanto isso, os Estados de Santa Catarina, São Paulo e Minas
Gerais gastaram aproximadamente R$ 775.000.000,00 (setecentos e setenta e cinco milhões de
reais) com o cumprimento de decisões judiciais ao longo do ano de 2014. Indicou o TCU na TC
009.253/2015-7, cujo relator for o Ministro Bruno Dantas, que: “32. Diante da impossibilidade de
ofertar toda e qualquer terapêutica para todos os usuários do SUS, é necessário alocar os
recursos disponíveis de forma racional, considerando critérios de eficácia, segurança e
custo-efetividade. Essa racionalidade alocativa é levada em consideração na formulação e
atualização dos protocolos clínicos e das relações do SUS. 33. Todavia, a judicialização da
saúde reorienta o fluxo do atendimento das necessidades de saúde, com base em
informações e provas contidas em cada processo judicial isolado, inviabilizando uma
racionalidade sistêmica no acesso a ações e serviços de saúde. Desse modo, é indispensável
que o gestor tenha mecanismos eficazes de diagnóstico da situação atual, a fim de tomar decisões
e adaptar estratégias com base em evidências. Dispor de informações completas sobre as
demandas judiciais e de forma sistematizada possibilita ao gestor identificar falhas na gestão,
desperdícios de recursos públicos, prescrições inadequadas e eventuais indícios de fraude. 34.
Por fim, a garantia de acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde também diz
respeito ao princípio da equidade. O acesso equitativo depende de controle, regulação e
transparência, com observância aos critérios legais de priorização.” Disponível em:
http://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/aumentam-os-gastos-publicos-com-judicializacao-da-
saude.htm Acesso em: 16 fev. 2018.
90

ano antecedente, por ao menos 3 (três) anos, sendo possível que não haja
aumento global real de despesas pelos próximos 6 (seis) anos218.
Neste caso, para lidar-se com uma óbvia e previsível restrição de
recursos orçamentários, há a necessidade de se estabelecer medidas
atenuadoras desta escassez intensificada por uma decisão do Legislativo
federal219.
Entre as medidas mais promissoras para atenuar os efeitos da crise
sobre a fruição dos direitos socioeconômicos e culturais estão 2 (duas)
iniciativas: The Behavioral Insights Team (“BIT”) e Rhode Island Innovative
Policy Lab (“RIIPL”)220.
Tais iniciativas, a primeira sendo uma companhia de propósito social da
qual o governo inglês é acionista, e a segunda um think tank associado à Brown
University e ao Office of Governor de Rhode Island, tem a intenção de utilizar o
“estado da arte” na área de ciências comportamentais e utilização de dados para
a elaboração de políticas públicas, já tendo apresentado contribuições
relevantes para incrementar a eficiência e foco das políticas públicas.

218
Lei Complementar Estadual n.º 176/RJ. Estabelece normas e diretrizes fiscais no âmbito do
Regime de Recuperação Fiscal do Estado do Rio de Janeiro. “Art. 1° - Ficam estabelecidas, para
cada exercício, normas e diretrizes para o crescimento das despesas obrigatórias do Orçamento
Fiscal e da Seguridade Social do Estado do Rio de Janeiro, abrangendo o Poder Executivo, o
Poder Judiciário, a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Contas, o Ministério Público e a
Defensoria Pública.
§ 1º - O limite máximo das despesas obrigatórias previstas no caput corresponderá:
I - Para o exercício de 2018, à despesa obrigatória liquidada no exercício de 2015, corrigida em
15,27% (quinze inteiros e vinte e sete por cento);
II- Para os exercícios subsequentes, ao valor do limite máximo fixado para o exercício
imediatamente anterior, corrigido na forma das alíneas “a” e “b” deste inciso, considerando-se
sempre a menor variação:
a) a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, publicado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, ou de outro índice que vier a substituí-lo, para o período de
doze meses encerrado em abril do exercício anterior ao que se refere a lei orçamentária;
b) a variação da Receita Corrente Líquida apurada no primeiro quadrimestre do exercício anterior a
que se refere a lei orçamentária em relação ao mesmo período do exercício imediatamente
anterior.
§ 2º - Se a variação resultante da aplicação do inciso II do parágrafo anterior for negativa, serão
repetidos os limites do exercício anterior ao que se refere a lei orçamentária.” Disponível em:
http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/f25edae7e64db53b032564fe005262ef/351f497288c822cf832
5818b005cf117?OpenDocument&Highlight=0,lei,complementar. Acesso em:18 fev. 2018.
219
Lei Complementar n.º 159, de 19 de maio de 2017. Institui o Regime de Recuperação Fiscal
dos Estados e do Distrito Federal e altera as Leis Complementares no 101, de 4 de maio de 2000,
e no 156, de 28 de dezembro de 2016. Art. 8º São vedados ao Estado durante a vigência do
Regime de Recuperação Fiscal: (...)VIII - a adoção de medida que implique reajuste de despesa
obrigatória acima da variação anual do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA),
ou de outro que vier a substituí-lo, ou da variação anual da receita corrente líquida apurada na
forma do inciso IV do caput do art. 2º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, o que
for menor;
220
Para uma discussão sobre os limites e possibilidades da utilização de aplicações fact-finding,
ver: SATTERTHWAITE, Margaret L; SIMEONE, Justin C. An Emerging Fact-Finding Discipline? A
Conceptual Roadmap for Social Science Methods in Human Rights Advocacy. Public Law & Legal
Theory Research Paper Series Working Paper No. 14-33 Disponível em:
http://ssrn.com/abstract=2468261. Acesso em: 05 fev. 2018..
91

No cenário que se presencia (e também se vislumbra para o futuro


imediato do Estado do Rio de Janeiro), dois são os desafios que se avultam para
se assegurar uma progressiva realização dos direitos socioeconômicos e
culturais e garantir que seu gozo seja usufruído em bases não-discriminatórias: o
primeiro é a ausência da discussão quanto à escassez dos recursos públicos
(que pressuporia a necessidade de priorizar o fornecimento de bens públicos
socialmente mais valorizados); o segundo é virtual inexistência de políticas
mitigadoras dos efeitos do pacote de austeridade sobre os grupos socialmente
mais vulneráveis.
Assim, a adoção de medidas de austeridade (listadas no capítulo
segundo) reduz a disponibilidade de recursos públicos para a execução de
políticas “reparatórias”, uma vez que o conflito distributivo é recrudescido, já que
as mais díspares pretensões e grupos de interesse competem para ver
atendidos seus pleitos por meio de dotações orçamentárias, ou seja, o
estabelecimento de políticas públicas que incentivem ou assegurem suas
pretensões.
Para lidar com a intensificação da escassez, entendida como estratégia
de poder, torna-se também primordial a temática da eficiência operacional e a
eficiência da alocação de recursos públicos. A eficiência operacional consiste na
busca da melhor utilização possível dos recursos disponíveis, ou seja, o combate
incessante de sobrepreços e desperdício de recursos públicos. Enquanto isso, a
eficiência na alocação de recursos públicos tem como meta perquirir qual a
alocação mais eficiente dos recursos públicos existentes221.
Deste modo, a eficiência alocativa pode ser muito importante na
avaliação de qual distribuição faz um uso mais eficiente dos recursos públicos,
bem como na implementação de políticas públicas com o desiderato de ampliar
o acesso aos serviços públicos. Por outro, algumas vezes a adoção desses
preceitos pode ser problemática sob a perspectiva dos direitos humanos.
É dado como exemplo a decisão de construir uma escola em uma área
densamente povoada ou no interior, onde o conjunto de beneficiados será
significativamente inferior. Neste caso, embora sob o prisma da eficiência
operacional seja preferível a construção do equipamento escolar em uma área

221
UNITED NATIONS HUMANS RIGHTS OFFICE OF THE HIGH COMMISIONER &
INTERNATIONAL BUDGET PARTNERSHIP. Realizing Human Rights Through Budget. New York
e Geneva: United Nations. 2017 p. 114
92

densamente povoada, a legislação de direitos humanos veda que as crianças


moradoras de áreas pouco povoadas sejam privadas do direito à educação222.
Nesse ponto, Asher et al destaca a necessidade de se implementar
melhores mecanismos de mensuração e monitoramento sobre a forma de
dispêndio dos recursos públicos e da avaliação dos resultados obtidos223,
apontando como principais dificuldades a ausência de uma sólida base de
dados, ausência de uma linha-base para avaliação dos efeitos de um certo
programa, falta de uma boa análise estatística e a aversão à avaliação
experimental dos programas implementados.
Neste sentido atuou o governo da República Dominicana ao analisar com
sólida base estatística a melhor forma de intervenções na saúde para combater
a prevalência de doenças causadas por parasitas. Comparou-se a atuação
habitual e intuitiva até então utilizada com outras formas de atuação, as quais
produziram melhores resultados a um custo menor, ou seja, os programas eram
efetivos e mais eficientes na análise de custo-benefício224.
Portanto, a avaliação de impactos ambiciona estimar o retorno dos
investimentos na redução da pobreza, analisando os efeitos atribuíveis às
intervenções empreendidas, o que deve ser feito primariamente por meio de
técnicas quantitativas.
Por técnicas quantitativas referem-se aqui aos métodos estatísticos ou
econométricos que, assentes em dados, permitem uma rigorosa estimativa dos
impactos médios de um dado programa. Avaliam-se assim os efeitos para
mensurar se uma dada intervenção é vantajosa quando comparada com as
alternativas tradicionais ou mesmo com a ausência de intervenção, sendo
adequados para mensurar a efetividade de um dado programa.
A ausência de avaliações de impacto sérias advém, para Asher et al, do
caráter utilitário da não-utilização desses instrumentos de medição de eficiência.
Sem uma medição rigorosa do mérito de uma política pública, seus partidários
podem superestimar seus efeitos como mecanismo de convencimento.
Por conseguinte, cria-se um desincentivo para que sejam conduzidas
rigorosas análises de impacto dos programas. Isto porque o primeiro grupo que
conduzir tais estudos de modo rigoroso está assumindo o risco de obter

222
Ibid.
223
FITCH, David J.; WASSENICH, Paul; FIELDS, Paul; SCHEUREN, Fritz; ASHER, Jana. Chapter
12: Statistics and the Millennium Development Goals in ASHER, Jana; BANKS, David;
SCHEUREN, Fritz J. (Org.) Statistical Methods for Human Rights. New York: Springer, 2008 p. 243
224
FITCH, David J.; WASSENICH, Paul; FIELDS, Paul; SCHEUREN, Fritz; ASHER, Jana. Chapter
12: Statistics and the Millennium Development Goals in ASHER, Jana; BANKS, David;
SCHEUREN, Fritz J. (Org.) Statistical Methods for Human Rights. New York: Springer, 2008 p. 249
93

resultados inferiores aos prometidos e, mesmo que os resultados sejam


favoráveis, eles não serão melhores que as estimativas irrealistas dos
proponentes de outras políticas públicas concorrentes. Logo, taticamente, não
há benefícios derivados da condução da análise de impacto de um determinado
programa.
Adicionalmente, o horizonte de análise dos políticos é muito curto, já que
vinculado aos ciclos eleitorais, o que faz com que a condução deste tipo de
estudo seja vista como inútil ou até mesmo como uma ameaça ao seu legado, já
que podem infirmar a efetividade dos programas aplicados durante a sua gestão.
Assim, a realização de tais avaliações deve ser realizada por um conjunto
de agentes que possam analisar o assunto por longos períodos, tais como
Organizações não-governamentais, burocratas e acadêmicos, os quais são
capazes de aplicar as lições aprendidas, tanto erros quanto acertos dos
programas e sistematizar as boas práticas.
Requisitos essenciais para tal exercício incluem a capacidade de realizar
esta análise de modo intelectualmente honesto, isto é, sem que a opinião
apontada prejudique sua progressão na carreira ou a capacidade de
financiamento de seus projetos profissionais caso avalie negativamente uma
certa política225.
Com efeito, verifica-se que um órgão subordinado ao Executivo local não
é o local mais adequado para realizar o tipo de análise aqui proposto, sendo
sugerido nas seções subsequentes que tal mensuração seja feita por uma
assessoria técnica do Legislativo estadual ou mesmo por meio de grupos
interdisciplinares nas instituições fluminenses de ensino superior.

5.2
Os Nudges como um Atenuador do Conflito Distributivo

Tendo sido apontados nas seções antecedentes os impactos da


implementação de uma política neoliberal sobre o gozo dos direitos
socioeconômicos e culturais, propõe-se nesta seção a utilização de mecanismos
“emprestados” da experiência internacional, marcadamente britânica e norte-
americana, para a redução dos efeitos nocivos destas políticas de austeridade
sobre o bem-estar dos grupos socialmente mais vulneráveis.

225
FITCH, David J.; WASSENICH, Paul; FIELDS, Paul; SCHEUREN, Fritz; ASHER, Jana. Chapter
12: Statistics and the Millennium Development Goals in ASHER, Jana; BANKS, David;
SCHEUREN, Fritz J. (Org.) Statistical Methods for Human Rights. New York: Springer, 2008 p. 254
94

No entendimento aqui exarado, tais mecanismos de proteção social


somente serão porventura utilizados caso os benefícios advindos dessas
políticas seja extremamente eficiente, já que grupos socialmente vulneráveis
normalmente não detém o poder político para direcionar os recursos públicos
para o atendimento de suas necessidades mais prementes.
A compreensão da necessidade de formas mais eficazes de suprir as
carências das parcelas mais vulneráveis advém do posicionamento crítico de
Eric Posner em relação aos direitos humanos.
Para Eric Posner, os direitos humanos não seriam um mecanismo
eficiente para que se determine a alocação de recursos públicos, isto porque a
vagueza da linguagem utilizada nesses instrumentos de direitos humanos não é
concreta o suficiente para dirimir os dilemas distributivos.
Assim, os instrumentos internacionais de direitos humanos seriam de
pouca valia para se determinar qual o meio mais eficaz de ajudar a população,
apontando o referido autor, que diante de recursos limitados (escassez), tais
fundos devem ser usados de forma a produzir o bem, ao invés de simplesmente
aplicar-se uma formulação abstrata de direitos humanos de aspecto ocidental226.
Como exemplo, cita Eric Posner que o Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 criou uma série de obrigações para os
estados-signatários, entre elas o direito ao trabalho, saúde, educação e
previdência social. No entanto, o cumprimento destes direitos implica escolhas
quanto ao grau de atendimento de cada um desses direitos227.
Tal necessidade de escolha deriva da finitude de recursos públicos para o
atendimento daquelas necessidades. Como resultado, o fornecimento de cada
um daqueles bens sociais implica a utilização de recursos públicos e a redução
de recursos disponíveis para o atendimento dos demais direitos.
No entanto, os tratados internacionais de direitos humanos não se
constituem como um guia sobre como se deve dar a alocação dos recursos
públicos escassos para o fornecimento de bens públicos.
Desta forma, para que um certo direito convencionalmente previsto no
referido Pacto Internacional seja efetivado adequadamente, pode ser necessário
o aumento de tributos para que seja ampliado o dispêndio de recursos públicos
na educação, saúde ou previdência social. No entanto, esses instrumentos não
definem o quão alto deve ser a tributação, tampouco estabelecem critérios para

226
POSNER, Eric A. The Twilight of the Human Rights Law. New York: Oxford University Press,
2014. pp. 145-146
227
No mesmo sentido, ver também: HOFFMANN, Florian. Revolution or Regression? Retracing the
Turn to Rights in ?Law and Development?. Finnish Yearbook of International Law, v. 23, p. 45-72
95

a avaliação dos possíveis efeitos do aumento de tributos, v.g., aumento da


evasão fiscal e/ou efeitos prejudiciais ao crescimento da economia nacional.
Ainda, há as questões fulcrais sobre como deve ser feita a divisão de
recursos públicos para o atendimento às diversas necessidades sociais,
indagando sardonicamente Eric Posner se o orçamento deveria privilegiar os
gastos com Previdência Social em detrimento dos investimentos em educação e
saúde228229.
Salienta Eric Posner que sequer o estabelecimento de um núcleo mínimo
para os direitos de educação e saúde detém clareza suficiente para discernir
qual seria este conteúdo mínimo, uma vez que se esse núcleo mínimo fosse
fixado em um patamar que todos os estados poderiam cumpri-lo, como resultado
suas disposições seriam insignificantes para a maioria absoluta dos estados230.
Aborda-se ainda que a maioria dos países incorporou os direitos
econômicos às suas constituições, mas que raramente seus tribunais aplicariam
esses direitos.
A visão tradicional dos tribunais é a de tratar os direitos socioeconômicos
como aspiracionais, cuja implementação dependeria da atuação estatal, sendo
apontado que, excepcionalmente, em países como o Brasil, os tribunais
assumiram um papel mais proativo na implementação desses direitos, com
resultados desabonadores231.
Desta feita, entende-se que os direitos humanos assumem o papel de
garantidores de um equilíbrio precário, estabelecendo qual a factível qualidade
de vida que um cidadão pode esperar de seu país dentro da ordem capitalista e
do grau de desenvolvimento econômico apresentado. De outra forma, é como se
estabelecessem o universo do possível, ausentes as possibilidades
232
revolucionárias .

228
HOFFMANN, Florian. Revolution or Regression? Retracing the Turn to Rights in Law and
Development?. Finnish Yearbook of International Law, v. 23, pp. 87-89
229
No ano de 2017, o orçamento do governo federal previa um gasto com Previdência Social R$
151.845.382.943,00 (cento e cinquenta e um bilhões, oitocentos e quarenta e cinco milhões,
trezentos e oitenta e dois mil e novecentos e quarenta e três reais) superior ao gasto somado com
Educação e Saúde. Disponível em: http://dapp.fgv.br/transparencia-orcamentaria/mosaico/ Acesso
em: 07 fev. 2018.
230
POSNER, Eric A. The Twilight of the Human Rights Law. New York: Oxford University Press,
2014. pp. 87-89
231
Ibid. pp. 87-89
232
Aqui, compartilha-se a percuciente crítica de Boaventura de Sousa Santos para quem: “[...]A
absorção da emancipação pela regulação – fruto da hipercientificização da emancipação
combinada com a hipermercadorização da regulação –, neutralizou eficazmente os receios outrora
associados à perspectiva de uma transformação social profunda e de futuros alternativos. Todavia,
produziu ao mesmo tempo uma nova sensação de insegurança, motivada pelo receio de
desenvolvimentos incontroláveis, que pudessem ocorrer aqui e agora, precisamente como
resultado da contingência e da convencionalidade generalizadas de práticas sociais e sectoriais. A
própria regulação desacreditou-se ideologicamente enquanto pilar da modernidade, devido às suas
96

O que aqui se propõe, é a análise tanto dos indicadores sociais quanto


dos indicadores de dispêndio de recursos públicos para verificar se os resultados
são compatíveis com os níveis obtidos por países de similar perfil
socioeconômico.
Com efeito, sobretudo diante do previsível recrudescimento das disputas
pelos escassos recursos públicos, uma perspectiva que se apresenta para a
implantação de políticas voltadas para os segmentos mais vulneráveis da
sociedade é a utilização de nudges.
Nudges são um acrônimo criado por Richard Thaller e Cass R. Sunstein
para identificar quais seriam as características desejáveis a uma boa arquitetura
de escolha, sendo possível obter melhores resultados para os usuários desde
que assente em: incentivos, entendimento de relações entre diferentes
elementos, padrões, feedback, expectativa de erro e estrutura de escolhas
complexas233.
Neste sentido, a utilização da economia comportamental e da ciência de
dados para a criação de políticas públicas mais eficientes (na análise custo-
benefício), que melhorem os resultados obtidos nas políticas atualmente
implementadas e que incrementem a isonomia, gerando oportunidades para
todos, especialmente os grupos socialmente marginalizados, é um instrumento
que deveria ser utilizado pelo governo fluminense para atenuar os efeitos
nocivos ao desfrute dos direitos socioeconômicos e culturais advindos das
medidas implementadas para a reaquisição do equilíbrio fiscal das finanças
públicas estaduais.
A necessidade deste tipo de iniciativa advém da existência de múltiplos
bens socialmente valorizados, mas cujo oferecimento representa um certo
dispêndio que limita a fruição dos demais direitos. Assim, para Norman e
Daniels, a limitação orçamentária representa uma deliberação social sobre bens
públicos competindo pelos mesmos recursos finitos234.
As possibilidades oferecidas pela reprodução em âmbito local dessas
iniciativas são amplíssimas e consistem, em suma, na utilização maciça de
dados e dos preceitos da economia comportamental para se estabelecer mais

contradições internas. Por outras palavras, a contingência global e a convencionalidade minaram a


regulação sem promover a emancipação: enquanto a regulação se torna impossível, a
emencipação torna-se impensável.” In SOUZA SANTOS, Boaventura de. Para um novo senso
comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. v. I. A crítica da razão
indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez. 2002. p. 57
233
Para uma visão mais ampla do tema, ver: THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R, Nudge:
Improving decisions about health, wealth, and happiness; New Haven: Yale University Press, 2008.
234
DANIELS, Norman; SABIN, James. Setting Limits Fairly: Can We Learn to Share Medical
Resources? United States, North America, 2003. p. 19
97

precisamente as populações-alvo para uma série de programas governamentais,


bem como para contribuir para que as pessoas adotem os comportamentos
desejáveis.
Esses instrumentos tecnológicos de uso ainda incipiente na formulação
de políticas públicas tem a capacidade e já são utilizados para lidar com o tipo
de problemas apontados nesta dissertação, isto é, não há óbice para a utilização
de tecnologia para criarem-se programas de baixo impacto orçamentário com o
intento de reduzir-se a disparidade entre os índices de uma série de indicadores
sociais entre os grupos privilegiados e os grupos socialmente vulneráveis.
Exemplificativamente, por meio do RIIPL o Estado de Rhode Island
estabeleceu a meta de que 75% (setenta e cinco por cento) das crianças seriam
proficientes em leitura na terceira série quando comparado com os atuais 37%
(trinta e sete por cento). Para alcançar tal meta, atualmente realiza-se um estudo
acompanhando famílias de baixa renda com o oferecimento de suporte
educacional para as mães recentes235.
A segunda iniciativa do RIIPL que seria replicável no Estado do Rio de
Janeiro é a utilização de machine learning para analisar-se o perfil de usuários
dos serviços médico-hospitalares e descobrir-se quais os pacientes que
representam um alto custo, mas cuja necessidade de atendimento era passível
de prevenção.
Como conclusão parcial, foi verificado que o maior indicativo de pacientes
de alto custo para atendimento emergencial e tratamento urgente, mas evitável,
era o número de visitas médicas realizadas nos últimos 5 (cinco) meses.
Dotados dessas informações, estão sendo desenhadas formas de reduzirem-se
os gastos com saúde no Estado de Rhode Island sem que se isso implique a
piora no atendimento médico dos moradores do Estado236.
Do mesmo modo, as iniciativas empreendidas pelo BIT também têm o
foco no uso de dados e na precisa escolha do público-alvo das medidas,
diminuindo-se os custos decorrentes do estabelecimento de um público-alvo
mais amplo que o necessário, o que implicaria a atuação estatal sobre pessoas
que não estão no grupo de risco e o desperdício dos recursos públicos.
Atuação paradigmática do que aqui se defende foi a atuação do BIT
juntamente ao Departamento de Educação realizando um estudo sobre a

235
Para uma verificação da disparidade educacional em Rhode Island pelos diversos níveis
educacionais, ver em: https://riipl.org/initiative-one-innovating-with-home-visiting-programs/ Acesso
em: 30 jan. 2018.
236
Para uma visão mais ampla da iniciativa, ver: https://riipl.org/initiative-two-employing-machine-
learning-to-lower-medicaid-costs/. Acesso em: 30 jan. 2018.
98

influência dos pares para suas decisões em colégios nos quais poucos
estudantes iam para universidades pertencentes ao Russell Group.
Assim, a partir de uma amostra de 11.104 (onze mil, cento e quatro)
alunos com bom desempenho acadêmico, foram enviadas cartas por estudantes
de universidades de elite provenientes do mesmo estrato social daquele objeto
da amostra. Como resultado, entre os estudantes que receberam cartas de dois
estudantes das universidades de elite, a inscrição para essas universidades de
elite (Russell Group237) cresceu 17% (dezessete por cento) comparada com
aqueles que não receberam quaisquer cartas238239.
Deste modo, houve um acréscimo de 222 (duzentos e vinte e dois)
estudantes de alto desempenho acadêmico, mas de famílias de baixa renda,
sendo aceitos nas melhores universidades do Reino Unido, isto ao custo de
aproximadamente £ 45.00 (quarenta e cinco libras-esterlinas) por estudante
adicional240.
O que esses exemplos trazem (e muitos outros estão disponíveis) é a
preocupação com a efetividade do gasto público, com o estabelecimento de
padrões de atuação, escolha minuciosa de público-alvo, de modo a obterem-se
resultados efetivos com baixo dispêndio de recursos públicos.
Esta forma de atuação, a qual pressupõe a escassez de recursos
orçamentários para a implementação das mais diversas políticas públicas, ou
seja, pressupõe que haverá dissenso quanto à fixação das prioridades e quanto
ao montante disponível para cada uma das políticas públicas é um meio que se
considera eficaz de minorar os previsíveis efeitos da implementação de políticas
de austeridade no Estado do Rio de Janeiro.
Não obstante, no plano estadual não se discutem quaisquer medidas que
diminuam o impacto das medidas efetivadas ou em fase de implementação em
razão do Plano de Recuperação Fiscal, tampouco os potenciais efeitos
discriminatórios advindos do ajuste fiscal.

237
Russel Group é o conjunto de 24 das mais prestigiadas universidades britânicas, conjunto este
que inclui as Universidades de Cambridge, Oxford e Imperial College London. Para mais
informações, veja: http://russellgroup.ac.uk/about/
238
The Behavioural Insights Team Update Report 2016-17. p. 19 Disponível em:
http://www.behaviouralinsights.co.uk/publications/the-behavioural-insights-team-update-report-
2016-17/ Acesso em: 30 jan. 2018.
239
Para uma visão mais ampla do estudo, ver: SANDERS, Michael; CHANDE, Raj e SELLEY,
Eliza. Encouraging People into University Research report March 2017. ISBN: 978-1-78105-719-3
Disponível em: http://38r8om2xjhhl25mw24492dir.wpengine.netdna-cdn.com/wp-
content/uploads/2017/03/Encouraging_people_into_university.pdf Acesso em: 31 jan. 2018.
240
SANDERS, Michael; CHANDE, Raj e SELLEY, Eliza. Encouraging People into University
Research report March 2017. ISBN: 978-1-78105-719-3 Disponível em:
http://38r8om2xjhhl25mw24492dir.wpengine.netdna-cdn.com/wp-
content/uploads/2017/03/Encouraging_people_into_university.pdf Acesso em: 31 jan. 2018. pp.
17-18.
99

Neste caso a experiência irlandesa também é de grande valia, sobretudo


considerando que os cortes do orçamento destinado à saúde entre os anos de
2010 e 2012 afetaram desproporcionalmente os mais pobres, visto que as
classes socialmente mais privilegiadas eram desproporcionalmente detentoras
de planos de saúde privados, enquanto a população mais pobre era mais
dependente dos serviços públicos de saúde. Por isto, comumente, medidas
socialmente regressivas também são discriminatórias241.
No entanto, apesar do exemplo irlandês e de vários outros, não há por
parte do governo fluminense o estabelecimento de quaisquer políticas públicas
planejadas para evitar que os grupos socialmente vulneráveis sejam mais
severamente afetados pelas medidas de ajuste, tampouco se vislumbra no atual
governo estadual interesse ou capacidade de fazer políticas públicas de um
novo modo, fundado em evidências empíricas e com o largo uso de tecnologia e
da economia comportamental.
Tal incapacidade do aparato estatal em utilizar-se de maneiras menos
custosas para reduzir a desigualdade na fruição dos direitos socioeconômicos e
culturais entre os grupos mais privilegiados e os grupos socialmente vulneráveis
tem um impacto prejudicial à qualidade de vida dos grupos socialmente
vulneráveis, sobretudo por sua parca capacidade de impor suas necessidades
no debate público.
Para evitar-se a naturalização dos efeitos adversos da austeridade sobre
a parcela mais vulnerável da população, há a necessidade de se produzir um
conjunto de evidências empíricas que considere os critérios de discriminação
vedados, de forma a permitir a verificação de como caracteres como idade, sexo,
raça, orientação sexual, influem no acesso aos direitos previstos no Pacto
Internacional242.

241
UNITED NATIONS HUMANS RIGHTS OFFICE OF THE HIGH COMMISIONER &
INTERNATIONAL BUDGET PARTNERSHIP. Realizing Human Rights Through Budget. New York
e Geneva: United Nations. 2017. p. 102
242
Sobre os eventuais problemas decorrentes da utilização destas informações, ver: SALTZER;
William e ANDERSON; Margo; SELTZER, William. Using Population Data Systems to Target
Vulnerable Population Subgroups and Individuals: Issues and Incidents in ASHER, Jana; BANKS,
David; SCHEUREN, Fritz J. (Org.) Statistical Methods for Human Rights. New York: Springer,
2008.
100

5.3
Uma Proposta para o Estado do Rio de Janeiro

Retomando a um ponto já abordado anteriormente, qual seja, a utilização


da tributação como instrumento arrecadatório, importante as considerações
emitidas pela ONU sobre a questão:

“[...] Não há uma única resposta à questão de quanto tributação é desejável do


ponto de vista dos direitos humanos. A situação irá variar de país a país, embora
a consideração da carga tributária de países de tamanhos similares e economias
semelhantes pode fornecer auxílio para saber se o governo está fazendo todo o
necessário para assegurar a quantidade adequada de recursos.
(...)
Há vários tipos de receitas que não pretendem discriminar entre os diferentes
grupos de pessoas, mas que, de fato, o fazem”243.

É importante considerar o potencial impacto discriminatório de aumentos


de impostos ao mesmo tempo em que se considera o seu dispêndio, uma vez
que o dispêndio pode compensar as iniquidades da arrecadação de receita
orçamentária244.
Abordando um ponto negligenciado no Plano de Recuperação Fiscal, a
ONU aponta a criação de incentivos para a formalização de negócios que estão
na parte informal da economia, devendo ser composto por medidas educativas e
instituição de benefícios para o pagamento dos impostos. A falta de medidas
para a legalização dos negócios informais seria uma violação ao dever de obter
máxima receita disponível, o que é aferido com base na capacidade e recursos
das autoridades tributárias (no caso fluminense, a SEFAZ)245.
Indica-se que a forma mais eficaz de se lidar com a arrecadação advinda
de impostos sobre consumo não é por meio de isenções ou redução de
alíquotas (no Brasil, ICMS), mas sim aplicar medidas compensatórias
especificamente mirando aumentar a renda das famílias mais pobres246.
Propriamente em relação ao dispêndio, frisa-se que a própria alocação de
recursos públicos pode ser discriminatória, sendo pontuado que as formas mais
comuns de discriminação orçamentária são baseadas em gênero, raça/etnia ou
status socioeconômico. Ainda, a discriminação poderia ter uma característica

243 243
UNITED NATIONS HUMANS RIGHTS OFFICE OF THE HIGH COMMISIONER &
INTERNATIONAL BUDGET PARTNERSHIP. Realizing Human Rights Through Budget. New York
e Geneva: United Nations. 2017.pp. 67-68
244
Ibid. pp. 65-67
245
Ibid. pp. 69-70
246
Ibid. p. 72
101

interseccional, já que minorias raciais são, normalmente, desproporcionalmente


pobres, e mulheres são tipicamente as mais pobres entre os pobres247.
Assim, a exigência dos direitos humanos é de que o Estado aja para
reduzir e, se possível, eliminar os persistentes efeitos decorrentes da
discriminação histórica ou sistemática. Do ponto de vista orçamentário, isto pode
implicar a necessidade de dotação orçamentária suplementar para grupos
tradicionalmente negligenciados. O tratamento orçamentário privilegiado neste
caso não se configuraria como discriminação, não obstante o Comitê sobre
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais tenha firme posicionamento de que tais
alocações privilegiadas devam cessar tão logo tenha se neutralizado os efeitos
da discriminação histórica ou sistemática248.
No entanto, a atuação governamental é em grande parte responsável
pela desigualdade brasileira, isto porque, como apontado por Marcelo Neri,
mesmo possuindo gastos sociais mais elevados que outros países de renda per
capita equivalente, os resultados brasileiros em relação às taxas de mortalidade
infantil, expectativa de vida ao nascer, taxas de matrícula no ensino médio são
muito inferiores, o que tem como causa apontada a ineficiência da gestão de
recursos, com gastos supérfluos e a destinação de recursos públicos para a
prestação de serviços que beneficiam as classes mais socialmente privilegiadas
em detrimento do restante do país249.
Da mesma sorte, aponta-se que a carga tributária brasileira é mais
elevada que a dos demais países latino-americanos, sendo equivalente àquela
de países como os Estados Unidos e Portugal, obtendo-se em troca serviços
públicos muito inferiores aos dos demais países da região250.
Considerando-se improvável uma reforma tributária que altere
fundamentalmente os mecanismos de arrecadação tributária, sobretudo por ser
a estrutura tributária constitucionalmente determinada em âmbito federal, sendo
vedado que os estados individualmente alterarem seu sistema tributário para
deixar de ser financiado quase que exclusivamente por meio do ICMS, o que
aqui se propõe é que se foque no dispêndio de recursos públicos, estes sim
parcialmente determinados pelo governo estadual.

247
UNITED NATIONS HUMANS RIGHTS OFFICE OF THE HIGH COMMISIONER &
INTERNATIONAL BUDGET PARTNERSHIP. Realizing Human Rights Through Budget. New York
e Geneva: United Nations. 2017. pp. 89-90
248
Ibid. p. 92
249
NERI, Marcelo Cortes et al. “Brasil” in Gasto Público em Servicios Sociales Básicos em América
Latina y el Caribe. Santiago: CEPAL. 1999 apud AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha.
Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 181
250
AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. pp. 183-184
102

Para tanto, como já apontado anteriormente, há a necessidade de se


atribuir primazia a instrumentos que permitam executar políticas públicas mais
eficientemente, sendo capazes de apresentar resultados melhores com o mesmo
dispêndio de recursos ou que produzam o mesmo resultado quantitativa ou
qualitativamente avaliados, mas necessitando de menos recursos públicos que
as políticas até então vigentes.
No entanto, neste quadro de desigualdades sociais abissais, há a
imperatividade de se adotar também medidas mais diretas para se reduzir a
disparidade no acesso de bens públicos entre os grupos socialmente mais
vulneráveis e o acesso atribuído às classes mais altas, ou seja, é necessário que
seja estabelecida uma política de longo prazo para reduzir a desigualdade
verificada.
Para tanto, é crucial que o governo estadual disponibilize acesso público
às suas bases de “dados públicos”, permitindo-se o controle social da atuação
estatal, sendo exemplares dessa política de dados abertos o governo federal251,
os Estados do Rio Grande do Sul252 e São Paulo253, e as cidades do Rio de
Janeiro254 e São Paulo255.
Essas bases de dados permitem que os usuários extraiam livremente os
conjuntos de dados disponíveis para acompanharem a atuação estatal,
verificando desde a disparidade de renda entre municípios dentro do mesmo
Estado até mesmo a diferença entre os índices de criminalidade em âmbito
estadual ou até mesmo verificar as variações dentro do mesmo município.
Com base neste tipo de dado é possível saber que a pobreza no Estado
do Rio de Janeiro é racializada, já que ao se verificar os dados socioeconômicos
do Estado do Rio de Janeiro desagregados por cor, 12,5% (doze e meio por
cento) dos negros eram pobres ou extremamente pobres, enquanto apenas
5,5% (cinco e meio por cento) dos brancos eram pobres ou extremamente
pobres. De outra forma, quer-se dizer que enquanto um a cada oito negros
fluminenses são pobres, um a cada vinte brancos são pobres.
Tal desigualdade se repete em outros indicadores sociais, por exemplo, a
renda per capita mensal dos negros no ano de 2010 era de R$ 667,27
(seiscentos e sessenta e sete reais e vinte e sete centavos) enquanto a dos
brancos no mesmo ano era de R$ 1.445,90 (mil, quatrocentos e quarenta e cinco

251
Disponível em: http://dados.gov.br. Acesso em: 03 fev. 2018.
252
Disponível em: http://dados.rs.gov.br. Acesso em: 03 fev. 2018.
253
Disponível em: http://www.governoaberto.sp.gov.br. Acesso em: 03 fev. 2018.
254
Disponível em: http://www.data.rio. Acesso em: 03 fev. 2018.
255
Disponível em: http://dados.prefeitura.sp.gov.br/dataset. Acesso em: 03 fev. 2018
103

reais e noventa centavos). Isto significa que um branco possuía renda per capita
117,00% (cento e dezessete por cento) maior que a renda de um negro.
Quanto à desigualdade educacional, aponta-se que enquanto somente
6,75% (seis vírgula setenta e cinco por cento) dos negros possuíam nível
superior, 21,89% (vinte e um vírgula oitenta e nove por cento) dos brancos
possuíam nível superior no ano de 2010256.
Esses indicadores, embora não tenham o condão de demonstrar que a
atuação do Estado do Rio de Janeiro seja diretamente discriminatória em relação
aos negros fluminenses, demonstra uma correlação entre a cor (preto) e uma
pior qualidade de vida, tendo menor escolaridade média, menor renda e sendo
mais provavelmente pobre ou miserável. Todas essas características quando
compiladas, são um forte indicativo de que haja discriminação indireta na
formulação das políticas públicas fluminenses.
A questão que este trabalho se propôs foi justamente modificar a forma
como tal desigualdade é percebida, deixando de ser vista meramente como uma
tragédia social e passando a considerá-la como uma violação do dever de não-
discriminação no gozo dos direitos socioeconômicos e sociais.
Assim, defende-se que o dispêndio público seja avaliado em termos de
distribuição de benefícios aos indivíduos e famílias. Deste modo, o cumprimento
do dever de não-discriminação consiste em alocar recursos públicos de modo a
não intensificar ou que falhem em beneficiar os grupos socialmente vulneráveis.
Exemplificativamente, os gastos públicos com saúde devem ser aplicados de
modo a suportar a realização dos direitos socioeconômicos e culturais, sendo
imperativa uma divisão mais equânime do dispêndio público257.
Embora considere-se que o dever de não-discriminação seja
imediatamente aplicável pelo governo fluminense, reconhece-se que uma
metamorfose como a proposta nesta dissertação possuiria muito mais
legitimidade se fosse assente em evidências quantitativas e qualitativas da
desigualdade.
Com isso, entende-se que deve ser analisada a relação tributação-
dispêndio para verificar como essas variáveis se comportam quando
desagregadas pelas categorias de discriminação interditadas, ou seja, precisa-se

256
Os indicadores sociais do Estado do Rio de Janeiro para o ano de 2010 estão disponíveis em:
http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil_uf/rio-de-janeiro, Acesso em: 03 jan. 2018.
257
ELSON, Diane; BALAKRISHNAN, Radhika; HEINTZ, James. Public Finance, Maximum
Available Resources and Human Rights in NOLAN, Aoife; O’CONNELL, Rory; HARVEY, Colin.
Human Rights and Public Finance: Budgets and the Promotion of Economic and Social Rights
(Human Rights Law in Perspective) (Locais do Kindle 558-562). Bloomsbury Publishing. Edição do
Kindle.
104

verificar se a tributação sobre determinado grupo socialmente vulnerável é


superior à tributação média da população para que sejam adotadas medidas
corretivas.
Da mesma forma, deve-se produzir uma análise desagregada do gasto
público para medir-se como tal gasto é distribuído nos prismas social, racial,
espacial, sexual, etc.
Verificadas eventuais disparidades quer na carga tributária específica de
um grupo socialmente vulnerável ou no dispêndio, é dever do Estado atuar para
reduzir a assimetria verificada. Por óbvio, quanto mais grave for a desigualdade
observada, maior o tempo necessário e quantidade de medidas reparatórias
para equiparar os indicadores sociais entre o grupo discriminado e aquele
prevalente nas camadas mais privilegiadas da sociedade.
Somente desta forma o Estado deixará de utilizar a tributação como um
instrumento de manutenção do status quo e da desigualdade, isso em
detrimento ao seu papel como promotor da justiça fiscal, social e do fito de
promover o desenvolvimento econômico258.
Compartilha-se da crítica de Deluchey e Malcher que apontam o
desconhecimento quanto à composição do tributo e do retorno social dos
recursos arrecadados por meio da tributação, bem como o fato de que esses
recursos não têm beneficiado seus legítimos beneficiários, mas apenas os
detentores do poder259.
Sendo dependentes de políticas de longo prazo para a erradicação da
desigualdade na fruição dos direitos socioeconômicos e culturais, há a
necessidade de produção constante de informações quanto à fruição dos direitos
em questão, bem como o estabelecimento de metas de redução da
desigualdade.
Para o estabelecimento de metas de redução de desigualdade social, a
principal ferramenta existente é tornar tal estabelecimento obrigatório, por meio
de uma variação do modelo já adotado na cidade de São Paulo260.
O que se propõe é uma variação do artigo da Lei Orgânica de São Paulo,
incluindo-se a determinação adicional de que sejam implementadas metas para

258
MALCHER, Farah de Sousa; DELUCHEY, Jean-François . A origem biopolítica do direito tributário. Revista
Brasileira de História do Direito , v. 2, p. 39-59, 2016. DOI: 10.21902/2526-009X/2016.v2i2.1630. Acesso em:
04 fev. 2018.
259
Ibid.
260
Em São Paulo, a Lei orgânica do município prevê que o prefeito tem o dever de estabelecer em
90 dias um programa de metas com indicação das metas para os indicadores relevantes e
obrigatoriedade de divulgação anual dos resultados obtidos. Para uma visão mais completa da
questão, ver o artigo 69-A da Lei Orgânica. Disponível em:
http://www.tcm.sp.gov.br/legislacao/lomun/lom_t3.htm#lom_t3c2s2. Acesso em: 03 fev. 2018.
105

a diminuição da disparidade de acesso aos direitos socioeconômicos e culturais


dos grupos socialmente vulneráveis, os instrumentos que serão utilizados para
tal fim e a alocação de recursos orçamentários suficientes para atingirem-se as
metas estabelecidas.
É importante frisar que o combate a tal desigualdade não pode ser
circunscrito exclusivamente à Secretaria de Direitos Humanos, mas sim ser um
esforço global e concatenado de todo o governo estadual, que deve compelir
sua atuação para reduzir as disparidades socioeconômicas e culturais.
Assim, resta ainda estabelecer as formas de aferição da desigualdade no
proveito dos direitos socioeconômicos e culturais. Institucionalmente, o órgão
que teria o dever de coordenar a produção do conhecimento em relação à
desigualdade que aqui se tenta medir é a Fundação Centro Estadual de
Estatística, Pesquisa e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro261.
No entanto, considerando-se as limitações orçamentárias para a
contratação de servidores públicos durante o Regime de Recuperação Fiscal,
bem como a já demonstrada falta de interesse na construção de dados que
ameacem o legado das políticas aplicadas pelo Executivo, sugerem-se duas
abordagens, ambas tendo em comum a otimização dos recursos já existentes no
orçamento.
A primeira proposta é que a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à
Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) promova editais
interdisciplinares específicos para pesquisas envolvendo tanto a verificação da
discriminação indireta quanto da elaboração e testagem de abordagens
eficientes para minorar a iniquidade observada, tendo por premissa a
implementação de políticas de alto impacto social e cônscia das limitações
orçamentárias para sua implementação.
Alternativamente, sugere-se que, à semelhança da Instituição Fiscal
Independente (IFI), criada pela Senado Federal como uma instituição
responsável por prestar assessoria técnica em questões fiscais, tendo como uma
de suas precípuas missões a análise da aderência dos indicadores fiscais e
orçamentários às metas legalmente estatuídas262, seja criado um órgão de
assessoria técnica juntamente à Assembleia Legislativa estadual.
Tal órgão, que poderia ser denominado Instituição Herbert de Souza para
a Equidade Socioeconômica, teria como função a elaboração de análises quanto

261
Ver em: http://www.ceperj.rj.gov.br/Institucionais/atribuicoes.html. Acesso em: 04 fev. 2018.
262
Para mais informações sobre o IFI, ver: https://www12.senado.leg.br/ifi/sobre. Acesso em: 04
fev. 2018
106

à efetividade das políticas implementadas em âmbito fluminense pelo governo


estadual, indicando ao Legislativo e à sociedade civil periodicamente os
resultados observáveis das políticas em questão.
Com essa sugestão de estrutura de controle, cujos componentes de
modo algum são excludentes, de fato, as propostas são complementares, ter-se-
ia o tipo de evidência fulcrada em fatos que indelevelmente demonstra a
existência de distorção quanto às prioridades de dispêndio e/ou na estrutura de
arrecadação de tributos.

5.4
A Experiência Internacional na Efetivação dos Direitos
Socioeconômicos e Culturais

A promoção do cumprimento dos deveres estatais atinentes à fruição dos


direitos socioeconômicos e culturais tem como intento a promoção e proteção
dos direitos em questão também no âmbito da administração, extrapolando-se
assim os limites do sistema legal263.
A apreensão da experiência internacional, particularmente útil para a
criação de uma solução adequada para as necessidades específicas
fluminenses e brasileiras, empreende-se uma análise doutrinária e
jurisprudencial, a qual intenta demonstrar a instituição de um forte caráter
procedimental para a aferição do dispêndio público, havendo inclusive um
importante papel do Judiciário para evitar que os critérios de controle,
especialmente as análises de impacto humanitário sejam negligenciados pelos
outros poderes.
Para tanto, utiliza-se principalmente do magistério de Rooney e Harvey
para expor a existência de controles meritórios de políticas públicas,
possibilitando-se mensurar as políticas que atingem mais pessoas, discernindo-
as de outras políticas de pouco efeito ou cujos beneficiários sejam
prevalentemente dos estratos socioeconômicos mais altos da sociedade.
Ainda, será feito uso das lições de Sheila Quinn sobre a experiência
norte-irlandesa de estabelecimento de critérios vedados de discriminação e os
êxitos e aporias advindos de sua aplicação, bem como a implantação de um
orçamento sensível ao gênero.

263
ROONEY, Eoin; HARVEY, Colin. Better on the Margins? A Critique of Mainstreaming Economic
and Social Rights in NOLAN, Aoife; O’CONNELL, Rory; HARVEY, Colin (Org.). Human Rights and
Public Finance: Budgets and the Promotion of Economic and Social Rights (Human Rights Law in
Perspective) (Locais do Kindle 3340). Bloomsbury Publishing. Edição do Kindle.
107

Derradeiramente, serão abordadas as considerações de Harrison e


Stephenson quanto à necessidade de um ferramental poderoso para a avaliação
das políticas públicas, bem como o papel da legislação inglesa antidiscriminação
inglesa e sua aplicação pelo Judiciário.
Defendem Rooney e Harvey que para a realização de uma decisão
quanto à alocação de recursos públicos entre vários projetos concorrentes, há a
necessidade de que um corpo técnico ou político efetue uma avaliação dos
projetos com a elaboração de uma lista de finalistas. Cada item desta lista de
finalistas seria submetido a um Human Rights Impact Assessment, no qual uma
análise mais detida avaliaria os méritos de cada projeto264.
Tal mecanismo permitiria que fossem beneficiados os projetos mais
benéficos à promoção dos direitos humanos, até o exaurimento dos recursos
disponíveis, sugerindo-se que a cada etapa deste procedimento sejam ouvidos
tanto os grupos socialmente vulneráveis quanto à população afetada pelos
projetos265.
Para que tal perspectiva seja implementada, apontam Rooney e Harvey
que o Estado deve adotar 4 (quatro) medidas: adoção de procedimento de
verificação de impacto e audiências públicas com os grupos afetados; aplicação
efetiva das avaliações de impacto, sendo tais requisitos suscetíveis de
consumação por meio de legislação, atribuindo-se status legal, embora a
aplicação da lei seja deixada ao domínio político; aplicação dos procedimentos
de avaliação sejam administradas de boa-fé; utilização dos resultados obtidos
para assegurar a máxima fruição dos direitos socioeconômicos e culturais pelo
Governo266.
Dentro deste conjunto de opções, a escolha deve se dar por aquela que
mais propicie o proveito dos referidos direitos, independentemente de ser uma
solução de mercado, estatal ou até mesmo uma forma híbrida, sendo conjuntural
a escolha de qual a solução mais apropriada para um caso concreto.
Ressalta-se que para Rooney e Harvey, o mercado é visto meramente
como um meio, não um fim em si mesmo, num contraponto à concepção
neoliberal que identifica o mercado com a virtude, em razão de seu pretenso
liame com a liberdade e prosperidade267.

264
ROONEY, Eoin; HARVEY, Colin. Better on the Margins? A Critique of Mainstreaming Economic
and Social Rights in NOLAN, Aoife; O’CONNELL, Rory; HARVEY, Colin (Org.). Human Rights and
Public Finance: Budgets and the Promotion of Economic and Social Rights (Human Rights Law in
Perspective) (Locais do Kindle 3370-3375). Bloomsbury Publishing. Edição do Kindle.
265
Ibid. Locais do Kindle 3375-3376.
266
Ibid. Locais do Kindle 3387-3394.
267
Ibid. Locais do Kindle 3445-3446
108

O risco embutido neste procedimento é o de que ele pressupõe um


cenário cooperativo, ou seja, é improvável que se obtenha resultados com a
adoção de uma atitude antagonística, a qual enfatize o conflito, desafio e a
transformação radical, sendo muito mais provável que sejam utilizadas táticas
conciliatórias, consistentes em premissas já correntes no governo. Assim, a
igualdade de gênero poderia ser redefinida com base em conceitos econômicos
tais como eficiência, produtividade, crescimento e lucratividade268.
Também reconhecendo o papel preponderante do Estado para a
promoção dos Direitos Humanos, Enakshi Thukral aponta que o dispêndio de
uma rubrica orçamento público é a forma com a qual o Estado demonstra as
suas verdadeiras prioridades. Como resultado, a análise do orçamento permite
que se compreenda e se verifique são aplicados de modo a priorizar os mais
necessitados269.
Para Enakshi Thukral, a alocação de recursos e seu dispêndio representa
um bom indicador do compromisso estatal com o nível de desenvolvimento
socioeconômico de seus cidadãos, sendo a mais sólida forma de expressão e
articulação das prioridades estatais, desempenho, decisões e intentos270.
Como exemplo, cita que na América Latina 40% (quarenta por cento) do
orçamento público é gasto com despesas relativas a pagamento do
funcionalismo público, pensões e juros da dívida271, distribuição de recursos esta
que limita a possibilidade da adequada alocação de recursos públicos para
garantir a fruição dos direitos socioeconômicos pelos grupos socialmente
vulneráveis.
Em uma ressalva crucial, Enakshi Thukral elucida que a análise
orçamentária, usualmente, se atém ao percentual da receita que se destina para
determinado setor, sendo usualmente ignorado que um aumento do dispêndio
total em um determinado setor pode encobrir a redução do gasto no atendimento
de grupos vulneráveis272.
Assim, a análise orçamentária deve ser mais percuciente, verificando não
somente o dispêndio de recursos para cada área, mas também as rubricas
destinadas a determinados programas que favorecem desproporcionalmente os
grupos socialmente vulneráveis, como no caso fluminense (e no brasileiro de

268
THUKRAL, Enakshi Ganguly. Budget for Children in NOLAN, Aoife; O’CONNELL, Rory;
HARVEY, Colin (Org.). Human Rights and Public Finance: Budgets and the Promotion of Economic
and Social Rights (Human Rights Law in Perspective) (Locais do Kindle 3506-3511). Bloomsbury
Publishing. Edição do Kindle.
269
Ibid Locais do Kindle 3692.
270
Ibid Locais do Kindle 3693-3696.
271
Ibid. Locais do Kindle 3733-3735.
272
Ibid. Locais do Kindle 4078-4081.
109

uma forma geral, no qual parte do orçamento social tem o nível de investimento
mínimo constitucionalmente determinado).
Ainda assim mantém-se a importância da análise orçamentária, já que,
além de se conferir se o Estado cumpre os limites constitucionalmente
delimitados, há a necessidade de aferir-se se os gastos destinados aos grupos
socialmente vulneráveis não foram reduzidos, não obstante o gasto total tenha
se mantido estável.
Estratégia que tem se provado essencial para assegurar a fruição dos
direitos socioeconômicos e culturais é a de analisar o orçamento público pelo
prisma do gênero.
Por esta perspectiva, Sheila Quinn aborda que o orçamento é
tradicionalmente visto como um instrumento de gestão das finanças públicas,
beneficiando todos os membros da sociedade sem quaisquer distinções273.
No entanto, no caso estudado, qual seja, a Seção 75 do Ato da Irlanda do
Norte de 1998, vê-se a implementação de uma política cujo intento é assegurar a
equidade do dispêndio de recursos públicos quando analisado o orçamento em
função do gênero dos cidadãos.
Para Sheila Quinn, sob a perspectiva política, as verdadeiras prioridades
políticas de um Estado são o encontro entre as posições governamentais e a
correspondente alocação de recursos para efetivar tais posições políticas.
Salienta-se ainda que o orçamento tem uma dúplice função, tanto técnica quanto
política274.
Desta forma, a legislação norte-irlandesa estabeleceu que suas
autoridades públicas tinham o dever de promover a equidade de oportunidade
entre 9 (nove) categorias, bem como promover boas relações entre pessoas de
diferentes grupos religiosos, opiniões políticas ou grupos étnico-raciais. A
intenção deliberada desta política foi introduzir como parte fundamental da
formulação de todas as políticas públicas e prestação de serviço público a
preocupação com a equidade de oportunidade e o fomento a boas relações os
distintos grupos sociais norte-irlandeses275.
Igualmente, desde 2007 o Reino Unido tem uma política em relação à
equidade de gênero. Com base nesta legislação, a Fawcett Society recorreu ao
Judiciário em razão da falha do governo em aplicar as políticas atinentes à

273
QUINN, Sheila. Equality Proofing the Budget: Lessons from the Experiences of Gender
Budgeting? In NOLAN, Aoife; O’CONNELL, Rory; HARVEY, Colin (Org.). Human Rights and Public
Finance: Budgets and the Promotion of Economic and Social Rights (Human Rights Law in
Perspective) (Locais do Kindle 4376-4378). Bloomsbury Publishing. Edição do Kindle.
274
Ibid. Locais do Kindle 4406-4409.
275
Ibid. Locais do Kindle 4473-4478.
110

equidade de gênero quando do preparo do orçamento emergencial de 2010.


Embora o apelo tenha sido negado pela Alta Corte, foi reconhecido pelo relator
do caso que políticas públicas capazes de ter efeitos díspares sobre homens e
mulheres mereciam um escrutínio mais detido276.
Ainda, foi abordada a questão da necessidade de melhorar-se tanto a
coleta de dados quanto sua análise para permitir-se a avaliação das medidas
orçamentárias sobre a equidade entre homens e mulheres277.
O padrão internacional para análise orçamentária baseada em gênero e
para o chamado gender mainstreaming278 foi produzido pelo Conselho da
Europa, cujo grupo de especialistas criou as definições e framework teórico.
Em 2009, o Conselho da Europa criou um manual para a implementação
de análise orçamentária baseada em gênero, a qual foi crescentemente aplicada
pelos seus Estados-Membros279280.
A análise orçamentária baseada em gênero é um potente instrumento
para a promoção da equidade entre os gêneros. A inclusão da variável gênero
ao ferramental atualmente utilizado para a análise orçamentária feita por
ministérios e formuladores de políticas públicas torna esses formuladores mais
capazes de tomarem decisões atinentes ao orçamento da qual derivem melhores
resultados quanto ao atingimento da equidade quanto ao gênero, defendendo-se
na presente dissertação que seja estendido para outros critérios interditados de
discriminação.
Pressuposto desta análise é a existência de dados desagregados em
relação aos critérios relevantes (no caso em questão, sexo, raça, idade,
distribuição geográfica, etc). Um critério que parece adequado para este tipo de

276
QUINN, Sheila. Equality Proofing the Budget: Lessons from the Experiences of Gender
Budgeting? In NOLAN, Aoife; O’CONNELL, Rory; HARVEY, Colin (Org.). Human Rights and Public
Finance: Budgets and the Promotion of Economic and Social Rights (Human Rights Law in
Perspective) (Locais do Kindle 4524.
277
Ibid. Locais do Kindle 4523-4529.
278
Gender mainstreaming tem como objetivo a elaboração e implementação de políticas que não
reiterem as atuais desigualdades entre os gêneros, ignorando que homens e mulheres tem
interesses e necessidades distintos; tais políticas seriam “gender-neutral”. Porém, frequentemente,
o que é percebido como “gender-neutral” é de fato “gender-blind”, o que significa que tais políticas
não consideram as diferenças entre homens e mulheres e, com efeito, podem aumentar as
desigualdades. De modo a serem efetivas, tais políticas deveriam ser “gender-sensitive”. Ser
“gender-sensitive” não significa favorecer um dos sexos ou ser parcial, mas sim ser cônscio das
especificas necessidades de homens e mulheres, meninos e meninas, bem como dos impactos
advindos de políticas e decisões sobre tais grupos específicos. Idealmente, as políticas intentariam
combates tais desigualdades de gênero, estereótipos de gênero e normas de gênero prejudiciais
[...] in Council of Europe; Handbook for Gender Equality Rapporteurs Gender Equality and Gender
Mainstreaming In Practice. p. 8 Disponível em: https://rm.coe.int/16806b942d. Acesso em: 09 fev.
2018.
279
QUINN, Sheila. Op.cit. (Locais do Kindle 4545-4556).
280
Para uma visão mais ampla sobre a aplicabilidade do gender mainstreaming, ver: Council of
Europe; Gender Mainstreaming. Policy Briefs and Council of Europe Activities 3 rd Update, June
2016. Disponível em: https://rm.coe.int/1680630394 Acesso em: 08 fev. 2018.
111

análise é a análise da incidência de benefícios, ou seja, método de computar a


distribuição do gasto público em relação a díspares grupos demográficos, entre
os quais homens e mulheres281.
Assim, proceder-se-ia ao cálculo do custo unitário por atendimento de um
certo serviço público, exemplificativamente, o custo de internação per capita
diário ou custo per capita na educação primária. Com base neste custo, pode-se
aferir quanto foi gasto em relação às categorias que sejam reputadas relevantes
para análise, seja gênero, idade, orientação sexual ou raça, sendo possível
medir o gasto com cada grupo demográfico.
Este instrumento de análise é baseado na coleta de dados sobre os
usuários de serviços públicos, permitindo a verificação do cumprimento da
Seção 75 do Ato da Irlanda do Norte de 1998 e dos 9 (nove) critérios interditados
de discriminação, sendo possível a utilização deste método para o caso
fluminense e brasileiro.
Uma análise minuciosa da questão permitiria demonstrar a aderência
entre a política orçamentária e a adequada prestação dos serviços públicos
quanto às questões de gênero. Isso inclui a análise do grau de satisfação das
necessidades dos usuários dos serviços públicos, bem como as necessidades
específicas dos díspares grupos sociais.
Com a adoção de tal perspectiva, é possível a revelação dos desafios e
barreiras dos grupos demográficos relevantes para análise que não acessaram
um determinado serviço público. Ainda, deve-se considerar se as políticas
orçamentárias consideraram peculiaridades destes grupos demográficos, como o
disseminado trabalho gratuito feito por mulheres em casa e o cuidado das
mulheres com os idosos e crianças282.
Sheila Quinn aduz ser comum que se revele por meio deste tipo de
análise é a dissonância entre as políticas governamentais para a equidade de
gênero e as decisões orçamentárias capazes de dar efetividade a tais políticas.
Diane Elson aponta a questão que deve ser guia para a análise orçamentária:
qual o impacto de certo gasto para a iniquidade entre os gêneros? Tal gasto é
neutro em relação à desigualdade entre os gêneros, exacerba ou reduz a
referida iniquidade283?

281
QUINN, Sheila. Equality Proofing the Budget: Lessons from the Experiences of Gender
Budgeting? In NOLAN, Aoife; O’CONNELL, Rory; HARVEY, Colin (Org.). Human Rights and
Public Finance: Budgets and the Promotion of Economic and Social Rights (Human Rights Law in
Perspective) (Locais do Kindle 4579-4602). Bloomsbury Publishing. Edição do Kindle.
282
Ibid.
283
Ibid.
112

Sheila Quinn, em uma proposta similar àquela que aqui se defende,


também considera que este grau de análise é extensível para mais categorias
dentro de uma agenda de equidade, sendo aplicável no caso norte-irlandês às 9
(nove) categoriais interditadas de discriminação.
Assim, tanto no caso norte-irlandês quanto no fluminense, é possível e
desejável que o conjunto de instrumentos teóricos utilizados para analisar a
equidade sobre a perspectiva de gênero seja adaptada e estendida para analisar
os efeitos das despesas para a fruição não-discriminatória dos direitos
socioeconômicos e culturais.
Outra característica que tal tipo de análise permite é a verificação de uma
eventual gender-blindness quanto ao desenvolvimento e avaliação de políticas
públicas, possibilitando que os formuladores de políticas públicas saibam
realmente a natureza e extensão dos díspares impactos das políticas sobre os
distintos grupos demográficos284.
Diante de resultados que demonstrem uma divisão iníqua do dispêndio
público, demanda-se uma correção do dispêndio para sanar a iniquidade
observada. Entre as medidas reparatórias, incluem-se, desde a suplementação
de recursos especificamente para mitigar-se a desigualdade até mesmo uma
mudança na elaboração do orçamento para garantir que este seja neutro em
relação ao gênero285.
Da mesma forma, a medição da diferença de impacto de uma
determinada política tem o condão de permitir aos formuladores de políticas
públicas desconsiderar suas presunções quanto ao acesso equânime a certos
bens públicos e compreender as díspares necessidades e expectativas dos
distintos grupos demográficos286.
Com base nos dados obtidos, é medida impositiva o estabelecimento de
objetivos para a fruição equitativa dos direitos socioeconômicos e culturais entre
os diversos grupos demográficos, visto que se cria uma base de dados a partir
da qual se verificará a modificação do quadro encontrado em direção a uma
fruição mais equânime dos direitos em questão287.
Sheila Quinn defende que a utilização da análise do orçamento pela
perspectiva de gênero foi mais efetiva nos locais em que a sociedade civil

284
QUINN, Sheila. Equality Proofing the Budget: Lessons from the Experiences of Gender
Budgeting? In NOLAN, Aoife; O’CONNELL, Rory; HARVEY, Colin (Org.). Human Rights and
Public Finance: Budgets and the Promotion of Economic and Social Rights (Human Rights Law in
Perspective) (Locais do Kindle 4603-4608). Bloomsbury Publishing. Edição do Kindle.
285
Ibid. Locais do Kindle 4603-4608.
286
Ibid. Locais do Kindle 4682-4684.
287
Ibid. Locais do Kindle 4684-4688.
113

colaborou com o governo e manteve também um papel fiscalizador. Houve


nestes cenários uma troca de expertise e experiências, sem que isso implicasse
a perda de autonomia da sociedade civil como monitor e crítico das políticas
implementadas.
Também se atribui um relevante papel para a academia, atuando tanto
especialistas quanto como partes de grupos da sociedade civil. Esta contribuição
deriva da capacidade da academia em produzir o arcabouço metodológico e a
criação dos instrumentos de avaliação, a elaboração e aperfeiçoamento do
quadro conceitual e com pesquisas nos campos relevantes288.
À sociedade civil caberia o papel de ser a promotora da utilização da
análise orçamentária sensível ao gênero (e demais critérios interditados de
discriminação) por meio do exercício habitual da pressão política na demanda
por transparência e accountability dos Poderes Executivo e Legislativo, bem
como com o oferecimento de treinamento de funcionários públicos quanto ao uso
das ferramentas desenvolvidas.
Sheila Quinn rememora que, em alguns casos, organizações da
sociedade civil arcaram com os custos atinentes ao treinamento para
mensuração do custo para lidar com a violência doméstica e a provisão de
adequados cuidados infantis. Ainda, podem os grupos da sociedade civil
apresentarem seus próprios relatórios sobre a avaliação da efetividade e
correção dispêndio de recursos públicos, podendo inclusive apontar soluções
alternativas para o alcance de uma mais disseminada fruição dos direitos
socioeconômicos e culturais289.
O objetivo primitivo de uma análise orçamentária sensível ao gênero
(e/ou outras categorias interditadas de discriminação) é a busca por um proveito
mais equânime em relação à igualdade de oportunidade e resultado. Assim, a
constante avaliação das distintas necessidades dos usuários dos serviços
públicos que permite a medição do distinto acesso aos serviços públicos.
Sucintamente, pode-se definir a análise orçamentária sensível ao
gênero como sendo uma perspectiva que determina públicos-alvo, obtendo
melhores resultados; assente em avaliações para a determinação do público-
alvo de políticas públicas; vincula equidade com a gestão orçamentária, o que
implica a mais eficiente alocação de recursos públicos enquanto cumpre seus

288
QUINN, Sheila. Equality Proofing the Budget: Lessons from the Experiences of Gender
Budgeting? In NOLAN, Aoife; O’CONNELL, Rory; HARVEY, Colin (Org.). Human Rights and
Public Finance: Budgets and the Promotion of Economic and Social Rights (Human Rights Law in
Perspective) (Locais do Kindle 4900-4904). Bloomsbury Publishing. Edição do Kindle.
289
Ibid.
114

compromissos internacionais atinentes à fruição dos direitos socioeconômicos e


culturais290.
A adoção deste aporte teórico é ainda mais pertinente em tempos de
crise econômica e/ou fiscal, uma vez que tal quadro demanda iniciativas que
permitam que os recursos progressivamente mais escassos sejam suficientes
para o atendimento das múltiplas prioridades orçamentárias, sendo característico
desta perspectiva o fato de decisões baseadas em avaliação de desempenho
tenderem a produzir melhores decisões alocativas291.
Na União Europeia tal perspectiva tem se disseminado sendo aplicada
em uma série de países, entre os quais Espanha, França, Bélgica, Suécia e
Islândia, os quais apresentam informações desagregadas sobre como o
orçamento lida com a questão da equidade. Da mesma forma, decisões feitas no
nível executivo dos programas públicos contribuem para a análise do impacto
total do dispêndio orçamentário sobre a fruição equitativa dos direitos
socioeconômicos e culturais292.
Essa estratégia de análise orçamentária busca reduzir a disparidade
entre o desenvolvimento de políticas públicas e sua implementação, bem como
entre a planejamento orçamentário e a sua execução, sendo ambas essenciais
para a efetividade de políticas públicas. Parte-se do pressuposto que a menos
que a perspectiva de gender mainstreaming seja estendida à análise
orçamentária, não haverá progresso real para o alcance da equidade entre os
gêneros293.
Entre as medidas que o Estado pode adotar para dar efetividade ao
dever de não-discriminação no proveito dos direitos socioeconômicos e culturais,
está o estabelecimento de recursos adicionais para dar efetividade aos direitos
dos grupos socialmente vulneráveis. Cônscios de que a eliminação da
discriminação deve ocorrer mesmo diante dos recursos atualmente existentes,
as medidas nesta direção devem ser imediatamente tomadas, não sendo
admissível a alegação de escassez de recursos como justificativa para a falta de
ações imediatas294.
Como resultado, existe uma série de requerimentos procedimentais para
que a formulação de políticas públicas seja consoante com as previsões

290
Ibid. Locais do Kindle 4914-4921.
291
QUINN, Sheila. Equality Proofing the Budget: Lessons from the Experiences of Gender
Budgeting? In NOLAN, Aoife; O’CONNELL, Rory; HARVEY, Colin (Org.). Human Rights and Public
Finance: Budgets and the Promotion of Economic and Social Rights (Human Rights Law in
Perspective) (Locais do Kindle 4930-4932). Bloomsbury Publishing. Edição do Kindle.
292
Ibid. Locais do Kindle 4943-4946
293
Ibid. Locais do Kindle 4969-4971
294
Ibid. Locais do Kindle 5189-5202.
115

constantes no Pacto Internacional, procedimentos estes independentes da


disponibilidade recursos públicos. Sheila Quinn considera que os Estados-
signatários têm o dever de instituir um monitoramento da extensão da fruição
dos direitos, bem como de criar políticas que propiciem a realização e avaliação
dos impactos das políticas implementadas.
Assim, para a verificação do direito à habitação (mas cujo método pode
ser aplicado para outros direitos socioeconômicos e culturais), o Estado deve
produzir informação desagregada em relação ao acesso a moradias decentes
dos distintos grupos demográficos. Deve-se ainda adotar uma estratégia
nacional de habitação capaz de identificar a quantidade de recursos disponíveis
para atender as metas estabelecidas e a forma mais eficiente forma de alcançar
tal meta295.
Da mesma forma, Harrison e Stephenson consideram que a legislação de
direitos humanos pode servir como sustentáculo de um importante exame do
impacto das decisões sobre dispêndio de recursos públicos, particularmente num
quadro de cortes orçamentários disseminados.
Da sua análise do cenário britânico, Harrison e Stephenson identificaram
a necessidade do desenvolvimento de uma robusta metodologia de análise e
avaliação orçamentária, sobretudo pelo fato de os cortes orçamentários
tenderem a afetar desproporcionalmente às parcelas mais vulneráveis da
sociedade296.
E o instrumento vislumbrado é a avaliação de impacto sobre equidade e
direitos humanos297, cuja experiência britânica e internacional sugerem tratar-se
de um instrumento potencialmente valioso para que os atores sociais possam
identificar e atenuar os impactos nocivos dos cortes orçamentários298.
Defendem Harrison e Stephenson que esse instrumento de análise dos
impactos do dispêndio público sobre os grupos socialmente vulneráveis seja
extensamente utilizado pelos formuladores de políticas públicas de modo a
melhorar-se as práticas atualmente utilizadas299, sobretudo por permitir-se que

295
QUINN, Sheila. Equality Proofing the Budget: Lessons from the Experiences of Gender
Budgeting? in NOLAN, Aoife; O’CONNELL, Rory; HARVEY, Colin (Org.). Human Rights and
Public Finance: Budgets and the Promotion of Economic and Social Rights (Human Rights Law in
Perspective) (Locais do Kindle 5213-5219). Bloomsbury Publishing. Edição do Kindle.
296
HARRISON, James; STEPHENSON, Mary-Ann. Assessing the Impact of the Public Spending
Cuts: Taking Human Rights and Equality Seriously in NOLAN, Aoife; O’CONNELL, Rory; HARVEY,
Colin (Org.). Human Rights and Public Finance: Budgets and the Promotion of Economic and
Social Rights (Human Rights Law in Perspective) (Locais do Kindle 5684-5685). Bloomsbury
Publishing. Edição do Kindle.
297
No original: Equality and human rights umact assessments (EHRIAs)
298
HARRISON, James; STEPHENSON, Mary-Ann. Op. cit. Locais do Kindle 5693-5696.
299
Ibid. Locais do Kindle 5702-5704.
116

seja mensurado o impacto sobre os grupos socialmente vulneráveis e a tomada


de medidas redutoras dos impactos adversos300.
A experiência britânica posterior à crise de 2008 expôs que os grupos
socialmente vulneráveis são muito mais suscetíveis a sofrerem
desproporcionalmente os efeitos do ajuste fiscal caso não sejam estabelecidas
medidas reparatórias. Isto porque a parcela mais pobre da população
usualmente recebe uma parcela maior da sua renda por meio de benefícios
assistenciais, bem como mais dependente dos serviços públicos.
Pesquisas realizadas pelo Institute of Fiscal Studies demonstraram que o
ajuste fiscal previsto no orçamento emergencial britânico para o ano de 2010,
consistente no aumento de impostos e cortes no dispêndio público, atingiria
desproporcionalmente os segmentos mais pobres da população britânica. Da
mesma forma, estudos feitos pela Fawcett Society e Women’s Budget Group
constataram os efeitos adversos sobre as mulheres pobres em razão dos cortes
no fornecimento de benefícios assistenciais e de serviços públicos301.
Harrison e Stephenson aduzem que a maioria das metodologias atinentes
ao conjunto de ferramentas e à formulação dos critérios de avaliação de impacto
sobre equidade e direitos humanos advém de organizações da sociedade civil,
com tais organizações utilizando este critério de avaliação para fazer campanhas
para suas áreas de interesse e expertise302.
No Reino Unido este tipo de avaliação se tornou prevalente em razão da
criação de legislação nacional (Equality Act de 2010) estabelecendo o dever de
prevenir a discriminação e promover a equidade entre os gêneros, sendo a de
avaliação de impacto sobre equidade e direitos humanos o mecanismo padrão
para que as autoridades públicas verifiquem se sua atuação respeita à
legislação antidiscriminatória303.
Em consequência desta legislação, é prática corrente no Reino Unido a
utilização deste instrumental para avaliar-se o impacto das medidas de
austeridade, considerando Harrison e Stephenson que tais avaliações tem o
potencial de identificar e evitar os impactos nocivos sobre os grupos socialmente
vulneráveis304.

300
HARRISON, James; STEPHENSON, Mary-Ann. Op. cit. Locais do Kindle 5736-5739.
301
HARRISON, James; STEPHENSON, Mary-Ann. Assessing the Impact of the Public Spending
Cuts: Taking Human Rights and Equality Seriously in NOLAN, Aoife; O’CONNELL, Rory; HARVEY,
Colin (Org.). Human Rights and Public Finance: Budgets and the Promotion of Economic and
Social Rights (Human Rights Law in Perspective) (Locais do Kindle 5713-5721). Bloomsbury
Publishing. Edição do Kindle.
302
Ibid. Locais do Kindle 5754-5757.
303
Ibid. Locais do Kindle 5787-5792.
304
Ibid. Locais do Kindle 5801-5804.
117

A mensuração destes impactos pode/deve servir como base para que o


orçamento reconsidere suas prioridades de dispêndio de forma a considerar
também os deveres de não-discriminação decorrentes do Pacto Internacional.
Ressalva-se que este potencial revolucionário depende do engajamento
da administração na utilização dos instrumentos, já que o uso burocrático da
avaliação mina a sua capacidade de influenciar os formuladores de políticas
públicas305.
Importante salientar que as corte britânicas têm compreendido o papel
estatal na promoção da equidade de modo rigoroso. Isto é, as cortes britânicas
consideram que o cumprimento do dever de promoção da equidade implica uma
série de deveres procedimentais incluindo consultas públicas, reunião de
informações e análise dos impactos, sendo tal entendimento aplicado também à
novel Seção 149 do Equality Act306307.

305
HARRISON, James; STEPHENSON, Mary-Ann. Op. cit. Locais do Kindle 5886-5891.
306
Ibid. Locais do Kindle 5952-5958.
307
149 Public sector equality duty
1) A autoridade pública deve, no cumprimento de suas funções, ter a devida consideração
com as seguintes necessidades:
a) Eliminação da discriminação, assédio, vitimização e qualquer outra conduta interditada
por meio deste Ato;
b) Promover a equidade de oportunidade de oportunidade entre pessoas que compartilhem uma
relevante característica protegida (i.e critério vedado de discriminação) e aqueles que não
possuem tal característica;
c) Fomentar boas relações entre aqueles que compartilhem uma relevante característica protegida
e aqueles que não possuem tal característica;
2) Uma pessoa que não seja uma autoridade pública, mas que excerça funções públicas deve, no
exercício destas funções, ter considerações com os deveres previstos na subseção 1;
3) Ter a devida consideração com a promoção da equidade de oportunidade entre aqueles que
compartilhem uma relevante característica protegida e aqueles que não possuem tal característica,
particularmente em relação necessidade de
a) remover ou minimizar as desvantagens sofridas pelas pessoas que compartilhem uma relevante
característica protegida ou que sejam a ela conectados;
b) tomada de medidas para atender as necessidades das pessoas que compartilhem uma
relevante característica protegida, as quais são diferentes das necessidades das pessoas que não
a compartilham;
c) Encorajar pessoas que compartilhem uma relevante característica protegida a participar da vida
pública ou em outra atividade em que a participação de pessoas possuidoras desta característica
seja desproporcionalmente baixa;
4) Os passos envolvidos no atendimento das necessidades das pessoas deficientes que são
diferentes das pessoas não-deficientes incluem, em particular, a progressiva consideração das
deficiências das pessoas deficientes
5) Ter a devida consideração pela necessidade de promover as boas relações entre as pessoas
que compartilhem uma relevante característica protegida e aqueles que não possuem tal
característica envolve a necessidade de lidar com o preconceito e promover o entendimento;
6) Cumprimento dos deveres previstos nesta seção envolve o tratamento mais favorável de
algumas pessoas em detrimento de outras; mas isso não deve ser considerado como um
permissivo para condutas que de outra maneira seriam vedadas por este Ato;
7) Os critérios interditados de discriminação são: idade, deficiência, redesignação de gênero,
gravidez e maternidade, raça, religião ou crença e orientação sexual;
8) Referência à conduta que é proibida pelos termos deste Ato envolve referência a:
descumprimento da cláusula equitativa ou ao descumprimento do dever de não-discriminação;
Disponível em: https://www.legislation.gov.uk/ukpga/2010/15/section/149 Acesso em: 11 fev.
2018.
118

Tal modelo de atuação do Judiciário britânico comprometido com o


caráter procedimental na formulação e aplicação de políticas públicas aparenta
ser mais efetivo para assegurar a implementação de políticas públicas não-
discriminatórias que a simples delegação das decisões sobre os conflitos
distributivos para o âmbito judicial, com seus conhecidos e desabonadores
efeitos advindo da tentativa de implementação dos direitos econômicos por meio
do Judiciário brasileiro.
Neste sentido, Gustavo Amaral aponta que tal atuação se verifica
também na experiência alemã e norte-americana, frisando que o Judiciário não
faria quaisquer controles objetivos sobre a norma, mas antes um controle do
procedimento lógico, buscando as variáveis em jogo e dando a elas a devida
consideração308.
Conclusivamente, a adoção desta postura deferente quanto ao caráter
substantivo das escolhas feitas pelo Executivo e Legislativo em relação à
distribuição de bens públicos, não obstante exigir desses poderes um
inquebrantável respeito aos seus deveres procedimentais e de publicidade das
análises de impacto humanitário, apresenta-se como mais profícua que a atual
tentativa de implementação dos direitos sociais por meio do Judiciário.

308
AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. pp. 223-25
6
Conclusão

A presente dissertação teve como intento esclarecer o liame entre as


políticas de austeridade fiscal implementadas no Estado do Rio de Janeiro a
partir do requerimento feito pelo governo fluminense para a adesão no Regime
de Recuperação Fiscal e a fruição dos direitos socioeconômicos e culturais dos
cidadãos.
Foi observado ao longo da dissertação que as premissas sobre as quais
se assentam o retromencionado regime (v.g. congelamento real de gastos
públicos, aumento de impostos, privatização de empresas estatais, proibição de
contratação de novos servidores) tendem a prejudicar mais intensamente os
grupos socialmente vulneráveis do que a população mais privilegiada. Este
díspar efeito foi atribuído à maior dependência desses grupos vulneráveis aos
serviços prestados pelo Poder Público e a maior proporção da sua renda
advinda de benefícios assistenciais concedidos.
Por conseguinte, a partir da avaliação de que políticas públicas
aparentemente neutras, tais como a implementação de medidas de austeridade,
têm seus efeitos dispersos na sociedade de forma absolutamente desigual,
como demonstrado cabalmente pela experiência de países que passaram por
ajustes fiscais após a crise de 2008, defendeu-se a implementação de políticas
que reduzissem esses impactos prejudiciais sobre as camadas mais vulneráveis
da sociedade.
Como base legal justificadora das medidas que aqui foram propostas,
apontou-se o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
de 1966, sobretudo suas disposições contrárias à concessão em bases
discriminatórias dos direitos previstos no referido Pacto.
Deste modo, considerou-se que os efeitos previsivelmente mais nocivos
do ajuste fiscal estabelecido no Estado do Rio de Janeiro sobre suas populações
mais carentes em comparação às suas camadas mais privilegiadas era uma
infração dos deveres convencionalmente assumidos pelo Estado brasileiro.
Defendeu-se também que tais deveres eram de observância obrigatória
pelos entes subnacionais, os quais deveriam dar cumprimento às previsões do
Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, em
120

especial àquelas relativas ao desfrute não-discriminatórios dos direitos


convencionalmente previstos.
A escolha da perspectiva adotada nesta dissertação em detrimento da
perspectiva corrente, qual seja, a busca da efetivação dos direitos sociais
(previstos nos artigos 6º a 10 da Constituição Federal) por intermédio do
Judiciário, deu-se em razão de considerações quanto à efetividade e à própria
legitimidade das escolhas feitas pelo Poder Judiciário no tocante às questões
distributivas.
A efetivação do direito à saúde é paradigmática para a análise a que esta
dissertação se propôs em razão das escolhas trágicas atinentes à correta
utilização de recursos escassos, muitas vezes envolvendo a concessão de
medicamentos imprescindíveis para a manutenção da vida dos cidadãos. Em
casos como este, pensar em análises de custo-benefício ou em escassez de
recursos públicos para determinar a concessão ou não de um medicamento não
foi o enfoque adotado pelo Judiciário brasileiro.
De fato, foi observada a adoção de uma perspectiva maximalista na
concessão de tratamentos médicos, insumos e medicamentos, os quais, não
obstante os altíssimos custos observados, configurou-se como uma política
falha, com resultados práticos apontando parcos efeitos sobre as condições
gerais de saúde da população. Ainda, observou-se que os gastos eram
hiperconcentrados no tratamento de pouquíssimas doenças cujo custo do
tratamento é altíssimo e, frequentemente, beneficiavam as camadas mais
privilegiadas da sociedade.
A partir da leitura de Joseph Raz e o tratamento que este dá à
coordenação de políticas públicas, salientando a necessidade de coordenação
tanto em relação aos bens que serão fornecidos à coletividade, quanto ao
método de concessão desses bens. Este enfoque pressupõe para a efetividade
de uma política pública a coerência de objetivos e métodos, bem como sua
continuidade ao longo do tempo.
E tais características não estão presentes na atuação do Judiciário, mas
antes encontram-se no Executivo e Legislativo, poderes estes que, na posição
defendida ao longo da presente, deveriam ter atuação preponderante na
efetivação dos direitos socioeconômicos e culturais.
Reconhecida a incapacidade institucional do Judiciário na efetivação
desses direitos, dependentes de políticas cuja elaboração cabe ao Executivo e
Legislativo, buscou-se um aporte díspar da mera tentativa de efetivação por
meio judicial dos direitos sociais previstos na Constituição Federal. O resultado
121

foi a escolha do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e


Culturais de 1966 como fundamento teórico para a mutação da atuação estatal,
escolha esta baseada nas amplas possibilidades de utilização tanto em relação
à efetivação dos direitos convencionalmente previstos quanto em relação à
fruição isonômica dos direitos em questão.
Demonstrada o dever de observância obrigatória do supramencionado
Pacto Internacional tanto pelo governo federal quanto pelos entes subnacionais,
apontou-se o aspecto crucial que este Pacto Internacional possui como objeto de
análise, qual seja, a vedação da fruição discriminatória dos direitos previstos.
Este ponto é fulcral neste trabalho por ser intrinsecamente ligado à crise
fiscal e social que aflige o Estado do Rio de Janeiro e a forma escolhida pelo
governo federal de ajudar os estados em periclitante situação fiscal. O governo
federal adotou como política de auxílio a estes estados um Regime de
Recuperação Fiscal de cariz nitidamente neoliberal, suspendendo o pagamento
das dívidas com a União pelo período de 3 (três) anos prorrogável até 6 (seis)
anos, mas exigindo duríssimas contrapartidas que envolvem desde a exigência
de privatização de empresas estatais, ao veto à contratação de novos servidores
públicos e a proibição de aumento real do total de gastos públicos.
Todas essas medidas, nitidamente focadas em manter estável o nível de
endividamento do governo federal, já que não fornece ajuda financeira aos
estados, obriga que cada estado que adira ao Regime de Recuperação Fiscal
faça por si só a ajuste de seu orçamento (atualmente apenas Rio de Janeiro e
Rio Grande do Sul aderiram).
A experiência internacional, principalmente dos países atingidos pela
crise de 2008, demonstra inequivocamente que a implementação das medidas
de austeridade tem efeitos díspares sobre os diversos grupos sociais,
normalmente impactando mais lesivamente os grupos socialmente vulneráveis,
já que, em regra, mais dependentes de serviços públicos e com maior
participação de benefícios sociais na sua renda total.
Assim a ideia de que as medidas de austeridade distribuíram
equanimemente (pain sharing) seus efeitos sobre os grupos sociais não se
verificaram na prática, sendo extremamente provável que o mesmo ocorra em
âmbito fluminense, isto é, que os grupos socialmente vulneráveis sejam
desproporcionalmente afetados pelas medidas implantadas ou em fase de
introdução no Estado do Rio de Janeiro.
Entre as medidas adotadas pelo governo fluminense está o aumento da
alíquota de impostos indiretos (ICMS), antecipação da renovação dos contratos
122

de concessão de serviços públicos com efeitos óbvios no preço da tarifa do


serviço prestado e a privatização da CEDAE, conjunto de medidas este que
previsivelmente é mais prejudicial às parcelas mais vulneráveis da sociedade.
Apontou-se que as medidas adotadas pelo governo fluminense são
reflexo da atuação de um estado neoliberal, sendo, ao invés de um fenômeno
excepcional, um pressuposto do funcionamento do estado. Com isso, quer-se
dizer que o estado neoliberal, ao deliberadamente abdicar de instrumentos que
lhe permitiriam fazer políticas contracíclicas, ou seja, manter estáveis os gastos
públicos mesmo em crises econômicas, cujos efeitos previsíveis incluem a
queda da arrecadação tributária, pressupõe a adoção de medidas de
austeridade sempre que vivenciada uma crise econômica ou fiscal.
Embora haja um dissenso razoável entre economistas sobre os efeitos a
longo prazo da aplicação do receituário neoliberal para debelar-se uma crise
econômica ou fiscal, com alguns autores indicando que os ajustes seriam
benéficos à economia a longo prazo, indene de dúvidas que a curto prazo, tais
políticas são extremamente deletérias para o bem-estar das populações mais
vulneráveis.
Como proposta para limitar tais efeitos desproporcionais, defende-se que
o dever de não-discriminação constante artigo 2.2 do Pacto Internacional implica
o dever estatal de tomar medidas reparadoras sempre que verificados graus
distintos de fruição dos direitos enunciado no referido pacto em razão de umas
das categorias interditadas, quais seja, raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião
política, nacionalidade ou origem social, propriedade, nascimento ou outro
status.
Reconhecendo-se tanto a necessidade de medidas que minorem os
efeitos do ajuste fiscal sobre os grupos socialmente vulneráveis quanto às
restrições orçamentárias decorrentes do próprio ajuste implementado, concluiu-
se que a adoção de quaisquer medidas reparatórias dependeria de uma
conjunção de alta efetividade das políticas implantadas e do baixo custo dos
programas, sobretudo em razão da limitação orçamentária em âmbito
fluminense.
Como paradigma para esta atuação, citaram-se as experiências do RIIPL
e do BIT, cuja especialidade é a utilização massiva de dados quantitativos e
qualitativos somados a nudges para delimitação precisa do público-alvo para
seus programas e a obtenção de resultados relevantes não obstante seu baixo
custo. Salientou-se ainda que tal atuação poderia ocorrer não apenas na
123

formulação de programas voltados para grupos socialmente vulneráveis, mas


também como forma de ampliar a efetividade da atuação do aparelho estatal.
Por fim, delineou-se uma proposta de legislativa para se assegurar que
os grupos socialmente vulneráveis também usufruiriam dos direitos previstos no
Pacto Internacional, proposta esta que deveria tornar obrigatória em âmbito
fluminense o estabelecimento de métricas tangíveis para a redução da
disparidade nos indicadores sociais de renda, escolaridade, expectativa de vida,
etc.
Somada à obrigatoriedade do estabelecimento de metas para a redução
da desigualdade violadora das obrigações convencionalmente assumidas,
propôs-se a elaboração de um sistema independente de controle da atuação do
Executivo nesta questão, sendo proposto que fosse utilizada a FAPERJ para a
produção de conhecimento relativo ao dever de não-discriminação no desfrute
dos direitos socioeconômicos e culturais ou da criação de uma assessoria
técnica vinculada à ALERJ.
Como base para a elaboração das métricas atinentes à fruição não-
discriminatória destes direitos, utilizou-se a experiência comparada de países
como o Reino Unido e a política da Conselho da Europa para a elaboração de
orçamento “feminista”, políticas estas que representam uma forma de análise
dos direitos socioeconômicos e culturais a partir do dispêndio público.
A adoção de tal perspectiva permite aferir se a fruição de um dos direitos
socioeconômicos ou culturais é frustrada em razão do pertencimento a um dos
critérios interditados de discriminação, dotando a sociedade civil e acadêmicos
de instrumentos, entre os quais a avaliação de impacto humanitário, para
avaliação das escolhas orçamentárias, as quais, embora aparentemente neutras,
frequentemente impactam a forma como os diversos grupos demográficos
usufruem dos direitos socioeconômicos e culturais.
Derradeiramente, num ponto acorde com a interpretação dada pelo
Judiciário inglês ao dever procedimental do estado em garantir a fruição
isonômica dos direitos pertencentes aos diversos grupos demográficos, propõe-
se ao Judiciário uma atuação supletiva no tocante à efetivação de direitos
socioeconômicos e culturais, devendo precipuamente compelir-se a atuação
estatal de acordo com os parâmetros previstos, v.g. realização obrigatória
audiências públicas, análises dos desiguais impactos de cortes orçamentários
e/ou encerramento de programas governamentais, etc.
Com isso, manter-se-ia a imprescindível coordenação na formulação,
aplicação e manutenção de políticas públicas, sem que tal deferência implicasse
124

a anuência à inação do Executivo quanto ao seu dever de prover uma fruição


isonômica dos direitos socioeconômicos e culturais de seus cidadãos.
7
Referências bibliográficas

ADLER, Michael D. Equity by Numbers: Measuring Poverty, Inequality, and


Injustice. 66 Alabama Law Review, 2015. p. 555 Disponível em:
https://scholarship.law.duke.edu/faculty_scholarship/3064. Acesso em: 09 fev.
2018.

ADLER. Michael D. Future Generations: A Prioritarian View (October 22, 2009).


George Washington Law Review, Vol. 77, p. 1478, 2009; U of Penn Law School,
Public Law Research Paper No. 09-30; U of Penn, Inst for Law & Econ Research
Paper No. 09-39. Disponível em: SSRN: https://ssrn.com/abstract=1492737.
Acesso em: 21 fev. 2018.

ALESINA, Alberto; Ardagna, Silvia. Large changes in fiscal policy: taxes


versus spending. Tax policy and the economy 24, no. 1. 2010. Disponível em
http://www.journals.uchicago.edu/doi/abs/10.1086/649828. Acesso em: 26 nov.
2017.

AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha. Rio de Janeiro: Renovar,


2001.

ARAÚJO, Louise de. Os direitos humanos como parâmetro de aplicação do


controle de convencionalidade das leis: Precedentes do Sistema
Interamericano e o Caso Brasileiro. Dissertação de mestrado. Universidade de
Coimbra, Coimbra, 2015.

BAKER, Dean. The myth of expansionary fiscal austerity. No. 2010-23.


Center for Economic and Policy Research (CEPR), 2010.

BARBOSA FILHO, Fernando de Holanda. A crise econômica de


2014/2017. Estud. av., São Paulo, v. 31, n. 89, p. 51-60, Apr. 2017. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142017000100051&lng=en&nrm=iso>. Acessado em 25 de fevereiro de 2018.
http://dx.doi.org/10.1590/s0103-40142017.31890006. Acesso em: 09 fev. 2018.

BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios


Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 3ª Edição:
Revista e Atualizada. Rio de Janeiro, Renovar, 2011.

BIN, Daniel. Macroeconomic policies and economic democracy in neoliberal


Brazil. Economia e Sociedade 24, no. 3. 2015. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1590/1982-3533.2015v24n3art1. Acesso em: 10 nov. 2017.

BLUME, Lawrence E. New Palgrave Dictionary of Economics, 2nd Edition,


Vol. 6, Palgrave MacMillan, 2008.

BLYTH, Mark. Austerity: The History of a Dangerous Idea. Oxford University


Press, USA. Edição do Kindle.
126

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho.


Nova edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.
Acesso em: 22 fev. 2018.

BRASIL. LEI COMPLEMENTAR n.º 159, de 19 de maio de 2017. Institui o


Regime de Recuperação Fiscal dos Estados e do Distrito Federal e altera as Leis
Complementares no 101, de 4 de maio de 2000, e no 156, de 28 de dezembro
de 2016. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/CCIVil_03/leis/LCP/Lcp159.htm. Acesso em: 22 fev.
2018.

BRASIL. DECRETO n.º 9.288, de 16 de fevereiro de 2018.


Decreta intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro com o objetivo de pôr
termo ao grave comprometimento da ordem pública. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/D9288.htm.
Acesso em: 22 fev. 2018.

BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES. Diagnóstico dos Serviços de Água e


Esgoto – 2014 Disponível em:
http://www.epsjv.fiocruz.br/upload/Diagnostico_AE2014.pdf. Acesso em: 21 fev.
2018.

BRASIL. CÓDIGO CIVIL. LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Institui o


Código Civil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 22 fev.
2018

BRASIL. TESOURO NACIONAL. Pré-acordo de adesão ao Regime de


Recuperação Fiscal apresentado pelo Estado do Rio Grande do Sul. Disponível
em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/rrf. Acesso em: 11 dez. 2018.

BRASIL. DECRETO N.º 591, de 06 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto


Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Promulgação.
D.O.U de 07 de julho de 1992. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm. Acesso em:
03 jan. 2018.

BROCK, Dan W. Identified versus Statistical Lives: Some Introdutory Issues


and Arguments in COHEN, I. Glenn; DANIELS, Norman; EYAL, Nir. Identified
versus Statistical Lives: na Interdisciplinary Perspective. New York: Oxford
University Press, 2015

BUCHANAN, James M. Public Debt in Public Principles Of Public Debt in


DURLAUF, Steven N.;

CALABRESI, Guido & BOBBIT, Philip. Tragic Choices. New York: Norton, 1978.

CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos


Direitos Humanos. Volume 1. 2ª edição revista e atualizada. Porto Alegre:
Sérgio Antônio Fabris Editor. 2003
127

CHILTON, Adam S.; VERSTEEG, Mila. Rights Without Resources: The Impact
of Constitutional Social Rights on Social Spending (October 26, 2016). Virginia
Law and Economics Research Paper No. 2016-20; University of Chicago Coase-
Sandor Institute for Law & Economics Research Paper No. 781; U of Chicago,
Public Law Working Paper No. 598. Disponível em:
SSRN: https://ssrn.com/abstract=2857731 Acessado em 25 de fevereiro de
2018.

CLÈVE, Clèmerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais.


Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 54, p. 28-39, 2006.
Disponível em: http://clemersoncleve.adv.br/wp-content/uploads/2016/06/A-
eficácia-dos-direitos-fundamentais-sociais.pdf Acesso em: 03 jan. 2018.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 8ª


edição. São Paulo: Saraiva, 2013.

COUNCIL OF EUROPE; Handbook for Gender Equality Rapporteurs Gender


Equality and Gender Mainstreaming In Practice. p. 8 Disponível em:
https://rm.coe.int/16806b942d. Acesso em: 09 fev. 2018.

CRENSHAW, Kimberle. "Documento para o encontro de especialistas em


aspectos da discriminação racial relativos ao gênero". Revista de Estudos
Feministas, v.7, n. 12, p. 177. 2002.

CUNHA, José Ricardo. Os direitos sociais vistos de uma perspectiva


humanística ou sobre por que estamos diante de uma questão ética de primeira
grandeza in. TOLEDO, Cláudia (Org.) Direitos Sociais em Debate. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2013.

CUNHA, José Ricardo. Direito e Marxismo: é possível uma emancipação pelo


direito? / Law and Marxism: is it possible an emancipation by law?. Revista
Direito e Práxis, [S.l.], v. 5, n. 2, p. 422-461, dez. 2014. ISSN 2179-8966.
Disponível em: <http://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/13867>. Acesso em: 25
fev. 2018. doi:https://doi.org/10.12957/dep.2014.13867

DANIELS, Norman; SABIN, James. Setting Limits Fairly: Can We Learn to


Share Medical Resources? United States, North America, 2003. p. 19

DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS


SOCIOECONÔMICOS. Análise de Indicadores Selecionados (2016). Disponível
em:
https://www.dieese.org.br/anuario/2017/Livro0_AnaliseIndicadoresSelecionados.
pdf. Acesso em: 25 fev. 2018.

DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya Gasparetto. Dimensões da


constitucionalização das políticas públicas. Revista de Direito Administrativo,
Rio de Janeiro, v. 273, p. 237-267, set. 2016. ISSN 2238-5177. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/66662>. Acesso em:
24 set. 2017. doi:http://dx.doi.org/10.12660/rda.v273.2016.66662

DIX, Gus. Ricardo’s discursive demarcations:a Foucauldian study of the


formation of the economy as an object of knowledge. Erasmus Journal for
Philosophy and Economics, Volume 7, Issue 2, Autumn 2014, pp. 1-29.
Disponível em: http://ejpe.org/pdf/7-2-art-1.pdf. Acesso em: 24 fev. 2018
128

DUFLO, Stephanie; BANERJEE, Abhijit V. The Economic Lives of the Poor.


(October, 2006) Disponível em: https://economics.mit.edu/files/805 Acesso em:
22 fev. 2018. p. 12

EDELMAN, LB; SMYTH, AC; RAHIM, A. Legal Discrimination: Empirical


Sociolegal and Critical Race Perspectives on Antidiscrimination Law. ANNUAL
REVIEW OF LAW AND SOCIAL SCIENCE, VOL 12. 12, 395-415, 2016. ISSN:
15503585.

ELSON, Diane; BALAKRISHNAN, Radhika; HEINTZ, James. Public Finance,


Maximum Available Resources and Human Rights in NOLAN, Aoife;
O’CONNELL, Rory; HARVEY, Colin. Human Rights and Public Finance:
Budgets and the Promotion of Economic and Social Rights (Human Rights Law in
Perspective) (Locais do Kindle 558-562). Bloomsbury Publishing. Edição do
Kindle.

ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Lei n.º 7.514. Lei Orçamentária Anual. Volume
I. Disponível em:
http://www.rj.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=3a571122-6250-4905-
a720-ee20a44e62c6&groupId=91233. Acesso em: 23 set. 2017.

ESTADO DO RIO DE JANEIRO. INSTITUTO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Série


histórica de letalidade violenta. Disponível em:
http://www.ispdados.rj.gov.br/Arquivos/SeriesHistoricasLetalidadeViolenta.pdf.
Acesso em: 22 fev. 2018.

ESTADO DO RIO DE JANEIRO. RIO PREVIDÊNCIA. Secretaria de Fazenda


paga nesta quarta-feira (20/12) o 13º salário de 2016 e os salários de outubro
para o funcionalismo, em um total de R$ 2 bilhões. Disponível em:
https://www.rioprevidencia.rj.gov.br/RIOPREVIDENCIA/ListaNoticias/RP_019541
. Acesso em: 22 fev. 2018.

ESTADO DO RIO DE JANEIRO. PLANO DE RECUPERAÇÃO FISCAL.


Disponível em:
http://tesouro.gov.br/documents/10180/602241/Plano+de+Recuperação+Fiscal/8
fabd06f-10b0-424d-845f-9fa833235a88. Acesso em: 18 fev. 2018.

ESTADO DO RIO DE JANEIRO. INSTITUTO DE SEGURANÇA PÚBLICA.


Letalidade violenta no ano de 2016. Disponível em:
http://www.ispvisualizacao.rj.gov.br/Letalidade.html. Acesso em: 24 set. 2018.

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. PLLANO DE RECUPERAÇÃO FISCAL.


Disponível em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/rrf. Acesso em: 11 dez. 2017.

ESTADO DO RIO DE JANEIRO. LEI COMPLEMENTAR Nº 176, DE 30 DE


JUNHO 2017. ESTABELECE NORMAS E DIRETRIZES FISCAIS NO ÂMBITO
DO REGIME DE RECUPERAÇÃO FISCAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
Disponível em:
http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/f25edae7e64db53b032564fe005262ef/351f
497288c822cf8325818b005cf117?OpenDocument&Highlight=0,176. Acesso em:
29 out. 2017.

ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Lei Estadual n.º 4.056, de 30 de dezembro de


2002. Alterada pela Lei Complementar Estadual n.º 167, de 28 de dezembro de
129

2015. Disponível em:


http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/faces/oracle/webcenter/portalapp/pages/navig
ation-
renderer.jspx?_afrLoop=2670029761591327&datasource=UCMServer%23dDoc
Name%3A98979&_adf.ctrl-state=vzir1x20x_9. Acesso em: 01 dez. 2017.

FELLMETH, Aaron Xavier. Paradigms of International Human Rights Law.


Oxford University Press, 2016.

FITCH, David J.; WASSENICH, Paul; FIELDS, Paul; SCHEUREN, Fritz; ASHER,
Jana. Chapter 12: Statistics and the Millennium Development Goals in ASHER,
Jana; BANKS, David; SCHEUREN, Fritz J. (Org.) Statistical Methods for Human
Rights. New York: Springer, 2008

FOUCAULT, Michel. Segurança, Território, População. Curso dado no Collège


de France (1977-1978). Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins
Fontes, 2008.

FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Sociedade: Curso no Collège de France:


(1975-1976). Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes,
2005.

FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL. IMF POLICY PAPER FISCAL:


POLICY AND INCOME INEQUALITY. Disponível em:
https://www.imf.org/external/np/pp/eng/2014/012314.pdf Acessado em 06 de
dezembro de 2017

GÓES, Carlos; KARPOWICZ. IMF Working Paper. Inequality in Brazil: A


Regional Perspective. Disponível em
http://www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2017/10/31/Inequality-in-Brazil-A-
Regional-Perspective-45331. Acesso em: 17 nov. 2017.

HAMANN, Trent H. Neoliberalismo, governamentalidade e


ética. ECOPOLÍTICA, [S.l.], n. 3, set. 2012. ISSN 2316-2600. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/index.php/ecopolitica/article/view/12910>. Acesso em:
23 fev. 2018.

HARRISON, James; STEPHENSON, Mary-Ann. Assessing the Impact of the


Public Spending Cuts: Taking Human Rights and Equality Seriously in NOLAN,
Aoife; O’CONNELL, Rory; HARVEY, Colin (Org.). Human Rights and Public
Finance: Budgets and the Promotion of Economic and Social Rights
(Human Rights Law in Perspective) (Locais do Kindle 5684-5685). Bloomsbury
Publishing. Edição do Kindle

HARVEY, David. O Neoliberalismo: história e implicações. Tradução de Adail


Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Editora Loyola, 2008.

HOFFMANN, Florian. Revolution or Regression? Retracing the Turn to Rights


in ?Law and Development?. Finnish Yearbook of International Law, v. 23, p. 45-
72

KONZELMANN, Suzanne J.; The economics of austerity. Centre for Business


Research, University of Cambridge Working Paper No. 434. 2012. Disponível
em: http://ssrn.com/abstract=2127567 Acesso em: 02 nov. 2017.
130

KONZEN, Lucas. A justiciabilidade dos direitos sociais: considerações a


respeito da eficácia jurídico-subjetiva dos direitos fundamentais. Espaço Jurídico
Journal of Law [EJJL], [S.l.], v. 11, n. 1, p. 63-90, Dez. 2010. ISSN 2179-7943.
Disponível em:
<http://editora.unoesc.edu.br/index.php/espacojuridico/article/view/1939>.
Acesso em: 31 dez. 2017. pp. 77-78

LAVAL, Christian. FOUCAULT AND BOURDIEU: TO EACH HIS OWN


NEOLIBERALISM?.Sociol. Antropol., Rio de Janeiro , v. 7, n. 1, p. 63-75, Apr.
2017 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2238-
38752017000100063&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 23 fev. 2018.
http://dx.doi.org/10.1590/2238-38752017v713

LIPPERT-RASMUSSEN, Kasper. When Group Measures of Health Should


Matter In EYAL, Nir; HUST, Samia; NORHEIM, Ole F.; WIKLER, Daniel. (Orgs.)
Inequalities in Health:Concepts, Measures, and Ethics. New York: Oxford
University Press, 2013

LAZZARATO, Maurizio. The Making of the Indebted Man. An Esay on the


Neoliberal Condition. Traslated by Joshua David Jordan. Los Angeles:
Semiotext(e), 2012.

LOPES, Ana Maria D´Ávila; CHEHAB, Isabelle Maria Campos Vasconcelos.


Bloco de constitucionalidade e controle de convencionalidade: reforçando a
proteção dos direitos humanos no Brasil. Revista Brasileira de Direito, Passo
Fundo, v. 12, n. 2, p. 82-94, dez. 2016. ISSN 2238-0604. Disponível em:
<https://seer.imed.edu.br/index.php/revistadedireito/article/view/1367/1053>.
Acesso em: 31 dez. 2017. doi:https://doi.org/10.18256/2238-
0604/revistadedireito.v12n2p82-94.

MALCHER, Farah de Sousa; DELUCHEY, Jean-François. A origem biopolítica do


direito tributário. Revista Brasileira de História do Direito , v. 2, p. 39-59, 2016. DOI:
10.21902/2526-009X/2016.v2i2.1630. Acesso em: 04 fev. 2018.

MATTEI, Clara E. The Guardians of Capitalism: International Consensus and


the Technocratic Implementation of Austerity. Journal of Law and Society No.
44.1. 2017. p.20. Disponível em http://dx.doi.org/10.1111/jols.12012. Acesso em:
01 dez. 2017.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O controle jurisdicional da


convencionalidade das leis: o novo modelo de controle da produção normativa
doméstica sob a ótica do “diálogo das fontes”. Argumenta Journal Law,
Jacarezinho - PR, n. 15, p. 77-114, fev. 2013. ISSN 2317-3882. Disponível em:
<http://seer.uenp.edu.br/index.php/argumenta/article/view/200>. Acesso em: 31
dez. 2017.

MERCADO POPULAR. Restrições a doações de sangue: preconceito ou uma


medida baseada em dados? Disponível em:
http://mercadopopular.org/2017/06/restricoes-a-doacoes-de-sangue-preconceito-
ou-uma-medida-baseada-em-dados/. Acesso em: 20 fev. 2018

MIGLIORISI, Stefano; WESCOTT, Clay. A Review of Wordl Bank Support for


Accountability Institutions in the Context of Governance and
Anticorruption. IEG Working Paper 2011/5. Disponível em:
131

http://lnweb90.worldbank.org/OED/OEDDocLib.nsf/DocUNIDViewForJavaSearch
/E13928087B2E401085257984006D72A6/$file/IEG-GAC-AccountabilityFinal.pdf.
Acesso em: 13 jan. 2018.

MUDGE, Stephanie Lee. What is neo-liberalism? Socio-economic review, v. 6,


n. 4. 2008. p. 715 Disponível em: https://doi.org/10.1093/ser/mwn016. Acesso
em: 03 nov. 2018.

MURPHY, Liam. Why Does Inequality Matter? Reflections on the Political


Morality of Piketty's Capital in the Twenty-First Century (May 1, 2016). Tax Law
Review, Vol. 68, No. 3, 2015; NYU Law and Economics Research Paper No. 16-
21; NYU School of Law, Public Law Research Paper No. 16-19. pp. 617-618
Disponível em: https://ssrn.com/abstract=2769759 Acesso em: 21 fev. 2018.

MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. O mito da propriedade: os impostos e a


justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

NANCY, Jean-Luc. The birth of presence, Trans. Brian Holmes & Others.

O'CONNELL, Rory; NOLAN, Aoife; HARVEY, Colin; DUTSCHKE, Mira;


ROONEY, Eoin. Applying an international human rights framework to state
budget allocations: rights and resources. Routledge, 2014.

OLIVEIRA, Fábio Souza. Eficácia positiva das normas programáticas.


Revista Brasileira de Direito, Passo Fundo, v. 11, n. 1, p. 34-45, ago. 2015. ISSN
2238-0604. Disponível em:
<https://seer.imed.edu.br/index.php/revistadedireito/article/view/860/958>.
Acesso em: 03 jan. 2018. doi:https://doi.org/10.18256/2238-
0604/revistadedireito.v11n1p34-45.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Committee on Economic, Social


and Cultural Rights, ‘Letter from CESCR Chairperson to States Parties in
the context of the economic and financial crisis’, CESCR/48th/SP/MAB/SW,
16 May 2012 Disponível em:
http://www2.ohchr.org/english/bodies/cescr/docs/LetterCESCRtoSP16.05.12.pdf.
Acesso em: 04 jan. 2018.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. ComESCR, General Comment No. 14,


on the Right to the Highest Attainable Standard of Health, paragraph 12 (b).
Disponível em :
http://docstore.ohchr.org/SelfServices/FilesHandler.ashx?enc=4slQ6QSmlBEDzF
EovLCuW1AVC1NkPsgUedPlF1vfPMJ2c7ey6PAz2qaojTzDJmC0y%2b9t%2bsAt
GDNzdEqA6SuP2r0w%2f6sVBGTpvTSCbiOr4XVFTqhQY65auTFbQRPWNDxL.
Acesso em: 05 jan. 2018.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. ComESCR, General Comment No. 20,


Non-discrimination in economic, social and cultural rights (art. 2, para. 2, of the
International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights), paragraphs 1
and 2. Disponível em:
http://docstore.ohchr.org/SelfServices/FilesHandler.ashx?enc=4slQ6QSmlBEDzF
EovLCuW1a0Szab0oXTdImnsJZZVQdqeXgncKnylFC%2blzJjLZGhsosnD23Nsg
R1Q1NNNgs2QltnHpLzG%2fBmxPjJUVNxAedgozixcbEW9WMvnSFEiU%2fV.
Acesso em: 05 jan. 2018.
132

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Human Rights Council. Working Group


on the Universal Periodic Review. Twenty-seventh session. Report of the Office
of the United Nations High Commissioner for Human Rights. Compilation on
Brazil. Disponível em: https://documents-dds-
ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G17/045/78/PDF/G1704578.pdf?OpenElement.
Acesso em: 08 jan. 2018.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. UNITED NATIONS HUMANS RIGHTS


OFFICE OF THE HIGH COMMISIONER & INTERNATIONAL BUDGET
PARTNERSHIP. Realizing Human Rights Through Budget. New York e Geneva:
United Nations. 2017.

PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Tradução de Mônica Baumgarten


de Bolle. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014

PIOVESAN, Flávia; STANZIOLA, Renato. A justiciabilidade dos direitos


sociais e econômicos no Brasil: desafios e perspectivas. Revista
Iberoamericana de Filosofía, Política y Humanidades, v. 8, n. 15 , p. 128-146,
Abr. 2006. ISSN 2340-2199. Disponível em:
https://ojs.publius.us.es/ojs/index.php/araucaria/article/view/1117/1013. Acesso
em: 05 jan. 2018

PIOVESAN, Flavia. Direitos sociais, econômicos e culturais e direitos civis e


políticos. Sur, Rev. int. direitos human., São Paulo , v. 1, n. 1, p. 20-47, 2004
. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-
64452004000100003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 19 fev. 2018.
http://dx.doi.org/10.1590/S1806-64452004000100003. p. 37

PELE, Antonio. Human dignity, Archaeology and Power. A Foucauldian


Approach, 2018.

POSNER, Eric A. The Twilight of the Human Rights Law. New York: Oxford
University Press, 2014.

QUINN, Sheila. Equality Proofing the Budget: Lessons from the Experiences of
Gender Budgeting? In NOLAN, Aoife; O’CONNELL, Rory; HARVEY, Colin (Org.).
Human Rights and Public Finance: Budgets and the Promotion of
Economic and Social Rights (Human Rights Law in Perspective) (Locais do
Kindle 4376-4378). Bloomsbury Publishing. Edição do Kindle.

RAZ, Joseph. Between Authority and Interpretation: On the Theory of Law


and Practical Reason Oxford University Press. Edição do Kindle.

RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem


internacional. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014.

RIBEIRO, Ricardo Lodi. PEC 241: Austeridade seletiva ou rente-seeking.


Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/Ricardo-Lodi-
Ribeiro/pec-241-austeridade-seletiva-ou-rent-seeking Acessado em: 12 de
dezembro de 2016.

RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação. Porto Alegre: Livraria do


Advogado, 2008.
133

RIOS, Roger Raupp; SILVA, Rodrigo da. Democracia e direito da


antidiscriminação: interseccionalidade e discriminação múltipla no direito
brasileiro. Cienc. Cult., São Paulo , v. 69, n. 1, p. 44-49, Mar. 2017 .
Disponível em:
<http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-
67252017000100016&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 12 jan. 2018.
http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000100016

ROONEY, Eoin; HARVEY, Colin. Better on the Margins? A Critique of


Mainstreaming Economic and Social Rights in NOLAN, Aoife; O’CONNELL,
Rory; HARVEY, Colin (Org.). Human Rights and Public Finance: Budgets and
the Promotion of Economic and Social Rights (Human Rights Law in Perspective)
(Locais do Kindle 3340). Bloomsbury Publishing. Edição do Kindle.

SALTZER; William e ANDERSON; Margo; Using Population Data Systems to


Target Vulnerable Population Subgroups and Individuals: Issues and
Incidents in ASHER, Jana; BANKS, David; SCHEUREN, Fritz J. (Org.) Statistical
Methods for Human Rights. New York: Springer, 2008.

SANDERS, Michael; CHANDE, Raj e SELLEY, Eliza. Encouraging People into


University Research report March 2017. ISBN: 978-1-78105-719-3 Disponível
em: http://38r8om2xjhhl25mw24492dir.wpengine.netdna-cdn.com/wp-
content/uploads/2017/03/Encouraging_people_into_university.pdf. Acesso em:
31 jan. 2018.

SATTERTHWAITE, Margaret L; SIMEONE, Justin C. An Emerging Fact-


Finding Discipline? A Conceptual Roadmap for Social Science Methods in
Human Rights Advocacy. Public Law & Legal Theory Research Paper Series
Working Paper No. 14-33 Disponível em: http://ssrn.com/abstract=2468261.
Acesso em: 05 fev. 2018

SAIZ, Ignacio. Resourcing Rights: Combating Tax Injustice from a Human Rights
Perspective In O'CONNELL, Rory; NOLAN, Aoife; HARVEY, Colin. Human
Rights and Public Finance: Budgets and the Promotion of Economic and Social
Rights (Human Rights Law in Perspective) (Locais do Kindle 2143-2145).
Bloomsbury Publishing. Edição do Kindle.

SHIN, Patrick S. Treatment as an individual and the priority of persons over


groups in antidiscrimination law. Duke Journal of Constitutional Law & Public
Policy. 1, 107, 2016. ISSN: 1937-9439. p. 112

SOARES, João Batista Berthier Leite; TAVARES, Ana Lucia de Lyra. Normas
constitucionais programáticas Dissertação (mestrado)-Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Direito, 1996.

SOUZA SANTOS, Boaventura de. Para um novo senso comum: a ciência, o


direito e a política na transição paradigmática. v. I. A crítica da razão indolente:
contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez. 2002.

STARK, Barbara. How the age of rights became the new Gilded Age: from
international antidiscrimination law to global inequality. Columbia Human Rights
Law Review. 1, 151, 2015. ISSN: 0090-7944.

SUNSTEIN, Cass R.; HOLMES, Stephen. The Cost of Rights. New York:
Norton & Company Ltd., 1999.
134

THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R, Nudge: Improving decisions about


health, wealth, and happiness; New Haven: Yale University Press, 2008.

TAYLOR, Mathew M. O Judiciário e as Políticas Públicas no Brasil. DADOS,


Rio de Janeiro, Vol. 50, nº 2, 2007. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-
52582007000200001&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 21 fev. 2018.
http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52582007000200001.

THE BEHAVIOURAL INSIGHTS TEAM UPDATE REPORT 2016-17. Disponível


em: http://www.behaviouralinsights.co.uk/publications/the-behavioural-insights-
team-update-report-2016-17/. Acesso em: 31 jan. 2018.

TORELLY, Marcelo. Controle de Convencionalidade: constitucionalismo


regional dos direitos humanos? Revista Direito e Práxis, Volume 8, n.º 1. 2017.
DOI: 10.12957/dep.2017.23006. Disponível em: http://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/23006. Acesso em: 29
dez. 2017

TORRES, Ricardo Lobo. O Direito ao Mínimo Existencial. Rio de Janeiro:


Editora Renovar, 2009.

TÓTORA, Silvia. Foucalt: Biopolítica e Governamentabilidade Neoliberal.


Revista de Estudos Universitários. Volume 37, n.º 2. 2011. Disponível em:
http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php/reu/article/view/646. Acesso em: 23 fev.
2018

VOORHOEVE AE, et al. including Eyal N. Making Fair Choices on the Path to
Universal Health Coverage: Applying Principles to Difficult Cases. Health
Systems & Reform. 2017. Disponível em:
http://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/23288604.2017.1324938?needAcce
ss=true. Acesso em: 23 fev. 2018.

WILLIAMSON, John. Democracy and the “Washington Consensus”. World


Development, Vol. 21, No. 8. 1993. p. 1330 Disponível em: https://ac.els-
cdn.com/0305750X9390046C/1-s2.0-0305750X9390046C-
main.pdf?_tid=66a1788a-dac2-11e7-af88-
00000aacb362&acdnat=1512591594_8c48edbd918eca65e7f757265861556e.
Acesso em: 06 dez. 2017.

ZASLOFF, Jonathan. THE PRICE OF EQUALITY: FAIR HOUSING, LAND USE,


AND DISPARATE IMPACT. Columbia Human Rights Law Review. 48, 3, 98,
2017. ISSN: 00907944.

Você também pode gostar