Ebook - Riscos e Crises
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UNIVERSIDADE
ANTÓNIO AMARO DE COIMBRA
COIMBRA
(COORDS.) UNIVERSITY
PRESS
RISCOS E CRISES
DA TEORIA À PLENA MANIFESTAÇÃO
Este livro visa enquadrar o estudo dos diferentes tipos de risco que envolvem a intervenção dos
agentes de proteção civil, ao mesmo tempo que procura especificar o significado, em língua
portuguesa, de alguns dos principais conceitos associados à teoria do risco e contribuir para a
diferente das análises parcelares feitas pelas ciências que para ela contribuem com metodologia
própria das respetivas especialidades, quer se trate de ciências naturais, de ciências sociais e
humanas ou de ciências económicas.
Deste modo e ao contrário destas ciências mais específicas, que apresentam uma visão mais
especializada e, por isso, também mais parcelar dos riscos, as ciências cindínicas procuram con-
centrar-se no estudo global dos riscos, através de uma visão holística que abarca os diferentes
e único de estudo, envolvendo todos os tipos e, também, as suas diferentes fases de manifes-
tação, desde a prevenção até à recuperação das áreas onde se manifestaram e, ainda, os seus
intervenientes, desde as personagens até às infraestruturas, ao contrário do que sucede com ou-
tras ciências que consideram os riscos mais como manifestações, as quais são estudadas apenas
nos aspetos que dizem respeito à respetiva especialidade. Acresce que esta abordagem cindínica
procura ser global e sistémica, isto é, tenta ter em linha de conta todos os elementos que expli-
cam os diferentes tipos de risco, desde a sua origem: natural, antrópica ou mista, até às conse-
quências provocadas pela sua manifestação, tanto nas pessoas, como nos seus bens e haveres.
Por fim, consideramos que a educação é a forma mais adequada para resolver os problemas re-
sultantes da manifestação dos riscos, pelo que o conhecimento técnico-científico, materializado
Por todas estas razões, a edição desta obra pretende dar um contributo para o saber cindínico e,
através dele, para uma melhor educação e uma maior resiliência da população às manifestações
RISCOS E CRISES
DA TEORIA À PLENA MANIFESTAÇÃO
edição
Imprensa da Universidade de Coimbra
Email: imprensa@uc.pt
URL: http//www.uc.pt/imprensa_uc
Vendas online: http://livrariadaimprensa.uc.pt
coordenação editorial
Imprensa da Universidade de Coimbra
C onceção gráfica
Imprensa da Universidade de Coimbra
P ré -I mpressão
Fernando Felix
I nfografia da C apa
Mickael Silva
E xecução gráfica
KDP
ISBN
978-989-26-1696-4
ISBN D igital
978-989-26-1697-1
DOI
https://doi.org/10.14195/978-989-26-1697-1
prefácio.................................................................................................. ..... 7
Introdução............................................................................................... 11
A socialização pós-catástrofe
Norma Valêncio .................................................................................... 507
CONCLUSão................................................................................................. 521
p r e fác i o
7
Estas três obras deveriam ser organizadas dentro da lógica de subdivisões apre-
sentadas no capítulo 1.3., que trata da classificação dos riscos, mas, como o ritmo
de chegada dos textos foi muito diferente do inicialmente previsto, isso obrigou à
reformulação desse plano, sobretudo para não atrasar mais a publicação dos capí-
tulos dos autores que cumpriram com os prazos estabelecidos, razão pela qual a
edição destes quatro volumes ficou comprometida no modelo previamente definido
e foi necessário proceder a alguns ajustes, de modo a dar à estampa os capítulos que
foram produzidos.
Em função desse atraso, a edição destes tomos acabou por vir a coincidir com a de
outros volumes cuja publicação estava prevista para mais tarde, mas que, entretanto,
ficaram concluídos, pelo que as respetivas edições irão processar-se alternadamente.
Por outro lado, a disseminação de conhecimentos técnicos e científicos que pro-
curaremos fazer nesta série de livros, deverá ser seguida do necessário debate dos
conceitos mais controversos, dando passos importantes para o amadurecimento do
significado dos diferentes vocábulos, com o objetivo de implementar uma termino-
logia que possa vir a ser o mais consensual possível, de modo a permitir melhorar
não só a qualidade do ensino e da prática pedagógica nas escolas, mas também a
formação e operacionalidade dos agentes de proteção civil.
Com vista à concretização deste propósito foram dados alguns passos signi-
ficativos, tanto pelo Ministério da Administração Interna, através da Autoridade
Nacional de Proteção Civil, em coedição com a Direção-Geral do Ordenamen-
to do Território e Desenvolvimento Urbano e o Instituto Geográfico Português,
bem como pelo Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas,
através da Direção-Geral dos Recursos Florestais, atual Instituto de Conservação
da Natureza e das Florestas, e, mais recentemente, pelo Ministério da Educação
e Ciência, através da Direção-Geral de Educação e da Direção-Geral dos Estabe-
lecimentos Escolares, que contaram com a colaboração Autoridade Nacional de
Proteção Civil, tendo instituído instrumentos orientadores muito importantes para
a concretização desses objetivos, designada e respetivamente através de: (i) Guia
metodológico para a produção de cartografia municipal de risco e para a criação de
sistemas de informação geográfica (sig) de base municipal, Lisboa, 2006; (ii) Guia
técnico para elaboração do plano municipal de defesa da floresta contra incêndios;
8
(iii) 2015 - Referencial de Educação para o Risco - Educação Pré-Escolar, Ensino
Básico e Ensino Secundário, Lisboa, 2007.
Todavia, do nosso ponto de vista e como tivemos ensejo de manifestar após as
respetivas publicações, estes instrumentos foram infelizes no posicionamento do
conceito perigosidade, uma vez que alteraram a sua posição na sequência hierárqui-
ca da teoria do risco, adulterando o seu significado usual em português e introdu-
zindo, por isso, alguma entropia na lógica em que deve assentar a teoria do risco e
que, na nossa óptica, enquanto não for corrigida, por muito que isso possa custar
aos organismos que procederam à sua difusão, continuará a enfermar e a distorcer a
realidade e, por conseguinte, a compreensão daquilo a que se convencionou chamar
“teoria do risco”.
A publicação do Referencial de Educação para o Risco, teria permitido resolver
interna e serenamente esta situação, mas percebemos que as entidades supramen-
cionadas não tiveram a humildade científica necessária para discutir o correto posi-
cionamento desse conceito, porventura em resultado do incómodo que tal decisão
acarretaria, pelo que se perdeu essa excelente oportunidade e, por conseguinte, não
nos resta outra alternativa que não seja a de tentarmos divulgar uma outra opinião,
um entendimento diferente do significado desse conceito, deixando ao leitor a de-
cisão de optar pela perspetiva que considerar mais correta.
Neste contexto, a série está aberta à pluralidade das opiniões expressas pelos
autores que nela queiram colaborar, sem fundamentalismos nem radicalismos, mas
defendendo naturalmente os seus pontos de vista, com o objetivo de prosseguir um
caminho sustentado numa lógica racional, que aponte para um modelo objetivo,
que siga uma linha de rumo coerente, clara, bem definida e, em simultâneo, sufi-
cientemente abrangente, de modo a que todas as diferentes ciências que contribuem
para a cindínica nele se possam rever, estando naturalmente aberto a todos os con-
tributos que possam ajudar a melhorá-lo e a enriquecê-lo.
Ao longo dos anos em que temos vindo a desenvolver investigação científica,
percebemos que a educação é a forma mais adequada para resolver os problemas
com que qualquer país se possa debater e que o conhecimento técnico-científico,
materializado em diversos saberes, é fundamental para uma educação devidamen-
te sustentada, pelo que a proposição de esta nova série também pretende dar um
9
contributo para o saber cindínico e, através dele, para uma melhor educação e uma
maior resiliência da população às manifestações de risco e, por conseguinte, contri-
buir também para a redução do risco.
Luciano Lourenço
Introdução
Luciano Lourenço
Departamento Geografia e Turismo, CEGOT e RISCOS,
Universidade de Coimbra (Portugal)
ORCID: 0000-0002-2017-0854 luciano@uc.pt
A edição desta obra, que foi pensada para ser a primeira e, por conseguinte, para
abrir a nova série “Riscos e Catástrofes”, foi concebida para fazer o enquadramento
desta série na chamada Cindínica, a ciência que estuda os riscos naturais, antrópicos
e mistos, bem como a prevenção das suas plenas manifestações, as catástrofes.
Como é sabido, o termo provém do vocábulo grego Kyndinos, que significa “pe-
rigo”, uma vez que a manifestação dos riscos normalmente acarreta perigo para as
sociedades, quer seja diretamente para as pessoas, quer diga respeito aos seus bens.
Este termo foi ganhando consistência durante o último quartel do século pas-
sado, tendo sido definido nessa época, mais precisamente na década de noventa,
altura em que foi popularizado por George-Yves Kervern, através da sua célebre
obra Éléments fondamentaux des Cindyniques, publicada em 1995 e traduzida para
português nesse mesmo ano.
Nesta publicação, o signatário além de enquadrar a problemática associada ao
estudo dos riscos, especificou o significado de alguns dos principais conceitos, bem
como definiu a metodologia desta nova disciplina concebida com um caráter ho-
lístico, completamente diferente das análises parcelares feitas pelas outras ciências
que também estudam os riscos numa perspetiva mais especializada, quer se trate de
ciências naturais, de ciências sociais e humanas ou, mesmo, de ciências económicas.
Com efeito, ao contrário destas ciências mais específicas, que apresentam uma
versão especializada mas parcelar dos riscos, as ciências cindínicas procuram con-
centrar-se no estudo global dos riscos, através de uma análise e visão holística desta
temática. De facto, apenas as ciências cindínicas possuem os riscos como objeto
central e único de estudo, envolvendo todos os tipos e as diferentes fases de mani-
festação dos riscos, desde a prevenção até à recuperação das áreas onde se manifes-
taram, bem como os seus intervenientes, desde as personagens às infraestruturas,
ao contrário do que sucede com as outras ciências que consideram os riscos mais
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como manifestações, as quais são estudadas apenas nos aspetos que dizem respeito
à respetiva especialidade.
Acresce que esta abordagem cindínica procura ser global e sistémica, isto é, tenta
ter em linha de conta todos os elementos que explicam os diferentes tipos de risco,
desde a sua origem: natural, antrópica ou mista, até às consequências provocadas
pela sua manifestação, tanto nas pessoas, como nos seus bens e haveres.
Ora, pela sua dupla formação, tanto em ciências da natureza, no domínio da
geografia física, como em ciências sociais, na componente da geografia humana, os
geógrafos estão particularmente bem posicionados para se interessarem pelas ciên-
cias cindínicas, tanto mais que a geografia, enquanto ciência de síntese e ponto de
convergência de vários saberes, lhes permite materializar, de forma muito particular,
as implicações espaciais, sociais e ambientais dos riscos e das suas plenas manifesta-
ções, as catástrofes, nos diferentes territórios.
Com efeito, a sua formação na componente física, permite-lhes serem particu-
larmente sensíveis aos processos que estão subjacentes ao desenrolar dos diversos fe-
nómenos naturais que podem originar riscos, procurando situá-los no tempo e no
espaço, já que a maior ou menor severidade dos danos por eles causados resultará
dessa localização, bem como da intensidade com que o fenómeno se vier a manifestar.
Por outra parte, a componente humana da sua formação, deixa-os particular-
mente preparados não só para a análise dos fenómenos que desencadeiam riscos
antrópicos, mas também e sobretudo para interpretarem a vulnerabilidade das so-
ciedades e das infraestruturas que ficam expostas à manifestação do risco, decorren-
tes da respetiva fragilidade e das eventuais capacidades de antecipação e de resposta,
outro aspeto fundamental a ter em conta na avaliação desses danos, outro papel
para o qual também estão habilitados, pelo que não será de estranhar que muitos
geógrafos se tenham dedicado ao estudo dos riscos.
Acresce que a sua formação em ordenamento do território lhes permite fazer
leituras precisas sobre o modo como os territórios devem estar ordenados para uma
adequada gestão dos respetivos riscos, através das medidas cautelares consideradas
necessárias e que, entre outras, passam por medidas estruturais, que decorrem do
zonamento em diferentes níveis de risco, e por medidas conjunturais, designada-
mente de informação, sensibilização e educação.
12
Com efeito, ao longo dos anos em que temos vindo a desenvolver investigação
científica, percebemos que a educação é a forma mais adequada para resolver os
problemas com que qualquer país se possa debater e que o conhecimento técnico-
-científico, materializado em diversos saberes, é fundamental para uma educação
devidamente sustentada, pelo que a proposição desta nova série também pretendeu
dar um contributo para o saber cindínico e, através dele, para uma melhor educação
e uma maior resiliência da população às manifestações de risco e, por conseguinte,
contribuir para a redução do risco.
Porque possuem esta visão holística e pela sua capacidade de realizar sínteses, os
geógrafos estão bem posicionados para liderar equipas cindínicas em que a interven-
ção de outros profissionais especializados (das engenharias à sociologia, da geologia
à história, da economia ao jornalismo, da química à antropologia, da medicina à
informática, para referir apenas algumas das ciências intervenientes) é essencial,
para levar a bom porto uma correta gestão dos riscos, a fim de prevenir a sua mani-
festação e, sobretudo, a minimização das suas nefastas consequências, sempre que
eles vierem a manifestar-se, por não ter sido possível evitar essa sua manifestação.
Talvez por essa razão também não será de admirar que grande parte dos autores
dos capítulos, tanto deste livro como dos seguintes, além de associados da RISCOS,
muitos deles sejam também doutorados em geografia. Obviamente que não se trata
de uma condição sine qua non, pois há diversos autores especialistas de outras áre-
as científicas e foram convidados outros que declinaram os convites, mas apenas
denota essa maior propensão dos geógrafos para se dedicarem ao tratamento deste
temas, razão pela qual é desta área científica que surgiu a maior parte dos autores,
mas a série está naturalmente aberta à participação de todos quantos nela queiram
publicar os resultados da sua investigação científica na área das ciências cindínicas.
Feito o convite, aguardamos pelos vossos contributos, na expectativa de que esta
série possa vir a publicar muitas obras e, assim, possa servir para educar e, através da
educação, contribuir para a redução do risco.
13
(Página deixada propositadamente em branco)
Prevenção , Socorro e
R e ab i l i ta ç ã o , O s t r ê s
p i la r e s d e s u s t e n ta ç ã o
de um a Proteção Civil
moderna
207
(Página deixada propositadamente em branco)
O s i s t e m a d e P r o t e ç ã o e S o c o r r o e m P o rt u gal
- e v o l u ç ã o e d e s e n v o lv i m e n t o -
T h e P r o t e c t i o n a n d R e s c u e sys t e m i n P o rt u gal
- e v o lu t i o n a n d d e v e l o p m e n t -
António Amaro
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
ORCID: 0000-0002-6677-4637 amaro@scml.pt
DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-1697-1_10
Abstract: Civil Protection is now one of the most urgent priority issues in discus-
sions of national and international reality on different scales.
However, as a concept it is a recent creation. In fact, in Portugal, the
help provided to local communities has been based on the fire brigades
from very early on, as these were created and supported by their local
communities through humanitarian associations.
Meanwhile, the legislative and structural reform implemented from
July 2006 reinforced the state authority in the sector and organized the
duties, powers and responsibilities of the various civil protection agents.
However, it conceptualized a system overly focused on response, operatio-
nally centralized, and that undervalued the municipal intervention level.
Introdução
374
pulverizados pelo planeta, exigindo dos sistemas de segurança e proteção civil,
melhor preparação, resposta e recuperação, em ordem à salvaguarda das pessoas
e do meio ambiente.
Como veremos a proteção civil, enquanto sistema de apoio às populações é
uma criação recente, enquanto o socorro emanado da sociedade civil organizada
em Associações Humanitárias tem raízes históricas muito mais antigas.
Este capítulo tem como grande objetivo analisar por um lado, a evolução
histórica do socorro em Portugal até aos nossos dias, com especial enfoque
na reforma legislativa e estrutural realizada a partir de julho de 2006 com
publicação da Lei de Bases da Proteção Civil, do Sistema Integrado de Proteção
e Socorro (SIOPS) e a criação da Autoridade Nacional de Proteção Civil
(ANPC). Por outro lado, interrogar o sistema, quer ao nível dos diversos
agentes e respetivas atribuições, competências e responsabilidades, quer ao
nível das incongruências institucionais e operacionais designadamente quanto
à desvalorização do patamar mais próximo das ocorrências que é o patamar
municipal, pondo em causa um dos princípios básicos da Proteção Civil, o
princípio da subsidiariedade.
375
"[...] que por quanto pr vezes se levanta fogo em essa cidade, consi-
derando sobrelo alguu boõ Remedio: Acordastes q era bem q os pregoeiros
dessa cidade pr freguesias e cada hua noute, depois do signo da colhença,
andem pr a dita cidade apregoando q cada huu guarde e ponha guarda
ao fogo em suas casas. E q ds nõ queira, q todos os carpenteiros e calafates
venham aaquel lugar, cada huu cõ seu machado, pr auere de atalhar o
dito fogo: E q outº ssi todas as molheres q ao dito fogo acodiram, tragam
cada huã seu cântaro ou pote pª carretar auga pª apagra o dito fogo”.
(Matos, 1995: 21 – 22).
376
gação apagar os incêndios da cidade, que, nesta altura, eram maioritariamente
originados por explosões no fabrico e venda de pólvora (Caldeira, 2006:17).
Em 1678, no reinado de D. Pedro II e por determinação real de 28 de Março,
foram criados os primeiros “quartéis” (um no Bairro Alto, outro em Alfama e
outro num bairro intermédio a estes). Tais “quartéis” configuravam fisicamente
armazéns onde seria guardado material destinado ao combate aos incêndios,
nomeadamente escadas, baldes de couro ou madeira, machados, picaretas,
alavancas e arpéus (as primeiras mangueiras) tendo, por determinação real de
24/10/1681, sido deliberada a aquisição de material na Holanda, exigência que
a Câmara de Lisboa teve dificuldade em satisfazer. Começava, assim, a pensar-
-se no aperfeiçoamento do “serviço” de incêndios da cidade (Matos, 1995:30).
Em 1683, no reinado de D. Pedro II, foi publicado o primeiro regulamento
destinado ao pessoal que, por obrigação, deve acorrer aos incêndios, em Lisboa,
cabendo aos “juízes do crime” fazer uma lista de todos os pedreiros, carpintei-
ros, calceteiros, serradores e outros trabalhadores que deveriam apresentar-se à
Câmara de Lisboa para serem selecionados com vista ao combate dos incêndios
e cada um dos ofícios deveria nomear 2 oficiais mais idóneos para servirem
de “cabos”. Ainda no reinado de D. Pedro II, em 1700, algumas medidas de
prevenção foram tomadas, nomeadamente quanto à proibição do uso de fogos
de pólvora, principal causa de incêndios da cidade de Lisboa. Em resumo, ao
longo do século XVII, os instrumentos de combate aos incêndios variavam entre
machados, enxadas, picaretas, alviões, varas de madeira com bicheiros e escadas
dobradiças manejadas por trabalhadores dos mais variados ofícios: calceteiros,
carpinteiros, pedreiros, sob as ordens dos respetivos mestres.
Em 1734, no reinado de D. João V, procedeu-se à compra das primeiras 4
bombas-tanques com suporte para baldes, em Inglaterra, sendo também, neste
reinado, que, devido a dificuldades financeiras, a Câmara de Lisboa chegou a
dever cinco anos de salários ao pessoal destacado para combater incêndios.
Daqui à desorganização do serviço de incêndios foi um passo, o que infe-
lizmente aconteceu várias vezes. Foi também nesta altura que apareceu pela
primeira vez o termo bombeiro, aplicado aos trabalhadores das bombas dos
serviços de incêndios (Santos, 1995:16).
377
Em Janeiro de 1766, ainda no reinado de D. José, Domingos da Costa foi
nomeado mestre dos calafates, com vista a organizar e dirigir o serviço de in-
cêndios de Lisboa, obrigando-se todos os capatazes a comparecer nas ações de
combate a incêndios. É considerado o primeiro comandante remunerado dos
bombeiros municipais e capitão das bombas, cuja ação não foi muito relevante
tendo sido demitido e substituído por Mateus António da Costa, conforme
Portaria do Senado da Câmara de 21/07/1786, que posteriormente, por portaria
de 01/01/1794, foi nomeado Inspetor de Incêndios, com jurisdição sobre os
capatazes, cabos e aguadeiros (Matos, 1995:35-36).
378
que angariou (Santos, 1995: 18). A criação destes corpos de bombeiros é
um sinal evidente de que a estruturação dos serviços de incêndios, de modo
organizado, vai ultrapassar no final do século XVIII, as duas maiores cidades
do território português – Lisboa e Porto – em grande evidência na primeira
fase da Idade Contemporânea.
Importa salientar que é no último quartel do século XVIII, (Santos, 1995:18),
que surgem os primeiros serviços de incêndios privativos, instalados em repar-
tições públicas, de Lisboa, e em palácios reais da capital e dos arredores.
379
e transformada em Batalhão em 1937) dividindo a cidade em três distritos para
efeitos de socorro e combate a incêndios. Em 1852 o serviço de incêndios de
Lisboa foi novamente reorganizado e foi publicado o “Regulamento para os
Empregados da Repartição dos Incêndios” (Matos, 1995:44).
Em 1853, a Câmara estabeleceu que todos os empregados da repartição de
incêndios que se aleijassem no “serviço de fogos” seriam contemplados pela
mesma, para efeitos de apoios sociais.
Antes, em 1839, foi criada a Companhia de Incêndios de Vila Nova de Gaia.
Dezassete anos depois, em 1856, Viseu abre a sua Companhia de Bombeiros,
composta por quarenta e sete elementos. Dois anos mais tarde, 1858, a “bomba”
de Braga deu lugar a uma Companhia de Incêndios, e em 1860, foi o Município
de Abrantes que criou a sua própria companhia.
Em 1864, Vila Real cria a Companhia de Socorro contra Incêndios,
seguindo-lhe a Figueira da Foz. É ainda neste ano que o Corpo de Bombeiros
de Lisboa adquire uma bomba a vapor, de tração braçal e hipomóvel, importada
de Inglaterra, com desempenho superior às bombas de caldeira existentes.
Em 26 de Junho de 1867, sucedendo ao código administrativo de 1842,
foi aprovada a primeira “Lei de Administração Civil” que dividiu o Reino de
Portugal em distritos, concelhos e paróquias civis.
Pelo n.º 13 do art.º 87 competia às câmaras municipais tomar resoluções
sobre polícia de segurança e limpeza pública, serviço sanitário, socorros para a
extinção dos incêndios e contra inundações e demolição de edifícios arruinados
ou que ameaçam ruína, nos termos da legislação em vigor (Matos, 1995:49).
No nº. 18, do mesmo artigo, “competia a distribuição de socorros dentro das
forças do respetivo orçamento, quando se dê alguma calamidade pública” (Matos,
1995: 49).
Pela resolução n.º 577, de 21/07/1870 foi aprovado novo código adminis-
trativo, dizendo-se no artigo 121º que a Câmara delibera nos termos das leis
e dos regulamentos, nomeadamente: “sobre polícia de segurança e de limpeza
pública, serviço sanitário, socorros para extinção de incêndios e contra inundações e
demolição de edifícios arruinados, ou que ameaçam ruína, nos termos da legislação
em vigor” (Matos, 1995: 50).
380
Por força de lei competia ao Administrador do concelho “providenciar nos
casos de incêndio, inundações, naufrágios e simelhantes e promover a distribuição
de socorro no caso de calamidades públicas”.
Sucedeu-se o código administrativo de 1878, que, no artigo 103º, n.º 2,
aludia à competência da Câmara para “[...] conceder pensões aos bombeiros, que se
impossibilitarem de trabalhar por desastre sofrido no serviço dos incêndios, devendo
cessar a pensão, quando cesse a impossibilidade”.
Em suma, os diversos códigos administrativos de 1836, 1842, 1870, 1878,
1886, 1895/96 e 1900, que podem ser, até certa medida, “consideradas sucessivas
edições atualizadas do mesmo diploma”, colocaram sempre a tónica da responsa-
bilidade da Câmara e do seu “provedor/administrador/presidente” na organização
dos serviços de extinção de incêndios, prevenção e socorro das populações em
situações de calamidade (Quadro I).
Organização
Concessão de Elaboração de Despesas com Actuação dos
do Serviço de
Data do Pensões a Posturas para Limpeza o Serviços de Administradores
Incêndio ou
Diploma Bombeiros de Chaminés Incêndios do Concelho
Socorros para Ext.
(N.º e Art.º) (N.ºe Art.º) (N. e Art.º) (N.º e Art.º)
Incêndio
12-07-1836
---------- ---------- ---------- --------- art.º 63
18-03-1842
---------- ---------- N.º 3/ art.º 120 Ver art.º 120º N.º 15/ art.º 249
Refere-se “posturas”
21-07-1870 N.º 22/ art.º 121 ---------- N.º 13/ art.º 150 N.º 15/ art.º 279
em geral
1878 N.º 23/ art.º 103 N.º 20/ art.º 103 N.º 4/art.º 104 N.º 13/art.º 127 N.º 15/art.º 203
17-07-1886
N.º 19/art.º 117 N.º 22/art.º 118 N.º 4/art.º 120 N.º 10/art.º 141 N.º 15/art.º 242
04-05-1896
N.º 8/art.º 50 N.º 26/art.º 51 N.º 5/art.º 52 N.º 14/art.º 81 N.º 17/art.º 278
21-06-1900
N.º 8/art.º 109 N.º 26/art.º 109 N.º 5/art.º 111 N.º 14/art.º 131 N.º 17/art.º 318
381
Além disso, cabia-lhe, como se disse, a concessão de pensões aos bombei-
ros acidentados. Ora, com tais responsabilidades legais, que razões explicam
a existência de tão poucos corpos de bombeiros municipais ao nível do País,
ontem e hoje?
A falta de recursos dos Municípios, num Estado centralizado, explicará tal
fenómeno?
Que razões levaram alguns Municípios (ao todo 22) que detinham corpos
de bombeiros, a “prescindirem” dos mesmos, como sucedeu por exemplo, em
Lamego e Guimarães, logo que foram criadas as Associações Humanitárias locais?
Importa salientar que até à publicação dos Códigos 1936/1940 vigoraram
as disposições dos Códigos de 1878 e 1896, em que:
• A entidade que aprovava os estatutos e regulamentos das Associações
Humanitárias era o Governador Civil;
• A aprovação dos regulamentos e dos quadros dos corpos de bombeiros
municipais competia à entidade tutelar.
382
O movimento associativo nascente deu lugar ao aparecimento de grupos de
homens e mulheres que abraçaram a causa dos bombeiros portugueses e que,
integrando os corpos gerentes, deram e continuarão a emprestar o seu prestimoso
contributo, administrando as associações de bombeiros. São os vulgarmente
chamados “bombeiros sem farda”.
E se, nesta primeira fase da sua atividade, as associações de bombeiros ti-
nham como grande objetivo a extinção de incêndios, depressa se aperceberam
que podiam alargar a sua ação a duas importantes áreas de socorro: a urgência
extra-hospitalar e os socorros a náufragos.
Na área da urgência, começaram a ser organizadas as “ambulâncias”, que tinham
como objetivo “o serviço médico e cirúrgico, em ocasiões de sinistro e suas consequências”
e dispunham de macas de padiola e de macas rodadas e de pessoal próprio, isto é, o
“pessoal da ambulância”, normalmente dirigido pelo “facultativo” (Santos, 1995: 23).
A ação dos bombeiros nos socorros a náufragos teve o seu início em 1870.
Antes mesmo da criação do Real Instituto de Socorros a Náufragos, em Abril
de 1982, “os bombeiros de Portugal espalhados pelo país em várias associações
humanitárias e vocacionados para socorrer o próximo em caso de cataclismo,
cedo se aperceberam da sua utilidade para salvar náufragos de navios encalha-
dos e perdidos na costa [...] com cabos de vaivém passados aos navios encalhados”
(Fialho, 1995:61).
Ainda hoje existe uma estreita ligação entre os bombeiros e o Instituto de
Socorros a Náufragos (ISN), cooperando muitos corpos de bombeiros com esta
Instituição, através de socorros a partir da terra disponibilizando o Instituto
equipamentos necessários e ministrando a formação especializada aos bombeiros
destacados nos serviços de socorros a náufragos.
Na sequência de códigos anteriores, o código administrativo de 1878 deu
às câmaras a responsabilidade de “organizar serviços ordinários ou extraordiná-
rios para extinção dos incêndios [...]”. Competia-lhes ainda fazer posturas “para
limpeza das chaminés e fornos, e o serviço para a extinção de incêndios e contra
inundações” (Santos, 1995: 24).
Entretanto, no cumprimento das obrigações legais que lhes atribuíram
os diferentes códigos administrativos, as câmaras municipais continuaram a
383
adquirir material para a extinção de incêndios, não obstante se constatar o
facto de muitas vezes o socorro não funcionar com prontidão e eficácia, já que
o material disponível não era utilizado corretamente, mormente por falta de
instruções e competências. Nesta linha, “algumas câmaras municipais e muitas
comunidades locais tomaram a iniciativa de organizarem corpos de bombeiros
devidamente enquadrados e comandados” (Santos, 1995: 24).
A formação dos bombeiros era ministrada nos “quartéis” constando basi-
camente de exercícios práticos com bombas e com escadas. “Tratava-se, com
certeza, de conhecimentos empíricos, obtidos ou transmitidos pela via da experiên-
cia, se preferirmos, através da formação em contexto de trabalho, porventura com
técnicas e métodos pouco pedagógicos, aos olhos de hoje, mas, quiçá, tão eficazes
quanto os atuais” (Lourenço, 2002:26).
Em 1876 foi então criada uma Escola de Bombeiros, dependente do Corpo
de Bombeiros Municipais de Lisboa, na rua da Inveja, tendo-se iniciado por
essa altura a realização de manobras, exercícios de salvamento e simulacros
pelo País (fot. 1 e 2).
Um extrato da Ordem de Serviços do inspetor de incêndios de 15 de
Janeiro de 1876, entre outros, determina que na Escola de Bombeiros se
cumpra o seguinte:
Art.º 1.º - A instrução é obrigatória para que todos os homens que compõem
o corpo de bombeiros, e em cumprimento do art.º 131 do Regulamento ninguém
poderá passar à classe imediatamente superior, nem mesmo ter preferência por
qualquer serviço dentro da sua própria classe, senão em virtude das habilitações
que tiver alcançado pela sua aplicação. Para este efeito, nenhum “patrão” ou “as-
pirante” será nomeado para lugar imediatamente superior sem prévio exame das
disciplinas que se ensinaram na Escola. “Cento e trinta e dois anos depois, o espírito
desta ordem de serviço contínua perfeitamente atual. Seria bom que fosse aplicado
a todos os bombeiros, sobretudo aos elementos de comando” (Lourenço, 2001: 26).
Em 1882 o corpo ativo de bombeiros de Lisboa passou a chamar-se “Corpo
de Bombeiros Municipais”, constituído por 163 homens, coadjuvados por um
“corpo auxiliar” de 530 sotas, condutores e moços, “além de todos os homens que se
acharam matriculados como aguadeiros na cidade de Lisboa” (Santos, 1995:25-26).
384
Fot. 1 - Manobras em esqueleto Fot. 2 - Exercícios de salvamento
(BP, Vol. I, 1995:368). (BP, Vol. I, 1995:397).
Photo 1 - Skeleton Maneuvers Photo 2 - Lifesaving exercises
(BP, Vol. I, 1995:368). (BP, Vol. I, 1995:397).
Os Bombeiros no Século XX
385
Entretanto o novo código administrativo, aprovado em 21 de Junho de
1900, volta a cometer (como os anteriores, desde 1834) às câmaras municipais
a responsabilidade de deliberar sobre prevenção e organização de incêndios
e de fazer posturas e regulamentos “para limpeza das chaminés e fornos”,
competindo ao administrador do concelho “providenciar para proteção e
segurança das pessoas e cousas nos casos de incêndio, inundações, naufrágios,
calamidade pública e semelhantes, promovendo a prestação e distribuição de
socorros” (Santos, 1995: 27).
Em 1901, o serviço de incêndios do município de Lisboa passou a fazer
parte do Estado, “ficando sob imediata superintendência do respetivo governador
civil, continuando a ser encargo obrigatório do mesmo município a respetiva do-
tação" (Santos, 1995:27) .
Nos primeiros dez anos do século XX fundaram-se 21 associações e, entre
1910 e 1929, foram criadas 95 associações de bombeiros voluntários, dois
corpos de bombeiros municipais e um corpo de bombeiros privativo (Santos,
1995:27). Esta forte explosão “criadora de corpos de bombeiros, sobretudo volun-
tários, decorria naturalmente da força da população integrada nas comunidades
locais e com base nos Concelhos, por não existência de estruturas de socorro ou por
deficiente funcionamento das estruturas existentes, por bairrismos ou influência
de figuras carismáticas ou até por dissidências com as estruturas já existentes”
(Laranjeira, CPE-2007:1). A entidade licenciadora era o Governador Civil que
aprovava os estatutos das respetivas Associações Humanitárias, donde emanavam
os Corpos de Bombeiros, e a quem estas apresentavam os respetivos relatórios
de atividades e contas, situação que, com o decurso do tempo, deixou de ser
cumprida por grande parte das associações.
Entretanto, depois das tentativas falhadas para a criação de uma estrutura
federativa dos bombeiros portugueses, respetivamente em 1889, 1904 e 1929,
as associações e corpos de bombeiros, reunidos em congresso no Estoril em
1931, decidiram fundar uma Confederação Nacional denominada Liga dos
Bombeiros Portugueses (LBP) com o grande objetivo de “defender e promover
quanto importa aos interesses dos serviços de incêndios e socorro em calamidades
públicas” (Santos, 1995:30).
386
Com a criação da Liga, a ocorrência de acidentes em serviço originou
uma preocupação social para com os bombeiros e as suas famílias, criando-
-se uma Caixa de Previdência e Socorros aos Órfãos e Viúvas de Bombeiros,
em funcionamento durante alguns anos, sucedendo-lhe o Fundo de Proteção
Social do Bombeiro, ainda hoje existente, no âmbito da Fénix Social dos
Bombeiros. Além desta vertente social, a Liga publica desde 1943 o Boletim
da Liga dos Bombeiros Portugueses que em 1978 passou a denominar-se o
Fogo e a Técnica, a que sucedeu, desde 1982, o atual jornal mensal Bombeiros
de Portugal.
O Dia do Bombeiro era comemorado no dia 18 de Agosto e a primeira
comemoração foi no ano de 1923. Mais tarde, no congresso de 1986, a data
foi alterada para o último Domingo do mês de Maio com a designação de “Dia
Nacional do Bombeiro”.
Os anos trinta do século XX foram ainda marcados por grandes acontecimen-
tos para os bombeiros. Um dos mais importantes foi a substituição do material
de tração humana e hipomóvel por viaturas mecânicas (Barreiros, 2001:139).
Sendo certo que a organização dos bombeiros, ao nível associativo se revi-
gorou e adquiriu maior prestígio e direitos próprios sob a égide e orientação
da LBP, liderada por uma plêiade de figuras de elevado nível da organização
operacional, eram muito significativas as dificuldades com que se debatiam os
corpos de bombeiros, seja devido à sua autonomia e dispersão, seja devido à
ausência de um órgão nacional aglutinador e coordenador.
Não obstante os esforços da Liga, não existia uma matriz comum, quer
no que se refere à organização interna das Associações e dos seus corpos de
bombeiros, quer na organização voltada para o exterior, relevando os aspetos
disciplinares, a constituição do corpo de bombeiros, a nomeação dos elemen-
tos do comando, a instrução, o fardamento, entre outros, sendo evidente a
necessidade de uma certa uniformização e a existência de uma entidade que
represente convenientemente os bombeiros.
Neste contexto é legítimo referir que, “no período em apreço, é inexistente
um quadro verdadeiramente estruturante, bem evidenciado pela diversidade de
conceitos e práticas verificados na organização dos bombeiros, ainda que neste
387
período tenham sido introduzidas inovações dignas de registo, reconhecendo-se
a necessidade de ser convenientemente institucionalizada a criação de entidades
voltadas essencialmente para o socorro” (Matos, 1995: 78).
Ainda assim, em 1937, a LBP lançou um Plano de Uniformes para todos os
corpos de bombeiros intentando contribuir também para regular a organização
e funcionamento dos mesmos. Ora, volvidos 71 anos, ainda não está conseguido
este desiderato, comprovando-se, assim, a “singularidade autonómica” de cada
um dos corpos de bombeiros ditos voluntários.
O Estado, pelo seu lado, evidenciava a sua vulnerabilidade no domínio da
organização nacional dos serviços de incêndios (e outros serviços de socorro),
e somente a partir do Código Administrativo de 1936 assumiria a publicação
da primeira regulamentação de carácter global dos corpos e associações de
bombeiros. Foi então, o País dividido em duas zonas: Norte e Sul, com as
respetivas Inspeções de Incêndios, dirigidas pelos comandantes dos Batalhões
do Porto e de Lisboa, que detinham poderes de “inspeção técnica em tudo o que
respeita à aquisição, conservação e utilização de material e à instrução do pessoal”
(art.º 159 do Código Administrativo, de 1936).
Pela primeira vez, a Administração Central do Estado Português, mantendo
a independência das associações, assume a tutela administrativa de todos os
corpos de bombeiros: Sapadores, Municipais, Voluntários e Privativos.
Dez anos volvidos, merece especial menção a tentativa de uma maior organi-
zação nacional dos Serviços de Incêndios, através da publicação do Decreto-Lei
n.º 35857, de 11 de Setembro de 1946, que criava o Conselho Nacional do
Serviço de Incêndios, ao qual competia, entre outras incumbências, “fomentar a
criação de corpos de bombeiros nas localidades onde se tornam necessários e indicar
aos corpos existentes os serviços que mais convenha estabelecer” (Santos, 1995: 32).
Em suma, o Decreto – Lei n.º 35857, de 11 de Setembro de 1946, regrou o
que já estava instituído nas associações e corpos de bombeiros. Foram definidas
normas de organização dos corpos de bombeiros em que cada um deles deveria
ter total ou parcialmente os seguintes serviços: serviço de incêndios, serviço de
saúde, serviço de socorros a náufragos. Estes seriam constituídos internamente
por comando e quadros ativo, auxiliar e honorário.
388
Este diploma determinou também a classificação do material e as denomi-
nações das unidades (divisão, secção, pelotão, companhia e batalhão), definiu
normas sobre categorias, quadros, recrutamento, situações no quadro, licenças,
disciplina, instrução e prestação de serviço. Inclui ainda o primeiro plano de
uniformes de iniciativa governamental, determinando os tipos de uniformes
e a sua composição, os distintivos dos postos e especialidades do pessoal dos
corpos de bombeiros, definiu o papel da mulher na estrutura dos bombeiros,
ao nível dos serviços de enfermagem, condução de viaturas, cantinas, secretária
e outras semelhantes e abriu a possibilidade de, nas localidades afastadas das
sedes dos corpos de bombeiros, serem organizadas brigadas ou secções destaca-
das, como hoje são designadas (Santos, 1995:32-33). Datam também dos anos
40 os primeiros quartéis construídos de raiz com instalações mais adequadas
à missão dos bombeiros e, em muitos casos, tendo também em vista objetivos
de solidariedade social e de índole sociocultural com forte implantação na vida
das respetivas comunidades locais (Branco, 1995:331-336).
Decorridos cinco anos sobre a publicação deste primeiro regulamento geral
dos corpos de bombeiros, o governo embora reconhecendo o “notável êxito
alcançado” e correspondendo a sugestões dos próprios corpos de bombeiros,
aprovou pelo Decreto-Lei n.º 38439, de 27 de Setembro de 1951, novo regu-
lamento geral, alterando apenas alguns preceitos estabelecidos de encontro ao
contexto da época e aspirações dos próprios bombeiros.
A nova lei atribuiu aos Inspetores de Zona (Norte e Sul) as competências de
“aprovar os modelos de material e dar parecer sobre os tipos de viaturas e restante
material de incêndios de que deviam ser dotados os corpos de bombeiros, tendo
em atenção as características dos serviços a que se destinavam” (art.º 9º do Dec.
Lei nº 38439).
Intentava-se desta forma “uniformizar a diversidade verificada até então na
organização dos corpos de bombeiros municipais, voluntários e privativos”. Por outro
lado, no domínio da organização de conjuntura o referido Decreto-Lei n.º 38439,
estabelecia na parte final, Capítulo V – Da prestação de serviços – algumas normas
de uso interno, para cada corpo de bombeiros e princípios de comando, em caso
de atuação conjunta de unidades idênticas ou de diferentes tipos .
389
A década de 60 é ainda marcada pela realização, em Lisboa, do II
Congresso Mundial do Fogo, promovido pelo Comité Técnico Internacional
do Fogo (C.T.I.F.) e em 1963, são conhecidas as primeiras instruções conhe-
cidas do Governo manifestando preocupações aos Governos Civis, Câmaras
e Direções das Associações, sobre o número e a extensão dos incêndios
florestais “que causavam avultados prejuízos à economia nacional”, mas que,
nesta fase, não eram ainda responsabilidade dos Corpos de Bombeiros
(Gomes, 2002:111).
Aliás o Decreto-Lei n.º 38439, de 27 de Setembro de 1951, verdadeiro
Regulamento Geral dos Corpos de Bombeiros “é omisso no que se refere a situ-
ações graves (consideradas de calamidade pública) como sejam: incêndios em vastas
zonas florestais, inundações de grande vastidão nos meios populacionais, terramotos,
ciclones, etc. Se é certo que a solução de tais emergências compete à Defesa Civil
do Território, não é menos certo que em tais circunstâncias são as corporações de
bombeiros os principais agentes de socorro, como aconteceu em 1967 nas grandes
inundações ocorridas na área de Lisboa” (Laranjeira, 2002:63).
Por outro lado, quando tais emergências tinham lugar, sobretudo em áreas
muito grandes ou em zonas dispersas, é evidente que os corpos de Bombeiros
não podiam ter uma atuação oportuna e eficiente “enquanto não for criado, em
cada Distrito, um Comando que tenha a seu cargo: o estudo dos meios necessários
para as debelar; o planeamento da atuação das Corporações; a requisição direta e
imediata dos elementos atuantes e de reforço e a direção dos trabalhos de socorro e
salvamento” (Laranjeira, 2002:63).
Num quadro de “intenso fervilhar de novas ideias”, no Congresso da LBP,
em Aveiro, realizado em 1970, ganha força a, já antiga, aspiração dos bombeiros
para a criação de um serviço nacional, como entidade única de coordenação e
apoio às atividades dos corpos de bombeiros, entidade que só viria a ser criada
nove anos depois.
Em 1978, depois de trinta e dois anos de vigência do regulamento de 1951,
foi reconhecido de “interesse público nacional e face às enormes carências em
matéria de recursos humanos, de equipamentos e de meios financeiros” reestru-
turar o Conselho Nacional de Serviços de Incêndios, criando-se o Conselho
390
Coordenador do Serviço de Bombeiros, o qual estava incumbido de apoiar o
Governo na definição da política a desenvolver no sector, promover a realização
de estudos sobre o ordenamento territorial dos meios de combate a incêndios
e de ações gerais de planeamento, coordenação e implementação de medidas
para uma utilização racional dos esforços e de equipamentos de combate a
incêndios. Quanto às inspeções, o diploma previa a existência de serviços de
apoio próprio a cargo de pessoal a destacar dos Batalhões (Lisboa e Porto), onde
funcionavam as sedes daquelas instituições (Santos:1995:35).
Um ano mais tarde, a Lei n.º 10/79 cria o Serviço Nacional de Bombeiros,
competindo-lhe orientar e coordenar as atividades e serviços de socorro exercidos
pelos corpos de bombeiros e assegurar a sua articulação, em caso de emergência,
com o Serviço Nacional de Proteção Civil, criado em 1975, após a extinção em
1974, da Defesa Civil do Território (Santos, 1995:34-35).
Em 1980 é publicado o Decreto-Lei n.º 418/80, de 29 de Setembro (um
mês mais tarde publica-se a Lei Orgânica da Proteção Civil, Decreto-Lei nº
510/80, de 25 de Outubro), que implementou uma nova e autonomizada
estrutura do Serviço Nacional de Bombeiros, com competências de orientar,
coordenar e fiscalizar as atividades e serviços exercidos pelos corpos de bom-
beiros, assegurando a sua formação. Este diploma criou ainda cinco inspeções
regionais de bombeiros que asseguram a nível regional a inspeção e coorde-
nação do Serviço Nacional de Bombeiros. Além, destas atribuições, cabia ao
SNB, “promover a instalação gradual de uma escola nacional de bombeiros e
assegurar a realização de ações de formação e de aperfeiçoamento profissional,
com vista à melhoria contínua de conhecimentos técnicos do pessoal dos corpos
de bombeiros” (Santos, 1995:36).
Por outro lado, o Decreto Regulamentar n.º 55/81 veio cometer aos corpos
de bombeiros, pela primeira vez, a responsabilidade do combate aos incêndios
florestais, o que provocou uma profunda modificação na organização e atividade
daqueles corpos, posto que os meios humanos e materiais dos CB’s não tinham
formação nem adequação às respetivas missões de combate na floresta. Além
disso, salvo raras exceções subsistia um certo isolamento operacional intercorpos
de bombeiros, logo inexistência de qualquer estrutura orgânica globalizante
391
no âmbito operacional e ausência de quaisquer normas e procedimentos de
natureza operacional conjunta (Santos, 1995: 214-215).
Mas para além destas dificuldades e disfunções com que o SNB e as suas
Inspeções Regionais e Superior se depararam, acrescia ainda “a inexistência de nor-
mas e procedimentos de telecomunicações e de qualquer tipo de formação e treino de
comandos, e bem assim desconhecimento por parte dos corpos de bombeiros da temática
concernente ao transporte de mercadorias perigosas e, também, das técnicas e práticas
tendentes ao estabelecimento de planos prévios de intervenção” (Santos, 1995:215).
Em conclusão, no decurso do século XX, mais propriamente entre 1900-
1980, foram fundadas 298 Associações Humanitárias de Bombeiros Voluntários,
9 corpos de bombeiros Municipais e 10 corpos de bombeiros privativos. A
fundação e distribuição geográfica dos Corpos de Bombeiros, obedeceu, salvo
raras exceções, à iniciativa de alguns elementos das diversas comunidades lo-
cais, na grande maioria, ou à intervenção de uma outra Câmara Municipal, em
alguns casos, ou ainda, em muitos casos, por pressão de responsáveis superiores
dos bombeiros nos concelhos onde não havia corpos de bombeiros (Moura,
CPE- 2007:2).
Sendo certo que, até Dezembro de 1981, a responsabilidade dos incêndios
florestais não competia aos Corpos de Bombeiros, em termos operacionais e
não obstante algumas exceções, comportavam-se “por tradição e em termos de
atuação” como autênticas “ilhas”, (variando de cidade para cidade e de vila
para vila). “Quando em ação conjunta, imperava a improvisação e a indefinição
de comando” (Santos, 1995: 217).
Em suma, nascendo no seio de Associações de Direito Privado, em contexto
de parca intervenção do Estado, sobretudo até aos anos oitenta, os Corpos de
Bombeiros – sem prejuízo do reconhecido altruísmo e abnegação da maioria
dos bombeiros voluntários e dos dirigentes – foram espelhando ao longo do
século XX, um desenvolvimento desigual, muito baseado no “espírito de cou-
rela”, ao nível organizacional, e de projeção externa e de forte improvisação,
ao nível operacional, face às disparidades de instrução/formação e de meios e
equipamentos de intervenção existentes. Tais disparidades eram também veri-
ficáveis ao nível dos quartéis.
392
Organização do Sistema de Socorro até 2002
393
um novo organismo que materializasse o conceito de Sistema Integrado de
Emergência Médica, entretanto identificado como adequado para a elevação
da qualidade do socorro prestado às populações. É neste quadro que, através
do Decreto-Lei n.º 234/81, de 3 de Agosto, é criado o Instituto Nacional de
Emergência Médica (INEM).
Em Dezembro do ano seguinte, o já referido Decreto Regulamentar n.º
55/81 clarificou as competências das diferentes entidades quanto aos incêndios
florestais, até aí dependentes dos serviços florestais do Ministério da Agricultura,
ou seja, segundo Lourenço (2006 b):62):
• Os Serviços Florestais do Estado passaram a ficar responsáveis apenas
pela prevenção e deteção;
• Os Corpos de Bombeiros passaram a responder pelo combate e rescaldo;
• Os Municípios assumiram a responsabilidade da proteção civil mu-
nicipal e da dinamização das Comissões Municipais Especializadas em
Fogos Florestais.
Decorridos sete anos da aprovação da Lei Orgânica do SNB, foi publicada
a Lei n.º 21/ 87, de 20 de Junho, que aprovou o Estatuto Social do Bombeiro
e sendo alterada anos depois pela Lei n.º 23/95, de 18 de Agosto. A Liga dos
Bombeiros Portugueses criou, com base nesse diploma de 1987, o já referido
Fundo de Proteção Social do Bombeiro.
O regime jurídico dos corpos de bombeiros foi estabelecido no Decreto-
Lei n.º 407/93, de 14 de Dezembro, e foi também criado um novo Conselho
Nacional dos Bombeiros Portugueses, órgão de cariz consultivo, presidido pelo
Ministro da Administração Interna.
Entre 1980 e 1995 foram criadas 54 associações de bombeiros voluntários
e 8 corpos de bombeiros privativos (Santos, 1995: 36).
Mas a década de 90 foi marcada, no plano legislativo, pela aprovação da Lei
n.º 113/91, de 29 de Agosto (Lei de Bases da Proteção Civil), definindo esta
como uma “atividade desenvolvida pelo Estado e pelos cidadãos”.
A publicação desta lei marca um momento de viragem na função proteção civil
no nosso País, uma vez que retira o SNPC do âmbito da legislação reguladora da
Defesa Nacional e confere-lhe um conceito doutrinário autónomo e específico.
394
Esta evolução legislativa e conceptual foi consolidada pela Resolução da
Assembleia da República n.º10/92, de 1 de Abril, que integrou, na ordem
jurídica nacional, os Protocolos Adicionais I e II das Convenções de Genebra,
de 12 de Agosto de 1949, concluídos em Genebra em 12 de Dezembro de
1977, que, nos primeiros protocolos referidos, consagra um conceito amplo
de proteção civil (Caldeira, 2003: 17).
O artigo 6.º da Lei 113/91 considera a Proteção Civil “permanente, multi-
disciplinar e plurissectorial, cabendo a todos os órgãos e departamentos do Estado
promover a sua execução de forma descentralizada” (delegações distritais). No
artigo 8.º (informação e formação dos cidadãos) diz-se que “os programas de
ensino, nos seus diversos graus, incluirão, na área de formação cívica, matérias de
Proteção Civil e auto proteção” e no artigo 18.º (Agentes de Proteção Civil),
consideram-se “SNB, Forças de Segurança, Forças Armadas, Sistema de Autoridade
Marítima e Aeronáutica, Instituto Nacional de Emergência Médica. Especial dever
de cooperação: Serviços e Associações de Bombeiros”. Relativamente aos agentes de
proteção civil, o legislador tipificou as suas funções, classificando-as como de
“alerta, intervenção, apoio e socorro, de acordo com as suas atribuições próprias”
e atuando “sob a direção dos comandos ou chefias próprios”.
Quanto às operações de proteção civil, este diploma estruturante do Sistema,
prevê a ativação de centros operacionais de proteção civil de nível nacional,
regional, distrital ou municipal, de harmonia com programas e planos de
emergência previamente elaborados.
Mas esta década ficou igualmente marcada pela revisão de diversos diplo-
mas reguladores do Sistema. Neste período foram revistas as Leis Orgânicas do
SNPC, SNB e INEM, antevendo a necessidade de se proceder a uma análise
integrada e de conjunto do sistema e subsistemas de socorro no nosso País
(Caldeira, 2003:17).
Em 1992 foi reconhecida a “necessidade de promover a reestruturação do qua-
dro em que é exercida a atividade pelos bombeiros, pela importância primordial e
pelos valores e tradição de que são depositários” (Santos, 1995: 37). Foi aprovado
o novo estatuto de bombeiro profissional, pelo Decreto n.º 293/92, de 30 de
Dezembro, alterado, por retificação, pela Lei n.º 52/93, de 14 de Julho.
395
Particularmente importante é o Decreto-Lei n.º 203/93, de 3 de Junho
(Lei Orgânica do SNPC), que estabelece a organização, as atribuições, as com-
petências, o funcionamento, o estatuto e as estruturas inspetivas dos serviços
que integram o Sistema Nacional de Proteção Civil, bem como a orgânica e
competências do Serviço Nacional de Proteção Civil. No seu art.º 5.º pode
ler-se que os Municípios dispõem de Serviços Municipais de Proteção Civil,
devendo aqueles que à data de publicação do diploma os não tenham criado
promover a sua criação. Eis a primeira referência expressa de motivação para
a organização do subsistema municipal de proteção civil, que alerta para o
cumprimento do DL n.º 100/84, de 29 de Março – o qual define o regime de
atribuições das autarquias locais e as competências dos respetivos órgãos, com
as alterações introduzidas pela Lei n.º 18/91, de 12 de Junho – que comete
ao Presidente da Câmara Municipal a direção, em estreita articulação com o
SNPC, do Serviço Municipal de Proteção Civil: “tendo em vista o cumprimento
dos planos e programas estabelecidos e a coordenação das atividades a desenvolver
no domínio da proteção civil, designadamente em operações de socorro e assistência,
com especial relevo em situações de catástrofe e calamidade pública” (alínea i, do
n.º 1, do art.º n.º 53).
Ora, como sabemos, decorridos 15 anos, existem Câmaras Municipais em
que Serviço Municipal de Proteção Civil, ainda não se encontra organizado, não
obstante o disposto na Lei 27/2006, de 3 de Julho (Lei de Bases da Proteção
Civil) e em especial na Lei nº 65/2007 de 12 de Novembro que define o en-
quadramento institucional e operacional da proteção civil no âmbito municipal
e estabelece a organização dos serviços municipais de proteção civil e determina
as competências do comandante operacional municipal.
Por outro lado, na sequência da iniciativa legal que criou o novo Estatuto
Social do Bombeiro, seguiu-se o estabelecimento do novo regime jurídico dos
corpos de bombeiros, pelo Decreto Regulamentar n.º 62/94, de 2 de Novembro,
que constitui “nova peça do quadro legislativo, definidor da atividade desenvolvida
pelos bombeiros” (Santos, 1995:37).
Ainda em 1994, sobressai uma alteração à Lei Orgânica do SNB, com
vista à sua participação “numa associação de direção privada, sem fins lucrativos,
396
entretanto fundada, destinada à formação técnica dos bombeiros, ou seja, a Escola
Nacional de Bombeiros, que ainda hoje, não passa de um Centro de Formação
Profissional cujas formações ministradas apenas têm validade no contexto próprio
do setor dos bombeiros".
397
especial porque os responsáveis políticos que então lideravam o processo esqueceram
aspetos essenciais que os “arquitetos legislativos” do Sistema de Socorro sempre
tiveram presente, aquando da sua elaboração conceptual, no período decorrente
entre o final da década de 70 e o início da década de 80, a saber:
• As Associações de Bombeiros Voluntários são entidades privadas e os
corpos de bombeiros sapadores e municipais são unidades orgânicas
dos respetivos municípios;
• A génese dos corpos de bombeiros confere-lhes uma dimensão essen-
cialmente local, estando muito ligados às autarquias;
• A Administração Central não dispõe de corpos de bombeiros, nem de
estruturas operacionais de reserva ou complemento.
E, finalmente, que o sistema de proteção civil em Portugal está sustentado
no princípio da subsidiariedade (Caldeira, 2003: 18).
Em 1999, o objetivo “Reforma do Sistema” voltou à agenda do poder político
e dos parceiros envolvidos e, no ano seguinte, surge desenvolvido pela mão do
Secretário de Estado, Professor Carlos Zorrinho, responsável pela Proteção Civil,
o conceito de Sistema Nacional de Proteção e Socorro, consubstanciado em dois
pilares institucionais (SNPC e SNB) e três parceiros associativos Associação
Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), Liga dos Bombeiros Portugueses
(LBP) e Associação Nacional dos Bombeiros Profissionais (ANBP). Pela sua
importância, vejamos, em liminar síntese, as principais linhas de ação estratégicas
definidas pelo então responsável político do sector, Professor Carlos Zorrinho:
a) “Reforço do voluntariado, com mecanismos complementares adequados
– tratava-se de valorizar a matriz voluntária do Sistema Nacional de
Proteção e Socorro, mas garantindo, gradativamente, a criação de grupos
de intervenção permanente nos corpos de bombeiros, para efeitos de
prontidão no socorro.
b) Definição de metodologias participadas e rigorosas de afetação de recursos”,
ou seja, distribuir, com racionalidade (sem bairrismos) os recursos
disponíveis, concertados com os vários parceiros do sector.
c) “Implantação duma rede de emergência e circulação rápida de informação
e desenvolvimento de uma cultura de rede e complementaridade de meios
398
– com vista à implantação de uma rede integrada de comunicações de
emergência que interligará todas as associações e agentes do sistema.
d) Atribuição à competência de proteção e socorro dum carácter qualificante”
– ou seja, considerando a exigência da função bombeiro, é imperiosa
a formação permanente e especializada, aludindo-se ao redesenhar do
papel da ENB – Escola Nacional de Bombeiros, no sentido de priorizar
a certificação das qualificações, à função de formadores e à formação
descentralizada dos agentes do sistema.
Infelizmente, a este nível, a implementação do carácter qualificante veio a
traduzir-se, na prática, pela substituição à frente da ENB, de um académico
e pedagogo da Universidade de Coimbra, por uma personalidade que é reco-
nhecida pelas suas competências de cariz político, no âmbito da confederação
dos bombeiros portugueses.
f) “Estruturação de mecanismos intergovernamentais e interinsti -
tucionais de resposta rápida a situações de acidente grave, catástrofe e
calamidade – A lei de bases da proteção civil traça os mecanismos de
coordenação a acionar em situações classificadas.” Tratava-se, no fundo,
de criar um Manual de Conduta em situações de acidente grave, catástrofe
ou calamidade” (Caldeira, 2003: 19).
Em boa verdade, as linhas de ação estratégicas definidas não se traduziram
em projetos concretos dignos de nota, considerando a resistência à mudança
muito característico das Associações e respetivos corpos de bombeiros, sem
prejuízo de aqui e ali se assistir ao incremento de estruturas permanentes nos
CB’s, com dimensão financeira para tal.
Regia então o sistema, ao nível dos bombeiros o pacote legislativo iniciado
com a nova “Lei Orgânica do Serviço Nacional de Bombeiros – Decreto-Lei n.º
293/2000, de 17 de Setembro”. Nesse mesmo Diário da República de 17 de
Setembro de 2000, para além do Decreto-Lei n.º 293/2000 foram publicados
os seguintes normativos: Regime Jurídico dos Corpos de Bombeiros; Decreto-
Lei n.º 294/2000,Regulamento Geral dos Corpos de Bombeiros; Decreto-Lei
n.º 295/2000, Centros de Coordenação de Socorros (CCS) a nível nacional e
distrital, Decreto-Lei n.º 296/2000 e Estatuto Social do Bombeiro, Decreto-Lei
399
n.º 297/2000. De relevar ainda a Portaria n.º 449/2001, de 5 de Maio, que cria o
“Sistema de Socorro e Luta contra Incêndios (SSLI)”. Não obstante, esta profusa
legislação subsistiram as dificuldades de articulação e coordenação entre os vários
serviços e sectores envolvidos nas operações de proteção e socorro, agravadas
quanto maior era o número de agentes do sistema envolvidos, atenta a cultura
diferenciada da sua natureza e matriz organizacional.
Por outro lado, dá-se conta, da reduzida exigência de habilitações literárias no
recrutamento a todos os níveis, Inspetores, Quadro de Comando e Bombeiros em
geral, não se seguindo princípios em desenvolvimento noutros países europeus,
como a França ou a Inglaterra. Neste aspeto é sintomático que, até no Estatuto
Social do Bombeiro (Decreto-Lei n.º 297/2000), no que respeita a “Isenção de
propinas e taxas de inscrição”, apenas se menciona o ensino secundário (Art.º
17º) (Pena, 2005:266).
Apesar de tudo, em Janeiro de 2002, o balanço do projeto reformista concebido
pelo Professor Carlos Zorrinho apresentava um rumo, uma estratégia e a séria von-
tade dos parceiros do Sistema se envolverem ativamente na construção conjunta de
uma efetiva Reforma das estruturas de socorro em Portugal (Caldeira, 2003: 20).
400
Distrital com a instalação de Centros Coordenadores de Socorros onde se
aplica o conceito de Sistema Distrital de Proteção e Socorro, sob coordenação
dos Governadores Civis e à escala Municipal com a aplicação do conceito
de Sistema Municipal de Proteção e Socorro sob Coordenação do Presidente
da Autarquia”. (Zorrinho, 2002:8-9).
401
“orientar, coordenar e fiscalizar as atividades exercidas pelos corpos de bombeiros e
todas as atividades de proteção civil e socorro”. (nº1 do art.º 3.º do Decreto-Lei
n.º 49/2003).
Entre outras, o SNBPC tem a responsabilidade de “exercer a ação inspetiva
sobre os corpos de bombeiros e as estruturas de proteção civil”, homologar a criação
de novos corpos de bombeiros voluntários e privativos e suas secções e “emitir
parecer sobre projetos de natureza legislativa que visem questões de socorro e proteção
civil” (alínea e) do art.º 3.º do Decreto-Lei 49/2003).
Dita ainda, o citado Decreto-Lei n.º 49/2003 que o SNBPC passará a “emi-
tir parecer obrigatório sobre os pedidos de isenção de impostos ou taxas relativos a
importação de material ou equipamentos para os corpos de bombeiros, bem como
sobre o reconhecimento de benefícios fiscais ao abrigo da lei do mecenato” (alínea
m) do nº 3 do art.º 3.º).
Em matéria de formação, este serviço deverá “assegurar a realização das ações
de formação e de aperfeiçoamento operacional com vista à melhoria contínua de
conhecimentos técnicos do pessoal dos corpos de bombeiros”.
O SNBPC é dirigido por um presidente – apoiado por três vice-presi-
dentes, a quem cabe, entre outras tarefas, “orientar e dirigir a participação
do SNBPC na atividade da Escola Nacional de Bombeiros, no âmbito da
formação técnica do pessoal dos corpos de bombeiros e dos agentes de proteção
civil”. (alínea d) do nº2 art.º 6.º). É também ao presidente que cabe “ela-
borar o plano anual de apoio às associações e corpos de bombeiros”. (alínea g)
do nº2 do art.º 6º).
O novo serviço passa a ser dividido em serviços centrais e distritais.
No primeiro caso subdividiu-se em o Centro Nacional de Operações de
Socorro, Núcleo de Proteção da Floresta, Direção de Serviços de Recursos
Humanos e Financeiros, Direção de Ser viços Técnicos e Direção de
Serviços de Prevenção e Proteção. No que toca aos distritos, o diploma
refere a criação de Centros Distritais de Operações de Socorro (dirigidos
por coordenadores distritais).
Entre os serviços de apoio, o SNBPC contou com um Gabinete de Inspeção
e uma novidade, o Gabinete de Apoio ao Voluntariado.
402
Em matéria de orgânica deste serviço, passou a existir a Divisão de Saúde,
à qual competia “promover e desenvolver as ações necessárias à instalação e func-
ionamento de um sistema destinado à vigilância sanitária do pessoal dos corpos de
bombeiros desde a sua admissão no quadro”.
Fazia ainda parte do SNBPC a Divisão de Segurança contra Incêndios, cuja
missão era “propor medidas legislativas, efetuar estudos, emitir pareceres, definir
critérios de análise e elaborar planos de inspeções no âmbito da segurança contra
incêndios”. De qualquer forma, o diploma remete para regulamentação futura
as matérias de segurança contra incêndios.
Ainda no que toca à Escola Nacional de Bombeiros, diz o referido
Decreto-Lei que constituem encargos do SNBPC “as despesas decorrentes do
funcionamento dos seus órgãos e serviços, bem como as despesas resultantes da
sua participação na ENB” (alínea a) do art.º 39). O diploma refere que o
SNBPC participa na ENB como associado, em moldes definidos por despa-
cho conjunto dos ministérios das Finanças e da Administração Interna. De
resto, o documento refere que “os planos, os programas e o desenvolvimento das
atividades formativas são estabelecidos pelos associados em conformidade com as
necessidades e os recursos disponíveis”.
No que toca aos apoios às associações e corpos de bombeiros, mantêm-
-se as condições anteriormente existentes no Serviço Nacional de Bombeiros.
Atualmente com a extinção do SNB e do SNBPC, o apoio financeiro e logístico
à atividade associativa é regulado pelo art.º 31 da Lei nº 32/2007 de 13 de
Agosto, que aprovou o novo regime jurídico das associações humanitárias de
bombeiros, aplicável às Regiões Autónomas, “sem prejuízo da sua adaptação às
competências dos órgãos de governo próprios” (art.º 49).
Observemos, de seguida, as reações de então, vindas de diversos quadrantes,
na sequência da publicação deste diploma.
403
organizações de bombeiros. [...]. Todos acusam o Governo de “falta
de debate”. [...]. Duarte Caldeira diz que todo “o processo decor-
reu de forma muito atribulada” e que “só com marcação cerrada”
teve acesso ao projeto de diploma. [...] O Presidente da Associação
Nacional dos Bombeiros Profissionais (ANBP) – que integra sa-
padores municipais das maiores cidades do país, servindo mais de
dois terços da população – é ainda mais feroz nas suas críticas: “ É
inconcebível que toda esta reforma se tenha feito sem ouvir os profis-
sionais”, destaca Fernando Curto. “Fomos completamente ignorados
em todo o processo daí recearmos que tudo não passe de uma reforma
no papel”, reitera este dirigente [...]” (Expresso, 2003/02/15, p.
14 – Valentina Marcelino).
404
[...] Aliás, de bombeiros fardados apenas estiveram presentes 14 ins-
petores do ex-Serviço Nacional de Bombeiros já que, apurou o Correio da
Manhã, nem para uma pretendida guarda de honra houve disponibilidade
dos bombeiros voluntários. [...] A respeito de ser um responsável oriundo
de fora do meio dos bombeiros e socorro, Leal Martins referiu que embora
a ligação às instituições seja fundamental, a existência de “conhecimentos
mínimos” e a “capacidade de aprendizagem com a instituição em tempo
útil” determinaram a sua aceitação no lugar. [...]” (Correio da Manhã,
2003/04/03, p: 10 – Falcão Machado).
405
nova lei orgânica que não se circunscreve ao SNBPC, um serviço que foi
criado por um erro político. A Liga quer também uma central integrada
de coordenação entre as várias estruturas de socorro e quer estruturas
permanentes de bombeiros que atuam nas populações entre as 8 h e as 20
h, um período crítico durante o qual há dificuldade de garantir o socorro
em algumas zonas do território” (Bombeiros de Portugal, s/autor, n.º
216/2004:24).
406
Temos auscultado diversas entidades, designadamente câmaras muni-
cipais, quanto à forma de atuação na captação de voluntários, não só para
a área dos bombeiros, mas também da proteção civil, que é uma área para
a qual, em situação de catástrofe, é importante ter bolsas de voluntariado.
É importante que o serviço tenha uma referência com voluntários para
determinadas áreas” (Monteiro, 2004:9-10).
407
Seguiram-se períodos de grande instabilidade organizacional no SNBPC,
com a sucessiva nomeação e demissão de responsáveis a que não era alheia a
instabilidade política no quadro do XVI Governo Constitucional e uma enorme
desorientação no sector. Da legislação produzida, até à tomada de posse do XVII
Governo Constitucional, em 12 de Março de 2005, merecem ainda destaque,
para a problemática da Proteção Civil e Bombeiros, na nossa perspetiva, os
seguintes diplomas:
Após a criação da primeira licenciatura em Proteção Civil, em 2004,
pelo Estado, ainda em modelo bietápico, seguiram-se mais duas licencia-
turas criadas, também, em estabelecimentos do ensino superior público,
respetivamente na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Beja e na
Escola Superior Agrária de Castelo Branco. Mais recentemente, foram
criadas, em estabelecimentos superiores privados, mais duas licenciaturas
em Proteção Civil, respetivamente no Instituto Superior de Educação e
Ciências e no Instituto Superior de Línguas e Administração, ambas em
Lisboa e uma licenciatura que, embora com outra designação – Segurança
Comunitária – também se situa na área da Proteção Civil e é ministrada
no Instituto Superior de Ciências da Informação e da Administração
(ISCIA), em Aveiro.
Sem prejuízo da importância e necessidade de formação superior nesta
área, “existem problemas transversais às várias instituições que lecionam estas
licenciaturas. Uma dessas situações é a incapacidade da adequação das áreas
de componente geral, tais como as físicas, químicas, matemáticas, entre outras,
dos conteúdos à real atuação e intervenção da atividade de proteção civil.
Embora exista uma abordagem a estas problemáticas não é nada concreto e
específico, acabando por criar uma certa lacuna que exige uma aprendizagem
posterior e mesmo quase autodidata, para a qual nem todos os alunos estão
despertos” (Carmo, 2008:24).
Por outro lado, não sendo fácil encontrar docentes com elevadas
qualificações académicas em proteção civil (por se tratar de uma área
científica recente), o recurso sistemático aos técnicos e profissionais
do sector (independentemente das competências detidas), tende a dar
408
a esta formação um cunho, ainda, marcadamente, técnico-profissional.
Finalmente, o problema atual é que os licenciados em Proteção Civil não
estão a conseguir integrar-se socio profissionalmente, seja no Estado Central
seja nos Serviços Municipais de Proteção Civil que entretanto não abrem
vagas para o efeito, não obstante o caracter imperativo da organização de
serviços Municipais de Proteção Civil, nos termos da Lei nº 65/2007 de
12 de novembro.
Antes de mais importa dar relevo ao contexto sócio-político que deu origem
ao aparecimento do novo ordenamento político materializado na nova Lei de
Bases da Proteção Civil. Efetivamente no Capítulo da Segurança Interna do
Programa do XVII Governo Constitucional, que entrou em funções em 12 de
Março de 2005, pode ler-se:
409
A sensibilização de crianças e adolescentes para estes problemas,
através de preleções e exercícios realizados nas escolas, afigura-se muito
relevante. Para dar um cunho sistemático a tais ações, será valorizado o
Dia Nacional da Proteção Civil. Para coordenar estas atividades, é im-
perioso reabilitar a Proteção Civil, cometendo-lhe a missão de elaborar
um Plano Nacional de Deteção, Aviso e Alerta de Catástrofes.
Os corpos de bombeiros, por seu turno, carecem de um aumento do nível
de profissionalização, de uma revisão do sistema de financiamento (que deve
tornar-se mais transparente) e da aprovação de um plano de reequipamento.
Por outro lado, torna-se necessário rever a legislação em vigor, de forma a
introduzir ou atualizar as regras de construção antissísmica e zelar pela
sua efetiva aplicação.
Ao nível do sistema de proteção civil, é necessário reavaliar os termos
da articulação entre a Proteção Civil e os Bombeiros, de forma a assegurar
o reforço da coordenação e da operacionalidade. Por outra parte, devem
ser criados Serviços Distritais de Proteção Civil, vocacionados para a
análise de riscos, o planeamento operacional e a informação das popula-
ções. Para que os corpos de bombeiros voluntários e municipais possam
desempenhar com proficiência a sua missão de prestação de primeiro
socorro, proceder-se-á à progressiva profissionalização, no decurso desta
legislatura, da respetiva estrutura de comando e serão criadas, em parceria
com os municípios, equipas profissionalizadas de primeira intervenção.
Será ainda consagrado o princípio da inter-operacionalidade dos meios,
permitindo aos corpos de bombeiros a utilização, em cada caso, dos equi-
pamentos situados mais perto da sua área de intervenção.
A prevenção de incêndios florestais, pela sua vital importância para o
País, até como fator de desenvolvimento rural, envolve hoje responsabili-
dades transversais a todo o Governo, às autarquias e aos cidadãos. Serão
reforçados os mecanismos de prevenção de fogos florestais, potenciando-se
a intervenção da Agência para a Prevenção de Incêndios Florestais (APIF)
e melhorando-se a capacidade operacional de alguns instrumentos, de que
são exemplo as equipas de sapadores florestais”.
410
O diagnóstico da situação estava, em boa medida bem feito, entretanto,
contra todas as expectativas relativamente à política de prevenção de incên-
dios florestais, o governo ao contrário do anunciado no seu programa, pelo
Decreto-Lei 69/2006, de 23 de Março, extinguiu a Agência para a Prevenção
de Incêndios Florestais (APIF), entidade criada pelo Decreto Regulamentar
n.º 5/2004, que constituiu uma verdadeira “lufada de ar fresco” no mar de
“interesses” e “modismos” da política de gestão florestal vigente. A extinção
da APIF, organização que era gerida pelo Professor Luciano Lourenço, figura
incontornável do estudo técnico-científico da problemática da prevenção dos
incêndios florestais, mereceu em 24/10/05, um requerimento entregue na
Assembleia da República pelo deputado do partido ecologista “os Verdes”,
José Luís Ferreira, sustentando que “a APIF apesar de ter sido criada há pouco
mais de um ano, tem um papel fundamental na compatibilização das interven-
ções a nível central e local no âmbito da prevenção e proteção da floresta contra
incêndios. A triste realidade dos incêndios em Portugal comprova a inegável
importância da APIF, no sentido de assegurar os necessários mecanismos de pre-
venção de incêndios. Todas as estratégias implementadas com o objetivo de pôr
um ponto final definitivo neste drama sazonal são poucas”, frisa o parlamentar
no seu requerimento (Diário de Noticias, 24/10/05). Ficava assim prova-
do, na perspetiva deste parlamentar, que a cultura da prevenção, tardia em
impor-se como um dos pilares fundamentais da problemática da política de
organização e gestão florestal.
Vejamos, de seguida, a legislação “dita estruturante” ou “revolução tranquila”
dos Sistema de Proteção e Socorro que se inicia com a Nova Lei de Bases de
Proteção Civil – Lei 27/2006, de 3 de Julho, alterada pela Lei Orgânica nº
1/2011 de 30 de novembro (1º alteração) e pela Lei 80/2015 de 3 de agosto.
Esta nova Lei promoveu uma profunda alteração no sistema. Desde logo,
porque provocou uma clarificação das estruturas política (competências do
Ministro da Administração Interna, Governadores Civis e Presidentes de Câmara)
e operacional, definindo-se a forma de participação e articulação dos agentes de
proteção civil e as obrigações de colaboração de entidades agregadas. Por outro
lado determinou quem declara as situações de, alerta, contingência e calamidade
411
e em que circunstâncias (art.º 9º). Definiu os conceitos de acidente grave e
de catástrofe (art.º 3º). Todavia, no seu extenso articulado, não se encontra
claramente expresso o conceito de análise de risco, como metodologia de tra-
balho a “institucionalizar” o que consideramos uma séria limitação à dinâmica
de gestão de riscos em proteção civil. Relativamente à 1º alteração da Lei de
Bases pela Lei orgânica 1/2011, o seu enfoque recai sobretudo na clarificação
das competências do comando operacional distrital não só na declaração do
estado de alerta mas também na comissão distrital de Proteção Civil e ainda
a capacidade de delegação do Presidente da ANPC nos comandantes distritais
quanto ao desencadear das ações de Proteção Civil de prevenção, socorro,
assistência e reabilitação. Particularmente relevante é a 2ª alteração à Lei de
Bases através da Lei 80/2015 de 3 de agosto, importante pela necessidade de
clarificar a responsabilidade pública ao nível distrital do sistema, na sequência
da extinção dos governadores Civis. Neste sentido, o nº 1 do art.º 34 refere
que: “[...] compete ao membro do governo responsável pela Proteção Civil, no
âmbito distrital, desencadear na iminência ou ocorrência de acidente grave ou ca-
tástrofe, as ações de Proteção Civil de prevenção, socorro, assistência e reabilitação
adequadas a cada caso, com a coadjuvação de Comandante Operacional Distrital
e a colaboração dos agentes de Proteção Civil competentes, nos termos legais”. E
no nº 2 do mesmo artigo considera-se: “O membro do Governo responsável pela
área da Proteção Civil pode designar a entidade em que se delega competência
para o exercício, a nível distrital, das atribuições da matéria de Proteção Civil”.
Não se percebe a que entidade o legislador se refere, na qual o membro da
Governo delega as suas competências a nível distrital.
No artigo 38º, prevê-se a existência em cada distrito de uma comissão distrital
de Proteção Civil. No domínio da composição o diploma dispõe que integram
esta Comissão “Três Presidentes de câmaras municipais, designados pela Associação
Nacional dos Municípios Portugueses, sendo designados, entre eles, um que preside”.
De qualquer modo, esta 2ª alteração à Lei de Bases não só continua a des-
valorizar o nível municipal mantendo o refém do nível distrital que não é mais
do que o desdobramento do nível nacional, como ignorou o preceituado da
Lei 75/2013 de 12 de setembro na valorização das autarquias locais e entida-
412
des intermunicipais ao nível da Proteção Civil. Neste sentido, é indispensável
reequacionar a organização territorial e administrativa, dando efetiva conse-
quência ao principio da subsidiariedade. Ora, perante uma qualquer situação
de emergência a estrutura de resposta mais adequada para intervir em primeiro
lugar é o municipal, tendo em conta, não só o conhecimento que tem da rea-
lidade local, a capacidade de análise imediata da situação e a proximidade dos
meios de socorro.
Por isso, cada município devia estar dotado de um conjunto mínimo de
estruturas, meios e recursos apropriados aos riscos em presença no território
municipal, atribuindo-se aos Serviços Municipais de Proteção Civil, não só
identificar e analisar os riscos mas também manter a adequada preparação na
resposta à manifestação dos riscos.
Por outro lado, a Lei 80/2015 substitui, na composição da comissão muni-
cipal de Proteção Civil, o comandante operacional municipal pelo coordenador
municipal de Proteção Civil, tornando imperativo a revisão e regulamentação
da Lei nº 65/2007 de 12 de novembro. A revisão da referida Lei poderá cons-
titui uma oportunidade para, no quadro da Lei de Bases, reforçar os poderes
dos municípios, clarificar os efetivos poderes do Coordenador Municipal de
Proteção Civil, e delinear e estruturação dos respetivos serviços municipais, em
especial quanto á dotação dos mesmos com quadros técnicos qualificados para
desempenho integrado das suas competências.
Em síntese, a nosso ver este diploma foi muito importante quanto:
a) À clarificação e simplificação dos atos de declaração da situação de alerta,
contingência e calamidade (artigo 17, 21, 26 e 27 da Lei)
b) À obrigação de todas as entidades, com competências na área do risco,
comunicarem à ANPC “as informações provenientes dos sistemas de
que são detentoras”.
c) Ao reconhecimento legal das pessoas coletivas sem fins lucrativos,
de voluntariado de Proteção Civil, como entidades com deveres de
cooperação, nos termos a definir por portaria específica do membro
do Governo responsável pela área da Proteção Civil (artigo 46º A) e
clarifica os critérios dos Planos de Emergência.
413
Sistema Integrado de Operações e Socorro (SIOPS) – Decreto-Lei
134/2006, de 25 de Julho, publicado, no DR, 1.ª Série, n.º 142, de 25
de Julho, alterado pelo Decreto-lei nº 114/2011, de 30 de novembro e
pelo Decreto-Lei nº 72/2013, de 31 de maio.
414
O princípio de comando único assenta nas duas dimensões do sistema respetivamente
Coordenação institucional e Comando operacional. A compreensão global do sistema, implica
• De âmbito nacional – Centro de Coordenação Operacional Nacional
ainda o conhecimento da direção, coordenação e execução da política de proteção civil, com a
inclusão (CCON).
lógica do Centro Municipal de Organização do Socorro (CMOS) na dependência do
• De Municipal
Coordenador âmbito distrital
de Proteção–Civil.
Centro de Coordenação Operacional Distrital
Nesta perspetiva, para conseguir uma eficaz coordenação institucional, o SIOPS prevê a
(CCOD).
constituição de centros de coordenação operacional (CCO), que integram representantes das
• De âmbito municipal - Centro de Coordenação Operacional Municipal
entidades, cuja intervenção se justifica em função de cada ocorrência em concreto.
(CCOM). Por outro lado, nos termos da 2ª alteração do SIOPS pelo
Atualmente, os centros de coordenação são:
Decreto-Lei
De âmbito nº 72/2013,
nacional – Centro o modelo
de Coordenação da Nacional
Operacional organização da
(CCON). ANPC evoluiu
operacionalmente
De âmbito da lógicaOperacional
distrital – Centro de Coordenação distrital para uma
Distrital organização
(CCOD). apoiada
De âmbito municipal
numa - Centro
lógica de de Coordenação Operacional
agrupamento distrital,Municipal (CCOM). Por
consagrando-se outronovos
cinco lado,
nos termos da 2ª alteração do SIOPS pelo Decreto-Lei nº 72/2013, o modelo da organização da
agrupamentos de distritos reactivamente Norte, Centro Norte, Centro
ANPC evoluiu operacionalmente da lógica distrital para uma organização apoiada numa lógica
Sul, Sul e Algarve. Para uma visão global do sistema de coordenação
de agrupamento distrital, consagrando-se cinco novos agrupamentos de distritos reactivamente
sistemática
Norte, Centro e operacional
Norte, Centro Sul, Sul (fig. 1). Para uma visão global do sistema de
e Algarve.
coordenação sistemática e operacional ver Fig.1.
ORGANIZAÇÃO POLÍTICA ORGANIZAÇÃO
OPERACIONAL
Primeiro Ministro
Assembleia da
República Conselho de Coordenação
Comando
Ministros Institucional Operacional
Ministro Autoridade
Comissão Nacional de
Nível Nacional Administração
Proteção Civil Nacional de
Interna Proteção Civil CCON CNOS
CADIS
415
No regulamento de funcionamento dos CCON e CCOD, aprovado
pela Comissão Nacional de Proteção Civil (CNPC), estão previstas as
formas de mobilização e de articulação entre as entidades integrantes, as
relações operacionais com o Comando Nacional de Operações de Socorro
(CNOS) e com os Comandos Distritais de Operações e Socorro (CDOS),
bem como a recolha e articulação da informação necessária à compo-
nente operacional.
Os CCO, Nacional e Distrital, asseguram, nos termos do nº 2 dos artigos
3.º e 4.º do Decreto de Lei nº 72/2013 (2º alteração do SIOPS), que todas as
entidades e instituições aí referidas, se articulam entre si, garantindo os meios
considerados adequados à gestão da ocorrência em cada caso concreto
Estas estruturas têm as seguintes atribuições genéricas:
• Assegurar a coordenação dos recursos e do apoio logístico das operações
de socorro, emergência e assistência;
• Proceder à recolha de informação estratégica, relevante para as missões
de proteção e socorro e proceder à sua gestão;
• Recolher e divulgar informações de carácter estratégico essencial à
componente de comando operacional tático;
• Informar permanentemente a autoridade política respetiva, de todos
os factos relevantes que possam gerar problemas ou estrangulamentos
no âmbito da resposta operacional;
• Garantir a gestão e acompanhar todas as ocorrências, assegurando uma
resposta adequada, no âmbito do SIOPS.
Ao nível da gestão de operações, todas as instituições representadas nos
centros de coordenação operacional dispõem de estruturas de intervenção com
direção e comando próprios, competindo, no entanto, à ANPC assegurar o
Comando Operacional Integrado de todos os corpos de bombeiros, de acordo
com o previsto no seu regime jurídico.
Nos termos do artigo 6.º do SIOPS, o comando das operações de socorro
desempenhado pela ANPC é assegurado pelo CNOS que dispõe de um Comando
Operacional Nacional, de um 2.º Comandante Operacional Nacional e dos
dois adjuntos de operações e informações e a célula de logística. Dispõe ainda
416
de células de planeamento de operações logística, gestão de meios aéreos e de
comunicações, replicando-se esta estrutura para o nível distrital e municipal,
com adaptações determinadas no SIOPS.
Ao nível da gestão de operações propriamente dito, no Capítulo IV do diploma
de criação do SIOPS (art.º 12 a 25) está estabelecido um sistema de gestão de
operações (SGO) onde se define a organização dos teatros de operações (TO),
dos postos de comando, clarificando-se competências e a doutrina operacional.
Ao nível da definição, o SGO é um esquema de organização operacional
que se desenvolve de forma modular, de acordo com a importância e o tipo
de ocorrência.
Sempre que uma força de socorro de uma qualquer das entidades que in-
tegra o SIOPS seja acionada para uma ocorrência, o chefe da primeira força a
chegar ao local assume o comando da operação e garante a construção de um
sistema evolutivo de comando e controlo da operação. Este comandante das
operações de socorro deve tomar a decisão de desenvolvimento da organiza-
ção sempre que os meios disponíveis no ataque inicial e respetivos esforços se
mostrem insuficientes.
Nos termos do artigo 13.º do SIOPS, o SGO configura-se nos níveis estra-
tégicos, tático e de manobra.
No nível estratégico, n.º2 do art.º 13 do SIOPS, assegura-se a gestão da
operação, que inclui:
• “A determinação da estratégia apropriada;
• O estabelecimento dos objetivos gerais da operação;
• A definição de prioridades;
• A elaboração e atualização do plano estratégico de ação;
• A receção e colocação de meios de reforço;
• A previsão e planeamento de resultados;
• A fixação de objetivos a nível tático”.
No local da ocorrência, o órgão diretor das operações é o posto de comando
operacional (PCO) e destina-se a apoiar o responsável das operações na prepa-
ração das decisões e na articulação dos meios no teatro de operações.
O PCO, nos termos do art.º 15 do SIOPS, tem como missões genéricas:
417
• “A recolha e o tratamento operacional das informações;
• A preparação das ações a desenvolver;
• A formulação e a transmissão de ordens, diretrizes e pedidos;
• O controlo da execução das ordens;
• A manutenção das capacidades operacionais dos meios empregues;
• A gestão dos meios de reserva”.
O Posto de Comando Operacional é constituído, nos termos do n.º 1 do
art.º 16, “pelas células de planeamento, combate e logística, cada uma com seu
responsável e coordenadas pelo Comandante das Operações de Socorro” (COS).
Assessorando o COS existem ainda três oficiais, um como adjunto para a
segurança, outro para as relações públicas e outro para a ligação com outras
entidades, ativando os recursos disponíveis e na adoção e coordenação de outras
medidas que venham a ser oportunamente julgadas necessárias.
A gravidade da situação e o grau de prontidão que esta exige dá origem a
um diferente nível de alerta especial, graduado progressivamente entre os níveis
azul, amarelo, laranja e vermelho.
As regras de ativação do estado de alerta especial são determinadas por di-
retiva operacional, devidamente aprovada pela comissão nacional de proteção
civil (CNPC), nos termos do art.º 37 da LBPC, e a sua determinação é da
competência exclusiva do CCON.
É ao CCON que compete a informação aos centros de coordenação op-
eracional distritais (CCOD) sobre a ativação do estado de alerta especial,
determinando as áreas abrangidas, tipo de situação, gravidade, nível de prontidão
exigido e período de tempo em que se preveja especial incidência do fenómeno.
O dispositivo de resposta operacional é constituído por equipas de inter-
venção permanente destinadas à intervenção prioritária em missões de socorro
e são dimensionadas de acordo com as competências e disponibilidades de cada
um dos agentes de proteção civil (APC).
Para fazer face a determinadas ocorrências ou conjunto de ocorrências pre-
visíveis ou verificadas, como seja o caso dos incêndios florestais, existem dois
dispositivos, respetivamente, o dispositivo de Prevenção, Deteção, Vigilância e
Fiscalização e o dispositivo especial de combate a incêndios florestais (DECIF).
Este atua a dois níveis: ataque inicial e ataque ampliado.
418
No primeiro caso, o ataque inicial configura uma primeira intervenção
organizada e integrada, de resposta imediata a fogos nascentes, envolvendo
equipas terrestres e meios aéreos com equipas helitransportada até o incêndio
ser considerado resolvido (circunscrito) pelo comandante de operações (COS),
o que deverá suceder nos primeiros 90 minutos.
O ataque ampliado, inicia-se sempre que, chegado aos 90 minutos de in-
cêndio, o mesmo não seja dado por circunscrito pelo COS, entrando em ação
meios de reforço e outros agentes.
Ainda no domínio dos incêndios florestais as Forças Operacionais Conjuntas
(FOCON) que constituem o socorro, organizam-se nos termos da diretiva
operacional nº 1/2008/ANPC, consoante as seguintes fases:
• Fase ALFA – (1 de Janeiro a 14 de Maio)
• Fase BRAVO – (15 de Maio a 30 de Junho)
• Fase CHARLIE – (1 de Julho a 30 de Setembro)
• Fase DELTA – (1 de Outubro a 15 de Outubro)
• Fase ECHO – (16 de Outubro a 31 de Dezembro)
Em síntese, vale a pena assinalar, mais uma vez, que a ligação entre os
diferentes intervenientes do sistema de proteção e socorro obriga, neces-
sariamente, a uma perfeita coordenação e entrosamento que garanta uma
ação eficaz e uma rentabilidade adequada aos meios disponíveis, seja no
domínio dos incêndios florestais, seja noutros domínios de riscos naturais
e antrópicos.
Todavia, as experiências de anos anteriores e mormente dos anos críticos
2003 e 2005 mostraram quão difícil é de ser conseguida esta coordenação,
sobretudo antes da instalação de um posto de comando operacional conjunto
(com forças de culturas organizacionais diferentes) que ainda não está instalado
aquando da primeira intervenção, no período em que a coordenação referida
é, a todos os títulos, essencial.
No entanto é justo salientar alguma melhoria ao nível organizacional global
e designadamente, quanto ao sistema de comunicações, de vigilância e deteção
muito embora a violência dos incêndios de 2016 aí estejam para provar que
pouco mudou neste domínio.
419
Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) – Decreto-Lei n.º 75/2007
de 29 de Março alterado pelo Decreto-Lei 73/2012 de 26 de março e pelo
Decreto-Lei nº 73/2013 de 31 de maio.
Sem prejuízo do que atrás já foi referido, importa salientar que, nos dias
de hoje, a área de intervenção da Proteção Civil tem uma amplitude que vai
muito para além daquela que esteve na sua génese, a Defesa Civil do Território
(DCT) criada pelo Decreto-Lei nº 31956 de 2 de abril de 1942, que tinha como
objetivo principal assegurar o regular funcionamento, em tempo de guerra ou de
grave emergência das atividades do país, ficando a cargo da Legião Portuguesa.
Nasce assim a defesa civil do território enquanto conceito e sistema, que
surge de forma mais sólida em 1949, na Convenção de Genebra, como sistema
de coordenação de ações e respostas locais, nos termos do nº 4 do artigo 66º
da Convenção de Genebra de 12 de agosto de 1949. Também nesta mesma
convenção foi apresentada o distintivo internacional de defesa civil que con-
siste num triângulo equilátero azul em fundo cor de laranja utilizado para a
proteção dos organismos de proteção civil que visavam a proteção das vítimas
dos conflitos armados internacionais, suas instalações, pessoal e material ou
para a proteção dos abrigos civis e que ainda se mantém em vigor nos nossos
dias como símbolo internacional da Proteção Civil. Encontra-se aliás definido
no Protocolo Adicional às Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949,
relativo à Proteção das Vítimas dos Conflitos Armados Internacionais, de 8 de
Junho de 1977, ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 10/92,
de 1 de Abril. O n.º 7 do mesmo artigo é definido que este símbolo pode ser
utilizado em tempo de paz para identificar serviços e organizações de proteção
civil. (fig.2)
Na sequência do 25 de abril de 1974, a Legião Portuguesa é extinta e com
ela também a DCT sendo que é possível, assevera Caldeira (2003:16) que a
sua “herdeira” devido às missões desempenhadas foi o Serviço Nacional de
420
Proteção Civil (SNPC), criado através do Decreto-Lei n.º 78/75 de 22 de
fevereiro. Neste sentido, deixou de ser empregue o termo ”defesa civil” e passa
a ser utilizado o termo ”proteção civil”, com uma orientação mais clara para a
proteção contra acidentes e catástrofes naturais, fruto da diminuição do perigo
militar sobre o território português.
Em 1991 é publicada a primeira Lei de Bases da Proteção Civil, Lei n.º
113/91 de 29 de agosto, que sistematiza e estrutura a proteção civil. Depois,
em 2003, é criado o Serviço Nacional de Bombeiros e Proteção Civil (SNBPC),
Decreto-Lei n.º 49/2003, de 25 de março, que substitui o SNPC e integra outros
dois serviços que entretanto tinham sido criados com uma natureza semelhan-
te, o Serviço Nacional de Bombeiros (SNB) e a Comissão Especializada em
Fogos Florestais (CEFF), que tinham como missão, respetivamente, coordenar
os corpos de bombeiros e o combate aos incêndios nas florestas. Por fim, em
2006, o SNBPC é reestruturado passando a designar-se Autoridade Nacional
de Proteção Civil (ANPC), Decreto-Lei n.º 203/2006 de 27 de outubro (fig.3).
421
Fig. 2 - Símbolo internacional da Proteção Civil.
Fig. 2 - International symbol of Civil Protection.
422
sistema, cabendo-lhe planear, coordenar e executar a política de proteção
civil, “designadamente na prevenção e reação a acidentes graves e catástrofes,
de proteção e socorro das populações e de superintendência da atividade dos
bombeiros” (n.º1 art.º 2.º).
Mas é na 2ª alteração da ANPC pelo Decreto de Lei 73/2013 que se
introduzem alterações significativas ao modelo de organização interna da
Autoridade, desde logo na criação de cinco Direções nacionais (ao invés das
três anteriores) a citar:
• A Direção nacional do planeamento de emergência (que absorveu
as atribuições anteriormente cometidas ao Conselho Nacional de
Planeamento Civil de Emergências).
• A Direção nacional de Bombeiros;
• A Direção nacional de recursos de proteção civil;
• A Direção nacional de meios aéreos (decorrente da extinção da Empresa
de meios Aéreos, S.A (EMA) pelo Decreto-Lei nº 57/2013.
• A Direção nacional de auditoria e fiscalização;
• Com vista a assegurar o comando operacional das operações de socorro
e onde o comando operacional integrado, a organização interna da
ANPC compreende ainda:
• O comando nacional de operações de socorro;
• Os agrupamentos distritais de operações de socorro (decorrentes
do modelo de passagem da lógica distrital para um modelo de
lógica supra distrital);
• Os comandos distritais de operações de socorro.
Nos termos do n.º 2 do art.º 1.º da Lei n.º 27/2006, de 3 de Julho, “A atividade
de proteção civil tem carácter permanente, multidisciplinar e plurissectorial, cabendo
a todos os órgãos e departamentos da Administração Pública promover as condições
423
indispensáveis à sua execução, de forma descentralizada, sem prejuízo do apoio mútuo
entre organismos e entidades do mesmo nível ou proveniente de níveis superiores” .
Neste quadro, a necessidade de diversos agentes de proteção civil e socorro
intervirem, complementando a sua intervenção e conjugando os seus esforços
para a eficácia da operação, obriga a que haja uma perfeita coordenação de toda
a ação de socorro num determinado teatro de operações (TO).
Assim, abordaremos de seguida as estruturas e agentes do sistema de proteção
civil com responsabilidades e competências no socorro, cabendo à Autoridade
Nacional de Proteção Civil (ANPC) “um papel fundamental no âmbito do pla-
neamento, coordenação e execução da política de proteção civil” (Decreto-Lei n.º
75/2007 de 29 de Março).
Em situações normais, consoante o tipo de acidente/emergência que lhes
deu origem, as ações de socorro podem dividir-se em cinco grandes grupos:
• Combate a incêndios;
• Urgência pré-hospitalar;
• Desencarceramento;
• Salvamento em grande ângulo;
• Socorro a náufragos e buscas subaquáticas.
A competência para o desempenho de cada uma destas missões é atribuída
especificamente, em função das respetivas características, designadamente:
• Combate a incêndios
• Corpos de Bombeiros;
• Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro (GIPS) da Guarda
Nacional Republicana (GNR) – neste caso, apenas, para o combate
a incêndios florestais e em matérias perigosas.
• Urgência pré-hospitalar
• Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM);
• Corpos de Bombeiros;
• Cruz Vermelha Portuguesa (CVP)
• Desencarceramento
• Corpos de Bombeiros
424
• Salvamento em grande Ângulo
• Corpos de Bombeiros
• Socorro a Náufragos e buscas subaquáticas
• Autorida de Marítima
• Corpos de Bombeiros (apenas em operações da terra para o mar,
com cabos de vai-vem).
Ora a sobreposição de muitas destas competências obriga a uma coorde-
nação eficaz e ao respeito pelas determinações contidas no Sistema Integrado
de Operações de Proteção e Socorro (SIOPS), ou seja, nos termos do n.º 3 do
artigo 4º do Decreto-Lei n.º 22/2006 “sem prejuízo da dependência hierárquica
e funcional no quadro da GNR, o GIPS articula-se operacionalmente no comando
único do sistema integrado de operações e socorro”.
Contudo, é sabido que nem sempre esta coordenação se faz da melhor forma,
considerando que as instituições em presença, Corpos de Bombeiros, GNR,
INEM, CVP e Autoridade Marítima, possuem natureza, culturas institucionais,
experiência, disciplina e estatutos diversos.
A Lei de Bases da Proteção Civil (LBPC), define, no seu artigo 46.º, como
Agentes da Proteção Civil (APC) e de acordo com as suas atribuições próprias:
• Corpos de Bombeiros;
• Forças de Segurança;
• Forças Armadas;
• Autoridades marítimas e aeronáutica;
• Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e demais serviços de saúde;
• Sapadores florestais.
É ainda estabelecido no n.º 2 do citado artigo 46.º que a Cruz Vermelha
Portuguesa (CVP) exerce, em cooperação com os demais agentes e de harmonia
com o seu estatuto próprio, funções de protecção civil nos domínios de:
• Intervenção;
• Apoio;
• Socorro;
• Assistência sanitaria e social.
425
Para além dos agentes atrás referidos, como tendo competências especí-
ficas nas missões de socorro em situação de emergência, “impende especial
dever de cooperação com os agentes de proteção civil sobre as seguintes entidades:
a) Associações Humanitárias de Bombeiros Voluntários;
b) Serviços de Segurança;
c) Instituto Nacional de Medicina Legal;
d) Instituições de Segurança Social;
e) Instituições com fins de socorro e de solidariedade;
f) Organismos responsveis pelas florestas, conservação da natureza, indústria
e energia, transportes, ,comunicações, recursos hídricos e ambiente;
g) Serviços de segurança e socorro privativos das empresas publicas e privadas,
dos portos e aeroportos” (Lei n.º 27/2006, art.º 46).
De seguida serão analisadas as competências nas missões de socorro de cada
um dos APC, com especial destaque para os CB’s, deixando de fora desta aná-
lise os sapadores florestais, criados no âmbito do Decreto-Lei n.º 38/2006 de
20 de Fevereiro, sem responsabilidades específicas no socorro das populações.
“Os sapadores florestais, independentemente da sua titularidade, intervêm na
vigilância e na deteção, sob a coordenação da GNR, e nas ações de ataque inicial
a incêndios florestais, sob a coordenação do CDOS respetivo; a sua intervenção
desencadear-se-á na dependência operacional do COS, [...] participando também
em ações de rescaldo e de vigilância ativa pós-rescaldo, desde que requisitados pelo
COS”. (Diretiva Operacional n.º 1/2008/ANPC, p. 26).
Em suma, estamos perante mais uma das situações de difícil cooperação na
intervenção, considerando que os agentes têm uma coordenação tripartida entre
entidades com cultura, valores e práticas institucionais diferentes.
Corpos de Bombeiros
426
Junho, “um corpo de bombeiros é uma unidade operacional, oficialmente
homologada e tecnicamente organizada, preparada e equipada para o cabal
exercício das missões”.
A diversidade das missões dos CB’s, sejam eles profissionais ou voluntários,
está descrita no artigo n.º 3, do citado Decreto-Lei, como sendo:
a) Prevenção e o combate a incêndios;
b) Socorro às populações, em caso de incêndios, inundações,
desabamentos e, de um modo geral, em todos os acidentes;
c) Socorro a náufragos e buscas subaquáticas;
d) Socorro e transporte de acidentados e doentes, incluindo a urgência
pré-hospitalar, no âmbito do sistema integrado de emergência médica;
e) Emissão, nos termos da lei, de pareceres técnicos em matéria de
prevenção e segurança contra riscos de incêndio e outros sinistros;
f ) Participação em outras atividades de proteção civil, no âmbito do
exercício das funções específicas que lhe forem cometidas;
g) Exercício de atividades de formação e sensibilização, com especial
incidência para a prevenção do risco de incêndio e acidentes junto das
populações;
h) Participação em outras ações e o exercício de outras atividades, para
as quais estejam tecnicamente preparados e se enquadrem nos seus fins
específicos e nos fins das respetivas entidades detentoras;
i) Prestação de outros serviços previstos nos regulamentos internos e
demais legislação aplicável.
Mais se assinala que o exercício “da atividade definida nas alíneas a), b), c)
e e) do número anterior é exclusivo dos corpos de bombeiros e demais agentes de
proteção civil”. (nº2 do art.º 3º).
Nos termos do artigo 5.º, alíneas a) e b) do já citado Decreto-Lei n.º 247,
“cada corpo de bombeiros tem a sua área de atuação definida pela ANPC, ouvido
o Conselho Nacional de Bombeiros, de acordo com os seguintes princípios:
a) A área de atuação de cada corpo de bombeiros é correspondente à do
município onde se insere, se for o único existente;
427
b) Se existirem vários corpos de bombeiros voluntários no mesmo município,
as diferentes áreas de atuação correspondem a uma parcela geográfica que
coincide, obrigatoriamente, com uma ou mais freguesias contíguas.
Todavia, havendo no mesmo município um corpo de bombeiros profissional ou
misto e um ou mais corpos de bombeiros voluntários, a responsabilidade de atuação
prioritária e comando cabe ao corpo de bombeiros profissional ou, quando este não
exista, ao corpo de bombeiros misto, sem prejuízo de eventual primeira intervenção
de algum dos outros CB´s da respetiva área de atuação, em benefício da rapidez
e prontidão de socorro.
Em rigor, no n.º 3 do artigo 4.º do Novo Regime Jurídico dos Corpos de Bombeiros
alterado pela Lei nº 48/2009 de 4 de agosto e pelo Decreto-Lei nº 249/2012 de 21
de novembro, assinala-se que “a criação e extinção dos corpos de bombeiros devem
resultar de uma ponderação técnica dos riscos, dos tempos de atuação na área a
proteger e das condições humanas, técnicas e operacionais disponíveis nos corpos de
bombeiros existentes e sua articulação na correspondente área municipal”.
Por outro lado, conjugando o teor do n.º 5 e 6 do citado artigo 4.º, conclui-se
que o parecer do Município “relativo à criação dos corpos de bombeiros, quando
negativo, é vinculativo”, o que nos reconduz à ideia chave de que é na análise,
cientificamente comprovada, do risco municipal que deve fundamentar-se a
criação, extinção ou adequação dos corpos de bombeiros.
Em suma, parece-nos óbvio que uma análise séria de âmbito nacional,
centrada na avaliação técnico-científica dos riscos municipais, irá certamente
modificar a atual distribuição dos recursos humanos e materiais afetos ao dispo-
sitivo de socorro. Contudo, porque tal análise/avaliação iria incomodar decisores
políticos, locais e nacionais, destas matérias, vai-se adiando a verdadeira reforma.
Embora não sejam objeto de análise neste trabalho, vale a pena assinalar que
os Corpos de Bombeiros privativos pertencem a uma pessoa coletiva privada
que, por razões da sua atividade ou património, tem necessidade de criar em
manter um corpo profissional de bombeiros para auto proteção. A sua área de
atuação restringe-se aos limites da propriedade da entidade detentora, podendo
atuar fora dela por requisição do Presidente da Câmara do respetivo município
ou da ANPC.
428
Esta 2ª alteração ao regime Jurídico dos deveres, direitos e regalias dos
bombeiros portugueses, a que atrás aludimos, veio clarificar por um lado
as obrigações do “estatuto social do bombeiro” mas, por outro, introduzir
algumas alterações pertinentes para melhorar a dinâmica dos corpos de bom-
beiros como sejam:
• Permitir a possibilidade de um bombeiro do quadro de reserva de um
Corpo de Bombeiros poder transferir-se para o corpo ativo de outro
Corpo de Bombeiros;
• A criação da carreira de bombeiro especialista vocacionada para áreas
funcionais específicas;
• A introdução da carta de missão para o comandante no inicio de cada
comissão de cinco anos, o que constitui uma mais valia considerando
a curta validade da função de comandante.
• Implementação de um sistema de acompanhamento de saúde dos
bombeiros, a cargo da Liga dos Bombeiros Portugueses.
Finalmente, importa referenciar vária legislação relativa aos oficiais bom-
beiros como seja:
O Despacho nº 9915/2008 que define as tipologias das funções dos ofi-
ciais; o Decreto-Lei 249/2012 que regulamenta o bombeiro especialista, o
Despacho nº 363/2012 que regulamenta as carreiras de oficial de bombeiro
e de comandante voluntário e o Despacho 4205-B/2014 que volta a regula-
mentar num só normativo as carreiras de bombeiro voluntário, especialista
e oficial bombeiro.
Todo este legislativo é pertinente e importante, muito embora o setor
dos bombeiros continua a caracterizar-se por um forte heterogeneidade, quer
ao nível da gestão das Associações Humanitárias que suportam os CBs, quer ao
nível operacional, co fragilidades ao nível da formação e da saúde operacional.
No entanto, a base do socorro em Portugal, sob os auspícios da ANPC, continua
a assentar nos 412 CBs de matriz Associativa, 26 CBs Municipais e 6 CBs sa-
padores respetivamente em Lisboa, Porto, Braga, Coimbra, Setúbal e Vila Nova
de Gaia, sem prejuízo da especificidade dos CBs sapadores de isboa e Porto na
sua ligação com a ANPC.
429
Estrutura de comando dos Corpos de Bombeiros: diferenciação entre
Profissionais e Voluntários
430
26) são enquadrados no quadro do respetivo município na qualidade de bom-
beiros funcionários municipais.
Quanto ao provimento das estruturas de comando nos corpos de bombei-
ros profissionais da administração local, o provimento do comandante, nos
termos do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 106/2002, de 13 de Abril, “é
feito por concurso de entre indivíduos licenciados com experiência de, pelo menos,
quatro anos na área da proteção e do socorro e no exercício da função de comando
ou de chefia”, ou por escolha e nomeação do respetivo Presidente da Câmara,
em regime de comissão de serviço, por cinco anos, renovável, sem prejuízo do
disposto no n.º 3 do artigo 7.º do citado Decreto-Lei 106/2002.
O método de seleção para os comandos e adjuntos técnicos das companhias
segue os padrões normais do regime geral de recrutamento e seleção de pessoal
para os quadros da administração local, nos termos, do n.º 4 do artigo 7.º do já
referenciado Decreto-Lei 106/2002.
Quanto ao provimento da Estrutura de Comando nos Corpos de Bombeiros
Voluntários ou Mistos não pertencentes ao Município, o comandante é nomeado
pela entidade detentora do CB, de entre indivíduos com idades compreendidas
entre os 25 e os 60 anos e “preferencialmente de entre os oficiais bombeiros ou,
na sua falta ou por razões devidamente fundamentadas, de entre bombeiros da
categoria mais elevada, habilitados com o 12.º ano ou equivalente, pelo menos, e
cinco anos de atividade nos quadros do CB” (alínea a) do art.º 32 do Decreto-Lei
nº 241/2007, de 21 de Junho). A nomeação é feita por cinco anos, renovável,
até ao limite máximo de 65 anos de idade (n.º 2 art.º 32).
A Lei permite ainda que sejam nomeados indivíduos de reconhecido
mérito no desempenho de anteriores funções de liderança ou comando.
“Contudo, a nomeação destes outros elementos não pertencentes à carreira de
oficial bombeiro deve ser precedida de avaliação destinada a aferir as capaci-
dades físicas e psicotécnicas dos candidatos, bem como a aprovação em curso de
formação, nos termos de regulamento a aprovar pela ANPC” (n.º 3 do art.º
32). O 2.º Comandante e os Adjuntos de Comando são também nomeados
pela Direção da Associação, sob proposta do comandante, observando-se
idênticos critérios de recrutamento.
431
Nos corpos de bombeiros voluntários o novo regime jurídico (Decreto-Lei
n.º 247/2007) alterado pelo Decreto-Lei nº 243/2012, assinala no seu artigo
9.º que os elementos que compõem os corpos de bombeiros voluntários ou
mistos integram os seguintes quadros de pessoal:
a) Quadro de Comando – onde se inserem os elementos com poder e
autoridade para comandar o respetivo corpo nas missões que lhes
estão conferidas.
b) Quadro ativo – onde se inserem os bombeiros aptos para a execução
de missões, normalmente integrados em equipas operacionais.
c) Quadro de reserva – onde se inserem os bombeiros que atingiram o
limite de idade para permanecer na respetiva categoria (60 e 65 anos,
respetivamente, para o quadro ativo e quadro de comando) ou que,
“não podendo permanecer nos restantes quadros por motivos profissionais
ou pessoais, o requeiram e obtenham aprovação do comandante do CB”.
d) Quadro de honra – onde se inserem os elementos que durante longo
período de tempo serviram com zelo, dedicação, disponibilidade e
abnegação, sem qualquer punição disciplinar, o seu corpo de bombei-
ros ou que adquiriam doença ou incapacidade ocorridas em serviço.
Por ultimo i8mporta referenciar que, nos termos do atual regime juridico,
consoante o número de elementos integrantes dos corpos de bombeiros volun-
tários ou mistos, define as seguintes tipologias:
Tipo 4 – até 60 elementos;
Tipo 3 – até 90 elementos;
Tipo 2 – até 120 elementos;
Tipo 1 – superior a 120 elementos.
O Comandante dirige o corpo de bombeiros “e é o primeiro responsável pelo
desempenho do corpo e dos seus elementos, no cumprimento das missões que lhe são
cometidas” (n.º 2 do art.º 12 do Decreto-Lei 247/007), sendo coadjuvado pelo 2.º
Comandante que o substitui nos seus impedimentos e pelos adjuntos de coman-
do, cujo número varia em função da tipologia do respetivo corpo de bombeiros.
Finalmente, importa assinalar que os elementos da Força Especial de
Bombeiros (FEB) estrutura diretamente dependente da ANPC são recrutados
432
nos BCs mistos e Voluntários sendo que o que distingue os Canarinhos dos
restantes Bombeiros Voluntários é a disponibilidade permanente, a qualidade
da formação e a remuneração.
433
Importa salientar que, o papel da GNR no âmbito da Proteção Civil resulta
largamente da sua Lei Orgânica, aprovada pelo Decreto- Lei nº 63/2007 de 6
de novembro, que lhe atribui as seguintes competências nos termos das alíneas
i) e g) dos nos. 2 e 3 do art.º.3º.
434
em que se processa “[...] a prevenção, vigilância e deteção e investigação das
causas de incêndios florestais [...], atribuindo em concreto esta competência à
GNR/SEPNA, [...]”. Cabe ainda, à GNR/SEPNA assegurar a alimentação do
Sistema de Gestão e Informação de Incêndios Florestais (SGIF), através da
“garantia da atualização permanente da base de dados, nomeadamente no que
respeita às localizações, à cartografia das áreas ardidas, à sua quantificação e
descrição e à investigação das respetivas causas, das quais dará conta em relatório
anual a submeter à autoridade florestal nacional”.
Ainda, no mesmo contexto, é criado através do Decreto de lei n.º 124/2006
de 28 de junho, republicado pelo DL n.º 17/2009 de 14 de janeiro, o Sistema
Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (SNDFCI), que assenta em
três pilares (fig. 4):
1. Prevenção estrutural sob responsabilidade Autoridade Florestal Nacional (AFN);
2. Vigilância, deteção e fiscalização sob responsabilidade GNR;
3. Combate, rescaldo e vigilância pós-incêndio sob responsabilidade ANPC.
Fig. 4 - Entidades que intervêm nos pilares do SNDFCI (Fonte: (AFN, 2012).
Fig. 4 - Entities involved in the pillars of the SNDFCI (Source: (AFN, 2012).
435
Finalmente o facto dos militares do GIPS terem uma dupla função, podendo
assumir-se como órgão de polícia criminal, mas também detendo competência
na proteção e socorro das populações, a GNR constituiu-se como o único agente
de Proteção Civil que intervém nos dois pilares da segurança “security” e “safety”.
As Forças Armadas (FA) colaboram com a proteção civil, nos termos dos
artigos 52.º a 58.º da LBPC. Neste quadro jurídico, compete ao Presidentes de
Câmaras Municipais solicitar ao Presidente da ANPC a participação das FA em
missões de proteção civil nas respetivas áreas operacionais. Também, nos termos da
1º alteração à Lei de Bases, Lei 1/2011, compete aos Comandantes Operacionais
distritais solicitar ao Presidente de ANPC a participação das Forças Armadas em
funções de Proteção Civil nas respetivas áreas operacionais, sendo que, em casos
de manifesta urgência, o podem fazer diretamente aos comandantes das unidades
implantadas na área, informando disso mesmo o comandante operacional nacional.
Estas necessidades, após parecer do Comandante Operacional Nacional quanto
ao tipo e dimensão da ajuda e definição de prioridades, são apresentadas ao
Estado Maior General das Forças Armadas (EMGFA), ainda que a coordenação
das ações e meios das FA, ao nível do CNOS, seja feita através do seu oficial
de ligação colocado em regime de permanência naquela estrutura. Em caso de
manifesta urgência, a autorização de atuação compete aos comandantes das
unidades implantadas na área afetada para os efeitos solicitados.
Nos termos da Diretiva Operacional (1/2008) da ANPC e de acordo com
os planos próprios e disponibilidade de recursos, as FA colaboram em ações de
proteção civil com:
a) “Meios humanos e materiais para atividades de patrulhamento, vigilância
e deteção, sob a coordenação da GNR, ataque inicial, rescaldo e vigilância
ativa pós-incêndio;
b) Máquinas de Rasto para combate indireto a incêndios, defesa de aglomerados
populacionais e apoio ao rescaldo;
436
c) Apoio logístico às forças de combate em TO, nomeadamente infraestruturas,
alimentação, água e combustível;
d) Apoio à evacuação de populações em perigo;
e) Disponibilização de infraestruturas para operação de meios aéreos, nacionais
ou estrangeiros, apoio logístico e reabastecimento de aeronaves ao serviço
da ANPC, quando exequível e previamente coordenado;
f) Disponibilização de dois helicópteros Alouette III para a coordenação de
operações aéreas e transporte de pessoal;
g) Apoio à vigilância e deteção de incêndios quando da realização de missões
regulares das Forças Armadas.
h) Disponibilização de um Oficial de ligação ao CNOS e aos CDOS”
(ANPC, 2008:23-24).
De forma a intervirem em determinadas operações de apoio e socorro às
populações, estão definidos, os seguintes planos de operações:
• Plano de operações Lira: apoio do Exército na prevenção, deteção e
eventual combate aos incêndios florestais e no abastecimento de água
às populações carenciadas;
• Plano de operações Tejo: colaboração da Marinha nas zonas afetadas
pelas cheias do rio Tejo;
• Plano de operações Aluvião: apoio do Exército à estrutura de proteção
civil em caso de eventuais situações de cheias (Lopes, CPE-2007:2).
Nos termos do n.º 1 do art.º 59, da Lei de Bases de Proteção Civil, “em situação
de guerra e em estado de sítio ou estado de emergência, as atividades de proteção civil
e o funcionamento do sistema instituído pela lei, subordinam-se ao disposto na Lei de
Defesa Nacional e na Lei sobre o Regime do Estado de Sítio e do Estado de Emergência”.
Já quanto ao papel das Autoridades Marítima e Aeronáutica, no essencial,
a colaboração da Autoridade Marítima no âmbito da Proteção Civil, “será
requerida através do Centro de Coordenação de Busca e Salvamento Marítimo e
dos seus órgãos locais (Capitanias dos Portos) na coordenação e georeferenciação
das ações de “scooping” dos aerotanques anfíbios para reabastecimento, em espaços
jurisdicionais da Autoridade Marítima, de forma a garantir que estas decorram
com segurança” (Diretiva Operacional, 2008: 24).
437
Quanto às formas de colaboração da Autoridade Aeronáutica, a mesma
cinge-se à cooperação contínua com a ANPC na avaliação, apoio técnico e
controlo de manutenção das aeronaves do dispositivo da proteção civil, bem
como no levantamento e determinação operacional dos pontos de “scooping”
associados às aeronaves anfíbias e helicópteros.
Ambas as autoridades, disponibilizam, a pedido e sempre que a situação o
justifique, um delegado para integrar cada um dos Centros da Coordenação
Operacional Distrital ou participar em briefings do CDOS respetivo, no caso
da Autoridade Marítima e no Centro de Coordenação Operacional Nacional
e nos briefings do CNOS (Centro Nacional de Operações de Socorro) no caso
da Autoridade Aeronáutica.
438
à população, nos termos do n.º 3 do art.º 3.º do diploma atrás referenciado,
as seguintes missões:
• “Assegurar o atendimento, triagem, aconselhamento das chamadas que lhes
sejam encaminhadas pelo número de emergência 112 e acionamento dos
meios de socorro apropriados no âmbito da emergência médica;
• Assegurar a prestação de socorro pré-hospitalar e proceder ao transporte
para as unidades de saúde adequadas;
• Promover a receção e o tratamento hospitalar adequado do urgente/emergente;
• Promover a criação e correta utilização de carregadores integrados de
urgência/emergência (“vias verdes”);
• Promover a integração coordenada dos serviços de urgência/emergência
no SIEM;
• Promover a correta referenciação do doente urgente/emergente;
• Promover a adequação do transporte inter-hospitalar do doente urgente/emergente;
• Promover a formação e qualificação do pessoal indispensável às ações de
emergência médica;
• Assegurar a elaboração dos planos de emergência/catástrofe em colaboração
com as administrações regionais de saúde e com a Autoridade Nacional de
Proteção Civil (ANPC);
• Orientar a atuação coordenada dos agentes de saúde nas situações de ca-
tástrofe ou calamidade, integrando a organização definida em planos de
emergência/catástrofe”.
A legislação em vigor refere, ainda, que o transporte de doentes em situação
de emergência está reservado ao INEM e às entidades por ele reconhecidas ou
com as quais celebre acordos com essa finalidade, nomeadamente:
• Corpos de bombeiros (CB’s);
• Polícia de Segurança Pública (PSP);
• Cruz Vermelha Portuguesa (CVP).
O INEM é um instituto público dotado de personalidade jurídica e fi-
nanceira e património próprio, com sede em Lisboa e delegações regionais,
no Porto, Coimbra, Lisboa e Faro, exercendo a sua atividade a nível de todo
o território continental.
439
Nos termos dos seus Estatutos aprovados pela Portaria nº 647/2007, de 30
de Maio, as delegações regionais asseguram a gestão, na respetiva área geográfica,
dos processos relativos à frota, rede de telecomunicações e centro de formação,
bem como do funcionamento do CODU (Centro de Orientação de Doentes
Urgentes), que é responsável pela triagem telefónica, aconselhamento médico
e acionamento de meios. Prevê-se para breve a georreferenciação dos meios de
socorro, a qual permitirá a escolha de meio em função da distância/tempo e
não da área de influência. O avanço nas novas tecnologias permitirá também,
em futuro próximo, o acompanhamento de meios no local das ocorrências por
telemedicina (Lopes, CPE-2007:2).
Por outro lado, compete ao INEM coordenar todas as atividades de saúde
em ambiente pré-hospitalar, a triagem e evacuações primárias e secundárias, a
referenciação e transporte para as unidades de saúde adequadas, bem como a
montagem de postos médicos avançados. Cabe também ao INEM a triagem e
o apoio a prestar às vítimas no local da ocorrência, com vista à sua estabilização
emocional e posterior referenciação para as entidades adequadas. No âmbito
dos incêndios florestais articula, no seu âmbito próprio, com o CNOS, a nível
nacional, com o CDOS, a nível distrital e com o COS, no local da ocorrência, e
disponibiliza ainda um elemento da ligação ao CNOS e ao CDOS, respetivamente.
440
então de forma espontânea e empírica, “confinava-se basicamente a auto-macas,
servidas por guarnições que procuravam cumprir cabalmente o seu dever através de
vicissitudes múltiplas. No entanto, há que relevar que muitos corpos de bombeiros
possuíam um número elevado de médicos, enfermeiros e farmacêuticos, a que se
associavam os maqueiros que eram recrutados entre aqueles que, pelos mais variados
motivos, estavam associados para o serviço de saúde” (Bandeira et al., 2007:100).
Efetivamente, no quadro da evolução histórica do sistema de urgência pré-
-hospitalar importa referenciar que, antes de 1970, as ambulâncias limitavam-se
ao transporte das vítimas/doentes para o hospital mais próximo, não só porque,
em regra, não estavam equipadas com materiais de assistência, mas também
porque não estava oficialmente consagrada formação específica para os respetivos
tripulantes. Esta situação começa a ser ultrapassada pelo Decreto-Lei nº 511/71,
de 22 de Novembro, que cria o Serviço Nacional de Ambulâncias e a figura
do tripulante de ambulância, já com alguma formação, sobretudo ao nível das
técnicas de imobilização. No entanto, aos tripulantes de ambulância não estava
cometida ainda a responsabilidade de prestar cuidados durante o transporte.
Entretanto, face ao aumento das necessidades de socorro, a resolução do
Conselho de Ministros n.º 84/80, de 11 de Março, procede à análise e avaliação
do Serviço Nacional de Ambulâncias, com vista à criação de um novo organismo
que dê forma ao conceito integrado de Emergência Médica.
Assim, pelo Decreto-Lei n.º 234/81, de 3 de Agosto, foi criado o Instituto
Nacional de Emergência Médica (INEM), materializando-se, desta forma, o con-
ceito de Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM). Surgiu, pela primeira
vez, a figura do Tripulante de Ambulância de Emergência Médica TAE (especifico
do INEM), com formação para a prestação de cuidados no local de ocorrência,
bem como durante o transporte. Seguidamente, o Decreto-Lei n.º 38/92, de 28
de Março, regulou a atividade do transporte de doentes efetuada por via terrestre.
Um ano mais tarde, através da Portaria n.º 439/93, o Estado especificou os tipos
de ambulância, os cursos de formação, currículos e cargas horárias dos tripulantes
de ambulância de socorro e dos cursos básicos de socorrismo.
Na sequência da criação dos Técnicos de Ambulância de Emergência
(TAE) do INEM, nasciam, assim, no âmbito dos corpos de bombeiros, os TAS
441
(Tripulante de Ambulância de Socorro) e os TAT (Tripulante de Ambulância
de Transporte), com formação ministrada no INEM, no primeiro caso, e nos
corpos de bombeiros, INEM e Cruz Vermelha, no segundo caso. Por sua vez,
a ENB iniciou em 1997, a formação de tripulantes de ambulância de socorro,
com a realização do primeiro curso de TAS.
Com a possibilidade da abertura do transporte de doentes ao sector privado,
através da Portaria n.º 1147/2001, o Estado explicitou a concessão do Alvará
(Licenciamento), o tipo de ambulâncias e respetivas características técnicas, o
enquadramento e respetiva formação dos tripulantes.
Decorrido um ano, a Portaria n.º 1301/2002, alterou as disposições do re-
gulamento anterior, quanto às características e equipamentos da célula sanitária
e clarificou o processo de licenciamento e vistorias.
Finalmente, a Portaria n.º 402/2007, de 10 de Abril, alterou e atualizou
normas do regulamento aprovado pelas Portarias n.ºs 11247/2001 e 1301-
A/2002, sobretudo ao nível do equipamento de imobilização, cardiovascular e
de telecomunicações. Por outro lado, reduziu a equipa de tripulantes, de três
para dois elementos, fragilizando, de algum modo, a eficácia do socorro. De
qualquer modo, face à exiguidade de recursos humanos do INEM, para fazer
face às necessidades do socorro no todo nacional, “os bombeiros são aqueles que
na prática têm vindo a garantir a existência de uma rede de ambulâncias. No
entanto não se pode afirmar que existe homogeneidade na prestação deste socorro
uma vez que este está apoiado na sua boa vontade e na capacidade financeira das
respetivas associações. Verdade é que junto ao litoral e aos grandes centros urbanos o
socorro prestado pelos corpos de bombeiros é na sua maioria de qualidade, estando
praticamente apoiado em equipas profissionalizadas. No entanto no interior do País
este é praticamente inexistente, facto motivado quer pela incapacidade financeira
das associações ou mesmo pelo desinteresse de alguns dos seus dirigentes que usam as
associações como empresas de transporte de doentes desvalorizando a sua principal
missão que o socorro” (Batista, 2008:4).
Atualmente, o INEM tem uma estrutura dependente do Ministério da Saúde,
nos termos da Lei nº 48/90, de 24 de agosto, alterada pela Lei nº 27/2012, de
8 de novembro, que aprovou a Lei de Bases e Saúde onde “a emergência médica
442
pré- Hospitalar tem tido um papel de emergência na supervisão das desigualdades
de acesso da população aos cuidados de saúde cumprindo a obrigação constitucio-
nal de universalidade do acesso à proteção de cuidados de saúde”. (Preâmbulo do
Decreto de Lei nº 19/2016 de 15 de abril). Assim, ao INEM enquanto entidade
nacional coordenadora do Sistema Integrado de Emergência Médica, compete
garantir às vitimas de doença súbita ou de acidente, a proteção adequada de
socorro, assegurada pelos meios de emergência médica, acionados pelo Centro
de Orientação de doente Urgentes (CODU).
Para garantir o acesso da população à emergência pré-hospitalar o INEM
dispõe de uma rede nacional de ambulâncias de socorro, distribuídas por mais
de duas centenas de postos de emergência médica (PEM), sedeados, (mediante
protocolos) em corpos de bombeiros, sendo estes responsáveis pela guarnição da
ambulância, mas cuja intervenção se encontra subordinada, como já foi assina-
lado, à coordenação dos Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU).
Dispõe ainda, nas áreas urbanas de Lisboa, Porto, Coimbra, Setúbal e Faro de
ambulâncias com suporte imediato de vida (SIV), tripuladas por funcionários
do INEM, num dispositivo próprio que assegura cerca de 30% do total de
emergências registadas no continente. A tripulação tem um enfermeiro e um
técnico de ambulância de emergência.
Ainda em Lisboa, Coimbra e Porto, o INEM dispõe de ambulâncias espe-
cificamente destinadas a recém-nascidos e tripuladas por um médico com a
especialidade em neonatologia. Estas ambulâncias deslocam-se a qualquer ponto
do continente, permitindo a evacuação de recém-nascidos de alto risco para as
unidades hospitalares adequadas. Em Lisboa e Porto, o INEM dispõe também
de motos tripuladas por um tripulante de ambulância de socorro (TAS), com
formação específica em desfribilhador automático externo, permitindo uma
rápida chegada desta valência em períodos de trânsito muito intenso.
Ao longo do País e sedeadas nos hospitais que possuem urgência médico-
-cirúrgica ou urgência polivalente, encontram-se quatro dezenas de viaturas
médicas de emergência e reanimação. Estas viaturas são tripuladas por um médico
e um enfermeiro com formação específica em emergência médica, permitindo
técnicos altamente especializados no local da ocorrência.
443
Finalmente, complementando os meios de atuação, o INEM dispõe ainda de
cinco helicópteros de evacuação aeromédica, estacionados em Tires, Matosinhos,
Ourique, Macedo de Cavaleiros e Aguiar da Beira, no quadro da grande con-
trovérsia ocorrida aquando do encerramento dos Serviços de Atendimento
Permanente (SAP) e de alguns Centros de Saúde ao longo do País.
Para António Marques, elemento do Colégio de Competência de
Emergência Médica da Ordem dos Médicos, “os helitransportes não vão
resolver os problemas do País. Os helicópteros fazem sentido desde que haja
investimento nas outras peças do puzzle e a base está nas ambulâncias do siste-
ma. Os helicópteros e as VMER melhoram a resposta, mas o objetivo único é ter
uma atuação rápida e o que está mais perto das populações são as ambulâncias
de socorros sedeadas, nos CB’s” (Expresso, de 25/10/2008, 1º caderno, p.10
– Vera Lúcia Arreigoso).
O INEM dispõe ainda através do respetivo protocolo de cerca de duas
centenas de postos de Reserva INEM (RES), dispõe também de um hospital
de campanha, com capacidade para 60 camas, bloco cirúrgico e meios comple-
mentares de diagnóstico, destinado a situações de catástrofes em que fiquem
condicionadas as capacidades de resposta hospitalares na área mais afetada.
Igualmente, para situações de exceção, dispõe de quatro veículos com capa-
cidade de transporte de um posto médico avançado e equipamento logístico
de comunicação e apoio. Existe também capacidade técnica e material para
intervir em incidentes NRBQ (nucleares, radiológicos, biológicos e químicos),
“competindo ao INEM a descontaminação das hipotéticas vítimas que possam vir
a existir”. (Lopes, CPE-2007:4).
Em rigor, temos duas instituições que “pisam” o mesmo terreno com-
plementarizando-se, com os bombeiros maioritariamente enquadrados em
Associações privadas, embora de utilidade pública, cada uma refletindo o meio
sociocultural onde se insere, e o INEM, instituição de direito público “com
fama de entidade rica”, surgindo, aqui e ali, polémicas, por questões de fun-
cionalidade e coordenação, designadamente protagonismo dos agentes, fatores
de desconfiança em relação ao outro, receios de submissão e, ao invés, desejo
de preponderância, entre outros.
444
Todavia, a lógica política dominante parece inclinar-se para uma maior
profissionalização do socorro pré-hospitalar, parecendo inevitável que os corpos
de bombeiros em matéria do socorro hospitalar possam vir a ser “relegados”
para um papel cada vez mais complementar do INEM. Vai nesta perspetiva de
profissionalização futura a opinião do então vogal do INEM (e hoje Diretor
Nacional de Bombeiros da ANDC), Engenheiro Pedro Lopes ao referir que,
“contrariamente ao que era meu desejo, tenho que admitir que, no futuro, os
bombeiros tendem a ser apenas um complemento nas ações de emergência médica
pré-hospitalar, apoiando a missão do INEM ou substituindo-o nos locais do interior
do País, onde o número de serviços não justificar o investimento em meios humanos
e/ou materiais que o INEM necessitaria de fazer” (Lopes, CPE-2007:1).
Atualmente dos 278 concelhos de Portugal Continental, cerca de três de-
zenas de concelhos, de acordo com os dados do INEM, não têm ainda CB’s
com protocolo PEM ou RES, estando o socorro pré-hospitalar integralmente
a cargo de ambulâncias dos respetivos CB’s voluntários.
Para o INEM, assinala Lopes (CPE-2007) “o que importa é se o SIEM
(Sistema Integrado de Emergência Médica) tem ou não alguma ambulância no
concelho em análise, quer seja dos bombeiros (PEM) ou do INEM (SBV- Suporte
Básico de Vida idêntica às dos PEM) ou SIV (Suporte Imediato de Vida), em que
a tripulação é constituída por um TAS (Tripulante de Ambulância de Socorro)
no caso dos CBs e de TAE (Técnico de Ambulância de Emergência), ao nível do
INEM, que, neste caso, além do curso TAS, possui o curso em DAE (Desfibrilhação
Automática Externa) e em condução de emergência”.
Mais uma vez, estamos perante uma situação de incongruência, em que,
para funções idênticas, existem estatutos, formação e designações diferentes.
Espera-se por isso que o recém publicado Decreto de Lei nº 19/2016 de 15 de
abril, que procede à revisão da carreira de técnico da ambulância de emergência
e cria o regime especial de técnico de emergência pré-hospitalar possa vir a
trazer novo alento ao sistema integrado de Emergência Médica e designada-
mente à Emergência pré-hospitalar, a bem da supressão das desigualdades de
acesso da população aos cuidados de saúde às vitimas de doença súbita ou de
acidente. Por outro lado, a nova carreira coloca maior exigência no perfil de
445
competências técnicas constituindo boa noticia para o socorro pré-hospitalar
que não poderá deixar de continuar a contar com o apoio das CBs que, por
sua vez, terão que melhorar as competências dos técnicos de emergência (TAT
e TAS), garantindo-lhes a adequada formação para acesso a esta nova carreira.
No entanto, caso venha a verificar-se a assumpção plena, pelo INEM, do
socorro pré-hospitalar (situação que não parece pacifica e a breve prazo), con-
duzirá os bombeiros (tal como sucede na generalidade dos países) a focalizar-se
no desencarceramento e no combate a incêndios – o cerne da sua missão – e
ficando disponíveis para complementarem a ação dos profissionais do INEM.
Esta é a situação mais comum em toda a Europa, EUA e América Latina,
em que as ambulâncias se encontram sediadas nos hospitais, podendo até per-
tencer a entidades privadas, assumindo os bombeiros um papel complementar.
Noutros casos, como, por exemplo, no Chile, os bombeiros (todos voluntá-
rios) apenas têm atribuições na área dos incêndios urbanos e no salvamento e
desencarceramento, com Companhias especializadas, apenas numa destas missões,
como é o caso da cidade de Santiago do Chile, com mais de seis milhões de
habitantes, com socorro garantido por 22 companhias de bombeiros voluntários.
Em resumo, hoje em dia, a maior parte das operações de socorro são partilha-
das por vários agentes de proteção civil, para além dos bombeiros, em regra, os
primeiros a intervir. É o caso, por exemplo, dos incêndios urbanos e industriais,
em que além da presença dos bombeiros, estará também a PSP, Polícia Municipal
ou GNR e, eventualmente, técnicos do INEM. Já nos acidentes rodoviários,
além dos bombeiros, estará o INEM e a Brigada de Transito da GNR.
Nos exemplos referidos, o comando das operações de socorro é dos bombeiros
“dado o carácter residual dos outros agentes” (Gomes, CPE-2007:21).
Se, pelo contrário a operação de socorro for de grandes dimensões, obrigando
ao envolvimento mais substancial dos vários agentes de proteção civil (cada um
com o seu comando próprio), “a atividade de cada uma dessas forças terá de ser
coordenada com as manobras dos bombeiros, no âmbito do Sistema Integrado de
Operações de Proteção e Socorro (SIOPS).
Ora, a realidade é outra, pois a prática demonstra haver problemas com a
interpretação do conceito de comando único, que requer um esforço enorme e uma
446
abertura de espírito total por parte dos responsáveis pelas diferentes entidades e
organizações, incluindo dos corpos de bombeiros” (Gomes, CPE-2007:21).
Esta problemática de se saber quem conduz e coordena as diferentes forças de
intervenção da proteção civil (desde os CB’s, GNR, PSP, Forças armadas e outros
APC) em operações de socorro de grandes dimensões, não está, ainda, cultural-
mente, superada pela doutrina do SIOPS, não obstante o avanço inquestionável
que este instrumento jurídico trouxe à coordenação institucional e operacional
das operações de proteção e socorro. Por outro lado, também não está bem cla-
rificado quando estamos perante uma operação de Proteção ou de socorro, ora,
segundo o Comandante Artur Gomes, “as soluções encontradas noutros países são
bem diversas. Em França, é sempre o oficial de bombeiros quem comanda. No Reino
Unido é sempre o oficial da polícia quem comanda". Obviamente que, em França,
o oficial de bombeiros não diz à polícia como esta deve exercer a sua função. Tão
pouco no Reino Unido a polícia diz aos bombeiros como fazer.
Conforme assinalou Artur Gomes (2007), a anterior solução portuguesa
(posto de comando conjunto, previsto na Portaria 449/2001) tinha sido adaptada
dos EUA, pois o norte-americano “Incident Command System” que é utilizado por
todas as forças de intervenção americanas, prevê a existência dos chamados postos
de comando multi-jurisdicionais, quer para as ocorrências que abranjam mais do
que uma divisão administrativa, quer para operações multi-agente”.
Concluindo, no quadro conjugado do SIOPS e da Lei de Bases da Proteção
Civil e das respetivas alterações atrás referenciadas, as dimensões de coordenação
institucional e de comando operacional da proteção civil, de níveis nacional,
supra-distrital e distrital, contrariamente ao nível municipal, parecem estar
consolidadas, dos pontos de vista doutrinal e estratégico da proteção civil.
Também não deixa de constituir elo mais fraco do sistema, o facto dos bom-
beiros, os principais agentes de proteção civil e socorro terem base voluntária,
contrariamente aos outros agentes de proteção civil, profissionalizados (PSP,
GNR, Forças Armadas, INEM e Sapadores Florestais).
Nesta linha, assevera António Malheiro (2007) “não consigo perceber que, no
século XXI, a mesma população que usufrui da maior variedade de polícias para todos
os fins e feitios (totalmente suportadas pelo Estado), que usufrui da proteção das Forças
447
Armadas (que inclusive, exercem atividade noutros países), depende para sua própria
proteção quanto a incêndios, emergências médicas e proteção dos seus bens, de um sistema
fundamentalmente baseado no voluntariado e amadorismo” (Malheiro, 2007:48).
Sabemos que o País necessita de uma boa Rede Nacional de Ambulâncias
que garanta uma efetiva resposta às populações. Este é, indubitavelmente, o
salto qualitativo que urge dar, agora que foi criada a carreira de Técnico de
Emergência Pré Hospitalar.
Nestas e noutras matérias da organização do socorro e da proteção civil em
geral, o caminho a percorrer é ainda longo, quando a própria Lei de Bases e as
duas últimas alterações, praticamente ignora conceitos fundamentais com sejam,
por exemplo, Prevenção, Análise de Riscos, Gestão de Riscos e Reabilitação
ou seja, a tríade de uma proteção civil do século XXI: Prevenção-Socorro-
Reabilitação. (fig.5)
O sistema continua a não ter um centro de saber e a ligação ao mundo
Nestas e noutras matérias da organização do socorro e da proteção civil em geral, o
Universitário e muito ténue Também continua a ser claro que o socorro con-
caminho a percorrer é ainda longo, quando a própria Lei de Bases e as duas últimas alterações,
tinua muito dependente dos Corpos de Bombeiros, inseridos em Associações
praticamente ignora conceitos fundamentais com sejam, por exemplo, Prevenção, Análise de
Humanitárias de Bombeiros, instituições com grande heterogeneidade ao
Riscos, Gestão de Riscos e Reabilitação ou seja, a tríade de uma proteção civil do século XXI:
nível da organização, funcionamento, qualificação, liderança e qualidade de
Prevenção-Socorro-Reabilitação. (Fig.5)
intervenção ao nível do País.
448
O sistema continua a não ter um centro de saber e a ligação ao mundo Universitário e
muito ténue Também continua a ser claro que o socorro continua muito dependente dos Corpos
Por ultimo, os incêndios catastróficos deste agosto/2016 permitem elucidar
que o trabalho desenvolvido pela ANPC e pelos frágeis serviços Municipais
de Proteção Civil ( que as alterações à Lei de Bases continuam a subalternizar
ignorando o disposto nas Leis 65/2007 de 12 de novembro e Lei 75/2013 de
12 de setembro) é ainda insuficiente não só quanto ao Aviso e Alerta, mas
também ao nível da preparação das populações para lidarem com estes flagelos.
Conclusão
449
instituído pelo decreto de Lei n.º 134/2006 de 25 de julho; o enquadramento
institucional e operacional da Protecção Civil no âmbito municipal definido pela
lei n.º 658/20207 de 12 de novembro; a Lei Orgânica da Autoridade Nacional
de Proteção Civil consagrada pelo decreto de Lei n.º 75/2007 de 29 de março
e o Regime Juridico das Associações Humanitárias de Bombeiros definido pela
Lei n.º 32/2007 de 13 de agosto trouxeram maior coerência ao sistema.
Os agentes de Protecção Civil passaram a dispor de um quadro de referência
para a sua atuação no sistema, mais estável, porque institucionalmente mais
centralizado e coordenado.
A maior profissionalização do agente Corpos de Bombeiros e a integração
do GIPS da GNR e da Força Especial de Bombeiros (FEB) teve efeitos global-
mente positivos, porque indutores da melhoria do desempenho da estrutura
operacional do sistema.
Contudo, o sistema criado apresenta pontos fracos a citar:
• Inexistência de análise e tipificação de risco, enquanto variável estrutu-
rante do modelo de afectação de recursos nomeadamente financeiros;
• O sistema não possui um centro de investigação e produção de doutrina;
• O nível municipal está deficitário de técnicos especializados, facto que
obsta à plena operacionalização dos respectivos serviços.
Por outro lado, quer a criação de Equipas de Intervenção Permanente (EIP)
em regime profissionalizado, na totalidade dos corpos de bombeiros voluntários
do país (com a composição definida pela tipificação de cada CB) quer a evolução
da Escola Nacional de Bombeiros como verdadeira Escola de Protecção Civil
ajudaria bastante à melhoria do sistema em vigor.
450
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452
C o n c lu s ão
Luciano Lourenço
Departamento Geografia e Turismo, CEGOT e RISCOS,
Universidade de Coimbra (Portugal)
ORCID: 0000-0002-2017-0854 luciano@uc.pt
A edição desta obra, em conjunto com as que se lhe seguirão sobre Catástrofes,
veio colmatar uma lacuna existente na bibliografia cindínica de língua portuguesa,
na medida em que, até agora, não havia nenhuma obra de referência que desse uma
visão de conjunto dos diferentes riscos e das suas plenas manifestações, as catástrofes.
Ora, do conjunto destes quatro livros, este primeiro apresenta uma profunda
reflexão sobre muitos dos aspetos conceptuais usados pelas diferentes ciências que
versam sobre aspetos particulares dos riscos, a qual é feita numa perspetiva holística
e, por isso, nem sempre estará de acordo com algumas visões parcelares de um ou
outro conceito, pelo que a primeira conclusão a retirar é a de que se abriu uma porta
que permitirá fazer uma reflexão sobre o significado de alguns conceitos em uso na
língua portuguesa.
Por outro lado, sendo este volume, de certa forma, dedicado à teoria do risco,
as questões metodológicas não podiam deixar de também ser tidas em conta, tanto
na análise e avaliação, como na gestão do risco, as quais conduzem à definição das
políticas públicas na área da proteção civil e, por conseguinte, aos modelos de pre-
venção, socorro e reabilitação, sectores que constituem os pilares de sustentação da
proteção civil e que, por essa razão não podiam deixar de ser considerados.
De entre eles , foi dada ênfase à gestão, na medida em que ela deverá ser a chave
de sucesso das diferentes operações., a começar pela gestão do risco, como medida
de prevenção, passando à gestão da catástrofe, como medida de resposta à crise,
onde a organização do socorro desempenha um papel fundamental, e terminando
com a gestão do pós-catástrofe, não só como medida de proteção e de mitigação
da crise, mas também e sobretudo para aumento da resiliência das áreas afetadas.
Qualquer um dos capítulos e subcapítulos desta obra, que se dedica ao trata-
mento destas matérias, faculta ampla informação sobre os temas apresentados que,
certamente, contribuirá para enriquecer o conhecimento de todos aqueles e aquelas
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que se dedicam à investigação destes assuntos, bem como aos intervenientes nas
diferentes missões de prevenção, socorro e reabilitação, e, também, dos cidadãos
anónimos que se interessam pela sua proteção individual e pela segurança das co-
munidades em que se integram.
Série
R i s c o s e C atá s t r o f e s
Títulos Publicados:
1 Terramoto de Lisboa de 1755. O que aprendemos 260 anos depois?
2 Sociologia do Risco;
3 Geografia, paisagem e riscos;
4 Geografia, cultura e riscos;
5 Alcafache. 30 anos depois;
6 Riscos e crises. Da teoria à plena manifestação;
Volume em publicação:
7 Catástrofes naturais. Uma abordagem global;
8 Catástrofes antrópicas. Uma aproximação integral;
9 Catástrofes mistas. Uma perspetiva ambiental.
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Luciano Lourenço é doutorado em Geografia Física, pela Universidade de Coimbra, onde é
Professor Catedrático.
e publicou mais de mais de três centenas de títulos, entre livros e capítulos de livro, artigos em
revistas e atas de colóquios, nacionais e internacionais.