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Imagens Citações Arquitectónicas Novos Valores Patrimoniais Paula Andre

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Imagens e citações arquitectónicas como novos valores patrimoniais.

Paula André
Historiadora de Arte
Departamento de Arquitectura e Urbanismo
ISCTE – IUL – Instituto Universitário de Lisboa
Av. E.U.A. nº 97, 10º dto, 1770-167 Lisboa, Portugal
Telemóvel 934340414 – paula.andre@iscte.pt
Imagens e citações arquitectónicas como novos valores patrimoniais.
Resumo:

A imagem de uma construção moderna já desaparecida, que permita a reconstituição virtual


dessa arquitectura, e a influência ou a citação numa obra de arquitectura moderna existente de
outra arquitectura devem ser entendidas como novos valores patrimoniais, dos quais
apresentamos alguns exemplos que nos parecem relevantes.

Na primeira metade do século XX, a cobertura plana era a imagem e o símbolo da arquitectura
nova, moderna e internacional. A sua recusa e a utilização de uma cobertura inclinada,
considerada tradicional, foi entendida como uma atitude conservadora, nacionalista e anti-
moderna. O que demonstra que na primeira metade do século XX, o modernismo afirmou a
cobertura em terraço como elemento identitário da sua arquitectura, quer nos argumentos a
favor, quer nos argumentos contra, logo um valor patrimonial a conservar. Em Lisboa, a
cobertura plana foi imagem da arquitectura moderna, mas por vezes a sua aceitação foi dificil.
A construção de algumas moradias e prédios com cobertura plana na Rua Castilho foi
justificada, por uma ala mais conservadora, pela panorâmica que se poderia desfrutar daquele
local. Construções desaparecidas e que do ponto de vista patrimonial nos sugerem uma
reconstituição virtual, potenciadora da real dimensão da arquitectura moderna, isto é, do
conjunto da arquitectura moderna ainda existente à qual se deve juntar a arquitectura moderna
desaparecida, como forma de repensar a modernidade ou, parafraseando Ramalho Ortigão, é
pelo culto da imagem que a religião do património se exterioriza e se exerce.

Formosinho Sanchez que considerava que a Arquitectura Portuguesa estava muito aquém da
Arquitectura Contemporânea Brasileira, projecta em 1949, em parceria com Ruy d’Athouguia, o
Bairro das Estacas em Lisboa, cujas características o aproximam do Bloco B do Conjunto
Residencial Pedregulho do Rio de Janeiro projectado por Affonso Reidy em 1947. O Bairro das
Estacas viria a receber o prémio Municipal de Arquitectura de Lisboa em 1954, e uma “Menção
Honrosa” na categoria de habitação colectiva, na II Exposição Internacional de Arquitectura, da
II Bienal de Arquitectura de S. Paulo. Conservar o Bairro das Estacas em Lisboa pode ser
também estabelecer um novo valor patrimonial: a citação ou a influência da arquitectura
moderna brasileira na produção moderna em Lisboa. Essa influência foi sublinhada por
Maurício de Vasconcelos que estagiou no Brasil onde trabalhou com Vilanova Artigas e Sérgio
Bernardes ao considerar a obra Brazil Builds o “nosso segundo Vignola” e bem expressa no
seu projecto para a casa Rangel de Lima, construída em 1951 na Av. Almirante Gago
Coutinho.

Estes exemplos confirmam que as imagens e as citações arquitectónicas são também uma
forma de construir a cidade, que a arquitectura moderna pode constituir um campo
experimental da cidade contemporânea e que o património é um desafio à inovação.

Palavras-chave:
Imagem
Citação
Património

1
Imagens e citações arquitectónicas como novos valores
patrimoniais.

A imagem de uma construção moderna já desaparecida, que permita a reconstituição


virtual dessa arquitectura, e a influência ou a citação arquitectónica numa obra de
arquitectura, devem ser entendidas como novos valores patrimoniais, dos quais
passamos a apresentar alguns exemplos que nos parecem relevantes.

Na primeira metade do século XX, a cobertura plana era a imagem e o símbolo da


arquitectura moderna, internacional, isto é, da nova arquitectura. A sua recusa e a
utilização de uma cobertura inclinada tradicional foi entendida como uma atitude
conservadora, nacionalista e anti-moderna. No entanto, para lá desta abordagem, há
um debate formal e funcional que consideramos necessário narrar para caracterizar o
que fazemos tendo em conta as seguintes coordenadas, particularmente no que
concerne ao contexto alemão:

Ernst May (1886-1970), responsável pelos Serviços de Urbanismo de Frankfurt, em


1926-27 consagra um número da revista Das Neue Frankfurt à defesa da cobertura
em terraço, respondendo aos violentos ataques dos construtores locais, que se
opunham ao programa municipal de cidades funcionalistas. Efectivamente, em 1922,
havia-se dado a primeira recusa de uma cobertura em terraço pelo Conselho Municipal
de Weimar, relativa ao projecto apresentado por Walter Gropius (1886-1970), por
considerá-lo inapropriado à paisagem.

Em 1926, as tomadas de posição entre os partidários da cobertura plana e os


partidários da cobertura inclinada acentuam-se; as revistas Bauwelt e Deutsche
Bauzeitung enviam questionários aos arquitectos e publicam as suas respostas. O
questionário enviado por Walter Gropius aos seus colegas modernistas, alemães e
europeus, e as respostas de 17 arquitectos são publicadas na revista Bauwelt, entre
elas as dos alemães Erich Mendelsohn (1887-1953), Bruno Taut (1880-1938), Max
Taut (1884-1967), Ludwig Hilberseimer (1885-1967), Richard Döcker (1894-1968),
Otto Haesler (1880-1962) e Karl Schneider (1892-1945). Os argumentos enunciados a
favor da cobertura plana são de ordem prática: “o espaço sob a cobertura, graças à
sua volumetria cúbica é mais ocupável; a ausência de madeira diminui o risco de

2
incêndio; a cobertura terraço é acessível e oferece menos resistência ao vento”1. Por
seu turno o arquitecto Paul Schultze-Naumburg (1869-1949) envia o seu questionário
a um conjunto de arquitectos conservadores que será publicado na revista Deutsche
Bauzeitung, e as respostas são no sentido de rejeitar a expressão estrangeira da
cobertura plana e essa carência de germanidade é igualmente estigmatizada pelos
editores da revista Zentralblatt der Bauverwaltung, considerando que “as invenções
dos novos mexem com a tradição e a alma dos alemães imitando a Holanda ou os
EUA, mas: Outros países, outros edificios! Nós na Alemanha devemos construir com
outro ponto de vista que os Árabes e os Brasileiros”2. No Brasil tal como refere Irã
Taborda Dudeque a moradia que o arquitecto Frederico Kirchgässner (1899-1988)
projectou em 1930 para o seu irmão em Curitiba viria a ser um escândalo:
“em 1936, curibitanos indignados recomendavam a Bernardo Kirchgässner,
que não gastasse dinheiro numa obra tão absurda. Outros paravam diante da
construção para indicar profissionais que solucionariam o «problema» da falta
de telhados. Já para a colónia alemã de Curitiba, as coberturas planas e o
aspecto geral da obra eram uma negação das grandezas germânicas
divulgadas pelos nazis”3.
A revista Arquitectura Portuguesa, ao iniciar, em 1936, uma nova secção intitulada
“Arquitectura de Hoje pelo estrangeiro”, escolhe uma obra brasileira do arquitecto
Benjamim da Cunha reproduzindo uma moradia que adopta a cobertura plana,
considerando-a de estilo puramente alemão4. A mesma revista publicaria uma série de
casas de construção económica em 1943 e entre elas encontramos duas propostas de
moradias novamente do arquitecto Benjamim da Cunha: uma de cobertura plana e
outra de cobertura em telha5. Embora fosse prática comum na época que um
arquitecto apresentasse duas versões para um mesmo projecto, um com cobertura
plana e outro com cobertura inclinada, a verdade é que as posições dividem-se. Por
um lado, os defensores da cobertura plana, que permite aproveitar o ar puro, o sol, as
boas vistas, fazer ginástica, tomar o pequeno-almoço, dançar. Por outro, os que
consideram a cobertura plana sem sentido para a habitação corrente, que se tem
lógica nos países meridionais, não faz qualquer sentido na Europa do Norte e do

1
MENGIN, Christine – Guerre du toit & modernité architecturale. Loger l’employé sous la république de Weimar. Paris:
publications de la Sorbonne, 2007.p.358.
2
MENGIN, Christine – Guerre du toit & modernité architecturale. Loger l’employé sous la république de Weimar. Paris:
publications de la Sorbonne, 2007.p.358.
3
DUDEQUE, Irã Taborda –– Espirais de madeira: uma história da arquitectura de Curitiba. São Paulo: Studio Nobel:
FAPESP, 2001.p.72-101.
4
ARQUITECTURA de Hoje pelo estrangeiro. Arquitectura Portuguesa e Cerâmica e Edificação / Reunidas. Lisboa,
Ano XXIX, 3ª série, nº 21, (Dezembro, 1936). p.22,23.
5
A revista não deixaria de manifestar a sua preferência pelo projecto de Benjamim da Cunha de cobertura em telha
embora o justificasse pela qualidade da planta; destacava também os projectos do arquitecto brasileiro G. Valença,
todos eles com cobertura de telha, in, CASAS de campo; casas de praia; pequenas moradias. A Arquitectura
Portuguesa e Cerâmica e Edificação Reunidas. Lisboa, nº 100, (1943).p.10-15.

3
Centro, onde é necessário proteger da chuva, da neve, do gelo; sublinhando
igualmente a banalidade da cobertura horizontal e recusando a sua adopção
sistemática.

Em 1927, a Deutscher Werkbund organiza a exposição Weissenhof em Estugarda.


Tratava-se da construção do bairro Weissenhof, desenhado sob a orientação de Mies
van der Rohe (1886-1969), na qual participaram 17 arquitectos de diferentes
proveniências6. Esta Exposição e Bairro Experimental, paradigma da Nova
Arquitectura, exibia 21 modelos de casas de cobertura plana para o homem moderno
das grandes cidades, tendo sido visitada nesse ano por mais de 500 mil pessoas.
Embora a cobertura plana seja a imagem deste bairro, Mies surpreendentemente
ainda em 1927 numa conferência realizada em Dusseldorf refere:
“Também os movimentos artísticos mantêm a sua luta emblemática na
construção. É a luta pela cobertura plana. Também neste caso se acusa os
seus opositores de serem reaccionários e os seus defensores de estarem a ser
influenciados. Esta luta combate-se com energia, como se fosse o aspecto
mais crucial da arquitectura. Contudo, trata-se apenas de uma luta por
superficialidades, ainda que nela participem destacadas personalidades. O
centro de interesse desta actividade não são determinadas tendências formais
mas a superação de determinadas relações reais”7.

E o crítico Peter Reyner Banham (1922-1988), referindo-se igualmente a este


problema, salienta que as coberturas planas, adoptadas pelo estilo internacional,
tinham a sua génese nos edifícios industriais americanos que os arquitectos
conheciam por fotografias, não deixando contudo de questionar a adopção da
cobertura plana:
“Como puderam ser tão perversamente suicidas para preferir uma forma de
cobertura que, ao favorecer o aparecimento de fendas, contradizia as normas
da utilidade, economia e racionalidade? E porque é que copiaram os
arquitectos modernos europeus uma característica, que ao que parece, era tão
pouco funcional?”8.

6
Le Corbusier, Pierre Jeanneret (Paris), Victor Bourgeois (Bruxelas), J.J.P.Oud (Roterdão), Mart Stam (Amesterdão),
Josef Frank (Viena), Peter Behrens, Richard Döcker, Adolf Schneck (Estugarda), Walter Gropius (Dessau), Ludwig
Hilberseimer, Mies van der Rohe, Bruno Taut, Max Taut (Berlim), Hans Poelzig (Berlim- Charlottenburg), Adolf Rading,
Hans Scharoun (Breslau).
7
NEUMEYER, Fritz; MIES VAN DER ROHE, Ludwig – La palabra sin artificio. Reflexiones sobre arquitectura
1922/1968. Madrid: El Croquis, 1995.p.400,401.
8
BANHAM, Reyner – La Atlántida de hormigón. Edificios industriales de Estados Unidos y arquitectura moderna
europea 1900-1925. Madrid: Nerea, 1989.p.26,27.

4
Banham denunciando que estas estruturas não tinham sido estudadas directamente
chamava ainda a atenção para o facto do Estilo Internacional ser “o primeiro
movimento arquitectónico na história da arte que está baseado quase exclusivamente
em dados fotográficos”9. Foi precisamente através de uma montagem fotográfica, à
imagem das práticas futuristas, que foi denunciado o carácter árabe de Weissenhof. O
bairro foi criticado pelos nazis, considerado uma “vergonha”, um “subúrbio de
Jerusalém” ou uma “aldeia dos árabes”10 e teve como resposta da corrente
tradicionalista a exposição da Madeira Alemã para a Construção e para a Habitação,
realizada em 1933, também em Estugarda, destinada à construção do bairro
Kochenhof.

Neste bairro, as construções deveriam representar a casa urbana de madeira,


prolongando a boa tradição da casa de Goethe, construída no século XVIII em
Weimar, e as casas burguesas das pequenas cidades da Alemanha, antes da guerra
de 1870, tendo sido os projectos da autoria dos arquitectos Paul Michael Nikolaus
Bonatz (1877-1956) e Paul Schmitthenner (1884-1972), que usaram coberturas
tradicionais. Na sua obra Das Deutsche Wohnhaus (1932), Schmitthenner considera
que a forma do telhado determina a «cor» da construção e sublinha que o telhado não
deve ser entendido como uma questão estética mas sim prática, prescrevendo por
isso que deveria ser sempre escolhida a forma mais simples, que no caso alemão
seria um telhado inclinado. Schmitthenner, na sua luta contra a Nova Arquitectura,
confronta a casa que o arquitecto Hans Scharoun (1893-1972) construiu no
Weissenhofsiedlung e a casa de verão de Goethe, construída no séc. XVIII em
Weimar, considerada como modelo. E o arquitecto Paul Schultze-Naumburg, na sua
obra Kunst und Rasse (1928), refere que o telhado inclinado é uma das características
positivas da arquitectura alemã. Em Kampf un die Kunst (1932), o mesmo arquitecto
faz o elogio da casa alemã de cobertura inclinada, profundamente enraizada ao solo11,
em contraste com a cobertura plana, símbolo de um povo desarreigado, ou seja, como
referiu Barbara Miller Lane construindo a defesa de uma arquitectura nacional e
orgânica12.

9
BANHAM, Reyner – La Atlántida de hormigón. Edificios industriales de Estados Unidos y arquitectura moderna
europea 1900-1925. Madrid: Nerea, 1989.p.26,27.
10
Também em 1929 quando foi inaugurado o bairro para os operários da fábrica Junkers em Dessau, com projecto de
Walter Gropius, os nacionalistas criticaram as “cabanas dos marroquinos” do “bairro dos negros”, uma vez que as
casas tinham cobertura plana em vez da tradicional cobertura inclinada alemã, in, VASCONCELOS, Jorge – A
regulação em Portugal: arte nova, arte degenerada ou arte pobre?.www.fd.uc.pt/cedipre/licores-
inaugurais/licao_inaugural.pdf
11
Paul Schultze-Naumburg já em 1929 na sua obra Das Gesicht des deutschen Hauses, descreve a casa alemã como
uma construção que brota do chão, como uma árvore que lança as suas raízes na terra formando uma forte união.
12
LANE, Barbara Miller – Architecture and politics in Germany 1918-1945. Cambridge: Harvard University Press,
1968.p.258, nota57.

5
A construção simultânea, em 1928, de dois bairros sociais em Berlim, no loteamento
Zehlendorf, pelas duas principais sociedades de construção, geraria o que foi
designado, pela imprensa coeva, a “guerra dos telhados” entre a tradicionalista Gagfah
e a progressista Gehag. A sociedade de construção Gagfah fundada em 1918 pelos
sindicatos de direita, cuja direcção artística estava a cargo do arquitecto Heinrich
Tessenow (1876-1950), adoptou uma arquitectura tradicionalista, de inspiração
regionalista, com cobertura inclinada. Os objectivos eram uma atenção à paisagem, ao
clima e às particularidades construtivas do local, procurando a variedade regional. Na
edificação do conjunto habitacional chamado Fischtalgrund, colaboraram, entre outros,
os arquitectos: Paul Schmitthenner, Heinrich Tessenow, Paul Mebes (1872-1938),
Alexander Klein (1879-1961) e Georg Steinmetz (1882-1936). A progressista Gehag,
organismo criado em 1924 pelos sindicatos de esquerda e por diversas cooperativas
de construção, dirigida pelo arquitecto Martin Wagner (1885-1957), conselheiro para a
construção da cidade de Berlim, adoptou uma arquitectura moderna, com cobertura
em terraço para casas em banda, projecto do arquitecto Bruno Taut. Na construção do
conjunto habitacional designado por Case de l’Oncle Tom colaboraram os arquitectos:
Bruno Taut, Hugo Häring (1882-1958) e Otto Rudolf Salvisberg (1882-1940). Neste
caso, os objectivos centravam-se na adopção de volumetrias cúbicas, betão
desprovido de ornamentação, utilização de cores primárias, procurando uma
linguagem objectiva e universal.

Esse carácter ideológico que a cobertura assume ficou particularmente revelado, em


1933, com o encerramento da Bauhaus pelos nazis. Na campanha eleitoral tinham
prometido fechar a instituição Bauhaus e destruir o edifício. Quando perceberam que o
edifício seria bom para um colégio, destruíram publicamente parte do mobiliário13 e em
relação à cobertura plana, o departamento municipal de construção em 1933 decidiu
substituí-la por uma cobertura de duas águas ligeiramente inclinada14. À semelhança
do restauro efectuado em 1981 no bairro Weissenhof, onde as coberturas inclinadas
que entretanto tinham surgido, foram removidas e restituídas as coberturas planas15, o
edificio da Bauhaus, tendo ficado parcialmente destruído com a II Grande Guerra, foi

13
Em Outubro de 1932 os alunos já tinham procedido à mudança da Bauhaus para Berlim, quando Mies van der Rohe
tentou reabrir a Bauhaus como um instituto privado em Berlim, no entanto, a escola só duraria alguns meses, in,
DROSTE, Magdalena – Bauhaus 1919-1933. Reforma e Vanguarda. Köln: Taschen, 2006.p.92,93.
14
KENTGENS-CRAIG, Margret – Art and politics: no “new unity”. In, KENTGENS-CRAIG, Margret; BAUHAUS
DESSAU FOUNDATION ed. lit. – The Dessau Bauhaus Building 1926-1999. Basel, Berlim, Boston: Birkhäuser,
[2006].p.74,75.
15
IRACE, Fulvio – La conservazione del Moderno. Domus. Milão, nº 649, (Abril, 1984).p.5.

6
restaurado entre 1996-2006, sendo também restituída a cobertura plana16 e
classificado Património Cultural da Humanidade.

O que demonstra que na primeira metade do século XX, o modernismo afirmou a


cobertura em terraço como elemento identitário da arquitectura, quer nos argumentos
a favor, quer nos argumentos contra, logo um valor patrimonial a conservar hoje. Em
Lisboa, a cobertura plana foi imagem da arquitectura moderna, mas por vezes a sua
aceitação foi difícil. A construção de algumas moradias e prédios com cobertura plana
na zona da Rua Castilho foi justificada por uma ala mais conservadora com a
panorâmica que se poderia desfrutar daquele local. Construções desaparecidas e que
do ponto de vista patrimonial nos sugerem uma reconstituição virtual, potenciadora da
real dimensão da arquitectura moderna, isto é, do conjunto da arquitectura moderna
ainda existente à qual se deve juntar a arquitectura moderna desaparecida, como
forma de repensar a modernidade ou, parafraseando Ramalho Ortigão, sendo pelo
culto da imagem que a religião do património se exterioriza e se exerce.

Mas há uma reflexão em torno do dilema da cobertura que está directamente


relacionada com a arquitectura moderna versus tradicional, com a arquitectura
internacional versus nacional que consideramos pertinente salientar mesmo que de
modo necessariamente sintético dentro da economia deste texto.

O ultra-tradicionalista Thomaz Ribeiro Colaço (1899-1965), considerando em 1935 que


as feições da Lisboa moderna tinham adquirido um carácter estrangeirado, sem pátria,
comentava: “Dir-se-ia que não sabemos ter o estilo demasiado rectilíneo, - género
caixote – filho das pessoas e improvisações do pós-guerra, da adaptação inteligente a
condições climáticas, de mil razões que não são nem podem ser nossas”17. E três
anos depois, indignado, perguntava: “Como poderemos aceitar que em Lisboa e em
todo o país se ergam caixotes de Moscovo, de Munique, de toda a parte menos de
Portugal?”18. A crítica à importação de modelos estrangeiros e a luta contra a
uniformidade arquitectónica esteve também presente na revista Arquitectura
Portuguesa, onde encontramos essa denúncia:
“Na feição modernista da arte arquitectural, ver um edifício em Paris, Londres,
Moscovo, Nova-Iorque, Lisboa ou Pequim, é ver muito aproximadamente um
16
Na verdade, tal como refere Irina Steinberg a cobertura plana do edifício da Bauhaus tinha alguns problemas tais
como o desaguar das águas pluviais no interior e a falta de uma verdadeira impermeabilização, in, STEINBERG, Irina –
Un recorrido por la
Bauhaus.www.fau.unlp.edu.ar/descargas/publicaciones/steinberg%20un%20recorrido%20por%20/a%20Bauhaus.doc
17
COLAÇO, Tomaz Ribeiro – Lisboa Antiga e Moderna. Arquitectura Portuguesa e Cerâmica e edificação (Reunidas).
Lisboa, Ano XXVIII, 3ª série, nº3, (Maio, 1935). p.1.
18
COLAÇO, Ribeiro – Arquitectura Portuguesa, nº 38, (Maio, 1938). p.9.

7
padrão-tipo estabilizado pela rotina, pelo plagiato ou pelas convenções que
limitam a possibilidade de criar e compor, seguindo uma expressão individual.
Os países mais pequenos, como o nosso, são os que mais se ressentem pela
restrição do meio e, por isso, ainda não vimos uma criação característica, que
não tenha sido importada do estrangeiro”19.

Já em 1932, António de Oliveira Salazar (1889-1970), Presidente do Conselho,


atribuindo grande importância à arquitectura, procurando uma nova imagem do
regime, e investindo nas obras públicas, referia que seria uma ocasião excelente para
dar uma certa unidade à arquitectura oficial. O jornalista e escritor modernista António
Ferro (1885-1956), conciliador do moderno com o tradicional, metteur en scène da
cultura popular, que conhecia bem o modelo mussoliniano, propunha a criação de um
estilo novo, inconfundível, mas Salazar respondia: “Longe de mim a pretensão ridícula
de criar um estilo ou de inspirar um estilo. Contente ficarei se as obras a realizar forem
portuguesas ou simplesmente belas...”. Lamentava-se que os arquitectos portugueses
não se empenhassem mais na criação “um tipo de construções, para edifícios
públicos, que esteja dentro da nossa época, mas, simultaneamente, dentro da nossa
raça e do nosso clima”. Observava que os arquitectos seguiam com “demasiada
subserviência, os figurinos lá de fora, sem se preocuparem com a sua adaptação ao
nosso meio”20. A chamada de atenção para a adequação ao meio físico do território
nacional, à natureza topográfica, aos materiais, e particularmente ao clima, tornou este
último numa espécie de palavra-chave de todo este debate, uma vez que a adequação
ao clima era o argumento usado tanto pela corrente moderna como pela tradicional21.

Essa procura de um moderno nacionalizado, era veiculada pelos periódicos da época,


nomeadamente na revista Arquitectura, ao publicar, em 1931, o artigo “Por uma
arquitectura própria – a arquitectura moderna” de Francisco Pereira Costa que
considerava que se devia fazer o moderno, “mas o moderno da nossa paisagem, do
nosso sentimento e viver. Mas nada de uniformização. O que há a fazer, é pois, a
arquitectura moderna e...local”22. A necessidade de uma arquitectura “moderna mas
portuguesa” tinha sido condição imposta no programa do concurso público para o
Pavilhão Português para a Exposição Internacional de Paris de 1937. Dois anos antes,
o arquitecto Porfírio Pardal Monteiro (1897-1957), na sua conferência “Du Caractère
19
AXIAL – A Liberdade na Arte. Arquitectura Portuguesa e Cerâmica e edificação Reunidas. Lisboa, Ano XXVIII, 3ª
série, nº 9, (Dezembro 1935), p.9.
20
FERRO, António – Salazar principio e fim. In, Salazar. Lisboa: Edições do Templo, 1978.p.203.
21
Mas o recurso ao argumento do “clima” era antigo, uma vez que já Johann Joachim Winckelmann (1717-1768)
associava os valores da arte grega ao clima da Grécia.
22
COSTA, Francisco Pererira da – Por uma arquitectura própria – A Arquitectura Moderna. Arquitectura. Lisboa, Ano
IV, nº 20, (Agosto / Setembro, 1931).p.86.

8
National des Architectures Contemporaines”, apresentada na III Réunion Internationale
d’Architectes23, tinha já manifestado que existia um “novo estilo; as suas
características principais, como em todos os estilos, eram inevitavelmente
internacionais”, verificando-se que “em cada país uma modalidade nacional começa a
afirmar-se”24.

A cobertura (plana/inclinada) foi um elemento caracterizador e classificador da


arquitectura (moderna/tradicional) da primeira metade do século XX. Em Portugal, a
discussão desta aparente dualidade entre cobertura plana e inclinada, interpretada
como construção moderna e tradicional, é particularmente interessante e complexa na
sua região mais mediterrânica, o Algarve. Aqui a cobertura plana (o terraço ou açoteia)
é uma solução característica da arquitectura tradicional mediterrânica. A atmosfera do
vernacular mediterrânico da cidade algarvia de Olhão é expressa pelo arquitecto Jorge
de Almeida Segurado (1898-1990) ao dizer que se tem a impressão “que nos
encontramos numa terra árabe, com casas que olham o além-mar”25 e considerada
pela Ilustração Portuguesa, “terra geométrica, detalhada, de telhados decepados,
quasi cubista”26, sendo também assim designada, amplamente fotografada e divulgada
nas edições do Secretariado Nacional de Informação. O arquitecto João Chambers
Carlos Ramos (1897-1969) projectaria o bairro económico de Olhão com cobertura
plana, de acordo com a tradição local, e que no entanto seria considerado moderno. A
mesma opção seria tomada pelo arquitecto José Ângelo Cottinelli Telmo (1897-1948)
para as suas “Casas para o sul do país” projectadas em 193327, elegendo os terraços
da arquitectura tradicional de Olhão, que deveriam ser construídos em betão armado,
e por Raul Rodrigues Lino (1879-1974) que embora afirmando-se contra a “mania dos
terraços”, ao desenhar uma “Casa numa cidade do Algarve” adopta, a cobertura
plana28.

Numa palestra radiofónica difundida pela Emissora Nacional em 1934, Cottinelli Telmo
faz referência às “tais casas de hoje – a que Raul Lino, no seu livro «Casas
Portuguesas», chamou de «cimento, buraco e tampa»”29, e embora manifestasse que

23
Subordinada ao tema “Le Carácter National dans l’Architecture”.
24
MONTEIRO, Porfírio Pardal – Du caractère national des architectures contemporaines. L’Architecture d’Aujourd’hui.
Paris. Nº 11, (Novembre, 1935).p.52.
25
GALVÃO, Andreia Maria Bianchi Aires de Carvalho – O caminho da modernidade: a travessia portuguesa, ou o caso
da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura, 1920-1940. Lisboa:
Universidade Lusiada, 2003. 3 vols. vol. 1, p.127.
26
OLHÃO, Terra Cubista. Ilustração Portuguesa. Lisboa, (14 Janeiro, 1922).
27
Publicadas na revista A Arquitectura Portuguesa, nºs 6-9, 1933.
28
LINO, Raul – Casas Portuguesas: alguns apontamentos sobre o arquitectar das casas simples. Lisboa: livros
Cotovia, 2001.ilustração 21.
29
TELMO, Cottinelli – Palavras que soam mal. O Diabo. Nº 16, (14-10-1934).p.3. [palestra radiofónica difundida pela
Emissora Nacional em 01-10-1934, com o título “Caixote, Buraco e Tampa]

9
os edifícios públicos deveriam ter “a expressão da arquitectura dos nossos dias” – o
‘caixote’ como depreciativamente se diz” – mais adequada aos imperativos de
“economia e rapidez de execução” subscrevendo por inteiro a “intenção nobre” da
“renúncia a todos os postiços, na busca da pureza máxima”, não deixava de
reconhecer que “ao ‘caixote’ falta[va] certa amabilidade, certa afabilidade do
manuelino ou da renascença”30. Cottinelli Telmo tinha projectado, em 1926, o Motor
Palace Fiat, um stand de automóveis para a Avenida da Liberdade31 com cobertura em
terraço de betão. A cobertura em terraço permitiria um “aspecto exterior bom”, sendo
mesmo, “na parte estética”, “o mais natural, o mais lógico, o mais coerente com o
sistema de construção” e um “belo espaço para patinar, para estar, para presenciar
qualquer festa na Avenida”, podendo funcionar como “terraço de verão”, “na hipótese
de se alugar metade do edifício para café”32.

Para Raul Lino, a cobertura plana era a “expressão pura do materialismo absoluto” e
“o exemplo mais flagrante desta servidão à moda é a mania dos terraços...não tem
justificação à luz das conveniências de ordem prática e só se justificam pelo desejo de
vestir as casas à última moda”33. Lino, a propósito da arquitectura das casas
setecentistas do Norte de Portugal, refere que têm “feitio de indumentária; e é talvez
por esta razão que elas são tão evocadoras. A cobertura tem sempre o çanqueado
(sic) tão particular das casas portuguesas, que dá ao telhado a sua característica linha
espraiada e doce como a lona de qualquer tenda”34. Esta forma expressiva dos
telhados caracterizadora da arquitectura portuguesa foi detectada e analisada pelo
arquitecto Lúcio Costa (1902-1998) no seu texto Tradição Local (1929), quando
escreve, descreve e desenha os telhados portugueses:
“Constata-se, de saída, nessa volta às origens, acentuada diferença entre a
arquitectura do norte e a do sul. Da Beira Baixa, ou cintura do país, para cima
prevalece o contraste da pedra com a caiação, como no Entre Douro e Minho,
senão mesmo o emprego exclusivo do granito em grandes blocos toscos ou
aparelhados como ocorre na Beira Alta e em Trás-os-Montes; o ponto, ou seja,
a inclinação dos telhados de tacaniça – quatro águas – é geralmente

30
Citado por MARTINS, João Paulo do Rosário – Cottinelli Telmo – 1897-1948, a obra do arquitecto. Dissertação de
Mestrado em História da Arte Contemporânea. Apresentada à FCSH/UNL, 1995.2vols.vol. 1 p.219,220.
31
O lote é ocupado actualmente pelo edifício Shell, nº 249 da Av. da Liberdade.
32
[Cottinelli Telmo], Vantagens de Inconvenientes: Telhado Vulgar de Asnas / Telhado Dupin / Terraço de C. [imento]
A. [rmado], [manuscrito], s. data, espólio Cottinelli Telmo), in, MARTINS, João Paulo do Rosário – Cottinelli Telmo –
1897-1948, a obra do arquitecto. Dissertação de Mestrado em História da Arte Contemporânea. Apresentada à
FCSH/UNL, 1995.2vols.vol. 1, p. 134, 136. Carlos Ramos no seu projecto para o Liceu Filipa de Lencastre (1929) sobre
o ginásio prevê “a construção de um terraço destinado a provas de atletismo e a jogos de ténis”, in, COUTINHO,
Bárbara dos Santos – Carlos Ramos (1897-1969): obra, pensamento e acção. A procura do compromisso entre o
Modernismo e a Tradição. Lisboa: FCSH/UNL, 2001.vol.1, p.46.
33
LINO, Raul – Auriverde Jornada. Lisboa: Valentim de Carvalho, 1937.
34
LINO, Raul – Casas Portuguesas do Século XVIII. In – Auriverde Jornada: recordações de uma viagem ao Brasil.
Lisboa: Valentim de Carvalho, 1937. p.258,259.

10
amortecido graças ao recurso do chamado “contrafeito”, que é pequeno caibro
complementar destinado precisamente a adoçar o ponto e a dar maior graça ao
telhado na aproximação dos beirais. Na Estremadura, Lisboa e Ericeira, por
exemplo, essa graciosa concavidade das coberturas, tipicamente portuguesas
– possivelmente por simbiose oriental, pois não existe em nenhum outro país
mediterrâneo – se acentua, já então associada ao predomínio da caiação; mas
no Alentejo, onde as construções são de taipa ou tijolo e domina inconteste
uma impecável brancura, os telhados são de uma só água, desempenados e
retos, e avultam as grandes chaminés retangulares, com arranque oblíquo na
prumada das fachadas sobre a rua por onde se acede à intimidade dos
pequenos pátios murados; finalmente no Algarve – extremo sul – surgem os
terraços ou soteias, e as chaminés circulares com seus caprichosos
coroamentos amouriscados”35.

Na verdade, já em 1924, Lúcio Costa, no seu artigo “A alma dos nossos lares”,
publicado na revista A Noite, mencionava que para ter uma arquitectura
verdadeiramente brasileira seria necessário “procurar o fio à meada, isto é, recorrer ao
passado, ao Brasil-colónia”36. Com esse intuito, e tendo em conta que recebera pelo
seu trabalho final de curso de arquitectura da Escola Nacional de Belas Artes o prémio
Heitor de Mello, Lúcio Costa partiu para o reconhecimento in loco da arquitectura
tradicional no estado de Minas Gerais. De regresso da sua viagem do olhar, da lição
de arquitectura que recebera, o arquitecto relata que encontrou “um estilo inteiramente
diverso desse colonial de estufa, colonial de laboratório que, nesses últimos anos,
surgiu” e em relação aos telhados descreve os “beirais fortemente balanceados,
tratados em madeira com caibros aparentes e perfilados”37. Lúcio Costa, no seu
projecto para a Residência Ernesto Gomes Fontes (1930), apresenta duas versões;
uma de pendor tradicionalista, com cobertura de quatro águas (a versão construída), e
outra de pendor marcadamente moderno e de cobertura plana38. Em 1938, o governo
de Minas solicita a colaboração do Serviço do Património Histórico e Artístico
Nacional39 para a construção do futuro Grande Hotel de Ouro Preto. No projecto da

35
COSTA, Lúcio – Arquitetura. Rio de Janeiro: José Olympo, 2006.p.33-36.
36
COSTA, Lúcio – A alma dos nossos lares. A Noite. Rio de Janeiro (19 Março, 1924), citado por RIBEIRO, Otavio
Leonídio – Carradas de Razões. Lucio Costa e a Arquitectura Moderna Brasileira (1924-1951). Rio de Janeiro:
Pontificia Universidade Católica, 2005.p.30.
37
COSTA, Lúcio – Considerações sobre o nosso gosto e estilo. A Noite. Rio de Janeiro (18 Junho, 1924), citado por
RIBEIRO, Otavio Leonídio – Carradas de Razões. Lucio Costa e a Arquitectura Moderna Brasileira (1924-1951). Rio de
Janeiro: Pontificia Universidade Católica, 2005.p.33.
38
RABELO, Clevio Dheivas Nobre – À imagem da tradição. Uma reflexão acerca da arquitectura moderna brasileira.
São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2006.p.93,94.
39
Fundado em 1937.

11
autoria de Óscar Niemeyer40, o arquitecto previa uma cobertura em laje plana,
argumentando que caberia à grama (relva) da cobertura o papel dissimulador e
integrador na paisagem. No entanto, Lúcio Costa, Director da Divisão de Estudos e
Tombamentos daquela instituição, considerou que a construção “deveria adoptar
cobertura com telhas para melhor se enquadrar no contexto urbano”41, tendo sido esta
a versão final adoptada.

A Lisboa dos anos vinte e trinta do século XX exibia edifícios de cobertura plana que
ainda existem e que são marcos de referência da arquitectura moderna, dos quais
destacamos apenas alguns exemplos. A obra pioneira do arquitecto Miguel Nogueira
(1883-1953) que em 1920 constrói um edifício de habitação utilizando uma ossatura
de betão armado com cobertura plana. O Cine-Teatro Cervejaria Capitólio, inaugurado
em 1931, projectado por Cristino da Silva nos anos 20 e com cobertura em terraço,
onde foi feita a instalação de uma cabine de projecção em 1933, para sessões de
cinema ao ar livre42. O Pavilhão Rádio do Instituto Português de Oncologia, projectado
em 1927 pelo arquitecto Carlos Ramos, depois de ter feito uma viagem pela Europa,
para visitar os principais centros oncológicos43 com cobertura em terraço para solário,
permitindo aos doentes a exposição ao sol, parte integrante do tratamento44. Também
o arquitecto Viriato Cassiano Branco (1897-1970) projecta, em 1934, um edifício de
habitação com cobertura plana em cimento armado e que se “destinaria a jardim,
isolado com um revestimento impermeável tipo Reckmix”45. Transformado em Hotel,
inaugurado em 1936 na Av. da Liberdade nº168-170, manteve a cobertura plana46. O
conjunto de casas unifamiliares da Av. António José de Almeida, com projectos dos
arquitectos47 João Simões (1908-1994), Cottinelli Telmo, Cassiano Branco e Cristino

40
Tratava-se de um segundo projecto.
41
NETO, Abílio da Silva Guerra – Lúcio Costa – modernidade e tradição. Montagem discursiva da arquitectura
moderna brasileira. Universidade Estadual de Campinas, 2002.p.111,112.
42
SEABRA, Ana Maria Garcia Rebelo de – As tendências da modernidade em Portugal. Lisboa: Universidade Lusíada,
2002.2 vols. Dissertação de Mestrado em Teoria da Arquitectura. Vol. 2, ficha 42-42a.
43
França, Suíça, Alemanha, Dinamarca, Holanda, Bélgica e Espanha e delineado de acordo com os princípios de
protecção estabelecidos em 1928 no II Congresso Internacional de Radiologia, realizado em Julho em Estocolmo, in,
COUTINHO, Bárbara dos Santos – Carlos Ramos (1897-1969): obra, pensamento e acção. A procura do compromisso
entre o Modernismo e a Tradição. Lisboa: FCSH/UNL, 2001. Dissertação de Mestrado em História da Arte
Contemporânea. Vol. 1, p. 47-52.
44
COUTINHO, Bárbara dos Santos – Carlos Ramos (1897-1969): obra, pensamento e acção. A procura do
compromisso entre o Modernismo e a Tradição. Lisboa: FCSH/UNL, 2001. Dissertação de Mestrado em História da
Arte Contemporânea.vol. 1, p.50,51. Esta funcionalidade estaria certamente relacionada com os preceitos higienistas
aplicados pelos arquitectos Otto Wilhelm Pfleghard (1869-1958) e Max Häfeli em colaboração com o engenheiro Robert
Maillard (1872-1940) para a estrutura no Sanatório Popular de Davos (1907), onde os tratamentos podiam ser
efectuados nos quartos que dispunham de terraços privativos e no topo do edifício num terraço colectivo.
45
TOSTÕES, Ana – Cultura e Tecnologia na Arquitectura Moderna Portuguesa. Lisboa: Universidade Técnica de
Lisboa, 2002. Tese de Doutoramento.p.302-304.
46
TOSTÕES, Ana – Cultura e Tecnologia na Arquitectura Moderna Portuguesa. Lisboa: Universidade Técnica de
Lisboa, 2002. Tese de Doutoramento.p.304.
47
João Simões: nº 1 da Av. México; Cottinelli Telmo: nºs 3 e 5 da Av. México; Cassiano Branco: nºs 10 a 18 e 24 da
Av. António José de Almeida; Cristino da Silva: nº 20 da Av. António José de Almeida.

12
da Silva, construções onde é utilizado o betão armado e onde todas as casas adoptam
a cobertura plana.

Além destas e de outras construções ainda existentes, consideramos que para uma
real consciência de todo o conjunto da arquitectura moderna erguida em Lisboa,
particularmente de obras que adoptaram a cobertura plana, que como vimos era o seu
símbolo por excelência, é necessário ter em consideração as obras que foram
construídas mas que já não existem. Na realidade, os projectos dos arquitectos, a
designada arquitectura de papel, que deu origem à arquitectura moderna construída
mas que entretanto desapareceu, encontra-se guardada em espólios, arquivos,
bibliotecas e centros de documentação. É a partir desse precioso material
iconográfico, assim como também a partir das imagens coevas, que podemos ter
acesso à informação e conhecer alguma da arquitectura moderna construída em
Lisboa, nomeadamente edificios de habitação que entretanto foram deitados abaixo e
onde sobre o seu espaço de implantação foram construídos outros edifícios, com uma
outra linguagem. O acesso às preexistências, o acesso a uma estética urbana
moderna de grande expressividade, permite, através do uso e da manipulação dessas
imagens, a produção de uma reconstituição virtual dessas construções já
desaparecidas in loco, ou seja, nos próprios sítios onde foram construídas.

O recurso ao suporte digital permitiria uma eficaz consciencialização e visualização


dessa produção arquitectónica assim como do perfil que a cidade assumiu, revelando
e dando a conhecer uma Lisboa Moderna, à qual hoje já não temos acesso quando
percorremos aquela zona da cidade. É nesta perspectiva que entendemos que esse
material de trabalho e a sua manipulação na construção de uma realidade virtual, pelo
potencial que concentram, devem ser entendidos como valores patrimoniais.

Nesse sentido, apresentamos alguns exemplos de construções desparecidas sitas na


Rua Castilho, cuja informação ainda existente constituiria material de trabalho que
permitiria uma reconstituição virtual das construções de cobertura plana nessa rua.
Seria assim possível confrontar o que lá temos hoje com a imagem do que já existiu.

Pardal Monteiro foi o autor do Stand da Ford Lusitana, projecto de 1930 (Figura 1) e
inaugurado em 1932 na Rua Castilho, nº 149, edifício com “paredes em alvenaria e
estrutura e lajes em betão armado e com cobertura inteiramente em terraço”48.

48
PACHECO, Ana Ruela Ramos de Assis – Porfírio Pardal Monteiro 1897-1957: a obra do arquitecto. Lisboa:
FCSH/UNL, 1998. 2 vols. Dissertação de Mestrado em História de Arte Contemporânea.vol. 1, p.49-51; Vol.2, p. 29.

13
1 – Pardal Monteiro, Ford Lusitana,
1930-32, Rua Castilho, Lisboa

António do Couto Martins seria o autor de uma moradia de cobertura plana também na
Rua Castilho, (Figura 2) considerada “de interessante realização modernista e de feliz
concepção moderna”49, sendo referido que “nos terraços foi aplicada uma camada de
cortiça com 0,025 de espessura e sobre ela feita a devida impermeabilização”50.

2 – Antonio Couto Martins,


Habitação unifamiliar, c. 1935,
Rua Castilho, Lisboa

Igualmente na Rua Castilho, nº 211, o arquitecto João Simões constrói, em 1935, a


moradia do construtor civil Amadeu Gaudêncio, (Figura 3) tendo sido considerado que:
“dada a localização do terreno, teve-se em vista que as condições da habitação
permitissem aos moradores participar no ambiente exterior, especialmente o
belo ponto de vista que abrange: toda a parte sul da cidade, com o Tejo, e
ainda o recorte panorâmico da sua margem esquerda. Partiu daqui a razão de
ser do terraço de cobertura, do rasgamento lógico dos seus vãos de janela e
dos balcões que avançam num dos ângulos e que permitem divisar melhor o
horizonte”51.

49
INTERIORES de Arte. [projecto do arq. A. Couto Martins]. Arquitectura. Revista de Arte e Construção. Lisboa, Ano
IX, nº 27, (Janeiro, 1936).p.10,11.
50
UMA LINDA moradia em Lisboa.[A. Couto Martins]. Arquitectura revista de arte e construção. Lisboa, Ano VII, nº 26,
(Dezembro, 1935).p.173-175.
51
A MORADIA de um construtor [Amadeu Gaudêncio]. Arquitectura Portuguesa e Cerâmica e Edificação (Reunidas).
Lisboa, Ano XXVIII, nº 4 (Julho, 1935).p.5.

14
3 – João Simões, Habitação
unifamiliar,1935, Rua Castilho,
Lisboa

E Cristino da Silva seria o autor do edifico de habitação na mesma Rua Castilho, nº


45-45C, com cobertura plana sobre a qual foi acrescentado, ainda durante a
construção, mais um andar. Mas mantiveram-se as coberturas em terraço sobre lajes
de betão”52.

Estas construções modernas de cobertura plana tinham contribuído para que essa
zona da cidade fosse considerada uma parte nova e por isso mesmo foi tolerada a
construção do Hotel Ritz, tendo sido noticiado no jornal O Século que na inauguração
do hotel, o Ministro da Presidência, Dr. Pedro Teotónio Pereira, referiu que:
“o Ritz podia ter «linhas modernas» porque fora edificado numa parte nova da
cidade, solução que não deveria ser escolhida para novos hotéis situados nos
bairros velhos da cidade, assim como «em velhas povoações do interior ou
litoral, na Beira como no Algarve» onde houvesse «carácter e beleza local, o
papel dos artistas» era «interpretar as sugestões do ambiente, sentir e amar
esse espírito e dar-lhe maior expressão e continuidade através das sua
próprias concepções», não devendo «reproduzir indiscriminadamente
53
pequenos Ritzes» .

Mas se a imagem da arquitectura moderna construída que já não existe e a


reconstituição virtual de construções de cobertura plana desaparecidas contribuem
para um completo conhecimento da arquitectura moderna, devendo ser entendidas
como um novo valor patrimonial, consideramos também que a citação arquitectónica
numa construção, enquanto definidora da cultura arquitectónica moderna, deverá
igualmente ser assumida como um novo valor patrimonial. Estas referências e

52
Luís Cristino da Silva [arquitecto]. Lisboa: FCG, CAM, 1998.p.107.
53
O Século. Lisboa (25 Novembro, 1959), citado por PACHECO, Ana Ruela Ramos de Assis – Porfírio Pardal Monteiro
1897-1957: a obra do arquitecto. Lisboa: FCSH/UNL, 1998. 2 vols. Dissertação de Mestrado em História de Arte
Contemporânea. Vol. 1, p.182,183.

15
influências dão origem ao que designamos por notas de rodapé em arquitectura,
porventura uma nova ferramenta conceptual, na medida em que contribuem para o
entendimento e conhecimento da produção arquitectónica.

Neste sentido e tendo em conta, particularmente, o universo português e brasileiro,


apresentamos apenas alguns exemplos da circulação de catálogos e revistas, das
viagens realizadas, da colaboração em ateliers, da participação em concursos e
exposições assim como também testemunhos de arquitectos.

Sebastião Pedro Leal Formozinho Sanchez (1922-2004), que considerava que a


Arquitectura Portuguesa estava muito aquém da Arquitectura Contemporânea
Brasileira, projecta, em 1949, em parceria com Ruy de Sequeira Jervis d’Athouguia
(1917-2006), o Bairro das Estacas em Lisboa54 (Figura 4), cujas características o
aproximam do Bloco B do Conjunto Residencial Pedregulho do Rio de Janeiro que
Affonso Eduardo Reidy (1909-1964) projectou em 1947 (Figura 5). A cobertura do
conjunto das Estacas é em lage protegida por uma segunda cobertura de Lusalite55, e
tem o algeroz em posição central”56. Os tubos de queda eram embebidos nos pilares
(P12) situados nas prumadas das caleiras. Muretes de protecção encobriam
visualmente a “borboleta” da lusalite, acusando o desejado volume puro”57.

4 - Formozinho Sanchez e Jervis


d’Athouguia, Bairro das Estacas,
1949-52, Lisboa

54
Célula 8 do Plano do Bairro de Alvalade; “o verdadeiro nome era Bairro São João de Deus, mas como era todo em
pillottis chanaram-lhe «das Estacas»”, in, NEVES, Victor; AMARAL, Renata – Formosinho Sanches o arquitecto do
rigor. arq./a. Revista de Arquitectura e Arte. Lisboa, Ano I, nº 2 (Julho/Agosto, 2000).p.24.
55
HABITAÇÕES colectivas Alvalade. A Arquitectura Portuguesa e cerâmica e edificação. Lisboa, nº 7, 4ª série, ano
XLVII, (Julho-Dezembro, 1954).p.13.
56
BLOCOS de habitação na célula 8 do bairro de Alvalade – Lisboa. [arq. Formozinho Sanches e Ruy de Athouguia].
Arquitectura. Revista de Arte e Construção. Lisboa, Ano XXVI, 2ª série, nº53, Nov. – Dez., 1954.p.2-5,23.
57
TOSTÕES, Ana – Cultura e Tecnologia na Arquitectura Moderna Portuguesa. Lisboa: Universidade Técnica de
Lisboa, 2002. Tese de Doutoramento.p.454.

16
5 - Affonso Reidy, Elemento do
Conjunto Residencial Pedregulho,
1947-52, Rio de Janeiro

O Bairro das Estacas viria a receber o Prémio Municipal de Arquitectura de Lisboa58


em 1954, e uma “Menção Honrosa” na categoria 2 - habitação colectiva, na II
Exposição Internacional de Arquitectura, da II Bienal de Arquitectura de S. Paulo59,
que se realizou de Dezembro de 1953 a Janeiro de 1954, no Palácio das Nações e
dos Estado no Parque do Ibirapuera, e na qual participaram 39 nações. O júri
considerou que o projecto era “digno de atenção pela solução de certo tipo de
apartamentos que transformam pequenos grupos de casas de baixo custo em um
conjunto agradável do ponto de vista arquitectónico e do uso de materiais locais”60.
Este conjunto que integrava a exposição Contemporary Portuguese Arqchitecture
1958, exibida em várias cidades inglesas e americanas, numa iniciativa do
Secretariado de Informação Nacional e do Sindicato Nacional de Arquitectos, seria
classificado por Pedro Vieira de Almeida como revelador “dos caminhos brasileiros do
nosso racionalismo”61.

O jornal Diário de Lisboa, noticiando o referido Prémio num artigo intitulado “O espirito
de trabalho de dois arquitectos portugueses premiados na Bienal de São Paulo”,
valorizava o Brasil contemporâneo classificando-o como:
“um dos países onde a arquitectura moderna aparece mais evoluída, contando
hoje com alguns nomes que figuram entre os primeiros da Arquitectura
Internacional. Tenhamos ainda em conta que, para o júri estavam convidados

58
Após uma primeira proposta de regulamento apresentado pelo engenheiro Duarte Pacheco (presidente da Câmara
Municipal de Lisboa e ministro das Obras Públicas), o Prémio Municipal de Arquitectura de Lisboa foi oficialmente
instituído em 1943.
59
Júri da Exposição Internacional de Arquitectura: José L. Sert, Alvar Aalto, Ernesto Rogers, Oswaldo A. Bratke,
Affonso E. Reidy e Lourival Gomes Machado.
60
“O projecto dos blocos de habitação contou com a colaboração dos arquitectos F. Cartro, A. Alexiades, E. Hilário, L.
Amaral e M. Vasconcellos e do engenheiro M. Gaspar”, in, LINS, Paulo de Tarso Amendola – Arquitetura das Bienais
Internacionais de São Paulo. São Carlos: Universidade de São Paulo, 2008. p.120, 121.
61
ALMEIDA, Pedro Vieira de – A Arquitectura Moderna. In Historia da Arte em Portugal. Lisboa: Alfa, 1989. vol.
14.p.152.

17
nomes como os de Le Corbusier, Alvar Aalto, José Luiz Sert, Rogers e outros
pelo que poderá calcular-se a medida da sua exigência”62.

Conservar o Bairro das Estacas em Lisboa pode ser também estabelecer um novo
valor patrimonial: a citação ou a influência da arquitectura moderna brasileira na
arquitectura portuguesa. Essa influência foi sublinhada pelo arquitecto Maurício
Reinaldo da Trindade e Vasconcellos de Faria Gonçalves (1925-1997), que em 1950
partiu para o Brasil63, tendo trabalhado com João Batista Vilanova Artigas (1915-1984)
e Sérgio Wladimir Bernardes (1919-2002)64, ao considerar a obra Brazil
Builds:Architecture New and Old 1652-1942 o “nosso segundo Vignola”65 e
mencionada por Formosinho Sanchez ao revelar “uma certa influência de Maurício de
Vasconcellos, que esteve no Brasil nessa altura, e que chegou quando o projecto
[Bairro das Estacas] se encontrava em desenvolvimento”66. Influência também
expressa no projecto de Maurício de Vasconcelos para a casa Rangel de Lima,
construída em 1952 na Av. do Aeroporto em Lisboa, sendo o próprio arquitecto a
considerar que nela transparece a influência do trabalho realizado durante a sua
estadia no Brasil, “embora aqui ou além adoçada por elementos de diferente
tonalidade”67. Tal como assinala Ana Tostões, o arquitecto, “aplica o modelo de
telhado de «borboleta» brasileiro acusado pela primeira vez na empena”68.

Álvaro Joaquim de Melo Siza Vieira (1933- ), num texto que escreveu por ocasião do
100º aniversário do arquitecto Oscar Niemeyer Soares Filho (1907- ), refere:
“No princípio era Corbu. Mas os tempos estavam a mudar e o que chegava de
fora. As novas publicações davam conta do que se fazia e onde e como e
quem. Reconstruía-se a Europa. Um dia, de chofre, surgia a América do Sul na
Architecture d’Aujourd’hui. E logo inúmeras publicações sobre o Brasil e mais
ainda sobre “um” Óscar Niemeyer. O Távora apareceu com o brilho nos olhos e
um livro na mão: Brazil Builds. As revistas poisadas sobre as nossas mesas de
trabalho (monografias de Gropius, de Neutra, de Mendelshon, de Mies) foram

62
O ESPIRÍTO de trabalho de dois arquitectos portugueses premiados na Bienal de São Paulo. Diário de Lisboa.
Lisboa (13-01-1954).
63
Onde esteve no Rio de Janeiro, S. Paulo, Belo Horizonte, Baía e Pernambuco, in, A Arquitectura Portuguesa e
cerâmica e edificação. Lisboa, nºs 3 e 4, ano XLVI, 4ª série, (Abril de 1953).
64
“Este projecto esteve presente na representação portuguesa ao Congresso da U.I.A. em Lisboa (1953) e na
exposição itinerante de arquitectura portuguesa contemporânea organizada pelo S.N.I.”, in, VASCONCELOS, Maurício
– Habitação Rangel de Lima Av. do Aeroporto, Lisboa (1951-52). Arquitectura. Lisboa, nº 75 (Junho, 1962).
65
FERNANDEZ, Sergio – Percurso – Arquitectura portuguesa 1930/1974. Porto: FAUP, 1988.p.57.
66
NEVES, Victor; AMARAL, Renata – Formosinho Sanches o arquitecto do rigor. arq./a. Revista de Arquitectura e Arte.
Lisboa, Ano I, nº 2 (Julho/Agosto, 2000).p.26.
67
VASCONCELOS, Maurício – Habitação Rangel de Lima Av. do Aeroporto, Lisboa (1951-52). Arquitectura. Lisboa, nº
75 (Junho, 1962).
68
TOSTÕES, Ana – Os Verdes Anos na Arquitectura Portuguesa dos Anos 50. Porto: FAUP, 1997.p.214,215, nota
195.

18
misteriosamente substituídas. Os trabalhos de Escola mudaram radicalmente.
Surgiram no papel, como nos desenhos de Niemeyer que nos fascinavam –
pilares como pontos, paredes como finas linhas ondulantes, quase dissolvendo
a forma, contudo tão nítida e tão nova e tão evocativa.”69

Formozinho Sanchez, a propósito da Exposição de Arquitectura Contemporânea do


Brasil, realizada em Lisboa no grande salão do Instituto Superior Técnico em 1949,
considera que:
“um estudo criterioso e lógico das condições climatéricas do país da América
do Sul deu, como resultado, aquela série de edifícios dos mais pequenos aos
maiores, um ar fresco, lavado, sóbrio e fundamentalmente plástico. Para tanto
ajudou-os o conhecimento profundo dos materiais disponíveis e uma aplicação
directa e justa das matérias-primas de cada região”70.
O arquitecto considerava que a Arquitectura Portuguesa estava muito aquém da
Arquitectura Contemporânea Brasileira. Proclamando que era necessário evoluir
dentro das actuais e futuras condições de vida, progresso, economia espacial e
material. E só havia um modo, estudando as condições climatéricas de Portugal e
Colónias. Para cada caso, o percurso do Sol – sua incidência sobre as fachadas; os
materiais de que dispomos; a sua aplicação directa e criteriosa; as condições
económicas do País; o princípio estrutural do edifício; o arranjo paisagístico do
mesmo.

A visita dos estudantes brasileiros, finalistas da Faculdade Nacional de Arquitectura da


Universidade do Brasil a Portugal, integrada numa viagem de estudo à Europa em
1949, era noticiada pelo jornal O Primeiro de Janeiro, indicando que os estudantes
visitariam a praia de Ofir e as cidades de Viana do Castelo, Braga, Guimarães e o
Porto. Retomariam certamente as viagens do olhar feitas por Lúcio Costa cerca de
vinte anos antes. Os estudantes eram acompanhados pelo arquitecto Wladimir Alves
de Sousa, que na cidade do Porto, proferiu, no salão nobre da Escola de Belas Artes,
uma comunicação subordinada ao tema: A Arquitectura Brasileira em face das

69
MORAIS, Carlos Campos ed. lit. – Álvaro Siza. Textos. Porto: Civilização Editora, 2009.p.371. E num outro texto
sobre Óscar Niemeyer refere: “(...) todos os estudantes das Belas-Artes do Porto (a escola que oscilava então entre as
Ordens e o Rappel a l’Ordre de Le Corbusier) conheciam Niemeyer. As revistas que publicavam as suas obras
estavam poisadas nos nossos estiradores, gastas e abertas em alguma página: cobertos de curva e contra curva,
perfurados por palmeiras sintéticas, pilares quase imateriais (ou um único e espesso pilar), grandes consolas, escadas
e rampas flutuando em espaços fluidos, betão, vidro, mármore, latão, madeiras preciosas, azulejos, sombras e reflexos
– incendiavam a nossa imaginação. Forma Nova, interrogação: é isto também Arquitectura? Assim se aproximavam
duas gerações e dois continentes, presente o espaço da História e do Desejo.”, in, MORAIS, Carlos Campos ed. lit. –
Álvaro Siza. Textos. Porto: Civilização Editora, 2009.p.207. Sérigo Fernandez faz também referência ao facto de
Fernando Távora considerar a obra Brazil Builds “cartilha obrigatória de então”, in, FERNANDEZ, Sergio – Percurso –
Arquitectura portuguesa 1930/1974. Porto: FAUP, 1988.p.57.
70
SANCHEZ, Sebastião Formozinho – Arquitectura Moderna Brasileira, Arquitectura Moderna Portuguesa.
Arquitectura. Lisboa. S.2ª, Ano XXII, n.29 (Fev.-Março 1949), p.17.

19
Arquitecturas Contemporâneas. Destacando a obra dos arquitectos Lúcio Costa,
Óscar Niemeyer, Burle Marx, Artigas e Jorge Machado Moreira, termina a sua muito
aplaudida prelecção dizendo: “Confiemos em que – à semelhança do vosso
inconfundível Vinho do Porto, que, quanto mais envelhece, mais se valoriza e se
purifica na sua preciosa essência – a arquitectura contemporânea brasileira se
afirmará nos tempos vindouros, numa perene realidade de triunfal beleza”71.
Retomando o brinde do arquitecto, confesso que um dos meus últimos vaivéns do
olhar me levaram a viajar até à Casa das Canoas (1953) de Oscar Niemeyer no Rio de
Janeiro por meio da ponte visual sugerida pela piscina do complexo desportivo Ribera
Serallo (2003-05) de Álvaro Siza em Barcelona.

Estes exemplos confirmam que as imagens e as citações arquitectónicas são também


uma forma de construir a cidade, que a arquitectura moderna pode constituir um
campo experimental da cidade contemporânea e que o património é um desafio à
inovação.

BIBLIOGRAFIA
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