MMT 3
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A exagerada, insustentável e
efêmera redução da taxa de
juros no Brasil
23 de setembro de 2021
Presidência:
Diretoria Executiva:
Conselho Técnico-Científico
Ricardo Lodi • Antonio José de Almeida Meirelles • Carlos Pinkusfeld Monteiro Bastos • Carlos
Henrique Vasconcellos Horn • Larry Randall Wray • William Francis Mitchell • Xinhua Liu • Fadhel
Kaboub • Yeva Nersisyan • Flávia Dantas • James Juniper • Pavlina Tcherneva • Bruno Sobral • Antonio
Correia de Lacerda • Caetano Penna • Paulo Gala • Márcio Gimene • Pedro Rossi • Adriana Nunes
Ferreira • Marco Antonio Rocha • Julio Cesar de Aguiar • Fernando Maccari Lara • Pedro Paulo Zahluth
Bastos • Franklin Leon Peres Serrano • André de Melo Modenesi • Paulo Kliass • Fernanda Ultremare •
José Carlos de Assis • Isabela Prado Callegari • Kaio Sousa Mascarenhas Pimentel • João Sicsù • Ricardo
Summa • Gustavo Antônio Galvão dos Santos • Guilherme Esteves Galvão Lopes • Felipe Calabrez •
Renata Lins • Luiz Gonzaga Belluzzo • Olivia Bullio Mattos • Scott Fullwiler.
Policy Note n. 2
Resumo:
A política econômica executada no Brasil nos últimos anos apostava na redução da taxa básica de
juros como principal fator de estímulo ao crescimento econômico. Nos primeiros meses de 2020 a taxa
básica de juros foi reduzida pela autoridade monetária para um nível historicamente baixo e inferior ao
patamar do indicador de risco soberano EMBI+. Tal opção não é nada usual na experiência brasileira e
acabou produzindo um comportamento também peculiar da taxa de câmbio nominal, exacerbando no
plano doméstico uma pressão inflacionária oriunda da dinâmica dos preços internacionais de
commodities. No contexto de um reduzido poder de barganha dos assalariados, circunstância que já era
observada anteriormente e que se aprofundou com a crise gerada pela pandemia, tal orientação de
política acabou produzindo fortes efeitos distributivos contra os assalariados e rendas mais baixas,
mostrando-se assim contraproducente no que diz respeito à manutenção de baixas taxas de juros de
forma mais permanente.
Palavras-chave:
Taxa de Juros, política econômica, taxa de câmbio, inflação, efeitos distributivos, autoridade monetária.
O Brasil é conhecido pela prática de elevadas taxas de juros. São diversos os efeitos adversos que
esta circunstância pode ter, tendo em vista uma melhor distribuição da renda. A transferência de renda
para detentores da dívida pública, o elevado custo do crédito, um alto custo de oportunidade do capital,
entre outras. Justamente pela relevância desta variável é que o objetivo de uma política monetária
preocupada com a questão distributiva deve ser a busca por reduzi-la, de forma persistente e
permanente. Recentemente o Banco Central do Brasil voltou a elevar a taxa Selic e tem sido fortemente
criticado pelos setores progressistas. Mas será que a crítica tem sido bem direcionada? A questão deve
ser analisada tendo em vista tanto alguns aspectos mais estruturais que hoje caracterizam a realidade
brasileira quanto a conjuntura específica que vivenciamos, no contexto da pandemia.
Ao contrário do que muitos podem pensar, o crescimento dos salários em termos nominais, ou
seja, os valores monetários efetivamente recebidos pelos assalariados, não é algo irrelevante para os
resultados distributivos que se estabelecem na economia. Na medida em que o repasse dos custos aos
preços por parte das empresas não seja completo, uma redução da taxa de crescimento dos salários
nominais é um fator que, em si mesmo, já pode produzir o efeito de elevar as margens de lucro e implicar
em perdas reais de salários 1.
Brasil. Fica claro que tanto a taxa de desemprego quanto a taxa de subutilização da força de trabalho
subiram continuamente em 2015-16 e permaneceram em patamar mais elevado também ao longo da
lenta e insuficiente recuperação do crescimento econômico, que se deu após 2017.
O resultado desse colapso das condições de barganha dos assalariados foi uma queda drástica da
taxa de crescimento dos salários nominais, componente fundamental e pouco observado para a queda
da taxa de inflação, que também ocorreu no período. Visto por esta ótica, faz até certo sentido a
afirmação bastante comum entre os economistas convencionais de que a queda da taxa de juros foi um
resultado de medidas visando a austeridade fiscal, como o sempre citado teto para os gastos públicos.
Os mecanismos que levam de uma coisa à outra são, entretanto, muito diversos em relação ao cenário
paradisíaco que costumávamos ver projetado nos artigos sobre a economia nos grandes jornais, em
apoio à agenda adotada.
Ocorre que a orientação da política econômica e as reformas liberais praticadas desde 2015, da
qual faz parte o teto de gastos, determinaram a persistência do cenário de altas taxas de desemprego,
subutilização da força de trabalho e reduzido poder de barganha dos assalariados. Por este mecanismo
- em si mesmo já extremamente perverso para a maioria da população - criaram-se condições domésticas
favoráveis para a redução da taxa nominal de juros por parte do Banco Central. Note-se que, com a taxa
de crescimento dos salários nominais e a taxa de inflação em queda, a redução da taxa nominal de juros
é uma medida necessária para evitar que haja elevação da taxa real de juros (a taxa nominal descontada
a inflação).
Fonte: Federal Reserve Bank of Saint Louis; Ipeadata; Banco Central do Brasil
Mas podemos explicar a expressiva redução da taxa nominal de juros no Brasil e seus efeitos
exclusivamente com a análise do cenário interno? Não, pois também é preciso observar as condições do
ambiente externo. Nesse contexto, entretanto, o que se observou no período recente foi, de um modo
geral, uma continuidade das condições bastante favoráveis que têm sido observadas há muitos anos, no
que diz respeito ao equacionamento do balanço de pagamentos. A taxa de juros norte-americana e os
indicadores de risco externo comportaram-se de forma bastante favorável no período, implicando em
um amplo espaço para a redução da taxa nominal de juros. No Gráfico 2 este espaço é retratado pela
tendência de redução do que chamamos de “piso” para a taxa doméstica de juros e que, de forma
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simples, significa o limite para a redução da taxa interna de juros sem provocar fluxos de saída de capitais
e/ou desvalorizações abruptas da taxa de câmbio 2.
Ao invés, entretanto, de reduzir a taxa nominal de juros de forma gradual e mantendo uma
distância segura em relação ao piso, para assim evitar provocar desvalorizações cambiais, o BCB parece
ter se orientado justamente pelo contrário. Uma redução bastante intensa da taxa Selic começou a ser
posta em prática já ao longo do segundo semestre de 2019. A partir dos primeiros meses de 2020 a Selic
desceu a um nível inferior ao aqui considerado piso, permanecendo nesta condição por cerca de 12
meses.
Apesar de ser um aspecto bem pouco destacado pelos analistas, com raras exceções, foi notável
o descolamento que essa orientação de política monetária provocou na taxa de câmbio do Real,
comparativamente ao que é usual na sua relação com os preços de commodities e às taxas de câmbio
de outros países emergentes. O Gráfico 3 mostra o diferencial de juros (a diferença entre a Selic e o piso,
do Gráfico 2) em nível negativo em boa parte do período, ao mesmo tempo em que subiu
expressivamente a taxa de câmbio do Real em relação a uma cesta de moedas de países emergentes 3.
Convém explicar a esse respeito que, nos primeiros meses em que se sentia os efeitos da
pandemia, em 2020, houve uma forte queda dos preços de commodities, sobretudo do petróleo, em
conjunto com desvalorizações das moedas dos países emergentes e com uma temporária elevação do
piso para a taxa de juros (que pode ser vista no Gráfico 2). Tais movimentos foram, com toda certeza,
2 Assumir que, a curto prazo e sob certas condições, faça sentido considerar um nível de taxa de juros que represente esse
"piso" de modo algum corresponde a postular a existência de qualquer mecanismo automático de convergência para um nível
único de equilíbrio, seja da taxa de câmbio, seja da taxa de juros. Comparando a meta de taxa de juros determinada pela
autoridade monetária e o "piso" estamos apenas avaliando em que medida a própria política monetária possa estar criando
as condições para que ocorra uma desvalorização cambial (ou uma sequência delas, considerando os potenciais efeitos sobre
expectativas). Detendo um volume considerável de reservas internacionais, a autoridade monetária teoricamente tem
condições de moderar os efeitos de instabilidade gerados enquanto mantém a taxa de juros abaixo do piso, mas ao mesmo
tempo o próprio piso tende a ser deslocado para cima, no caso da formação de expectativas de novas desvalorizações. Para
uma discussão completa dessas possibilidades ver Serrano et al (2021).
3 Braga et al (2021) mostram que ao longo da pandemia o diferencial de juros ajustado ao risco do Brasil foi inferior à média
4 O próprio Banco Central do Brasil reconhece que, usualmente, existe uma relação estabilizadora entre os preços
internacionais de commodities e a taxa de câmbio, mas que ela não esteve presente no período aqui destacado. "Os preços
de commodities continuaram subindo acentuadamente no mercado internacional, mas seus efeitos foram compensados pela
recente apreciação do real. Medido em moeda local, o Índice de Commodities – Brasil (IC-Br) recuou 1,1%, considerando a
média dos cinco dias úteis encerrados nas respectivas datas de corte deste relatório e de sua edição anterior, apesar da
variação de 11,2% do índice medido em dólares. O movimento das commodities e do câmbio neste trimestre ocorreu em
linha com a correlação negativa usual, ao contrário do observado nos trimestres anteriores" (BCB, 2021b, p. 25). Note-se que
o retorno da relação estabilizadora teria ocorrido no segundo trimestre de 2021, quando a taxa de juros já voltava a estar
acima do piso. Essa relação, entretanto, não é feita explicitamente pelo Banco Central.
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5 Advertência que foi feita tempestivamente, por exemplo, por Braga e Serrano (2020).
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Referências