A Relacao Entre Direito e Desastres Uma 1
A Relacao Entre Direito e Desastres Uma 1
A Relacao Entre Direito e Desastres Uma 1
COORDENADORES
Pedro Gonzaga Alves
Renato Alexandre da Silva Freitas
Vanessa Padrilha Catossi
AUTORES
Géssica Regina Vidotti Machado, Stéfanny Rocha Rodrigues, Antonio Sergio Cordeiro Piedade,
Sébastien Kiwonghi Bizawu, Luís Eduardo Gomes Silva, Carlos Eduardo Silva e Souza, Vivian
Gerstler Zalcman, Victor Lucas Alvim, Filipe Antonio Faiano Luquez, Cyro José Jacometti
Silva, Letícia de Souza Lopes, Priscila Flora Simões, Lawrence Ulisses Melmann Sanchis,
Matheus Pelissari Silveira, Rogério Piccino Braga
1a Edição
Bandeirantes/PR
Redige Produção Editorial
2016
______________________________
2016 Ilton Garcia da Costa, Soraya Saad Lopes, Diego Nassif da Silva,
organizadores
Direitos reservados de publicação
Redige Produção Editorial
Rua Prefeito José Mário Junqueira, n.º 149, Conj.08
Bandeirantes – PR
CEP. 86.360-000
EDIÇÃO
ROGÉRIO PICCINO BRAGA
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Os autores se responsabilizam pelo conteúdo de seus artigos, isentando a Editora e os
organizadores da obra coletiva de eventuais responsabilidades oriundas da publicação
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Conselho Científico
Fabiana PolicanCiena
Doutora em Direitos Humanos - USP
Mestre em Ciência Jurídica - Faculdade Estadual de Direto do Norte Pioneiro –
FUNDINOPI
CAPÍTULO III
38
Até a conclusão do presente trabalho, algumas informações sobre o desastre ainda não estavam
disponíveis, como, por exemplo, o laudo definitivo do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis) sobre o evento catastrófico, tendo-se acesso apenas ao preliminar.
39
Doutor em Direito pela FADISP. Mestre em Direito pela UFMT. Professor dos cursos de Graduação e
Mestrado em Direito da Faculdade de Direito da UFMT. Coordenador de Pesquisa da Faculdade de Direito
da Universidade Federal de Mato Grosso. Coordenador Pedagógico da Escola Superior de Advocacia de
Mato Grosso. Líder do Grupo de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo da FD/UFMT. Sócio-Diretor
do Escritório Silva Neto e Souza Advogados.
40
Mestranda em Direito pela PUC/SP. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo
da FD/UFMT. Professora de Direito Civil e Processo Civil em diversas Instituições. Pós-Graduada em
Direito de Família e Sucessões pela PUC/SP, em Direito Civil e Processo Civil, bem como em Direito
Público pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Sócia-Diretora do Escritório Zalcman Advogados
Associados.
41
Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso. Membro do Grupo de Pesquisa de
Direito Civil Contemporâneo da FD/UFMT. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq.
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attention of the legal community for a subject still little known and studied in Brazil. In
this sense, the research had as objective to investigate what a disaster for the law, and the
way in which the law relates to the catastrophic phenomenon to clarify whether steps can
be taken to prevent and / or repair the damage arising from disasters. Thus, making use
of bibliographic and documentary research, analyzed the legal protection against
disasters, carried out by managing risks and catastrophic risks in addition to the
implementation of the liability to institute disaster arising damage.
INTRODUÇÃO
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42
As informações aqui expostas dizem respeito ao laudo técnico preliminar do Ibama, concluído ainda em
novembro de 2015, para fins de subsidiar a ação civil pública para a reparação dos danos oriundos do
desastre. IBAMA. Laudo técnico preliminar: impactos ambientais decorrentes do desastre envolvendo o
rompimento da barragem de fundão, em Mariana, Minas Gerais. Disponível na Internet em:
<http://www.ibama.gov.br/phocadownload/noticias_ambientais/laudo_tecnico_preliminar.pdf >. Acesso
em 27 mar 2016.
57
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43
FOLHA DE SÃO PAULO. Mineradora engavetou plano para alertar vizinho de barragem em MG.
Reportagem de Estêvão Bertoni. Disponível na Internet em:
<http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/11/1710705-mineradora-engavetou-plano-para-alertar-
vizinho-de-barragem-em-mg.shtml>. Acesso em 27 mar 2016.
44
ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Petição inicial da ação civil pública com pedido de antecipação de
tutela em face da Samarco S/A, Vale S/A e BHP Billiton Brasil Ltda. Disponível na Internet em: <
http://www.brasil.gov.br/meio-ambiente/2015/12/confira-documentos-sobre-o-desastre-do-rio-
doce/acao_inicial_agu_es_mg_samarco.pdf> Acesso em 27 mar 2016.
45
ATLAS BRASILEIRO DE DESASTRES NATURAIS: 1991 a 2012. 2 ed. Florianopolis: CEPED UFSC,
2013, p. 35.
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Ao se falar em meio ambiente, dada a riqueza de seu conteúdo, nota-se que é mais
fácil intuir do que definir essa categoria 47 . Apesar disso, o legislador brasileiro, por
ocasião da Lei 6.938/1981, em seu artigo 3º, inciso I, definiu o meio ambiente como sendo
“o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e
biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. O aludido diploma
normativo, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, foi inovador,
trazendo, como uma de suas principais conquistas, o reconhecimento do ambiente como
um bem jurídico autônomo digno de proteção, ou seja, o patrimônio ecológico “passou a
ser considerado um fundamento em si para justificar a regulação jurídica do uso dos
recursos naturais, não havendo mais necessidade de se recorrer a outras justificativas48”,
tais como saúde pública, ordem econômica, propriedade, entre outras.
46
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. Coleção direito civil; v.1. 8. ed. São Paulo: Atlas,
2008, p. 319.
47
BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcellos e. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. In: Revista
de Direito Ambiental, v. 3, n. 9, 1998, p. 47.
48
SARLET, Ingo Wolfgang & FENSTERSEIFER, Tiago. Direito ambiental: introdução, fundamentos e
teoria geral. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 31.
59
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49
Ibidem, p. 308-322.
50
O interesse público primário seria aquele que se confunde com o interesse da coletividade, visando o
bem de todos, ao passo que o interesse público secundário diria respeito aos interesses do Estado enquanto
pessoa. Para maiores detalhes, ver: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo.
30. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 65-70.
51
SARLET, Ingo Wolfgang & FENSTERSEIFER, Tiago. Op. cit., p. 327. Vale frisar que a Lei 6.938/1981,
em seu artigo 3º, inciso IV, ao definir o conceito de poluidor, incluiu ali também as pessoas jurídicas de
direito público: “Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: (...) IV - poluidor, a pessoa física
ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de
degradação ambiental;”. (Grifou-se).
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Este se identifica com os elementos que compõem o ambiente, por exemplo, florestas,
rios, animais etc., tendo regime de propriedade variado (público ou privado); enquanto
aquele diz respeito a um bem único, incorpóreo e imaterial, isto é, uma universitas
corporalis, um bem pertencente a toda a coletividade e insuscetível de apropriação52.
Nesse diapasão, vê-se que a proteção desse bem jurídico tutelado pelo texto
constitucional traz consigo uma dupla funcionalidade53, uma vez que, além de ser direito
(e dever) fundamental (de terceira dimensão) do indivíduo e da coletividade, trata-se
tambémde objetivo e tarefa estatal, os quais deverão ser realizados através de fiscalização
e adoção de políticas públicas ambientais, que devem ser capazes de assegurar o desfrute
adequado do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Em tal contexto, de acordo com Lemos, pode-se apontar três formas de tutela do
meio ambiente: a preventiva, a repressiva e a reparadora. A primeira tem como escopo
evitar a ocorrência do dano, sendo refletida na adoção dos princípios da prevenção e da
precaução. Já a segunda, que tem como fulcro a Lei 9.605/1998, diz respeito às sanções
penal e administrativa, decorrentes de ações e omissões lesivas ao bem jurídico ambiental.
Por sua vez, a terceira é refletida na responsabilidade civil por dano ao meio
ambiente54.Em razãodos limites do presente trabalho, aqui serão analisadas apenas as
tutelas preventiva e reparadora, no presente e no próximo tópico, respectivamente.
Dada a peculiaridade do bem em questão, sua proteção é informada por alguns
princípios próprios, dentre os quais, o poluidor-pagador, a prevenção e o subprincípio da
precaução. Nesse sentido, considerando que a manutenção do equilíbrio do ambiente é
um dever fundamental que se impõe tanto ao Poder Público quanto à coletividade e,
ademais, está-se a tratar de um bem de uso comum do povo, é imperioso afirmar que
todas as decisões e atuações da Administração e dos particulares, qualquer que seja a
situação da vida, devem ser pautadas e devem tomar, como critério, os aludidos
52
LEITE, José Rubens Morato & AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo
extrapatrimonial. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 94-97.
53
SARLET, Ingo Wolfgang & FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental. 3. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 276.
54
LEMOS, Patrícia FagaIglecias. Responsabilidade civil e dano ao meio ambiente: novos rumos. In:
MILARÉ, Édis& MACHADO, Paulo Affonso Leme (Org.). Doutrinas essenciais: Direito ambiental, v.5,
responsabilidade em matéria ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 349-363.Malgrado a
autora, neste artigo, colocar a responsabilidade civil vinculada à tutela reparadora, não se olvida que o
aludido instituto jurídico também tem uma função preventiva. Nesse sentido, ver LEMOS, Patrícia Faga
Iglecias. Mudanças climáticas e responsabilidade civil por dano ao meio ambiente. In: LAVRATTI, Paula
& PRESTES, Vanêsca Buzelato (Orgs.). Responsabilidade civil e mudanças climáticas. São Paulo: Instituto
O Direito por um Planeta Verde, 2010, p. 60-76. E; LEITE, José Rubens Morato & AYALA, Patryck de
Araújo. Op. cit., p. 147-154.
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princípios, visando sempre evitar o dano ambiental. Em jeito de síntese, pode-se dizer
que os comandos do poluidor-pagador, da prevenção e da precaução regem a atuação de
todas as pessoas, naturais ou jurídicas, de direito público ou privado, visando concretizar
uma tutela preventiva na seara ambiental.
Nos dizeres de Benjamin, o princípio do poluidor-pagador, de forma bem
simplista, equivale à máxima “quem suja, limpa”, significando que “o poluidor deve
assumir os custos das medidas necessárias a garantir que o meio ambiente permaneça em
um estado aceitável, conforme determinado pelo Poder Público55”.Consoante Machado,
tal norma tem dois momentos distintos de aplicação: o primeiro é “o da fixação das tarifas
ou preços e/ou da exigência de investimento na prevenção do uso do recurso natural”, ao
passo que o segundo diz respeito à responsabilização residual ou integral do poluidor.
Não obstante tais pagamentos, estes não conferem ao poluidor o direito de degradar, nem
mesmo o eximem de eventual responsabilidade de reparar o dano56.
Por sua vez, o princípio da precaução, segundo Benjamin, é aquele que “separa
bem o Direito Ambiental de outras disciplinas jurídicas tradicionais57”.Nas lições de Leite
e Ayala, a indigitada norma traz o seguinte comando normativo:
55
BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcellos e. Op.cit. p. 19.
56
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.
72.
57
BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcellos e. Op.cit. p. 18.
58
LEITE, José Rubens Morato & AYALA, Patryck de Araújo. Op. cit., p. 62-63.
59
O princípio da prevenção tem previsão normativa no artigo 225, §1º, inciso V, da CF; e no artigo 54, §3º,
da Lei 9.605/1998; ao passo que o subprincípio da precaução tem fundamento legal no artigo 1º da Lei
11.105/2005; e no artigo 2º, §2º, da Lei 12.608/2012.
60
LEITE, José Rubens Morato & AYALA, Patryck de Araújo. Op. cit., p. 62-63.
62
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61
CARVALHO, DéltonWinter de. & DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Direito dos desastres. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 40. Contudo, há autores, a exemplo de Fiorillo, que entendem estar
o comando da precaução inserido no princípio da prevenção, não havendo que se falar em diferenciação.
Nesse sentido, ver FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 14. ed. São
Paulo: Saraiva, 2013, p. 122-126.
62
DONNINI, Rogério. Prevenção de danos e a extensão do princípio neminemlaedere. In: DONNINI,
Rogério & NERY, Rosa Maria de Andrade. Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor
Rui Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 484. Para o autor, o princípio do
neminemlaedere se encontra previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, quando o
constituinte faz menção ao termo “ameaça a direito”.
63
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 369.
64
SARLET, Ingo Wolfgang & FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental. cit.,, p. 279.
65
Idem.
63
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66
Ibidem, p. 179.
67
PAGEL, Rogério. A responsabilidade civil do estado frente à concessão de licença ambiental. In: Revista
Veredas do Direito, v. 9, n. 18, 2012, p. 234.
68
Ibidem, p. 242-247.
69
ANTUNES, Tiago. O risco climático na sua dimensão catastrófica. In: GOMES, Carla Amado &
SARAIVA, Rute. Actas do colóquio catástrofes naturais: uma realidade multidimensional. Lisboa: Instituto
de Ciências Jurídico-Políticas, 2013, p. 125.
70
FARBER, Daniel. Disaster Law and Emerging Issues in Brazil. In: Revista de estudos constitucionais,
hermenêutica e teoria do direito. v. 4. n. 1. São Leopoldo/RS: UNISINOS, 2012, p. 4.
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“Têm como traço marcante a incerteza de sua probabilidade, são sistêmicos, tanto em
motivos (econômicos, sociais, políticos) quanto em consequências (costumam afetar
pontos não localizados) e, de forma bastante comum, conduzem irreversibilidades 76”.
71
Ver GOMES, Carla Amado. A gestão do risco de catástrofe natural. In: GOMES, Carla Amado (Coord.).
Direito(s) das catástrofes naturais. Lisboa: Almedina, 2012, p. 23. Para a autora, desastre corresponderia
ao evento limitado ao território nacional, ao passo que em uma catástrofe, os efeitos seriam maiores e
obrigariam o Estado a buscar auxílio externo.
72
A exemplo da ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. International strategy for disaster reduction:
terminology on disaster risk reduction. Disponível na Internet em:
<http://www.unisdr.org/files/7817_UNISDRTerminologyEnglish.pdf>. Acesso em 10 jan 2016.
73
A exemplo do INSURANCE INFORMATION INSTITUTE. Catastrophes: insuranceissues. Disponível
na Internet em: <http://www.iii.org/issue-update/catastrophes-insurance-issues>. Acesso em 10 jan 2016.
Tal instituto condiciona o enquadramento de um evento à categoria de desastre apenas se o valor dos danos
cobertos por seguros atingir a casa dos 25 milhões de dólares.
74
SOUZA, Carlos Eduardo Silva e. Danos catastróficos: da gestão de riscos e perigos à reparação. Tese de
Doutorado apresentada à Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo, 2014, p. 34.
75
ANTUNES, Tiago. Op. cit., p. 128.
76
CARVALHO, DéltonWinter de. & DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Op. cit., p. 15-16.
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Percebe-se, dessa forma, que o meio ambiente, qualquer que seja a sua faceta
(natural, urbana, cultural ou do trabalho), está sujeito a ser atingido pelo fenômeno
catastrófico. Veja-se o caso de Mariana/MG, é indubitável que este foi um evento
excepcional, brusco e inesperado, além de que as consequências ali verificadas foram
graves, impactantes e altamente danosas, atingindo o meio ambiente em todas as suas
facetas. Por exemplo, em relação ao patrimônio natural, viu-se que houve destruição de
áreas de preservação permanente e vegetação nativa; dizimação de ictiofauna em período
de defeso; despejo de rejeitos de mineração em uma das maiores bacias hidrográficas do
país, a do Rio Doce, alterando a qualidade da água; entre outros danos. No que diz respeito
ao ambiente urbano, o distrito de Bento Rodrigues foi destruído, provocando o
desalojamento da comunidade; quanto ao patrimônio histórico-cultural, a título
exemplificativo, pode-se citar a Capela de São Bento, que ficou em ruínas em virtude dos
sedimentos oriundos da barragem. Já no que tange ao ambiente do trabalho, não há
dúvidas de que este, com a magnitude dos danos verificados, também foi lesado.
Analisando um quadro como esse, Farber nota que é tentador pensar que os
desastres são eventos naturais completamente fora do controle humano ou acidentes
inevitáveis. Em que pese isso, o homem é capaz de planejar no sentido de reduzir a
probabilidade de muitas catástrofes e diminuir os seus efeitos nocivos, bem como
estabelecer procedimentos de reconstrução após o sinistro77, para que casos como o de
Mariana/MG não mais se verifiquem.
Isso se dá porque há uma estreita relação entre os riscos e perigos de catástrofes e
um controle inadequado, razão pela qual Farber chega a uma crucial constatação: as
lesões advindas desses acontecimentos são quase sempre causadas ou, pelo menos,
agravadas pela falta de controle adequado e antecipado dos riscos pelo direito fundiário
e pelo direito ambiental78. Portanto, resta claro que os desastres não são simplesmente
acidentes ou actsof God, eles também envolvem as falhasdo sistema legal em lidar com
os riscos79. Diante dessa constatação, vê-se que o ordenamento jurídico tem um papel
central na prevenção, na resposta e na gestão de riscos e perigos de catástrofes. Na esteira
de Carvalho, observa-se que o Direito, em tal cenário, tem a função de “fornecer
estabilidade pela normatividade, tanto para evitar como para responder ao caos trazido
77
FARBER, Daniel. Op. cit., p. 03.
78
Idem.
79
Ibidem, p. 7.
66
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80
CARVALHO, DéltonWinter de. As mudanças climáticas e a formação do direito dos desastres. In: Novos
Estudos Jurídicos (Online), v. 18, 2013, p. 406.
81
A despeito de não ser objeto do presente artigo, pode-se incluir, na perspectiva ex post do fenômeno
catastrófico, a tutela repressiva.
82
ANTUNES, Tiago. Op. cit., p. 138.
83
FARBER, Daniel. Op. cit., p. 06.
84
INTERGOVERNMENTAL PAINEL ON CLIMATE CHANGE. Summary for policymakers.
Disponívelem<https://www.ipcc.ch/pdf/special-reports/srex/SREX_Full_Report.pdf>. Acesso em 10 jun.
2015.
85
ANTUNES, Tiago. Op. cit., p. 139-140.
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metrópole, resta nítido que suas consequências serão muito mais lesivas e graves do que
se o mesmo evento incidir sobre uma região desértica86.
No caso de Mariana/MG, dever-se-ia, sobretudo, cogitar os danos potenciais
associados à barragem, perquirindo vulnerabilidade e exposição. Sem ter a pretensão de
fazer uma leitura minuciosa do evento, uma vez que diversos são os fatores envolvidos,
em relação à vulnerabilidade, os empreendedores poderiam, por exemplo, seguindo as
normas previstas na Lei 12.334/2010 (tratada infra), revisar o nível de segurança da
barragem periodicamente, avaliando a infraestrutura e realizando as ações técnicas que
se fizessem necessárias, sempre visando evitar eventual rompimento, vazamento,
infiltração no solo ou mau funcionamento da barragem. Já no que tange à exposição, o
ideal seria que não houvesse ou que houvesse poucas pessoas e bens no raio de incidência
dos efeitos de um potencial rompimento. Apesar disso, considerando que havia o distrito
de Bento Rodrigues relativamente próximo à barragem, algumas medidas poderiam ser
tomadas, tais como, por exemplo, identificar e mapear aqueles locais que pudessem ser
atingidos, manter a população informada sobre a área de risco, em como sobre protocolos
de prevenção e alerta, além de ações emergenciais em circunstâncias catastróficas, entre
outras.
Nesse diapasão, em que pese ser difícil prevenir o desastre em si mesmo, haja
vista ser imprevisível; pode-se – e é necessário – prevenir o risco catastrófico,
considerando que este é determinado pela vulnerabilidade e pela exposição. Isso é
possível através de duas vias: aumentando a resiliência ou diminuindo a exposição87, as
quais somente serão exitosas se forem inseridas dentro de uma adequada gestão de riscos
e perigos envolvendo desde a prevenção e o planejamento até a resposta e compensação.
Farber, nessa senda, propõe que o gerenciamento de riscos e perigos de desastres seja
realizado através do “Ciclo do Direito dos Desastres”, que se trata de um conjunto de
estratégias envolvendo os seguintes estágios, os quais se relacionam uns com os outros:
mitigação, ocorrência do evento catastrófico, resposta de emergência, compensação e,
por derradeiro, a reconstrução88.Com efeito, a gestão dos riscos e perigos de maneira
integrada e adequada, envolvendo todas as fases de forma circular, serviria para a
86
Ibidem, p. 141.
87
Ibidem, p. 142.
88
FARBER, Daniel. Op. cit., p. 06.
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89
Idem, Ibidem, p. 7. Para maiores detalhes, ver CARVALHO, DéltonWinter de & DAMACENA,
Fernanda Dalla Libera. Op. cit., p. 33 e 70-79. CARVALHO, DéltonWinter de. Op. cit., p. 409-410.
90
Para maiores detalhes sobre a PNPDEC, ver CARVALHO, DéltonWinter de & DAMACENA, Fernanda
Dalla Libera. Op. cit., p. 79-101. Ver também: PESSOA, Conrado Falcon. Responsabilidade civil do estado
por danos catastróficos. Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Mato Grosso, 2015, p. 44-56.
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mitigação de riscos” (artigo 2º, VI). Ademais, nota-se que esta lei traz como alguns de
seus fundamentos o dever de informar a população, bem como estimulá-la a participar,
direta ou indiretamente, das ações preventivas e emergenciais (artigo 4º, II); além disso,
prevê o empreendedor como sendo o responsável legal pela segurança da barragem,
cabendo-lhe o desenvolvimento de ações para garanti-la (artigo 4º, III). Contudo, não foi
o que se observou no caso de Mariana/MG, onde a Samarco S/A foi omissa em seus
deveres de proteção ambiental.
Dando conteúdo à gestão de riscos, em seu artigo 17, o aludido diploma normativo
estabelece um rol de obrigações a serem cumpridas pelo empreendedor, dentre as quais:
prover recursos necessários à garantia da segurança da barragem; providenciar a
elaboração e a atualização do Plano de Segurança da Barragem, observadas as
recomendações das inspeções e as revisões periódicas de segurança; entre outros deveres.
No caso em comento, a Samarco S/A, enquanto empreendedora, deveria, além de
elaborar, pôr em prática o Plano de Segurança da Barragem de Fundão (o mesmo vale
para as outras barragens), o qual, por força do artigo 8º, deveria compreender: o Plano de
Ação de Emergência (PAE); relatórios das inspeções de segurança; revisões periódicas
de segurança, dentre outras informações. Consoante o artigo 10 da Lei 12.334/2010, tais
revisõestêm por objetivo verificar “o estado geral de segurança da barragem,
considerando o atual estado da arte para os critérios de projeto, a atualização dos dados
hidrológicos e as alterações das condições a montante e a jusante da barragem”.
Já no que tange ao PAE, o artigo 12 estatui que este, visando estabelecer as ações
a serem executadas pelo empreendedor da barragem em caso de situação de emergência,
deverá contemplar: identificação e análise das possíveis situações de emergência;
procedimentos para identificação e notificação de mau funcionamento ou de condições
potenciais de ruptura da barragem; procedimentos preventivos e corretivos a serem
adotados em situações de emergência, com indicação do responsável pela ação; e
estratégia e meio de divulgação e alerta para as comunidades potencialmente afetadas em
situação de emergência. Analisando o teor de tais deveres de incumbência do
empreendedor, não resta dúvida de eles dizem respeito à gestão de riscos e perigos
catastróficos, tendo por escopo evitar a ocorrência de desastres.
Para tanto, a participação do Estado também é imprescindível, tendo o artigo 2º,
IV, e o artigo 16 da Lei 2.334/2010 previsto que o ente estatal atuará como órgão
fiscalizador, incumbindo-lhe, dentre outras obrigações, “exigir do empreendedor o
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Apesar de ter como função primordial a reparação do dano, Benjamin aponta ainda, no contexto
ambiental, além da compensação das vítimas, outras três funções do instituto da responsabilidade civil:
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decorre de uma lesão causada ou da violação de uma obrigação de evitar o dano, tendo,
como supedâneo, previsão legal ou contratual, sendo que, em alguns casos, é necessário
se comprovar o elemento acidental, culpa lato sensu (negligência, imprudência, imperícia
ou dolo). Havendo necessidade de prova da culpa, diz subjetiva a responsabilidade, ao
passo que, não havendo essa exigência, fala-se em responsabilidade civil objetiva.
Contudo, como aduz Benjamin, em sua formulação tradicional, voltada para um cenário
de poucas vítimas, “regulando o relacionamento indivíduo-indivíduo, salvaguardando
relações homem-homem, de caráter essencialmente patrimonial, e não as relações
homem-natureza”, a responsabilidade civil aplicada ao dano ambiental seria somente
mais um caso de law in the books, isto é, de direito sem aplicação prática92.
Isso assim se daria porque o dano ambiental foge de longe da versão tradicional
de dano, uma vez que se está a tratar de um bem de uso comum do povo, incorpóreo,
imaterial, indivisível e insuscetível de apropriação exclusiva. Porém, apesar disso, Leite
e Ayala bem observam que o meio ambiente “é um bem de interesse jurídico autônomo
e, portanto, reparável, mesmo não preenchendo os pressupostos tradicionais da
configuração do dano93”. Nesse contexto, os indigitados autores assim diferenciam o dano
tradicional do dano ambiental: enquanto o primeiro é ligado à pessoa e seus bens; atinge
a personalidade; é certo; é sempre atual; é subsistente, permanente e claro; é anormal;
possui nexo de causalidade definido etc.; o segundo, por sua vez, é basicamente difuso; é
impessoal; pode ser incerto; é transtemporal e cumulativo; é gradativo em suas causas e
efeitos; pode ser “normal”, muitas vezes tolerado socialmente; além de possuir nexo
causal, frequentemente, indefinido94.
Ademais, percebe-se também, na esteira deLeite e Carvalho, que os danos
ambientais não se apresentam linearmente (causalidade simples), mas, antes, possuem
uma causalidade complexa, considerando que são, amiúde, “produtos de várias causas
concorrentes, simultâneas ou sucessivas 95”. Ainda, por vezes, lida-se com a incerteza
científica, com danos anônimos e de emissores indeterminados96. Especificamente em
relação ao dano catastrófico, além de trazer consigo as aludidas peculiaridades inerentes
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ao dano ambiental lato sensu, observa-se que essa espécie de lesão é marcada pela
hipercomplexidade no que diz respeito à sua causa97, uma vez que, além de apresentar
um caráter difuso, biocumulativo e multifacetado dos seus fatores desencadeadores, ela é
afetada pelas mudanças climáticas, as quais são resultado de um modelo civilizatório,
com origem histórica e difusa 98 . Outrossim, não se há que olvidar as repercussões
advindas dos fatores agravantes dos riscos e perigos catastróficos, como a vulnerabilidade
e a exposição.
Em face de tais apanágios das lesões ao bem jurídico ambiental, é de se reconhecer
que, uma vez configurado o dano ambiental, a tutela preventiva, isto é, osistema
comando-e-controle(normas ambientais) emanado pelas autoridades, falhou em sua
missão de evitar a danosidade ambiental, a qual, amiúde, tem efeitos irreparáveis e
irreversíveis, mormente em casos de desastres. Diante de tal constatação, Benjamin chega
a dizer que a responsabilidade civil “é a pior resposta que o Direito Privado pode dar às
vítimas da degradação ambiental”, até se considerar outras alternativas99. Não obstante,
como se vive numa sociedade de riscos e perigos, também considerada catastrófica, em
razão do seu elevado poder de autodestruição, razão pela qual, havendo a configuração
do dano, a tutela reparadora é medida impositiva.
Nesse cenário, o constituinte tratou de estatuir, no artigo 225, §3º, da CF, que as
“condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados”. Especificamente em relação à mineração (caso
de Mariana/MG), o §2º do mesmo dispositivo constitucional foi claro ao prever que
aquele “que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente
degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na
forma da lei”. Da mesma forma, o legislador pátrio, no artigo 14, §1º, da Lei 6.938/1981,
previu que o poluidor é “obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar
ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.
Em face do teor de tais dispositivos normativos100, diz objetiva a responsabilidade civil
97
SOUZA, Carlos Eduardo Silva e. Op. cit., p. 199.
98
CARVALHO, DéltonWinter de & DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Op. cit., p. 127-128.
99
BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcellos e. Op. cit., p. 11.
100
Em se tratando do Estado enquanto sujeito reparador, pode-se mencionar ainda os seguintes dispositivos
normativos que preveem a responsabilidade civil objetiva: artigo 37, §6º, da Constituição Federal e artigo
43 do Código Civil.
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101
BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcellos e. Op.cit. p. 21.
102
Ibidem, p. 40.
103
A proposta de uma flexibilização dos elementos da responsabilidade civil no contexto catastrófico é dos
autores Carvalho e Damacena. CARVALHO, DéltonWinter de & DAMACENA, Fernanda Dalla Libera.
Op. cit, p. 137. Na mesma linha, ver: LEITE, José Rubens Morato & AYALA, Patryck de Araújo. Op. cit.,
p. 28. Para maiores detalhes, ver: ALVIM, Victor Lucas. O estado socioambiental de direito e os danos
oriundos de desastres naturais: da gestão de riscos e perigos à responsabilidade civil. Trabalho de conclusão
de curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso, 2016.
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lesão. Em virtude disso, a visão do intérprete deve ser direcionada para as circunstâncias
que, de fato, produziram o dano104.
Além disso, há de se considerar que, em se tratando de proteção ambiental, que é
informada pelos princípios do poluidor-pagador, da precaução, e da reparabilidade
integral do dano ambiental, consoante leciona Benjamin, “são vedadas todas as formas e
fórmulas, legais ou constitucionais, de exclusão, modificação ou limitação da reparação
ambiental, que deve ser sempre integral105”. Logo, é de se inferir que aquele que cria o
risco deve reparar os danos advindos de seu empreendimento, mesmo que exista uma
licença, haja vista que esta, nas palavras de Lemos, não pode funcionar como “salvo
conduto106”. Nesse sentido, segundo aduz a aludida autora, a demonstração da legalidade
do ato não exime o poluidor do seu dever de reparação, uma vez que, na configuração de
dano ambiental, não há distinção entre ato lícito, ato ilícito e abuso de direito107.
Desse modo, não há que se falar, na esfera da tutela do meio ambiente, em
excludentes de responsabilidade. Portanto, diz-se que a teoria adotada pelo direito
ambiental pátrio é a teoria do risco integral, em detrimento da teoria do risco criado (ou
risco administrativo, quando a Administração é o agente da lesão), consoante já fixado
pelo Superior Tribunal de Justiça (a exemplo do julgamento do Recurso Especial de
número 1.071.741/SP), bastando, assim, a prova do dano, da conduta (comissiva ou
omissiva) e do elo causal.
Nada obstante, mesmo que superado o óbice das excludentes, em tal cenário, é de
se notar, na esteira de Benjamin, que “a prova do nexo causal é, com frequência,
extraordinariamente complicada, quando não impossível108”, sendo o nexo de causalidade
considerado o “calcanhar de Aquiles” dessa matéria 109 .Isso decorre da complexidade
apresentada pela danosidade ambiental, a qual se encontra inserida dentro de um contexto
de incertezas científicas, lidando com lesões anônimas e de emissores indeterminados,
envolvendo várias causas concorrentes, simultâneas ou sucessivas110.
Ademais, como expõem Leite e Carvalho, amiúde, tem-se uma pluralidade de
agentes causadores do dano ambiental, sendo que este “pode ter fontes múltiplas e ser
104
SOUZA, Carlos Eduardo Silva e. Op. cit., p. 245-253.
105
BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcellos e. Op. cit., p. 19.
106
LEMOS, Patrícia FagaIglecias. Responsabilidade civil e dano ao meio ambiente cit., p. 357.
107
LEMOS, Patrícia FagaIglecias. Mudanças climáticas e responsabilidade civil cit., p. 64.
108
BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcellos e. Op. cit., p. 44.
109
Ibidem, p. 13-14.
110
LEITE, José Rubens Morato & CARVALHO, DéltonWinter de. Op. cit., p. 78
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proveniente de atividades conjuntas e de risco, sem que seja possível determinar com
exatidão o responsável111”. Nessas situações, a solução adotada pela doutrina brasileira é
a regra da solidariedade passiva, a qual independe de concerto prévio e de indivisibilidade
de conduta112, de forma que, havendo mais de um causador, todos são responsáveis pela
reparação, haja vista o teor do artigo 942 do Código Civil113. Isso assim se configura
porque essa norma, de acordo com Benjamin, “corretamente vê a degradação ambiental
como um fato danoso único e indivisível”, pressupondo que o nexo causal é comum114.
Ainda, vale ressaltar que, em matéria de lesão ao meio ambiente, o direito pátrio
não admite qualquer distinção entre causa principal, causa acessória e com causa do
evento danoso115, de modo que tal matiz não serve para diminuir ou excluir o dever de
reparar. Diante disso, resta assente que qualquer que seja a ação ou omissão do sujeito,
influindo no resultado danoso, mesmo que indiretamente, trata-se de conduta suficiente
para ensejar a inclusão do agente no polo passivo da demanda de responsabilidade civil
por danos ao meio ambiente.
Tendo isso em mente, ao retomar o desastre de Mariana/MG, pode-se inferir que,
pelo fato depositarem seus rejeitos de minério na barragem de Fundão, a Samarco S/A e
a Vale S/A tiveram influência direta na causa do evento. Por outro lado, a BHP Billiton
Brasil Ltda., como uma das controladoras da Samarco S/A, bem como o Estado, através
de seus órgãos fiscalizadores (por exemplo, o DNPM) que emitiram licenças ambientais
e foram omissos no seu mister, ainda que indiretamente, também influíram no resultado
danoso, motivo pelo qual, juntamente com os poluidores diretos, também podem ser
inclusos no polo passivo da demanda de responsabilidade civil.
Outrossim, ainda na esfera da complexidade, a doutrina espanhola faz um
interessante apontamento, ressaltando a dicotomia entre a causalidade científica (ou
naturalística) e a jurídica, haja vista a primeira exigir um alto grau de prova, buscando a
certeza total para admitir a existência de uma relação de causa e efeito; enquanto a
111
Ibidem, p. 80.
112
Idem.
113
“Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à
reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela
reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas
designadas no art. 932”.
114
BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcellos e. Op. cit., p. 38. O autor se refere ao artigo 1.518 do
Código Civil de 1916, o qual é correspondente e tem redação semelhante ao artigo 942 do Código Civil de
2002. (Grifos no original).
115
Ibidem, p. 44.
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116
PERALES, Carlos Miguel apud LEITE, José Rubens Morato & CARVALHO, DéltonWinter de. Op.
cit., p. 89-90.
117
CARVALHO, DéltonWinter de & DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Op. cit., p. 130.
118
LEITE, José Rubens Morato & CARVALHO, DéltonWinter de. Op. cit., p. 88-89.
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produzir provas do fato constitutivo do direito, considerando que, amiúde, tais elementos
são informações que apenas o poluidor as possui.
Por tais motivos, para lidar com esse cenário e minimizar as dificuldades impostas
pela complexidade causal, Carvalho e Damacena119 apontam uma estratégia a ser adotada
pela dogmática jurídica, que é a utilização, em tal contexto, da teoria dinâmica do ônus
da prova, a qual foi expressamente prevista, recentemente, no Código de Processo Civil120
de 2015, em seu artigo 373, §1º. Segundo tal teoria, deve suportar o encargo probatório
aquele que tiver as melhores condições ou possibilidades de produzir a prova, o que deve
ser estabelecido consoante o caso concreto e não de maneira vaga e abstrata,
antecipadamente fixo. Nessa linha, pouco importa a posição da parte, se autora ou ré;
tampouco interessa a espécie do fato, se constitutivo, impeditivo, modificativo, ou
extintivo de direitos121. No caso de Mariana/MG, por exemplo, em razão de seu poderio
técnico e econômico, caberá à Samarco S/A o ônus de provar que sua atividade não
produziu o dano e não tinha a possibilidade de causá-lo, haja vista que todas as medidas
preventivas condizentes à gestão de riscos e perigos catastróficos foram ali empregadas.
Em tal cenário, outro óbice verificado, principalmente no caso de dano oriundo de
desastre, é a mora para se obter um provimento jurisdicional. Nesse ínterim, entre o
ajuizamento da ação judicial e a composição do dano, os indivíduos afetados pelos males
do dano catastrófico continuam a vida com todas as suas necessidades, porém,
desamparados, desassistidos e com a dor da perda do pouco que tinham. Nesse contexto,
desponta como uma alternativa louvável para a melhor reparação das vítimas o “design
de sistemas de disputas”, que se trata de “um conjunto de procedimentos criados sob
medida para lidar com um conflito determinado, ou uma série destes122”. Esse mecanismo
de resolução de conflitos é da espécie auto composição, sendo manejado pelas próprias
partes em disputa. Além disso, atende às necessidades e particularidades do caso
119
CARVALHO, Délton Winter de & DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Op. cit, p. 129.
120
“§1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou
à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da
prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão
fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi
atribuído”.
121
MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. A prova no processo coletivo ambiental: necessidade de superação
de velhos paradigmas para a efetiva tutela do meio ambiente. In: Revista de Direito Ambiental, v. 57, 2010,
p. 113-114.
122
Para maiores detalhes sobre o design de sistema de disputas, ver FALECK, Diego. Introdução ao design
de sistema de disputas. In: Revista Brasileira de Arbitragem. v. 1. n. 23. Porto Alegre: Síntese, 2009, p. 7-
32. Vertambém: FEINBERG, Kenneth R. Who gets what: fair compensation after tragedy and financial
upheaval? New York: Public Affairs, 2012.
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concreto, reduzindo custos e tempo. Este sistema já é bastante utilizado na reparação das
vítimas de desastres antropogênicos, exemplo disso é o “September 11th Compensation
Foundof 2001123” e a Câmara de Indenização 3054124.
Em síntese, visando uma adequada gestão de riscos e perigos, a qual envolve
também a fase da compensação, essas são algumas das alternativas para superação dos
óbices dogmáticos e práticos apresentados pelo modelo tradicional de responsabilidade
civil. Indubitavelmente, está-se a tratar de medidas que visam uma efetiva tutela
ambiental reparadora.
Desse modo, considerando que o evento ocorrido em Mariana/MG, em face de
suas peculiaridades, enquadra-se no conceito de desastre, e lesões dele advindas são da
categoria “dano catastrófico”, não restam dúvidas de que, prima facie, a flexibilização do
modelo tradicional de responsabilidade civil aqui defendida, isto é, a adoção da teoria do
risco integral, da solidariedade passiva, da teoria das probabilidades, da teoria dinâmica
do ônus da prova, e do design de sistema de disputas, poderia ali ser aplicada, visando
uma adequada e efetiva tutela ambiental reparadora.
CONCLUSÃO
123
Fundo de compensação dos parentes e das vítimas do ataque terrorista às torres gêmeas de Nova Iorque.
124
Relacionada à reparação dos parentes das vítimas que morreram no acidente do voo TAM 3054.
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125
Para maiores detalhes sobre o conceito de dano, no direito pátrio e no direito comparado, ver SILVA,
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