Na Agenda de Sustentabilidade
Na Agenda de Sustentabilidade
Na Agenda de Sustentabilidade
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© 2014 Ministério do Meio Ambiente Equipe de projeto
Todos os direitos reservados. É permitida a re- Ariel Cecilio Garces Pares - Diretor Nacional
produção parcial ou total desta obra para fins Alex Sandro da Rosa Cunha - Coordenador
não comerciais, desde que citada a fonte.
Tarcísio Nunes - Coordenador
Série População e Desenvolvimento Sustentável
As implicações da dinâmica demográfica dos Fundo de População das Nações Unidas
países do Bloco BASIC na Agenda de (UNFPA)
Sustentabilidade Jaime Nadal – Representante
1ª edição – 2014 Yves Sassenrath – Representante Adjunto
Elaboração Anna Cunha – Oficial de Programa
Vinícius Monteiro – Assessor para
Consultoria População e Desenvolvimento
Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas Gabriela Borelli – Assistente de
Administrativas e Contábeis de Minas Comunicação
Gerais (Ipead)
Agradecimentos
Pesquisa/Texto Tais de Freitas Santos
Eduardo L. G. Rios-Neto Camila de Oliveira Cavallari
Ministério do Meio Ambiente (MMA) Ulisses Lacava Bigaton
Ministra do Meio Ambiente do Brasil Projeto gráfico e diagramação:
Izabella Teixeira Janaina Coe
Secretário Executivo
Francisco Gaetani Revisão
Inês Ulhôa
Bibliografia
ISBN 978-85-98579-12-2
15-01715 CDD-304.2
Índices para catálogo sistemático:
1. Educação ambiental para sustentabilidade
304.2
Série População e Desenvolvimento Sustentável
Brasília, DF – 2014
Série População e Desenvolvimento Sustentável
Apresentação..............................................................................................7
1. Introdução ...........................................................................................8
2. O contexto demográfico.....................................................................9
Referências ..............................................................................................53
Apresentação
Assim como o legado da Conferência Rio +20 não se resumiu aos documen-
tos e declarações ali aprovados, também as parcerias que se constituíram para
o desenvolvimento destes estudos deverão render novos frutos e insumos
para o desenvolvimento de ações em prol do desenvolvimento sustentável.
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As implicações da dinâmica demográfica
dos países do Bloco BASIC na Agenda de
Sustentabilidade
1. Introdução
O termo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) foi cunhado por Jim O’Neill,
da firma Goldman Sachs, em 2003, alterando a visão que a comunidade
econômica tinha sobre esses países, até então considerados de renda média
e emergentes (essa experiência é retratada no livro de autoria de O’Neill,
The growth map, de 2011). Nesse estudo, ele mostrava que o Produto Inter-
no Bruto (PIB) dos quatro países suplantaria, num período de 40 anos, o
PIB das sete economias mais desenvolvidas da época (o G7). Essa formula-
ção foi tão bem-sucedida que os próprios países constituíram um grupo de
atuação política e econômica e, num curto intervalo de tempo, convidou a
África do Sul para fazer parte. O bloco BASIC deve ser pensado como um
desdobramento desse contexto. Além de ser um bloco em si mesmo, objeto
do presente estudo, remete a outro grupo de países emergentes, identificado
pela Goldman Sachs, em 2005, como N-11 (Next Eleven), composto pelos
seguintes países: Bangladesh, Egito, Indonésia, Irã, Coreia do Sul, México,
Nigéria, Paquistão, Filipinas, Turquia e Vietnã.
2. O contexto demográfico3
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de mortalidade. Essa fase dura até o início da queda na taxa de fecundidade
e natalidade. A característica da terceira fase é o declínio na taxa de fecun-
didade e natalidade e, consequentemente, do crescimento populacional. A
quarta e última fase delimita o fechamento da transição demográfica, com
baixas taxas de natalidade e mortalidade, por consequência, também apre-
sentando um baixo crescimento populacional.
3 Brasil
China
2,5
Índia
2
Percentual (%)
África do Sul
1,5
0,5
-0,5
-1
1950- 1960- 1970- 1980- 1990- 2000- 2010- 2020- 2030- 2040-
1955 1965 1975 1985 1995 2005 2015 2025 2035 2045
Período
- 10 -
no século XX, as taxas de crescimento demográfico eram bem mais altas,
enquanto que o período desde o início da segunda fase até o final da ter-
ceira fase (duração da transição) é bastante menor do que no caso clássico.
- 11 -
Gráfico 2 – Razão de dependência, BASIC, 1950-2050
Jovens
Idosos
- 12 -
O outro lado da moeda da transição demográfica é o aumento na razão de de-
pendência na velhice. No primeiro quarto deste século, essa razão deve subir
de 7% para 14%. Essa mudança é muito mais veloz do que a observada nos
países de transição clássica. Demorou mais de cem anos para ocorrer na Fran-
ça e quase cem anos na Suécia. A China é o país que apresenta o maior ritmo
de envelhecimento populacional no BASIC, seguido de perto pelo Brasil, ten-
do um crescimento menos acelerado nos casos da Índia e da África do Sul,
como reflexo da defasagem dos países nas etapas da transição demográfica.
- 13 -
Gráfico 3 – Estimativa do primeiro dividendo demográfico, BASIC, 1950-2050
- 14 -
2.4 - A transição urbana nos países BASIC
A transição urbana é caracterizada pelo aumento na taxa de urbanização,
ultrapassando 50% e com a população urbana atingindo proporções supe-
riores a 80% da população total. McGranahan e Martine (2012) sugerem
três patamares de evolução da urbanização entre os países BASIC. O Brasil
apresenta um patamar mais elevado (em níveis inclusive maiores do que
a Rússia), tendo passado de menos de 40% em 1950 para mais de 80% em
2010. A Rússia tinha mais de 40% de urbanização em 1950, mas estabiliza
em torno de 70% desde os anos 80 do século XX. A África do Sul está situa-
da num patamar intermediário, mantendo-se em torno de 45% entre 1950
e 1985, passando a crescer até chegar em torno de 60% em 2010. China e
Índia apresentam uma população majoritariamente rural, mas, ao longo do
tempo, o ritmo de urbanização na China é maior do que na Índia, atingindo
o patamar intermediário de 40% em 2010.
- 15 -
população de 15 anos e mais, sendo um pouco maior no caso da China (6,4
anos de estudo). A taxa de analfabetismo era muito maior na Índia, estando
em patamares parecidos no Brasil e na China. A proporção da população
que completou o ensino terciário no Brasil era maior do que na Índia e na
China, mas a cobertura do ensino secundário foi muito maior na China do
que no Brasil, que apresentava uma cobertura ainda menor do que a Índia.
A África do Sul situa-se numa posição próxima do nível histórico de baixa
escolaridade encontrado no caso brasileiro.
- 16 -
aumento da cobertura do ensino superior é a qualidade desse ensino ofe-
recido. Esse aspecto é crucial tanto para o aumento no ritmo de progresso
técnico dessas economias quanto para o desenvolvimento de tecnologias
mais sustentáveis em termos ecológicos.
- 17 -
materialistas. Em segundo lugar, há o desenvolvimento do “estado de bem-
-estar” nesses mesmos países. As gerações socializadas nesse contexto não
sentiam mais a importância da segurança econômica e física. Importa notar
que “pós-materialistas” não devem ser vistos como “não-materialistas” ou
“antimaterialistas”; são pessoas que valorizam a segurança e afluência, po-
rém valorizam mais ainda a expressão pessoal e a qualidade da vida.
- 18 -
mas tão somente acentuar a relação que a educação terciária possui com os
valores pós-materialistas. É claro que a educação terciária favorece também
o desenvolvimento de tecnologias produtivas limpas, como a indústria ele-
trônica, um ponto que será mais desenvolvido a seguir.
- 19 -
essas questões ambientais. Os autores fazem uma análise a partir da base de
dados World Values Survey e concluem que o PIB per capita estava nega-
tivamente correlacionado com as medidas de preocupação ambiental, exa-
tamente o contrário do que estava previsto pela hipótese pós-materialista.
A análise de duas rodadas subsequentes do World Value Survey indica um
coeficiente negativo para o PIB per capita no caso do desejo de fazer sacrifí-
cios econômicos para a proteção ambiental, embora o consumismo verde e
o ativismo ambiental fossem positivamente correlacionados com o PIB per
capita e compatível com o pós-materialismo.
Dunlap e York (2008) concluem que o impacto negativo do PIB per capita
na aceitação do sacrifício econômico seria evidência de uma grande valori-
zação materialista do meio ambiente no caso de uma economia local sub-
desenvolvida, que depende primordialmente da natureza. Nesse contexto, a
pobreza combate o desenvolvimento material com deterioração ambiental.
Isso seria diferente do previsto pela Curva de Kuznets Ambiental (concei-
to que será discutido a seguir), que prevê uma deterioração ambiental do
crescimento até que uma fase pós-materialista fosse atingida. Como crítica
aos autores, eles parecem confundir diversos níveis de materialismo, aquele
das comunidades locais com aquele dos segmentos populares urbanos, o
que dificulta a crítica que eles fazem a Inglehart. Para esses autores, o ma-
terialismo ocorre tanto no caso da pobreza dependente da natureza quanto
no caso da afluência material, enquanto parece que seria apenas a última
que estaria associada à modernização, industrialização e desenvolvimento
econômico, processos esses que ampliam a devastação ambiental. Running
(2012) encontra um resultado positivo de educação tanto nas preocupações
com o aquecimento global quanto na priorização da proteção ambiental em
relação ao crescimento econômico. Já os valores pós-materialistas têm um
impacto nas preocupações com o aquecimento global, mas não na prioriza-
ção da proteção ambiental em relação ao crescimento econômico.
- 20 -
Concluindo este item, a educação parece ter um efeito positivo sobre a preo-
cupação com a questão ambiental nos países, embora não esteja totalmente
garantido que haja também um efeito indireto por intermédio da relação
entre pós-materialismo e preocupação ambiental. O debate sobre a relação
entre materialismo e pós-materialismo e seu impacto sobre a preocupação
ambiental é ainda inconclusivo. No caso, parece ser necessário diferenciar o
materialismo das comunidades que dependem da natureza do materialismo
das sociedades que experimentam uma afluência material, aspectos que se-
rão discutidos adiante com mais detalhe.
3. População, desenvolvimento e
sustentabilidade: Crescimento econômico e
emissões numa perspectiva teórica
- 21 -
A identidade desse modelo é dada pela equação abaixo:
I = PAT (1)
Sendo que,
I = Impacto ambiental de uma sociedade
P = O tamanho populacional de uma sociedade
A = O nível de afluência de uma sociedade ou o consumo per capita
T = Tecnologia, incluindo os arranjos sociais, políticos e as instituições
- 22 -
(ao invés do uso tradicional de comparação entre países). Uma evolução
possível consiste na avaliação do impacto ambiental causado pela estrutura
etária. Será que o envelhecimento populacional reduziria a emissão de CO2?
Roberts (2012) trabalha com um modelo IPAT espacial para os Estados
Unidos, encontrando um impacto positivo da razão de dependência dos jo-
vens e dos idosos na emissão de CO2. O resultado é mais robusto e positivo
para o caso da dependência dos jovens do que dos idosos, mas quando a
especificação incorporou a razão entre o tamanho de coortes de idosos e de
jovens, aí o impacto sobre a emissão ficou claramente positivo.
- 23 -
entre países, o PIB per capita passou a ser utilizado como melhor indicador
de consumo per capita, representando afluência no modelo IPAT.
- 24 -
emergentes já estão, em grande medida, convergindo para a estabilização de
P, com a conclusão da transição demográfica, e são exatamente esses países
que estão experimentando uma maior inclusão na sociedade de consumo,
com o surgimento do consumo de massa5. Se o crescimento populacional
deixa de ser importante no caso dos países emergentes, no caso dos paí-
ses BASIC o alto tamanho populacional é relevante, mesmo não crescendo
mais, pois potencializa a interação de P com a emergência inclusiva de uma
nova classe média no consumo, fato que aumenta A.
Chertow (2001) revisa o modelo IPAT, ele mostra que desde o início da déca-
da de 1970 já havia um debate sobre a centralidade do componente popula-
cional (defendida por Ehrlich) e a do componente tecnológico (defendida por
Commoner). Chertow mostra como esse debate é difícil de ser resolvido em-
piricamente, em parte pelos próprios problemas de formulação do modelo,
que é muito simples. A simplicidade do modelo acaba sendo seu ponto fraco
e forte, ao mesmo tempo, pois sua simplicidade cumpre um papel heurístico,
linha adotada neste trabalho, enquanto pode levar a uma análise ingênua e
à ignorância das interações. Muitos estudos empíricos acabam tratando “T”
como resíduo, uma vez que população e afluência são mais facilmente definí-
veis. Por sua vez, a análise crítica do modelo IPAT acabou contribuindo para
identificar, nominar e criticar a abordagem do “otimismo tecnológico”, além
5 Devo esta ideia a discussões informais com George Martine, após sua apresentação em seminário inter-
nacional.
- 25 -
de contribuir para o surgimento do campo de ecologia industrial. Essa linha
reconhece que mudanças em “P” e em “A” só devem ocorrer no longuíssimo
prazo, considerando-se sua inércia, fazendo com que o componente “T” seja
o mais viável em termos de política mitigadora.
- 26 -
sendo compensado pelo deslocamento das atividades econômicas poluentes
para os países menos desenvolvidos. Sendo assim, sugere-se que é possível
ligar a degradação ambiental com a atividade de consumo. Sob o ponto de
vista do desenvolvimento das estimativas, a mudança do lado da produção
para o consumo e a incorporação da dimensão do comércio internacional
parecem indicar que a redução da degradação ambiental sugerida pela Hi-
pótese da Curva de Kuznets Ambiental não se confirma empiricamente.
A análise sociológica de York, Rosa e Dietz (2003) oferece uma visão alter-
nativa sobre a Curva de Kuznets Ambiental. Uma primeira visão revisada
baseia-se na abordagem da ecologia humana, que adota uma perspectiva
neomalthusiana ao enfatizar o papel do tamanho populacional, da densida-
de populacional, do crescimento e da estrutura etária para, interagindo com
aspectos biofísicos e climáticos, explicar os impactos ambientais. Em segui-
da, os autores contrastam a perspectiva da modernização com a perspec-
tiva da economia política. A perspectiva da modernização engloba várias
abordagens. A abordagem da modernização econômica foi basicamente
descrita acima, no contexto da Curva de Kuznets Ambiental. Ela sugere que
a qualidade ambiental é um bem de luxo. Portanto, a degradação ambiental
eventualmente cairá com o aumento na renda per capita.
- 27 -
e políticas, decorrentes de uma maior modernização, para se resolver os
problemas ambientais globais.
- 28 -
Um denominador comum nas duas abordagens de economia política refe-
re-se ao fato de que a única solução para a degradação ambiental se dá na
reestruturação das sociedades voltadas para a sustentabilidade ecológica.
Impacto
Ambiental
Todos os
Impactos
– Externo
e Interno
Impactos
Ambientais
Internos
Desenvolvimento Econômico
- 29 -
Para tanto, é necessário fazer um túnel na Curva de Kuznets. A construção
desse túnel estratégico depende da cooperação tecnológica com os países
desenvolvidos e da cooperação para transferência de conhecimento. A ab-
sorção de alta tecnologia sustentável é fundamental para a operação do tú-
nel. Há várias justificativas para que os países emergentes adotem o túnel na
Curva de Kuznets descrito no Gráfico 5. Primeiro, melhoraria as condições
ambientais nesses países. Segundo, as tecnologias sustentáveis melhoram
as necessidades de infraestrutura nos países (energia, água e transportes).
Terceiro, o uso de tecnologias sustentáveis favorece a competitividade inter-
nacional dos países emergentes, mesmo disputando mercado com os países
desenvolvidos (WALZ, 2007).
Pressão
Ambiental
Emissões dos
países industrializados Transferência
de Tecnologia
e conhecimento
entre os países
Túnel
Fonte:
Gráfico 5: Walz
Conceito(2007, p.4).
da Curva de Kuznets Ambiental e o Efeito Túnel
- 30 -
Jorgenson e Clark (2012) estimam a Curva de Kuznets Ambiental para
discutir se haveria um descolamento entre desenvolvimento econômico e
degradação ambiental, usando três medidas antropogênicas de emissão de
dióxido de carbono como variáveis dependentes. Essas três medidas são o
número total de emissões (escala), as emissões per capita (intensidade) e as
emissões por unidade de PIB (ecoeficiência).
- 31 -
Em outro trabalho, Jorgenson e Clark (2011) retomam o debate entre mo-
dernização e economia política utilizando medidas das pegadas ecológicas
como variável dependente. Além da tradicional divisão entre as perspectivas
da modernização e da economia política, os autores incorporam a economia
política da urbanização, com a hipótese de impacto ambiental causado pela
suburbanização (sprawling) nas megarregiões metropolitanas e o aumento
no consumo de combustíveis fósseis. Os autores também enfatizam o papel
de fatores ecológicos, biogeográficos e climáticos como condicionantes do
impacto socioeconômico no ambiente natural.
- 32 -
4. Crescimento econômico, riqueza inclusiva,
emissões e pegada ecológica nos países BASIC
- 33 -
que crescimento não é sinônimo de desenvolvimento. Essa é uma discussão
antiga, principalmente na perspectiva estruturalista. O desenvolvimento
envolve transformações estruturais, sendo necessário considerar dimen-
sões setoriais, estilo de crescimento econômico, entre outros parâmetros;
e mesmo o desenvolvimento econômico clássico não se confunde com o
desenvolvimento sustentável. O segundo ponto envolve uma perspectiva
“intergeracional” e demanda outra visão no que concerne ao uso dos re-
cursos naturais. O Índice de Riqueza Inclusiva (IRI) mantém a análise do
crescimento econômico numa perspectiva intertemporal, adicionando a di-
mensão do capital natural ao capital econômico e social.
- 34 -
o valor social dos vários tipos de ativos. De acordo com o relatório, uma
importante distinção entre esse arcabouço e modelos anteriores, como o do
Banco Mundial, que calculava a riqueza baseando-se no valor atual do con-
sumo, é que os modelos anteriores assumiam uma trajetória do consumo
sustentável, enquanto o modelo inclusivo de contabilidade de riqueza in-
corpora as trajetórias dos ativos, que não necessariamente são sustentáveis.
- 35 -
emergentes. A China está classificada em primeiro e o Brasil no quarto lugar,
entre os países que operam as maiores emissões anuais, com Índia ficando
em sétimo lugar. Em termos de emissão per capita, os países ainda estão co-
locados em posições inferiores. Levando-se em conta a emissão cumulativa
de gás carbônico entre 1850 e 2008, apenas China e Índia são listados entre
os dez maiores países emissores, em terceiro e nono lugar, respectivamente.
- 36 -
A pegada ecológica corresponde ao tamanho das áreas produtivas de terra
e de mar, necessárias para gerar produtos, bens e serviços que sustentam os
estilos de vida de um país, um Estado, uma pessoa. É a extensão de território
em hectares (ha) necessária para sustentar um país, Estado etc.7. Analisan-
do-se a variação temporal das pegadas ecológicas na China, Índia, Brasil e
EUA, chama a atenção o nível de “biocapacidade” brasileiro. O País é um
dos maiores credores ecológicos do mundo, embora essa capacidade tenha
declinado muito, notadamente entre 1960 e 1980. Sob o ponto de vista da
pegada ecológica, os valores para o Brasil giram em torno de 2,9 hectares
globais por habitante, sendo que não há uma clara tendência crescente de-
monstrando certo equilíbrio dessa pegada com o recente boom de consumo
observado no País. No Brasil, com seu papel de credor ecológico, parece que
a prioridade é estancar a tendência de redução da biocapacidade; o início
desse estancamento já mostra sinais de ocorrência.
7 (http://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/especiais/pegada_ecologica/pegada_brasileira/).
- 37 -
problema ambiental nos países pobres, pois esse crescimento se dá sob a égide
de uma baixa inserção da população na sociedade de consumo. As economias
desenvolvidas e emergentes tendem a apresentar um menor impacto ambien-
tal decorrente do crescimento populacional, uma vez que a taxa de crescimen-
to populacional apresenta níveis cada vez menores, principalmente porque a
transição demográfica já se completou nesses países.
Nos casos dos países grandes e emergentes, como os países BASIC, o au-
mento da propensão média a consumir, indicado pela inclusão de segmen-
tos sociais cada vez maiores na sociedade de consumo, acaba tendo um
maior impacto potencial ambiental, uma vez que, apesar do crescimento
populacional ser mais baixo e declinante por causa da baixa fecundidade, o
tamanho populacional é muito elevado e interage com a crescente inclusão
da população no consumo.
- 38 -
5. Afluência nos países emergentes e do grupo
BASIC: Dois exemplos da centralidade
do consumo
- 39 -
vários bens e na medida em que esse mercado torna-se atrativo inicia-se o
processo de industrialização por substituição de importações. Essa indus-
trialização apresenta um dinamismo que é limitado e condicionado pela
concentração de renda decorrente do funcionamento do modelo e pela de-
manda. As flutuações das restrições à importação determinam o dinamis-
mo à economia e marcam o aprofundamento do processo de substituição
de importações, sempre com uma demanda limitada ao topo da pirâmide
de renda. Na medida em que a expansão industrial é adequada ao topo da
pirâmide, essa adequação e a estabilidade salarial favorecem o aumento da
distribuição funcional da renda, que acaba favorecendo o crescimento da
demanda das elites por bens de luxo (ver COUTINHO, 1980).
- 40 -
discorda dessa leitura de Wells. Independentemente de quem está certo no
debate, parece inquestionável a ocorrência de certo trickle-down do consumo
de duráveis para os segmentos inferiores, o que seria um indicador claro de
integração valorativa e de emulação no segmento popular da sociedade brasi-
leira. Em outras palavras, os excluídos materialmente não estariam excluídos
culturalmente e ambicionariam o “consumo moderno”. Furtado não parecia
acreditar nesse processo. O chamado “efeito de demonstração” ocorreria entre
a metrópole do centro e a elite da periferia, “a la Veblen”, mas não ocorreria na
pirâmide de renda local entre a elite e os excluídos.
- 41 -
pulista”, baseando-se nos bens não duráveis de consumo. Não se trata mais
de promover uma economia popular com bens simples e não duráveis; o
Plano Cruzado já havia confirmado o que Wells havia captado mais de uma
década antes, qual seja, que os segmentos excluídos (base da pirâmide) ti-
nham suas ambições de consumo bem mapeadas, sendo elas parecidas com
as das classes dominantes. Com a estrutura produtiva integrada, a possibili-
dade do consumo de massa estava dada (CASTRO, 1989)8.
O debate histórico atualizado por Castro não ficou apenas no lado acadêmi-
co, acabou sendo incorporado na política pública, conforme mostra os dois
Planos Plurianuais do Governo Lula (PPA-2003 e PPA-2008). Os objetivos
de redução da desigualdade e exclusão social por intermédio de políticas
públicas, além do desenvolvimento do consumo de massa estão explícitos
no plano. O PPA 2008-2011 começa com o título “Consumo de massa” no
seu primeiro capítulo.
- 42 -
assim como o pacote de políticas sociais, assemelha-se mais ao auge fordista
da chamada “sociedade afluente”, observado nos EUA durante os anos 1950.
A integração da base produtiva da economia brasileira, conforme apontado
por Castro, pode ter favorecido esse processo.
A discussão desse item serve de base para uma espécie de economia política
da relação entre consumo e meio ambiente no contexto brasileiro. O deba-
te histórico e a experiência da primeira década deste século mostram que
o curso da inserção da sociedade brasileira no consumo de massa parece
irreversível. Parece impossível bloquear esse processo em prol de uma sus-
tentabilidade “intergeracional”. Tal bloqueio acarretaria um elevado custo
político.
- 43 -
5.2 - O consumo na base da pirâmide e a nova classe média
Um trabalho fundamental sobre o consumo na base da pirâmide em eco-
nomias emergentes foi formulado por Prahalad e Hart (2002) e Prahalad
(2005). Mais do que um estudo analítico econômico, suas formulações eram
práticas voltadas para estratégias de mercado e marketing das grandes em-
presas internacionais. A base da pirâmide era vista como um público-alvo
para ajuda econômica, mas também como um segmento cheio de oportuni-
dades econômicas. As formulações podem ser lidas como uma tentativa de
desenvolver um capitalismo com inclusão social nas sociedades emergentes,
fato que não vinha ocorrendo até então. Uma das vantagens é a escala desse
mercado, muito grande e, tradicionalmente, um de seus problemas era su-
postamente o custo. Tradicionalmente, uma série de pressupostos sobre esse
mercado dificultava a sua operação, por exemplo, falta de poder de com-
pra do segmento, dificuldade de acesso a esse mercado, ausência de rede
de comunicação no segmento, falta de consciência dos pobres com relação
às marcas e resistência dos pobres à nova tecnologia. Cada um desses pres-
supostos foi criticado, tendo sido demonstrado sua falsidade pelos autores.
- 44 -
segmento não é alienado quanto à existência de marcas, é um segmento
sensível a preços, promoções e conveniência (ponto enfatizado na discussão
brasileira sobre consumo de massa, com Wells, desde os anos 1970). A aber-
tura do segmento da base da pirâmide a novas tecnologias é bem explicada
pela fantástica difusão dos aparelhos de telefones celulares, mostrando que
o pressuposto de que o segmento tinha uma eventual resistência à inovação
não passou de um mito.
PODER DE COMPRA EM DÓLARES POPULAÇÃO EM MILHÕES
> $ 20.000
75-100
Estrato 1
< $1.500
4.000
E
Estrato 4
- 45 -
No modelo tradicional das economias emergentes, mesmo o impacto da
inovação tecnológica e a expansão de mercado ocorriam somente no limite
entre o estrato 1 e o estrato 2, apresentado no Gráfico 6. Já inovações que
visem à base da pirâmide, estrato 4, representam a proposta tida como revo-
lucionária por Prahalad, com base nesse novo modelo de negócios.
A Classe
Os Muito Média
Pobres
O tema da classe média foi tratado globalmente por Kharas (2010), com
foco especial nos casos da China e Índia. Várias dimensões podem ser
consideradas no estudo da classe média. Kharas faz menção a algumas de-
las, mas decide focar no consumo, o que é também o objetivo neste trabalho.
Mesmo focando no consumo, sob o ponto de vista teórico, a discussão pode
- 46 -
ser grande, desde a análise do consumo de bens de status e do hiato de aspi-
rações, causado pela existência de emulação e consumo conspícuo, até visões
teóricas mais otimistas que veem na aspiração de consumo da classe média
algo indutor da melhoria da qualidade dos produtos e a sua diferenciação.
Sob o ponto de vista estratégico global, o autor tenta relacionar a estagnação
da classe média americana com o crescimento das economias asiáticas e o
potencial de crescimento da classe média na China e na Índia. Para focar no
crescimento do mercado, o autor discute alternativas de mensuração da classe
média em termos globais.
Embora a classe média possa ser medida em termos relativos, Kharas (2010)
adota uma mensuração em termos absolutos, ou seja, a classe média global
é aquele segmento de domicílios que possui o gasto diário variando entre
U$ 10 e U$100 dólares americanos por pessoa. Ele mostra que 54% da clas-
se média global localizam-se na América do Norte e na Europa, ao mesmo
tempo em que isto representa 64% do consumo da classe média no globo.
Já a classe média da Ásia representa 28% das pessoas no globo, perfazendo
apenas 23% do total do consumo da classe média.
- 47 -
Kharas e Gertz (2010) comparam a evolução do consumo da classe mé-
dia até 2030. México e Brasil estão presentes em alguns anos, mas o maior
destaque é o crescimento da participação da China, chegando ao topo em
2020, e da Índia chegando ao topo em 2030. Destaca-se o crescimento da
Indonésia nas projeções.
- 48 -
é menor do que 1 nos países de renda per capita baixa, chegando a quase 2
em países com a renda entre U$3.400 e U$10 mil dólares, caindo para 1,5
em países com renda entre U$10 e U$25 mil dólares, chegando a quase 0,8
em países com mais de U$25 mil dólares de renda. O carro é um bem de
luxo (elasticidade acima de 1) em países emergentes de renda intermediária,
sendo um bem de necessidade em países ricos. A baixa elasticidade nos paí-
ses pobres reflete condições de extrema pobreza. Em termos de crescimento
absoluto do número de carros em circulação na segunda metade da década
passada, medida via Índice de Carro, China, Rússia, Indonésia, Brasil, Mé-
xico e Índia são os seis países com maior crescimento.
- 49 -
uma matriz energética com o uso de bicombustíveis ou o investimento em
transportes coletivos pode mitigar esse efeito.
- 50 -
classe média não deve ser o vilão da sustentabilidade de longo prazo. Uma
virtude deste tipo de conclusão, ainda que não represente uma defesa des-
mesurada do consumismo, é advogar uma postura mais realista e menos
moralista com relação aos desejos da sociedade.
- 51 -
Douglas e Isherwood (1979) foram pioneiros no desenvolvimento de for-
mulações a respeito da cultura material e de consumo, propondo que os
indivíduos têm vida social pelo uso das coisas. As posses materiais são car-
regadas de significados e têm uso como comunicadores sociais. Nessa pers-
pectiva, a análise das crenças e valores deve ser feita no contexto concreto da
materialidade dos bens (objetos). Esses bens são fontes de identidade social,
carregadores de influência interpessoal e conferidores de significado social.
As pessoas lutam não só pelo acesso aos bens, mas também pelo controle
dos seus significados. Para os autores, as coisas têm vida social. Os rituais
ajudam a conferir significado às relações sociais, deslocando o caráter dos
bens de profano a sagrado.
9 Uma análise mais completa sobre esta temática foi incluída no produto final, mas excluída deste capítulo
devido ao limite de espaço e a necessidade de uma sequência no capítulo do livro.
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