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História Do Direito - 2º Semestre

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Faculdade de Direito da Universidade do

Porto

História do Direito
Doutor Paulo Adragão e Brígida Malheiro

2º Semestre

2021/2022
7.1.4. Código Visigótico
O Código Visigótico é o resultado de um processo de incremento
legislativo iniciado por Chindasvindo e concluído no tempo do seu filho e
sucessor Recesvindo (649/672).
Promulgado por Recesvindo em 654, depois de ter sido revisto pelo VII
Consílio de Toledo, o Código Visigótico tomou as designações de Lex
Visigothorum Recesvinda, Liber Iudiciorum, Liber Iudicum e Forum
Iudicum.
O Código conheceu três versões:
i. A forma recesvindiana (654), a primeira;
ii. A forma ervigiana (681), uma reforma oficial do rei Ervígio;
iii. A forma vulgata, que constitui um conjunto manuscrito de
diferentes épocas e é o resultado de reformas sucessivas da autoria de
juristas e práticos do direito desconhecidos, que, tomado por base a
forma ervigiana, a transformaram e ampliaram.
Do ponto de vista do conteúdo das suas disposições, o Código Visigótico
resulta do cruzamento dos elementos romano, germânico e canónico. A
maior influência terá sido a romana, segundo Almeida Costa (justifica a
romanização foi implementada no Código de Eurico que se acentua nas
restantes fontes), ou a canónica, segundo Marcello Caetano (perspetiva
do papel dos consílios nestes códigos, influência no estilo de latim utilizado
pela Igreja).
Não obstante as incertezas que dividem a doutrina, parece ser de aceitar
que o Direito Romano que influiu o Código Visigótico foi o romano
vulgar ou ante-justinianeu (anterior ao Corpus Iuris Civilis), já que os
juristas e legisladores visigodos não teriam tido contacto com as fontes
justinianeias.
Sistematicamente organizado em 12 livros (à semelhança do Código de
Justiniano), subdivididos por capítulos, integrados por leis, o Código
Visigótico toma como epígrafes, em três partes, as palavras antiqua e
antiqua emendata. As restantes partes são encabeçadas pelo nome do rei
que estabeleceu ou alterou as respetivas leis. Não é consensual a origem
de todas as leis antiquae ou antiquae emendatae no Código de
Leovigildo, estando aqui em causa, em parte, uma aplicação do método das
sobrevivências.
Segundo Marcello Caetano, o Código Visigótico é um dos mais notáveis
monumentos jurídicos da Idade Média. Vigente desde meados do século
VIII até ao século XIII, no território português, ele é, de longe, a fonte
normativa visigótica com maior longevidade.
7.2. O problema da personalidade ou territorialidade da legislação
visigótica
O princípio da personalidade (nos termos do qual a cada pessoa se
aplica o direito do seu povo, coexistindo, no mesmo território,
ordenamentos jurídicos diversos) contrapõe-se o princípio da
territorialidade (que permite apenas a existência de um único
ordenamento jurídico, aplicável a todos, dentro de um território
delimitado).
Após o Código de Leovigildo (580), não restam grandes dúvidas de que a
legislação visigótica foi de aplicação territorial, até porque este Código
continha já algumas normas territoriais, como, por exemplo, a que
autorizava os casamentos mistos entre Visigodos e Hispano-Romanos.
Mas, qual foi o sistema adotado pelos Visigodos no período até ao Código
de Leovigildo, inclusive?
7.2.1. Tese da personalidade
Até ao século XIX acreditava-se que a legislação visigótica tivesse sido de
aplicação territorial.
Todavia, em 1843, o historiador alemão Eichhorn rompe o pensamento
anterior, defendendo, pela primeira vez, a tese da personalidade. Para
tanto, referiu-se à existência de dois tipos de juízes entre os Visigodos: se
o thiuphadus só julgava causas que dissessem respeito a Visigodos, o
iudex só julgava pleitos relativos a Romanos.
Mais tarde, a ideia precursora de Eichhorn foi desenvolvida e
cientificamente alicerçada por Zeumer, tendo-se enraizado como
orientação clássica, intocada durante mais de trinta anos.
De acordo com esta tese, o Código de Eurico e o Código de Leovigildo
aplicavam-se apenas aos Visigodos, ao contrário do que se sucedia com
o Breviário de Alarico que vigorava somente entre os Romanos. Tendo
aderido à tese da personalidade, o historiador espanhol Ureña aventa que o
Código Revisto de Leovigildo tinha já vigência territorial.
Mas o problema que mais divide os investigadores reside nas questões
mistas, ou seja, aquelas que intervinham Visigodos e Romanos.
Para Dahn, os litigantes tinham a possibilidade de escolher um dos
ordenamentos, o romano ou o visigótico. Contudo, esta tese não vingou
por falta de sustentação, para além de que não resolve as hipóteses em que
não existisse acordo das partes.
Por sua vez, Bethman-Hollweg entendia que prevalecia o fórum rei, pelo
que aplicava a lei do tribunal do lugar da coisa em litígio.
Finalmente, Brunner e Zeummer pugnavam pela supremacia da lei
visigótica, partindo da analogia com o sucedido com a Lex
Burgundionum. Esta lei estipulava que, nas hipóteses de conflitos mistos,
prevalecia a lei burgúndia sobre a lei romana. Contudo, também esta
proposta não convenceu.
Aliás, o fracasso das teses personalistas deve-se essencialmente ao facto
de não conseguirem dar resposta cabal ao problema das questões
mistas.
7.2.2. Tese da territorialidade
A velha doutrina da territorialidade foi revitalizada por García-Gallo, em
1941. Para o historiador espanhol, as leis teodoricianas, as restantes leis
avulsas e as codificações visigóticas forma já de aplicação conjunta (e,
portanto, de aplicação territorial) às populações romana e visigótica. Por
conseguinte, ter-se-ia verificado a seguinte sucessão legislativa: o Código
de Eurico (475) foi substituído pelo Breviário de Alarico (506), que, por
sua vez, foi substituído pelo Código de Leovigildo (580) e este pelo Código
de Recesvindo (654).
Os argumentos aduzidos por García-Gallo são os seguintes:
i. não existe nenhuma fonte normativa ou legal que, de forma direta
ou indireta, suporte o princípio da personalidade;
ii. no Código de Eurico existem quer leis territoriais, quer leis que
revogam preceitos romanos;
iii. o Código de Eurico foi revogado por uma espécie de circular
(Commonitorium) que acompanhou a promulgação do Breviário
de Alarico;
iv. inclusão, no Breviário de Alarico, da Lei de Teudis, a que se
confere carácter territorial.
Contudo, a posição desenvolvida por García-Gallo deu lugar a uma ampla
polémica.
7.2.3. Posição atual do problema
A posição atual do problema veio pela mão de Paulo Merêa, que, propondo
uma solução conciliadora, chama a atenção para a necessidade de
distinguir, por um lado, a territorialidade das codificações e leis avulsas
visigóticas e, por outro, as sucessivas revogações de Códigos e leis, tal
como são apresentadas por García-Gallo.
Apesar de a tese da personalidade se encontrar algo abalada, Paulo Merêa
não acredita que o Código de Eurico tenha sido revogado pelo
Breviário de Alarico e este pelo Código de Leovigildo.
A originalidade da contribuição do historiador português reside em três
conclusões essenciais.
Em primeiro lugar, o Breviário de Alarico é considerado fora da
sequência da legislação visigótica, como uma compilação subsidiária de
Direito Romano, isto é, aplicável na falta de norma disponível; assim, não
revoga o Código de Eurico, nem é revogado pelo Código de Leovigildo.
Em segundo lugar, o Código de Eurico foi uma lei geral, de vigência
continuada, na qual Eurico manifestou a preocupação de assegurar à
população goda uma posição especial dentro do Estado.
Em terceiro lugar, o Breviário de Alarico teve apenas o objetivo de limitar
os iura e leges que podiam invocar-se em juízo, deixando, em princípio,
aos Visigodos o uso do direito gótico.
A esta luz, a sucessão legislativa ter-se-ia desencadeado da seguinte forma:
Código de Eurico (475), Código de Leovigildo 8580) e Código de
Recesvindo (654). Ora, o Código de Recesvindo revogou simultaneamente
o Código de Leovigildo e o Breviário de Alarico (506).
A tese de Paulo Merêa mostrou-se convincente e obteve, inclusive, a
adesão de Álvaro d´Ors, um grande romanista e historiador do direito
espanhol.
A discussão mantém-se em torno das duas teses apresentadas. Contudo, a
doutrina parece cansada do problema: é a falta de fontes documentais
indiscutíveis que prejudica a solução do enigma.
7.3. Direito consuetudinário visigótico
O raciocínio que sustenta a possível subsistência de um direito
consuetudinário visigótico assenta em dois fatores:
 o sistema jurídico peninsular era, apesar de tudo, dotado de uma
relativa uniformidade;
 este sistema jurídico seria significativamente diferente do
postulado no Código Visigótico e bem mais próximo do direito
germânico, sobretudo noruego-islandês.
Destas premissas foram extraídas as seguintes conclusões:
 se, no período da Reconquista, existia uma certa similitude de
instituições, mesmo nas regiões mais isoladas, tal similitude terá a
sua origem no período histórico anterior, ou seja, período
visigótico;
 se essa similitude e persistência de instituições pretéritas não
resultam do direito escrito- Código Visigótico-, resultarão, por
certo, do direito consuetudinário visigótico, o que justifica a
proximidade do direito da Reconquista com o direito noruego-
islandês.
Com efeito, a eventual persistência do direito consuetudinário visigótico
contou com a adesão de Sánchez-Albornoz. Pelo contrário, Paulo Merêa,
Álvaro D´Ors e García-Gallo bateram-se no sentido de refutar as
conclusões supra explanadas.
Não deve ter havido uma discrepância total entre o direito oficial e a
prática jurídica. Todavia, parece ser de aceitar a possível sobrevivência de
alguns costumes do antigo direito germânico, sobretudo, nas regiões
periféricas. Como é natural, aliás, o direito consuetudinário nunca se
desvanece completamente.
De qualquer das formas, no Estado Visigótico sempre terá prevalecido
tendencialmente o direto escrito, graças à conhecida atividade legislativa
que o marcou.
7.4. Direito Canónico. Os concílios de Toledo.
No Reino Visigótico, é inegável a importância do Direito Canónico
(conjunto de normas jurídicas próprias da Igreja Católica, numa
noção preliminar).
O seu âmbito compreendia:
i. a estrutura da Igreja Católica;
ii. os assuntos espirituais;
iii. certos aspetos da vida secular dos fiéis, como, por exemplo, o
regime dos bens das instituições religiosos e os atos temporais com
elas relacionados (doações, testamentos, contratos agrários), as
sanções canónicas e o direito processual aplicado nos tribunais
eclesiásticos.
Ora, a conversão ao Catolicismo da generalidade da população hispânica,
com Recardo, alargou substancialmente o âmbito de aplicação do Direito
Canónico.
No Reino Visigótico, eram aplicáveis não só as normas jurídico-
canónicas comuns, mas também o direito canónico particular, isto é, de
origem peninsular. Á época, este último desempenhava um papel muito
importante, atendendo às maiores dificuldades de comunicação e à
menor centralização da Igreja Católica (refira-se, a título de exemplo, a
Collectio Hispana (século VII), erradamente atribuída a Santo Isidoro de
Sevilha).
Neste contexto, destacam-se os concílios nacionais que, na Monarquia
Visigótica, eram os Concílios de Toledo. A importância destes concílios
cifra-se na criação de preceitos jurídico-canónicos e, mais tarde, na
elevação a instituição auxiliar da realeza, para assuntos políticos e
legislativos.
Á época, os princípios canónicos em muito influenciavam os institutos
jurídicos seculares, quer de direito público, quer de direito privado.
Registava-se também uma receção recíproca entre a legislação civil e os
cânones conciliares.
Especialmente valiosa, neste contexto, foi a legislação secular emanada
dos Concílios: normas relativas à eleição e proteção do monarca, à
condição dos juízes e aos direitos das pessoas em face do rei. Registe-se,
aliás, a colaboração dos Concílios na elaboração e revisão do Código
Visigótico.
Quanto às questões de Direito Constitucional da comunidade política de
então, a importância do Direito Canónico explica-se pelo ambiente geral
de promiscuidade e confusão entre o poder religioso e o poder político,
próprio da Alta Idade Média. Confusão essa compatível com a não
identificação fundamental política-religião.
8. Ciência do direito e prática jurídica na época visigótica
8.1. Ciência do direito. A personalidade e a obra de Santo Isidoro,
bispo de Sevilha
Depois das invasões bárbaras, as escolas de Direito Romano da época pós-
clássica encontravam-se em franca decadência. Contudo, o período
visigótico conhece eminentes juristas como Santo Isidoro.
Bispo de Sevilha, presidiu ao Concílio de Sevilha e ao IV Concílio de
Toledo. Escreveu as Etimologias – primeira enciclopédia cristã. O seu
contributo essencial deve-se às suas qualidades de jurista e de
conhecimento e domínio expressivo do Direito Romano. Foi também autor
dos Libri Sententiarum, onde se alarga em reflexões acerca de
problemas políticos. Sustentava que a organização política se integrava na
ordem divina da criação, isto é, os reis existiam a bem da Igreja, já que esta
carecia de força temporal para impor a fé cristã. O príncipe não
representava senão uma dádiva divina, era de Deus que os povos recebiam
os bons reis.
8.2. Prática jurídica
8.2.1. Falta de documentos desta época. Os formulários.
Os formulários são coletâneas de minutas que os notários utilizavam para
redigir os vários atos jurídicos, são de destacar as Fórmulas Visigóticas e as
Fórmulas de Holkham. Estas últimas são compostas por duas:
 juramento das testemunhas com vista a provar a inocência do réu
 prova caldária, juízo de Deus ou ordálio, o acusado era considerado
inocente ou culpado consoante a sua mão, mergulhada em água a
ferver, apresentasse ou não visíveis melhoras, no final de alguns dias
8.2.2. Fórmulas visigóticas
Conjunto de fórmulas relativas, na sua maioria, a atos privados
(manumissões, vendas, doações, testamentos, permutas). Baseiam-se no
sistema documental romano e reflete um ambiente romano e cristão.
Capítulo 4
Período do Domínio Muçulmano e da
Reconquista Cristã
1. A invasão muçulmana e o seu significado
O surgimento do Islão dá-se no século VII, na Arábia, com
Maomé (570-632). Sucede-se a conversão dos Árabes ao
islamismo e uma guerra de expansão que os levou a conquistar o
extremo ocidental do Norte de África, a sul da Península Ibérica,
e a converterem os Berberes, seus habitantes.
A chegada dos invasores muçulmanos à Península, que se sucedeu,
quebrou a unidade estadual até aí conseguida, a pulso, pelos
Visigodos. Nos próximos séculos, cristãos e islâmicos coexistiram,
no território peninsular, assumindo-se como dois blocos
diferenciados, separados por voláteis fronteiras.
A dualidade política foi acompanhada de uma dualidade jurídica. Por
um lado, os invasores trazem consigo o direito muçulmano, pelo
qual se continuam a reger; por outro, o caos trazido pelas invasões,
implicou, para o universo cristão da Península, que o
ordenamento jurídico tradicional, baseado no Liber Iudiciorum,
ficasse agora entregue a si próprio; dá-se assim a quebra do
elemento romanístico comum, existente até então.
Aquando da Reconquista Cristã da Península, esta dividir-se-á em
vários Estados aos quais passou a corresponder o respetivo
sistema jurídico, mais ou menos individualizado.
1.1. Nota sobre a história política dos muçulmanos na Península
Os Árabes e os Berberes muçulmanos assomaram à Península Ibérica na
qualidade de aliados do partido rebelde dos filos de Vitiza contra o Rei
Rodrigo, que virá a ser derrotado e assassinado, na batalha de
Guadalete, em 711. No entanto, deram início a uma campanha de
conquista, servindo-se da decadência da monarquia visigótica.
Apenas alguns pequenos núcleos (inacessíveis) dos Pirenéus e da
Cordilheira Cantábrica sobreviveram ao derrube do Estado
Visigótico. São, ainda, de destacar os pactos ou tratados de
reconhecimento da soberania muçulmana, que permitiram a que
determinados territórios ou condados conservassem a sua organização.
Constituiu-se, assim, o país de al-Andalus que é, agora, uma província
muçulmana. O governador da Península Ibérica era um emir
subordinado ao emir do Norte de África que, por sua vez, era
subordinado ao califa de Damasco. Esta situação permanece até
meados do século VIII (713/755)

Entretanto, Abderramão I, um principe omíada, foge para a


Península, desencadeando e vencendo uma guerra contra o emir
atual. Autoproclama-se emir e declara a autonomia dos domínios
muçulmanos peninsulares, criando o Emirado independente da
Espanha (ou Emirado de Córdova), cidade sua capital (756/912).
Em 912, Abderramão III impõe uma política centralizadora para
fazer face à grave crise atravessada pelo Emirado. Em 929, este assume
a categoria de Califado. Assim, o Califado de Córdova representa o
apogeu da presença muçulmana na Península. Todavia, a mesma
entra, em 1031, em fase de decadência, com o fracionamento do
Califado de Córdova nos Reinos de Taifas, numerosos pequenos
Estados discordantes. Em 1090, a Península é invadida pelos
Almorávidas, que reunificam os domínios muçulmanos e constituem
o Império Almorávida. Mas também este falha em conseguir uma
unidade e a Península é, de novo, invadida, desta vez pelos Almóadas.
Estes conseguem uma efémera reunificação do mundo islâmico
peninsular.
A partir daí a história peninsular é comandada pela Reconquista Cristã.
Em suma, podemos distinguir nove momentos:
1) invasão pelos Árabes e Berberes
2) nascimento do país al-Andaluz
3) formação do Emirado independente da Espanha
4) política centralizadora de Abderramão III
5) elevação a Califado de Córdova
6) decadência do Califado de Córdova
7) invasão dos Almorávidas
8) invasão dos Almóadas
9) progressiva consolidação da Reconquista Cristã
1.2. Os invasores e o seu direito. As fontes de direito muçulmano.
O direito dos invasores tem como maior expressão o seu carácter
confessional, no sentido de que se verifica uma identificação ou não
distinção entre a religião e o direito (ao contrário do que acontecia com o
direito visigótico em que, não obstante a união dos elementos religioso e
jurídico, os mesmos eram distintos). Por conseguinte, o direito ia buscar à
religião os seus critérios normativos.
Caracteriza-se, de igual modo, como um sistema jurídico personalista,
cujo âmbito de aplicação não era definido pela raça, mas pelo credo
religioso, abrangendo, assim, toda a comunidade de crentes do mundo
islâmico peninsular.
É necessário fazer duas advertências aquando se fala (antes) das fontes do
direito muçulmano: em primeiro lugar, à data de chegada dos Árabes à
Península Ibérica, o seu direito encontrava-se em fase de formação; em
segundo lugar, não é demais acentuar, a confessionalidade do seu direito
não permitia distinguir, com clareza, a revelação divina da criação do
Direito.
As fontes básicas do Direito Muçulmano são o Alcorão e a Sunna.
Alcorão: conjunto de revelações feitas de Alá, declamadas pelos fiéis, não
é apenas um livro religioso, mas também um código político, moral e
jurídico. Constam nele variadíssimas normas da vida individual e social dos
fiéis, como expressão da vontade de Deus. A comunidade dos crentes é
uma sociedade teocrática: o califa é o representante de Alá na terra; a
autoridade política decorre diretamente do poder religioso.
Sunna: compreende a conduta pessoal de Maomé, explanada em atos,
palavras e silêncios positivos. Por conseguinte, são ensinamentos revelados
de forma implícita. Inicialmente, conhecidos pela tradição oral (hadith),
tais ensinamentos eram compilados, a partir do século VIII.
Fontes complementares:
Ijma ou consenso unânime da comunidade: manifestação indireta e
difusa da vontade de Deus. O consenso era conseguido pela opinião
comum dos teólogos e juristas da mesma época, e não de todo o povo
islâmico.
Fiqh ou ciência do direito: modo decisivo de evolução do direito
muçulmano, sem prejuízo do nexo religioso. A ciência do direito
desenvolvia-se a partir da analogia (qiyas) e do raciocínio lógico (ra´y),
realizados pelos jurisconsultos- os alfaquis (fuqaha)-, com base nas fontes
básicas. Os pareceres (fatwas) destes juristas são equivalentes ao iura dos
romanos.
Escolas de interpretação jurídica: Hanifita, a Maliquita a Chafeíta e a
Hanbalita, na Península Ibérica prevaleceu a Maliquita.
Costume e os precedentes judiciais (amal): forma retirados, pelo Ijma, da
categoria de fonte oficial, embora ambos tenham concorrido para a
formação do Direito Muçulmano. O costume, como já se sabe, nunca
desaparece numa sociedade.
Qanum: normas jurídicas emanadas da autoridade soberana, cuja
pertinência sempre foi ofuscada pelos preceitos sagrados fundamentais.
1.3. O Islão e os cristãos
A doutrina islâmica distinguia:
 Por um lado, os idólatras ou pagãos (kafir) estavam obrigados a
converter-se ao Islamismo. Caso contrário, seriam executados;
 Por outro lado, as gentes do livro (ahl al-kitab) eram aqueles que
possuíam livros sagrados, como os Cristãos e os Judeus. Estes
podam conservar o seu credo religioso a troco do pagamento de um
imposto de capitação (jizya). De qualquer das formas, eram
reduzidos à condição de protegidos do Islão (ahl al-dhimma).
A maioria dos hispano-godos assumiu o estatuto de protegidos do Islão,
mantendo a fé-cristã, passando a denominar-se de moçárabes. Uma minoria
converteu-se ao islamismo, sobretudo, as pessoas da classe servil que,
dessa forma, alcançavam a liberdade.
No que toca à tolerância entre cristãos e muçulmanos podemos afirmar que
se verificava uma coexistência pragmática, já que à época, o conceito de
tolerância parecia não existir. Por sua vez, esta coexistência alternava-se
com perseguições e episódios de intolerância provenientes de ambas as
partes. A situação é condicionada pela fragilidade do poder islâmico da
Península, dependendo das divisões internas, nomeadamente entre Árabes e
Berberes.
Com esta coexistência, à luz do Alcorão, os muçulmanos arrecadavam
avultadas receitas fiscais. Mas a situação dos moçárabes era distinta em
função dos:
 acordos de capitulação (sulh), que impunham uma dependência
absoluta;
 tratados de paz (ahd), que permitiam já uma certa autonomia
político-administrativa.
Quanto à aplicação do Direito:
 o Direito islâmico aplicava-se às relações mistas, isto é, entre
moçárabes e muçulmanos, e na esfera penal
 os moçárabes continuavam a obedecer ao seu Direito próprio em
todas as relações jurídico-privadas, assente no Código Visigótico, e
relacionadas com a moral e a religião.
Com efeito, só se ingressava na sociedade islâmica através da conversão ao
islamismo.
No decurso das suas expedições militares, os muçulmanos capturaram e
escravizaram mulheres cristãs, oriundas dos povos derrotados. A condição
destas mulheres cristãs era bastante diferente: era-lhes aplicável a lei do
invasor.
A sociedade muçulmana reduzia o papel da mulher a uma condição de
grande inferioridade. Enclausuradas em haréns e proibidas de exibir o rosto
e de contactar com homens, se provenientes de classes pobres, as mulheres
eram excluídas, por completo, da vida social. Pelo contrário, às mulheres
era confiado um lugar de relevo na sociedade, nos territórios
reconquistados pelos cristãos, na qual assumiam as vestes de rainhas
reinantes, condessas, castelãs, guerreiras, fundadoras de mosteiros, musas
inspiradoras da arte e da ação.
Em virtude do contacto permanente com os muçulmanos, os moçárabes
foram-se, paulatinamente, moldando aos usos e costumes daqueles.
Por outro lado, os judeus possuíam idêntica autonomia jurídica, dado que
as comunidades hebraicas, radicadas na Península, permaneceram adstritas
ao seu direito, de carácter confessional e personalista.
A presença muçulmana na Europa, mais propriamente os seus contributos,
traduz-se, maioritariamente nos conhecimentos técnicos e científicos
implementados, em alguma influência cultural e no evitar da crise
económica, então experimentada pela Europa.
De todo o modo, a influência muçulmana revela-se sempre limitada, dora
do extenso âmbito em que a vida social e o direito era condicionados pela
religião dos dois grupos em presença. Estas marcas culturais, ao contrário
do centro da Península Ibérica e da Andaluzia, foram muito mais limitadas
no extremo ocidente peninsular.
2. A reconquista. Formação dos Estados cristãos.
Com a chegada dos Árabes à Península em 711, todo o território foi
dominado à exceção das regiões pirenaicas e cantábricas, a partir das quais
se despoletou o movimento da Reconquista.
Noutras zonas, os cristãos conseguiram manter uma certa autonomia (ex.:
Coimbra), por força de pactos firmados com os Muçulmanos. Contudo, só
a monarquia asturiense, com capital em Oviedo, conseguiu alcançar uma
independência absoluta e plena.
Portanto, foi a partir do Noroeste e do Nordeste peninsulares que os
monarcas cristãos concretizaram a sua aspiração de recuperar território aos
Árabes, tarefa dificultada pela resistência muçulmana e pelas próprias
divisões e rivalidades no seio dos cristãos.
Paulatinamente, formaram-se e desenvolveram-se os Estados Cristãos da
Reconquista, isto é, os Reinos das Astúrias, Leão, de Navarra, de Castela,
de Aragão e de Portugal.
A união entre Castela e Aragão dá-se por casamento, em 1479, entre
Fernando de Aragão e Isabel de Castela, os “Reis Católicos”, conseguindo
assim a unificação da atual Espanha. Pouco tempo depois, em 1492, dá-se
por terminada a reconquista com a incorporação do último reduto islâmico-
o Reino de Granada- em Espanha.
Ao longo dos oito séculos da Reconquista, ocorreu, nos Estados cristãos,
um fenómeno paralelo ao dos moçárabes que, desta feita, tomaram o nome
de mudéjares. Os mudéjares eram a comunidade de muçulmanos que
permaneceu na Península e que manteve a sua religião, o seu direito e os
seus costumes, em ambiente cristão.
3. A independência de Portugal. O problema jurídico da concessão da
terra portucalense a D. Henrique
Por desmembramento do Reino de Leão, deu-se a independência do então
Condado Portucalense, no tempo do rei Afonso VII (1105-1157).
Em finais do século XI, D. Raimundo e D. Henrique, nobres borgonheses,
vindo à Península Ibérica para participar a sua reconquista, deposaram,
respetivamente, D. Urraca e D. Teresa, filhas de Afonso VI de Leão (1047-
1109), esta última fora do casamento.
Após o casamento de D. Henrique com D. Teresa, Afonso VI outorga-lhes
a terra portucalense. Porém, discute-se a que título, questão sobre a qual
surgem as seguintes (já que se desconhece o documento que formalizou a
concessão) teses, que se apoiam em referências acidentais presentes
noutros diplomas e documentos particulares.
São as seguintes teses:
i. Tese segundo a qual a outorga do condado portucalense
constituiu o dote de D. Teresa e, por conseguinte, assumiu
natureza de senhorio hereditário. Assim sendo, reconhece-se a
existência de um título jurídico que esteve na génese da fundação
de Portugal.
ii. O governo do Condado Portucalense fora confiado a D. Henrique
com carácter temporário e livremente revogável por Afonso VI
(Alexandre Herculano). Tratava-se, no fundo, de uma simples
tenência amovível, semelhante às dos distritos encabeçados por
ricos-homens de confiança dos reis leoneses.
iii. Presença de uma doação de senhorio hereditário, com vínculo de
vassalagem (defendida por Paulo Merêa), com dependência
pessoal, subjetiva. Desta forma, D. Teresa seria compensada face
à sucessão ao trono da sua irmã, D. Urraca.
iv. Existência de uma concessão hereditária de tipo feudal.
Consequentemente, não se vislumbra aqui a transferência do
domínio pleno sobre o Condado. Isto, no plano objetivo dos
poderes sobre o Condado. Isto, no plano objetivo dos poderes
sobre o território.
v. Persistência de uma tenência hereditária, instituição de origem
extra-peninsular.
Para as teses i., iii., e iv., há um título jurídico, isto é, um documento, como
já se referiu; para as teses ii, e v., esse título não existe.
Entretanto, o enigma persiste: na verdade, só o conhecimento do ato será
formalizado a concessão do Condado Portucalense poderia dissipar as
incertezas que dividem a doutrina.
Contudo, é indiscutível que D. Teresa e D. Henrique exerceram, desde
cedo, amplos poderes de soberania, no território portucalense, de que são
exemplos a outorga de forais, cartas de couto, doações e préstamos, o
proferimento de sentenças, a cobrança de tributos e a convocação dos
senhores para o serviço militar e para a participação na Cúria.
A rapidez dos acontecimentos solidifica a hereditariedade da concessão e
deixa cair os vínculos de vassalagem. Em 1140, D. Afonso Henriques
começa a usar o título de rex, reconhecido, em 1143, por Afonso VII, rei de
Leão, na Conferência de Zamora. Em 1179, o Papa II aceita D. Afonso
Henriques como seu vassalo direto através da Bula Manifestis Probatum
est. Assim surgiu um país chamado Portugal, o primeiro estado europeu,
atualmente existente, com fronteiras historicamente definidas.
4. Características e elementos constitutivos do Direito da Reconquista
Não se pode falar de uma unidade jurídica do Direito da Reconquista.
Contudo, é possível reconhecer um lastro comum a partir do qual se
individualizaram os diferentes sistemas jurídicos das regiões e Estados
Peninsulares.
A característica essencial deste direito é a sua origem consuetudinária, sem
prejuízo da importância assumida pelas decisões judiciais (à semelhança do
que acontece nos atuais sistemas de Common Law).
A partir do século XI, assinala-se a presença das normas gerias emanadas
pelos soberanos, porém, de menor relevância.
O conhecimento do Direito da Reconquista chegou aos dias de hoje através
de amplas compilações de direito local chamadas foros ou costumes e
também através das cartas de foral. Como elementos constitutivos deste
direito consuetudinário e foraleiro apresentam-se os seguintes:
i. Elemento primitivo- reminiscências das
instituições pré-romanas, sem prejuízo das
considerações tecidas supra;
ii. Elemento romano- influencia do Direito Romano
vulgar, sobretudo presente na legislação
visigótica;
iii. Elemento germânico- divide germanistas e
romanistas quanto à relevância a conceder à
experiência jurídico suevo-gótica. Contudo, não
devem ser extremadas posições, pelo que o
elemento germânico não pode ser desvalorizado
em relação ao elemento romano;
iv. Elemento cristão e canónico- revelou a sua
influência indireta através da legislação romana
posterior a Constantino. Sendo o Direito
Canónico, ao contrário do Direito Romano, o
Direito de uma comunidade viva compreende-se
também a sua importância direta no combate aos
barbarismos da época. Neste contexto, o Direito
Canónico absorveu certas instituições jurídicas
com significado religioso, como o matrimónio;
v. Elemento muçulmano- apresenta um reduzido
significado;
vi. Elemento hebraico- apresenta um plano
secundário, graças à natureza confessional e
aplicação pessoal do direito hebraico;
vii. Elemento franco- manifestou-se em
circunstâncias especiais como, por exemplo, a
proveniência borgonhesa de D. Raimundo e D.
Henrique ou a existência de colónias de francos
em algumas localidades da Península Ibérica.
Não se pode esquecer a originalidade do Direito da Reconquista, fruto das
concretas condições sociais, políticas e económicas da época.
A conjuntura geral da época cinge-se a guerras constantes, potenciadas pela
inexistência de um poder central forte e por uma economia agrícola e
familiar. Neste contexto, as normas jurídicas de então assumiam um
carácter rudimentar e primitivo: em tempo de guerra, o direito sempre
regride, porque à força da razão jurídica sobrepõe-se a razão da força e da
violência.

Parte III
Elementos de História do Direito Português
Capítulo 1
Considerações introdutórias à História do Direito Português
1. A ciência de comparação de direitos- o sistema romano-
germânico
A disciplina jurídica comummente apelidada de Direito de Comparação
não constitui um ramo do direito, ao contrário do que acontece com o
Direito Civil que, por sua vez, se desdobra em vários ramos como o Direito
das Obrigações e os Direitos Reais. Assim sendo, acompanhamos Mário
Júlio de Almeida Costa que prefere a designação de ciência de comparação
de direitos.
A ciência da comparação de Direitos consiste no estudo comparístico das
várias ordens jurídicas existentes, procurando agrupá-las em famílias ou
sistemas. É, assim, um método de estudo jurídico de confronto das várias
ordens jurídicas positivas. Esta ciência conclui pela existência de um
conjunto de elementos estruturais comuns a diferentes ordens jurídicas, que
tipificam a família ou sistema de Direitos e permitem distingui-la das
demais. São quatro os grandes sistemas de Direitos:
 Família romano-germânica;
 Família do direito comum;
 Família dos direitos socialistas;
 Família dos direitos religiosos e tradicionais.
O Direito português integra-se na família romano-germânica que partilha
os elementos romano, cristão e germânico. O Direito romano ocupa o lugar
de elemento central e o elemento cristão proveu a ciência jurídica europeia
de importantes valores fundamentais. O contributo do elemento germânico
reside na fusão das conceções e instituições romanas com o Direito popular
germânico representa “o tronco vital bravio em que se enxertaram os
germes do pensamento jurídico antigo e cristão primitivo”, que
proporcionou o “encontro de vida jovem com espiritualidade
amadurecida”.
Deve acrescentar-se, mais amplamente, que o único dos três elementos que
define os limites geográficos da civilização europeia é o cristianismo: com
efeito, nem o elemento romano nem o elemento germânico chegaram a
toda a Europa.
2. Plano de exposição
É importante perceber qual a génese da ciência da história do direito
português, bem como a sua evolução e desenvolvimentos
posteriores.
3. Formação e evolução da ciência da História do Direito Português
A ciência da história do direito português é mais facilmente
compreendida se estudada à luz de quatro ciclos básicos aos quais
são associados quatro grandes nomes da historiografia jurídica
nacional.
Este quadro-síntese elenca as diferentes fases históricas da evolução
da ciência da história do direito português, bem como indica o
período temporal a que cada uma se refere e o historiador que a
protagonizou, fundamentalmente.
Mello Freire é quem publica o primeiro manual de direito português
(1788).
3.1. Os estudos histórico-jurídicos anteriores à segunda metade
do século XVIII
A segunda metade do século XVIII constitui o marco histórico
do surgimento da ciência da história do direito português. O
arranque tardio de tão importante disciplina deve-se a um
conjunto de fatores que justificam a falta de interesse pelo
legado jurídico anterior.
Por um lado, o ensino universitário e a literatura jurídica
foram, durante muito tempo, absorvidos pelo Direito Romano
e pelo Direito Canónico, o que, simplesmente, tem a ver com
as características do sistema jurídico português até ao século
XVIII. A isto somam-se as carências da historiografia em
geral ao nível da metodologia, do modo de trabalhar.
No entanto, arranque tardio não significa total inexistência:
deve evitar-se a tendência, comum nas ciências jurídico-
políticas, para ignorar tudo o que é anterior aos movimentos de
ideias que determinaram a Revolução Francesa, o que, não
raras vezes, está na base de análises económicas míopes.
Assim, registam-se manifestações, mais ou menos pontuais, da
historiografia nacional antes da segunda metade do século
XVIII. No século XVI, André de Resende escreveu sobre a
organização da Hispânia nas suas obras intituladas História da
Antiguidade da Cidade de Évora (1576) e De antiquitatibus
Lusitanae (1593). Nos séculos XVI e XVII, João Pinto Ribeiro
dedicou-se ao estudo da crise dinástica e da perda da
independência (1580), com destaque para as regras de
sucessão da Coroa e o papel das Cortes. Já no início do século
XVIII e no âmbito da Academia Real da História, entretanto
fundada, António Caetano de Sousa procedeu à recolha de
inúmeras fontes de interesse histórico jurídico que nos
chegaram através das suas Provas de História Genealógica da
Casa REAL Português (1735). Também no mesmo período,
Diogo Barbosa Machado publica Biblioteca Lusitana (1741),
um interessantíssimo trabalho bibliográfico de grande relevo,
isto é, uma história da vida dos antigos jurisconsultos.
3.2. Criação da ciência da História do Direito Português
Podemos afirmar que a ciência da história do direito português
surge num contexto/altura em que se assistiu:
 à concretização de um conceito filosófico da história;
 à assunção de preocupações metodológicas;
 à superação de simples crónicas de factos e das
biografias;
 e ao crescente interesse pela evolução da cultura e das
instituições dos povos.
Estes fatores são acompanhados, no âmbito do direito, por duas tendências
ideológicas que marcaram o período em análise: o racionalismo e o
iluminismo. Ambas postulam a rejeição dos conhecimentos não julgados
criticamente pelo sujeito, assentando, assim, no princípio da razão
independente como única fonte de conhecimento, com exclusão de todas as
outras. Daí a importância dada aos aspetos metodológicos ou formais e o
realce da adaptação do Direito às circunstâncias históricas da época.
ILUMINISMO
O iluminismo português, à semelhança do espanhol, conheceu grande
influência italiana, tendo penetrado em território português através dos
estrangeiros, entre os quais se conta Luís António Verney, autor do
Verdadeiro Método de Estudar (1746, esta obra é um autêntico manifesto
da ideologia iluminista através do qual Verney preconiza a urgência da
reforma do ensino jurídico em Portugal e denuncia o desprezo pelos
estudos históricos na Universidade; censura as orientações das Faculdades
de Leis e de Cânones que adotavam o método dialético de exposição,
aconselhando, em que sua substituição, o método demonstrativo-sintético-
compendiário; e propõe o estudo do direito nacional e da sua história, bem
como do direito comparado, da economia e da ciência política, por serem
as disciplinas mais próximas da realidade social).
Inspirada nas considerações de Verney, a reforma pombalina da
universidade me muito contribui para a alteração de paradigmas ao nível da
legislação, da prática jurídico-científica e do ensino do Direito.
Em 1770, o Marquês de Pombal nomeia uma Junta de Providencia Literária
à qual confiou a missão de analisar os fatores responsáveis pela decadência
e ruína da Universidade, que se pressupunham à partida, e,
consequentemente elencar quais as melhores soluções para obviar àquela
situação.
Tal missão deu origem ao Compêndio Histórico do Estado da Universidade
de Coimbra (1771), a que se seguira, no ano seguinte (1772), os Estatutos
Novos da Universidade.
Os Estatutos Novos procederam a uma reforma estrutural do ensino
universitário em Portugal, sobretudo no que tange ao ensino do Direito.
Nesse sentido:
 foi criada uma cadeira de “Direito Natural e das Gentes” de cunho
racionalista;
 foi introduzido, pela primeira vez, o ensino do Direito pátrio e da sua
história;
 o Direito Romano passou a ser lecionando segundo o “uso
moderno”, nova doutrina jurídica;
 foi substituído o método analítico pelo já citado método
demonstrativo-sintético-compendiário, salvo em duas disciplinas do
fim do curso, de índole prática.
Mas os Estatutos Novos foram mais longe, fixando, inclusive, o programa
da disciplina de História do Direito Pátrio que deveria ser lecionado pela
seguinte ordem: 1. História das Leis, Usos e Costumes legítimos da Nação
Portuguesa; 2. História da Jurisprudência Theoretica; 3. História da
Jurisprudência Prática.
Por outro lado, foi imposto ao professor da disciplina que elaborasse um
compêndio elementar. Tal imposição foi seguida por Mello Freire que, em
1778, publica Historiae Iuris Civilis Lusitani Liber Singularis, por
iniciativa da Academia Real das Ciências. Mais tarde oficialmente
aprovada para o ensino (1805), a edição daquele compêndio gerou uma
séria polémica intelectual com António Pereira de Figueiredo. Não se trata
aliás, em bom rigor, da primeira obra da história do direito português: De
Lusitanorum Legibus (1703), da autoria de Gerardo Ernesto de
Frankenau, embora sucinta e sem rigor científico, é anterior à de Mello
Freire.
De todo o modo, Mello Freire é reconhecido como “fundador da história do
direito português”.
Segue-se um período muito fértil para a história do direito português que
passa a desenvolver-se em torno da atividade científica dimanada da
Academia Real das Ciências (fundada em 1779) e da Universidade de
Coimbra.
No âmbito da Academia Real das Ciências, foram publicadas inúmeras
obras de interesse pelos seus colaboradores diretos:
i. Memórias para a História da Legislação, e Costumes de
Portugal, da autoria de António Caetano do Amaral, constitui a
primeira tentativa de estudo sistemático das instituições, segundo
métodos científicos;
ii. Elucidário das Palavras, Termos e Frases, etc., da autoria de
Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, uma espécie de
dicionário geral, é um bom auxiliar para o estudo das
antiguidades do Direito Português;
iii. Synopsis Chronologica, da autoria de José Anastásio de
Figueiredo, contém uma lista de leis portuguesas anteriores às
Ordenações Filipinas (1603) e trata de problemas como a origem
dos juízes de fora, o verdadeiro sentido da palavra “façanhas” e
qual a época de introdução do Direito Justinianeu em Portugal;
iv. Memorias sobre as Fontes do Codigo Philippino e Qual seja a
Epoca da introdução do Direito das Decretaes em Portugal, e o
influxo que o mesmo teve na Legislação Portuguesa da autoria
de João Pedro Ribeiro, são duas monografias que tratam,
respetivamente, das fontes do Código Filipino e da época da
introdução das Decretais em Portugal.
v. Memórias para a História e Teoria das Cortes Gerais que em
Portugal se celebrarão pelos Três Estados do Reino, da autoria
do Segundo Visconde de Santarém, é uma obra dedicada ao
estudo das Cortes.
Por sua vez, a Universidade de Coimbra também desempenhou um papel
assinalável, nomeadamente, através da publicação de uma compilação de
fontes jurídicas, a Collecção da Legislação Antiga e Moderna do Reino de
Portugal que reúne uma edição inédita das Ordenações Afonsinas, as
Ordenações Manuelinas, as Ordenações Filipinas, a Coleção das Leis
Extravagantes de Duarte Nunes do Lião e uma compilação cronológica de
assentos de tribunais superiores 8Casa da Suplicação e Casa do Cível).
À referida obra acresce o esforço de diferentes mestres universitários da
época por favorecerem os estudos histórico-jurídicos: é o caso de Luís
Joaquim Correia da Silva, Ricardo Raimundo Nogueira, António Ribeiro
dos Santos e Coelho da Rocha.
3.3. Consolidação da História do Direito Português como
disciplina científica
Alexandre Herculano (1810-1877) é a personalidade que
marca a fase da consolidação da história do direito português
como disciplina científica, não só através da sua obra, mas
sobretudo pela disseminação do seu pensamento inovador.
Historiador, político e romancista, o polifacético Alexandre
Herculano não foi um hisotiaodr do direito propriamente dito,
mas a ele se devem importantes progressos introduzidos na
ciência geral da história, a par do estudo de temas histórico-
jurídicos de grande pertinência.
Na primeira metade do século XIX, a historiografia conheceu
a transição dos cânones do romantismo para os do
positivismo.
Por um lado, a historiografia romântica assentava na história
narrativa e privilegiava o vínculo ao presente e à literatura.
Por sua vez, a historiografia positivista correspondia a uma
visão mais genética da história, limitando a realidade ao
empiricamente verificável, o que se concretizava na
elaboração de leis gerais a partir da auscultação das fontes.
Neste contexto, Alexandre Herculano “foi simultaneamente,
ainda um ponto de chegada e já um ponto de partida dos novos
rumos”. Enquanto novelista, na reconstituição do passado,
Herculano nega o anacronismo e, enquanto historiador,
combina elementos românticos e positivistas.
Perspetiva a História por épocas histórico-culturais, através da
imposição do seu espírito científico, realçando os factos
significativos da Nação, ao invés do anterior paradigma que
encarava a história a partir dos reinados. Por conseguinte,
surge, em substituição da “crónica dos reis”, a “história da
Nação”. Acresce que Herculano procurava apoiar-se em fontes
documentadas para sustentar as suas construções.
Presidiu e chefiou a comissão da Academia Real das Ciências,
onde explorou grande parte dos arquivos nacionais, públicos,
eclesiásticos e particulares.
Na tarefa hercúlea a que se propôs, Herculano ultrapassou os
obstáculos colocados pela dispersão de fontes e a má
conservação de muitos documentos, votados ao esquecimento
em arquivos espalhados por todo o país. Não obstante tais
dificuldades, foi levada à estampa Portugaliae Monumenta
Historica (1856), uma edição crítica de fontes- ou seja, uma
edição de fontes confrontadas com os respetivos originais- que
anda ficou a dever-se às coletâneas estrangeiras da época
como os Monumenta Germaniae Historica e os Documents
Inédits concernant l´Histoire de France.
Dedicou-se ao estudo de matérias estritamente jurídicas, tanto
Direito Público (Direito Político e Administrativo, Fiscal e
Financeiro, Penal e Processual) como Direito Privado (Direito
Matrimonial).
A esta luz, a sua obra assinala a emancipação da História
enquanto disciplina científica com métodos e conceções
próprias, deixando para trás a conceção da história ao serviço
da literatura.
3.4. Individualização da Historiografia Jurídica Portuguesa
Sem desprimor para o impulso dado por Alexandre Herculano,
a ciência da história do direito era ainda parca em conceitos
próprios, esquemas, formas mentais, métodos de investigação
suscetíveis de dar forma a uma verdadeira teoria da
historiografia específica do direito.
Com efeito, até aos finais do século XIX, nem sempre os
estudiosos da história do direito possuíam formação jurídica e
daí que os temas predominantes fossem a história das fontes e
a bibliografia de antigos jurisconsultos. Deste modo, a história
das instituições e do pensamento eram temas muito raramente
abordados.
É neste contexto que Gama Barros (1833-1925) revoluciona
com a publicação da sua História da Administração Pública
em Portugal nos Séculos XII a XV, na qual o autor provede ao
estudo cuidado de múltiplas instituições públicas e privadas,
desde o período visigótico, documentando abundantemente as
suas conclusões. Nesta obra, que vai além do que o seu título
anuncia, é evidente a formação jurídica do autor pelo rigor
dado ao tratamento dos problemas explorados.
Embora não tivesse assumido a docência universitária, as
perspetivas de Gama Barros refletem uma particular
combinação da Escola Histórica do Direito, de Savigny, e do
positivismo jurídico.
3.5. Renovação moderna da ciência da História do Direito
Português
A fase de renovação moderna da ciência da história do direito
português é protagonizada por vários especialistas
intimamente ligados ao ensino universitário.
O precursor desta fase foi Paulo Merêa (1889-1977), professor
da Universidade de Coimbra, deu um novo impulso aos
estudos da história jurídica e da história política.
Neste contexto, Paulo Merêa centrou o objeto da sua
investigação no campo da história das instituições e das ideias,
que percorreu desde os tempos medievais aos tempos
modernos, incidindo em temas históricos de direito privado e
direito público; também tratou temas do pensamento político
nacional e europeu.
Colaborou em diversas edições críticas de fontes histórico-
jurídicas, nas quais deixou o seu cunho científico marcado
pela exaustiva investigação, reflexão crítica baseada nos
documentos, abertura interdisciplinar, precisão e elegância da
linguagem e pureza de estilo. A título de exemplo, refira-se a
coletânea de Documentos Medievais Portugueses (Lisboa,
Academia Portuguesa de História, 1941).
A sua obra teve influências do institucionalismo, bem como
uma forte reação contra o positivismo jurídico e o
sociologismo.
Por outro lado, a produção científica do autor desenvolveu-se
em duas etapas:
1. Dedicou-se à história geral através da produção de obras
que, embora manifestassem já a compreensão crítica e a
exposição metódica do autor, não eram muito originais;
2. Publicou estudos monográficos originais, sobretudo os que
dizem respeito ao Direito Visigótico.
Edificou uma verdadeira escola de história do direito
português graças ao seu rigor científico. Todavia, o excesso de
escrúpulos do autor fê-lo retardar a publicação dos seus
escritos, dificultando, assim, o seu conhecimento pela restante
comunidade científica e universitária.
Colaboradores de Paulo Merêa, Luís Cabral de Moncada
(1888-1974) e Guilherme Braga da Cruz (1916-1977)
seguiram os trilhos da história do direito português.
Luís Cabral de Moncada: desenvolveu investigação histórica
ao nível da História das ideias e dos sistemas filosófico-
jurídicos e filosófico-políticos, compreendendo a História
através da Filosofia.
Guilherme Braga da Cruz: abordou vários temas da história
jurídica, desde o direito antigo e medieval aos precedentes
históricos imediatos do moderno sistema jurídico. Publicou
várias obras de grande relevância, de que são exemplos:
Origem e Evolução da Universidade (de 1954, conferência
reduzida), História do Direito Português- O problema da
personalidade ou territorialidade da legislação visigótica,
anteriormente a Recesvindo (de 1958) e O direito subsidiário
na História do Direito Português (de 1975).
É, ainda, necessário destacar o contributo de Marcello
Caetano (1906-1980), cultor da Ciência Política, do Direito
Constitucional, do Direito Administrativo e da História do
Direito. Este focaliza os seus estudos históricos no âmbito das
instituições de Direito Público, deixa um manual de História
do Direito Português que se encontra inacabado.
Finalmente, cumpre referir o importante papel de Ruy de
Albuquerque e Martim de Albuquerque na consolidação da
escola de História de Direito da mesma faculdade, formando
novos mestres, que lhe sucederam.

Capítulo 2
Periodização da História do Direito Português
1. Preliminares
A compreensão da História do Direito através de uma periodização
apresenta-se, segundo já se sabe, como uma necessidade pedagógica.
Todavia, como se sabe, são vários os critérios pelos quais é possível
congregar os referidos elementos e daí também a diversidade de
propostas da doutrina, nesta matéria.
Consideramos quatro critérios:
1. Critério político- privilegia a história política, olhando o Direito
como parte da evolução social;
2. Critério jurídico-externo- atende à evolução das fontes de
Direito;
3. Critério jurídico-interno- cuida das instituições jurídicas
predominantes em cada período histórico;
4. Critério do pensamento jurídico dominante;
Os critérios podem ser combinados entre si.
A diversidade de propostas de periodização da História do Direito
Português resulta precisamente da diversidade dos critérios
aplicáveis e das suas combinações, bem como dos diferentes
métodos de exposição da História já estudados. Acresce ainda a
preponderância dada ora ao Direito Público, ora ao Direito Privado.
2. A periodização da História do Direito Português: as diferentes
abordagens da doutrina
2.1. Marcello Caetano

O autor adota principalmente o critério político, matizado


pelo critério do pensamento jurídico dominante, privilegia o
Direito Público, na medida em que este corresponde à
evolução da sociedade política, intrinsecamente ligada ao
Estado e influenciada pelas ideias, doutrinas e fontes de
Direito.
No Período da Formação do Estado, predomina um direito
consuetudinário e foraleiro, num tempo em que os reis
portugueses estavam absorvidos pelas conquistas territoriais e
seu povoamento.
O Período da Consolidação do Estado Português é marcado
pela influência do Direito Comum romano-canónico, pelo
apelo ao direito escrito e pela multiplicação de leis gerais.
Trata-se de um período de fortalecimento da autoridade do Rei
e de afirmação da autoridade das Cortes num contexto de
franca renovação política, social e económica. Este período
desenrola-se, numa primeira fase, entre 1248 e a revolução de
1383 e, numa segunda fase, entre os anos de 1383 e 1495.
No Período da Estabilização do Estado, assiste-se à difusão
das leis pela imprensa, à promulgação das Ordenações e à
proliferação das leis extravagantes. Nesta época, os
descobrimentos marítimos portugueses proporcionaram uma
maior independência financeira do reino que contribuiu para o
fortalecimento do poder régio e, consequentemente, para a
secundarização das Cortes.
A partir do Período das Reformas da Ilustração ou
Iluminismo, o critério adotado por Marcello Caetano para a
divisão do período sofre uma inflexão, deixando de atender
aos reinados para tomar como pontos de referência a ideologia
ou o pensamento jurídico dominante.
Este período apresenta um carácter transitório de quebra com
os períodos antecedentes e preparação para o período seguinte.
Nele preponderam a renovação do pensamento jurídico e a
reforma das leis e das instituições, sobretudo quanto ao Direito
Nacional e ao Direito natural racionalista.
Finalmente, o período da Revolução Liberal caracteriza-se por
uma profunda modificação das instituições e das leis. Como é
de notar, a periodização não chega ao presente, detetando-se
em 1926, início da ditadura militar que deu origem ao regime
do Estado.
Notas: o período de formação do Estado corresponde ao
tempo em que o reino de Portugal ainda estava em formação,
ou seja, na época da guerra com o povo muçulmano; por sua
vez, o da consolidação do Estado já trata, e tal como o próprio
nome indica, da época de estabilização e finalização do
povoamento; podemos ainda afirmar que a Revolução Liberal
corresponde a um período de reforma dos ideais iluministas.
Período da Formação do Estado: o Tratado de Alcanises
(1297) é um dos fatores mais relevantes à época;
Período da Consolidação do Estado Português: demonstra
como o Direito comum tem SEMPRE influência, relacionado
com o renascimento do Direito Romano; 1383, crise dinástica
e primeiro momento de consciência nacional.
Período de Estabilização do Estado: tem grande
influência/ajuda devido aos recursos provenientes dos
Descobrimentos.
A tese de Marcello Caetano não chega aos dias de hoje (não os
abrange), já que este faleceu, no entanto, não se revela uma
justificação suficientemente útil para tal ocorrência.
2.2. Ruy de Albuquerque e Martim de Albuquerque
Estes autores apostam no critério jurídico-externo (para desenhar a
periodização da História do Direito Português) combinado com o
critério do pensamento jurídico dominante (quanto às sub-épocas).
Para o efeito, partem da conceção da ordem jurídica como um todo
composto pelas normas trazidas de épocas históricas anteriores e por
aquelas que paulatinamente se lhes acrescentam. As datas de
referência que circunscrevem os períodos tomam por referência o
critério político.
No Período Pluralista, coexistem elementos normativos de
proveniência romana, germânica, canónica e outra. Por conseguinte,
este período é marcado pela heterogeneidade de fontes, incluindo o
direito supra-estatal, o costume e o direito prudencial (doutrina),
passando pelo direito estatal-legal e pelos direitos locais. Todavia, o
Direito emanado do Estado não é predominante.
O ponto de viragem para o Período Monista coincide com o início da
Era dos Descobrimentos portugueses, que, do ponto de vista interno,
impulsionou:
 A emancipação de um aparelho político-administrativo
próprio;
 A institucionalização de órgãos legislativos próprios;
 A criação de um aparelho judiciário específico;
 Um largo recurso ao Direito Romano como forma de suprir as
lacunas do direito nacional;
 E a centralização e desenvolvimento do Estado português.
Com efeito, o Período Monista caracteriza-se pela afirmação do
conceito moderno de Estado, pela progressiva redução do Direito aos
factos jurídicos por ele emanados e, consequentemente, pela
tendencial identificação entre Direito e Lei. A abertura de subfases
tem por referência um acontecimento ligado à história das ideias
políticas ou jurídicas dominantes: a Revolução Liberal.
Na primeira subfase deste período- a Época pré Revolução Liberal
(1415-1820) -, assiste-se a uma certa estabilidade do Direito Público,
bem como à permanência das linhas mestras do Direito Privado com
a vigência das Ordenações. Ao invés, a época pós-Revolução Liberal
(a partir de 1820), dá-se uma autêntica transformação dogmática do
Direito Público e a consagração de um novo Direito Privado, com a
promulgação do primeiro Código Civil, em 1867.
Neste último subperíodo, a ordem jurídica portuguesa assume-se
como um sistema, dotado de uma Constituição escrita. Em suma, a
Revolução Liberal marca a transição de uma estrutura legislativa
sistemática (Código Civil de 1867 e demais legislação avulsa).
Esta periodização alonga-se até aos dias de hoje.
Notas: Duarte Nogueira é discípulo de Ruy de Albuquerque; estes
autores são irmãos.
As datas dos períodos em análise representam acontecimentos
relevantes a nível político.
Um exemplo de um dos órgãos legislativos criados são os tribunais
de segunda instância. A ideia de Estado moderno surge no século
XV.
A transição da pré Revolução Liberal para a pós é estável e uma
mera transição, mantendo-se estável. Por sua vez, em 1822, na época
pós-Revolução Liberal aparece a primeira Constituição formal
portuguesa.
2.3. Nuno J. Espinosa Gomes da Silva

Na periodização realizada por Gomes da Silva é percetível a


utilização de um critério misto: por um lado, o critério
jurídico-externo é decisivo na delimitação no âmbito dos dois
primeiros períodos, mas, por outro, as datas de referência que
os circunscrevem tomam por referência o critério político; os
dois últimos períodos são determinados pelo pensamento
jurídico então dominante.
O Período do Direito Consuetudinário e Foraleiro (1140-
1248) caracteriza-se pela emancipação do direito
consuetudinário local e pela diversidade das suas influências,
com predomínio do elemento germânico (o costume é a
principal fonte do Direito Português).
Segue-se o Período de Influência do Direito Comum (1248-
1750) que constitui a “principal experiência da História do
Direito Português”. Numa primeira fase, este período
caracteriza-se pela receção do Direito Comum, o Direito
Romano-Canónico (1248-1446) e, numa segunda fase, pela
compilação e sistematização das fontes operada pelas
Ordenações.
Por sua vez, no Período de influência Iluminista (1750-1820)
impera o racionalismo, de tal forma que a vontade do monarca
se impõe no valor a atribuir às diferentes fontes do Direito.
Finalmente, o Período de influência Liberal e Individualista
(1820-1914/18) focou-se nos direitos naturais do indivíduo
que se manterão numa dialética constante perante os direitos
reais.
Por fim, Nuno J. Espinosa Gomes da Silva detém-se no
período temporal que se inicia com a primeira guerra
mundial e se prolonga aos dias de hoje. Conclui, a este
propósito, que a proximidade histórica dos acontecimentos em
causa ainda não permite uma tomada de posição quanto à
delimitação e caracterização de um novo período da História
do Direito Português. Distingue, a este propósito, o passado
que passou do passado que ainda não passou.
2.4. Mário Júlio de Almeida Costa (proposta adaptada e mais
completa, embora a demarcação do segundo período seja
demasiado longa)
Este autor opta, no seu modelo de periodização, pela
combinação dos critérios jurídico-externo e do pensamento
jurídico dominante, quanto ao conteúdo das fases (períodos e
épocas) e político, na delimitação temporal das mesmas.
Podemos ainda observar, e tal como Mário de Almeida afirma,
na delimitação dos diferentes períodos, as datas assinaladas
apresentam um mero valor simbólico ou de referência, para
além de que o conteúdo dos referidos períodos não obedece a
um critério homogéneo, por estarem em causa problemas
distintos de cada um deles.
O Período da Individualização do Direito Português decorre
entre os anos de 1140 (data em que Afonso Henriques se
intitula rei de Portugal) e 1248, por ocasião do início do
reinado de D. Afonso III. Na verdade, a independência do
reino de Portugal não acarretou uma imediata autonomização
no direito vigente, pelo que se assistiu à conservação das
fontes do Direito do Estado Leonês, como, por exemplo, do
Código Visigótico.
Paulatinamente, foi-se desenvolvendo um direito português de
carácter consuetudinário e foraleiro, aliado a um certo
empirismo jurídico protagonizado pelos tabeliães ou notários
da época.
O Período do Direito Português de Inspiração Romano-
Canónica (de meados do século XIII à segunda metade do
século XVIII) é marcada pela preeminência do direito comum
ou ius commune e contempla dois subperíodos:
 Época da Receção do Direito Romano Renascido e
do Direito Canónico Renovado (1248-1446/1447):
distingue-se pela atividade das Escolas jurídicas dos
glosadores, comentadores e humanistas, bem como pela
difusão do direito comum por toda a Europa, no século
XII, e em Portugal, no século seguinte;
 Época das Ordenações: inicia-se com a promulgação
das Ordenações Afonsinas que, por se tratar da primeira
compilação oficial aplicável em todo o país,
representam o iniciar de uma centralização legislativa
(dá-se a subsidiarização do direito) e a emancipação do
direito pátrio frente ao direito comum.
O último grande período da História do Direito Português,
nesta perspetiva, é o Período da Formação do Direito
Português Moderno, cujo início é assinalado pela Lei da Boa
Razão (1769) e pelos Estatutos da Universidade (1772) e em
cujos postulados assenta o atual sistema jurídico português.
Racionalismo, iluminismo, Usus Modernus Pandectarum,
individualismo, liberalismo político e económico e direito
social são os conceitos-chave deste período, desdobrado pelo
autor em três subperíodos:
i. a Época do Jusnaturalismo Racionalista, que se
desenrola desde a segunda metade do século XVIII até à
Revolução Liberal Portuguesa de 1820;
ii. a Época do Individualismo, compreendida entre o
século XIX e a primeira Guerra Mundial (1914-1918);
iii. a Época do Direito Social que, partindo daquele
momento histórico, se perpetua até ao presente.
Este último período reflete as mudanças ocorridas no
pensamento jurídico, n um contexto de democratização
económica e de intervencionismo estatal na produção
legislativa, limitando, dessa forma, o reduto intangível da
autonomia da vontade e da liberdade contratual.
Concomitantemente, difunde-se a ideia de um direito social
e emerge o critério da justiça material na solução dos casos
concretos.
Dentro desta última época podemos, ainda, distinguir:
 Direito da 1ª República;
 Direito do Estado Novo Corporativo;
 Direito Posterior a 1974.
É esta a abordagem que se considera mais completa e
abrangente de todas as periodizações expostas.
Todavia, não está a mesma isenta de fragilidades:
Desde logo, parece que o segundo período é
demasiado extenso, talvez fizesse mais sentido unir o
primeiro período com a primeira sub-época do
segundo período, isto é, a Época da Receção do Direito
Romano renascido e do Direito Canónico renovado.
Desta forma, o primeiro período da História do Direito
Português passaria a contemplar, por um lado, os
primórdios do nascimento do direito pátrio e, por
outro, a receção do direito comum. Consequentemente,
o segundo período seria tão-só o Período das
Ordenações, por se tratar de um hiato temporal cujas
características permitem autonomizá-lo num período
independente (seria mais homogéneo, enquanto que o
primeiro seria mais heterogéneo).
Acresce que o terceiro período mostra-se demasiado
ambicioso. Anuímos, assim, com a posição de Nuno J.
Espinosa Gomes da Silva, ao entender que a
investigação histórica carece e um certo
distanciamento face à realidade a estudar, sendo
precipitado tomar o presente como pretérito.
Capítulo 3
Período da Individualização do Direito Português
1. Fontes do Direito Português anteriores à segunda metade do
século XIII
1.1. Fontes de direito do Reino de Leão que se mantiveram em
vigor
1.1.1. Código Visigótico
O Código Visigótico constituía, à época, a legislação de
referência para os povos da Península Ibérica, por se tratar do
único corpo normativo sistematizado até então.
Durante todo o século XII, o Código Visigótico permaneceu
como uma das principais fontes de Direito no reino português,
sendo de realçar algumas menções de carácter formal ou
genérico, mas também algumas alusões ao seu conteúdo.
Tais referências ao Código Visigótico levantam a questão de
saber se estaria em causa uma efetiva aplicação do Código ou
se, pelo contrário, não passariam por meras fórmulas de estilo
utlizadas pelos juízes e tabeliães. Embora o panorama jurídico
à época permita a defesa de ambas as teses, Guilherme Braga
da Cruz pende para a última hipótese, ao passo que Nuno
Espinhosa é partidário da primeira.
Aliás, a partir do século XIII, as alusões ao Código Visigótico
vão diminuindo, por diminuir também a sua autoridade
enquanto fonte de Direito, frente ao direito consuetudinário
local e à crescente influência do Direito Romano-Canónico.
Notou-se, contudo, que a afirmação precedente carece, ainda
hoje, de comprovação.
No reino de Leão e Castela, a vigência do Código Visigótico
prolongou-se um pouco mais, sendo, na primeira metade do
século XIII, traduzido para castelhano, por iniciativa de
Fernando III.

1.1.2. Leis dimanadas de Cúrias ou Concílios reunidos em


Leão, Coiança e Oviedo
As leis dimanadas (leis gerais) das assembleias realizadas em
Leão (1017), Coiança (1050) e Oviedo (1115) mantiveram a
sua vigência após a independência do Reino de Portugal.
Permanece, contudo, a dúvida de saber se tais assembleias se
tratavam de Cúrias ou de Concílios.
A Cúria assumia um carácter político por se tratar de um
órgão auxiliar do monarca. As reuniões extraordinárias da
Cúria deram origem, posteriormente, às Cortes. O Concílio,
por sua vez, apresentava um carácter religioso, por se tratar de
um órgão eclesial.
Contudo, a distinção entre uma e outro nem sempre se
apresenta clara atendendo ao facto de os altos representantes
da Igreja (bispos e abades) participarem em ambas as
assembleias, para além de, quer a Cúria, quer o Concílio,
serem convocados pelo rei e neles participarem leigos.
Assim, a diferenciação entre Cúria e Concílio passa por
avaliar, em cada caso concreto, os seguintes elementos,
combinados, entidades convocante, matérias abordadas e
sanção canónica (não esquecer que o Papa e bispos tinham
uma relação para com os monarcas) ou régia das decisões (e
bom senso).
Á luz destes parâmetros, a doutrina refere-se à Cúria de Leão e
aos Concílios de Coiança e Oviedo.
Quanto ao direito português, as leis dimanadas das
assembleias de Leão e de Coiança foram incluídas em
cartulários ou registos portugueses e as leis de Oviedo forma
juradas por D. Teresa e D. Afonso Henriques.

1.1.3. Forais de terras portuguesas anteriores à


independência
Os forais do século XI e dos inícios do século XII mantiveram
a sua vigência nas localidades a que diziam respeito, mesmo
depois da independência do reino português. Os forais de S.
João da Pesqueira, Penela, Paredes, Linhares, Anciães e
Santarém são alguns exemplos, a par de outros forais
outorgados por D. Henrique e D. Teresa (v.g. Guimarães,
Azurara da Beira, Tentúgal e Coimbra), por entidades
eclesiásticas e por senhores leigos.
Mas, afinal, o que são forais?
Os forais ou cartas de foral são diplomas concedidos pelo
rei, por um senhor laico ou por um senhor eclesiástico a
determinada localidade, diplomas esses que continham um
corpo de normas que regulavam as relações dos habitantes
entre si e destes com a entidade outorgante.
Desde logo, os forais ou cartas de foral integram a categoria
mais ampla das cartas de privilégio, que consistiam em
diplomas outorgados por uma entidade titular de poderes
públicos através dos quais se concedia um regime especial
ou de favor a determinada pessoa ou a um agrupamento de
pessoas. Note-se que o termo privilégio, à semelhança do
sucedido no Direito Romano, não toma aqui o sentido
pejorativo que lhe foi associado após as Revoluções Liberais,
traduzindo apenas a ideia de um direito especial.
Por sua vez, os forais são fruto de uma importante evolução ao
longo do tempo, que passa por diferentes configurações.
Inicialmente, existiam simples contratos de aforamento que
procediam à repartição, entre duas partes, do aproveitamento
de um terreno.
Mais tarde, evolui-se para cartas de povoação, isto é,
contratos agrários coletivos, cujo objetivo se prendia com o
povoamento de locais ermos ou com o atrair de mão-de-obra
para localidades já habitadas. Através dos referidos contratos,
a entidade outorgante concedia terras para cultivo e outras
regalias aos povoadores, ficando estes obrigados ao
pagamento de um tributo.
Por fim, os forais ou cartas de foral passaram a designar, no
entender de Alexandre Herculano, os diplomas que
reconhecem existência jurídica a um município, outorgados a
uma magistratura própria e privativa, uma vereação. Todavia,
Paulo Merêa desvaloriza o critério da existência de
magistraturas municipais, muitas vezes, manifestações
tardias da existência de um concelho.
Com efeito, há que concluir pela grande variedade de forais
quanto à sua dimensão e ao seu conteúdo. Por regra, incidiam
nos seguintes aspetos:
 Liberdades e garantias pessoais e dos bens dos
povoadores;
 Impostos e tributos;
 Sanções e multas devidas pela prática de crimes;
 Imunidades coletivas;
 Serviço militar;
 Encargos e privilégios dos cavaleiros vilãos;
 Ónus e forma das provas judiciais, citações, arrestos e
fianças;
 Aproveitamento de terrenos comuns.
Enquanto fontes de direito local, os forais eram instrumentos
de garantia dos direitos individuais e concretos das
pessoas. Trata-se, contudo, de instrumentos particulares,
concedidos em favor de um grupo determinado.
No essencial, os forais continham normas de Direito Público,
embora, nesse âmbito, fosse o costume a regular um conjunto
importante de matérias juripublicísticas. Por regra, os forais
não continham preceitos de Direito Privado.
É necessário referir que as entidades outorgantes de cartas de
foral não primavam pela originalidade das mesmas.
Frequentemente, a outorga de um novo foral tomava como
modelo a um foral anterior, limitando-se a reproduzi-lo ou,
quando muito, a introduzir alterações pontuais. Desta forma,
surgiram grupos ou famílias de forais.

1.1.4. Costume
Finalmente, também é o costume uma fonte de direito, cuja
vigência é conservada após a fundação da nacionalidade,
sobretudo no que diz respeito ao Direito Privado, de fonte
quase exclusivamente consuetudinária.
Nesta época, os desígnios próprios da fundação da
nacionalidade absorviam quase por completo a atenção dos
primeiros reis e daí que a população, “entregue a si mesma”, se
veja forçada a criar as suas próprias normas.
Assiste-se, assim, ao florescimento do direito
consuetudinário, em prejuízo da lei escrita.
Note-se que a amplitude do conceito de costume da Idade
Média não coincide com a do Direito Romano. Para os
romanos, o costume correspondia a uma fonte manifestandi,
traduzia numa prática geral e constante, acompanhada da
convicção da obrigatoriedade da respetiva norma. Trata-se,
portanto, de um conceito restrito de costume.
Já na Idade Média, o costume assume uma dimensão ampla,
compreendendo todas as fontes de direito tradicional de
cariz não legislativo. Por conseguinte, incluíam-se também no
costume as sentenças da Cúria Régia (mais tarde, apelidadas
de costumes da Corte), de juízes municipais e de juízes
arbitrais, que se tornavam precedentes vinculativos, e os
pareceres de jurisconsultos.
1.2. Fontes de direito posteriores à fundação da nacionalidade
1.2.1. Leis gerais dos primeiros monarcas
Como já se referiu, a fraca produção legislativa deste
período deve-se às preocupações próprias da independência
do reino, que consumiam os primeiros monarcas.
Ainda assim, regista-se a promulgação de uma lei de D.
Afonso Henriques (1139-1185), cuja dará e desconhece e
de uma provisão de D. Sancho I (1185-1211), datada de
1210, ambas com as características de diploma geral. A
estas somam-se várias leis emanadas da Cúria de Coimbra,
convocada por D. Afonso II (1211-1223), em 1211. Já no
reinado de D. Sancho II, não há quaisquer indícios do
exercício do poder legislativo originário.
Estas leis deixam transparecer alguma influência das
compilações justinianeias, graças à ligação e sistematização
que apresentam. Não eram um corpo legislativo unitário;
nelas foi incorporada uma norma que, alegadamente daria
prevalência ao Direito Canónico em caso de conflito entre
este e as leis do reino, que melhor se examinará infra.
No geral, referiam-se a assuntos relativos à proteção da
fazenda da coroa e ao combate aos abusos dos funcionários
régios, mas também à garantia das liberdades individuais, à
condenação expressa da vingança privada e à defesa das
classes populares ante a prepotência dos poderosos. São
exemplos destes preceitos a proibição de aquisição, pelos
grandes, de géneros abaixo do valor justo e a permissão de
todo o homem livre servir a quem deseja e não se submeter
a casamentos forçados.
A par dos forais (de aplicação local ou a um grupo de
pessoas), as leis gerais desta época são exemplos de
preceitos, de aplicação geral, destonados à garantia de
direitos individuais e concretos, que remontam a um
período bem anterior às Revoluções Liberais. Estes
preceitos têm um alcance equiparável, no contexto
britânico, à Magna Carta Libertatum, de 1215, pelo que
temos de constatar que os direitos humanos, materialmente,
não nasceram no século XVIII.
A partir do reinado de D. Afonso II, os monarcas são
propensos a sobrepor a lei às normas consuetudinárias
inconvenientes. No entanto, esta legislação ainda não era
produto da vontade exclusiva do rei, como acontecerá mais
tarde, dado que a promulgação das leis dependia da
consulta prévia da Cúria.
1.2.2. Forais
Os forais constituem uma fonte de direito local e uma das
mais importantes fontes de Direito, até ao reinado de D.
Afonso III (1248/1279).
A abundância de forais e cartas de povoação deve-se, mais
uma vez, à necessidade de estabilizar a independência do
reino através da conquista e povoamento de terras.
Até ao século XIII, em Portugal ainda não se pode falar dos
costumes ou foros, compilações de direito local, já
referidas, características do Direito da Reconquista.
1.2.3. Concórdias e concordatas
Designam os acordos, realizados entre o monarca e as
entidades eclesiásticas, através dos quais se comprometiam
mutuamente a reconhecer direitos e obrigações relativos ao
Estado e à Igreja.
Têm a sua origem em resposta aos agravamentos ou
queixas proferidas pelos representantes do Clero, nas
Cortes, ou em negociações do rei com as autoridades
eclesiásticas nacionais (concórdias) e com o papado
(concordatas).
As primeiras concórdias e concordatas remontam aos
reinados de D. Sancho I, D. Afonso II e D. Sancho II,
tendo-se incrementando posteriormente.
Ainda se utiliza a designação “concordatas”. A
Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de
2004 é o exemplo mais recente, se bem que se contam
numerosas concórdias e concordatas celebradas ao longo
da História de Portugal. Até aos anos quarenta do século
XX, todas elas diziam respeito a acordos especiais,
circunscritos à resolução e concretas divergências que
opunham duas entidades. Data de 1940 a primeira
Concordata geral que foi substituída pela citada Concordata
de 2004.
2. Aspetos do sistema jurídico da época
2.1. Considerações gerais
Até meados do século XIII, o Direito português tem um
caráter predominantemente consuetudinário, potenciado pelo
esbatimento da aplicação do Código Visigótico.
Além disso, caracteriza-se pela sobreposição e concorrência de
elementos diversos, provenientes dos direitos autóctones, do
Direito Romano Vulgar, do Direito Canónico, dos costumes
germânicos e de algumas influências árabes e francas.
Esta amálgama, como lhe chama Almeida Costa, corresponde
ao grupo dos direitos de cultura, que se contrapõe aos direitos
de estirpe, que designam um sistema jurídico que apresenta
uma linha única de evolução.
A concreta configuração do Direito Português da época em
apreço deve-se às peculiares circunstâncias económicas,
políticas e sociais.
Dado o empirismo da criação jurídica, os tabeliães, os notários
da época, através dos contratos e atos que redigiam, supriam a
falta de preceitos gerais para o Direito Privado.
Os atos jurídicos privados dependiam assim inteiramente, na
sua realização, do critério dos notários.
2.2. Aspetos do tabelionado medieval português
A necessidade de preservar a ocorrência de atos passados
impulsionou grandemente o surgimento do tabelionado
português: a existência de notários em Portugal nos tempos
medievais.
O tabelionado público do país remonta ao reinado de D.
Afonso II, sendo que o controlo régio desta atividade se
intensifica a partir de D. Dinis.
2.3. Contratos de explotação agrícola e de crédito
Os contratos agrários desempenharam um importante papel no
panorama económico e social da Idade Média. A agricultura e
as indústrias conexas eram então, com efeito, as atividades
predominantes.
Refira-se desde já que, antes de as influências romanísticas se
fazerem sentir, com o renascimento do Direito Romano
justinianeu, a individualização e caracterização destes
contratos, inominados, ou seja, não previstos tipicamente em
lei anterior, e com contornos poucos definidos, só se pode
fazer por atenção à sua finalidade económica.
De entre os contratos de exploração destacam-se:
 A enfiteuse também denominada de aforamento ou
emprazamento. Era o contrato através do qual se atribuía
ao senhorio o “domínio direto” sobre o prédio, ao passo
que ao foreiro ou enfiteuta cabia o “domínio útil”. Por
outro lado, o “domínio direto” traduz o direito do
senhorio a receber uma pensão anual (foro ou cânon),
em princípio, proporcional ao rendimento do prédio. Por
outro, o “domínio útil”, a exploração do prédio, conferia
ao enfiteuta, por exemplo, o direito anexo de alienar a
sua posição a terceiro, com ou sem a estipulação de um
direito de preferência a favor do senhorio. A enfiteuse
fazia-se por prazo longo ou perpétuo.
 A complantação presidia a finalidade comum de permitir,
a quem explorava um terreno alheio (prédio), alcançar uma
posição mais segura frente ao proprietário, juridicamente,
dir-se-ia que está aqui em causa o princípio da conquista
da propriedade através do trabalho. A sua função social
pode ser descrita através desta descrição: “tu tens terras e
eu não tenho”. Estes contratos facilitam o acesso ao
domínio sobre a terra, forma de riqueza então
predominante. Este tipo de contrato de exploração
implicava a cedência de um prédio, pelo seu
proprietário, a um agricultor, investido da obrigação de
o fertilizar, nomeadamente, com a plantação de vinhas. No
final do prazo estabelecido (estipulado, em regra, entre os
quatro e oito anos), o prédio era dividido, em partes
iguais, entre o proprietário inicial e o agricultor.
Quanto aos contratos de crédito, destacam-se:
 Compra e venda de rendas- implicava que o
proprietário de um prédio, carecido de capitais, cedia a
uma pessoa com capacidade financeira, em
compensação de uma determinada quantia, recebia
definitivamente, o direito a uma prestação monetária
anual imposta como encardo desse prédio. Constituía,
portanto, uma espécie de empréstimo com juros, então
proibido, dando, mais tarde, origem à renda perpétua e
à renda vitalícia, ainda hoje previstas no Código Civil
(artigo 1231º e 1238º).
 Penhor imobiliário- implicava a transmissão de um
prédio pelo proprietário-devedor ao respetivo credor,
como garantia e compensação da cedência de capital ou
como modo de proporcionar o reembolso progressivo da
dívida, através do aproveitamento do prédio. O instituto
do penhor imobiliário deu lugar à hipoteca de
configuração romanística.
Por estes contratos se cumpria a função social descrita na
frase: “eu tenho terras e tu tens dinheiro”: facilita-se o acesso
ao capital por parte de quem não o tem.
Capítulo 4
Período do Direito Português de Inspiração
Romano-Canónica
Capítulo 4.1.
Época da Receção do Direito Romano Renascido e do Direito
Canónico Renovado (Direito Comum)
1. Preliminares
Segundo a periodização proposta por Almeida Costa, o segundo
período da História do Direito Português- que se segue ao período da
individualização do Direito Português (1140-1248) - é o período do
Direito Português de inspiração romano-canónica, o qual tem início,
justamente em 1248 e fim em meados do século XVIII.
O autor citado subdivide este segundo período da História do Direito
Português em duas grandes épocas: a época da receção do Direito
Romano renascido e do Direito Canónico renovado (1248-1446/47) e
a época das Ordenações (1446/1447-1769/1772).
2. O direito natural no pensamento jurídico medieval
Um dos temas perenes da história do pensamento jurídico prende-se
com a questão do fundamento do Direito vigente numa determinada
ordem jurídica.
Ora, os pensadores medievais já entendiam que esse fundamento do
Direito, sendo natural, ultrapassava os governantes temporais de
cada momento, procurando identificar uma ordem jurídica extensível
a todos.
Nesta buca e teorização, S. Tomás de Aquino (1225-1274), filósofo,
teólogo e professor na Universidade de Paris, provavelmente o
melhor pensador do seu tempo, logrou destrinçar noções que
visavam descrever a normatividade própria da vida humana;
distinguiu ele a lei eterna, a lei natural, o direito natural e a lei
humana.
 Lei eterna: corresponderia à própria razão de Deus enquanto
ela governa e ordena todas as coisas (ao serem criados, todas
as coisas foram pensadas e queridas por Deus).
 Lei natural: seria a participação da lei eterna, que é própria da
criatura racional, do ser humano, revelando-se na capacidade
de distinguir o bem do mal e na consciência da obrigação de
fazer o bem. Enquanto lei revelada por Deus aos homens, o
autor falava numa lei divina ou divino-positiva, de que
constituem expressão os 10 Mandamentos da lei de Deus
entregues a Maomé.
 Direito Natural: conjunto de coisas que devem ser dadas a
quem tem um título sobre elas, segundo aquilo que é
determinado pela natureza humana (assim, do bem “vida”
nascia um direito à vida, tal como do bem “integridade física”
nascia um direito à integridade física).
Nota: verifica-se uma proximidade entre a aceção aquiniana de
Direito Natural e aquela que era defendida pelos juristas romanos
clássicos.
 Lei humana: inferior à lei natural, para o Aquitanense, a lei
humana era uma certa determinação da razão, dirigida ao bem
comum, ditada por aquele que tem a seu cargo a comunidade.
A lei humana era derivada da lei natural, fosse por conclusão
(ex.: para um homicídio faz-se aplicar uma pena de prisão),
fosse por determinação (ex.: caso da necessária ordenação da
circulação, em Portugal feita pela direita).
Assim, como se vê, a lei humana, na formação de São Tomás de
Aquino, que se tornou clássica, define-se em sentido material,
sendo diferente da lei, entre os romanos (lex publica rogata),
definida em sentido formal, vista como uma declaração solene com
valor normativo, feita pelo populus romano que, reunido nos
comitia, aprovava a proposta que o magistrado (presidente)
apresentava e o Senado confirmava. O mesmo se diga da noção hoje
vigente de lei, também formal, baseada nos requisitos da
generalidade e da abstração.
Por conseguinte, desta mundividência jurídica aquiniana, que era, de
resto, comum entre os juristas medievais, resultava que uma norma
humana, positiva, que fosse contrária à lei natural não possuía
qualquer valor, independentemente de ser escrita ou costumeira;
estava legitimada a desobediência, dado essa norma não ser lei, mas
uma corrupção da lei.
3. O Direito Romano justinianeu desde o século VI ao século XI
Como se sabe, o Direito Romano, sofreu uma evolução diferente no
Ocidente (onde se vulgarizou, perdendo o equilíbrio e o
brilhantismo que o caracterizou, séculos antes) e no Oriente (onde
continuou a ser aplicado, através de paráfrases, traduções para grego
e resumos), nos séculos que se seguiram à queda de Roma, em 476.
No entanto, aquando da transição da Alta Idade Média (séculos V a
X) para a Baixa Idade Média (século XI a XV) surge, no Ocidente
Europeu, um novo interesse teórico e prático pelas coletâneas do
Corpus Iuris Civilis, o que levou a um “renascimento” do Direito
Romano.
Com efeito, as fontes do Direito e, por consequência, as instituições
e o pensamento jurídico dominante na Europa a partir de então
caracterizavam-se pelo renascimento do interesse evidenciado pelo
Direito Romano justinianeu, a par da renovação do Direito
Canónico.
Não se pode, contudo, em bom rigor, falar de um “renascimento” do
Direito Romano, por dois motivos:
 por um lado, o Direito Romano vulgar estava presente, como
já se referiu;
 por outro, o próprio Direito Romano justinianeu não deixou de
ser conhecido, estudado e aplicado até à transição da Alta
Idade Média para a Baixa Idade Média. Simplesmente e
sobretudo a partir do século XI, os juristas voltaram a estudá-
lo e a utilizá-lo com uma profundidade que não se verificou no
século anterior.
A vigência propriamente dita, do Corpus Iuris Civilis no Ocidente foi
algo efémera.
 Itália: vigorou por força do domínio bizantino e de uma
constituição imperial (pragmática sanctio) data de 554, durante
cerca de catorze anos. No entanto, com a conquista parcial do
território itálico pelos Lombardos, em 568, o Direito
justinianeu foi circunscrito a cidades como Roma e Ravena.
 Península Ibérica: a presença de tropas bizantinas no Sul foi
insuficiente para produzir influências jurídicas substanciais.
Por essa época (século VI), difundem-se no Ocidente as coletâneas
justinianeias, mas essa difusão foi bastante modesta, acabando
muitos dos textos por cair no esquecimento. Nada teve a ver esta
difusão indiferenciada do século VI com o fulgurante interesse que o
Direito Romano do Corpus Iuris Civilis despertou no século XII
(com precedentes já no século XI), que esteve na base da evolução
conducente à ciência jurídica moderna. Note-se que a já aludida
subsistência do Direito Romano vulgar é que torna possível este
renascimento, ao permitir o reencontro com as estruturas do Direito
Romano clássico.
4. Pré-Renascimento do Direito Romano
Reza a lenda que o Digesto foi descoberto casualmente, em 1135,
durante o saque bárbaro da cidade italiana de Amalfi, pelos
Lombardos, tendo sido levado para Pisa, onde o Imperador Lotário II
lhe restituiu força vinculativa.
No entanto, a moderna crítica histórica afasta a lenda, dado que, se
por um lado, o Digesto já era conhecido e citado, antes do século
XII, por outro, nunca um único e pontual episódio poderia
determinar todo um renascimento, o qual antes assenta em múltiplas
causas históricas e jurídicas.
 Desde logo, as tentativas de restauração do Império Romano
do Ocidente (cujo expoente máximo foi o Sacro Império
Romano-Germânico) e, consequentemente, do seu
ordenamento jurídico. Isto porque, com a morte de Carlos
Magno, as relações entre o Papado e o poder temporal
agudizaram-se, originando uma querela que se prolongaria no
tempo: a relação de (in)dependência entre o poder espiritual e
o poder político. Deste modo, os defensores do poder imperial
procuram no Direito Romano justinianeu soluções que
robustecessem a sua posição.
 Universalismo da fé cristã, que unificava os homens para além
da raça e da história e exaltava a romanidade (a primeira
experiência da consciência europeia foi a Respublica
Christiana).
 Surgimento das Universidades e o progresso geral da cultura
na Baixa Idade Média.
 Aumento da população, êxodo rural e surgimento de uma
economia citadina.
Assim, soçobra a lenda de Lotário II, porquanto, como se viu, foi uma
panóplia de fatores políticos, religiosos, culturais e económicos que
concorrem entre si para originar o referido renascimento do Direito
Romano. Ponto é que, desde o século XI, este intenso interesse,
redescoberto, pelo estudo do Direito justinianeu se fez sentir. E, mesmo
antes de a Escola de Bolonha despontar e atingir o seu apogeu, já na Itália
vários pólos existiam onde o Direito Romano era estudado e conhecido,
como Pavia ou Ravena.
Na literatura jurídica do século XI, denotava-se, de igual forma, o reflexo
do Corpus Iuris Civilis, nomeadamente em obras como Exceptiones legum
romanorum Petri (uma obra-síntese de outras que a antecederam) ou
Brachilogus Iuris Civilis (uma exposição de todo o Direito segundo o
modelo das Institutiones justinianeias), bem como em coleções canónicas
cujo autor foi Ivo, bispo de Chartres.
Pese embora haja quem sustente que, também na Península Ibérica, é
possível encontrar indícios deste pré-renascimento, não parece que, fora de
Itália, esse fenómeno tenha atingido proporções relevantes, cingindo-se a
literatura isolada.

5. Renascimento do Direito Romano propriamente dito


5.1. Origens da Escola dos Glosadores e seus principais
representantes
Apesar das manifestações anteriormente referidas, o estudo
sistemático e a divulgação em larga escala do Direito
Romano justinianeu só se iniciaram no século XII, por
intermédio da Escola de Bolonha, cuja origem remonta ao
final do século XI (1088).
A Escola de Bolonha tem, na sua origem, Irnério
( ± 1050−± 1030 ), a quem a ciência histórico-jurídica atribui,
essencialmente, dois méritos:
 o de autonomizar o ensino do Direito relativamente ao
conjunto das outras disciplinas que integravam o
saber medieval, em particular da Lógica e da Ética;
 e, por outro, o de estudar os textos jurídicos romanos
na sua versão completa e originária, indo para além
dos extratos e resumos anteriormente existentes. A sua
notoriedade e as suas preleções valeram-lhe o cognome
de “lucerna iuris”, a candeia de Direito.
A Escola de Bolonha não surge, logo ab initio, como uma
“Universidade”, antes se caracterizando por ser apenas um
pequeno centro de ensino, justamente ancorado por ser
apenas um pequeno centro de ensino, justamente na corado nas
preleções de Irnério. A sua evolução no sentido de uma
verdadeira Universidade prende-se com o facto de que a
Escola era frequentada por estudantes oriundos um pouco de
toda a Europa, os quais, depois, levavam consigo os mais
modernos ensinamentos da ciência jurídica.
Irnério deixou, entre os seus mais diretos discípulos:
 Bulgarus
 Martinus
 Hugo Os chamados “quatro doutores”
 Jacobus
 Placentino
 Azo
 Acúrsio- já na fase de decadência da Escola de
Bolonha, a quem se deve (como é característico no
crepúsculo de um paradigma) uma coletânea e uma
sistematização da obra de todos os anteriores expoentes
da Escola.
A Escola de Bolonha ficou também conhecida na História do
Direito como Escola Irneriana ou Escola dos Glosadores,
sendo que este último nome se deve ao facto de, para além de
colocar a tónica na glosa enquanto método de trabalho
utilizado, permitir abarcar, além de Bolonha, outros polos
menos e mais orientados para a prática jurídica.
5.2. Sistematização do Corpus Iuris Civilis adotada pelos
Glosadores
Os Glosadores da Escola de Bolonha optaram por dividir o
Corpus Iuris Civilis de uma forma diferente da originária.
Como supra se viu, o Corpus Iuris Civilis veio a lume no
século VI com uma estrutura quadripartida:
 que principiava pelo manual de noções elementares de
Direito denominado Instituitiones;
 seguia com o Digesto, uma compilação de fragmentos
extraídos das obras dos principais jurisconsultos
clássicos;
 prosseguia com o Codex, uma compilação de leges
desde Adriano até Justiniano;
 e encerrava com as Novellae, as constituições
imperiais promulgadas depois do Codex.
Mas os Glosadores não seguiram com esta estrutura no seu
estudo. E não o fizeram quer porque os textos componentes
do Corpus Iuris Civilis não foram todos descobertos ao
mesmo tempo, quer porque as quatro partes indicadas tinham
natureza e dimensões muito diferente, que comprometiam o
didatismo procurado pelos Glosadores.
Foi, pois, necessário fazer uma nova sistematização, a fim de
facilitar o estudo da obra, sendo que a sistematização
efetuada pelos Glosadores foi aquela que se instalou e
manteve nas principais escolas de Direito e que, em Portugal,
assim permaneceu até à reforma dos estudos jurídicos
levados a cabo pelo Marquês de Pombal.
Esta sistematização fracionou o Corpus Iuris Civilis em 5
partes:
1. Digesto Velho (“Digestum vetus”) - abrangia os Livros I a
XXIII e os dois primeiros títulos do Livro XXIV do
Digesto;
2. Digesto Esforçado (“Digestum infortiatum”) - talvez
assim conhecido por ter sido recuperado depois do Digesto
Velho. Nele figuravam os títulos III e seguintes do Livro
XXIV e os sucessivos Livros do Digesto até ao Livro
XXXVIII;
3. Digesto Novo (“Digestum Novum”) - compreendia os
restantes Livros do Digesto, ou seja, os Livros XXXIX a L;
4. Código (“Codex”) - composto pelos 9 primeiros livros do
Codex justinianeu;
5. Autêntico (“Authenticum”) ou Volume Pequeno
(“Volumen parvum”) - compreendia os 3 últimos livros
do Código de Justiniano, as Institutiones e uma coletânea
das Novallae conhecida, justamente, por Authenticum.
A estes elementos acresciam algumas fontes de Direito Feudal
e constituições dos imperadores do Sacro Império Romano-
Germânico.
5.3. Método de trabalho
5.3.1. A glosa e outros tipos de obras
O principal e predileto (mas não único) instrumento de
trabalho dos membros da Escola de Bolonha era a glosa
(glossa).
Glosa: processo de interpretação dos escritos que
consiste num pequeno esclarecimento, isto é, uma
simples palavra ou expressão, com o objetivo de tornar
inteligível algum passo do texto considerado obscuro ou
de interpretação duvidosa.
Nos primórdios da sua utilização pelos Glosadores,
esses esclarecimentos, pela sua pequenez, eram
geralmente feitos entre as próprias linhas do texto
interpretado, tendo ficado conhecidos como glosas
interlineares.
Com o tempo, as glosas ganharam completude e
dimensão, deixando de se referir apenas a um segmento
ou a um preceito de texto interpretado para se passarem
a referir a todo um título. Uma vez que, naturalmente, se
deixaram de poder escrever entre as linhas do texto,
passaram a escrever-se à margem do mesmo, recebendo
o nome de glosas marginais. Estas glosas traduziam já
uma exposição coerente e sistemática (apparatus).
Apesar de, como já se referiu, a glosa ser o principal
instrumento de trabalho dos Glosadores, nem por isso
deixou a Escola de Bolona de lançar mão de outros
meios técnicos, como:
 As regulae iuris- definições que os Glosadores
enunciavam, de forma sintética, procurando nelas
condensar princípios ou dogmas jurídicos
basilares, e que depois reuniam em compilações
(sirva de exemplo Ubi commoda, ibi
incommoda).
 Os casus- inicialmente, consistiam em
exemplificações de hipóteses concretas de
aplicação das normas jurídicas (casos práticos),
embora depois tenham evoluído para verdadeiras
exposições interpretativas.
 As dissensiones dominorum- eram sínteses dos
entendimentos sufragados pelos mais ilustres
juristas sobre problemas jurídicos.
 As quaestiones- eram um sistema argumentativo
através do qual, em casos jurídicos
controvertidos, se enunciavam as razões a favor
(pro) e contra (contra) das soluções possíveis,
concluindo-se por aquela que fosse adequada
(solutio).
 As distinctiones- consistiam numa análise das
várias perspetivas jurídicas em que uma
determinada temática era decomponível.
 As summae- eram um género específico e
complexo, utilizado pelos Glosadores mais
conceituados e por teólogos e/ou filósofos, que
consistia em abordar certos temas de maneira
completa e sistemática.
5.3.2. Os Glosadores perante o texto do Corpus Iuris
Civilis
Apesar da sua perspetiva muito prática ao analisar o
Corpus Iuris Civilis, os Glosadores relevaram, todavia,
uma postura próxima da reverência perante o texto
encontrado, não ousando- nem querendo- ir para além
ou contra a doutrina nela constante.
Por conseguinte, a doutrina da Escola de Bolonha nunca
de desprendeu verdadeiramente da juridicidade
romana, pelo que não logrou encontrar soluções
inovadoras e mais adequadas à realidade do seu tempo.
E, uma vez que desconheciam a etimologia de vários
termos latinos e as circunstâncias e finalidades em que
as normas haviam sido criadas (occasio legis),
acabaram por defender algumas soluções que nunca
haviam sido utilizadas pelos romanos ou que, de
todo, já não se justificava na conjuntura medieval.
Esta atitude de um certo dogmatismo e legalismo,
cultivada pelos Glosadores, está associada à
preocupação de estudar textos justinianeus genuínos
e às dificuldades de penetração no sentido desses
textos.
Apesar do que já se referiu, assinala-se à Escola de
Bolonha uma certa evolução na hermenêutica utilizada,
dado que, já sob a influência da escolástica, souberam
ultrapassar a pura exegese para adotar processos
lógicos de relação entre a letra e o espírito da lei.
Acimas das suas limitações, há que destacar a
virtualidade de os Glosadores terem conseguido
transformar uma amálgama normativa-positiva
inorgânica e diversificada num todo unitário e
sistemático. Neste sentido, como refere Franz
Wieacker, pode dizer-se que os Glosadores se deve a
primeira dogmática jurídica autónoma da História
Universal. E o labor dos Glosadores consubstanciou o
precedente necessário da evolução subsequente da
história da ciência jurídica ocidental.
5.4. Apogeu e declínio dos Glosadores
A Escola de Bolonha viveu o seu período áureo durante
o século XII, datando do início do século XIII o
princípio do seu declínio. Com efeito:
 Nas primeiras décadas do século XIII, os
juristas da Escola já não trabalhavam diretamente
sobre o seu objeto de estudo, antes se debruçando
sobre a glosa que um qualquer Glosador, em
momento anterior, havia feito sobre um segmento
do Corpus Iuris Civilis. Isto levou ao surgimento
de “glosas das glosas”, que levaram naturalmente
à cristalização da produção doutrinária.
 No segundo quartel do século XIII, Acúrsio
procurou ordenar todo o extenso e disperso
trabalho já realizado pelos anteriores Glosadores.
Para tal, selecionou todas as glosas referentes a
textos do Corpus Iuris Civilis, conciliando ou
apresentando as diferentes opiniões
interpretativas. Deste trabalho resultou a
denominada “Glosa Ordinária” ou “Magna
Glosa”, que abarcou 96 940 glosas.
O trabalho de Acúrsio foi muito difundido, quer porque
as cópias do Corpus Iuris Civilis passaram a incluir a
Magna Glosa, quer porque a mesma foi aplicada nos
tribunais dos países do Ocidente europeu ao lado das
disposições de compilação justinianeia.
Em Portugal e por força das Ordenações, foi fonte de
Direito subsidiário.
A Magna Glosa de Acúrsio marca o fim de um ciclo e
o início de um período de transição na metodologia
da ciência jurídica. Por este motivo se designam os
juristas ulteriores de “pós-acursianos”. Surge, então,
um novo género na literatura jurídica- o “tractatus”,
uma exposição exaustiva e concentrada sobre um
instituto jurídico, já separada do texto legal. Assinala-se,
ainda, alguma evolução em determinados ramos do
Direito em direção à sua autonomia científica, como é
o caso do Direito processual e das normas notariais.
6. Difusão do Direito Romano justinianeu e da obra dos
Glosadores
6.1. Na Europa em geral. Causas dessa difusão. A
fundação das Universidades.
Pese embora o renascimento do Direito Romano tenha
tido a sua origem e o seu consequente epicentro em
Itália, a sua difusão estendeu-se, de forma generalizada,
a todos os países ocidentais, também em Portugal.
A principal razão desta difusão relaciona-se com a
permanência em Bolonha de estudantes estrangeiros.
Aqui, estes estudantes agruparam-se em 13 “nationes”,
formando, assim, a Universidade dos estudantes
estrangeiros, que coexistia com uma Universidade dos
estudantes italianos e com uma Universidade para os
estudantes de artes liberais. Foram estes estudantes
estrangeiros que, ao regressarem a casa, levaram
consigo os mais recentes ensinamentos sobre o Direito
Romano justinianeu.
Para além do protagonismo dos estudantes estrangeiros
merece especial destaque, para a difusão romanística, a
fundação progressiva de várias Universidades, nos
recentes Estados europeus, nos finais do século XII e
durante o século XII, onde se passaram a ensinar os
ramos do saber que então constituíam o ensino superior
(as Artes Liberais, o Direito, a Medicina, a Teologia e a
Filosofia).
Justamente devido à lecionação, num mesmo local, de
diferentes ramos do saber, aberta a escolares de diversas
proveniências, certas escolas começaram por ser
designadas por “Estudo Geral”. Concluídos os estudos,
os mestres conferiam aos seus alunos o “ius ubique
docendi”, que permitia aos estudantes aprovados
ensinar em qualquer parte do mundo cristão.
Só mais tarde é que o termo Universidade começou a ser
utilizado, sendo que não tinha, na altura, a mesma
significação que tem nos dias de hoje. Com efeito, a
Universidade não era encarada como um conjunto de
departamentos ou faculdades, mas como uma
comunidade de mestres e alunos, congregados para
ensinar e aprender, respetivamente (universitas
magistrorum et scholarium), e um ambiente em que se
cultivavam com profundidade todos os ramos de saber
(universitas scientiarum). Durante algum tempo, os
termos “Universidade” e “Estudo Geral” foram
utilizados indiferenciadamente, tendo o primeiro, como
se sabe, acabando por prevalecer.
O surgimento das Universidades está associado a vários
fatores:
 O espírito corporativo existente (reunião, num
mesmo corpo, de diferentes profissionais do
estudo);
 O progresso generalizado do saber;
 As novas conceções sobre a ciência e sobre os
seus diversos ramos;
 A formação e o crescimento dos centros urbanos;
 Em especial, o desenvolvimento do Direito
Romano e do Direito Canónico.
As Universidades não foram todas criadas da mesma forma:
1. Na verdade, houve casos em que estes polos de estudo
surgiram consuetudinária e espontaneamente, como
resultado da evolução e corporativização de pequenas
escolas pré-existentes, monásticas, diocesanas ou
municipais, dinamizadas pelo protagonismo dos seus
mestres. Exemplo: Universidade de Bolonha,
“iluminada”, no Direito Romano, por Irnério e, no
Direito Canónico, por Graciano.
2. Uma outra forma de surgimento das Universidades foi o
desmembramento ou separação de núcleos já
existentes, o que era facilitado pelo reduzido lastro
físico destes centros de estudo. Com efeito, a pedra de
toque das Universidades não estava tanto nos poucos
recursos que dispunham, mas na qualidade dos mestres
e dos estudantes. Exemplo: Uma secessão da
Universidade de Oxford, em 1209, levou à criação da
Universidade de Cambridge e uma secessão da
Universidade de Bolonha, em 1222, esteve na origem do
aparecimento da Universidade de Pádua.
3. Finalmente, as Universidades podiam ser criadas por
iniciativa do próprio poder político. Estes casos (a
partir do século XIII) acabaram por se tornar na regra
(Universidades ex privilégio). No entanto, elas não
provinham de uma instituição com uma tradição
científica já firmada, pelo que necessitavam de
confirmação pontifícia para serem elevadas ao nível das
suas congéneres e para serem reconhecidos os graus
académicos por aquelas conferidos. Só depois dessa
confirmação pelo Papado é que estas Universidades
podiam conferir o ius ubique docendi. Exemplo:
Universidades de Nápoles, Toulouse e Coimbra.
No final do século XIII, já existiam 14 Universidades
espalhadas por toda a Europa. Elas afirmaram-se, desde
sempre, com espaços de liberdade e de mobilidade, onde
mestres e alunos trabalhavam em conjunto na procura e na
transmissão do conhecimento científico (universitas
magistrorum et scholarium e universitas scientiarum).
6.2. Na Península Ibérica e especialmente em Portugal
O “renascimento” do Direito Romano e o epicentro do seu
estudo e divulgação aconteceu em Itália. No entanto, a sua
difusão extravasou aqueles limites geográficos,
disseminando-se um pouco por toda a Europa, não sendo a
Península Ibérica exceção.
Apesar de essa difusão se ter começado a sentir nos finais do
século XII, em particular nas regiões do Nordeste Peninsular,
que mais contactou com o resto da Europa, foi já durante o
século XIII que a mesma se consolidou.
Em Portugal, algumas das pessoas que conhecia os textos dos
Glosadores e que estavam cientes do renovado interesse no
cultivo do Direito Romano encontravam-se entre os
conselheiros dos primeiros monarcas. De resto, são
múltiplos os vestígios de familiaridade com o Direito Romano
renascido que, desde o final do século XII, chegaram até aos
nossos dias, nomeadamente códices e livros de Direito
Romano e de Direito Canónico.
Porém, não se pode sustentar que que data do final do século
XII a receção, em Portugal, do Direito Romano renascido,
uma vez que tal pressupões a sua aplicação na prática
quotidiana, o que não aconteceu desde logo, mas antes
progressivamente durante o século XIII (aqui é que se pode
falar de uma receção em escala relevante do Direito Romano
justinianeu e da obra científica dos Glosadores, aqui sim,
sentida a prática judicial e notarial).
Para tal receção no século XIII contribuíram decisivamente as
Universidades, que lançaram para a vida prática profissionais
muito mais conhecedores do Direito do que os velhos juízes,
advogados e tabeliães, que nem sempre conheciam as normas
aplicáveis. Estes novos profissionais constituíram uma nova
classe de juristas, que se instalaram predominantemente perto
da Corte e de centros religiosos. A eles se deveu,
verdadeiramente, a receção entre nós e a difusão do Direito
Romano.
7. Fatores de penetração do Direito Romano renascido na
Península Ibérica e em Portugal
Os fatores de penetração do Direito Romano renascido na
Península Ibérica foram, essencialmente, os mesmos em
Espanha e em Portugal.
7.1. Mobilidade de estudantes peninsulares e de
jurisconsultos estrangeiros
O papel desempenhado pelos estudantes peninsulares foi
um importante fator de penetração do Direito Romano.
Estes, predominantemente eclesiásticos, acorreram aos
novos centros de cultivo e ensino do Direito existentes em
França e em Itália, especialmente à Escola de Bolonha.
Os estudantes oriundos de qualquer local da Península
Ibérica eram, por norma, chamados, indistintamente, de
“hispanos”, isto é, habitantes da Hispânia. Tal tratamento
indistinto dificulta a determinação de exata naturalidade de
alguns estudantes.
Exemplos de alguns estudantes portugueses: Pedro
Hispano (futuro Papa João XXI) e João de Deus (o mais
destacado coetâneo jurista pátrio). Justamente pelo seu
crescimento, na Universidade, a nação dos “Hispani”
acabou por ser subdividida nas nações de Portugal,
Catalunha, Aragão e Navarra.
Estes juristas, após concluírem os seus estudos no
estrangeiro, regressavam geralmente a Portugal, onde
ocupavam postos proeminentes na Igreja, na política
e/ou ensino, por eles passando essencialmente a difusão do
Direito Canónico e do Direito Romano.
Paralelamente ao fluxo de estudantes portugueses que se
deslocavam a França e a Itália para se formarem, registou-
se também um movimento de jurisconsultos estrangeiros
para a Península Ibérica, onde desempenharam funções
como conselheiros dos primeiros monarcas.
7.2. Difusão do Corpus Iuris Civilis e da Glosa
À medida que os juristas regressavam já especializados das
Universidades, traziam consigo vários textos que se
revelaram importantes para a difusão do Direito
Romano, passando a ocupar lugar nas bibliotecas para a
difusão do Direito Romano, passando a ocupar lugar nas
bibliotecas e a figurar nos seus inventários e passando a ser
citados frequentemente (também em deixas testamentárias
de clérigos e de juristas seculares). Entre estes textos,
destacam-se as múltiplas edições do Corpus Iuris Civilis,
acompanhadas da glosa acursiana.
7.3. Ensino do Direito Romano nas Universidades
A primeira Universidade a ser fundada na Península
Ibérica foi a Universidade de Palência, em 1212. A
sua organização e funcionamento inspirou as
Universidades sucessivas, nomeadamente a de
Salamanca, fundada como tal, em 1218, por Afonso
IX, rei de Leão, com a categoria de Estudo Geral do
seu reino, consolidada por volta de 1250.
Em Portugal, no reinado de D. Dinis, foi criada a
primeira Universidade. Os historiadores divergem
quanto à data exata da sua fundação, oscilando entre
1288 e 1290. O certo é que- e é esta a data
fundamental- a 9 de agosto de 1290, o Papa
Nicolau IV promulgou a bula confirmatória “De
statu Regni Portugalie”, a qual oficializou o
Estudo Geral.
Quem frequentasse e concluísse os estudos na
Universidade portuguesa poderia obter os graus de
licenciado em Direito Canónico e em Direito Civil,
ficando investido do ius ubique docendi, que lhe
permitira ensinar em toda a Respublica Christiana.
A Universidade portuguesa, que começou por ser
instalada em Lisboa, transferiu-se, entre o final do
século XII, por várias vezes, de Lisboa para
Coimbra e de Coimbra para Lisboa, acabando por se
fixar, definitivamente, em Coimbra, em 1537, já no
reinado de D. João III (a Universidade de Coimbra
permanece, assim, hodiernamente, como a primeira
Universidade a ter sido criada no nosso país).
Não obstante a existência de uma Universidade no
reino, o fluxo de estudantes que acorria à frequência
e aprendizagem em Universidades estrangeiras
famosas não estancou, o que contribuiu para a
continuação da difusão do Direito Romano.
7.4. Legislação, prática e produção de obras jurídicas
de inspiração romanística
A presença do Direito Romano tornou-se detetável
um pouco em todos os fenómenos de juridicidade,
quer na nova legislação, entretanto elaborada, quer
na prática, quer, por fim, na produção de obras
jurídicas.
No que concerne às obras jurídicas, elas foram
inicialmente escritas em castelhano. No entanto,
algumas delas forma, nos finais do século XIII,
traduzidas para português e chegaram a ter ampla
utilização, inclusivamente como fontes de Direito
subsidiárias. Duas destas obras de índole doutrinal,
foram as “Flores de Derecho” e os “Nueve tempos
de los pleitos”, escritas por Jácome Ruiz, que eram
compêndios de Direito Processual Civil de
inspiração romano-canónica.
É também de registar a política legislativa que a
maioria dos historiadores de Direito atribui, nesta
época, ao rei D. Afonso X de Leão e Catela, o Sábio
(1252/1284), coevo do nosso rei D. Afonso III. Com
efeito, D. Afonso X procurou reivindicar para si a
produção e criação jurídicas, mas também cuidou de
uniformizar e renovar o Direito de Leão e de
Castela, através de obras legislativas.
No âmbito desta política, destacam-se:
 por um lado, o Fuero Real, uma compilação
das normas jurídicas municipais, incidentes
sobre o Direito Privado e sobre o Direito
Penal, destinada às cidades que não possuíam
foro ou que pretendiam substituir o seu foro
por outro mais perfeito e atualizado, na qual
se constatam consideráveis reflexos
romanísticos e canonísticos a propósito de
soluções jurídicas concretas.
 por outro lado, as Siete Partidas, uma
exposição jurídica de caráter enciclopédico,
dividida em sete partes, que conheceu
múltiplas reelaborações ao longo do tempo,
essencialmente inspirada no Direito romano-
canónico.
O real alcance das Siete Partidas como fonte de
Direito é discutível, mas não oferece dúvidas que
a coletânea desempenhou um papel relevante na
formação de juristas e que chegou a ser
considerada, no reino de Castela e em meados do
século XIV, como fonte legal de Direito
subsidiário.
Em Portugal, elas foram, as Siete Partidas,
também o texto mais difundido, embora nunca
tenham, formalmente, chegado a vigorar como
fonte subsidiária.
8. Escola dos Comentadores
8.1. Origem e evolução da escola. Principais
representantes.
A Escola dos Glosadores, depois e viver o seu período
áureo durante o século XII, entrou em declínio no início do
século XIII.
Esgotado o método da Glosa com os Glosadores pós-
Acursianos, surgiu, no século XIV, um novo instrumento
de trabalho, o comentário.
Comentário: pequeno esclarecimento, de tipo lógico-
sistemático, já não literal-interpretativo, como era a glosa.
E, à semelhança do que sucedeu com esta última, também
este método de trabalho cunhou uma das nomenclaturas
pela qual a nova Escola ficou conhecida para a História:
Escola dos Comentadores.
O aparecimento da nova Escola- primeiro surgida em
França, em Orléans, com Jacques de Revigny e Pierre de
Belleperche, depois desenvolvida em Itália- está
intimamente ligado, por um lado, à decadência da Escola
dos Glosadores e, por outro lado, à aberta utilização da
dialética aristotélica no estudo do Direito.
Em que é que consiste o novo método dialético ou
escolástico?
É um método próprio da escola, sob orientação do mestre
(escolástico). Está baseado na leitura de textos de autores,
através da técnica da quaestio: o debate, em face de
determinadas teses, dos argumentos pro, dos argumentos
contra e a apresentação da solutio.
Em bom rigor, não se pode, contudo, dizer que a Escola dos
Glosadores terminou, dando lugar à Escola dos
Comentadores. Com efeito, o método do comentário já
vinha sendo utilizado. Simplesmente, até então, não
consubstanciava o método dominante, lugar que era detido
pela glosa.
Agora há uma nova perspetiva: o Comentador, indo para
além do Glosador, não só procedia à exegese do texto sobre
o qual trabalhava, como procurava ainda sistematizar as
normas e os institutos jurídicos de um modo mais
apurado, articulando a História das palavras, a análise
crítica e a síntese. Percebe-se, por isso, nos Comentadores,
um maior pragmatismo do que aquele que possuíam os seus
antecessores, procurando, sobretudo, resolver problemas
concretos.
Os Comentadores adotaram uma postura diferente perante
os textos jurídicos romanos, mais desprendida do rigor
positivo do texto, tendo em consideração as glosas e
comentários que já tinham sido feitos ao texto interpretado.
Recorreram, ainda, a outras fontes de Direito,
nomeadamente o ius proprium, ou seja, as normas
concretas de cada país (costumes, estatutos e leis locais), e
ao Direito Canónico, acabando por criar novos institutos e
mesmo novos ramos do Direito.
A Escola dos Comentadores regista o seu auge entre o
início do século XIV e meados do século XV, tendo-se
destacado, logo no século XIV, Cino de Pistoia, Bártolo e
Baldo e, no século XV, Paulo de Castro e Jasão.
No entanto, foi Bártolo, pela sua produtividade e
influência, o jurista mais importante da Escola dos
Comentadores. Deste modo, os comentários de Bártolo,
pelo seu prestígio generalizado, tornaram-se fonte
subsidiária de Direito nos diversos ordenamentos jurídicos
europeus, tendo sido supletivamente aplicados em Portugal,
através das Ordenações, a par da Glosa de Acúrsio.
8.2. Significado da obra dos Comentadores. A
“Communis Opinio”
O método dos Comentadores caracterizou-se, assim:
• Pela utilização dos esquemas mentais dialéticos ou
escolásticos;
• Pelo afastamento crescente da estrita letra dos
textos jurídicos justinianeus;
• Pela utilização de um sistema heterogéneo de
fontes do Direito;
• Pelo acentuado pragmatismo das soluções
jurídicas encontradas.
A utilização deste método foi o alicerce do surgimento de
novas instituições e disciplinas que não tinham raiz
específica romana, no âmbito do Direito Comercial,
Marítimo, Internacional Privado, Civil, Penal e Processual.
Acima das diferenças, é de destacar a matriz comum das
escolas jurídicas medievais:
• Elas partem, não do sistema jurídico no seu todo,
mas da situação jurídica concreta;
• A solução não se obtinha a partir da subsunção do
facto à norma legal, mas sim pela ponderação da
justiça no caso concreto, sendo em função desta
que era achada a norma aplicável. Portanto, ia-se
do facto para a norma, e não da norma para o
facto.
Ao longo da segunda metade do século XV, regista-se o
declínio e o esgotamento das potencialidades da Escola dos
Comentadores. Isto justifica-se:
 Pelo emprego rotineiro e cristalizador do
método do comentário, que levou ao excesso de
casuísmo, à estagnação da produção jurídica e à
perda da preocupação criativa;
 Pela repetição dos argumentos já anteriormente
utilizados por outros autores e ao uso abusivo
da autoridade de que estes gozavam, a ponto de
a dada altura, os problemas concretos que eram
colocados aos Comentadores serem “resolvidos”
apenas mediante a confeção de listas de
argumentos e de autores num sentido e noutro.
Relativamente ao princípio da autoridade (auctoritas): a
autoridade (o saber socialmente reconhecido) era aferida
através da communis opinio que fosse partilhada sobre uma
certa questão.
Communis opinio: começou por ser o parecer ou o
sentimento generalizado que as pessoas nutriam em face de
determinado assunto, mas, a partir do século XIII, passou a
abranger também o parecer ou o entendimento dos doutores,
daqueles que gozavam de auctoritas, e, a partir do século XV,
passou a referir-se exclusivamente ao parecer ou
entendimento destes últimos.
A evidência é própria das ciências teóricas, como a
matemática ou a metafísica, ao passo que a probabilidade é
própria das ciências práticas, como a Moral ou o Direito: estas
estudam o comportamento humano, sujeito a circunstâncias
variáveis. A opinião comum ou maioritária ajuda a
identificar a probabilidade especulativa e, assim, a alcançar
uma verdade prática, com a qual os operadores e a
comunidade podem contar na aplicação do Direito. Ainda hoje
se continua a utilizar o argumento de autoridade, a par dos
argumentos racionais.
Nas Ordenações Manuelinas, a não oposição à communis
opinio docotum chegou a ser requisito para a relevância
subsidiária da Glosa de Acúrsio e do Comentário de Bártolo.
9. O Direito Canónico e a sua importância
Paralelamente ao renascimento do Direito Romano e
intimamente relacionada com esse renascimento está a
renovação do Direito Canónico, aquém e além-fronteiras.
O estudo do Direito Canónico evidencia:
 em primeiro lugar, um interesse histórico geral,
dada a importância da Igreja Católica num país de
matriz cristã como Portugal (deve salientar-se o
interesse para a história social e política do
conhecimento das suas instituições e organização);
 um interesse para a História do Direito Português,
dado o significado muito valioso deste ordenamento
no quadro histórico das fontes do sistema jurídico
português, que se prolonga até aos tempos modernos.
Qual o lugar particular do Direito Canónico na História
do Direito Português quanto às fontes do Direito?
Ele ocupou um lugar principal enquanto o Direito
Português foi um sistema pluralista, ou seja, enquanto
nele coexistiu uma série de factos normativos de
proveniência diversa (romana, germânica, canónica,
judaica), formalmente correspondendo a uma pluralidade
de fontes (desde a independência de Portugal até ao século
XV com a promulgação das Ordenações Afonsinas).
A partir da promulgação das Ordenações Afonsinas (século
XV), o Direito Canónico foi considerado como Direito
subsidiário e afirmou-se um domínio do Direito emanado
do poder central, acabando o Estado por proclamar a
redução do Direito aos atos jurídicos por ele promulgados.
Mais do que um interesse histórico, evidencia também um
interesse jurídico (rectius, talvez sobretudo hoje) se faz
sentir.
Assim, por exemplo, da compreensão básica do Direito da
Igreja se pode inferir, por exemplo, que a vigência de uma
norma não se liga necessariamente a uma forma pré-
determinada, mas pode derivar da merda convicção
social da sua obrigatoriedade, isto é, do costume.
O Direito Canónico consagra, entretanto, uma solução
mais ampla do que o Direito secular quanto à
integração de lacunas normativas, mais aberta à riqueza
dos recursos revelados pela experiência jurídica universal, à
doutrina e à jurisprudência.
Análogas considerações se podem fazer sobre a estrutura
dos atos jurídicos em geral: o seu estudo em Direito
Canónico recorda-nos que os efeitos jurídicos se
produzem mais em atenção à vontade que a eles adere do
que às formalidades que os condicionam. O que se pode
notar especialmente no casamento.
Estudar o Direito da Igreja é, assim, conhecer a origem de
muitas instituições recebidas no Direito secular, como o
casamento, a personalidade coletiva e a hierarquia
administrativa.

Assim, o Direito Canónico pode levar à aquisição de


conteúdos muito relevantes para a formação jurídica geral,
além de ser um bom antídoto contra o positivismo (lei), o
dogmatismo (conceitos) e o estreito nacionalismo (sistema
jurídico nacional), apontando para a universidade da ciência
jurídica.
Entretanto, o Direito Canónico não é uma relíquia guardada e a
visitar num museu. Não, ele é o Direito de uma comunidade
social viva, diferente da comunidade política, que é da Igreja
Católica.
10. Conceito de Direito Canónico
O Direito Canónico- enquanto ordem- pode definir-se
como a ordenação social imperativa que estrutura as
relações intersubjetivas segundo princípios de justiça
inerentes à realidade da comunidade eclesial (mysterium
ecclesiae).
Assim, o Direito Canónico é uma ordem ou ordenação
social e imperativa; é uma ordenação que estrutura as
relações intersubjetivas na comunidade eclesial; é uma
ordenação social justa, que se pauta por princípios
específicos que lhe são inerentes (o mysterium ecclesiae,
mistério que provém de uma Revelação divina); enfim, é
uma ordenação que se socorre de normas e não um
mero conjunto de normas.
O Direito Canónico dá origem a “cânones”, por oposição
ao Direito da comunidade política, que dá origem a
“normas”. Em sentido estrito, os cânones abrangem apenas
as normas emanadas dos Concílios (“cânones
conciliares”), por oposição aos decretos ou cartas
decretais, normas provenientes da direta iniciativa dos
Papas.
No que respeita às fontes do Direito Canónico, temos que
os seus princípios fundamentais se baseiam na
Revelação de Deus, feita através de Cristo e dos seus
seguidores diretos, os Apóstolos. Estes princípios assim
revelados- e que prevalecem sobre as demais fontes do
Direito Canónico- constituem as chamadas fontes de
Direito divino, por contraponto às denominadas fontes
de Direito humano.
São fontes de Direito divino a Tradição viva e a Sagrada
Escritura.
 Tradição viva- consubstancia-se na transmissão da
mensagem não escrita de Cristo, realizada desde as
origens do cristianismo, mediante a pregação, o
testemunho, as instituições e os escritos inspirados
por Deus. Os Apóstolos transmitiram a Tradição
aos seus sucessores, os Bispos, e através deles vem
sendo transmitido a todas as gerações de cristãos
tudo quanto receberam de Cristo ou aprenderam por
inspiração divina.
 Sagrada Escritura- composta pelo Antigo e Novo
Testamento, isto é, respetivamente, textos redigidos
antes e depois de o Filho de Deus se ter feito
Homem, é o conjunto de escritos humanos
considerados como diretamente inspirados por
Deus, que ensinam, com certeza, as verdades
necessárias à salvação.
Apesar da existência da Sagrada Escritura, a fé cristã
não se assume propriamente como “uma religião do
livro”, mas sim como uma religião da Palavra de Deus,
do próprio Deus que se revela em Cristo.
A Igreja Católica não procura nem realiza inovações,
limitando-se a propor ou a interpretar declarativamente
os conteúdos da Tradição viva e da Sagrada Escritura.
Além destas, o Direito Canónico conta também com
fontes de Direito humano: costume, decretos dos
pontífices romanos, cânones dos concílios ecuménico,
atos emanados de outras autoridades eclesiásticas,
concórdias ou concordatas, doutrina, jurisprudência
e normas civis canonizadas.
11. Evolução do Direito Canónico; o Direito Canónico
anterior ao século XII
O Direito Canónico pode dividir-se em 5 fases evolutivas:
 Período do Direito Antigo: desde o início até ao
Decretum Graciano (1140)
 Período do Direito Renovado: de 1140 a Concílio
de Trento (1545-1563)
 Período da Reforma Católica: de 1563 ao 1º
Código de Direto Canónico (1917)
 Período do Código de 1917: de 1917 até 1962,
abertura do Concílio Vaticano II
 Período do Consílio Vaticano II e das codificações
posteriores: o Código de Direito Canónico de 1983
e o Código dos Cânones das Igrejas Orientais de
1990
Depois de uma primeira fase em que praticamente
existiram apenas fontes de Direito divino, começaram a
despontar o costume (nota essencial de qualquer
fenómeno jurídico) e as outras fontes de Direito
humano, os modos normais de criação de normas novas,
atenta a interpretação meramente declarativa que a
Igreja Católica realiza das fontes de Direito divino.
A proliferação de normas canónicas escritas levou
entretanto ao aparecimento da necessidade de elaborar
coletâneas para as reunir e sistematizar. As primeiras
coletâneas a serem elaboradas foram-no no Oriente,
muito embora tenham sido difundidas no Ocidente
com a inclusão de disposições pontifícias e disposições
conciliares aplicáveis e relativas ao Ocidente.
Destas coleções, apontam-se os “Capitula Martini”,
organizados por S. Martinho de Dume, em 563, e a
“Collectio Hispana” ou “Collectio Isidoriana”
(erradamente atribuída a S. Isidoro de Sevilha),
mandada elaborar pelo Concílio particular decorrido em
Toledo (633), aprovada oficialmente pelo Papa
Alexandre III, no século XII, e que continha normas dos
Concílios peninsulares, que daí passaram para o Decreto
de Graciano. A “Collectio Hispana” assumiu grande
projeção e contribuiu de modo relevante para o
progresso jurídico.
Também nas coletâneas de Direito secular se
encontravam preceitos sobre matérias eclesiásticas.
Assim sucedeu nas compilações de Justiniano ou nas
codificações visigóticas.
Apesar do seu desenvolvimento, da necessidade do seu
estudo e da elaboração de algumas compilações, só
nos finais do século XI e nos princípios do século XII
se poderá começar a falar, propriamente, em ciência do
Direito Canónico, tendo por objeto um conjunto de
cânones sistematizados e aprofundados,
suficientemente demarcado da matéria de estudo e de
trabalho da Teologia e do Direito Romano.
12. Movimento renovador do Direito Canónico
É no século XII que se assiste ao movimento renovador
do Direito Canónico, fenómeno ao qual não são alheios os
fatores que contribuíram também para o renascimento do
Direito Romano. Avulta assim, neste período, a experiência
de um Direito sábio, fruto da aliança entre a Santa Sé e a
Universidade.
Entre o Direito Canónico e o Direito Civil existia uma
relação de proximidade, que se manifestava, por exemplo,
na preparação e nos graus académicos (in utroque iure),
considerando-se, na época, que só o jurista que dominasse
estes dois âmbitos do Direito teria uma formação completa.
No entanto, apesar da transformação normativa e
dogmática do Direito Canónico que tem lugar a partir
do século XII- com a organização de coletâneas mais
perfeitas de cânones, em substituição das anteriores, e com
a reelaboração científica baseada nos novos corpos
normativos- não se pode falar aqui de qualquer
“renascimento”, sequer em sentido mitigado; com efeito,
nunca houve uma quebra de continuidade na evolução
jurídico-canónica: o ordenamento canónico manteve-se
sempre vigente, acompanhando a presença viva da Igreja
Católica e sobrevivendo à queda do Império Romano
ocidental.
O que levou ao movimento renovador do Direito
Canónico?
12.1. Coletâneas de Direito Canónico a partir do século
XII. O Corpus Iuris Canonici. Síntese da evolução
subsequente das fontes escritas
O surgimento de novas coletâneas está relacionado com o
esforço, por parte do Papado, de unificação normativa da
Igreja, combatendo os excessivos particularismos
nacionais e regionais.
É dentro desta lógica que surge, por volta de 1140, o
Decreto de Graciano ou Concordia Discordantium
Canonum. Graciano procurava, com a sua coletânea,
coordenar, harmonizar e esclarecer preceitos canónicos
de diversas proveniências (os Concílios, os Papas, entre
outros), agrupando-os de forma sistemática.
Na sua elaboração forma levados em conta a teleologia ou
significação dos cânones, o tempo em que foram
elaboradores, o local de onde provinham e o caráter geral
ou excecional que assumiam.
O Decreto de Graciano era uma coletânea privada, mas,
pela sua perfeição técnica e amplitude, difundiu-se
como se se tratasse de uma coletânea oficial.
Outra coletânea foi a das “Decretais de Gregório IX” ou
“Decretais”, organizada por S. Raimundo de Peñaforte
e promulgada, em 1234, pelo Papa Gregório IX.
Trata-se de uma coletânea que recolhe, sobretudo, normas
pontifícias, posteriores ao “decreto de Graciano”,
dividida em 5 livros que abrangiam âmbitos
jurídicoeclesiásticos diversos.
A relação entre o Decreto de Graciano e as Decretais de
Gregórios IX era similar à que existia entre o Digesto (que
continha o Direito Romano antigo) e o Codex (que
continha o Direito Romano mais recente) no Corpus Iuris
Civilis.
Depois do surgimento destas coletâneas continuaram,
naturalmente, a publicar-se novas normas pontifícias. Deste
modo, em 1298, com uma iniciativa do Papa Bonifácio
VIII, foi publicado o Liber Sextus, que aglutinou um
conjunto de normas surgidas após as Decretais de Gregório
IX.
Uma 4ª coletânea, surgida e aprovada oficialmente pelo
Papa Clemente V, ficou conhecida como Clementinas.
Após o Concílio de Vienne, decorrido em França, em 1311-
1312, este Papa ordenou que fossem reunidos num corpo os
cânones decorrentes daquele concílio, bem como as
decretais que aquele Pontífice havia promulgado. Clemente
V viria, porém, a morrer, em 1314, só sendo as
Clementinas publicadas em 1317, já no pontificado do Papa
João XXII.
Seguiram-se duas coletâneas privadas extravagantes: as
Extravagantes de João XXII e as Extravagantes
Comuns. Em 1500, publicou-se, num só texto, não só as 4
coletâneas anteriormente mencionadas, como também
outras decretais e um índice acrescentados por iniciativa do
editor. Assim, as Extravagantes de João XXII continham
as decretais do Papa João XXII e as Extravagantes
Comuns agrupavam também as decretais dos Papas
subsequentes.
Não obstante o Decreto de Graciano e as duas
Extravagantes terem natureza privada, todos foram
integrados no Corpus Iuris Canonici, nome pelo qual
ficou conhecida, a partir de 1580, a versão revista das
compilações anteriores, aprovada pelo Papa Gregório XIII.
Esta obra incorporou, assim, as fontes básicas do Direito da
Igreja, que vigorariam durante o período da Reforma
Católica, até 1917.
A Reforma Católica dar-se-ia com o Concílio de Trento
(1545-1563), em reação ao movimento da Reforma
Protestante. Afirmaram-se algumas questões postas em
dúvida pelos protestantes e tomaram-se também decisões
disciplinares que robusteceram a organização da Igreja.
O Corpus Iuris Canonici só seria revogado pelo Codex
Iuris Canonici, mandado elaborar pelo Papa S. Pio X e
promulgado pelo Papa Bento XV, em 1917. Trata-se de um
código em sentido técnico, com rigor científico, sintético e
sistemático e não uma mera coletânea.
Devem, por fim, assinalar-se- na esteira da renovação do
Direito da Igreja segundo as diretrizes do Concílio
Vaticano II (1962-1965) - o Código de Direito Canónico
de 1983 (aplicável aos fiéis católicos de rito latino) e o
Código dos Cânones das Igrejas Orientais de 1990
(aplicável aos fiéis católicos que pertencem aos ritos
orientais).
12.2. Renovação da ciência do Direito Canónico.
Decretistas e decretalistas.
Nos séculos XII a XIV, a atividade legislativa, no seio do
Direito Canónico, foi muito superior à desenvolvida pelos
monarcas dos Estados daqueles séculos.
Existiu, à época, um confronto entre os dois
ordenamentos jurídicos diferentes de Direito comum,
básicos e de vocação universal, sendo que um deles
assentava nos textos canónicos assim coligidos e outro nos
preceitos romanísticos.
A sempre complexa e melindrosa relação entre o poder
político e espiritual deu lugar ao problema peculiar da
época medieval, de discussão da supremacia dos
poderes, na qual canonistas e legistas defenderam,
respetivamente, a hegemonia do poder pontifício ou do
poder temporal.
A par desta querela, já conhecida, os canonistas tiveram
necessidade de proceder a uma atualização normativa e
à interpretação e aplicação de novos preceitos, assim
contribuindo para a renovação do Direito Canónico.
Para essa tarefa de atualização, interpretação e inovação os
canonistas seguiram uma metodologia paralela à que já se
viu ter sido utilizada para trabalhar o redescoberto Direito
Romano: primeiro a técnica da glosa e, depois, a técnica
do comentário.
Conforme os canonistas trabalhassem sobre o Decreto de
Graciano sobre as Decretais de Gregório IX eram
conhecidos como decretistas ou decretalistas.
13. Penetração do Direito Canónico na Península Ibérica e
em Portugal
13.1. Considerações gerais
Os peninsulares que acorram aos polos de formação e
de ensino que floresceram em Itália e em França
provinham, na sua maioria, do clero. Por este motivo,
estudavam o renascido Direito Romano, mas orientavam-se
sobretudo para o Direito Canónico.
São conhecidos alguns decretistas e decretalistas oriundos
da Península Ibérica, como o espanhol S. Raimundo
Penãforte (a quem o Papa Gregório IX incumbiu de
elaborar os Decretais) ou os portugueses João de Deus
(eminente jurista pátrio que frequentou a Universidade de
Bolonha) e Domingos Domingues (canonista português do
século XIII).
Para além da ação destes peninsulares que se deslocaram
para fora da Península Ibérica para se formarem e depois
transmitirem os seus conhecimentos adquiridos, a
penetração e a difusão do Direito Canónico na
Península ficou a dever-se ainda a outros fatores, como a
divulgação de textos de Direito Canónico, através de
cópias e de traduções diversas.
Por fim, cumpre enfatizar o ensino do Direito Canónico
nas próprias Universidades da Península Ibérica, muito
embora a uma escala menor do que a vivida em Bolonha,
Universidade que sempre gozou de maior prestígio.
13.2. Aplicação judicial do Direito Canónico
O conhecimento do Direito Canónico tinha, à época, não só
um interesse teórico, mas também um interesse prático,
dado que o mesmo era aplicado quer nos Tribunais
eclesiásticos, quer também nos Tribunais civis.
13.2.1. Aplicação nos Tribunais eclesiásticos
O Direito Canónico era, antes de mais, o ordenamento
jurídico próprio dos tribunais eclesiásticos.
A competência dos Tribunais eclesiásticos fixava-se em
função de matéria que estava a ser julgada (ratione
materiae) e em função das pessoas que estavam em juízo
(ratione personae).
 Ratione materiae: assinala-se que determinadas
matérias eram consideradas como sendo próprias da
jurisdição canónica, como o matrimónio, os bens da
Igreja, os testamentos com legados ou espirituais ou
os benefícios eclesiásticos (patrimónios ligados a
certos ofícios na Igreja).
 Ratione personae: refere-se que certas pessoas só
podiam ser julgadas nos tribunais da Igreja,
nomeadamente os clérigos e todos aqueles a quem se
concedesse tal privilégio.
13.2.2. Aplicação nos tribunais civis
É uma verdade que o Direito Canónico se chegou a
aplicar nos tribunais civis, mas é discutível a sua
extensão.
A maioria da doutrina pátria defende que o Direito
Canónico consubstanciava uma fonte imediata de
Direito aplicável e, que, inclusivamente, teria valor
superior ao do Direito nacional, sustentando tal
entendimento numa decisão que o rei D. Afonso II
tomou na Cúria de Coimbra, em 1211, onde
determinou que as leis não poderiam contrariar os
direitos da Santa Igreja de Roma. Desta posição
comungam Nuno J. Espinosa Gomes da Silva, Ruy de
Albuquerque e, aparentemente, Mário Júlio Almeida
Costa.
Há quem defenda a tese contrária, de que Direito
Canónico não prevalecia sobre o Direito nacional,
nem era aplicado imediatamente aos concretos casos
jurídicos. Assim entendem Guilherme Braga da Cruz
(para quem, na sua decisão de 1211, D. Afonso II
apenas pretenderia salvaguardar os direitos específicos
da Igreja) e José Mattoso.
Independentemente da posição que se tome sobre a
questão, a verdade é que, mais tarde, o Direito
Canónico passaria a fonte subsidiária de Direito.
Pela sua especificidade e pelas diferenças dos seus
objetos, o Direito Canónico era menos suscetível de
contradição com o Direito do poder político do que o
Direito Romano.
Na ausência de normas nacionais que
especificamente disciplinassem a questão concreta, o
Direito Canónico só prevaleceria sobre o Direito
Romano havendo “razão de pecado”, isto é, se a
observação das soluções impostas pelo Direito
Romano fosse contrária às exigências da moral
cristã.
14. O Direito Comum
O Direito Comum trata-se do sistema normativo de fundo
romano-canónico, consolidado pelos Comentadores, e
que constituiu a base da experiência jurídica europeia
até ao século XVIII.
O Direito Comum pode ser perspetivado em sentido
estrito, tomando apenas em consideração o sistema de
fundo romanístico, ou num sentido mais amplo,
aludindo tanto a esta ideia, como à influencia do Direito
Canónico. Prefere-se a última perspetiva.
O Direito Comum distinguia-se, assim, dos Direitos dos
ordenamentos jurídicos dos Estados, formados por normas
legislativas e consuetudinárias.
Os Comentadores não só versaram sobre o Direito
Romano e sobre o Direito Canónico, mas sobre os
Direitos próprios dos diferentes Estados, evoluindo
conforme o tempo e o país.
Durante os séculos XII e XIII, o Direito Comum, pelo
menos no plano teórico, sobrepôs-se aos assinalados
Direitos próprios. No entanto, nos séculos XIV e XV,
estas fontes nacionais conseguiram equilibrar com o Direito
comum, progressivamente alcançando o estatuto de fontes
primaciais dos respetivos ordenamentos jurídicos e
enviando o Direito Comum para o simples posto de Direito
subsidiário. No século XVI, há já uma independência
plena do “ius proprium” (fonte normativa imediata e
exclusiva do Direito) sobre Direito Comum (fonte
subsidiária do Direito mercê da vontade do soberano).
Entre nós, alguns juristas adotaram, contudo, a expressão
“Direito Comum” com significado de “Direito Português”
ou “Direito do nosso reino”, assim exprimindo a ideia de
que o Direito Romano só vigorava no nosso país pela sua
autoridade intrínseca- e não pela sua autoridade extrínseca
(negação, provavelmente, de qualquer ideia de jurisdição
imperial).
15. Fontes do Direito Português: de meados do século XII
às Ordenações Afonsinas
Corresponde à 1ª época do 2º Período da periodização
→ Época da receção do Direito Romano renascido e do
Direito Canónico renovado.
Abre o período do Direito Português de inspiração romano-
canónica e que consumará a autonomização efetiva e
progressiva em face das ordens jurídicas dos outros Estados
peninsulares.
15.1. A legislação geral. Publicação e entrada em vigor.
A partir do reinado de D. Afonso III, assiste-se à passagem
das leis gerais ao plano de principal fator de produção e
revelação normativa. Até então, era ainda o costume que
preponderava enquanto fonte de Direito, mas a lei geral
passou a ter predomínio entre os modos de criação de
preceitos novos.
Este fenómeno é acompanhado pelas crescentes influências
romanísticas e canonísticas, o que permite afirmar a
existência de um nexo de reciprocidade entre a receção
e divulgação do Direito Romano-Canónico e o aumento
e concentração da produção normativa do monarca.
Desde logo, repare-se que os reis tinham interesse-
atendendo ao reforço da autoridade régia- em recuperar e
fomentar determinados princípios estruturantes do
Direito Romano, dos tempos do Principado e do
Dominado, como, por exemplo, o princípio do “o que
agrada ao Príncipe tem força de lei” ou “o Príncipe não
está limitado pela lei”.
É assim que se dá início à centralização política e à
unificação do sistema jurídico, embora com atenuações
práticas, nomeadamente devido à presença das Cortes e ás
prerrogativas dos municípios).
A partir do reinado de D. Afonso III, a lei passa então a
ser vista como produto da vontade do soberano e
também como sua atividade normal, contrariamente ao
que se sucedia, por exemplo, com a vizinha monarquia
leonesa e em sentido diverso ao que havia sucedido no
reinado dos anteriores monarcas portugueses.
Até então, a promulgação de leis gerais era algo raro,
que exigia a convocação da Cúria para sua discussão e
subsequente aprovação- uma tradição de monarquia
limitada pelas ordens.
A partir daqui a lei deixa de ser uma fonte esporádica e
transforma-se no modo corrente de criação do Direito,
sendo elaborada sem o suporte político das Cortes. Em
contraposição, os reis rodeiam-se de juristas de formação
romanística e canonística tendo em vista melhorar a
perfeição técnico-jurídica das leis emanadas.
Não havia um regime fixo que disciplinasse a publicação
(ato de se dar conhecimento público) e a entrada em vigor
das novas leis. As leis tinham de ser manuscritas e
copiadas, sendo registadas na chancelaria régia, que
funcionava como mecanismo de fiscalização da
autenticidade das leis e elemento de prova do Direito em
vigor.
Tornou-se frequente a utilização dos tabeliães (notários da
época) para dar publicidade aos preceitos legais. Eles foram
encarregues do seu registo e leitura, o que era
especialmente importante, visto que a população era, em
grande medida, analfabeta.
Normalmente, as leis novas eram lidas semanalmente
durante um ano, mas este praxo e periodicidade variavam
consoante a importância da lei.
Quanto ao início da sua vigência, também não havia um
regime uniforme. A prática normal era a da aplicação
imediata da lei nova, apesar de haver casos de diplomas
legais com uma vacatio legis mais ou menos prolongada.
15.2. Resoluções régias
Os monarcas tomavam decisões nas Cortes, perante
representantes, solicitações ou queixas que lhes eram
apresentadas.
Quando estas decisões continham normas que se
deveriam observar de futuro, as decisões davam lugar a
verdadeiras leis. A única diferença destas resoluções
régias em relação às leis gerais elaboradas pelo monarca
prendia-se com a iniciativa, visto que em ambos os casos
a aprovação pertencia sempre ao rei.
A publicidade destas resoluções régias efetuava-se através
dos traslados ou cópias pedidos pelos procuradores dos
concelhos ou mediante solicitação dos interessados.
15.3. Decadência do costume como fonte do Direito
O costume decaiu como fonte de criação de
Direito novo, agora produzido sobretudo através de
leis gerais e das resoluções régias.
Os jurisconsultos da época já não encaravam o
costume apenas como a expressão tácita do
consentimento do povo, mas também como tácita
expressão da vontade do monarca. Um costume
valeria se apenas nos termos em que a vontade do
monarca não o contrariasse através de uma lei.
Assiste-se, assim, à subversão do fundamento
autónomo do costume como fonte de Direito.
15.4. Forais e foros ou costumes
Os forais consistiam em diplomas concedidos
pelos reis, nobres ou clérigos a povoações
disciplinando as relações entre povoadores,
habitantes e outorgantes. A sua importância
manteve-se nos reinados de D. Afonso III (1248-
1279) e D. Dinis (1279-1325). No entanto, a partir
do reinado de D. Afonso IV (1325-1357), cessa a
concessão de novos forais.
Diferente dos forais, assumiu importância, na
segunda metade do século XIII e no século XIV,
outra fonte de Direito, os foros/costumes. Consiste
em compilações de Direito local concedidas a
municípios ou organizadas por iniciativa destes e
que estiveram na base da vida jurídica dos
concelhos.
Estes disciplinavam todo o tipo de matérias
jurídicas, sobretudo de Direito Privado, e
possuíam um alcance muito mais vasto do que as
cartas de foral, cujo conteúdo frequentemente
reproduziam.
Na sua elaboração eram utilizados preceitos
consuetudinários, sentenças de juízes arbitrais ou
concelhios, normas criadas pelos municípios,
normas inovadoras acrescidas pelo compilador, entre
outros elementos.
Com os foros ou costumes iniciou-se uma nova era
na compilação do Direito consuetudinário peninsular
local. Como diz Paulo Merêa, tratou-se da
formalização e sistematização das normas
costumeiras.
Os foros ou costumes agrupavam-se em famílias
cujo estudo apresenta um avultado interesse
histórico.
Depois de reduzido a escrito, o Direito de uma
localidade era frequentemente comunicado a
outra, sendo-lhes introduzidas as especificidades
locais que o conformavam à sua imagem.
15.5. Concórdias ou concordatas
Os sucessivos atritos entre o poder espiritual e o
poder temporal fizeram-se sentir com especial
acutilância após a subida ao trono do rei D. Afonso
III. Daí que fosse necessária a celebração de
acordos entre os dois poderes tendo em vista o
reconhecimento dos direitos e dos deveres de
ambas as partes.
Cumpre enfatizar a questão do beneplácito régio,
isto é, a exigência de ratificação pelo poder
político das determinações pastorais da Igreja,
respeitantes no nosso país, nomeadamente as
pontifícias, antes de circularem. As primeiras
referências ao beneplácito encontram-se nas Cortes
de Elvas (1361), no reinado de D. Pedro.
O beneplácito é uma violação grave da liberdade
de autogoverno da Igreja Católica, que se
manteve- com uma breve abolição durante o
reinado de D. João II- até 1918, sendo a revogação
confirmada pela Concordata de 1940, já na vigência
da Constituição Portuguesa de 1933.
15.6. Direito subsidiário
Não obstante as diversas fontes de Direito, as
lacunas do ordenamento jurídico eram
frequentes, surgindo com regularidade situações
que não encontravam disciplina que as permitisse
resolver.
Até as Ordenações Afonsinas, o problema foi
deixado, basicamente ao critério dos juristas e dos
Tribunais. Recorreu-se, em larda escala, ao
Direito Romano, ao Direito Canónico e ao Direito
Castelhano, apesar de este último nunca ter
vigência oficial.
A este problema acrescia a impreparação técnica
dos juízes, sobretudo das comarcas, que tornava
difícil o acesso direto por estes às fontes romano-
canónicas. Daí que, numa primeira fase, se tenham
servido de textos escritos em segunda mão, obras
doutrinais e sínteses legislativas, como as Siete
Partidas.
Assim, a aplicação supletiva das obras de origem
castelhana decorreu sobretudo do mérito intrínseco
do seu conteúdo romano-canónico.
Pela mesma época, começaram a traduzir-se as
próprias fontes romano-canónicas e as mais
importantes obras doutrinais que as esclareciam
para português. Um exemplo disso foi quando D.
João I ordenou que se traduzisse para português o
Código de Justiniano, a Glosa de Acúrsio e o
Comentário de Bártolo, todos acompanhados de
resumos interpretativos dos vários preceitos, a fim
de evitar discrepâncias jurisprudenciais e de
assegurar uma correta aplicação do Direito Romano
a título subsidiário.
Terá havido, no entanto, frequentes preterições das
normas jurídicas nacionais e sobreposições, no
âmbito do Direito subsidiário, das fontes mediatas
castelhanas às fontes imediatas romano-canónicas.
16. Coletâneas privadas de leis gerais anteriores às
Ordenações Afonsinas
A prolixidade da produção legislativa reclamou a
necessidade de se proceder à sua compilação, mesmo antes
das Ordenações Afonsinas.
Estas compilações incluíam leis, costumes gerais e
jurisprudência e foram feitas por privados.
Muito embora não tenham sido objeto de aprovação
régia, podem ter sido utilizadas por organismos públicos e
há quem avance que podem ter constituído trabalhos
preparatórios das Ordenações Afonsinas, embora a tese
esteja contestada.
Destas coletâneas conhecemos duas: o Livro das Leis e
Posturas, uma mera compilação de preceitos do reinado de
D. Afonso II até ao reinado de D. Afonso IV; e as
Ordenações de D. Duarte, uma coletânea que não
consubstanciou qualquer codificação oficial da autoria
deste monarca, mas antes pertenceu à sua biblioteca, e que
reunia normas emanadas desde o reinado de D. Afonso II
até ao reinado do próprio D. Duarte.
17. Evolução das instituições
17.1. Evolução das instituições jurídicas
A este aspeto há que salientar a:
 crescente penetração das normas jurídicas e da
ciência romano-canónicas, que assim ocupavam
o lugar do empirismo anterior e permitiam a
Portugal integrar-se no mundo “Ius Commune”.
 a importância da influência das novas
doutrinas em matéria de Direito político,
nomeadamente na defesa da ordem pública, como
encargo exclusivo do Estado (assim se pondo
termo à possibilidade de vingança privada) e
também noutros domínios do Direito Público e do
Direito Privado.
 no domínio do processo, enfatiza-se a cisão entre
o processo civil e o processo penal, tendo neste
último, sido substituído o sistema acusatório
pelo sistema inquisitório (em que a dinâmica do
processo depende do juiz e não das partes).
Sublinha-se ainda a substituição da oralidade
pela escrita, a introdução do sistema de
recursos, a disciplina do ónus da prova (que
passa a recair sobre o queixoso) e a prevalência
da prova escrita sobre a prova testemunhal.
 no que concerne ao Direito Penal, assinala-se a
sua publicização e a tendência romanística para
o predomínio das sanções corporais em
detrimento das pecuniárias, assim como o
incremento das leis de aplicação geral. Além
disso, tende a considerar-se, na punição, as
circunstâncias que rodearam o delito, graduando
a pena em função das circunstâncias e da culpa
apurada.
 no Direito Privado, surgiram mudanças e novas
doutrinais nas instituições familiares e
sucessórias.
Em todos os domínios se fizeram sentir- direta ou
subsidiariamente- as influências do Direito Romano
renascido e do Direito Canónico renovado. Pode,
porém, sustentar-se que, regra geral, foram
predominantes as influências romanísticas, com
exceção de alguns setores em que os contributos do
Direito Canónico se destacaram. Foi o caso do Direito
da Família, bem como em domínios específicos como
a posse ou a usucapião, não se podendo ainda
menosprezar o seu contributo no Direito e no Processo
Penal.
17.2. Evolução do casamento, em particular a
história monográfica e dogmática
A família é uma instituição natural, anterior a
qualquer organização política ou jurídica: não é
meramente o produto de uma cultura, o resultado de
uma evolução, um modo de vida comunitário ligado a
uma certa organização social num determinado
momento histórico. Na verdade, a família e as relações
familiares, por serem naturais, são “realidade
intrinsecamente jurídicas”.
A natureza humana comporta uma dimensão
normativa- de dever ser no sentido de incluir um
princípio de orientação ao bem do ser humano, à sua
realização como pessoa, o que vale também no contexto
das relações familiares.
Ora, essa realização do ser humano encontra um campo
privilegiado na relação conjugal, também chamada de
relação matrimonial. Assim o foi ao longo dos séculos
e assim o continua a ser hoje.
Não pode, pois, dizer-se que a família, enquanto “célula
básica da sociedade”, o é por determinação da lei. Tal
afirmação não é mais do que a constatação legal de uma
realidade social e jurídica pré-legal, pré-existente à lei
positiva, realidade essa que enforma e conforma a
estruturação básica ou celular da sociedade hodierna,
papel que, de resto, representou nas sociedades
ancestrais.
Nesse sentido, o casamento constitui um meio para
alcançar uma plena comunhão de vida a dois, que na
dualidade dos seres- rectius na dualidade do género ser-,
conforma uma unidade de sentido, própria da plena
comunhão de vida que o casamento sempre pressupôs e
continua a pressupor.
A perspetiva de enquadramento do casamento pela lei
não pôde, por conseguinte, desde os tempos mais
remotos, deixar de partir da realidade antropológica
fundamental que lhe está subjacente: a diferenciação e
a complementaridade da identidade sexual dos cônjuges,
pressuposto da renovação das gerações. O ser humano é
homem e mulher e a diversidade sexual encontra no seu
sentido na complementaridade.
Daqui decorre o significado profundo da sexualidade do
ser humano desde as origens da Humanidade: o homem
é orientado para a mulher e vice-versa. Esta
orientação recíproca determina a natureza da
sexualidade em ordem à reprodução da espécie. O
sentido da sexualidade, reconhecido pelo Direito
desde as origens, encontra-se na capacidade de gerar
novos seres humanos e esta geração ocorre como
consequência do ato unitivo sexual entre um homem
e uma mulher. O ser humano é naturalmente sexuado
em ordem à reprodução.
Com efeito, do ponto de vista sociológico, é manifesto
que a regulação jurídica traduzida pela consolidação
progressiva da instituição matrimonial, como
“complexo jurídico-normativo”, teve sempre como
pressuposto a relevante finalidade de enquadrar a
conjunção de descendências familiares diferentes, o
que permite a imposição de deveres e de direitos
recíprocos de solidariedade (direitos e deveres
intergerações).
Do ponto de vista jurídico, subjacente à designação
“casamento” está, historicamente, uma forma particular
de vida em comum, que permite a integração de um
elemento estranho ao grupo familiar e enquadramento
familiar da futura descendência, descendência essa que
pressupõe a diferenciação sexual.
As instituições afirmam-se historicamente: o casamento
é assim a instituição de enquadramento de uma realidade
antropológica fundamental, constitutivamente jurídica,
que concretiza a união de um homem e de uma mulher
em todas as suas dimensões, projetando na dinâmica
existencial a união realizada pelo ato unitivo sexual e
permitindo o enquadramento da descendência comum.
Na civilização ocidental, o casamento caracteriza-se
pelos seguintes elementos:
 Por dar lugar a uma instituição, uma estrutura
que ultrapassa a vida física dos fundadores;
 Por haver um ato fundador do vínculo
jurídico, que constitui uma união interpessoal;
 Por ser um acordo de vontades;
 Pela diferenciação sexual;
 Pela exogamia, que exclui a união conjugal entre
duas pessoas já ligadas por vínculos familiares
muito próximos;
 Pela monogamia, que exprime indubitavelmente
a entrega existencial mútua, ou seja, a aceitação
do outro no seu futuro, respeitando a sua
dignidade pessoal (exclui-se, portanto, a
poligamia e a poliandria).
A questão do “conceito essencial de casamento” é,
assim, decisiva para podermos apreciar a validade da
regulação legal do casamento, em cada momento
histórico, do ponto de vista da finalidade de tutelar o
bem da pessoa no contexto das relações familiares.
Na história do casamento na civilização ocidental (de
raiz greco-romana e judaico-cristã), registou-se
obviamente uma evolução. Numa primeira etapa, esta
evolução apenas disse respeito aos requisitos para
aquisição do estado de casado com base numa situação
de facto (capacidade) e, mais tardiamente, à
formalização do casamento como ato fundador da
família (forma).
A influência do Cristianismo e, concretamente, a partir
de determinada altura, o conceito de casamento no
Direito Canónico contribuíram para a progressiva
afirmação de uma conceção de casamento cada vez mais
conforme com a dignidade pessoal única, irrepetível e
insubstituível de cada ser humano.
A exigência de formalização do casamento como ato
teve como justificação a necessidade de tutela do
estado de casado e das solidariedades inerentes,
sobretudo no que dizia respeito aos mais vulneráveis,
isto é, aos filhos e às mulheres.
Mais tarde, o processo de “secularização” na Europa
refletiu-se no surgimento de uma outra forma de
casamento – o casamento civil – que, apesar de ser
dissolúvel por divórcio, manteve, em Portugal, todas as
outras características essenciais, inerentes aos pontos de
vista antropológico e sociológico.
Ao longo da evolução recente do instituto do casamento,
abarcando a nossa histórica e a história da civilização
ocidental de matriz cristã, é possível, portanto, segundo
alguns especialistas em Direito da Família, encontrar
relativamente ao casamento um “núcleo essencial”, do
qual fariam parte a heterossexualidade, a monogamia,
a proibição do incesto, a contratualidade e também
uma estabilidade mínima, traduzida na impossibilidade
de uma dissolubilidade livre e informal do casamento.
Este núcleo essencial do casamento, afirmado pela
doutrina, foi mais tarde recebido na garantia
institucional jusfundamental do casamento, que é
acolhida no artigo 36º da atual Constituição
portuguesa.
Esta constatação sobre o casamento, na civilização
ocidental, é confirmada, quanto à estrutura heterossexual
e monogâmica, pela História geral da Humanidade: em
numerosas civilizações anteriores, o casamento foi
sempre uma união homem-mulher e, ao mesmo
tempo, uma união entre um homem e uma mulher.
Ou seja, as relações homossexuais nunca deram lugar a
uniões matrimoniais e o modelo matrimonial seguido
reconhecia a união entre um homem e uma mulher.
Só em 2010 a lei portuguesa, na sequência de alguns
precedentes estrangeiros, viria a aplicar o casamento
civil às uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Esta aplicação opõe-se, assim, à constante histórica do
casamento como instituição simultaneamente
heterossexual e monogâmica, constante que o legislador
português de 2010 não considerou com suficiente
atenção. Esta constante continua aliás a ter
correspondência nos ordenamentos jurídicos vigentes na
grande maioria dos Estados soberanos do mundo. Aliás,
mesmo nos ordenamentos onde se aplicou o casamento
às uniões homossexuais, a esmagadora maioria dos
casamentos celebrados continuam a revestir a estrutura
heterossexual.
A História do Direito fornece-nos um paradigma
crítico, que deve ser tido em conta sempre que se
pretende alterar os institutos jurídicos já vigentes.
17.3. Evolução das instituições políticas: a limitação do
poder real pelas Cortes na Idade Média
portuguesa, em especial
A pergunta fundamental a fazer aqui é se as Cortes
medievais portuguesas limitaram efetivamente o
poder do monarca. Elas partilhavam com o Rei a
representação nacional: têm origem no instituto
originário da cúria régia, quando funcionava em
sessão plenária ou extraordinária.
A sua evolução assinala a presença de procuradores
dos concelhos, juntamente com dignatários da
nobreza e do clero, a partir das Cortes de Leiria de
1254; a sua participação nas decisões (Coimbra,
1261); a reunião à parte do braço popular (Santarém,
1331).
As Cortes eram convocadas pelo Rei, na época e
com a frequência que entendesse, mas considerava-
se que ele tinha a obrigação de as convocar. Entre
o princípio do século XIV (1301) e 1415,
realizaram-se 27 reuniões de Cortes.
As Cortes tinham finalidades diversas: nelas se
exercia o dever geral de aconselhar o monarca; nelas
se ratificavam tratados de paz e de amizade; mas
também era nas Cortes que se formulavam pedidos e
se elevavam queixas e exerciam direitos de petição.
As Cortes tiveram, também, intervenção
(deliberativa) em matéria monetária e tributária.
Marcello Caetano avança que esta função terá sido
adquirida entre os séculos XIII e XIV e que passaria
pela autorização do lançamento de impostos e da
emissão e quebra de moeda.
Em contrapartida, nunca foi aceite a intervenção
vinculativa das Cortes na decisão do casamento
do Rei.
Nas Cortes estavam representadas as diferentes
classes do Estado português: clero, nobreza e
povo, segundo o princípio qualitativo da
representação medieval, ou seja, a parte mais
valiosa representava a totalidade.
Com a crise de 1385, pertenceu às Cortes a
declaração de vagatura do trono e a eleição do Rei
(Cortes de Coimbra), expressão máxima do seu
poder. Fenómeno análogo aconteceu em 1438/1439,
com a mudança de regente à morte de D. Duarte,
e muito mais tarde, em 1641, com a aclamação de D.
João IV como rei, para substituir Filipe III, o rei
estrangeiro que ocupava o trono português.
Por sim, quanto às leis, no tempo dos primeiros reis,
a promulgação de leis gerais era um facto raro, que
exigia a convocação da Cúria pelo rei, mas havia
lugar a uma prévia representação em Cortes, embora
o seu parecer não fosse vinculativo. A partir do
reinado de D. Afonso III, em 1248 (até 1279), a lei
é normalmente elaborada sem o suporte político
das Cortes.
Conclui-se, assim, que, enquanto foram
regularmente convocadas, as Cortes portuguesas
serviram como mecanismo de limitação efetiva do
poder do rei. São, nesse sentido, o antecedente dos
modernos Parlamentos. Não eram propriamente
fontes de Direito, mesmo quando eram consultadas
sobre a oportunidade das leis; era sempre o rei e não
elas a aprovar as leis correspondentes.

Capítulo 4.2.
Época das Ordenações
1. Preliminares
O contexto que enquadra a épocas das Ordenações e que explica o
aparecimento da primeira codificação de Direito nacional
caracteriza-se por uma tendência positivista e legalista, traduzida
na pretensão de o Estado deter progressivamente todo o Direito.
Por conseguinte, regista-se, inicialmente, a pretensão estatal de
disciplinar o valor do costume, do Direito prudencial (doutrina) e do
Direito supre estatal (Direito Romano e Direito Canónico), aos quais
se seguem o Direito Natural e o Direito Internacional. Na verdade, o
Estado acabará por, mais tarde, reduzir o Direito aos atos por si
promulgados, conduzindo, assim, a uma identificação absoluta
entre Direito e lei.
2. Ordenações Afonsinas
2.1. Elaboração e início de vigência
Conforme resulta do proémio do Livro I das Ordenações
Afonsinas, a elaboração das mesmas foi impulsionada pelas
Cortes, descontentes perante a confusão legislativa instalada.
Na sequência dos pedidos formulados, D. João I incumbiu
João Mendes de elaborar esta coletânea. Após a morte de
ambos, D. Duarte confia a continuação dos trabalhos ao
Doutor Rui Fernandes.
A obra viria a ser concluída em 28 de julho de 1446. Foi
aprovada em 1446/7, em nome de D. Afonso V e passou a
aplicar-se generalizadamente a partir de 1450.
2.2. Fontes utilizadas. Técnica legislativa
As Ordenações Afonsinas assumem-se como a primeira
codificação nacional de aplicação extensível a todo o país,
tendo operado uma verdadeira sistematização e atualização do
Direito vigente.
Na sua elaboração, foram tidas em conta diferentes fontes de
Direito anterior, como as leis gerais, as resoluções régias, as
concórdias, concordatas e bulas, as inquirições, costumes
gerais e locais, os estilos da Corte e dos tribunais superiores. A
estes acrescem ainda algumas normas das Siete Partidas e
dos Direitos Romano e Canónico.
Na sua preparação, foram utlizados dois estilos:
 estilo compilatória: transição dos preceitos anteriores,
cujos termos seriam confirmados, alterados ou afastados
posteriormente, através de uma indicação expressão.
 estilo decretório ou legislativo: pelo contrário,
consistia na enunciação das normas, sem menção às
respetivas e eventuais fontes precedentes, como se de
novas normas se tratassem.
O estilo decretório é preponderante no Livro I.
2.3. Sistematização e conteúdo
Do ponto de vista da sua sistematização, as Ordenações
Afonsinas encontram-se divididas em 5 livros, cada um dos
quais precedido por um proémio e dividido em títulos com
rúbricas e, por vezes, parágrafos.
A sistemática desta compilação e respetivo conteúdo é a
seguinte:
 Livro I – diz respeito ao estatuto dos cargos públicos,
régios e municipais;
 Livro II – dedicasse a diversas temáticas, como a
disciplina dos bens e privilégios da Igreja, os direitos do
rei e sua cobrança, a jurisdição dos donatários e o
estatuto dos Judeus e dos Mouros. São normas
materialmente constitucionais;
 Livro III – comporta o processo civil;
 Livro IV – contém o direito civil substantivo, embora
de forma desorganizada;
 Livro V – respeita ao Direito e processo criminais.
Destaca-se o Livro II, pois o seu conteúdo permite
transparecer a visão medieval dos direitos. Verifica-se uma
proteção estamental e concreta dos direitos dos súbditos: o
estatuto dos judeus e dos mouros e um caso particular- são
também reconhecidos direitos universais aos membros destas
minorias, mas sempre tendo em conta o facto de pertencerem a
uma minoria.
2.4. Importância da obra
As Ordenações Afonsinas são a base da posterior evolução
do Direito Português, tanto mais que as Ordenações que lhe
sucederam praticamente se limitaram a atualizá-las.
Acresce que esta coletânea é uma obra meritória que ombreou
com as homólogas estrangeiras da época. Revela, por outro
lado, o caráter precoce do movimento de centralização
política em Portugal.

2.5. Edição
As Ordenações Afonsinas não conheceram uma edição
impressa durante a sua vigência, o que só viria a suceder nos
finais do século XVIII, por iniciativa da Universidade de
Coimbra, com a edição de 1792.
3. Ordenações Manuelinas
3.1. Elaboração
As Ordenações Afonsinas tiveram um curto período de
vigência, já que, em 1505, se preparava a sua revisão. Para o
efeito, D. Manuel atribuiu a tarefa a Rui Boto, Rui da Grã e
João Cotrim.
Vários foram os motivos que presidiram à reforma das
primeiras Ordenações:
 Por um lado, a introdução da imprensa, em 1487,
reclamou a reforma da coletânea jurídica vigente;
 Por outro, D. Manuel gostaria de associar o seu reinado
a uma profunda reforma legislativa.
A reforma das Ordenações Afonsinas acabou por dar origem a
uma nova coletânea. Assim, em 1514 regista-se a primeira
edição completa conhecida das Ordenações Manuelinas.
Contudo, só em 1521 (ano da morte de D. Manuel) é que foi
editada a sua versão definitiva, dado que, até então,
prosseguiram os trabalhos legislativos, por se entender que o
projeto inicial era demasiado idêntico às Ordenações
Afonsinas. Para evitar confusões, foi ordenada, por Carta
Régia de 15 de março de 1521, a destruição dos exemplares
anteriores e a aquisição de exemplares novos pelos concelhos,
no prazo de três meses.
3.2. Sistematização e conteúdo
As Ordenações Manuelinas conservaram, no essencial, a
estrutura das suas antecessoras, incluindo a distribuição das
matérias.
No entanto, registaram-se importantes alterações em termos de
conteúdo, especialmente no que respeita às disposições
dedicadas aos Judeus e aos Mouros, que foram suprimidas
(uma lei de 1496 tinha imposto, entretanto, a sua conversão ao
Catolicismo, sob pena de terem que abandonar o país), e à
introdução da disciplina da interpretação vinculativa da
lei, através dos assentos da Casa da Suplicação.
Apesar disso, as novas Ordenações não operaram grandes
alterações no Direito português. De todo o modo, há que
assinalar um considerável progresso de técnica legislativa,
com predomínio do estilo decretório e consequente
menorização da reconstituição do Direito antecessor.
3.3. Edição
A primeira edição das Ordenações Manuelinas data de 11 de
março de 1521, mas a coletânea foi objeto de edições.
Depois de substituídas pelas Ordenações Filipinas, aquelas
foram novamente editadas, em 1797, com vista a facilitar a
investigação histórica. Esta última- edição universitária-
incluía o prefácio e uma tabela de correspondência com os
textos normativos anteriores e posteriores.
4. Coleção das Leis Extravagantes de Duarte Nunes do Lião
Num contexto de grande produção legislativa, surgiu a necessidade
de uma coletânea que complementasse, de forma sistematizada, as
Ordenações Manuelinas, permitindo, assim, uma maior certeza e
segurança jurídicas.
Com este intuito, o Cardeal D. Henrique, regente do reino durante a
menoridade de D. Sebastião, confiou a Duarte Nunes do Lião a tarefa
de organizar o Direito extravagante num único repositório.
Assim, a Coleção de Leis Extravagantes de Duarte Nunes do Lião
conheceu uma versão impressa e oficial em 1569.
5. Ordenações Filipinas
5.1. Elaboração
A reforma que se impunha das Ordenações Manuelinas
relegou as Leis Extravagantes de Duarte Nunes do Lião para
um papel secundário. Por conseguinte, Filipe I assumiu o
encargo de, no seu reinado, elaborar umas novas Ordenações e
proceder a variadas transformações no domínio jurídico.
É de notar que o contexto político da época foi muito
aproveitado pelo monarca espanhol que pretendeu manifestar
o seu respeito pelas instituições portuguesas e, ao mesmo
tempo, contribuir para a sua atualização.
Os trabalhos preparatórios das Ordenações Filipinas foram
iniciados entre 1583 e 1585 e concluídos em 1595. Destaca-se
a intervenção de Jorge de Cabedo, Afonso Vaz Teneiro e
Duarte Nunes de Lião.
As Ordenações Filipinas forma aprovadas por Lei de 5 de
junho de 1595, por Filipe I, tendo entrado em vigor somente
em 11 de janeiro de 1603, já no reinado de Filipe II.
De realçar que as Ordenações Filipinas constituem o
instrumento legislativo português com o maior período de
vigência: de 11 de janeiro de 1603 a 1 de julho de 1867
(data de promulgação do Código Civil de Seabra que os
revogou completamente) decorreram 264 anos, que
atravessaram 10 gerações. Sendo um exemplo extremo, a
estabilidade legislativa também é, no entanto, um valor a ter
em conta.
5.2. Sistematização e conteúdo. Legislação revogada
As Ordenações Filipinas seguiram o esquema tradicional no
que respeita à sistematização e conteúdo dos livros.
Na realidade, as Ordenações Filipinas limitaram-se, grosso
modo, a rever e atualizar as anteriores, reunindo preceitos
manuelinos e normativos que posteriormente entraram em
vigor.
Porém, assinalam-se algumas alterações importantes.
Do ponto de vista sistemático, o tópico relativo ao
preenchimento das lacunas é deslocado do Livro II para o
Livro III, relativo ao processo.
Do ponto de vista do conteúdo, as Ordenações Filipinas
introduziram a novidade das normas sobre o Direito da
nacionalidade: a naturalidade do Reino passou a depender da
conjugação dos critérios do ius sanguinis e do ius soli,
embora com predomínio deste último.
Por fim, com a aprovação das Ordenações Filipinas procedeu-
se à revogação de todas as normas legais avulsas, com
algumas exceções. Na prática, muitos daqueles preceitos
continuavam a aplicar-se.
5.3. Confirmação por D. João IV
Em 1640, foi restaurada a independência de Portugal e D.
João IV ratificou a maior parte da legislação promulgada
durante a ocupação filipina.
Em concreto, as Ordenações Filipinas foram confirmadas e
revalidadas por Lei de 29 de janeiro de 1643, na qual D. João
IV manifestou a sua intenção de as reformar, o que não veio a
acontecer.
5.4. Os “filipismos”
A preocupação fundamental dos autores das novas Ordenações
foi rever e coordenar o Direito vigente, reduzindo ao mínimo
as inovações. Em consequência:
 Fez-se uma atualização por mero aditamento do novo
ao antigo (revogado ou caído em desuso), sem uma
reformulação adequada dos preceitos;
 Deu-se o surgimento de contradições resultantes da
inclusão e disposições opostas a outras que não se
eliminaram.
Filipismos é o nome pelo qual ficou conhecida esta falta de
originalidade e as contradições operadas pelas reformas
legislativas do período filipino.
O respeito forçado pelo texto manuelino levou aos filipinos.
Os compiladores podiam ter feito melhor.
Esta nomenclatura surgiu em finais do século XVIII.
5.5. Edição
Em face da sua longa vigência, é natural que as Ordenações
Filipinas tenham sido objeto de várias edições. A primeira data
de 1603 e foi levada à estampa pela oficina de Pedro
Craesbeek, em Lisboa.
Entre outras, destaca-se a “Edição Vicentina”, de 1747,
associada a uma tentativa frustrada de promulgação de umas
novas ordenações.
As Ordenações Filipinas foram também editadas no Brasil, em
1870, por iniciativa de Cândido Mendes de Almeida, um
jurista brasileiro com largo conhecimento da doutrina jurídica
portuguesa. Esta é a décima quarta edição das Ordenações
Filipinas, embora, à data, já tivessem sido revogadas em
Portugal.
No Brasil, as Ordenações Filipinas estiveram em vigor até
1916.
6. Fontes de Direito na Época das Ordenações
6.1. Fontes imediatas
6.1.1. A Lei
A. As compilações (remissão)
As compilações de leis, nelas avultando as
Ordenações, foram já estudadas. Para esse estudo se
remete.
B. Legislação extravagante. Publicação e início da
vigência da lei.
a. Considerações introdutórias
Não obstante a operação revogatória da legislação
extravagante levada a cabo pelas Ordenações
Filipinas, a verdade é que aquela acabou
inevitavelmente por se impor, ganhando uma
dimensão considerável.
Na época em causa, o conceito de lei
correspondia a toda uma manifestação da vontade
soberana, com vista a proceder a alterações na
ordem jurídica vigente. Por conseguinte, eram
incluídos preceitos que não gozavam de
generalidade e abstração.
As leis extravagantes cuidavam, no essencial, de
matérias relativas à manutenção da ordem
pública, à administração da justiça e à
cobrança dos impostos. Quanto ao Direito
Privado, imperava o recurso ao Direito
subsidiário.
b. Espécies de diplomas
O procedimento de criação do Direito
encontrava-se centralizado no monarca, sendo
diversas as suas formas de manifestação: cartas
de lei, alvarás, decretos, cartas régias, resoluções,
provisões, portarias e avisos.
Destes destacam-se as cartas de lei e os alvarás
pela sua importância.
As primeiras caracterizam-se por passarem pela
chancelaria régia, começarem pelo nome
próprio do rei e serem utilizadas para os
preceitos que devessem vigorar mais do que
um ano.
Os segundos também passavam pela chancelaria
régia, mas gozavam de uma menor solenidade
na forma e destinavam-se aos preceitos de
curta vigência.
Na realidade, as diferenças rapidamente se
esbateram, tendo surgido figuras híbridas como
os alvarás de lei.
c. Publicação e início da vigência da lei
As Ordenações Afonsinas não disciplinavam a
publicação e início de vigência da lei. Por sua
vez, as Ordenações Manuelinas fizeram-no,
incumbindo o Chanceler-Mor da publicação das
leis na chancelaria da Corte e do envio dos
respetivos translados para os corregedores das
comarcas.
Tradicionalmente, as câmaras e os tribunais
superiores promoviam a elaboração dos seus
próprios livros de registo das leis, cujo interesse
não foi dissipado pela introdução da imprensa.
Um alvará de 10 de dezembro de 1518
determinou que a eficácia das leis, em todo o
país, ocorreria após o decurso de 3 meses sobre
a sua publicação na chancelaria e, por isso,
independentemente da sua publicação nas
comarcas. As Ordenações Manuelinas
encurtaram o período de vacatio legis para 8
dias quanto à Corte, ao passo que os demais
diplomas, ou seja, os que não eram submetidos à
chancelaria, entravam em vigor na data da sua
publicação.
C. Interpretação da lei através de assentos
A questão da interpretação da lei através dos
assentos tem a sua origem no problema de
determinar qual a interpretação legislativa com
sentido universalmente válido para futuro,
quando se levantam dúvidas interpretativas.
Inicialmente, só era admitida a chamada
interpretação autêntica, emanada pelo próprio
monarca. Mais tarde, essa prerrogativa foi
transferida para a Casa da Suplicação, cujos
assentos passaram a constituir jurisprudência
obrigatória.
Para além desta, também outras instâncias se
arrogaram a faculdade de emitir assentos normativos,
como a Casa do Cível, segunda instância das causas
cíveis (que, mais tarde, deu origem ao Tribunal da
Relação do Porto), e com as restantes Relações.
Perante o incremento das confusões e contradições
normativas, a Lei da Boa Razão veio a determinar,
em 1769, que os assentos da Casa da Suplicação
seriam os únicos com eficácia interpretativa.
6.1.2. Os estilos da corte
As Ordenações conferem aos estilos da Corte o
estatuto de fonte de Direito, a par da lei e do
costume.
Os estilos da Corte e o costume comungam o facto de
serem fontes de natureza não escrita, baseadas,
portanto, no uso. No entanto, os primeiros
correspondiam à jurisprudência uniforme e constante
dos tribunais superiores. Por Carta Régia de 7 de
junho de 1605, determinou-se a obrigatoriedade dos
estilos antigos da Casa da Suplicação.
Não se deve confundir os estilos da Corte, em análise,
formados a partir das sentenças dos tribunais superiores
(da Corte) com as decisões das Cortes, enquanto
assembleias políticas.
Os estilos da Corte deveriam obedecer aos seguintes
requisitos:
 Não contrariedade à lei;
 Antiguidade igual ou superior a 10 anos;
 Introdução, através de, pelo menos, 2 atos
conformes de tribunal superior.
6.1.3. O costume
Nos primórdios da fundação da nacionalidade, o
costume era a fonte de Direito por excelência, até
meados do século XIII. A partir daí, a atividade
legislativa assume-se como forma ordinária de
criação de Direito.
As Ordenações vieram regular expressamente a força
jurídica do costume, que era reconhecido, não só
quando era conforme à lei (secundum legem), como
para além daquela (praeter legem) ou mesmo contra
ela (contra legem). Com a Lei da Boa Razão, este
último perdeu relevância.
Em concreto, as Ordenações Afonsinas faziam uma
mera referência à vigência do costume. Já as
Ordenações Manuelinas introduziram algumas
especificidades, equiparando a validade dos costumes
locais e gerais e fazendo depender a sua observância das
situações em que a doutrina romanística e canonísticas
admitisse a sua vigência. As Ordenações Filipinas
mantiveram estas regras.
No que concerne ao segundo aspeto, a doutrina debatia
sobre a fundamentação e requisitos de validade do
costume que, na época, seriam o consenso coletivo
aliado à vontade tácita do monarca. Verifica-se,
assim, a uma verdadeira subversão legalista, dado que,
para sustentar a vontade do monarca como fonte de todo
o Direito, se reconhecia a aceitação tácita do costume
sempre que o rei não promulgasse leis em sentido
contrário.
Quanto aos pressupostos da sua força vinculativa, só
viriam a ser fixados pelo legislador nas reformas
pombalinas. Por influência canonísticas, a
generalidade da doutrina aceitava o costume contra
legem, à exceção dos preceitos de ordem pública.
No entanto, discutia-se também sobre a antiguidade e o
número de atos determinantes para a prova e
formação do costume. Alguma doutrina exigia ainda
um requisito de racionalidade do costume, ou seja, que
fosse um costume dirigido ao bem comum.

6.2. Fontes mediatas ou Direito subsidiário


Desde logo é importante referir que as Ordenações eram
incompletas em diversos pontos, sobretudo ao nível do
Direito das Obrigações. E, por esse motivo, levantavam-se
com bastante frequência problemas de integração da lei e,
consequentemente, de Direito subsidiário.
6.2.1. O problema do Direito subsidiário
O Direito subsidiário consiste no conjunto de normas
jurídicas chamadas a suprir lacunas de um determinado
sistema jurídico. Ele pode assumir um caráter geral ou
especial, sempre que esteja em causa colmatar lacunas de uma
ordem jurídica no seu todo ou de um ramo de Direito ou
instituição.
Com efeito, a razão de ser do Direito subsidiário assenta em 2
pressupostos:
 A ausência de um sentido de verdadeira autonomia
dos ordenamentos jurídicos e da consequente
pretensão da plenitude lógica do ordenamento
jurídico nacional.
 A possibilidade de resolver os casos omissos através
do recurso a outros ordenamentos jurídicos.
Estes 2 pressupostos mantiveram-se durante muito tempo,
enquanto subsistiu uma conceção monista mitigada das fontes
de Direito e a existência de sistemas nacionais lacunosos.
Deste modo, a técnica normativa da subsidiariedade só é
logicamente compatível com o monismo mitigado e não
com o pluralismo puro nem com o monismo integral.
Pressupõe uma afirmação da primazia da aplicação do
ordenamento nacional sobre os outros ordenamentos.
No entanto, não havia uma verdadeira consciência do
problema das lacunas, já que o julgador poderia sempre
recorrer a outros ordenamentos jurídicos.
Esta conceção foi somente ultrapassada após o movimento
de legislação autónoma e unitária do século XIX, em que se
passou a enfrentar diretamente o problema das lacunas. Assim,
o juspositivismo da época impunha a busca da plenitude
normativa do ordenamento jurídico. Procedia-se, dessa
forma, a uma integração rígida ou mecânica pelo juiz, através
da mera analogia.
Na atualidade, o problema das lacunas resolve-se através de
uma intervenção do julgador: a necessidade de resposta do
sistema jurídico não pode ser confundida com a plenitude
lógica do pensamento jurídico positivado, defendida pelos
positivistas. Dessa forma, há mais vida jurídica, para além da
norma jurídica positiva.
6.2.2. Fontes do Direito subsidiário segundo as Ordenações
Afonsinas
As Ordenações Afonsinas foram as primeiras a
estabelecer um quadro sistemático das fontes de Direito.
Como fontes imediatas, eram referidas as leis do
Reino, os Estilos da Corte e os costumes antigamente
usados. Estas fontes assumiam um caráter imperativo e
prevalente, só podendo ser afastadas se as mesmas não
oferecessem solução para o caso concreto (esta era a
única situação em que se podia recorrer ao Direito
subsidiário).
Assim, como fontes mediatas, as Ordenações
Afonsinas consagravam os Direito Romano e
Canónico, a Glosa de Acúrsio, a Opinião de Bártolo
e a resolução do monarca.
A. Direito Romano e Direito Canónico
O Direito Romano ou “leis imperiais” era aplicável
às questões temporais, exceto se a sua observância
fizesse incorrer em pecado. Por sua vez, o Direito
Canónico ou “santos cânones” era aplicável às
questões espirituais e sempre que a aplicação do
Direito Romano fosse contrária à moral cristã.
Era ainda chamado na ausência de norma romana
aplicável.
Assim, por exemplo, o Direito Romano estabelecia
um prazo de 30 anos para aquisição do direito de
propriedade por usucapião fundada em posse de má-
fé, mas o Direito Canónico já não o admitia por se
fundar em má-fé.
B. Glosa de Acúrsio e Opinião de Bártolo
Se os Direitos Romano e Canónico não
permitissem suprir a lacuna detetada, o intérprete
deveria recorrer à Glosa de Acúrsio e,
posteriormente, à Opinião de Bártolo.
De acordo com o legislador das Ordenações, a
Opinião de Bártolo prevalecia sobre a opinião de
outros doutores, graças à maior racionalidade
jurídica das suas opiniões, para evitar, incertezas e
confusões jurisprudenciais, e ao uso português nesse
sentido desde D. João I.

C. Resolução do monarca
Nas situações em que os elementos precedentes não
oferecessem resposta suscetível de colmatar a
lacuna, bem como nas situações em que, não se
tratando de matéria de pecado, na falta de
regulamentação por parte do Direito Romano,
houvesse opiniões contraditórias deste e do
Direito Canónico, o caso seria resolvido através
de consulta ao rei.
As resoluções emitidas pelo monarca tinham força
vinculativa no caso concreto e também nos casos
futuros.
6.2.3. Alterações introduzidas pelas Ordenações
Manuelinas e pelas Ordenações Filipinas
O quadro jurídico de fontes de Direito subsidiário
traçado pelas primeiras Ordenações transitou, embora
formalmente modificado, para as Ordenações
Manuelinas e Filipinas.
Das primeiras para as segundas destaca-se a
justificação da vigência subsidiária do Direito
Romano, cuja aplicação se devia à autoridade que lhe é
própria e não a qualquer subordinação política do Reino
de Portugal ao Império.
Por sua vez, Ordenações Filipinas, por confronto com as
Manuelinas, apresentam apenas pequenos retoques,
passando a matéria do Direito subsidiário a integrar
o livro dedicado ao Direito Processual e já não às
relações entre a Igreja e o Rei. Esta mudança traduz a
rutura definitiva entre o problema do Direito subsidiário
e o conflito das jurisdições do poder temporal e do
poder eclesiástico.
Quanto às diferenças essenciais entre as Ordenações
Afonsinas e as que lhe sucederam, elencam-se as
seguintes:
 Direitos Romano e Canónico – elimina-se a
distinção entre problemas temporais e espirituais,
mantendo-se apenas o critério do pecado.
 Glosa de Acúrsio e Opinião de Bártolo –
aplicam-se se não contrariarem a “opinião
comum dos doutores”. Esta não é uma fonte
subsidiária em si mesma, mas apenas um
requisito negativo de relevância das outras duas.
Porém, na prática, impôs-se a doutrina de que a
communis opinio era fonte subsidiária, antes da
Glosa de Acúrsio e da Opinião de Bártolo.
As fontes de Direito subsidiário aplicavam-se pela
ordem referida. Em suma, caso as fontes imediatas não
compreendessem a regulamentação da situação,
recorria-se ao Direito Romano-Canónico e, na falta
deste, à Glosa de Acúrsio e à Opinião de Bártolo. Em
última instância e depois de percorridas todas as
anteriores fontes, recorria-se às resoluções do rei.
6.2.4. Utilização das fontes subsidiárias
Não obstante a hierarquia das fontes de Direito
estabelecida pelas Ordenações, levantavam-se sempre
dúvidas sobre o Direito aplicável, gerando-se confusões
e desvios à letra e espírito do sistema.
Refiram-se, a título de exemplo, a frequente preterição
do direito nacional pelo Direito Romano, o recurso
excessivo à opinião comum e inclusivamente a
aplicação do Direito Castelhano, que nem sequer
constava do elenco das fontes mediatas.
O panorama jurídico português era, no geral,
dominado pelo romanismo escolástico, sobretudo nas
magistraturas ordinárias mais elevadas e em certas
magistraturas extraordinárias, exercidas por quem tinha
formação universitária.
Em contraste, o exercício da maioria das
magistraturas ordinárias menores não exigia
formação superior, sendo, por vezes, exercidas por
analfabetos. Assim, aplicavam um Direito de caráter
local, desprovido da eloquência da cultura jurídica da
época. Neste contexto, destacava-se o papel
desempenhado pelos juízes de fora e pelos
corregedores das comarcas, bem como do expediente
dos recursos que permitia eliminar deficiências das
decisões.
6.3. Ainda sobre fontes imediatas: a Reforma dos forais
O decurso do tempo e a azáfama legislativa contribuíram para
a progressiva desatualização dos forais, cuja maior parte das
disposições foi revogada pela legislação geral ou estava
absolutamente superada. Acresce que o próprio suporte físico
de muitos dos forais se estava a deteriorar.
O estado dos forais foi denunciado nas Cortes, tendo D. João
II impulsionado a sua reforma. Para tal, determinou a recolha
e envio de todos os forais à Corte.
Entretanto, já no reinado de D. Manuel I, o movimento de
reforma dos forais intensificou-se. Por um lado, o monarca
ordenou o envio à Corte de todos os forais que ainda não lhe
haviam chegado e, por outro, nomeou uma comissão revisora.
Em 1520 concluiu-se a reforma, da qual surgiram os
designados forais novos ou manuelinos. Estes já não
continham o estatuto jurídico-político dos concelhos, passando
a ser meras listas dos encargos e tributos devidos por eles à
Coroa e aos donatários das terras.
7. Evolução das instituições sociais: a importância das
Misericórdias
A prática da misericórdia, isto é, da compaixão, da solidariedade ou
da caridade, corresponde à virtude socialmente mais importante.
Considera-se oportuno abordar aqui as Misericórdias, uma vez que o
reiterado apelo da Igreja Católica à prática da misericórdia não se
limitou a um discurso teórico, antes se traduzindo na fundação e
funcionamento de instituições sociais de grande relevância, desde
finais do século XV, período que consideramos agora, na assistência
social, relevância essa que ainda hoje se mantém.
As Irmandades da Misericórdia, Santas Casas da Misericórdia
(SCM) ou, simplesmente, Misericórdias, foram fundadas em 15 de
agosto de 1498, aquando da criação, na Sé de Lisboa, da Santa Casa
da Misericórdia de Lisboa, por iniciativa da Rainha D. Leonor, viúva
de D. João II e regente na ausência de D. Manuel I, e de Frei Miguel
Contreiras.
Discute-se ainda hoje qual o verdadeiro papel – nomeadamente o
de ideólogo ou de inspirador doutrinário – que terá tido o confessor
da rainha, o frade trinitário espanhol Miguel Contreiras (1431-
1505). Este religioso, na altura muito popular em Lisboa, pertencia à
Ordem dos Trinitários. Por carta régia de 14 de março de 1499,
dirigida aos “Juízes, Vereadores, Procurador, fidalgos, cavaleiros e
homens bons”, D. Manuel I recomendou a criação de Misericórdias
“em todalas cidades, vilas e lugares primçipaees de nossos Regnos”,
à semelhança de Lisboa.
A designação das Irmandades da Misericórdia, Santas Casas da
Misericórdia ou simplesmente Misericórdias advém do facto de
serem instituições que se propunham a realizar obras de
misericórdia. De acordo com a tradição cristã, essas obras eram em
número catorze – sete corporais e sete espirituais, a saber, na sua
fórmula atualizada:
Sete Obras da Misericórdia espirituais:
 A primeira é ensinar quem não sabe;
 A segunda é dar bom conselho a quem o pede;
 A terceira é corrigir com caridade os que erram;
 A quarta é consolar os tristes desconsolados;
 A quinta é perdoar a quem nos ofender;
 A sexta é sofrer as injúrias com paciência;
 A sétima é rogar a Deus pelos vivos e pelos mortos.
Sete Obras de Misericórdia espirituais corporais:
 A primeira é redimir (libertar) ativos e visitar os presos;
 A segunda é curar os enfermos
Exemplo: todas as profissões na “linha da frente” do combate
à pandemia: médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar dos
hospitais, dos lares de idosos, etc.
 A terceira é vestir os nus, isto é, dar roupa aos que não têm;
 A quarta é dar de comer aos famintos;
 A quinta é dar de beber aos que têm sede
Exemplo: voluntários que ajudam na distribuição de
alimentação a idosos¸
 A sexta é dar pousada aos peregrinos e pobres: hoje em dia,
diz-se: ‘dar um teto a quem não tem’, e relaciona-se com o
modo de acolher os refugiados, que se acumulam nas
fronteiras externas da Europa;
 A sétima é sepultar os mortos.
Em 1500 já existiam 23 Misericórdias. Hoje, são cerca de 400.
As Misericórdias portuguesas constituem uma organização social
da iniciativa religiosa e desempenham um papel importante na
assistência social, ao reunirem os homens bons da terra numa
organização que pugnava pela prática de atos de misericórdia para
com os pobres: a Misericórdia.
Até muito tarde o Estado não se importou nada com a assistência
social, sendo que as misericórdias estiveram no eixo deste setor.
Estabelecia-se assim uma relação entre a propriedade e o capital,
por um lado, e a equidade e a justiça social, por outro, o que está nas
origens do chamado setor social, que se distingue do setor público e
do setor privado da economia.
Natureza jurídica das Misericórdias: as Misericórdias eram
organizações comunitárias dos leigos católicos, muito diversificadas,
inspiradas pela Igreja, e apoiadas pelo rei, sem serem iniciativas
públicas.
Quanto às causas da sua existência, entende Isabel dos Guimarães Sá
que na génese das Misericórdias terão estado:
 Novas exigências de uma fé renovada;
 Vontade de se abrigar sob o manto protetor da Virgem Maria;
 Uma preocupação acrescida de praticar as obras de devoção e
de misericórdia, na sua universalidade (não só algumas, como
noutros países católicos, mas todas);
 Uma forte relação entre a administração dos bens terrenos e o
culto (oferecimento de Missas e orações pelas almas dos
defuntos);
 Um ambiente de fundação de conventos de ordens
mendicantes, grandes impulsionadoras das Misericórdias
(Franciscanos, etc.);
 Uma coroa desejosa de afirmar a sua superioridade (portanto,
não é estranho que o rei suporte a criação das misericórdias;
assumindo o papel de apoio ativo e mostra a sua
superioridade);
 Uma época de crise que viu aumentar o número de pobres de
forma assustadora (no século XV grassa a peste negra; hoje,
poderia ser o número de infetados pelo COVID).
Com a expansão marítima dos descobrimentos portugueses, as
Misericórdias espalharam-se por todo o mundo. Encontram-se hoje
em quase todos os concelhos de Portugal, no Brasil, na Índia, em
Macau e nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa
(PALOP).
Existem hoje 400 Misericórdias, todas constituídas na ordem jurídica
canónica, que se encontram reunidas na União das Misericórdias
Portuguesas, criada em 1974 e associadas à Confederação
Internacional das Misericórdias, desde 1979.
As IPSS, em que se inserem as Misericórdias, asseguram a maior
parte das respostas sociais do país: creches, jardins-de-infância,
acolhimento temporário de crianças e jovens em risco, lares
residenciais para pessoas com deficiências, lares de idosos, centros
de dia, etc. Papel especialmente importante quanto aos cuidados
continuados.
Misericórdias, IPSS e Estado, hoje: Falta de apoio do Estado.
Exemplo: em plena pandemia do COVID 19: a divulgação dos
dados de óbitos, não inflacionar os óbitos ocorridos em lares,
comparando-os com os números totais nacionais de defuntos, em vez
de confrontá-los com o número total de utentes das instituições;
assim, até 23/04/2020, os falecidos em lares eram quase 40%, se
comparados com o total nacional de mortes, mas eram apenas 0,18%
do total dos utentes de lares e unidades de cuidados continuados
geridos pelas Misericórdias – a má informação da DGS alarmou
infundadamente os idosos.
A Misericórdia do Porto, por exemplo, é a segunda mais antiga e
também uma das mais importantes, pelo número de estabelecimentos
e de utentes, pelo seu vasto património e pela sua história. É parte
essencial da vida da cidade, desde a sua origem.
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa não pertence hoje ao
universo das Misericórdias. A primeira a ser fundada, como
irmandade, como as outras, passou em 1919 para a tutela do Estado.
É hoje uma Fundação, sendo o Estado o principal instituidor.
8. Humanismo jurídico
O Renascimento constitui uma época histórica da cultura
europeia dos séculos XV e XVI caracterizado por profundas
mudanças políticas, sociais e técnicas, associadas a uma
interpretação renovada da Antiguidade.
A ciência do Direito também foi profundamente marcada pela
Época da Renascença. Assim, a Escola dos juristas humanistas
surge num contexto em que o Direito Romano começa a ser
encarado como uma das manifestações da cultura clássica.
A causa do seu aparecimento:
 contestação ao direito prudencial ⇒ crítica da tradição jurídica
 trabalho dos comentadores e glosadores leva a uma
incerteza quanto à distinção entre o texto original e os
comentários;
 impreparação e menosprezo dos Comentadores quanto aos
aspetos históricos que rodearam a criação da norma romana ⇒
levou à aplicação de conceitos incorrentes e a falsas
interpretações.
Características:
 humanismo quinhentista surge, e começa-se a encarar o
direito romano como uma das várias manifestações da
cultura clássica;
 juristas humanistas iniciam estudo crítico das fontes
romanas;
 humanismo contrapõe-se às escolas prudenciais,
nomeadamente ao bartolismo;
 razão como única fonte de direito;
 oposição à communis opinio doctorum → afasta-se a
autoridade, é a razão aparada ao método que alcançará a
verdade.
No seio da Escola Humanistas desenvolveram-se duas correntes:
 corrente historicista- valorizava o estudo crítico das fontes
romanas, optando pela reconstituição dos textos genuínos e
consequentemente depurando-os das interpolações entretanto
introduzidas;
 corrente racionalista- que reivindicava, por sua vez, uma
maior liberdade na interpretação dos textos, no sentido de
filtrar racionalmente o Direito Romano, substituindo-o pela
razão.
A Escola dos Humanistas foi protagonizada por nomes como Alciato
(reconhecido como seu fundador), Budé, Zasio, o português António
de Gouveia e Cujácio.
Comparativamente às Escolas Medievais, ambas partilham o
Direito justinianeu como objeto de estudo, em prejuízo do estudo
do Direito pátrio, quer em contexto universitário, quer fora dele.
Do ponto de vista geográfico, a Escola dos Comentadores surge
em França e triunfa em Itália, ao passo que a Escola dos
Humanistas surge em Itália (como a dos Glosadores), mas
desenvolve-se em França. Ora no século XVI, os sucessores da
perspetiva medieval do Direito Romano tomaram a designação de
mos italicus e os juristas humanistas de mos gallicus.
A principal diferença entre as duas escolas reside no facto de que as
Medievais assumem uma orientação prudencial, virada para o
Direito prático e para as soluções concretas. Já as dos
Humanistas limitavam-se à pura especulação, mantendo-se ao
nível do Direito teórico associado a uma forte tendência erudita.
Do confronto operado, resulta que o método do humanismo
jurídico não conseguiu sobrepor-se ao das escolas jurídicas
medievais. Todavia, as sementes do individualismo e do
racionalismo, lançadas na Renascença, refloresceriam com o
setencismo iluminista.
10.O ensino do direito
O panorama da cultura jurídica portuguesa do século XVI a
meados do século XVIII não ficaria completo sem uma referência
ao ensino do direito na Universidade.
10.1. Antes de D. João III
O ensino do Direito, em Portugal, remonta à fundação
da Universidade, sendo os estudos de Direito Romano e
Direito Canónico os mais antigos. Porém, desde então
(finais do século XIII) até ao reinado de D. João III poucas
notícias nos chegaram. Na prática, sabe-se que apenas
funcionava uma cadeira de Cânones e uma de Leis e
não duas de cada, conforme determinação de D. Dinis.
A posição privilegiada que o ensino das mencionadas
cadeiras tinha, à época, no contexto da Universidade, era
percetível através da remuneração dos professores, muito
mais elevada que a dos demais, bem como pelos reitores.
Isto é, o reitorado duplo deveria ser composto por um aluno
da Faculdade de Cânones e um da de Leis.
A este propósito, refiram-se os esforços de D. João II e de
D. Manuel para melhorar o nível da Universidade
portuguesa, nomeadamente através da contratação de bons
professores estrangeiros e da concessão de subsídios aos
estudantes. No início do século XVI, D. Manuel procede
à alteração dos Estatutos da Universidade, passando,
então, a existir 3 cátedras remuneradas de Cânones e outras
tantas de Leis. Isto justifica-se pelo facto de que as
Universidades eram espaços reduzidos e daí o pequeno
corpo docente.
Data de 1431 a referência documental aos graus de
bacharel (correspondente a 3 anos de estudo), licenciado
(grau que dependia da conclusão do bacharelato
completada por mais 4 anos de formação) e de doutor
(tratava-se de um grau essencialmente solene em que as
provas assumiam pouca importância).
No que confere aos textos e aos métodos implementados,
eram os mesmos adotados nas demais Universidades
medievais. Mesmo assim, muitos estudantes portugueses
continuavam a acorrer a universidades estrangeiras.
10.2. Instalação da Universidade em Coimbra
Desde a sua criação até ao reinado de D. João III, a sede da
Universidade oscilou entre Lisboa e Coimbra. Em 1537, foi
definitivamente fixada em Coimbra com o intuito de
proceder a uma reforma profunda do ensino universitário,
na senda dos dois monarcas precedentes.
Uma das principais medidas adotadas consistiu na
renovação do corpo docente, através da exoneração de
muitos professores e da contratação de professores
estrangeiros- como foi o caso do célebre canonista Martin
d´Azpilcueta- e de portugueses que se tinham
notabilizado além-fronteiras.
10.3. Organização dos estudos jurídicos segundo os
“Estatutos Velhos”
Os Estatutos Manuelinos do início do século XVI
constituem o primeiro regulamento universitário
completo, sucessivamente alterado por D. João III, D.
Sebastião e Filipe I. Na verdade, até à reforma pombalina
permaneceram em vigor os Estatutos Filipinos de 1598,
revistos e confirmados por Filipe II e novamente
confirmados por D. João IV. Por este motivo, foram
denominados de Estatutos Velhos, ao passo que os
Estatutos de 1772 tomaram a designação de Estatutos
Novos.
À luz dos Estatutos Velhos, existiam duas Faculdades
jurídicas:
 Na Faculdade de Leis ensinava-se o Corpus
Iuris Civilis, sendo que os estudos
compreendiam oito cadeiras relativas às várias
partes em que os Glosadores sistematizaram
aquela obra.
 Na Faculdade de Cânones estudava-se o
Corpus Iuris Canonici, estando o curso
estruturado em sete cadeiras, com particular
relevo para o ensino das Decretais de Gregório
IX.
O esquema de ensino consistia, em ambas as faculdades, na
leitura, pelo professor, de um passo da compilação, seguida de
comentários sobre os argumentos falsos e verdadeiros,
procurado refutar aqueles. O professor confrontava os
argumentos esgrimidos com outros textos e, por fim,
concluía pela interpretação mais razoável. Em suma,
continuavam a dominar os métodos próprios das escolas
medievais (método escolástico), baseados no debate
sistemático, mas abusando-se também das suas limitações.
O ensino era obrigatoriamente ministrado em latim e o ao
letivo iniciava-se em outubro e terminava em julho com aulas
diárias.
O grau de bacharel corrente obtinha-se após 3 anos de
instrução preparatória, acrescidos de mais 3 anos de estudos
jurídicos. Os bacharéis formados, para além dos três anos de
instrução preparatória, tinham que completar 5 anos de estudos
jurídicos.
Nos termos dos Estatutos Velhos, o exercício da profissão
dependia do ato de formatura.
11. A Segunda Escolástica. Seus contributos jurídicos e políticos.
No contexto do pensamento jurídico da época, a Segunda
Escolástica, herdeira da Escolástica medieval, sucedeu ao
humanismo jurídico. A sua relevância reporta-se essencialmente
aos domínios do Direito e do Estado.
Só nos finais do século XVIII será autonomizada a disciplina
sobre a especulação jurídica sobre o Estado e o Direito: até
então será lecionada no âmbito da Filosofia geral, da Teologia e
do Direito Canónico. A disciplina referida está na origem do
desenvolvimento do Direito Público como ciência e não deve ser
desprezada.
Com efeito, nos séculos XVI e XVII, a influência da Segunda
Escolástica foi determinante no repensar crítico da
compreensão cristã do homem e da sociedade. Naquele tempo
surgiram novos problemas associados aos descobrimentos e à
expansão marítima, desde a discussão sobre as zonas de
influência das potências europeias em expansão, e que levou à
assinatura do Tratado de Tordesilhas entre Portugal e Espanha, à
definição do modo de entender o encontro com os povos dos
novos continentes ao regime jurídico do mar, passando pela
questão da liberdade de navegação que contrapunha o mare
clausum ao mare liberum e que despoletou uma polémica entre
o português Frei Serafim de Freitas e Hugo Grócio.
Neste contexto, destaca-se a obra dos teólogos espanhóis,
pensadores, pastores da Igreja e conselheiros do rei, a cujo
movimento de ideias se associaram vários pensadores
portugueses. De acordo com este movimento, existe uma ordem
jurídica natural, pela qual se afere a validade da ordem
jurídica positiva.
A Segunda Escolástica, para além dos importantes contributos
para a teoria do Estado, é responsável também pela criação do
Direito Internacional Público moderno.
Os seus nomes mais representativos são Francisco de Vitória (+ -
1486-1546), fundador do Direito Internacional moderno,
Domingo de Boto, Francisco Suarez, o português D. Jerónimo
Osório, entre outros.
Capítulo 5
Período de Formação do Direito Português Moderno
Capítulo 5.1.
Época do Jusracionalismo
1. Correntes do pensamento jurídico europeu
As sucessivas reformas pombalinas inspiraram-se nas orientações
ideológicas, filosóficas e jurídicas da Europa do seu tempo.
1.1. Escola Racionalista do Direito Natural
Com influência, mas em oposição às ideias da Escola
espanhola de Direito Natural, a Escola racionalista do Direito
natural toma o Direito natural como um código minucioso
de normas formuladas através de uma dedução racional.
Faz-se assim uma construção do Direito natural como um
sistema positivo exaustivo e não como meras exigências
fundamentais induzidas do conhecimento da natureza da
pessoa humana, como se fazia anteriormente. Daí o nome de
jusracionalista e não jusnaturalista.
Ao separar o Direito natural do Direito positivo, como um
corpo autónomo, a Escola racionalista do Direito natural
facilita a rejeição daquele que está nas origens do
positivismo.
Os nomes fundamentais desta corrente de pensamento são
Hugo Grócio (Holanda), Puffendorf, Thomasius e Wolff
(Alemanha), Hobbes e Locke (Inglaterra) e Rousseau
(França).
1.2. Usus Modernus Pandectarum
Entretanto, surge a corrente do Usus Modernus Pandectarum,
uma nova metodologia do estudo e aplicação do Direito
Romano que, no fundo, estabelece a ligação entre a Escola
dos Comentadores e a Escola Histórica do Direito. O seu
objetivo é distinguir, dentro do Corpus Iuris Civilis, o que é
vivo do que é obsoleto. Assim, esta corrente representa o
momento mais prático do jusracionalismo.
Contempla duas fases:
 Uma primeira fase mais prática;
 Uma segunda fase mais influenciada pelo
jusracionalismo, tendo-se também em conta o
próprio Direito nacional.
Os nomes mais importantes da escola são Samuel Stryk, cuja
obra lhe deu o nome, e Pufendorf, na transição da primeira
para a segunda fase.
Em Portugal, esta escola teve pouca influência e surge
misturada com a influência do jusracionalismo.
1.3. Jurisprudência elegante
Uma terceira corrente surgida neste período foi a da
Jurisprudência elegante, que se revelou uma continuação da
Escola do Humanismo Jurídico na Holanda nos séculos
XVII e XVIII. Também esta obteve pouca influência em
Portugal.
1.4. Iluminismo
O Iluminismo consistiu num movimento de ideias que teve
grande êxito entre as classes dirigentes e tem como tese
fundamental a consideração da razão como única fonte de
conhecimento, o que levava a rejeitar toda a autoridade
(política ou religiosa) que não se pudesse justificar perante
o senso comum do pensador individual.
O seu cenário é o de uma corrente cultural que exalta a razão
e a natureza e, simultaneamente, critica
indiscriminadamente a tradição. É um fenómeno muito
complexo, que apresenta:
 Fortes tendências materialistas;
 Uma ingénua exaltação das ciências;
 A recusa da religião;
 Um irreal otimismo no que respeita à bondade
natural do homem;
 Um excessivo antropocentrismo; • Uma confiança
utópica no progresso da Humanidade;
 Uma difundida hostilidade contra a Igreja
Católica;
 Uma atitude de suficiência e desprezo pelo
passado;
 Uma arreigada tendência para realizar
reducionismos simplistas na busca de modelos
explicativos da realidade.
Os ideais iluministas exerceram muita influência em Portugal,
através do pombalismo: a ratio exclui a auctoritas no trabalho
científico, desprezando-a como fonte de conhecimento.
Entretanto, do ponto de vista político, o século XVIII
desenvolve-se sob a égide das monarquias absolutas,
surgidas a partir do século XVI. Deram origem ao chamado
despotismo iluminado, tão característico do reinado de Luís
XIV, em França, Frederico II, na Prússia, de José II, na Áustria
e do Marquês de Pombal, ministro de D. José I, em Portugal.
O Iluminismo torna-se, assim, o fundamento desta nova
forma de governo.
O movimento iluminista conheceu diferentes manifestações:
 Em França: levou ao enciclopedismo, que esteve na
origem da Revolução Francesa;
 Na Alemanha: deu lugar à corrente do classicismo, à
fundação de Universidades e à influência do
jusracionalismo;
 Nos países católicos: as ideias tiveram impacto, mas
não chegaram a adquirir um caráter revolucionário.
1.5. Humanitarismo
As correntes humanitaristas consistiram numa mistura de
Iluminismo, de Cristianismo e de Utilitarismo.
Manifestaram-se no âmbito do Direito Penal e do tratamento
penitenciário. A sua influência em Portugal foi levada a cabo
por Mello Freire.

2. Reformas pombalinas respeitantes ao Direito e à ciência jurídica


2.1. Considerações introdutórias
As correntes filosóficas e jurídicas anteriormente referidas
foram a base orientadora das reformas pombalinas. A nível
geral, o programa de Pombal, que caracterizou o reinado de D.
José I, deve ser analisado através de quatro manifestações:
 Absolutismo monárquico: auge em Portugal;
 Despotismo iluminado: novo fundamento do
absolutismo;
 Regalismo: submissão da Igreja Católica ao Estado;
 Estatismo: educativo, económico.
Estamos, assim, perante um programa de controlo da
sociedade pelo Estado e do Estado pelo (ministro) do Rei. De
tal forma que este programa teve, aliás, consequências pesadas
para a história das ciências e do ensino em Portugal. A
expulsão da Companhia de Jesus, em 1759, levou à ruína do
sistema de ensino existente, suportado por esta ordem
religiosa, e à desvinculação das suas escolas da rede
internacional em que se integravam até então. Foi por isto que
se formou e se consolidou até hoje o sistema de ensino estatal.
Neste contexto, as reformas jurídicas de Pombal tiveram
diferentes objetos:
 Modificações legislativas pontuais;
 A atividade científico-prática dos juristas;
 O ensino do Direito.
2.2. A Lei da Boa Razão
As mudanças relativas à atividade científico-prática dos
juristas consistiram na alteração do sistema de fontes do
Direito, operada através da Lei da Boa Razão, datada de 17 de
agosto de 1769.
Os seus objetivos são:
 Impedir irregularidades em matéria de assentos e de
fontes primárias do ordenamento jurídico;
 Fixar normas precisas sobre a validade do costume;
 Determinar os elementos a que a interpretação podia
recorrer no preenchimento de lacunas (Direito
subsidiário).
Assim, a Lei da Boa Razão previa:
i. Quanto ao Direito aplicável aos diferendos em litígio,
ele contém-se agora nas leis pátrias e nos estilos da
Corte: estes só são válidos se aprovados por assentos da
Casa da Suplicação. Revela-se aqui uma certa
desconfiança relativamente ao costume jurisprudencial.
ii. Em matéria de assentos, a Lei da Boa Razão atribui
autoridade exclusiva aos assentos da Casa da
Suplicação, tribunal supremo do reino. Os assentos dos
Tribunais da Relação só alcançam valor normativo com
a sua confirmação.
Em 1996, os assentos acabam por ser considerados
inconstitucionais, por serem órgãos do Estado com força
obrigatória e geral, não previstos na Constituição.
iii. Costume: são estabelecidos 3 requisitos da sua
admissibilidade:
 Ser conforme à boa razão;
 Não contrariar a lei (põe assim fim ao costume
contra legem);
 Ter mais de 100 anos de existência.
iv. Lacunas: o recurso ao Direito subsidiário está
submetido agora à “boa razão”, num novo sentido, e
ao Direito Natural e das Gentes. Este critério é
concretizado mais tarde pelos Estatutos da
Universidade, segundo os quais o critério prático
sugerido consiste em averiguar qual o “uso
moderno”, o que remete para os grandes autores da
escola do Usus Modernus Pandectarum. As suas normas
alcançam, assim, um valor normativo indireto, sendo
utilizadas como fontes supletivas.
Se o caso se inserir em matéria política, económica,
mercantil ou marítima, haverá recurso direto às leis das
“nações cristãs”, pondo-se de lado o Direito Romano.
A aplicação do Direito Canónico é, entretanto, relegada para
os tribunais eclesiásticos, manifestação de monismo
normativo.
A aplicação da Glosa de Acúrsio, da Opinião de Bártolo e
da opinião comum dos doutores é proibida, ou seja, a
relevância da doutrina enquanto fonte de Direito é restringida.
Como já foi, certo medo, feita referência, três anos mais tarde
deu-se o esclarecimento de alguns aspetos da LBR através dos
Estatutos da Universidade (1772).

2.3. Os novos Estatutos da Universidade


A reforma pombalina dos estudos universitários é ainda
mais ideológica que a Lei da Boa Razão.
Em 1770, nomeia-se uma Junta de Providência Literária
para emitir parecer sobre as causas da decadência do ensino
universitário e de como reformá-lo, dando-se assim uma
conclusão antecipada ao sentido do trabalho desta comissão.
Neste seguimento, em 1771, apresenta-se o Compendio
Histórico da Universidade de Coimbra, uma crítica
implacável que não deve ser dissociável do propósito inicial
de desacreditar o ensino e a influência da Companhia de Jesus,
até então preponderante na Universidade em Portugal.
Seguiu-se a elaboração pela mesma Junta dos novos Estatutos
da Universidade (Estatutos Pombalinos), aprovados por
Carta de Lei de 28/08/1772. Para a reforma das Faculdades
de Leis e de Cânones foi determinante Azevedo Coutinho.
Foram detetados graves defeitos no ensino do Direito:
 Preferência absoluta pelo Direito Romano e pelo Direito
Canónico, em detrimento do Direito pátrio;
 Abuso do método escolástico/bartolista;
 Respeito cego pela opinião comum;
 Completo desprezo pelo Direito natural e pela História
do Direito.
Surge um novo curriculum dos estudos jurídicos: mantém-se
a divisão por Leis e Cânones, mas são incluídas novas
matérias, como o Direito Natural, a História do Direito e as
instituições do Direito pátrio. No entanto, o núcleo de ensino
continua a ser o Corpus Iuris Civilis para o curso de Leis e o
Corpus Iuris Canonici para o curso de Cânones.
Quanto à duração, o curso foi reduzido de 8 para 5 anos, com
a atribuição do bacharel aos alunos que terminassem o 4º ano
(e já não o 6º).
É ainda estabelecido um novo método e uma nova
orientação do ensino: o método sintético-demonstrativo-
compendiário. Este novo método começa por oferecer uma
panorâmica geral da cadeira, opera por complexificação
progressiva, passa para outras proposições só depois do
esclarecimento científico das anteriores e são editados
manuais adequados, sujeitos a aprovação oficial, além da
lecionação de toda a matéria do programa. O antigo método
analítico/exegético conserva-se apenas em duas cadeiras de
final de curso, a fim de se aprender a interpretar e executar
leis.
Nos Estatutos Pombalinos faz-se também uma regulamentação
minuciosa pelo Estado do programa das cadeiras e a
imposição aos professores da escola jurídica preferível: a
escola histórico-crítica ou cujaciana.
Entretanto, para a aplicação subsidiária do Direito Romano,
nos termos da LBR, consagrava-se o Usus Modernus. O
caráter ideológico regalista da reforma transparece,
sobretudo, nas prescrições para o estudo da História da Igreja,
do Direito Canónico, da Teologia e da Filosofia.
Uma das aspirações da Reforma era a organização de
compêndios pelos professores, em substituição das velhas
sebentas copiadas pelos alunos. Além disso, previa-se a
utilização provisória de obras estrangeiras que se eternizou.
Apenas Mello Freire publicou 3 manuais, sendo uma exceção
ao que se acabou por verificar.
Que balanço para as novidades da Reforma? Reconhece-se
efetivamente que se fez um esforço para introduzir as
modernidades além-fronteiras. No entanto, a prática ficou
aquém das expectativas.
Rapidamente este sistema foi alvo de críticas e novos projetos
surgiram. No entanto, o Estatuto manteve-se, sendo
complementado em 1805, já no reinado de D. Maria.
3. O chamado “Novo Código”. Tentativa de reforma das
Ordenações (sínteses)
No reinado de D. Maria I, houve uma tentativa de reformar as
Ordenações Filipinas.
A necessidade de atualização das Ordenações era patente. A Rainha,
em 1778, cria uma Junta de Ministros com o objetivo de proceder
à reforma geral do Direito vigente. Assim começam os trabalhos
preparatórios de um novo corpo legislativo, seguindo a sistemática
básica das ordenações.
A tentativa de mera atualização acabou por falhar. Neste cenário, é
de destacar a polémica entre Mello Freire e António Ribeiro dos
Santos sobre a reforma do livro II das Ordenações.
Fracassou ainda a ideia de promulgar em Portugal as
codificações francesas, surgidas aquando da primeira das invasões
francesas.

Capítulo 5.2.
Época do individualismo
1. Aspetos gerais do individualismo político e do liberalismo
económico
A passagem do século XVIII para o século XIX foi marcada por
uma série de momentos distintos.
Num primeiro momento, assiste-se à difusão das ideias do
Iluminismo e à sucessão das revoluções liberais (a primeira, norte-
americana, em 1776, a segunda, francesa, em 1789, e, em especial, a
portuguesa, em 1820).
Num segundo momento, advém uma atitude crítica face ao
Iluminismo e consequentemente emergem os movimentos da
Contrarrevolução, do Romantismo e do Idealismo Alemão.
Num terceiro momento, são retomados os princípios do
Iluminismo e do Liberalismo, proporcionados pelo contexto
histórico-político, marcado pelos progressos económico e científico e
pelo triunfo da burguesia.
A conceção racionalista do Iluminismo está na base do
liberalismo, que se assume como uma atitude fundamental de
rejeição da autoridade ou de conhecimentos não julgados
criticamente pelo sujeito. O liberalismo filosófico privilegia o
princípio da razão independente e, por conseguinte, a oposição ao
ensino de verdades consideradas absolutas.
Note-se que, desta raiz racionalista do pensamento liberal e da
ligação excessiva das instituições da Igreja Católica à ordem social
do absolutismo derivou a luta dos Estados liberais europeus do
século XIX contra ela: a chamada “questão religiosa”.
No que concerne ao liberalismo político, é no princípio da
soberania popular e nacional que assenta a origem do poder e é
num hipotético pacto social que o Estado encontra o seu
fundamento. Estado esse que não tem fins próprios, devendo
proteger os direitos individuais e originários do Homem.
Estes postulados conduzem à ideia de governo representativo, de
monarquia constitucional e parlamentar, de separação de
poderes e de constituições escritas.
Porém, estes princípios não foram completamente inovadores. Isto
porque já remontam à obra de S. Tomás de Aquino e à Segunda
Escolástica. Com efeito, a garantia dos direitos e a tradição medieval
de limitação do poder político são bem anteriores. Na realidade,
podemos afirmar que o que há de original é apenas o caráter
universalista que estas ideias assumiram.
Quanto à vertente económica do liberalismo, assinala-se o
retrocesso das ideias do mercantilismo do Estado polícia da segunda
metade do século XVII. O ponto de viragem é protagonizado pelos
adeptos da Escola Fisiocrática francesa, fundada por Quesnay, os
quais defendiam a existência de uma ordem económica natural.
Entretanto, com o alargamento da visão do mundo económico,
Adam Smith e os seus discípulos superaram as traves-mestras deste
pensamento, que limitava a produção à agricultura, e impuseram a
ideia de livre-câmbio internacional.
2. Correntes do pensamento jurídico europeu
Desde logo, importa destacar o facto de que todas as correntes
mencionadas de seguida apresentam a semelhança de serem uma
reação ao jusnaturalismo, associado à ideia de que existe um
fundamento prévio, na natureza humana, de todo o Direito positivo.
2.1. Positivismo jurídico. Escola da Exegese.
O positivismo jurídico sucede ao jusracionalismo moderno e
determinou a grande separação entre o Direito Natural e o
Direito positivo, passando a configurar corpos jurídicos
distintos.
Assim, o positivismo do século XIX preconiza o abandono
pela busca das causas últimas dos fenómenos sensíveis, por
forma a revelar somente as leis que definem as relações
constantes e invariáveis daqueles fenómenos. Isto sustenta a
base empirista do positivismo que, no Direito, se traduz nas
normas positivas: as leis, escritas para uns, ou costume,
para outros.
Deste modo, nasce o positivismo jurídico legalista. Os seus
postulados são: por um lado, o Direito identifica-se com a lei;
por outro, a ordem jurídica constitui um todo acabado. Por
conseguinte, o auge da plenitude lógica do ordenamento
jurídico é conseguido através das codificações modernas,
sistemáticas e completas quanto a um certo âmbito jurídico.
Esta construção jurídica foi responsável pela subalternização
do costume enquanto fonte de Direito, mesmo no plano do
Direito supletivo, onde se passou a recorrer à analogia. A ele
juntou-se ainda a jurisprudência e a doutrina.
A Escola da Exegese (francesa) representa o expoente
máximo das ideias inicialmente preconizadas pelo
positivismo jurídico. Alguns dos seus nomes mais
característicos são Proudhon, Toullier, Duranton, Troplong e
Aubry.
As principais ideias por ela defendidas são:
 A lei enquanto manifestação da vontade soberana;
 A interpretação da lei de acordo com o método lógico-
gramatical;
 Conceção estatista das fontes do Direito;
 A lei como critério jurídico exclusivo.
Os seus postulados foram muito refutados, nomeadamente por
Gény, que defendia a “livre investigação científica”,
afirmando que a doutrina da Escola da Exegese conduzia à
estagnação da ciência jurídica.
2.2. Escola Histórica do Direito
A Escola Histórica do Direito, com a sua máxima “tudo é
história, tudo muda, nada permanece”, protagonizou
também a oposição ao Direito Natural clássico e
racionalista, impondo-se a partir do século XIX.
Ela está associada a uma polémica entre Thibaut e Savigny
no que respeita à codificação do Direito Civil.
Thibaut defendia o movimento codificador e a necessidade de
promulgação de um Código Civil para a Alemanha, ao passo
que Savigny, embora não se opusesse completamente à
elaboração do Código Civil, entendia que a ciência jurídica
não se encontrava preparada para tal.
Contrariamente aos racionalistas, os partidários da Escola
Histórica do Direito defendem que o Direito tem uma
dimensão histórica como pressuposto, uma vez que brota do
espírito do povo.
A conjuntura em que esta escola nasceu foi determinante para
se dividir em duas fações:
 Romanismo: preocupavam-se em despir o Direito
Romano da sua génese, transformando-se num sistema
acabado (Savigny e Hugo).
 Germanismo: estudavam áreas não tratadas pelos
romanistas, como o Direito Comercial, a fim de
construir um sistema assente na investigação histórica
(Eichhorn e Grimm).
No seu conjunto, esta escola assenta nas seguintes ideias:
 A dimensão histórico-cultural na origem de todo o
Direito;
 A rejeição da existência de normas jurídicas universais e
imutáveis;
 A supremacia do costume, como modo de exteriorização
do Direito;
 A oposição face ao movimento codificador e à
estagnação a que conduz.
Tudo isto conduziu, portanto, à formação de um positivismo
sociológico nesta escola.
2.3. Pandectística. Jurisprudência dos conceitos
A Pandectística é uma corrente do pensamento jurídico,
surgida na 2ª metade do século XIX e derivada da Escola
Histórica do Direito, sobretudo na sua vertente romanista. Na
verdade, a doutrina da Escola Histórica acabou por se revelar
incongruente, pois, tomando por pressuposto a génese
histórica do Direito, transformou o Direito Romano num
sistema acabado.
Assim, os Pandectistas preconizaram a elaboração de um
sistema jurídico sistemático e abstrato. Entre eles,
destacam-se Puchta, Winscheid e Jhiering.
Paradoxalmente, a Pandectística retoma um novo
positivismo formalista, procurando erguer um sistema
dogmático completo e fechado. As suas referências
dogmáticas foram genericamente aceites, sobretudo no que
concerne à sistematização germânica das relações jurídicas
civis e à consolidação da parte geral do Direito Civil.
Quanto ao método, esta corrente desembocou na
jurisprudência dos conceitos, que assenta na teoria das
instituições e estas a um sistema. Neste sentido, seria possível
analisar e interpretar o Direito, aplicá-lo e ainda preencher as
lacunas da lei.
Esta perspetiva foi refutada por outras correntes. Por um lado,
a denominada Jurisprudência dos Interesses, fundada por
Philip Heck, e, por outro, a Escola do Direito Livre, de
origem alemã e fundada por Ehrliche.
Mais tarde, o positivismo legalista da Pandectística foi
retomado por Kelsen e pelo seu positivismo normativista.

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