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REVISTA PAUTA GERAL

ESTUDOS EM JORNALISMO

DOI 10.18661/2318-857X/pauta.geral.v1n2p22-39 ISSN: 2318-857X

Jornalismo Cívico como alternativa e


ferramenta para uma prática mais social
da comunicação12

Marcus Antônio Assis Lima 3


Flávia Moreira Mota e Mota 4

Resumo
Este artigo tem como proposta avaliar o atual estado do chamado jornalismo
tradicional e apontar a filosofia do jornalismo cívico como uma importante
alternativa a essa prática. O jornalismo cívico pode ser considerado um meio de
potencializar a inserção do público nas rotinas produtivas, o que pode trazer
benefícios tanto para o jornalismo como para o cidadão e a vida cívica como 22
um todo. Neste trabalho, revisitamos os escritos dos principais autores sobre o
tema e buscamos, também, compreender se o jornalismo cívico tem sido
praticado no Brasil e de que forma essa realidade se materializa. Outras
manifestações alternativas do jornalismo, as quais objetivam a centralidade do
cidadão nos processos jornalísticos, também serão brevemente abordadas neste
trabalho.
Palavras-chave: Cidadão; Jornalismo alternativo; Jornalismo cívico.

1 O presente artigo é parte da discussão empreendida na dissertação intitulada “Análise cívica do


jornalismo: uma proposta de categorias para avaliação de produtos jornalísticos”, vinculada ao
Programa de Pós-graduação em Letras: Cultura, Educação e Linguagens, da Universidade Estadual
do Sudoeste da Bahia – UESB.
2 Pesquisa desenvolvida com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia -

FAPESB
3 Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Universidade Federal de
Minas Gerais. Professor Adjunto da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e professor do
Programa de Pós-Graduação em Letras: Cultura, Educação e Linguagem, na Universidade Estadual
do Sudoeste da Bahia (UESB).
4
Graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade estadual do Sudoeste da
Bahia; especialista em História: Política, Cultura e Sociedade pela UESB; Mestranda em Letras:
Cultura, educação e Linguagens, também pela UESB. Pesquisadora na Agência Experimental em
Jornalismo Cívico (UESB)

Revista Pauta Geral-Estudos em Jornalismo, Ponta Grossa, vol.1, n.1 p.22-39, ago/dez,
2014.
REVISTA PAUTA GERAL
ESTUDOS EM JORNALISMO

DOI 10.18661/2318-857X/pauta.geral.v1n2p22-39 ISSN: 2318-857X

Abstract
This paper aims to evaluate the current state of the so called traditional journalism
and point the philosophy of civic journalism as an important alternative to this
practice. Civic journalism can be considered as a mean of enhancing the
inclusion of the public in productive routines, which can benefit both journalism
and the citizen, as well as the civic life as a whole. In this paper, we revisit the
writings of the leading authors on the subject and we also seek to understand if the
civic journalism has been practiced in Brazil and how it is done. Other journalism
alternative manifestations, which aim the centrality of the citizen in the journalistic
processes, will also be briefly discussed in this paper.
Keywords: Citizen; Alternative journalism, Civic journalism.

1.Considerações iniciais

Assim como o homem é fruto do seu tempo ou, como afirma Rousseau, é um produto do
meio, toda e qualquer forma de expressão humana, individual ou coletiva, também o é.
Essa reflexão é extensiva à imprensa, a qual foi se adaptando, adequando suas práticas 23
ao longo do tempo, seja pelo aperfeiçoar das técnicas ou pelas transformações das
mentes. A história do jornalismo e dos veículos de comunicação não deve ser vista
isoladamente, pois há sempre interesses políticos e econômicos atrelados ao
desenvolvimento dos canais de informação. Há que se considerar ainda que, como
explica José Marques de Melo (2003), não é por acaso que o jornalismo tenha surgido
historicamente concomitante aos acontecimentos que tornaram realidade a transformação
das sociedades europeias.
Não nos enganemos. A mídia é uma das peças do grande quebra-cabeça que
compõe a esfera estrutural da economia. Por isso, “as notícias são mercadorias
fabricadas e distribuídas segundo a lógica do mercado. (...) a mídia possui um conteúdo
que interpreta, segundo os conceitos implícitos ou explícitos e ideológicos do mundo, a
realidade social representada” (BONFANTINI, 1984 apud RODRIGO ALSINA, 2009, p.79).
O jornalismo contemporâneo não nasceu com o capitalismo, mas sim por causa
dele e das suas necessidades econômicas. O sistema de transmissão de informações
midiáticas teve seu caráter mercadológico potencializado a partir do século XIX, com a
expansão mundial da Revolução Industrial, iniciada no Reino Unido em meados do século
XVIII. Neste cenário, onde as transformações tecnológicas repercutiram profundamente

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no processo produtivo e, consequentemente, na economia e na política, as mudanças


alcançaram inevitavelmente a cultura e os modos de produção da informação.
Ao avaliar o atual estado da imprensa, Marshall (2003, p.47) conclui que

A imprensa vive o paradoxo de ser um elemento-chave do processo


industrial capitalista e ter de desempenhar sua missão de apresentar a
verdade e defender o interesse público. A mídia é o esteio da sociedade
ocidental que, desde os anos 1980, estabeleceu-se sob a égide das
privatizações e das desregulamentações, bem como entregou aos
cuidados do poder privado as estruturas que zelavam pelos diversos
interesses sociais. [...] Em decorrência, a imprensa pós-moderna acaba
se tornando objetivamente um produto do marketing pós-moderno, uma
imprensa cor-de-rosa. Os jornais contemporâneos viram mercadorias,
submetidas à lógica do mercado, da audiência e do lucro, que passam a
ser produzidas e vendidas dentro da mesma lógica que produz e vende
detergentes em pó. A ordem é industrializar mercadorias deliciosas e
atrativas que sejam infalíveis na tarefa de fisgar os consumidores de
informação.
24
Somada a essa realidade, vemos que a utilização predominante de representantes
de alguma instância do poder como fontes, em detrimento de representantes das
camadas mais populares da sociedade é algo recorrente; quando observamos os veículos
noticiosos que se destinam às classes C e D, o bizarro, o excêntrico, o sangue, o humor e
o sexo ocupam suas seções mais nobres. Ciro Marcondes Filho (2002) comenta que o
conteúdo dos veículos que seguem essa linha de caráter sensacionalista prioriza o lado
aparente, externo e atraente do fato. Sua essência, seu sentido, sua motivação ou sua
história estão fora de qualquer cogitação.
É importante considerar que não é somente o sensacionalismo, a apelação, o
tratar a informação como mercadoria ou o uso de fontes oficiais em demasia que
prejudicam a prática do jornalismo. Somada a essas ações, as quais se revelam
perniciosas à profissão, está a incomunicação, fenômeno gerado quando o fluxo de
produção de notícias e de informações em geral é superior à capacidade do público de
consumi-las e de refletir sobre elas.
Dominique Wolton (2010) afirma que nunca os homens passaram tanto tempo,
como neste meio século, tentando se comunicar. Nunca se investiu tanto dinheiro em
tecnologias cada vez mais sofisticadas na tentativa de atingir esse objetivo. A informação

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tornou-se abundante, entretanto, a comunicação uma raridade. Produzir informações e ter


acesso a elas não significa mais comunicar.
Existe um fluxo contínuo de informações, que substituem umas às outras, no qual
estamos mergulhados. Quanto mais recebemos informações, paradoxalmente, menos
compreendemos o que acontece na realidade. Ou seja, há muita informação, mas pouco
conhecimento e espírito crítico.
A função do jornalismo e dos jornalistas como um todo deve, então, ser avaliada.
Contudo, não é nossa intenção condenar a profissão ou mesmo o profissional, uma vez
que muitas das razões pelas quais o jornalismo se afastou dos seus propósitos se
encontram além das possibilidades de ação dos comunicadores. Como reflexos do
capitalismo, o mercado competitivo impõe regras e limites, e cada veículo estabelece suas
próprias estratégias para seduzir o público na busca desenfreada pelo lucro. Cabe, então,
aos jornalistas e até mesmo aos cidadãos, buscarem formas alternativas para que a
função social do jornalismo seja assegurada.
25
Diante de tais considerações, reafirmamos nosso intuito de refletir sobre o atual
estado do que comumente chamamos de “jornalismo tradicional”. Entendemos como
“tradicional” o jornalismo praticado nos moldes capitalistas, no qual sobressaem os
interesses da grande mídia e dos poderes instituídos, em detrimento das
demandas/necessidades dos cidadãos. O objetivo do presente artigo é, neste sentido,
apontar a teoria e prática do jornalismo cívico como um importante instrumento de
revitalização da democracia e da vida pública, tendo em vista que um dos seus principais
preceitos é que o cidadão seja o foco e faça parte das rotinas produtivas dos jornalistas.
Como estratégias metodológicas, adotamos como finalidade a pesquisa básica, de
caráter descritivo e lançamos mão da pesquisa bibliográfica, que tem como objetivo
identificar, localizar e analisar informações e conhecimentos prévios sobre uma
determinada ideia, assunto ou fato para o qual se procura uma resposta (GIL, 2002).
Embora a abordagem sobre o jornalismo cívico e seu caráter de inclusão do
cidadão seja o foco deste trabalho, não podemos negar a trajetória de uma mídia
alternativa, cuja existência representou um importante instrumento de luta pela
democratização da política e da informação, como veremos no tópico a seguir.

2. “Se Maomé não vai à montanha...”: Formas alternativas de inserção do público na


prática jornalística

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Nem sempre o público obteve a devida atenção e espaço na chamada “grande


mídia”. Por isso, foi preciso desenvolver estratégias para que ele fosse inserido nos
processos de produção e de difusão de informações. Essa realidade permitiu a
emergência de novas práticas no âmbito do jornalismo e, desse modo, diversas iniciativas
surgiram como um diferencial no contexto da mídia praticada nos moldes tradicionais
capitalistas.
Atualmente existem inúmeros tipos de práticas jornalísticas que seguem a
proposta de ser um porta-voz dos cidadãos. Entretanto, dada a natureza do trabalho,
mencionaremos brevemente apenas três modelos mais comuns dentro dessa tendência:
alternativo, popular e comunitário¹.
O estudo da chamada “mídia alternativa” está focado na capacidade de
empoderamento concedida aos cidadãos, ou seja, possibilitar de que pessoas comuns
tenham suas histórias contadas (ou que elas mesmas as contem) sem necessariamente
contar com os conhecimentos especializados de um jornalista (ATTON & HAMILTON,
26
2008).
Pesquisadores admitem que ainda hoje há uma imprecisão conceitual dos termos
acima referidos, que carecem de uma definição teórica mais precisa. Os termos estão
situados a partir das noções teóricas de comunidade e dos movimentos sociais
(PERUZZO, 2006). Conforme explicam Atton e Hamilton (2008, p.124), os termos são
amplos e não estão limitados apenas a um jornalismo de projetos políticos ou ao
desenvolvimento de movimentos sociais. Podemos afirmar que se trata de uma mídia que
tem como prioridade divulgar assuntos geralmente ocultados, evitados ou ignorados pela
imprensa tradicional. A ideia é que aqueles que geralmente não têm voz na grande mídia
possam ser ouvidos. De acordo com Dennis de Oliveira (2009, p.6),

A práxis jornalística alternativa tem como perspectiva a reconstrução da


esfera pública a partir dos valores da igualdade de oportunidades, da
eqüidade, da democracia radical e da subordinação dos interesses
econômico-privados aos interesses coletivos. Não se trata apenas e tão
somente de defesa dos valores da democracia institucional, mas de uma
atitude radicalmente democrática, que passa pela abertura dos espaços
midiáticos a todos os segmentos sociais, rompendo com o cerco da
agenda de fontes oficiais; pela plena referência na produção das
informações no sujeito-cidadão e não no sujeito-consumidor. Para tanto,

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a práxis jornalística alternativa é uma confrontação com a atual estrutura


midiática monopolizada e que coloca o jornalismo como mais uma
atividade mercantil. Os projetos alternativos de jornalismo podem
configurar-se como elementos de construção de uma esfera pública
alternativa, que esteja antenada com as demandas da maioria da
sociedade.

Acerca do jornalismo alternativo, podemos afirmar que esta é uma expressão


comum dos anos 1960 a 1980. Chamar esse tipo de mídia de alternativa significava, como
o próprio nome sugere, que ela era uma opção diferente de leitura aos jornais de grande
circulação, enquanto fonte de informação, pelo tipo de conteúdo e pela abordagem dos
fatos. A tendência do jornalismo alternativo era romper com a ordem imposta pelo
capitalismo, promovendo a efetiva participação dos cidadãos na sociedade e na produção
do conhecimento.
Já o chamado jornalismo popular tem sua origem na ação dos movimentos 27
populares dos anos 1970 e 1980, no Brasil e na América Latina como um todo. O
jornalismo comunitário, por sua vez, representa um espaço para a participação
democrática da comunidade, e, como demonstra Peruzzo (2006, p.9-10),

se caracteriza por processos de comunicação baseados em princípios


públicos, tais como não ter fins lucrativos, propiciar a participação ativa da
população, ter propriedade coletiva e difundir conteúdos com a finalidade
de educação, cultura e ampliação da cidadania. Engloba os meios
tecnológicos e outras modalidades de canais de expressão sob controle
dos movimentos e organizações sociais sem fins lucrativos. Em última
instância, realiza-se o direito à comunicação na perspectiva do acesso
aos canais para se comunicar. Trata-se não apenas do direito do cidadão
à informação, enquanto receptor – tão presente quando se fala em
grande mídia –, mas do direito ao acesso aos meios de comunicação na
condição de emissor e difusor de conteúdos.

Hacket & Carroll (2006 apud ATTON & HAMILTON, 2008) descrevem três
características comumente relacionadas ao jornalismo que se encaixa nos padrões acima
descritos: 1) tende a ser relativamente autônoma ou independente de corporações ou
órgãos governamentais. A independência de métodos dominantes de organização da
mídia encoraja seus praticantes a experimentar, com métodos de controle mais inclusivos

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e igualitários, cujas decisões sempre partem de consensos; 2) promover estratégias que


dão acesso a vozes e questões marginalizadas na mídia hegemônica; e, por fim, as duas
características anteriores tornam a terceira possível, que é 3) promover uma comunicação
horizontal entre membros de grupos marginalizados e através desses grupos. Os autores
apontam que a mídia de caráter alternativo tem como um dos seus grandes desafios
transformar consumidores de mídia em participantes do processo de produção da mídia.
Tais características podem ser comparadas aos valores defendidos pelo jornalismo cívico,
acrescido ainda do claro afastamento do regime da objetividade e da imparcialidade.
Ainda nesta perspectiva de apontar práticas alternativas ao jornalismo dito
tradicional, mencionamos o jornalismo cívico, movimento iniciado por um grupo de
jornalistas norte-americanos, que desenvolveu um conjunto de estratégias, visando a
revitalização da profissão e dos interesses pela vida pública, o qual abordaremos de
maneira detalhada na seção a seguir.

3. Primeiras iniciativas: o estabelecimento de um padrão cívico para o jornalismo


28

Os primeiros debates a respeito de uma nova proposta de práticas jornalísticas


denominada “jornalismo cívico” foram iniciados no fim da década de 1980, nos Estados
Unidos. A iniciativa nasceu como uma reação de alguns periódicos estadunidenses à
sucessiva queda nas vendas e ao descrédito que enfrentavam, constatado por meio de
pesquisas (PENA, 2005). Em sua gênese, que tem como pano de fundo as eleições
presidenciais dos Estados Unidos em 1988 (George W. Bush/Dan Quayle versus
Michael Dukakis/Lloyd Bentsen), o movimento buscou dar centralidade ao cidadão e a
seus anseios e necessidades, reafirmando a democracia e incentivando a participação
política da população, já que no país o voto é facultativo.
Os “pais” e defensores do jornalismo cívico partem de dois pressuposto básicos: 1)
a situação atual em que se encontra o jornalismo é desfavorável porque o interesse das
pessoas na vida pública diminuiu de maneira considerável; 2) diante desse cenário, ao
jornalismo e seus agentes não cabe um posicionamento vitimizado, tendo em vista que
também são responsáveis pelo descrédito da população na democracia e na vida pública,
seja por um recorrente uso do sensacionalismo, pela ênfase no entretenimento ou pela
veiculação de informações que não contribuem para um processo reflexivo dos
leitores/espectadores/receptores.

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A proposta do jornalismo cívico surge, então, em consonância com a ideia de


dependência entre jornalismo e democracia (LIMA; CARDOSO FILHO, 2012). Entre as
primeiras iniciativas dessa vertente jornalística destacam-se a experiência do Columbus
Ledger Enquirer, um jornal da rede da Companhia Knight-Ridder, no estado da Geórgia.
Para a cobertura das eleições presidenciais, o jornal decidiu adotar um papel mais ativo
na tentativa de trazer melhorias para a qualidade de vida na comunidade. Foi realizada
uma pesquisa para conhecer os problemas que afetavam a comunidade. Posteriormente,
85 cidadãos influentes responderam a um questionário e moradores foram entrevistados
por jornalistas (TRAQUINA, 2003b). Essa ação resultou no desenvolvimento de um
projeto intitulado “Columbus Para Além de 2000” (Columbus Beyond 2000), o qual, unido
a outras ações que visavam agregar o público – como encontros com cidadãos
interessados – resultou em um movimento cidadão mais amplo, comprometido com o
enfrentamento dos problemas relativos à vida pública, denominado “Unidos Para Além de
2000”.
Podemos citar ainda outra importante iniciativa que foi o Voter Project,
29
desenvolvido pelo jornal Wichita Eagle, sob a direção de Davis Merrit. Em parceria com
uma estação de rádio, o jornal utilizou pesquisas de opinião para identificar quais temas
despertavam maior interesse e preocupação entre a comunidade. As questões levantadas
pelos cidadãos foram publicadas pelo Eagle, em forma de artigo, seis semanas antes das
eleições, apresentando o posicionamento dos candidatos sobre cada uma delas. Dois
anos depois o jornal lançou o projeto People Project: Solving It Ourselves, dessa vez
contando não apenas com o apoio de outras empresas jornalísticas, mas também de
professores universitários. O objetivo era envolver os cidadãos, fazendo-os identificar os
problemas que afetavam a comunidade na qual estavam inseridos e discuti-los com os
veículos de comunicação que participavam do projeto.
Outra ação que merece destaque aconteceu na Carolina do Norte, quando o jornal
Charlotte Observer lançou um projeto que, na perspectiva da cobertura de eleições,
voltava-se mais para a preocupação dos eleitores do que para as estratégias adotadas
pelos candidatos para conseguir uma maior adesão dos eleitores. Sirianni e Friedland
(2001, p.208) destacam que o Observer conseguiu desenvolver “o mais sistemático,
profundo e contínuo diálogo com a comunidade” (tradução nossa).
As pesquisas com cidadãos também foram utilizadas por esse veículo noticioso, e
as respostas obtidas formaram uma espécie de “agenda dos cidadãos”. Algumas

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questões levantadas na sondagem realizada com a população foram levadas aos


candidatos e as respostas publicadas em uma editoria criada especificamente para tal
finalidade. O Charlotte Observer lançou, ainda, um projeto de reportagens que tinha como
objetivo propor soluções para os altos índices de criminalidade da cidade. Para tanto,

O jornal contratou uma pessoa para coordenar as relações com as


comunidades e organizou encontros com os residentes. Publicava
igualmente, páginas de ajuda para cada bairro e solicitou contribuições
financeiras, oportunidades de emprego e de bens e serviços. Entre outros
resultados do projeto, existe agora num dos bairros um centro de recreio
e houve uma quebra significativa no número de crimes violentos
(TRAQUINA, 2003b, p. 12).

Na Califórnia, o The Orange County Register contou, de maneira não


convencional, a história de crianças que moravam em motéis residenciais em frente ao
parque temático da Disneylândia, utilizando palavras das próprias crianças, em forma de 30
diálogo. O que poderia convencionalmente ser tratado sob a ótica da vitimização das
crianças, mostrou, por sua vez, como a comunidade poderia se engajar na solução dessa
realidade. O resultado foi a mobilização da população e do governo local por meio da
doação de dinheiro, alimentos, brinquedos e tempo para voluntariado (MORAES, 2011).
Também do estado da Califórnia temos o exemplo do San Jose Mercury, jornal que
começou a distribuir cartas dos leitores por todas as editorias do periódico com o objetivo
de “vincular mais estritamente os temas tratados aos leitores” (MORAES, 2011, p. 49).
As ações acima descritas se assemelham quanto às estratégias e ao tipo de
temática adotada nas coberturas, tratando assuntos de interesse público, diretamente
relacionados aos problemas das comunidades. Os “pais” e “advogados” do jornalismo
cívico conseguiram, ao longo dos anos, estabelecer um padrão para que outras iniciativas
pudessem ser desenvolvidas em qualquer parte do mundo, incluindo, essencialmente, o
público, conhecendo suas demandas e fazendo com que ele mesmo atue na tentativa de
solução dos problemas que o afetam.

4. Jornalismo cívico: novas práticas para uma nova tendência

Falar de jornalismo cívico é abordar mais do que uma teoria, mas também é

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referir-se a um conjunto de estratégias que nasceram da prática, do cotidiano das


redações. Um dos principais autores que abordam o jornalismo sob a perspectiva cívica é
Jay Rosen. Ele nos oferece cinco maneiras de compreender o jornalismo cívico (1999,
p.22-23): 1) como um argumento, uma maneira de pensar sobre o que os jornalistas
deveriam ter feito diante da situação em que a vida pública se encontrava nos estados
unidos; 2) como um experimento, uma tentativa de sair das rotinas pré-estabelecidas com
o objetivo de contribuir para o fortalecimento da vida pública; 3) um movimento, uma
ampla rede de jornalistas que desejavam melhorar seu ofício, acadêmicos e cidadãos que
se uniram para contribuir com o crescente espírito de reforma; 4) um debate, um diálogo
permanente sobre a produção da imprensa e a sua contribuição para o fortalecimento da
democracia americana; e, por fim, 5) uma aventura, uma busca aberta e experimental
para um novo formato de imprensa.
Coleman (2003) argumenta que não existe uma definição específica para essa
abordagem, assim como a sua prática não está pronta e acabada, tendo em vista que, do
ponto de vista teórico, trata-se de uma temática relativamente recente.
31
Independentemente de um conceito fixo, uma das características mais marcantes do
jornalismo cívico é estar plenamente a serviço do público, distanciando-se dos interesses
puramente econômicos – quando os veículos noticiosos estão unicamente voltados à
obtenção de lucro – e políticos – quando a mídia se vincula a ideais partidários e cede a
pressões do governo vigente. Os cidadãos e suas necessidades passam a ocupar um
papel primordial tanto na definição das pautas quanto na construção da notícia,
incentivando e melhorando, desta forma, o debate cívico e contribuindo para a formação
de um espaço público mais dinâmico e fortalecido. Nesta perspectiva, Haas (2007, p. 4-5),
destaca que

os defensores [do jornalismo cívico] argumentam que os jornalistas


necessitariam mudar as formas pelas quais eles tradicionalmente têm
concebido o público e o próprio engajamento deles na vida pública. Em
vez de perceber o público como espectadores que buscam “emoção” [...],
que apenas se voltam para as notícias a fim de serem entretidos pelo
espetáculo político, ou ainda como “consumidores” [...] que se voltam às
notícias para serem informados sobre as deliberações e ações dos
agentes de governo, especialistas e outros atores da elite, os jornalistas
deveriam perceber o público como “cidadãos” [...] engajados e
responsáveis que estão interessados e capazes de participar ativamente

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da democracia. (Tradução nossa).

Para corroborar essa ideia, mencionamos Cytrymblum (2009), autora que, ao


tratar do que ela chama de “Periodismo Social”, percebe o jornalismo como protagonista
dos processos sociais, compreendendo toda a responsabilidade que a atividade tem na
manutenção de tais processos. O público, em sua visão, deve ser reconhecido como
fonte em potencial, não somente para complementar a notícia ou para se ouvir os dois
lados da história, mas para enriquecer o diálogo entre os diferentes atores sociais,
buscar soluções possíveis para seus problemas comunitários e, desse modo, construir
uma sociedade mais inclusiva. A autora defende também que o governo, de maneira
geral, e as organizações não governamentais precisam estar mais próximos dos meios
de comunicação, o que agregaria mais credibilidade aos veículos e potencializaria a
comunicação como um lugar por excelência onde se produz um diálogo social.

32
O jornalismo cívico evita qualquer tipo de interesses político-partidários. Em vez
de discutir a realidade e as ações dos partidos políticos, sua intenção é promover um
debate sobre a política de forma aberta e acessível a todos os cidadãos interessados.
Essa democracia fortalecida por meio do diálogo envolve jornalistas, cidadãos e
políticos, atraídos por um exercício de governo que seja coerente com a democracia
participativa direta.
Outra relevante mudança proposta refere-se aos termos adotados numa nova
configuração textual que não se preocupa apenas em ouvir e expressar a visão das
partes envolvidas nos assuntos retratados. Como destaca Fernandes (2002), a
expressão “cão de guarda”, tão conhecida e disseminada nos escritos de Teorias do
Jornalismo, dá lugar à função de “cão-guia”, postura que permite uma abertura das
redações para a participação cidadã, uma vez que incita o jornalista a encarar seu
público como parceiro em suas rotinas produtivas. Nesse sentido, Theodore L. Glasser
(1999), constata que o jornalismo cívico contribuiu com a percepção de que a visão
restrita das rotinas produtivas do jornalismo tradicional pode facilmente tornar a
imprensa incapaz de promover a mudança social.
Se a resolução dos problemas comunitários contarem com uma participação
mais ativa do jornalismo, certamente os cidadãos se sentirão mais encorajados a
participar da vida pública.
O novo posicionamento diante das necessidades e preocupações dos cidadãos

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se reflete na construção das notícias. Enquanto na mídia tradicional se verifica uma


valorização de notícias e temas superficiais, em detrimento daqueles que interferem na
vida social, o jornalismo cívico opta pela abordagem de assuntos que estimulem a
reflexão e ação dos cidadãos em prol da vida cívica. O conceito de valor-notícia para o
jornalismo cívico vai de encontro ao proposto pelo jornalismo tradicional; o
conhecimento sobre o desenvolvimento da matéria é priorizado, os opostos não são
ouvidos para serem confrontados, mas para alcançar um equilíbrio, as pautas são
estabelecidas a partir de temas que afetem de alguma forma a comunidade (política,
eleições, projetos de ONGs e seus resultados e questões sociais), facilitando a
compreensão do público e estimulando a cidadania. No que se refere às ações de
organizações sociais, Alicia Cytrynblum (2009, p.97) destaca que elas desfrutam de um
lugar privilegiado na confiança pública, confiança esta que não se verifica quando se faz
referência aos atores políticos. Desse modo, ampliar o diálogo com organizações não
governamentais, além de enriquecer a pauta, pode conferir maior credibilidade à
cobertura.
33
Existe uma preocupação em oferecer alternativas ou soluções para os
problemas e em não se restringir a informar o que aconteceu. Beatriz Dornelles (2008,
p. 121) destaca o papel educativo que o jornalismo deve desempenhar na sociedade, ao
ponderar que os jornalistas precisam pensar não apenas em manter a população
informada sobre os fatos, mas precisam também educá-la de maneira que, vivendo em
democracia, tenham a possibilidade de se organizar e se mobilizar, realizando ações
que considerem o futuro de toda a geração. Nessa “tendência cívica”, busca-se a
superação do formato de notícia baseado em uma simples narração de fatos
descontextualizados, fundados em apelos dramáticos e histórias de superação e
conquistas particulares.
Com relação aos profissionais, os jornalistas cívicos são aqueles que lutam por
uma perspectiva pública do seu trabalho e a redação é vista como o melhor lugar para
apreender as práticas da função que exerce. O profissional deverá ser capaz de
informar e formar cidadãos e desenvolver o espírito crítico dos leitores; ele deve
priorizar o conhecimento sobre o desenvolvimento de um fato e se concentrar no ponto
em que as propostas de diferentes grupos são convergentes e não confrontar os
extremos (PENA, 2005, p.156). Na visão de Haas (2007, p.7), em vez de se perceberem
como transmissores de informações de especialistas’, os jornalistas deveriam se

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considerar como facilitadores de uma ‘conversação pública’.

5. Jornalismo Cívico no Brasil

Pesquisadores da comunicação que se debruçam sobre os estudos do jornalismo


cívico (público, comunitário ou outras vertentes que colocam o cidadão e seus anseios
como aspecto primordial na escolha e execução das pautas) são unânimes em afirmar
que no Brasil não há uma prática do jornalismo cívico nos moldes norte-americanos.
Nota-se que há uma disposição de determinados veículos, principalmente os que
fazem parte do chamado campo público (no sentido de serem mantidos pelo Estado), em
não explorar os fatos ressaltando seus aspectos dramáticos e sem profundidade, mas em
produzir informações que instruam e orientem o público a exercer sua cidadania. O campo
público se mostra, desse modo, o ambiente mais propício para a emergência de uma
nova prática jornalística baseada nos pressupostos do jornalismo cívico; por não se
encontrarem atrelados à lógica de mercado, tais veículos estariam livres para abordar
34
temas que se distanciem da espetacularização e de uma abordagem descontextualizada
e superficial.

No Brasil não se pode dizer que haja uma história do jornalismo público,
muito menos uma tradição. Nos veículos comerciais encontramos
algumas iniciativas pontuais de jornais que querem participar de forma
mais ativa de suas comunidades ou se aproximar de seus públicos, mas
com pouca associação ao conceito de jornalismo público. Nas mídias
públicas, em especial nas emissoras de TV, a discussão sobre jornalismo
público é mais frutífera. (MORAES, 2011, p. 51).

Segundo este autor, o que pode ser percebido, ao avaliar a prática jornalística
brasileira que segue uma tendência cívica, é que ela está mais voltada “à inclusão de
serviços nas matérias que uma abertura do jornal ao cidadão e à resolução de problemas
da comunidade” (MORAES, 2011, p. 9).
Bailey (1999, p.134) reconhece que o jornalismo cívico praticado no Brasil possui
duas características distintas, que por vezes se encontram sobrepostas:

A primeira é a interação do público com as organizações noticiosas, na


qual as pessoas fornecem pautas para a produção de notícias e imagens

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para sites online e mídia televisia. A segunda é a produção de uma mídia


alternativa, por jornalistas e nçao-jornalistas, tomando como bas uma
agenda de notícias que nem sempre é explorada pelos meios de
comunicação tradicionais. (Tradução nossa).

Em nosso país, quando pensamos em jornalismo cívico, de pronto despontam


duas deficiências: uma, de cunho teórico-metodológico, originada pela pouca
disponibilidade de bibliografia sobre o tema, e outra no âmbito da prática profissional, já
que no Brasil os exemplos de veículos que adotaram esse tipo de jornalismo são
incipientes. Márcio Fernandes (2002) cita o jornal O Povo, de Fortaleza, que estabeleceu
um projeto editorial diferenciado para tratar o tema “infância” sem os tópicos mais óbvios
como guia. O Jornal da Manhã, em Ponta Grossa, Paraná, em suas versões impressa e
eletrônica, se destaca por seu papel de motivador da participação do público, seja como
fonte de informações ou de sugestões. Fernandes fala ainda sobre as ações do
Observatório da Imprensa e do Instituto Gutemberg, que regularmente atuam como fiscais
da mídia. Já Bruno Sodré de Moraes (2011) aponta que emissoras como a Rede Minas, a
35
TV Brasil e a TV Cultura afirmam que seus noticiários adotam o jornalismo cívico. Luiz
Martins da Silva (2006) acrescenta o exemplo da TV Futura, uma emissora que possui
todas as características de um canal público, embora seja resultante de um consórcio de
empresas, e desempenha um papel na atuação do jornalismo em seu viés educativo.
Essa realidade mostra, de acordo com Silva, que a prestação de um serviço público não
necessita ser disponibilizada apenas por um órgão estatal ou governamental.
Silva (2006, p.6) destaca ainda que o jornalismo cívico não encontrou no Brasil
“nem uma tradução definitiva nem a compreensão do que ele representa enquanto
função, área de cobertura e campo profissional”. Entretanto, o fato de dizer que o Brasil
não pratica o jornalismo cívico tal qual os norte-americanos o desenvolveram não deve
soar como uma crítica ou uma condenação. Se no Brasil não houve uma adesão estrita
ao movimento, como expõe o autor, podemos afirmar que também não houve uma
rejeição completa por parte da grande mídia. Embora muitos desconheçam por completo
ou aqueles que possuem algum conhecimento sobre o tema no meio jornalístico apenas
fizeram algumas leituras ou ouviram falar a respeito, Andrade (2012, p.61), em sua
Pesquisa Nacional sobre Responsabilidade Social e Práticas Jornalísticas, demonstra que
muitas pessoas “acreditam que as mudanças nas salas de redação podem ser praticadas,

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desconsiderando a influência do capital numa possível a implantação no Brasil das


mudanças propostas pelo jornalismo cívico”.
É necessário que haja uma adaptação dos pressupostos apontados pelos
defensores do jornalismo cívico à realidade brasileira, sem, obviamente, deixar de lado os
fundamentos que essa prática estipula para o bom exercício do jornalismo.

6. Considerações Finais

Propor o jornalismo cívico como estratégia pode soar utópico, uma meta
inalcançável em seu todo. Mas, se mudar a prática do jornalismo tradicional,
(sub)imerso na lógica de mercado, parece uma tarefa demasiadamente difícil, é preciso,
então, investir em uma formação diferenciada na academia. Por isso, concordamos com
Eksterowicz, Roberts e Clark (2003, p. 101) quando afirmam que

A maior esperança para que seja restaurada a confiança do público no


36
governo deve residir não numa melhor cobertura das questões da
campanha mas na tomada de consciência de que o jornalismo deve
dedicar muito mais tempo a ajudar o público a compreender as
operações do dia-a-dia das instituições nacionais, locais, estatais e
federais. Para concretizar esta missão, poderá ser necessário proceder a
grandes alterações na forma como educamos os jornalistas da imprensa,
do rádio e da televisão e na forma como estes cobrem a política, o
governo e a formulação e a implementação das medidas práticas.

Os autores defendem, ainda, que a prática do jornalismo cívico requer muito


mais do que o domínio das técnicas da área, mas um conhecimento sobre temas
voltados para economia, história, ciência política, filosofia, ciência e humanidades.
Jornalistas que saem das universidades conscientes do seu papel (conscientes de que
antes de serem profissionais são também cidadãos) podem gerar significativas
mudanças na realidade da profissão.
O jornalismo cívico é uma prática relativamente recente, embrionária em vista de
outras teorias vigentes, carente de discussões e aperfeiçoamento. E é justamente por
seu caráter recente que o debate precisa ser promovido, e não há melhor lugar para se
iniciar um bom debate do que o ambiente acadêmico, de onde os futuros profissionais
devem sair não apenas munidos de ferramentas e técnicas que os habilitarão a exercer

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sua profissão, mas dotados, sobretudo, de uma visão crítica e ética que os permitam
exercer a função social do jornalismo em sua integridade.
O futuro do jornalismo cívico, como assegura Clifford G. Christians (1999, p. 67),
“depende da noção de bem comum e se podemos articulá-la, ajustá-la filosoficamente,
estabelecer sua lógica e raciocínio. O jornalismo cívico visa a formação da comunidade.
Destina-se a revigorar a esfera pública política e sociologicamente”. E isso, de acordo
com o autor, só se concretizará quando essa noção de bem comum for integrada à
prática jornalística.
Sirianni e Friedland (2001, p.231) reconhecem que

O jornalismo cívico pode claramente não representar toda a gama de


estratégias midiáticas necessária para democratizar o espaço público.
Mas ele respondeu de forma estratégica e relativamente eficaz às
oportunidades existentes e conseguiu desenvolver um valioso modelo de
deliberação que induz o estabelecimento de uma agenda democrática e a
resolução de problemas entre os atores cívicos e governamentais.
37

O jornalismo cívico, enquanto filosofia e movimento, pode conter falhas e ser


alvo de críticas de diferentes teóricos, mas é necessário que assim seja; afinal, o debate
enriquece de maneira grandiosa a Ciência. Pode não ser, e nem deve ser, a “salvação
da lavoura”, mas o jornalismo cívico é a prova de que ainda existem mentes pensantes,
incomodadas, inquietas, resistentes à ordem vigente e que buscam trabalhar por/em
uma profissão que exerça, na prática, seus valores e princípios.

REFERÊNCIAS

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