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Cresci Econ - Portug - Banco Portugal

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Índice

Lista de autores 7

Prefácio
Carlos da Silva Costa, Governador 9

Introdução
João Amador 11

1 produto potencial e contabilidade


do crescimento 23

1.1. Produto potencial: Como é que a economia


portuguesa compara com a área do euro?
Cláudia Duarte, José R. Maria, Sharmin Sazedj 25

1.2. Como é que o progresso tecnológico e a evolução


da eficiência contribuíram para o crescimento por-
tuguês?
João Amador, Carlos Coimbra, António R. dos Santos 37

1.3. Qual é o papel da demografia e da educação no


crescimento da economia portuguesa?
Joana Garcia, Hugo Reis, João Amador 45

2 capital humano 51

2.1. Ainda compensa investir em educação?


Maria Manuel Campos, Hugo Reis 53

2.2. Qual é o efeito do aumento do nível de escolari-


dade dos trabalhadores nos desajustes educativos?
Ana Catarina Pimenta, Manuel Coutinho Pereira 61

2.3. Qual é a vantagem relativa do ensino vocacional


no mercado de trabalho português?
Joop Hartog, Pedro Raposo, Hugo Reis 69

2.4. Qual é o impacto da concentração regional de


capital humano nos salários e no retorno do capital?
Pedro Freitas 79

3
3 mercado de trabalho 87

3.1. Qual é o contributo da dinâmica das empresas


e da mobilidade laboral para a variação dos salários
reais?
Sónia Félix, Pedro Portugal 89

3.2. De que forma a rigidez à baixa dos salários


afetou o desemprego durante a crise económica?
Fernando Martins, Pedro Portugal 97

3.3. Quais as implicações da reforma das indemni-


zações por despedimento em Portugal?
Fernando Martins 107

4 gestão e organização das empresas 117

4.1. O que revelou a crise sobre os gestores em Por-


tugal?
Sharmin Sazedj 119

4.2. Uma empresa que contrata um gestor experiente


melhora o seu desempenho?
Giordano Mion, Luca David Opromolla, Alessandro Sforza 131

4.3. Quão importantes são as decisões organizacio-


nais na produtividade de uma empresa?
Lorenzo Caliendo, Giordano Mion, Luca David Opromolla, Esteban
Rossi-Hansberg 137

5 investimento e financiamento 145

5.1. Que importância tem o acesso ao financiamento


para o desempenho das empresas em períodos de
crise?
Sudipto Karmakar 147

5.2. Qual é o impacto de restrições de financiamento


nas decisões de investimento e saída de mercado das
PME portuguesas?
Luísa Farinha, Sónia Félix 157

5.3. Os choques no crédito bancário são relevantes


para as decisões de investimento das empresas?
João Amador, Arne Nagengast 165

4
5.4. Estará o crédito bancário a ser alocado às em-
presas mais produtivas?
Nuno Azevedo, Márcio Mateus, Álvaro Pina 173

6 mercado do produto 183

6.1. O que nos diz a margem preço-custo e o poder


negocial dos trabalhadores sobre os mercados em
Portugal?
Ricardo Pinheiro Alves, Carlos Figueira 185

6.2. Estarão as empresas zombie a limitar o cresci-


mento das empresas viáveis?
Ana Fontoura Gouveira, Christian Osterhold 195

6.3. Quão importante é a reafetação de recursos para


o crescimento da produtividade?
Carlos Robalo Marques 205

6.4. Influenciará a atividade exportadora das empre-


sas a sua probabilidade de sobrevivência?
Mónica Borges Simões, Paulo M. M. Rodrigues 215

7 internacionalização 225

7.1. Quão diferentes são as estratégias de dinamiza-


ção das exportações com origem na procura e na
oferta?
Paulo Júlio, José R. Maria 227

7.2. Como é que as empresas exportadoras reagiram


à crise?
Paulo Soares Esteves, Miguel Portela, António Rua 239

7.3. Quão importante é o papel da entrada e saída


nos mercados internacionais?
João Amador, Luca David Opromolla 247

7.4. Quão heterogéneas são as empresas portuguesas


no comércio internacional de serviços não turísticos?
João Amador, Sónia Cabral, Birgitte Ringstad 257

7.5. O que distingue as dinâmicas empresariais no


turismo das de outros setores?
Filipe B. Caires, Hugo Reis, Paulo M. M. Rodrigues 267

5
O Crescimento Económico Português

8 custos de contexto 279

8.1. Que custos de contexto estão associados à pro-


dutividade das empresas portuguesas?
João Amador, Sónia Cabral, Birgitte Ringstad 281

8.2. O que influencia a procura e a produtividade na


justiça económica?
Manuel Coutinho Pereira, Lara Wemans 289

8.3. Como se tem alterado a duração da execução


judicial de dívidas?
Manuel Coutinho Pereira, Lara Wemans 299

6
Lista de autores

Ricardo Pinheiro Alves Gabinete de Estudos do Ministério


da Economia, IADE-UE
João Amador Banco de Portugal, Nova School of
Business and Economics
Nuno Azevedo Banco de Portugal, NIPE Universi-
dade do Minho
Maria Manuel Campos Banco de Portugal
Sónia Cabral Banco de Portugal
Filipe Caires Católica Lisbon School of Business
and Economics
Lorenzo Caliendo Yale University, NBER
Carlos Coimbra Instituto Nacional de Estatística,
ISCTE
Cláudia Duarte Banco de Portugal
Paulo Soares Esteves Banco de Portugal
Luísa Farinha Banco de Portugal
Sónia Félix Banco de Portugal, Nova School of
Business and Economics
Carlos Figueira Banco de Portugal, Nova School of
Business and Economics
Pedro Freitas Nova School of Business and
Economics, Nova Center for the
Economics of Education
Joana Garcia Banco de Portugal
Ana Fontoura Gouveia Banco de Portugal, Nova School of
Business and Economics
Paulo Júlio Banco de Portugal, CEFAGE
Joop Hartog University of Amsterdam
Sudipto Karmakar Banco de Portugal
José R. Maria Banco de Portugal
Márcio Mateus Banco de Portugal
Christian Osterhold Nova School of Business and
Economics

7
O Crescimento Económico Português

Carlos Robalo Marques Banco de Portugal


Fernando Martins Banco de Portugal, Universidade
Lusíada, REM/UECE
Giordano Mion University of Sussex, CEP, CEPR,
CESifo
Arne Nagengast Deutsche Bundesbank
Luca David Opromolla Banco de Portugal, CEPR, CESifo,
UECE
Manuel Coutinho Pereira Banco de Portugal
Ana Catarina Pimenta Banco de Portugal
Álvaro Pina ISEG, Universidade de Lisboa
Miguel Portela Universidade do Minho, NIPE,
IZA
Pedro Portugal Banco de Portugal, Nova School of
Business and Economics
Pedro Raposo Católica Lisbon School of Business
and Economics
Hugo Reis Banco de Portugal, Católica Lisbon
School of Business and Economics
Birgitte Ringstad Nova School of Business and
Economics
Paulo M.M. Rodrigues Banco de Portugal, Nova School of
Business and Economics
Esteban Rossi-Hansberg Princeton University, NBER
António Rua Banco de Portugal, Nova School of
Business and Economics
António R. dos Santos Banco de Portugal, Nova School of
Business and Economics
Sharmin Sazedj Banco de Portugal, Nova School of
Business and Economics
Alessandro Sforza London School of Economics
Mónica Borges Simões Ministério das Finanças GPEARI
Lara Wemans Banco de Portugal, Ministério das
Finanças DGO

8
Prefácio

Carlos da Silva Costa, Governador

A economia de um país encerra sempre duas dinâmicas de ritmos


bem distintos.
Por um lado, temos dinâmicas de curto prazo, nomeadamente ci-
clos conjunturais que são recorrentes e visíveis. Estes ciclos refletem
fases de crescimento e de contração do produto e do emprego. É
relativamente fácil para famílias e empresas percecionarem estes ci-
clos e os impactos que produzem nas suas vidas. Estas dinâmicas
geram instabilidade na economia e, por essa razão, requerem uma
monitorização tão ágil quanto possível, de modo que os fatores indu-
tores de cada ciclo possam ser rapidamente identificados e analisados
e a política económica possa contribuir para a estabilização ou para
a mitigação dos seus efeitos. O Banco de Portugal contribui para
esta monitorização, mantendo uma atividade contínua de acompa-
nhamento e avaliação da conjuntura económica.
Por outro lado, paralelamente a estes ciclos conjunturais,
comparáveis a marés que observamos facilmente junto à costa, a
economia vai sendo sujeita a transformações estruturais, mais lentas
e profundas. Estas transformações, que poderíamos comparar ao
movimento das placas tectónicas nas profundezas do oceano, não
são identificáveis à vista desarmada, mas produzem efeitos
indeléveis sobre a organização económica e social, com impactos
sérios e disruptivos na vida de famílias e empresas. É o caso, por
exemplo, de perdas estruturais de produtividade, capazes de limitar
drasticamente a riqueza que as empresas conseguem gerar e os
salários que podem pagar.
Se as instituições responsáveis por analisar as economias se man-
tiverem exclusivamente focadas no acompanhamento das dinâmicas
de curto prazo, perderão de vista dinâmicas estruturais que condi-
cionam o bem-estar individual e a riqueza e a equidade da sociedade
e, por consequência, não conseguirão sinalizar a necessidade de medi-
das que antecipem e mitiguem os seus efeitos. O Banco de Portugal
assume, por isso, o imperativo de avaliar a realidade estrutural da
economia portuguesa, identificando os correspondentes desafios e
oportunidades.

9
O Crescimento Económico Português

Na presente obra, o Banco dá continuidade ao cumprimento de tal


imperativo.
Em 2009, o Banco de Portugal partilhou em livro, com a sociedade
portuguesa, um conjunto de estudos sobre “A Economia Portuguesa
no Contexto da Integração Económica, Financeira e Monetária”.
Nessa ocasião, foram exploradas implicações estruturais do processo
de integração europeia, nomeadamente no que diz respeito ao
desígnio de convergência real para com os nossos parceiros
comunitários.
Agora, o Banco retoma a avaliação estrutural da economia
portuguesa para olhar “O Crescimento Económico Português: Uma
Visão sobre Questões Estruturais, Bloqueios e Reformas”.
Estes exercícios revestem-se de inegável relevância, na medida em
que as condições estruturais e, em particular, a capacidade de adequa-
ção ao contexto global determinam o sucesso económico dos países.
Com este tipo de iniciativa, o Banco procura dar corpo ao desígnio
estratégico de se assumir como centro de gravidade e dínamo propul-
sor da reflexão científica sobre as mutações estruturais da economia
portuguesa, agregando e mobilizando a academia, sempre num es-
pírito de plena abertura e estreita parceria. O objetivo é tornar a
sociedade consciente dos desafios com que está confrontada e induzir
respostas assentes em consensos sociais alargados. Os estudos pub-
licados nesta obra obedecem apenas a critérios de estrita qualidade
científica e refletem o quadro concetual, teórico e metodológico usado
pelos autores.
O formato de livro eletrónico ora adotado visa propiciar a partilha
desta reflexão. Pretende, assim, assegurar-se que este trabalho se
torna um referencial vivo das discussões em curso. O conjunto de
estudos que o Banco de Portugal aqui entrega à sociedade portuguesa
não é um túmulo de pensamento cristalizado, mas uma agenda de
trabalho para o futuro.

10
Introdução

João Amador

O principal objetivo dos decisores de política deve ser a criação de


condições para o crescimento económico sustentável e para o
bem-estar dos cidadãos. Tal requer a plena consciência das condi-
ções económicas existentes e, acima de tudo, uma perspetiva clara
sobre os desenvolvimentos que condicionarão a situação social e
económica nas décadas seguintes. Este é um exercício intrinsecamen-
te difícil e de alto risco. A identificação dos desenvolvimentos passa-
dos e das características estruturais prevalecentes é um importante
ponto de partida para prever o futuro. No entanto, mesmo que os
desafios sejam avaliados corretamente, a identificação das políticas
mais acertadas está longe de ser óbvia. Apesar de todas estas dificul-
dades, os custos da inação são potencialmente muito altos e a
tomada de decisões visando promover as condições subjacentes ao
crescimento económico revela-se um imperativo.
Este livro procura contribuir para o debate sobre o crescimento
económico português, baseando-se num grande conjunto de
trabalhos analíticos desenvolvidos ao longo dos últimos anos,
maioritariamente no Banco de Portugal. Este projeto também
beneficiou de múltiplas outras contribuições, nomeadamente por
parte de economistas afiliados a instituições nacionais e
internacionais de política económica e a universidades. Assim, este
livro constitui um esforço colectivo que identifica várias
características estruturais da economia portuguesa e, sempre que
possível, aponta desafios a serem ultrapassados. Por outro lado,
sublinham-se os progressos alcançados em algumas áreas. No
entanto, é importante salientar que existem numerosas dimensões do
crescimento económico português que não são abordadas no livro.
Além disso, seria possível utilizar metodologias e bases de dados
alternativas que poderiam contestar as conclusões apresentadas.
Assim, este projecto é apenas um passo no longo caminho para
aproximar a produtividade portuguesa e o produto per capita dos
níveis observados nos países com melhor desempenho na Europa.
Todas as secções estão escritas de forma relativamente simplificada
e concisa, referindo-se na sua maioria a estudos já publicados, onde
uma análise mais aprofundada pode ser encontrada. A curta dimen-

11
O Crescimento Económico Português

são das secções e o seu conteúdo simplificado visam facilitar o acesso


a um público não especializado. O conteúdo do livro está sujeito
aos habituais condicionantes relacionados com o trabalho de autor.
Por conseguinte, as opiniões expressas nas diferentes secções são as
dos autores e não coincidem necessariamente com as do Banco de
Portugal, do Eurosistema ou de outras instituições onde estes estejam
afiliados. Além disso, quaisquer erros e omissões são da exclusiva
responsabilidade dos autores. Finalmente, alguns agradecimentos
são devidos. Em primeiro lugar, agradeço a Nuno Alves, Maximiano
Pinheiro e Pedro Duarte Neves pelo seu apoio e pelos comentários
e sugestões muito úteis em grandes partes do livro. Em segundo
lugar, são devidos agradecimentos à equipa que trabalhou nas dimen-
sões gráfica e informática, em particular a Fernando Graça, Marta
Figueiredo e Luís Campos.

1. Organização do livro

O livro segue uma abordagem baseada na ótica da oferta, discutindo


aspectos do crescimento económico português a partir da perspec-
tiva da função de produção. Tal implica um foco na quantidade
e qualidade dos inputs, no funcionamento dos mercados e no en-
quadramento institucional em sentido lato. O livro está organizado
em oito capítulos que contêm um pequeno número de secções curtas.
Cada secção formula uma questão de investigação relevante para a
compreensão de características estruturais, bloqueios e reformas, com
impacto no crescimento económico português.
Após esta introdução, o primeiro capítulo do livro apresenta uma
análise do crescimento do produto potencial português, utilizando
modelos estimados e metodologias de contabilidade do crescimento.
Neste contexto, é identificado o papel do capital, do trabalho e da
tecnologia, incluindo alguns aspectos da demografia e do capital
humano. As questões mais especificamente relacionadas com o
capital humano, como os ganhos da educação e os desajustes entre
as qualificações dos trabalhadores e os requisitos das ocupações, são
abordadas no segundo capítulo. Seguidamente, o terceiro capítulo
do livro discute algumas características do mercado de trabalho
português, nomeadamente as fontes de variação dos salários reais, a
rigidez nominal dos mesmos e as reformas recentes. No quarto
capítulo, o livro aborda questões relacionadas com a gestão e
organização das empresas portuguesas. Estes aspectos têm sido
cada vez mais apontados na literatura como determinantes do
desempenho e da produtividade das empresas. Em particular,
discute-se o perfil dos gestores portugueses, a sua experiência no

12
Introdução

mercado externo como fator dinamizador das exportações e o papel


dos gestores recém-chegados à empresa em momentos de crise.
Juntamente com o trabalho, o capital é um elemento fundamental
no processo produtivo. Assim, as decisões de investimento e o seu
financiamento são matérias importantes, especialmente num contexto
em que o sector bancário foi afetado por choques negativos. O quinto
capítulo do livro engloba trabalhos em que se estuda a presença de
restrições de financiamento bancário nas empresas portuguesas, o
impacto dos bancos sobre as decisões de investimento e a distribuição
do crédito de acordo com a produtividade das empresas. As dis-
cussões sobre a qualidade e quantidade dos inputs, bem como sobre o
funcionamento do mercado de trabalho, devem ser complementadas
por uma avaliação da dinâmica das empresas e da realocação de
recursos na economia que lhe está subjacente, a qual é moldada
pelas distorções existentes nos mercados e pela ação da concorrência.
Este último conjunto de dimensões constitui a maior parte do sexto
capítulo do livro.
A internacionalização não é um elemento da função de produção
em si mesmo mas emerge como uma decisão-chave por parte das em-
presas, podendo determinar fortemente o seu desempenho e, assim,
ter impacto no crescimento económico. Neste quadro, os aspectos
relacionados com a participação das empresas portuguesas no comér-
cio internacional de bens e serviços, a sua resiliência face às crises,
bem como as especificidades do sector do turismo são abordados no
sétimo capítulo. Finalmente, as barreiras regulatórias, que também
são reconhecidas como determinantes da produtividade, são discuti-
das no oitavo capítulo, com particular ênfase no sistema de justiça.

2. Principais resultados

Nas próximas décadas, o envelhecimento da população será um ele-


mento caracterizador de muitas economias mundiais. Esta tendência
já é visível em Portugal. As tendências demográficas são forças de
longo prazo e extremamente poderosas, com efeitos alargados sobre
o crescimento económico. Do ponto de vista da oferta agregada,
a principal consequência do envelhecimento é a menor oferta de
trabalho, afetando negativamente o crescimento do produto potencial.
Uma segunda grande força com impacto nas economias das próximas
décadas é a automação da produção em combinação com a crescente
oferta remota de serviços por parte de trabalhadores estrangeiros.
Esses desenvolvimentos pressionarão grandes segmentos do mercado
de trabalho, alterarão os tipos de qualificações requeridas e desa-
fiarão os atuais modelos de negócio das empresas. Outro grande

13
O Crescimento Económico Português

desenvolvimento futuro é a mudança no equilíbrio económico a nível


global, que transitará das economias ocidentais para as nações em de-
senvolvimento em diferentes continentes. Essa mudança terá impacto
nos padrões de comércio, nos fluxos de investimento e provavelmente
aumentará a volatilidade, afetando a capacidade das empresas de
se ajustarem a choques. Neste contexto, a concorrência mundial
provavelmente aumentará e a flexibilidade das economias tornar-se-á
um ativo ainda mais valioso.
A discussão sobre o crescimento da economia portuguesa deve
considerar este contexto de desafios e refletir sobre o modo como
as características e barreiras estruturais existentes interagem com os
resultados futuros. A atual situação da economia portuguesa em
termos de crescimento do produto potencial não é muito positiva.
A Secção 1.1, assinada por Cláudia Duarte, José Ramos Maria e Sharmin
Sazedj, apresenta estimativas para o produto potencial baseadas num
modelo para Portugal, decompondo os desenvolvimentos observados
em tendências e ciclos através da combinação de equações dinâmicas
de preços e salários, com uma versão da lei de Okun e com uma
função de produção com capital, trabalho e produtividade total dos
fatores (TFP). Conclui-se que o produto potencial português tem de-
sacelerado em comparação com o dinamismo do final da década
de 80 e confirma-se que a crise financeira e das dívidas soberanas
europeias teve efeitos duradouros, levando o produto potencial por-
tuguês a divergir do da área do euro. A avaliação de um desempe-
nho dececionante do crescimento da TFP é confirmada na Secção 1.2,
assinada por João Amador, Carlos Coimbra e António Ribeiro dos Santos,
que apresenta um exercício de contabilidade do crescimento com
uma fronteira de produção internacional estocástica estimada com
métodos Bayesianos. Esta metodologia assinala a existência de consi-
deráveis hiatos na eficiência, medidos como a distância da economia
portuguesa relativamente à fronteira tecnológica, dados os rácios de
capital-trabalho existentes. Em geral, este capítulo confirma a narra-
tiva de que persistem problemas estruturais na economia portuguesa,
combinando consideráveis desvios na eficiência com reduzidos níveis
de capital por trabalhador.
O envelhecimento da população tem impacto na evolução do pro-
duto potencial português. A Secção 1.3, assinada por Joana Garcia,
Hugo Reis e João Amador, apresenta um exercício de contabilidade
do crescimento alargado e conclui que a evolução demográfica pura,
medida pela proporção da população entre 15 e 64 anos na população
total, terá uma contribuição negativa muito acentuada para o cresci-
mento do PIB per capita até cerca de 2050. Em termos acumulados,
esta contribuição negativa é considerável, chegando a 20 pontos per-
centuais em 2050. No entanto, a contribuição dos níveis crescentes

14
Introdução

de capital humano deverá compensar em parte o efeito demográfico


puro, com uma contribuição acumulada que atingirá cerca de 10
pontos percentuais em 2050. Por conseguinte, o impacto adverso da
evolução demográfica no crescimento de Portugal coexistirá com o
impacto favorável de uma mão-de-obra mais qualificada.
As qualificações da força de trabalho têm sido um ingrediente
fundamental para o crescimento económico em todo o mundo nas
últimas décadas, mas o seu papel aumenta quando se trata de lidar
com os desafios impostos pela automação e pelo leque cada vez mais
alargado de serviços comercializados nos mercados internacionais.
A potencial destruição de empregos deve ser compensada por uma
maior flexibilidade para desempenhar diferentes tarefas, o que pode
exigir novas competências e formação. No entanto, ter uma economia
flexível é algo que se estende para além dos trabalhadores e do mer-
cado de trabalho, abarcando dimensões como as práticas de gestão e
as decisões de investimento.
É amplamente aceite que a economia portuguesa tem sido pena-
lizada por um legado de baixas qualificações da força de trabalho.
No entanto, o progresso registado tem sido muito significativo e é
importante que ele prossiga. A Secção 2.1, assinada por Maria Manuel
Campos e Hugo Reis, estima uma relação empírica entre educação e
rendimento e conclui que os retornos da escolarização em Portugal
terão diminuído no período recente, resultado do notável aumento
do nível educacional médio da força de trabalho. No entanto, níveis
educacionais mais altos ainda são geralmente associados a salários
mais altos, e o diferencial entre os salários dos indivíduos com diplo-
mas universitários e aqueles que têm o ensino secundário permanece
elevado e amplia-se ao longo do ciclo de vida. Esta avaliação é
compatível com as conclusões da Secção 2.2, assinada por Manuel
Coutinho Pereira e Catarina Pimenta, que combina as ocupações dos
trabalhadores e o nível de escolaridade para avaliar os desajustes edu-
cativos. Conclui-se que houve uma redução consistente da subesco-
larização, em consonância com a substituição de gerações no mercado
de trabalho. Por seu turno, o crescente número de trabalhadores al-
tamente qualificados que ingressam no mercado de trabalho, particu-
larmente os graduados universitários, deu origem a níveis limitados
de sobre-escolarização.
A discussão sobre os desafios colocados pela automação está li-
gada ao papel das qualificações específicas versus gerais. Os ganhos
potenciais nos anos iniciais de carreira que estão associados ao ensino
vocacional, facilitando a transição da escola para o trabalho, podem
ser compensados por uma menor adaptabilidade nas etapas poste-
riores da vida profissional. A Secção 2.3, assinada por Joop Hartog,
Pedro Raposo e Hugo Reis, compara as trajectórias salariais ao longo

15
O Crescimento Económico Português

da vida dos indivíduos com ensino secundário vocacional, ensino se-


cundário geral, ensino superior e ensino básico, comparando também
estes grupos em termos de medidas de risco, como o coeficiente de
variação salarial e a taxa de desemprego. Como esperado, em termos
de salários e de risco, os trabalhadores com ensino secundário estão
sempre em pior situação do que os trabalhadores com ensino superior
e em melhor situação do que aqueles que não concluem o ensino
secundário. Quando se compara com o ensino secundário geral, a
evidência empírica sustenta uma vantagem de curto prazo do ensino
secundário vocacional e uma desvantagem a longo prazo. No entanto,
os ganhos em educação não se destinam apenas ao indivíduo, mas
também se estendem para a sociedade. Tais externalidades tendem
a ter uma dimensão geográfica, que está associada a efeitos de aglo-
meração e que podem ser intensificados devido às mudanças tecnoló-
gicas em curso. A Secção 2.4, assinada por Pedro Freitas, aborda este
tópico, utilizando uma metodologia de variáveis instrumentais para
concluir que a concentração de maiores qualificações tem impactos
nos salários. Em particular, a concentração municipal de trabalha-
dores com o ensino secundário completo aumenta os salários dos
trabalhadores que finalizaram o ensino secundário e superior.
Os efeitos das transformações esperadas para as próximas décadas
não dependem apenas das qualificações da força de trabalho. Tam-
bém se relacionam fortemente com o funcionamento do mercado de
trabalho num sentido mais amplo, incluindo a sua legislação e a
dinâmica salarial. A Secção 3.1, assinada por Sónia Félix e Pedro Portu-
gal, explica as fontes de variação salarial real em Portugal, medindo
especificamente o efeito da reestruturação de postos de trabalho e da
mobilidade laboral na variação agregada dos salários reais e, indire-
tamente, na produtividade das empresas. Conclui-se que o cresci-
mento salarial associado à transição de trabalhadores entre empresas
e por parte daqueles que permanecem nas mesmas empresas dão os
maiores contributos para o crescimento dos salários reais, enquanto
a entrada e a saída de empresas parece ter um papel de limpeza
(cleansing effect). Neste contexto, a rigidez dos salários nominais tem
sido apontada como uma distorção significativa no funcionamento do
mercado de trabalho português. A Secção 3.2, assinada por Fernando
Martins e Pedro Portugal, refere-se ao papel da rigidez dos salários
nominais à descida em termos da destruição de emprego, com im-
pacto no crescimento económico. Em particular, durante a última
crise económica portuguesa é possível identificar uma clara relação
positiva entre a proporção de congelamentos salariais nominais e as
taxas de desemprego. Complementarmente, a Secção 3.3, assinada
por Fernando Martins, centra-se nas recentes reformas do mercado de
trabalho e conclui que, apesar dos progressos consideráveis, Portu-
gal continua a ser o país da OCDE com a legislação mais restritiva

16
Introdução

para despedimentos individuais de trabalhadores com contratos sem


termo. Embora as reformas tenham diminuído o fosso regulamentar
entre contratos de duração indeterminada e de prazo fixo, a duali-
dade permanece importante e a segmentação deverá continuar uma
característica distintiva do mercado de trabalho português.
A capacidade da economia para enfrentar os desafios que surgem
no horizonte é fortemente dependente das capacidades de gestão e
da organização das empresas. Por exemplo, uma maior volatilidade
na economia mundial aumentará o valor dos gestores que lidem
adequadamente com as crises. A este respeito, a Secção 4.1, assi-
nada por Sharmin Sazedj, utiliza uma metodologia de diferenças em
diferenças e argumenta que os CEOs recém-chegados apresentam
uma vantagem significativa na gestão das empresas em momentos
difíceis, independentemente do seu menor conhecimento relativo so-
bre a empresa. Além disso, refere que a elevada percentagem de
CEOs que são proprietários e o elevado número de anos no cargo
indiciam que as empresas portuguesas podem ter dificuldade em se
adaptar a mercados em mudança. A Secção 4.2, assinada por Giordano
Mion, Luca David Opromolla e Alessandro Sforza, complementa essa
visão mostrando que as empresas onde há um gestor com experiência
em exportação têm maior probabilidade de começar (ou continuar) a
exportar e têm maior probabilidade de aumentar o nível de expor-
tações. A presença de um gestor com experiência em exportação
acaba por ser tão importante quanto a produtividade da empresa. Os
gestores também são importantes em termos do ajustamento da estru-
tura organizacional das empresas. A Secção 4.3, assinada por Lorenzo
Caliendo, Giordano Mion, Luca David Opromolla e Esteban Rossi-Hansberg,
conclui que a reorganização é uma fonte importante de ganhos agre-
gados de produtividade na economia, argumentando que as empre-
sas que não se reorganizam para crescer – possivelmente devido a
impedimentos institucionais ou à desadequação da gestão – são inca-
pazes de explorar as oportunidades para melhorar a produtividade.
As empresas portuguesas enfrentam um legado de dificuldades no
que diz respeito a financiamento e investimento, num contexto de
rácios de capital-trabalho relativamente baixos e grande exposição ao
sistema bancário. Tal situação coloca desafios adicionais em termos
do ajustamento às futuras transformações económicas. A Secção 5.1,
assinada por Sudipto Karmakar, refere que as empresas com montantes
significativamente mais elevados de alavancagem e dívida de curto
prazo tiveram dificuldades em se refinanciar no pico da crise e, por-
tanto, registaram um fraco crescimento. Isto é especialmente impor-
tante porque, como indicado na Secção 5.2, assinada por Luísa Farinha
e Sónia Félix, os empréstimos bancários são uma fonte significativa de
financiamento para as pequenas e médias empresas portuguesas e

17
O Crescimento Económico Português

as que têm restrições de crédito registam uma probabilidade signi-


ficativamente menor de sobreviver e investem menos do que as suas
congéneres. Na mesma linha, a Secção 5.3, assinada por João Amador e
Arne Nagengast, identifica os choques de oferta e de procura de crédito
bancário por parte de bancos e empresas, respetivamente, concluindo
que os primeiros têm um forte efeito negativo sobre o investimento
ao nível da empresa. Adicionalmente, o investimento das pequenas
empresas é muito mais vulnerável ao impacto negativo dos choques
nos bancos. Além disso, o sistema bancário em Portugal – tal como na
maioria dos outros países – é muito concentrado pelo que os choques
idiossincráticos em grandes instituições não se diluem no agregado,
tendo assim um efeito considerável no crédito total e, portanto, no
investimento. O impacto do crédito às empresas no crescimento
económico também depende da sua alocação. Apesar de se observar
uma reorientação dos novos empréstimos para empresas de menor
risco nos últimos anos, a Secção 5.4, assinada por Nuno Azevedo,
Márcio Mateus e Álvaro Pina, mostra que uma grande parte do crédito
concedido pelos bancos residentes está posicionada em categorias de
empresas com muito baixa produtividade. Isto prejudica a reafetação
de crédito para as empresas com maior produtividade, o que pode
dificultar o respetivo investimento e expansão.
A proliferação de empresas com baixo desempenho que não saem
do mercado é uma dificuldade em tempos de transformação estru-
tural. Estes problemas relacionam-se, em parte, com a falta de con-
corrência nos mercados, mas também com as barreiras regulatórias.
A Secção 6.1, assinada por Ricardo Pinheiro Alves e Carlos Figueira,
estima conjuntamente as margens preço-custo e o poder negocial
dos trabalhadores para um conjunto detalhado de mercados, con-
cluindo que os mercados de trabalho e do produto em Portugal estão
longe do paradigma da concorrência perfeita. Nos últimos anos,
há alguma evidência de reduções nas margens preço-custo em se-
tores não-transacionáveis, o que é benéfico na perspectiva de evitar
a sobre-alocação de recursos nesses mercados protegidos, com im-
pactos potencialmente adversos no crescimento económico.
Conjuntamente com os níveis educacionais mais altos, a concor-
rência entre as empresas tende a promover a inovação, que é um
ingrediente-chave para o sucesso num mundo em rápida transfor-
mação e conduz as empresas improdutivas a sair do mercado. Este
é outro desafio a ser enfrentado pela economia portuguesa. Em
consonância com os resultados da Secção 5.4, a Secção 6.2, assinada
por Ana Fontoura Gouveia e Christian Osterhold, evidencia uma elevada
prevalência das denominadas “empresas zombie” em Portugal, signi-
ficativamente menos produtivas do que as suas congéneres viáveis.
Embora os resultados apontem para alguma seleção positiva, com a

18
Introdução

reestruturação das empresas mais produtivas e a saída das menos


produtivas, muitas dessas empresas zombie acabam por permanecer
no mercado. Pelo facto de captarem uma fatia relevante dos recursos
produtivos disponíveis na economia e por distorcerem a concorrência,
o conjunto das empresas zombie prejudica o crescimento das restantes
empresas do mercado. Uma visão mais ampla sobre a eficiência na
utilização de recursos na economia portuguesa, realizada na Secção
6.3, assinada por Carlos Robalo Marques, conclui que a realocação
total de recursos, conjugando o efeito que decorre das empresas so-
breviventes (between effect) e a contribuição da entrada e saída de
empresas, teve um impacto claramente positivo no crescimento da
produtividade no setor transacionável, mas negativo no setor não
transacionável. Na verdade, o desempenho desfavorável da realo-
cação total no setor não-transacionável explica integralmente a con-
tribuição negativa da realocação total de inputs para a evolução da
produtividade na economia como um todo.
Embora as restrições financeiras mencionadas acima e a dinâmica
das empresas sejam importantes para o desempenho económico, a
participação das empresas nos mercados externos é também um
elemento-chave para o sucesso num mundo cada vez mais global. O
desempenho das exportações das empresas é afetado por uma
multiplicidade de fatores, incluindo práticas de gestão, conforme
discutido na Secção 4.2, recursos humanos, barreiras regulatórias e
condições de financiamento. No entanto, apenas um número
reduzido de estudos analisa a diferença na probabilidade de
sobrevivência entre exportadores e não-exportadores em ligação
com o efeito das restrições financeiras. A Secção 6.4, assinada por
Paulo M.M. Rodrigues e Mónica Simões, responde a essa questão,
mostrando que, controlando para a sua situação financeira, as
empresas exportadoras têm, em média, maior probabilidade de
sobrevivência e também apresentam indicadores financeiros mais
saudáveis, o que diminui ainda mais a probabilidade de saída.
Num cenário em transformação, com novas economias a emer-
gir e novas tecnologias em utilização, o desempenho em termos do
comércio internacional de bens e, principalmente, de serviços ditará
o sucesso económico. A Secção 7.1, assinada por Paulo Júlio e José
Ramos Maria, utiliza um modelo Dinâmico Estocástico de Equilíbrio
Geral estimado para a economia portuguesa para mostrar que um
aumento da procura externa e um choque positivo da produtividade
(TFP) produzem impactos positivos semelhantes e duradouros. Os
resultados sugerem que ambos os choques expandem o PIB, o capital
e o emprego no curto, médio e longo prazo. Além disso, as quotas de
mercado das exportações, definidas como o rácio entre as exportações
portuguesas e o PIB externo, aumentam em ambas as simulações.

19
O Crescimento Económico Português

Outra conclusão importante é que a resposta macroeconómica sobre-


vive aos próprios choques, ou seja, a economia continua a evoluir
para níveis mais altos de produção, mesmo após o aumento exógeno
da quota das exportações do mercado internacional e a TFP terem
alcançado os seus novos níveis de longo prazo.
Os choques estão longe de serem apenas construções abstratas nos
modelos. A crise da dívida soberana na área do euro foi uma forte
perturbação e sinalizou características relevantes das empresas por-
tuguesas. A Secção 7.2, assinada por Paulo Soares Esteves, Miguel
Portela e António Rua, estuda a reacção das empresas portuguesas a
este episódio económico extraordinariamente adverso e revela a sua
notável capacidade de adaptação a novas condições. Em particular, a
acentuada deterioração do mercado interno traduziu-se numa impor-
tante alteração estrutural da economia portuguesa, levando um con-
junto amplo de empresas a reorientar a sua atividade para o exterior.
Embora as limitações acima mencionadas, referentes aos níveis educa-
cionais, capacidades de gestão, instituições do mercado de trabalho
e condições de financiamento não tenham impedido esse resultado
positivo, a sua ausência poderia ter levado a taxas de crescimento
das exportações ainda maiores, no seguimento de uma tendência
ascendente que começou antes da crise.
Num mundo globalizado, a internacionalização das empresas por-
tuguesas é um desenvolvimento incontornável no caminho para o
crescimento económico. A Secção 7.3, assinada por João Amador e
Luca David Opromolla, analisa informação de base microeconómica
e mostra que Portugal apresenta uma demografia saudável em ter-
mos das empresas que participam no comércio internacional de bens,
registando-se elevadas taxas brutas de entrada e saída dos mercados
externos e um papel significativo para a margem extensiva em termos
acumulados. Na verdade, tal como mencionado acima, a entrada
e saída de empresas é um elemento importante no funcionamento
dos mercados, como forma de selecionar as melhores ideias e as
empresas mais eficientes. De qualquer modo, apesar das altas taxas
de mortalidade no primeiro ano de vida, as gerações de exportadores
nascidas nas duas últimas décadas mostraram um desempenho es-
tável. Em paralelo, a participação no comércio de serviços é também
muito importante, impulsionando o desempenho das empresas, es-
pecialmente num contexto em que as novas tecnologias facilitam a
prestação de muitos desses serviços de forma remota. A Secção 7.4,
assinada por João Amador, Sónia Cabral e Birgitte Ringstad, conclui que
uma parte substancial das empresas portuguesas que participam no
comércio internacional de serviços não turísticos está ativa nos fluxos
de exportação e importação. Adicionalmente, existe uma elevada
concentração de exportações e importações de serviços não turísticos

20
Introdução

nessas empresas. Em comparação com as empresas que apenas expor-


tam e que apenas importam, os comerciantes bilaterais tendem a ser
mais produtivos e mais lucrativos. Além disso, tal como se observa
no comércio internacional de bens, as empresas que exportam vários
tipos de serviços e as que operam em múltiplos mercados são cruciais
para explicar o nível do comércio internacional português de serviços
não turísticos. Paralelamente, o envelhecimento da população, o sur-
gimento de novas economias com alto poder de compra e a frequente
deslocação de trabalhadores associada à prestação internacional de
serviços traduz-se numa expansão dos serviços de turismo. Portugal
tem registado um crescimento substancial deste setor. A Secção 7.5,
assinada por Filipe Caires, Hugo Reis e Paulo Rodrigues, analisa a infor-
mação microeconómica e mostra que o número de empresas no setor
do turismo tem aumentado fortemente e a sua demografia não difere
substancialmente da observada noutros setores, mostrando que são
resilientes e, portanto, não necessariamente menos produtivas.
As barreiras regulatórias desempenham um papel importante em
inúmeras dimensões da atividade económica. Em sentido amplo,
esses aspetos são parte integrante da tecnologia de produção e podem
fazer a diferença em termos da capacidade de adaptação a novas
tecnologias e a choques. A Secção 8.1, assinada por João Amador, Sónia
Cabral e Birgitte Ringstad, analisa os custos de contexto da economia
portuguesa utilizando dados sobre as perceções das empresas em
várias dimensões regulatórias e sobre o seu desempenho, medido em
termos de valor acrescentado bruto por trabalhador. Conclui-se que
apenas os obstáculos relacionados com os recursos humanos são iden-
tificados como tendo uma relação negativa e significativa com a pro-
dutividade, tanto em termos da sua importância para a atividade da
empresa como em termos da perceção sobre o nível do obstáculo. No
entanto, considerando as perceções de empresas, independentemente
do seu desempenho, o principal custo de contexto é o sistema judicial.
As Secções 8.2 e 8.3, assinadas por Manuel Coutinho Pereira e Lara We-
mans, centram-se precisamente nas características do sistema judicial
português. A primeira dessas secções analisa os determinantes da
procura e da produtividade na justiça cível. Quanto à procura, existe
evidência de racionamento por tempo de espera e importantes efeitos
ligados às características sócio-económicas das regiões vizinhas aos
tribunais. Em relação à produtividade, observa-se um impacto po-
sitivo associado ao número de casos recebidos por juiz, número de
funcionários judiciais por juiz e à especialização. A Secção 8.3 estuda
o impacto da reforma da ação executiva, a qual dispensou a inter-
venção dos juízes numa parte significativa dos casos de execução,
e conclui que o sistema respondeu positivamente às novas regras,
reduzindo a morosidade nestes processos. No período mais recente,
a maior intensidade de resolução nos primeiros anos de tramitação

21
O Crescimento Económico Português

dos processos deverá refletir os procedimentos mais rápidos de iden-


tificação e penhora dos bens do devedor, incluindo o impacto da
eficácia desses mecanismos na promoção do cumprimento voluntário
na fase inicial do processo. Em suma, um sistema judicial mais célere
contribuirá para o crescimento da economia portuguesa, beneficiando
os agentes económicos nacionais e os investidores estrangeiros.

3. Considerações finais

Em termos globais, a economia portuguesa apresenta muitas carac-


terísticas estruturais que são comuns às de outros países da área
do euro e existe evidência de que ocorreram desenvolvimentos po-
sitivos em várias dimensões, por vezes em resultado de reformas
específicas. No entanto, existem bloqueios a serem superados e os
desafios que se desenham no horizonte são bastante significativos.
Os baixos níveis de produtividade do trabalho limitam o valor da
poupança disponível para investimento, num contexto onde é impe-
rativa a manutenção dos equilíbrios macroeconómicos fundamentais.
Além disso, a baixa produtividade torna difícil para as empresas
pagar salários compatíveis com a retenção dos trabalhadores mais
talentosos. Assim, num mundo em que os recursos são móveis, a
criação de condições para reter e atrair capital, trabalhadores quali-
ficados, empreendedores e investigadores deve ser uma prioridade.
Neste contexto, o grau de ambição da sociedade portuguesa deve
aumentar, baseando-se continuamente nas circunstâncias existentes e
não em princípios idealizados e insustentáveis, e sempre com foco
numa coerente implementação e avaliação de políticas e projetos.
A lista de questões relativas ao crescimento económico português
é longa e complexa, especialmente no contexto de uma economia
mundial em mudança, cujos contornos futuros são difíceis de anteci-
par. Este livro, reconhecidamente, deixa de lado desafios importantes,
tais como a desigualdade na distribuição de recursos, as alterações
climáticas e a degradação ambiental. Além disso, pela sua própria
natureza, os resultados da investigação existem para serem contesta-
dos e potencialmente substituídos por versões melhoradas. No en-
tanto, se esta colecção de estudos contribuir para motivar a discussão
sobre o crescimento económico português e para a implementação
de melhores políticas no futuro, o seu objectivo terá sido plenamente
atingido.

22
1.1. Produto potencial: Como é que a economia
portuguesa compara com a área do euro?

Cláudia Duarte, José R. Maria, Sharmin Sazedj

1. Motivação

As perspetivas económicas e a avaliação do crescimento de um de-


terminado país exigem uma análise das estimativas do produto po-
tencial. Sendo Portugal uma pequena economia integrada numa
grande união monetária, com importantes ligações em termos de
trabalho, capital e tecnologia, uma questão que surge naturalmente
é a seguinte: como é que a economia portuguesa compara com a da
área do euro?
Quer o nível quer a taxa de crescimento do produto potencial
fornecem informação valiosa para avaliar a evolução passada,
presente e futura e contribuem para a elaboração de políticas
adequadas. Por exemplo, no curto prazo, a diferença entre o nível
do produto interno bruto (PIB) e do produto potencial — o hiato do
produto — pode fornecer informação sobre pressões inflacionistas e
revelar a capacidade (ou incapacidade) da economia crescer sem
aceleração de preços. A existência de excesso de procura em
mercados com rigidez de preços pode determinar esta relação.
Conforme a economia se aproxima da sua trajetória de longo prazo
o hiato do produto deverá ser nulo, na ausência de choque exógenos
adicionais, e a taxa de crescimento do PIB deverá ser igual à taxa de
crescimento do produto potencial.
Produtividade do trabalho e do capital mais elevadas são objetivos
desejáveis para qualquer sociedade, sendo um meio para aumen-
tar o produto potencial e o bem-estar social. Contudo, para além
da quantidade e qualidade dos meios de produção, o produto po-
tencial também depende da capacidade para os conjugar de forma
eficiente, que é muito influenciada pelo papel desempenhado pelas
instituições. A capacidade dos mercados de trabalho e do produto
para afetarem os recursos de forma eficiente, com mecanismos de
incentivos apropriados, e com um nível de concorrência que impeça
rendas económicas indesejáveis, contribuem para que os trabalhado-
res e as empresas alcancem níveis de produtividade mais elevados.

25
O Crescimento Económico Português

A comparação da evolução do produto potencial, dos mercados dos


fatores de produção ou das caraterísticas institucionais entre Portugal
e a área do euro pode ajudar os decisores políticos a identificar áreas
de intervenção, com o objetivo de maximizar o bem-estar social.
Esta Secção apresenta estimativas do produto potencial de acordo
com o modelo brevemente apresentado em Duarte et al. (2019). Os
dados observados são decompostos em tendência e ciclo, no contexto
de um modelo que conjuga equações para a evolução dos preços e
dos salários, com uma versão da lei de Okun e com uma função
de produção, que inclui capital, trabalho e produtividade total dos
fatores (TFP). Uma caraterística distintiva deste modelo assenta na
hipótese de que a componente de tendência da TFP é uma variável
não observada, a qual é estimada em conjunto com as restantes va-
riáveis não observadas e, por conseguinte, está condicionada pela
estrutura do modelo, incluindo a evolução da inflação. As expetativas
são adaptativas. Os modelos para Portugal e para a área do euro são
estimados de forma independente recorrendo a técnicas Bayesianas.1
As principais conclusões têm três vertentes. Em primeiro lugar, os
resultados confirmam que o produto potencial português tem vindo
a desacelerar, quando comparado com o dinamismo das décadas de
80 e 90, um período durante o qual a taxa de desemprego abaixo
(acima) da qual a inflação salarial sobe (desce) — NAWRU (acrónimo
de Non-Accelerating Wage Rate of Unemployment) — se manteve rela-
tivamente constante em torno de 5,5%. Confirma-se também que
as crises financeira e da dívida soberana em 2010 tiveram efeitos
prolongados. As atuais estimativas para 2017 situam o crescimento
do produto potencial ligeiramente acima de 1,0% e numa trajetória
crescente, que é próximo do estimado para meados da década de
2000, ao passo que a NAWRU está em torno de 8,5% e numa trajetória
decrescente.
Em segundo lugar, o produto potencial português está a divergir da
área do euro desde 2003. Esta evidência reforça a divergência ampla-
mente divulgada em termos de PIB observado, a qual tem, portanto,
uma componente de tendência e uma componente cíclica sugerindo
a necessidade de reformas estruturais para igualar o desempenho
económico da área do euro.
Por último, as estimativas do hiato do produto são tipicamente
mais voláteis em Portugal do que na área do euro ao longo de toda
a amostra. Mais recentemente, observa-se um hiato do produto mais
negativo e mais persistente em Portugal, consistente com uma maior

1 A principal referência teórica sobre o modelo é Szörfi e Tóth (2018). Almeida et al.
(2009) e Centeno et al. (2009) apresentam estimativas alternativas e uma análise sobre
o produto potencial português até 2008.

26
Produto potencial e contabilidade do crescimento

subutilização de recursos no mercado de trabalho e uma redução


relativa do diferencial salarial. Pelo contrário, deteta-se uma relativa
estabilidade nos diferenciais de preços. Os resultados sugerem que
as expetativas de inflação relativas podem ser uma explicação para
este fenómeno, mas é necessário trabalho adicional para compreen-
der melhor porque é que a evolução no mercado do produto não
acompanhou a evolução no mercado de trabalho, ou seja, porque é
que a transmissão para os preços dos produtos não ocorreu.

2. Dados

A base de dados tem frequência trimestral e baseia-se em dados


oficiais de contas nacionais para o emprego, horas trabalhadas, re-
muneração dos trabalhadores, PIB real e deflator do PIB, e em dados
do Inquérito ao Emprego para a população em idade ativa, para a
população ativa e para a taxa de desemprego. As variações dos preços
e dos salários são medidas pelas taxas de crescimento anualizadas do
deflator do PIB e das remunerações por hora trabalhada, respetiva-
mente.
Os dados para Portugal referem-se ao período 1980T1–2018T2 e
estão disponíveis nas bases de dados do Instituto Nacional de Estatís-
tica (INE) e do Banco de Portugal, neste caso para a série do stock de
capital e para os dados do período anterior a 1995.
Os dados para a área do euro também se referem ao período
1980T1–2018T2. As séries foram obtidas a partir das bases de dados
do Eurostat, à exeção da série do stock de capital que foi retirada da
base de dados macroeconómicos da Comissão Europeia (AMECO).
As séries observadas foram retropoladas com base nos dados
subjacentes ao Area-wide model (Fagan et al., 2001), ou, nos casos em
que estes não estão disponíveis, com base nos dados da AMECO.
São utilizados métodos de interpolação nos casos em que apenas
existem dados anuais.
Ao alargarmos a nossa base de dados de forma a cobrir o período
anterior à criação da área do euro, estamos a enriquecer a análise
com uma amostra mais longa, na qual a importância relativa do
período da crise financeira internacional e seus efeitos são minorados.
Adicionalmente, para reduzir o enviesamento no final da amostra,
as estimativas têm em consideração uma extensão da amostra com
projeções até 2021 para Portugal (retiradas do Banco de Portugal) e
até 2020 para a área do euro (retiradas da AMECO).

27
O Crescimento Económico Português

3. Modelo

A análise apresentada nesta Secção baseia-se num filtro multivariado


com componentes não observadas, tais como o produto potencial ou
a NAWRU, conjugado com uma função de produção. O modelo
decompõe algumas variáveis chave em duas componentes, a tendên-
cia e o ciclo, ambas não observadas—nomeadamente o PIB real é
decomposto em produto potencial e hiato do produto e a taxa de
desemprego é decomposta em NAWRU e hiato do desemprego.
Este modelo com componentes não observadas tem como elemento
central uma função de produção—desta forma a evolução do produto
potencial pode ser interpretada à luz de alterações nos fatores de
produção e respetiva produtividade—o que, face aos filtros estatísti-
cos, acrescenta mais estrutura económica. A taxa de crescimento do
produto potencial ∆ȳt é dada por

∆ȳt = ∆tfpt + ι∆l̄t + (1 − ι)∆k̄t , (1)

onde ∆tfpt é definida como a taxa de crescimento da componente


tendência da TFP, ∆l̄t é a variação da componente tendencial das ho-
ras totais trabalhadas, e ∆k̄t é a variação do stock de capital observado.
Mais pormenores estão disponíveis em Duarte et al. (2019).
A função de produção permite decompor o produto potencial nos
contributos da TFP, do capital e do trabalho (sendo que o contributo
do trabalho é ainda decomposto nos contributos da população ativa,
medida em horas, e da taxa de desemprego). Uma caraterística dis-
tintiva do modelo utilizado corresponde à hipótese de que a TFP é
uma variável não observada, que é estimada em conjunto com as
restantes variáveis não observadas, tal como em Szörfi e Tóth (2018).
No nosso modelo a taxa de crescimento da componente de tendência
da TFP é influenciada pela variação do resíduo de Solow—o resíduo
obtido a partir da função de produção após levar em conta os dados
observados relativos aos fatores trabalho e capital—filtrado de acordo
com a técnica de Hodrick-Prescott, estando também sujeita a choques.
As variações da taxa de desemprego de tendência (NAWRU) e da
tendência da população ativa também são influenciadas pelas va-
riações de baixa frequência de séries observadas, sendo igualmente
sujeitas a choques.2

2 As variações da NAWRU são influenciadas pelas variações do diferencial entre o


desemprego de curto e longo prazo filtrado com a técnica de Hodrick-Prescott,
enquanto as variações da tendência da população ativa são influenciadas pelas
variações da população ativa filtrada com a técnica de Hodrick-Prescott.

28
Produto potencial e contabilidade do crescimento

Para além da função de produção Cobb-Douglas, o modelo tam-


bém inclui algumas relações económicas teóricas simples, nomeada-
mente uma versão dinâmica da lei de Okun e equações que rela-
cionam os hiatos do produto e do fator trabalho às variações dos
preços e dos salários. A lei de Okun relaciona o hiato do produto
com o hiato do desemprego, sendo que este hiato—uma proxy para
o nível de recursos subutilizados na economia—está inversamente
relacionado com o hiato do produto.
A equação dos salários assume que o seu crescimento (ajustado
para a produtividade do trabalho) é condicional nas expetativas de in-
flação e nos hiatos da população ativa e do desemprego. Refira-se que
(Okun, 1962) definiu a taxa de desemprego de tendência como sendo
a taxa de desemprego compatível com “pleno emprego”, no sentido
de ser um nível de desemprego suficientemente baixo e compatível
com a maior produção possível sem gerar pressões inflacionistas. O
modelo também inclui uma equação de preços que determina que a
inflação é condicionada pelas expetativas de inflação e pelo hiato do
produto. Assume-se que as expetativas de variação dos preços e dos
salários são aproximadas pelas variações desfasadas e por choques
exógenos.
O equilíbrio de longo prazo do modelo tem várias caraterísticas
apelativas, nomeadamente, (i) as variações de preços e salários são
constantes, (ii) os hiatos do produto e do fator trabalho são nulos,
com o produto observado e potencial a crescerem à mesma taxa, e (iii)
os salários reais crescem em linha com a produtividade do trabalho.

4. Resultados

A Figura 1a apresenta a variação anual do produto potencial na


economia portuguesa. Após a desaceleração no período anterior à
crise financeira e das dívidas soberanas na área do euro em 2010 e a
forte queda em 2012, as estimativas do modelo apontam para uma
recuperação do produto potencial, alcançando um crescimento em
torno de 1,0% em 2017, relativamente próximo do estimado para
meados da década de 2000, porém ainda consideravelmente inferior
ao estimado para o início da amostra. Estas estimativas são
consistentes com os resultados de diferentes modelos e de diferentes
instituições internacionais.3
Um dos principais fatores determinantes da desaceleração do pro-
duto potencial durante toda a amostra é a evolução do stock de capital,
cujo contributo decresceu gradualmente até atingir valores negativos,

3 Ver Banco de Portugal (2017).

29
O Crescimento Económico Português

10.0
PIB
Produto potencial
8.0

6.0

4.0

2.0

0.0

−2.0

−4.0

−6.0

1980 1990 2000 2010

(a) Taxas de crescimento em Portugal | Em percentagem

105

100

95

90

85

80 PIB
Produto potencial
PIB per capita
75 Produto potencial per capita

1980 1990 2000 2010

(b) Diferenciais acumulados de crescimento entre Portu-


gal e a área do euro | Índice (1999=100)

Figura 1: PIB observado e produto potencial


Fontes: Eurostat, Banco de Portugal, INE, base de dados subjacente ao Area-wide
model e cálculos dos autores.

sugerindo que as taxas de investimento têm sido insuficientes para


compensar a depreciação do capital instalado. Tendências recentes
apontam para uma recuperação lenta do stock de capital, principal-
mente associada ao investimento empresarial, enquanto se espera
uma recuperação mais demorada do investimento público e do in-
vestimento em habitação. Outro fator estrutural condicionante do
crescimento potencial no período recente, e provavelmente no futuro,

30
Produto potencial e contabilidade do crescimento

é a evolução demográfica, nomeadamente a redução da população


em idade ativa. No final da amostra, o crescimento potencial reflete
contributos positivos da TFP, que mais do que compensam os contri-
butos negativos do capital e do trabalho.
Como é que estes desenvolvimentos comparam com a área do
euro? A diferença mais assinalável entre as duas economias é o facto
de o produto potencial não ter diminuído na área do euro—apesar
de alguma desaceleração nas taxas de crescimento—principalmente
em resultado de contributos significativos tanto do capital como da
TFP durante a maior parte do período amostral. Adicionalmente, as
estimativas apontam para taxas de crescimento mais estáveis na área
do euro, apesar de a NAWRU também apresentar uma tendência
ligeiramente ascendente. Em 2017, o crescimento potencial na área
do euro situa-se em 1,6% e a NAWRU em 9,2%. A NAWRU é sis-
tematicamente mais baixa em Portugal do que na área do euro ao
longo de toda a amostra, à exceção do período da crise. Contudo, as
diferenças reduziram-se significativamente quando comparadas com
o início da amostra.4
A Figura 1b ilustra o diferencial acumulado de crescimento en-
tre Portugal e a área do euro. A linha na Figura apresenta uma
evolução ascendente (descendente) quando Portugal está a crescer
mais (menos) do que a área do euro e, portanto, o diferencial de
crescimento é positivo (negativo). Esta figura mostra que apesar de
Portugal ter apresentado um crescimento consistentemente superior
na primeira parte da amostra, registou taxas de crescimento persis-
tentemente inferiores nas últimas duas décadas, ou seja verifica-se
um processo de divergência.5 No que respeita ao crescimento po-
tencial, também encontramos uma evolução divergente, que é, no
entanto, menos pronunciada e muito influenciada pela mais recente
crise económica. Isto implica que a crise da dívida soberana teve
tanto um impacto cíclico como tendencial.
As principais conclusões mantêm-se inalteradas quando
analisamos os diferenciais per capita. Apesar de se observar alguma
convergência com a área do euro no período mais recente,
nomeadamente no caso do PIB observado, isto reflete, em grande
medida, o decréscimo populacional em Portugal, que irá
eventualmente ter um impacto negativo no crescimento futuro.
A Figura 2a apresenta os diferenciais nas estimativas dos hiatos do
produto e do desemprego. A volatilidade do diferencial do hiato do
produto é dominada pela volatilidade do hiato do produto em Por-

4 Note-se que o nível do produto potencial é influenciado pelo nível da NAWRU,


enquanto o crescimento é determinado pela variação da NAWRU.
5 Ver, por exemplo, Banco de Portugal (2018).

31
O Crescimento Económico Português

tugal (que também tende a ser maior). Nos últimos quinze anos da
amostra, estima-se que os hiatos do produto sejam persistentemente
inferiores (e negativos) em Portugal face à área do euro, apesar destas
diferenças estarem a desvanecer-se no passado recente. Em linha
com a lei de Okun, períodos caraterizados por hiatos do produto
inferiores, em termos relativos, refletem-se em hiatos do desemprego
mais elevados, e vice-versa. Com efeito, estimamos um diferencial
negativo no hiato do desemprego relativamente à área do euro nos
anos 90 e depois uma reversão para um diferencial positivo mais
pronunciado.
A Figura 2b retrata a evolução dos diferenciais acumulados de
preços e salários. Os resultados revelam que Portugal registou au-
mentos de preços e salários superiores aos da área do euro durante
a primeira metade da amostra, o que explica a evolução ascendente
apresentada na Figura. Ambas as economias atravessaram processos
de acentuada desinflação, mas a diminuição da inflação em Portugal
foi mais significativa, reduzindo o diferencial face à área do euro no
período anterior à criação do euro.
A elevada volatilidade do hiato do produto, juntamente com a
acentuada desinflação, que caraterizam as primeiras duas décadas
da amostra, dificultam a conciliação dos diferenciais de inflação face
à área do euro com a evolução nos mercado do produto e de
trabalho. Contudo, no período mais recente, no qual os diferenciais
de inflação se estreitaram, o diferencial do hiato do produto
persistentemente negativo deveria traduzir-se num diferencial de
inflação negativo face à área do euro. Ainda assim, a inflação em
Portugal manteve-se relativamente próxima da observada na área do
euro. Pelo contrário, a maior subutilização de recursos no mercado
de trabalho traduziu-se em ajustamentos dos salários nominais,
nomeadamente numa inflação salarial inferior em Portugal. Por
outras palavras, verificou-se uma depreciação real face à união
monetária considerando o diferencial salarial, mas não caso se
considere a inflação relativa.6 Este resultado sugere que a
transmissão dos salários para os preços não ocorreu em termos
relativos, ou que pelo menos foi incompleta. À luz do modelo, este
resultado pode ser explicado pelas expetativas de inflação relativas,
ou seja os agentes esperam uma aceleração de preços superior em
Portugal.

6 A depreciação real também se verifica considerando custos unitários de trabalho. A


estabilidade relativa dos preços também se verifica com o Índice Harmonizado de
preços do Consumidor, incluindo ou excluindo bens energéticos, e com o deflator
do consumo privado.

32
Produto potencial e contabilidade do crescimento

4.5
Hiato do produto
Hiato do desemprego
3.5

2.5

1.5

0.5

−0.5

−1.5

−2.5

−3.5

−4.5

1980 1990 2000 2010

(a) Diferenciais de hiatos do produto e do desemprego |


Em pontos percentuais

120

110

100

90

80

70

60

50

40

30
Diferencial de preços
20
Diferencial salarial

1980 1990 2000 2010

(b) Diferenciais acumulados de inflação e de cresci-


mento salarial | Índice (1999=100)

Figura 2: Diferenciais reais e nominais nos mercados do produto e do


trabalho
Fontes: Eurostat, Banco de Portugal, INE, base de dados subjacente ao Area-wide
model e cálculos dos autores.

5. Limitações do modelo

A especificação do modelo e os resultados estão condicionados por


vários pressupostos. Em primeiro lugar, os modelos para a área do

33
O Crescimento Económico Português

euro e para Portugal são estimados de modo independente, ou seja,


ligações e externalidades internacionais não são consideradas. Em
segundo lugar, o modelo não incorpora uma âncora nominal, ou
seja, objetivos de inflação no contexto da união monetária não são
considerados. Em terceiro lugar, os resultados também são condi-
cionais na especificação escolhida para as variáveis não observadas,
por exemplo nas ordens de integração da NAWRU. Escolher entre
uma ordem de integração 1 ou 2 altera o nível e a volatilidade da
NAWRU, particularmente no caso português. Finalmente, hipóteses
diferentes para o período amostral traduzem-se em alterações signi-
ficativas em algumas variáveis não observadas, como por exemplo a
NAWRU.

6. Considerações finais

Esta Secção sugere que o processo de divergência económica que


Portugal tem observado nas últimas duas décadas tem tanto uma
componente cíclica como de tendência. A componente tendencial é
particularmente preocupante na medida em que as estimativas do
produto potencial realçam caraterísticas estruturais que determinam
em larga medida a evolução futura. Os resultados reforçam a neces-
sidade de reformas estruturais, para que se reinicie um processo de
convergência económica sustentável.

Referências

Almeida, Vanda, Gabriela Castro, e Ricardo M. Félix (2009). “A


economia portuguesa no contexto europeu: estrutura, choques
e políticas.” In A Economia Portuguesa no Contexto da Integração
Económica, Financeira e Monetária, edited by Banco de Portugal,
chap. 2, pp. 65–152.
Banco de Portugal (2017). “Produto potencial: desafios e incertezas.”
Boletim Económico, Tema em Destaque, 41–67.
Banco de Portugal (2018). Boletim Económico Maio.
Centeno, Mário, José R. Maria, e Álvaro A. Novo (2009). “Desem-
prego: Oferta, procura e instituições.” In A Economia Portuguesa
no Contexto da Integração Económica, Financeira e Monetária, edited
by Banco de Portugal, chap. 4, pp. 215–258.
Duarte, Cláudia, José R. Maria, e Sharmin Sazedj (2019). “Produto
potencial: como compara Portugal com a área do euro ao longo
dos últimos 40 anos?” Revista de Estudos Económicos do Banco de
Portugal, V(2).
Fagan, Gabriel, Jerome Henry, e Ricardo Mestre (2001). “An
area-wide model (AWM) for the euro area.” European Central
Bank, Working Paper no.42.

34
Produto potencial e contabilidade do crescimento

Okun, Arthur M. (1962). “Potential GNP: Its Measurement and


Significance.” Cowles Foundation Paper 190, Cowles Foundation.
Reprinted from the 1962 Proceedings of the Business and Eco-
nomic Statistics Section of the American Statistical Association.
Szörfi, Béla e Máté Tóth (2018). “An Unobserved Components
Model for Estimating Potential Output in the Euro Area.” A
publicar.

35
1.2. Como é que o progresso tecnológico e a
evolução da eficiência contribuíram para o
crescimento português?

João Amador, Carlos Coimbra, António R. dos Santos

1. Motivação

A produtividade total dos fatores (TFP) é um indicador que reflete a


capacidade de uma economia crescer para além da acumulação dos
inputs, como o capital e o trabalho, e é tipicamente obtida através
de um exercício de contabilidade de crescimento. Por conseguinte, a
análise da evolução da TFP é uma parte relevante do debate sobre
o crescimento económico português. No entanto, para compreender
corretamente o desempenho económico, o crescimento do PIB deve
ser decomposto de tal forma que a TFP não seja obtida como um resí-
duo simples, ou seja, não apenas em termos do que não é explicado
pela acumulação dos inputs. Mediante o pressuposto de que todas
as economias podem ter acesso à tecnologia mundial, que evolui ao
longo do tempo para diferentes combinações capital-trabalho, é pos-
sível estimar uma fronteira internacional de produção estocástica e
decompor a TFP na contribuição do progresso tecnológico (mudanças
no fronteira) e eficiência (distância até a fronteira).
Intuitivamente, estas duas componentes representam dimensões
diferentes a serem consideradas na evolução da TFP. Em termos con-
ceptuais, o progresso tecnológico corresponde a técnicas mais produ-
tivas, associadas a inovações, que não são capturadas pelos métodos
convencionais de calcular o stock dos inputs. Em paralelo, melhorias
na eficiência correspondem a uma maior qualidade das instituições
e organizações, ou seja, o uso mais eficiente do nível atual dos inputs
e da tecnologia. Desta forma, para determinados níveis de capital e
trabalho, uma economia beneficia do progresso tecnológico mundial,
embora esse benefício possa não se materializar inteiramente devido
à evolução da eficiência. Em termos práticos, os melhores desempe-
nhos dentro do conjunto de países da amostra determinam a fronteira
internacional, o que significa que a tecnologia pode deteriorar-se se,
para cada combinação dos inputs, todos os países tiverem um de-
sempenho pior. As causas diretas para a evolução da eficiência não

37
O Crescimento Económico Português

são identificadas neste tipo de abordagem metodológica. No entanto,


exercícios de contabilidade de crescimento baseados em fronteiras tec-
nológicas são um passo à frente na compreensão dos determinantes
da evolução do crescimento em cada período de tempo.
A contribuição seminal na literatura empírica do crescimento é a de
Solow (1957), que decompõe o crescimento do PIB na acumulação dos
inputs e da TFP. Posteriormente, a aplicação de fronteiras de produção
dinâmicas e estocásticas para exercícios de contabilidade do cresci-
mento, particularmente através de métodos estatísticos bayesianos,
foi sugerida por Koop et al. (1999) para um conjunto de economias
desenvolvidas. Um exercício semelhante foi realizado por Amador
e Coimbra (2007b) para os países do G7. O nosso exercício segue
essa abordagem metodológica e atualiza o trabalho de Amador e
Coimbra (2007a), mantendo todos os seus pressupostos e hipóteses,
mas utilizando uma base de dados diferente e um conjunto mais
amplo de países. Os dados para o PIB, capital e trabalho são extraídos
da última versão das Penn World Tables (Feenstra et al. (2015)). O
período de tempo abrangido corresponde a 1995-2014 e o conjunto de
países contém todos os Estados-Membros da União Europeia (UE28).
Este grupo de países enfrenta um conjunto semelhante de restrições
institucionais, tornando provável que tenham potencial acesso a uma
mesma tecnologia.

2. O quadro analítico

O exercício de contabilidade de crescimento realizado apresenta a


contribuição da acumulação dos inputs e da TFP para o crescimento
do PIB. A contribuição da TFP é dividida em progresso tecnológico
e nível de eficiência. Além disso, as elasticidades do capital e do
trabalho em relação ao PIB tornam possível diferenciar as
contribuições destes elementos para a acumulação dos inputs. A
análise concentra-se em três períodos de 11 anos (10 taxas anuais de
crescimento), para os quais são calculadas as fronteiras de produção
estocásticas. As décadas consideradas são 1995-2005, 2000-2010 e
2004-2014, abrangendo os anos iniciais de participação na união
monetária, bem como a crise que se seguiu à turbulência financeira
de 2008. Todos os resultados são apresentados em termos de taxas
de crescimento médias de 10 anos ou respetivas contribuições.
Assume-se que a função de produção estocástica internacional
dinâmica tenha uma especificação de tipo translog, com uma
tendência linear. Como apresentado na equação 2, para cada país i
no ano t a função de produção considera o capital e o trabalho

38
Produto potencial e contabilidade do crescimento

separadamente, a sua interação e o quadrado do capital e do


trabalho, dando origem a uma especificação flexível, como:

lnGDPit =(β1 + tβ7 )lnAt + (β2 + tβ8 )lnKit +


(β3 + tβ9 )lnLit + (β4 + tβ10 )lnKit Lit + (2)
(β5 + tβ11 )lnK2it + (β6 + tβ12 )lnL2it

onde K e L representam, respetivamente, o capital e o trabalho.


Em termos de estimação, o algoritmo Bayesiano foi executado com
1,020,000 iterações para cada década, eliminando as primeiras 20,000
iterações para corrigir possíveis efeitos associados ao ponto de par-
tida. As distribuições posteriores dos parâmetros relevantes apre-
sentam uma forma Gaussiana, compatível com a convergência do
algoritmo Bayesiano. A mediana estimada dos níveis de eficiência,
ou seja, quão próximas as economias estão da fronteira tecnológica,
nas três décadas mencionadas acima é de 89,1, 90,4 e 90,9 por cento,
respetivamente.

3. Decomposição da contabilidade de crescimento

O resultado básico que resulta do algoritmo Bayesiano é a média e


a mediana (posterior) do conjunto de 12 parâmetros da função pro-
dução, que podem ser usados para calcular a elasticidade do capital
e do trabalho em cada país e em cada ano (dentro de cada década).
Estes resultados são apresentados na Figura 3 para cada país da UE28
nas décadas que terminaram em 2005 e 2014. A primeira evidência
é a de que as tecnologias estão próximas dos retornos constantes à
escala (com elasticidades dos inputs que somam aproximadamente 1),
o que é um resultado esperado. Além disso, na última década, as
elasticidades do capital variam entre um máximo de 0,8 no Luxem-
burgo e um mínimo de 0,3 na Bulgária. As elasticidades do trabalho
aumentaram da década que terminou em 2005 para a década que
terminou em 2014, o que significa que as elasticidades de capital di-
minuíram nesse período. A economia portuguesa é caracterizada por
elasticidades de capital relativamente elevadas (0,8 e 0,7 na primeira
e última década, respetivamente), o que significa que, no segmento
da função de produção da UE28 onde Portugal se encontra, uma
maior acumulação de capital tem um forte impacto nos níveis do
PIB. Em termos práticos, isto realça a importância do investimento
como determinante do crescimento económico português.
A este respeito, deve também notar-se que os rácios de
capital-trabalho na economia portuguesa são relativamente baixos

39
O Crescimento Económico Português

1.2

1.0

0.8

0.6

0.4

0.2

0.0
SVK

GRC
DEU

FRA

LUX
NLD
ITA

AUT
SVN

DNK

IRL
CYP
BGR
POL

GBR

LTU

EST
HUN

HRV

FIN
ESP

PRT

BEL

MLT
CZE

SWE

LVA
ROU

Trabalho 04-14 Capital 04-14 Trabalho 95-05 Trabalho + Capital 95-05

Figura 3: Estimavas das elasticidades do trabalho e do capital para os países


da UE28 para os períodos 1995-2005 e 2004-2014

no contexto da UE15. De acordo com os dados da Penn World


Tables, esse rácio ficou cerca de 20 por cento abaixo da média da
UE15 no período 1995-2005. Embora tal proporção se tenha
aproximado da média no período seguinte, houve uma contribuição
considerável, pela via da redução do denominador, proveniente da
forte destruição de empregos ocorrida durante a última crise. Entre
outros fatores, os rácios de capital-trabalho relativamente baixos não
podem ser dissociados das reduzidas qualificações da força de
trabalho portuguesa.
As Tabelas 2 e 3 apresentam os resultados detalhados do exercício
de contabilidade de crescimento para Portugal e para a média da
UE28, respetivamente. Na última década assistiu-se a um desempe-
nho algo dececionante da economia portuguesa com um crescimento
médio do PIB de -0.24 por cento. A estimativa Bayesiana para a média
é muito próxima deste número (-0,22 por cento). O crescimento
económico no período 2005-2014 foi afetado pela crise económica
e financeira global de 2008 e pela crise da dívida soberana na área
do euro. A correção acentuada dos desequilíbrios macroeconómicos
prevalecentes na economia portuguesa, associada à súbita paragem
do financiamento externo, teve um impacto negativo no investimento
e levou à destruição de emprego. A contribuição da acumulação total
dos inputs foi pequena (0,43 pontos percentuais (p.p.)), com o capital
a reportar um valor de 0,93 p.p. e o trabalho -0,5 p.p. A contribuição
proveniente do progresso tecnológico foi de -0,74 p.p. Essa contração
na fronteira de produção estocástica da UE28 é compatível com um
cenário de crise, com vários países a reportar taxas de crescimento
negativas do PIB. Neste contexto, a economia portuguesa beneficiou
de ganhos de eficiência mas em menor escala (0,09 p.p.).

40
Produto potencial e contabilidade do crescimento

Décadas PIB PIB Input Produtividade Total


terminadas em observado esperado dos Fatores

Total Capital trabalho Tecnologia Eficiência

2005 2,43 2,83 3,25 2,99 0,26 1,10 -1,52


(2,09) (0,13) (0,55) (2,13)
2010 0,74 0,86 1,80 1,92 -0,13 0,09 -1,03
(2,03) (0,14) (0,52) (2,08)
2014 -0,24 -0,22 0,43 0,92 -0,50 -0,74 0,09
(2,05) (0,15) (0,51) (2,11)

Tabela 2: Resultados do exercício de contabilidade de crescimento para


Portugal
Notas: Os valores em itálico entre parênteses referem-se a intervalos interquartis.
O PIB observado e o PIB esperado reportam a média (geométrica) das taxas
de crescimento das respetivas décadas, em percentagem, enquanto os inputs e a
produtividade total dos fatores reportam as contribuições para a média, em pontos
percentuais.

A comparação destes resultados com os obtidos para o período


que corresponde à preparação e início da participação antecipada
na união monetária é relevante. A década que termina em 2005
apresenta um desempenho económico global melhor, impulsionado
pela acumulação de capital, mas com uma contribuição negativa da
evolução da TFP. A contribuição positiva da tecnologia (1,10 p.p.) é
anulada pelas perdas de eficiência (-1,52 p.p.), sinalizando debilida-
des estruturais na economia portuguesa que existiam antes da última
crise e iam além da acumulação dos inputs.
A Tabela 3 apresenta resultados para a média dos países da UE28
e reporta um cenário melhor para todas as contribuições nas duas
décadas discutidas. Embora a contribuição do progresso tecnológico
tenha sido negativa na última década, o cenário global é mais be-
nigno do que em Portugal, nomeadamente em termos de ganhos de
eficiência. Os resultados são ainda melhores se o conjunto dos países
membros mais recentes for considerado (UE13). Esse grupo de países
registou taxas médias de crescimento do PIB de 4,1 e 2,1 por cento nas
décadas que terminaram em 2005 e 2014, respetivamente. Para estes
países, as contribuições da TFP para o PIB foram sempre positivas.
Estas comparações colocam em perspetiva os resultados obtidos para
Portugal e evidenciam as dificuldades estruturais que existiam antes
da última crise e que estão, em grande medida, ainda presentes.
Um resultado muito importante que é obtido nesta metodologia é a
identificação de níveis de eficiência para uma dada economia, condi-
cionais à posição da fronteira de produção internacional estimada.

41
O Crescimento Económico Português

Décadas PIB PIB Input Produtividade Total


terminadas em observado esperado dos Fatores

Total Capital Trabalho Tecnologia Eficiência

2005 3,53 3,60 2,27 2,17 0,10 1,04 0,29


(1,7) (0,12) (0,84) (1,62)
2010 2,38 2,50 2,18 2,07 0,12 0,14 0,18
(1,6) (0,16) (0,81) (1,54)
2014 1,42 1,31 1,64 1,55 0,09 -0,50 0,17
(1,5) (0,15) (0,78) (1,43)

Tabela 3: Resultados do exercício de contabilidade de crescimento para


UE28
Nota: Os valores em itálico entre parênteses referem-se a intervalos interquartis.
O PIB observado e o PIB esperado reportam a média (geométrica) das taxas
de crescimento das respetivas décadas, em percentagem, enquanto os inputs e a
produtividade total dos fatores reportam as contribuições para a média, em pontos
percentuais.

Os painéis da Figura 4 ilustram segmentos das fronteiras calculadas


em termos do rácio capital-trabalho e níveis de produtividade do
trabalho. Em cada um dos painéis traçamos o ano inicial e final da
década considerada e sinalizamos a posição de Portugal com pontos
pretos. As fronteiras são obtidas utilizando os 12 parâmetros da
função de produção estimados em cada década e o trabalho é fixado
a um nível que corresponde ao português. Com esta ancoragem e
alterando os níveis de capital assegura-se que o segmento relevante
da fronteira está a ser considerado.
A importância do resultado que emerge dos painéis da Figura 4
resulta da existência de consideráveis lacunas de eficiência na econo-
mia portuguesa. A distância até a fronteira, dados os rácios capi-
tal-trabalho em Portugal, explica uma parte importante da menor pro-
dutividade do trabalho na economia. Nas duas décadas, houve um
aumento no rácio capital-trabalho, embora na última ele tenha sido
em grande parte impulsionado pelo emprego mais baixo. A eficiência
apenas melhorou ligeiramente no período mais recente. Embora a
metodologia seja omissa sobre explicações, aspetos como a qualidade
dos inputs, a eficiência na alocação entre setores e empresas, bem
como os aspetos institucionais, certamente fazem parte da explicação.

42
Produto potencial e contabilidade do crescimento

100
Valor de referência para T=2005

Y/L (milhares de US$ a preços de 2011)


L = 4,5 milhões

75 T=1995

50

PT 2005
PT 1995
25

0
50 100 150 200 250 300 350 400

K/L (milhares de US$ a preços de 2011)

(a) 1995-2005

150
Valor de referência para
Y/L (milhares de US$ a preços de 2011)

L = 4,5 milhões
125
T=2004

100

T=2014
75

50
PT 2014
PT 2004
25

0
50 100 150 200 250 300 350 400 450 500

K/L (milhares de US$ a preços de 2011)

(b) 2004-2014

Figura 4: Fronteiras de produção internacionais, milhares de US$ a preços


de 2011.

4. Considerações finais

Deve ser tido em mente que os resultados são sempre sensíveis às


hipóteses adotadas e aos dados estatísticos. Neste último aspeto,
os dados internacionais para as tendências do stock de capital são
afetados por diferentes medidas contabilísticas e procedimentos de
deflação. As bases de dados internacionais, como a Penn World
Tables, tentam oferecer séries harmonizadas, embora por vezes se
possam desviar das fontes nacionais. No nosso exercício, se fossem
utilizados stocks de capital das estatísticas oficiais portugueses e se os
coeficientes da função de produção permanecessem os inicialmente
obtidos, os resultados seriam diferentes. O menor stock de capital
implicaria uma contribuição negativa deste input na última década e
o menor rácio capital-trabalho colocaria a economia portuguesa num

43
O Crescimento Económico Português

segmento da função de produção internacional em que o progresso


tecnológico seria positivo. A hipótese de replicar completamente o
exercício com dados oficiais para todos os países da UE28 não é viável
devido a inúmeras quebras de série e horizontes temporais limitados.
Quanto à hipótese metodológica, é importante salientar que, embora
a função de produção translog ofereça substancial flexibilidade, tal
escolha e a hipótese de uma tendência linear no progresso tecnológico
em cada década afetam os resultados.
Na última década a economia portuguesa teve um desempenho
moderado. Os exercícios de contabilidade de crescimento são
mecânicos por natureza, mas oferecem uma avaliação útil do
desempenho económico, especialmente se outros países forem
explicitamente tomados como referência. Tal é possível com a
abordagem de função de produção internacional, sobretudo em
termos do detalhe da evolução da TFP. Em síntese, confirmamos a
narrativa de que os problemas estruturais subsistem na economia
portuguesa, resultado de consideráveis lacunas na eficiência, aliadas
a rácios de capital-trabalho relativamente baixos.

Referências

Amador, João e Carlos Coimbra (2007a). “Characteristics of the


Portuguese Economic Growth: What has been Missing?” Tech.
rep.
Amador, João e Carlos Coimbra (2007b). “Total Factor Productivity
Growth in the G7 Countries: Different or Alike?” Tech. rep.
Feenstra, Robert C., Robert Inklaar, e Marcel P. Timmer (2015). “The
Next Generation of the Penn World Table.” American Economic
Review, 105(10), 3150–3182.
Koop, Gary, Jacek Osiewalski, e Mark Steel (1999). “The Compo-
nents of Output Growth: A Stochastic Frontier Analysis.” Oxford
Bulletin of Economics and Statistics, 61(4), 455–487.
Solow, Robert (1957). “Technical Change and the Aggregate
Production Function.” Review of Economics and Statistics, 39,
312–320.

44
1.3. Qual é o papel da demografia e da educação
no crescimento da economia portuguesa?

Joana Garcia, Hugo Reis, João Amador

1. Motivação

À semelhança de outros países desenvolvidos, Portugal tem registado


uma alteração profunda da sua estrutura etária, como resultado de
baixos índices de fecundidade e de um aumento continuado da espe-
rança média de vida. Nos últimos anos, este processo intensificou-se
e a população começou a diminuir. Assim, o impacto da transição de-
mográfica é uma questão presente e não unicamente de longo prazo.
As alterações demográficas são fenómenos capazes de produzir
alterações profundas nas estruturas sociais, económicas e políticas.
Em particular, colocam-se questões relativamente ao impacto sobre as
finanças públicas, designadamente ao nível das despesas com saúde,
e, sobretudo, com pensões, ao efeito das alterações da estrutura etária
dos eleitores na aprovação de algumas políticas e, de uma forma
mais genérica, ao impacto sobre o crescimento económico. Neste
capítulo discutem-se as principais tendências implícitas nas projeções
demográficas e as suas implicações para o crescimento da economia
portuguesa nas próximas décadas.

2. Projeções demográficas para 2016-2070

As projeções demográficas mais recentes do Eurostat para 2016-2070


apontam para uma alteração pronunciada da estrutura etária da po-
pulação portuguesa nas próximas décadas (Figura 5). Esta evolução
reflete índices de fecundidade baixos e um aumento continuado da
esperança média de vida (Figura 6). Por seu turno, projeta-se que os
saldos migratórios sejam positivos, mas de pequena magnitude.
Com base na dinâmica destas variáveis, as projeções apontam para
uma redução gradual da população total para cerca de 8,0 milhões
em 2070 (menos 23 por cento do que em 2016), refletindo fundamen-
talmente a evolução da população em idade ativa (15-64 anos), para
a qual se projeta uma redução de 37 por cento (Figura 7a).

45
O Crescimento Económico Português

Figura 5: Distribuição da população portuguesa por escalão etário


Fontes: Eurostat e cálculos dos autores.

1.7 95

1.6 90

1.5 85

1.4 80
Homens
1.3 75 Mulheres

1.2 70
1990 2010 2030 2050 2070 1990 2010 2030 2050 2070

(a) Índice sintético de fecundidade (b) Esperança média de vida à nascença

Figura 6: Índice sintético de fecundidade e esperança média de vida à


nascença
Notas: Área a sombreado – projeções. Índice sintético de fecundidade – número de
filhos por mulher; esperança média de vida – anos.
Fontes: Eurostat e cálculos dos autores.

Em simultâneo com o decréscimo populacional, prevê-se uma in-


tensificação do envelhecimento, traduzida num aumento gradual do
rácio de dependência de idosos de 32 por cento em 2016 para 67 por
cento em 2070 (Figura 7b). A evolução deste rácio reflete a combi-
nação de um aumento acentuado da percentagem da população com
idade igual ou superior a 65 anos com uma redução também bastante
pronunciada da percentagem da população em idade ativa.

46
Produto potencial e contabilidade do crescimento

11 70

60
9
50

7 40

30
5 Total
15-64 20

3 10
1990 2010 2030 2050 2070 1990 2010 2030 2050 2070

(a) População (b) Rácio de dependência de idosos

Figura 7: População e rácio de dependência de idosos


Notas: Área a sombreado – projeções. População – milhões de indivíduos. Rácio de
dependência de idosos – população com 65 ou mais anos em % da população em
idade ativa (15-64).
Fontes: Eurostat e cálculos dos autores.

3. Impacto no crescimento económico: metodologia

O impacto da transição demográfica no crescimento económico pode


ser abordado em diferentes perspetivas. Nesta análise optou-se por
uma perspetiva de contabilidade de crescimento em detrimento de
uma análise mais complexa assente num modelo macroeconómico.
Este exercício constitui portanto uma primeira aproximação do im-
pacto da transição demográfica no crescimento e não uma análise
exaustiva que tome em conta a interação entre diferentes fatores de
crescimento.
Como ponto de partida, considerou-se uma função de produção
Cobb-Douglas com a seguinte especificação:
Y = A(hL)α K(1−α) , (3)
em que Y representa o PIB real, A corresponde à produtividade total
dos fatores (TFP), h ao nível de capital humano medido pelo número
médio de anos de escolaridade da força de trabalho, L à quantidade
de fator trabalho, K ao stock de capital e α à elasticidade do PIB
em relação ao fator trabalho. Ao utilizar uma função de produção
Cobb-Douglas assume-se que a elasticidade de substituição entre fa-
tores é unitária.
Logaritmizando e tomando a primeira diferença, o crescimento do
PIB per capita pode ser escrito como:

Y
b
b + α L + (1 − α) K ,
b b
=A
b + αh (4)
P P P

47
O Crescimento Económico Português

onde P corresponde à população total.


Por forma a isolar o impacto da evolução demográfica em sentido
estrito, o emprego per capita pode ser decomposto em:

L L PA P15−64
= × × , (5)
P PA P15−64 P
onde PA corresponde à população ativa e P15−64 à população com
idade entre 15 e 64 anos. O stock de capital per capita pode ser
decomposto em:

K K L
= × (6)
P L P

Desta forma, o crescimento do PIB per capita pode ser decomposto


nos seguintes contributos:

Y
b d L
= A
b + αh +
P |{z} |{z}
b
PA
TFP capital humano |{z}
Taxa de emprego
(7)
PA
d P15−64
d K
b
+ + + (1 − α)
P P }
| {z | {z L}
{z }
| 15−64
Taxa de atividade Demografia pura Stock de capital por trabalhador

Nesta secção, optou-se por focar a análise no contributo do capital


humano, da taxa de emprego, da taxa de atividade e da demografia
pura, não analisando o contributo das outras duas componentes (TFP
e stock de capital por trabalhador).
A elasticidade α é aproximada pelo peso médio histórico das remu-
nerações do fator trabalho no valor acrescentado, sendo igual a 0,64
(ver Almeida e Félix (2006)).
Quanto ao capital humano, assume-se que o número médio de
anos de escolaridade da força de trabalho continuará a aumentar,
convergindo para cerca de 12 anos em 2070.7 Esta evolução resulta do
facto de o nível de capital humano em Portugal ser bastante reduzido
em comparação com o de outros países desenvolvidos. Em particular,
em 2018 cerca de 56% da população ativa tinha concluído pelo menos
o ensino secundário, o que compara com aproximadamente 78% na
área do euro (Eurostat – Labour Force Survey). A qualidade do capital
7 O número médio de anos de escolaridade da força de trabalho no período 2016-18 foi
calculado a partir dos dados do Inquérito ao Emprego do INE e é aproximadamente
igual a 10. Para uma série mais longa, calculada a partir dos dados de Barro e Lee
(2013), ver Banco de Portugal (2015).

48
Produto potencial e contabilidade do crescimento

humano, embora relevante, não é tida em conta na análise devido à


sua difícil quantificação, em particular no contexto de um cenário de
projeção.
Para a taxa de emprego, taxa de atividade e demografia pura,
foram usadas as projeções do Eurostat e da Comissão Europeia
(Comissão Europeia (2018)).
As projeções dos fluxos migratórios líquidos estão rodeadas de
uma incerteza elevada e apenas têm em conta o número de pessoas,
não considerando o nível de qualificação das mesmas. A esta limi-
tação acrescem as questões de endogeneidade inerentes ao exercício.
Como tal, a interpretação dos resultados deve ser cautelosa.

4. Impacto no crescimento económico: resultados

A Figura 8 apresenta o contributo de cada uma das componentes em


análise para o crescimento do PIB per capita, tanto para cada um dos
anos, como em termos acumulados.
Uma conclusão imediata é a de que a evolução demográfica pura
– medida pelo rácio entre a população 15-64 e a população total –
tem um contributo negativo e bastante acentuado para o crescimento
do PIB per capita até cerca de 2050, mais pronunciado até ao início
dos anos 2040. Em termos acumulados, este contributo ascende a
-19,7 p.p. em 2050 e a -21,1 p.p. em 2070. Em contrapartida, é
expectável que o contributo do capital humano compense em parte o
contributo negativo da demografia pura. Em termos acumulados,
o seu contributo ascende a 10,4 p.p. em 2050 e a 11,5 p.p. em
2070. No que diz respeito à taxa de emprego, o seu contributo
é particularmente forte até 2019, refletindo a redução continuada
da taxa de desemprego. Posteriormente, esse contributo torna-se
relativamente reduzido, tal como o da taxa de atividade.
A conclusão essencial a retirar da análise é a de que, em Portugal, o
impacto adverso da evolução demográfica no crescimento irá coexistir
com um impacto favorável decorrente da maior qualificação da força
de trabalho.

5. Políticas e questões para discussão

O impacto económico do elevado grau de contração e envelhecimento


da população projetado para Portugal deverá ser mitigado por um
conjunto adequado de políticas públicas. O necessário aperfeiçoa-
mento do quadro institucional, normativo e fiscal que baliza a ativi-

49
O Crescimento Económico Português

4 Taxa de emprego
Taxa de atividade
3 Capital humano
Demografia pura
Soma dos contributos
2

-1
2016 2026 2036 2046 2056 2066

(a) Contributos anuais – pontos percentuais

120

110

100

90
Taxa de emprego
80 Taxa de atividade
Capital humano
Demografia pura
70
2016 2026 2036 2046 2056 2066
(b) Contributos anuais acumulados – 2016=100

Figura 8: Contributos para o crescimento do PIB per capita


Fontes: INE, projeções do Eurostat e da Comissão Europeia e cálculos dos autores.

dade dos agentes económicos e o aumento da qualidade da despesa


pública requerem medidas que, em vários casos, podem ser mais
difíceis de aprovar por um eleitorado mais envelhecido. Esta con-
sideração acentua a urgência de compromissos e aprovação das ori-
entações de política que são necessárias a uma resposta bem-sucedida
aos desafios da demografia.
Esta secção sublinha a importância das políticas de educação como
efeito mitigante na evolução demográfica, merecendo estas, por isso,
(ainda mais) atenção. Adicionalmente, as políticas de apoio à natali-
dade, políticas de atração (e se necessário de integração) de trabalha-
dores do exterior e a revisão das políticas de emprego, em particular

50
Produto potencial e contabilidade do crescimento

nos últimos escalões da população ativa, terão igualmente um papel


relevante.
Estas políticas devem ser credíveis e continuadas no tempo, pois
o seu sucesso depende em larga medida das expetativas dos agentes.
Além disso, devem ser concebidas de uma forma integrada e con-
jugadas com reformas estruturais que aumentem a produtividade,
nomeadamente no que se refere à mobilidade de fatores, à inovação
e à concorrência nos mercados do produto. Em última análise, a
acomodação dos efeitos das tendências demográficas tem que ser
feita pela via de um crescimento sustentado da produtividade total
dos fatores.

Referências

Almeida, Vanda e Ricardo Félix (2006). “Cálculo do produto


potencial e do hiato do produto para a economia portuguesa.”
Banco de Portugal, Boletim Económico, outono, pp. 75–92.
Banco de Portugal (2015). “Transição demográfica e crescimento na
economia portuguesa.” Boletim Económico, outubro, 71–86.
Barro, R. J. e J. W. Lee (2013). “A new data set of educational
attainment in the world, 1950–2010.” Journal of Development
Economics, 104, 184–198.
Comissão Europeia (2018). “The 2018 Ageing Report: Economic and
Budgetary Projections for the EU Member States (2016-2070).”
Institutional Paper, (079).

51
2.1. Ainda compensa investir em educação?

Maria Manuel Campos, Hugo Reis

1. Introdução

A literatura empírica sobre a magnitude e os fatores explicativos dos


retornos da educação é extensa, quer no que se refere a economias
avançadas, quer a economias emergentes. No caso de Portugal, os re-
tornos da educação encontram-se entre os mais elevados da União Eu-
ropeia.8 Vieira (1999) e Sousa et al. (2015) apresentam estimativas en-
tre 7 e 11 por cento para o efeito de um ano de escolaridade adicional
na média da distribuição salarial. Machado e Mata (1998), Hartog
et al. (2001) e Martins e Pereira (2004) mostram, por outro lado, que os
retornos são mais elevados nos quantis mais altos. Adicionalmente,
os retornos tendem a ser mais significativos no caso de indivíduos
com um curso superior (Alves et al. (2010) e Portugal (2004)), entre
os quais as taxas de desemprego são também mais baixas, sobretudo
quando comparadas com as referentes a trabalhadores com apenas o
ensino secundário (Figura 9).
Dado o grande aumento da escolaridade média da população ativa
verificado em Portugal ao longo das últimas décadas, os retornos da
educação podem ter mudado substancialmente no período recente.
Níveis de escolaridade mais elevados continuam a estar associados a
salários mais altos e o diferencial entre indivíduos que completaram
um grau de ensino universitário e aqueles que completaram apenas
o secundário é significativo e tende a aumentar ao longo da vida
(Figura 10). No entanto, o diferencial médio reduziu-se recentemente
e a percentagem de trabalhadores com um curso superior que re-
cebem salários abaixo da mediana tem aumentado. Este conjunto
de indícios motiva a discussão sobre se ainda compensará investir em
educação universitária. Esta discussão fornece informações úteis para
os indivíduos, ajudando-os a decidir em que medida devem investir
em educação formal, mas é também relevante para os decisores políti-
cos, guiando-os no desenho de programas e esquemas de incentivos
para promover o investimento individual em educação.

8 Veja-se, por exemplo, Psacharopoulos (1994), Martins e Pereira (2004), Psacharopou-


los e Patrinos (2004) e Montenegro e Patrinos (2014).

55
O Crescimento Económico Português

20
Taxa de desemprego (%)

15
10
5
0

2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016

Ensino universitário Ensino secundário


Total

Figura 9: Taxa de desemprego entre indivíduos com um curso superior


Nota: A Figura ilustra a taxa de desemprego média anual entre indivíduos com
idade compreendida entre 15 e 64 anos.
Fonte: Inquérito ao Emprego.

O presente capítulo, baseado em Campos e Reis (2018),


complementa a investigação existente sobre os retornos da educação
na economia portuguesa, fornecendo uma caracterização geral da
sua evolução desde o final da década de 1980. Mostra-se que investir
em educação superior continua a ter retornos significativos do ponto
de vista individual.

2. Quadro analítico

A análise apresentada nesta secção baseia-se nos Quadros de Pessoal


(QP) referentes ao período entre 1986 e 2016 (com exceção de 1990 e
2001, para os quais não existem dados).9
Uma primeira aproximação aos retornos da educação universitária
pode ser obtida comparando o valor atualizado dos custos e dos
benefícios associados a esse investimento, cumulativamente, ao longo
da vida. Em particular, assuma-se que:

• Os custos associados ao ensino superior correspondem apenas


ao custo de oportunidade em termos salariais, decorrente de

9 Os QP incluem informação sobre todas as entidades que pagam salários no setor


privado português. Encontram-se, assim, excluídos as administrações públicas, o
pessoal militar, os trabalhadores por conta própria e os trabalhadores domésticos.

56
Capital humano

5
Salário real/hora (euros)

4
3
2
1

20 25 30 35 40 45 50 55 60 65

Idade

Ensino secundário Ensino universitário

Figura 10: Salário médio ao longo do vida


Notas: A área assinalada com um sombreado mais escuro representa os ganhos
salariais recebidos por indivíduos com educação universitária ao longo das
respetivas carreiras, face aos salários daqueles que detêm apenas o ensino
secundário. O sombreado mais claro representa o custo de oportunidade em termos
salariais, decorrente de passar quatro anos no ensino superior, por oposição a entrar
no mercado de trabalho imediatamente após a conclusão do secundário. Os salários
encontram-se expressos em preços de 1986.
Fonte: Quadros de Pessoal de 2016.

passar quatro anos no ensino superior, por oposição a entrar no


mercado de trabalho imediatamente após concluir o secundá-
rio (identificados como a área com o sombreado mais claro na
Figura 10); e
• Os benefícios correspondem apenas aos ganhos salariais
adicionais recebidos por indivíduos com educação
universitária ao longo das respetivas carreiras, face aos salários
daqueles que detêm apenas o ensino secundário (sombreado
mais escuro na Figura 10).

Tomando uma taxa de desconto standard de 2%, estas hipóteses sim-


plificadas implicam uma taxa de retorno para o investimento em edu-
cação superior de cerca de 5% em 2016. Trata-se apenas de uma apro-
ximação, uma vez que não é tida em consideração a totalidade dos
custos e benefícios incorridos. Adicionalmente, este valor baseia-se
na comparação simples entre os salários de indivíduos que podem
diferir significativamente no que se refere às suas caraterísticas (ob-
serváveis ou não observáveis). Uma melhor quantificação dos re-

57
O Crescimento Económico Português

tornos pode ser obtida com base no quadro analítico proposto por
Mincer (1974) que ilustra a relação empírica entre escolaridade e
salários como:

ln yi = α + βSi + λ1 Expi + λ2 Exp2i + i (8)

onde ln yi é o logaritmo dos salários, S mede a escolaridade e Exp


diz respeito à experiência dos indivíduos no mercado de trabalho.
Neste capítulo apresentam-se estimativas dos retornos baseadas
em regressões realizadas separadamente para cada um dos anos dos
QP, assumindo uma abordagem seccional e utilizando a idade (sob a
forma de um polinómio de segundo grau) como proxy para a experi-
ência no mercado de trabalho.10 Para controlar para a escolaridade,
são incluídas variáveis binárias para cada um dos seguintes níveis:
1) menos do que o nono ano; 2) nono ano; 3) ensino secundário;
e 4) ensino superior. Os coeficientes referentes a cada uma destas
variáveis medem o prémio salarial face aos indivíduos que detêm
um nível de escolaridade inferior ao nono ano (que é a categoria
omitida nas regressões). Uma vez que a presente análise se centra
no ganho salarial relativo ao nível de escolaridade imediatamente
inferior, toma-se a diferença entre os coeficientes como a medida
relevante para o retorno associado à conclusão de cada grau de es-
colaridade.

2.1. Resultados

A Figura 11 apresenta as estimativas dos retornos associados a cada


nível de escolaridade (face ao nível imediatamente anterior),
medidos na média das distribuições salariais de homens e mulheres.
Verifica-se que as mulheres tendem a beneficiar de retornos mais
elevados do que os homens e que o prémio associado à conclusão do
nono ano diminuiu acentuadamente desde os anos de 1980. No final
desta década, este prémio era muito semelhante ao estimado para os
indivíduos com um curso superior. Desde então, as estimativas
sugerem uma diminuição tal que o prémio baseado nos dados de
2016 corresponde a aproximadamente metade do obtido com os
dados de 1986. No que se refere ao ensino secundário, o prémio
relativamente aos indivíduos que concluíram apenas o nono ano
aumentou em 1986-2016, mas continua ainda substancialmente
abaixo daquele obtido para o ensino superior. Por seu turno, o
prémio associado ao ensino superior aumentou de forma

10 As regressões incluem ainda um conjunto de regressores adicionais: a senioridade


do indivíduo na empresa atual (também sob a forma de um polinómio de segundo
grau) e o logaritmo da dimensão da empresa

58
Capital humano

Homens Mulheres

60

60
Retorno relativo (%)

Retorno relativo (%)


40

40
20

20
0

0
1986 1996 2006 2016 1986 1996 2006 2016

9º. ano vs menos do que 9º ano Secundário vs 9º ano


Universitário vs secundário

Figura 11: Retornos da educação por nível de ensino, medidos na média da


distribuição salarial
Nota: A Figura ilustra o prémio salarial percentual associado a cada nível de
escolaridade, em comparação com o nível imediatamente inferior.

significativa ao longo da década de 1990, num contexto de expansão


do número de trabalhadores com educação universitária, sugerindo
que tal aumento terá resultado do crescimento da procura por
trabalhadores mais qualificados.
Desde o início dos anos 2000, os retornos associados ao ensino
universitário têm vindo a diminuir, sobretudo no caso das mulhe-
res. Os resultados obtidos por Campos e Reis (2018) com base em
regressões de quantis (que estimam o prémio em diferentes pontos
das distribuições salariais) mostram que tal diminuição tem sido par-
ticularmente significativa no caso de trabalhadores com salários mais
baixos.
Uma análise por idade centrada no período posterior a 2005 (cujos
resultados se apresentam na Figura 12) sugere que a evolução acima
descrita se deveu em larga medida aos trabalhadores mais jovens:
para este sub-conjunto de indivíduos os retornos associados ao en-
sino universitário tendem a ser mais baixos e têm diminuído mais
acentuadamente do que no caso de trabalhadores mais velhos. A este
propósito, importa notar que a análise aqui apresentada não diferen-
cia os licenciados dos indivíduos com mestrados ou doutoramentos.
No entanto, existem estudos que mostram que a redução dos prémios
salariais para a educação superior decorreu da evolução referente aos
licenciados, enquanto para indivíduos que completaram graus de
escolaridade mais avançados terá existido um aumento (Figueiredo

59
O Crescimento Económico Português

55
50
Retorno relativo (%)

45
40
35
30

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

45 anos 40 anos
35 anos 30 anos
25 anos

Figura 12: Retornos associados ao ensino superior, por idade


Nota: A Figura apresenta o incremento salarial associado ao ensino superior,
relativamente à conclusão apenas do ensino secundário.

et al. (2017)). Estes desenvolvimentos ocorreram em simultâneo com


a implementação da Reforma de Bolonha, que, por um lado, implicou
uma redução do número de anos necessários para completar uma
licenciatura, podendo assim ter contribuído para baixar a valorização
atribuída pelos empregadores a este grau. Por outro lado, a reforma
contribuiu também para aumentar a procura por mestrados e para
a expansão dos programas de pós-graduação oferecidos pelas uni-
versidades, não só em termos de quantidade mas também no que
respeita ao alargamento das áreas de especialização disponíveis - uma
evolução que tende a ser bem recebida pelos empregadores.

3. Discussão e considerações finais

Este capítulo debruça-se sobre a evolução recente dos retornos in-


dividuais da educação na economia portuguesa. Mostra-se que os
prémios são mais altos no caso das mulheres e tendem a aumentar
com o nível de escolaridade. No final da década de 1980 e ao longo
dos anos de 1990, verificou-se um aumento dos retornos, sobretudo
no que respeita à educação de nível universitário. Esta evolução ocor-
reu em paralelo com a expansão da proporção de trabalhadores com
cursos superiores, sugerindo que o aumento dos prémios pode ter
resultado do crescimento da procura por trabalhadores qualificados.
No final da década de 1990 e no início dos anos 2000, o prémio salarial
associado ao ensino superior permaneceu relativamente estável. No

60
Capital humano

período mais recente, este prémio diminuiu e esta evolução poderá


estar relacionada com a redução do número de anos necessários para
completar uma licenciatura, em linha com o preconizado pela Re-
forma de Bolonha. De qualquer forma, em Portugal, a obtenção de
qualificações universitárias permanece um investimento rentável do
ponto de vista individual e este aspeto deve ser tido em consideração
pelos decisores no âmbito do desenho de políticas e de esquemas de
incentivos.
Atualmente, o principal desafio para os decisores de política
consiste em salvaguardar a qualidade do sistema público de ensino,
garantindo simultaneamente às famílias de menores rendimentos o
acesso às universidades - incluindo aos níveis superiores à
licenciatura. Adicionalmente, importa salvaguardar também a
qualidade dos níveis de ensino mais baixos, uma vez que estes são
determinantes para aumentar o retorno associado aos graus de
escolaridade subsequentes. Estes desafios poderão exigir uma
reorganização das fontes de financiamento do ensino superior,
incluindo um possível aumento da participação dos indivíduos nos
custos. Outras soluções podem potencialmente passar por aumentos
das propinas ou pela criação de esquemas públicos de empréstimos
eficazes (como, por exemplo, o sistema recentemente implementado
no Reino Unido, em que os reembolsos são condicionais ao
rendimento futuro dos alunos). É fundamental assegurar o acesso
também aos níveis de escolaridade superiores à licenciatura, cujos
custos são consideravelmente mais elevados.

Referências

Alves, Nuno, Mário Centeno, e Álvaro A. Novo (2010). “Investment


in Education in Portugal: Returns and Heterogeneity.” Economic
Bulletin Issue for Discussion Spring, Banco de Portugal, Eco-
nomics and Research Department.
Campos, Maria Manuel e Hugo Reis (2018). “Returns to schooling
in the Portuguese economy: a reassessment.” Public Sector
Economics, 42(2), 215–242.
Figueiredo, Hugo, Miguel Portela, Carla Sá, João Cerejeira, André
Almeida, e Diogo Lourenço (2017). Benefícios do Ensino Superior.
Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Hartog, Joop, Pedro Pereira, e José Vieira (2001). “Changing returns
to education in Portugal during the 1980s and early 1990s: OLS
and quantile regression estimators.” Applied Economics, 33(8),
1021–1037.
Machado, José Ferreira e José Mata (1998). “Earning Functions in
Portugal 1982-1994: Evidence From Quantile Regressions.”
Martins, Pedro S. e Pedro T. Pereira (2004). “Does education
reduce wage inequality? Quantile regression evidence from 16

61
O Crescimento Económico Português

countries.” Labour Economics, 11(3), 355–371.


Mincer, Jacob A. (1974). Schooling, Experience, and Earnings. NBER
Books, National Bureau of Economic Research, Inc.
Montenegro, Claudio E. e Harry Anthony Patrinos (2014). “Compa-
rable estimates of returns to schooling around the world.” Policy
Research Working Paper Series 7020, The World Bank.
Portugal, Pedro (2004). “Myths and Facts Regarding the Portuguese
Labour Market - the Tragic Fate of College Graduates.” Banco de
Portugal Economic Bulletin.
Psacharopoulos, George (1994). “Returns to investment in education:
A global update.” World Development, 22(9), 1325–1343.
Psacharopoulos, George e Harry Anthony Patrinos (2004). “Returns
to investment in education: a further update.” Education Eco-
nomics, 12(2), 111–134.
Sousa, Sandra, Miguel Portela, e Carla Sá (2015). “Characterization
of returns to education in Portugal: 1986-2009.”
Vieira, José (1999). “Returns to education in Portugal.” Labour
Economics, 6(4), 535–541.

62
2.2. Qual é o efeito do aumento do nível de
escolaridade dos trabalhadores nos desajustes
educativos?

Ana Catarina Pimenta, Manuel Coutinho Pereira

1. Motivação

A força de trabalho portuguesa tem sido estruturalmente caracteri-


zada por baixos níveis de escolaridade face aos padrões europeus.
Não obstante, ao longo das últimas décadas, tem-se verificado um
aumento considerável na escolarização dos trabalhadores. Em para-
lelo com esta tendência, ocorreu uma mudança para ocupações que
exigem mais competências à medida que as economias se moderni-
zam e o peso dos setores intensivos em tecnologia crescem. Estes
desenvolvimentos têm-se refletido nos desajustes educativos, ou seja,
no défice ou no excesso de escolaridade relativamente à conside-
rada adequada para a função desempenhada pelo trabalhador. Estes
fenómenos são designados, respetivamente, por subescolarização e
sobre-escolarização.
Os desajustes educativos acarretam custos para as economias. No
caso da sobre-escolarização, existe um subaproveitamento das qualifi-
cações, enquanto os trabalhadores subescolarizados tenderão a apre-
sentar um défice de qualificações com impacto negativo na sua pro-
dutividade. Além disso, os desajustes educativos podem influenciar
indiretamente a produtividade das empresas através do seu impacto
nos salários e, de forma genérica, na satisfação do trabalhador.
Esta secção, baseada em Pimenta e Pereira (2019), pretende avaliar
os desajustes educativos em Portugal ao longo das últimas duas
décadas. A primeira questão analisada prende-se com o impacto na
subescolarização decorrente da convergência das habilitações
literárias da força de trabalho portuguesa para níveis mais elevados.
De facto, tem-se registado uma redução consistente da
subescolarização, em consonância com a substituição de gerações no
mercado de trabalho. A maior subescolarização em Portugal
relativamente a outros países da União Europeia é atualmente um
problema maioritariamente confinado aos trabalhadores mais
antigos. Adicionalmente, o crescente número de trabalhadores

61
O Crescimento Económico Português

altamente qualificados que ingressaram no mercado de trabalho,


particularmente com ensino superior, traduziu-se apenas num
pequeno aumento dos níveis de sobre-escolarização. Em particular,
os valores para Portugal são inferiores aos da maioria dos países
europeus.

2. Dados e cálculo dos desajustes educativos

A evolução dos desajustes educativos foi analisada através da infor-


mação detalhada proveniente de duas fontes: os Quadros de Pessoal,
para Portugal, e o Survey of Income and Living Conditions (EU-SILC),
para os países da União Europeia. As duas variáveis-chave são a
ocupação dos trabalhadores e a sua escolaridade.
A avaliação dos desajustes educativos depende da definição do
nível de escolaridade adequado para cada ocupação. Em geral, os
desajustes medidos dependem fortemente de tal definição, uma vez
que não existe uma metodologia única para determinar o nível de
escolaridade adequado. Os resultados apresentados nesta coluna
são baseados na correspondência estabelecida pela Organização In-
ternacional do trabalho (ILO, 2012) entre a International Standard Clas-
sification of Occupations (ISCO-08) e a International Standard Classifi-
cation of Education (ISCED-97). Pimenta e Pereira (2019) utilizaram
uma desagregação com seis ocupações, que corresponde a uma ver-
são ligeiramente agregada dos oito principais grupos da ISCO-08:
Trabalhadores não qualificados, Trabalhadores manuais qualificados,
Trabalhadores de serviços pessoais e vendedores, Administrativos,
Técnicos e Profissionais.

3. Evolução dos desajustes educativos no mercado de trabalho por-


tuguês

A Figura 13 apresenta a evolução dos desajustes educativos para o


conjunto de trabalhadores e a Figura 14 a respetiva decomposição por
ocupações e escalões de experiência potencial. A aproximação das
qualificações da força de trabalho portuguesa aos padrões europeus
conduziu a uma redução consistente da subescolarização ao longo
do tempo, de cerca de dois terços dos trabalhadores em 1995 para
aproximadamente um terço em 2013 (Figura 13). Esta tendência é
comum a todos os escalões de experiência potencial, apesar de o
nível de subescolarização variar substancialmente entre estes (Figura
14). A subescolarização situou-se em torno dos 80% para o grupo de
trabalhadores com mais de 30 anos de experiência, em meados dos

62
Capital humano

100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Subescolarização Escolaridade adequada Sobre-escolarização

Figura 13: Evolução dos desajustes educativos de acordo com o indicador


ISCO-ISCED (em percentagem).
Fonte: Cálculos dos autores com base nos Quadros de Pessoal (1995-2013).

anos 90, permanecendo nos 60% no final da amostra. Pelo contrário,


para o grupo de trabalhadores menos experientes, a subescolarização
caiu de aproximadamente 33% no início da amostra para 7% no final.
O perfil decrescente da subescolarização ao longo do tempo para
cada um dos escalões de experiência reflete a substituição gradual das
gerações mais velhas pelas gerações mais novas, e mais escolarizadas,
no mercado de trabalho.
A sobre-escolarização continua a ser um fenómeno com pouca
importância, passando de valores insignificantes, no início da
amostra, para aproximadamente 5%, no final (Figura 13). A
sobre-escolarização é mais elevada para trabalhadores com até 10
anos de experiência, aumentando de 4%, em 1995, para 12%, em
2013. Para os escalões com maior experiência, a proporção de
trabalhadores sobre-escolarizados permanece muito baixa, mesmo
no final da amostra (Figura 14).

3.1. Trabalhadores sobre-escolarizados com ensino superior

O aumento da proporção de trabalhadores com ensino superior na


força de trabalho portuguesa tem sido um desenvolvimento impor-
tante das últimas duas décadas. A Figura 15 mostra que a proporção
de trabalhadores com ensino superior aumentou de cerca de 3 para
16% entre 1995 e 2013. Estes trabalhadores têm sido maioritariamente
contratados pelo setor dos serviços, cujo peso no emprego de traba-
lhadores com ensino superior tem aumentado, em paralelo com uma
redução no peso da indústria transformadora.

63
O Crescimento Económico Português

100
90
3 5
80 4 5
70 5
3 3
60 1 1 4
1 4 3 5
2 2 3 5 5
50 2 4 3 3
3 3 4
40 3 4 4 3
4 4
4 4
30 3
4
20
10
0
1995 2005 2013 1995 2005 2013 1995 2005 2013 1995 2005 2013 1995 2005 2013 1995 2005 2013
Trabalhadores não Trabalhadores Trabalhadores de Administrativos Técnicos Profissionais
qualificados manuais serviços pessoais
qualificados e vendedores
Subescolarização Escolaridade adequada Sobre-escolarização

(a) Escalão 0-10 anos de experiência

100 3 3 3 5 5
3 5
4 4 3 4
90
4 4 3
80 3 5
4 3
4 5 5
70 1 4
1 3
60 2 1
2 4
3 2
50 4 3 3
40 4 4
30
20
10
0
1995 2005 2013 1995 2005 2013 1995 2005 2013 1995 2005 2013 1995 2005 2013 1995 2005 2013
Trabalhadores não Trabalhadores Trabalhadores de Administrativos Técnicos Profissionais
qualificados manuais serviços pessoais
qualificados e vendedores
Subescolarização Escolaridade adequada Sobre-escolarização

(b) Escalão mais de 30 anos de experiência

Figura 14: Evolução dos desajustes educativos por ocupação e escalões de


experiência usando o indicador ISCO-ISCED (em percentagem).
Nota: Os números presentes nas barras indicam a escolaridade adequada para cada
ocupação em cada ano: 0=Nenhum, 1=1º ciclo do ensino básico, 2=2º ciclo do
ensino básico, 3=3º ciclo do ensino básico, 4=Ensino secundário e Pós-secundário
e 5=Ensino superior.
Fonte: Cálculos dos autores com base nos Quadros de Pessoal (1995-2013).

A proporção de trabalhadores sobre-escolarizados com ensino su-


perior no total deste grupo de trabalhadores aumentou na primeira
década da amostra (de 20 para 30%), tendo depois aproximadamente
estabilizado. Não obstante o aumento da sobre-escolarização, a maio-
ria dos trabalhadores com ensino superior que chegaram ao mercado
de trabalho português foram capazes de encontrar profissões alta-
mente qualificadas, nas quais a economia pode beneficiar mais com
as suas qualificações.

64
Capital humano

250000 35
30
200000
25
150000 20

100000 15
10
50000
5
0 0
1995 2005 2013
Escolaridade adequada: profissões altamente qualificadas
Sobre-escolarização: profissões intermédias
Sobre-escolarização: profissões pouco qualificadas
Proporção de trabalhadores com ensino superior no total (em %, esc. dir.)
Proporção de sobre-escolarizados no total de trabalhadores com ensino superior (em %, esc. dir.)

Figura 15: Ocupações e desajustes educativos dos trabalhadores com ensino


superior de acordo com o indicador ISCO-ISCED.
Notas: As profissões pouco qualificadas incluem os Trabalhadores não qualificados;
as profissões intermédias incluem os Trabalhadores manuais qualificados, os
Trabalhadores dos serviços pessoais e vendedores e os Administrativos; as profissões
altamente qualificadas incluem os Técnicos e os Profissionais. De acordo com
a correspondência ISCO-ISCED, os trabalhadores sobre-escolarizados com ensino
superior são aqueles que se encontram em profissões pouco qualificadas ou
profissões intermédias.
Fonte: Cálculos dos autores com base nos Quadros de Pessoal (1995-2013).

3.2. Desajustes educativos: Portugal face à União Europeia

A Figura 16 apresenta uma comparação internacional dos desajustes


educativos. Portugal foi o país que registou maior incidência de
subescolarização em ambos os anos, apesar da redução entre 2007 e
2016. A desvantagem de Portugal em relação à União Europeia reflete
principalmente os baixos níveis de escolaridade dos trabalhadores
com mais experiência nas profissões com qualificações intermédias.
No entanto, a já mencionada aproximação do nível de escolaridade
da força de trabalho portuguesa aos padrões internacionais tem con-
tribuído para mitigar essa desvantagem.
De ressaltar que os trabalhadores em profissões pouco
qualificadas também detinham níveis de escolaridade inferiores aos
dos seus pares europeus, mas tal não surge como subescolarização
uma vez que o indicador ISCO-ISCED inclui os níveis elementares
como escolaridade adequada (tal como se pode constatar na Figura
14). Além disso, prevalece alguma subescolarização nas profissões
altamente qualificadas (especialmente para os Técnicos), contudo
este fenómeno é comum a outros países europeus. Relativamente à
sobre-escolarização, Portugal possui uma incidência inferior à média
da União Europeia, que é transversal aos diferentes escalões de
experiência.

65
O Crescimento Económico Português

100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
BG RO LT HU EL IE LV ES PL SK BE EE FI SI CY AT DK CZ FR DE IT SE MT NL LU PT
Subescolarização (2016) Sobre-escolarização (2016) Subescolarização (2007) Sobre-escolarização (2007)

Figura 16: Evolução dos desajustes educativos por país da União Europeia
entre 2007 e 2016 usando o indicador ISCO-ISCED (em percenta-
gem).
Notas: Todos os resultados foram ponderados usando ponderadores amostrais, o
que permite extrapolar para a população geral. Os 26 países representados são:
Bélgica (BE), Bulgária (BG), República Checa (CZ), Dinamarca (DK), Alemanha (DE),
Estónia (EE), Irlanda (IE), Grécia (EL), Espanha (ES), França (FR), Itália (IT), Chipre
(CY) Letónia (LV), Lituânia (LT), Luxemburgo (LU), Hungria (HU), Malta (MT),
Holanda (NL), Áustria (AT), Polónia (PL), Portugal (PT), Roménia (RO) , Eslovénia
(SI), Eslováquia (SK), Finlândia (FI) e Suécia (SE).
Fonte: Cálculos dos autores com base no EU-SILC.

4. Conclusões

Tem-se registado um declínio constante na proporção de trabalhado-


res subescolarizados no mercado de trabalho Português, à medida
que as gerações mais jovens e mais escolarizadas substituem as mais
antigas. Por sua vez, a sobre-escolarização em Portugal aumentou
ligeiramente, mas permanece baixa, mesmo nos anos mais recentes.
Uma ressalva importante sobre as metodologias seguidas neste
artigo diz respeito à avaliação da escolaridade adequada com base
exclusivamente na educação formal, uma vez que as capacidades
individuais, a formação profissional e a experiência podem ser igual-
mente importantes para que os trabalhadores executem adequada-
mente as suas funções. Adicionalmente, esta análise abrange apenas
os desajustes educativos entre trabalhadores empregados, não con-
siderando os indivíduos que não conseguiram encontrar emprego
(estando, designadamente, desempregados ou tendo emigrado), algo
que poderá ter sido particularmente importante nos anos anteriores
a 2013, coincidindo com a crise económica.

66
Capital humano

Referências

ILO (2012). “International Standard Classification of Occupations:


Structure, group definitions and correspondence tables.” Interna-
tional Labour Organization.
Pimenta, Ana Catarina e Manuel Coutinho Pereira (2019). “Desajus-
tamento entre escolarização e ocupações dos trabalhadores por-
tugueses: uma análise agregada.” Revista de Estudos Económicos,
5(1), 41–66.

67
2.3. Qual é a vantagem relativa do ensino
vocacional no mercado de trabalho português?

Joop Hartog, Pedro Raposo, Hugo Reis

1. Introdução

Os debates sobre o valor relativo do ensino vocacional em relação


ao ensino geral têm uma longa história entre educadores, políticos,
empregadores, e líderes de opinião. É uma questão muito ampla,
considerando argumentos como a preparação intelectual e cultural
para a vida adulta, a cidadania e as perspectivas do mercado de
trabalho ao longo de todo o ciclo de vida.
Os sistemas de ensino estão normalmente diferenciados entre per-
cursos com uma componente geral (ou académica) e outra mais vo-
cacional. A educação vocacional prepara o indivíduo para ocupações
específicas e treina os alunos nas capacidades necessárias para essas
ocupações específicas. A educação geral ensina capacidades mais
abstratas e amplas, não diretamente relacionadas com tarefas em
determinadas ocupações.
Os benefícios relativos do ensino vocacional em relação ao ensino
geral são frequentemente diferenciados nos diferentes estados do per-
curso profissional: (i) benefícios relativos de curto prazo por parte
da componente vocacional e (ii) benefícios relativos de longo prazo
obtidos pela componente geral. Ganhos potenciais na juventude obti-
das pelo sistema vocacional, que facilitam a transição da escola para
o mercado de trabalho, podem ser compensados por uma menor
adaptabilidade no futuro. No entanto, a evidência empírica é relati-
vamente limitada. As principais exceções são os trabalhos recentes de
Golsteyn e Stenberg (2017), Brunello e Rocco (2017), e Hanushek et al.
(2017). Em termos de remuneração, para a Suécia, Golsteyn e Sten-
berg (2017) mostram alguma evidência no sentido do mencionado
trade-off. Para o Reino Unido, Brunello e Rocco (2017) encontram tam-
bém evidência de um trade-off, mas apenas para o grupo com ensino
vocacional secundário. No que diz respeito ao emprego, Hanushek
et al. (2017) mostram que a evidência do mencionado trade-off existe
em países com forte ênfase nos denominados programas de apprentice-
ship. Num contexto diferente, mas também relacionado, Malamud e

69
O Crescimento Económico Português

Pop-Eleches (2010) analisa os benefícios relativos entre o ensino geral


e vocacional durante a transição da Roménia para uma economia
de mercado. Para Portugal, Pereira e Martins (2001) realçam que,
com uma função de salários de Mincer no período 1982-1995, um
indíviduo que tenha completado o ensino técnico secundário recebe-
ria sempre mais do que o seu equivalente no ensino académico e, ao
longo dos anos de 1994 e 1995, o ensino vocacional secundário auferia
salários mais elevados do que o ensino geral. Oliveira (2014) mostra
que entre 1993 e 2009, os trabalhadores com educação vocacional têm
inicialmente uma vantagem salarial, no entanto os salários são mais
altos para os trabalhadores com educação geral após oito anos de
experiência.
Esta secção complementa a análise em Hartog et al. (2018),
fornecendo evidência para o período 2011-2016 e para os diferentes
níveis de ensino em Portugal. Mais especificamente, comparamos as
trajetórias salariais ao longo do ciclo de vida associadas ao ensino
secundário vocacional, ensino secundário geral, ensino superior e
ensino básico, para um país onde o sistema vocacional está
provavelmente ainda em período de transição. Comparamos
igualmente esses grupos de educação em termos de medidas de
risco definidas como o coeficiente de variação de salários e a taxa de
desemprego.
Em termos de salários, o ensino secundário vocacional é sempre
pior do que o ensino superior e sempre melhor que o básico. No
entanto, quando comparamos com o ensino secundário geral, en-
contramos evidência que revelam uma vantagem de curto prazo do
ensino secundário vocacional mas uma desvantagem em termos de
longo prazo. As conclusões são em tudo semelhantes quando com-
paramos os diferentes níveis de educação ao nível das medidas de
risco.

2. Dados e contexto institucional

Para a análise salarial, usamos a base de dados Quadros de Pes-


soal (QP), um conjunto de dados longitudinal que abrange todos
os trabalhadores em empresas com pelo menos um trabalhador, in-
dependentemente da idade. A nossa amostra inclui trabalhadores
em tempo completo no setor privado não agrícola. Além disso, os
funcionários públicos não são abrangidos pelos QP e eliminámos
os trabalhadores por conta própria, uma vez que os dados nesta
categoria são demasiado voláteis.
Utilizamos dados de 2011-2016, restritos a coortes do ano de nasci-
mento 1968-1996, incluindo apenas indivíduos que iniciaram a escola

70
Capital humano

no "sistema moderno", ou seja, após a Lei 46/86 que estabeleceu o


sistema atual com 3 ciclos de 9 anos de ensino básico e 3 de ensino
secundário. Ao mesmo tempo, apenas as coortes nascidas em 1968
são afetadas pela Lei 194-A / 93, que estabeleceu a dupla certificação.
Para mais detalhes sobre o sistema educativo português ver Hartog
et al. (2018).
A análise em termos de seleção amostral é realizada usando dados
do Observatório de Trajetos dos Estudantes do Ensino Secundário
(OTES), em particular do questionário realizado aos estudantes no
início do ensino secundário. É uma amostra representativa, fornecida
pelo Ministério da Educação, entre os estudantes do décimo ano, ou
seja, o primeiro ano do ensino secundário. Por último, os dados
relativos ao desemprego são provenientes do Inquérito ao Emprego,
fornecido pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
Desde 1986, o sistema de ensino português tem 3 anos de ensino
secundário diferenciado, caracterizado pela especialização de disci-
plinas e organizado de diferentes formas. Mais especificamente, a
oferta do ensino vocacional concentra-se principalmente no nível se-
cundário, enquanto a componente vocacional nos níveis básico e su-
perior representa uma pequena parte do sistema. A componente vo-
cacional segue uma estrutura definida na legislação, compreendendo
uma componente geral e uma componente de formação específica.
Em Portugal, a principal qualificação vocacional são os “Programas
Profissionais”, que representam cerca de 70% das matrículas no total
do percurso vocacional.11 Este percurso tem a duração de três anos
com aproximadamente 3200 horas. A aprendizagem específica de
uma ocupação é obrigatória e dura entre 600 e 840 horas, correspon-
dendo a 19 e 24% do total do programa, sendo oferecida por escolas
públicas e privadas.

3. Questões de seleção amostral

Não podemos presumir que os estudantes que escolhem uma educa-


ção vocacional e uma educação geral são idênticos. Para três coortes
escolares recentes, usamos dados sobre o desempenho dos alunos
no período anterior ao começo do ensino secundário. Os dados são
do Observatório de Trajetos dos Estudantes do Ensino Secundário
(OTES), em particular do questionário aos estudantes no início do
ensino secundário.

11 Outros componentes: Programas de apprenticeship, programas de educação e


formação para jovens, programas artísticos especializados e outros programas
vocacionais específicos.

71
O Crescimento Económico Português

Variáveis Geral (todos) Geral - alunos sem intenção


e de continuar os estudos
Vocacional (todos) depois do ensino secundário
e Vocacional (todos)
(1) (2)
Anos de educação das mães 0.016*** 0.009***
(0.001) (0.002)
Avaliação a Português (9º ano) 0.070*** 0.026**
(0.005) (0.012)
Avaliação a Matemática (9º ano) 0.050*** -0.009
(0.004) (0.009)
Pelo menos uma retenção -0.277*** -0.137***
(0.011) (0.014)
Idade em que completou o 9º ano -0.058*** -0.041***
(0.004) (0.007)
Género 0.065*** -0.006
(0.008) (0.015)
Estrutura familiar (categoria omitida:
mãe e pai)
Monoparental -0.015* 0.027
(0.009) (0.018)
Casal mas sem o pai ou a mãe -0.020 0.029
(0.013) (0.025)
Outra 0.021 -0.026
(0.018) (0.034)
Condição no mercado de trabalho
da mãe(categoria omitida: empregada)
Desempregada -0.030** -0.011
(0.012) (0.019)
Doméstica 0.007 0.021
(0.010) (0.017)
Estudante 0.001 0.068
(0.035) (0.094)
Reformada -0.008 0.045
(0.018) (0.035)
Constante 1.041*** 0.837***
(0.067) (0.118)

Número de Observações 35,023 6,840


R-quadrado 0.255 0.057

Tabela 4: Seleção no ensino secundário


Notas: Modelo de Probabilidade Linear - probabilidade de escolher a via geral do
ensino secundário, para os alunos do 10ºano nos anos letivos de 2007/08, 2010/11
e 2013/14. Os dados são do Ministério da Educação, Observatório de Trajetos dos
Estudantes do Ensino Secundário (OTES). Na Coluna (1), usamos dados de todos os
alunos, tanto na via geral como na vocacional. Na Coluna (2), a amostra inclui todos
os estudantes do percurso vocacional, mas para a via geral, inclui apenas os alunos
que afirmaram que não pretendiam continuar a educação depois de completar o
ensino secundário. Ambas as especificações incluem também efeitos fixos de ano.
Desvios-padrão robustos entre parênteses. * Significativo a 10 %; ** significativo a 5
%; *** significativo a 1 %.

72
Capital humano

Com estes dados, podemos verificar o efeito das capacidades indi-


viduais e do contexto familiar na escolha da via de ensino. A Tabela 4
mostra que a educação das mães, seja em anos ou em níveis, tem um
efeito significativo na escolha da via de ensino: as crianças de mães
com mais anos de escolaridade escolhem com maior frequência a via
geral do ensino secundário. Este efeito é muito menor para aqueles
que não pretendem continuar a educação após o nível secundário
do que para aqueles que o fazem. As notas a português têm um
efeito positivo na probabilidade de escolher a via de ensino geral, en-
quanto o desempenho a matemática não tem efeito significativo sobre
a escolha da via de ensino. As notas de matemática são geralmente
consideradas um bom indicador da capacidade intelectual geral (ou
QI) e as notas de português são associadas a uma indicação do gosto
e talento para um maior comprometimento ao nível escolar. Isto
indicaria que os alunos que escolhem a via vocacional não têm ne-
cessariamente menor capacidade, mas sim revelaria apenas um maior
interesse por uma educação mais prática e diretamente aplicável. Mas
esta é uma interpretação bastante especulativa, que exigiria mais
evidência para substanciar. Assim, os resultados documentam que
nos últimos anos existe uma diferença considerável no desempenho
escolar (ability) entre estudantes do ensino vocacional e estudantes
na via de ensino geral que continuam para o ensino superior, mas
apenas uma pequena diferença negativa com os alunos da via geral
que não referem intenção de continuar os estudos.

4. Análise ao nível dos salários

Em seguida, apresentamos uma análise simples do prémio salarial


dos estudantes que completaram o ensino secundário na via voca-
cional com base na conhecida equação salarial de Mincer que captura
a relação empírica entre educação e salários.
A Tabela 5 mostra o prémio salarial (não condicional e condicional
em relação a idade, género, antiguidade e tamanho da empresa) dos
trabalhadores que completaram a via vocacional em relação a outros
níveis de educação (básico, secundário via geral e ensino superior).
Nas duas especificações, o prémio é positivo quando comparado com
o ensino básico, atingindo em média quase 20% (cerca de 30% na
especificação condicional). Quando comparado com os trabalhadores
do ensino superior, o prémio salarial é claramente negativo, atingindo
em média mais de 50% em ambas as especificações. A Figura 17
mostra que, em ambos os casos, as diferenças aumentam com a idade.
Em particular, para indivíduos com idade entre 45 e 49 anos, o prémio
para o ensino superior é de quase 70% e acima de 30% quando com-
parado com indivíduos que não completaram o ensino secundário.

73
O Crescimento Económico Português

Não condicionada Condicionada

Ensino básico 0,17 0,28


Ensino secundário via geral -0,08 -0,02
Ensino superior -0,55 -0,51

Tabela 5: Prémio salarial dos trabalhadores que completaram o ensino


secundário via vocacional
Nota: Regressão condicionada inclui género, idade, idade ao quadrado, antiguidade,
antiguidade ao quadrado, logarítmo da dimensão da empresa e efeitos específicos
do ano.
1.5
Salário real por hora (log)
.5 0 1

20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48
idade

básico secundário via geral


secundário via vocacional superior

Figura 17: Logarítmo do salário por hora - Perfil do ciclo de vida por nível
de escolaridade

Os trabalhadores que completaram o ensino secundário vocacional


têm cerca de 8% de salário mais baixo do que os trabalhadores com
o ensino secundário (via geral). Ao controlar pelas características
individuais e da empresa, a diferença diminui para apenas 2%, em
média (Tabela 5). Por idade, a Figura 17 mostra que há uma diferença
positiva até os 30 anos de idade (cerca de 2,5% para trabalhadores
entre 25 e 29 anos), seguida de um prémio negativo para os trabalha-
dores mais velhos (quase 10% para indivíduos entre 45 e 49 anos).

5. Algumas medidas de “risco”

Tem sido observada em muitos países, uma tendência de expandir o


currículo de ensino vocacional para incluir conteúdos mais gerais,
como matemática e língua estrangeira, o qual tem sido recebido

74
Capital humano

Coeficiente variação do salário real por hora (log)


50 100 150 200 250 300

20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48
idade

básico secundário via geral


secundário via vocacional superior

Figura 18: Coeficiente de variação dos salários

muitas vezes com desconfiança por parte de estudantes e


empregadores. Em Portugal, os decisores políticos motivaram
sempre essa expansão com a afirmação de que os indivíduos da via
vocacional terão uma posição mais forte num mercado de trabalho
dinâmico, e enfrentarão menos riscos e terão maiores retornos ao
longo da vida. Neste contexto, a análise centra-se agora em
indicadores de risco por tipo de educação: coeficiente de variação
dos salários e taxa de desemprego.
A Figura 18 mostra que, em termos de risco financeiro, o ensino
superior apresenta claramente um perfil menos arriscado, enquanto
indivíduos com menos do que o ensino secundário apresentam um
risco mais elevado quando comparados com os trabalhadores que
completaram a via vocacional do ensino secundário. Tal como no
perfil salarial, comparando as duas vias do ensino secundário, obser-
vamos uma vantagem a curto prazo dos trabalhadores que comple-
taram a via vocacional, mas uma vantagem a longo prazo dos que
concluiram a via geral do ensino secundário.
Em termos de desemprego, utilizando dados do Inquérito ao Em-
prego, observamos uma taxa de desemprego mais baixa para os in-
divíduos com níveis de educação mais elevados (Figura 19). No
entanto, em contraste com os outros indicadores, quando compara-
dos, indivíduos que completaram a via geral do ensino secundário
e os que completaram apenas o ensino básico, observamos uma taxa
de desemprego mais alta para os indivíduos que completaram a via
vocacional do ensino secundário entre 2011-2014 (a diferença é menor
no período mais recente). É provável que esses desenvolvimentos
estejam relacionados com o ciclo económico e, potencialmente, resul-

75
O Crescimento Económico Português

25
Taxa de desemprego
15 20
10
5

2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018


ano

básico secundário via geral


secundário via vocacional superior

Figura 19: Taxa de desemprego

tado da maior flexibilidade do curriculo vocacional. Por idade, não


observamos um padrão claro por níveis e vias de educação.

6. Conclusão

Os estudantes portugueses tendem a favorecer a educação geral em


relação à via vocacional. Contudo, pode argumentar-se que em Por-
tugal o ensino vocacional está subvalorizado e muito provavelmente
ainda em período de transição. De facto, uma parcela não trivial
daqueles que começaram o ensino superior não a concluiram e al-
gumas universidades/cursos públicos tendem a estar superlotados.
Assim, identificar os alunos com menor preparação no ensino geral
e direcioná-los para currículos de educação mais aplicada pode ser
uma maneira eficiente de reduzir o desemprego entre os jovens. No
entanto, as compensações potenciais ao longo do ciclo de vida devem
entrar em consideração no debate. Neste contexto, o Comunicado
de Bruges (European Commission, 2010) enfatizou a necessidade de
programas vocacionais melhorados, em grande parte para lidar com o
alto desemprego jovem na Europa, mas também reconhece que deve
haver um investimento concomitante na “aprendizagem ao longo
da vida”.12 Este ponto é igualmente enfatizado em Hanushek et al.
(2017), onde é argumentado que a formação profissional não deve
substituir o fornecimento de fortes capacidades básicas nas econo-
mias modernas, de desenvolver capacidades cognitivas gerais. Assim,
12 O Comunicado de Bruges é um conjunto de objectivos e acções para aumentar a
qualidade da formação profissional na Europa, tornando-a mais acessível e relevante
para as necessidades do mercado de trabalho.

76
Capital humano

os países devem ter em conta as referidas desvantagens ao longo do


ciclo de vida nos conteúdos dos currículos do ensino vocacional. Esta
deve ser também uma preocupação em Portugal.

Referências

Brunello, Giorgio e Lorenzo Rocco (2017). “The Labor Market Effects


of Academic and Vocational Education over the Life Cycle:
Evidence Based on a British Cohort.” Journal of Human Capital,
11(1), 106 – 166.
European Commission (2010). “Enhanced European Cooperation in
Vocational Education and Training for the Period 2011–2020.”
Bruges Communiqué, 7 December, at Bruges, European Com-
mission.
Golsteyn, Bart H. H. e Anders Stenberg (2017). “Earnings over the
Life Course: General versus Vocational Education.” Journal of
Human Capital, 11(2), 167–212.
Hanushek, Eric A., Guido Schwerdt, Ludger Woessmann, e Lei
Zhang (2017). “General Education, Vocational Education, and
Labor-Market Outcomes over the Life-Cycle.” Journal of Human
Resources, 52(1), 49–88.
Hartog, Joop, Pedro Raposo, e Hugo Reis (2018). “Vocational High
School Graduate Wage Gap: The Role of Cognitive Skills and
Firms.” IZA Discussion papers 11549, Institute for the Study of
Labor (IZA).
Malamud, O. e C. Pop-Eleches (2010). “General education versus
vocational education: evidence from an economy in transition.”
The Review of Economics and Statistics, 92(1), 43–60.
Oliveira, S. (2014). Returns to vocational education in Portugal. Master’s
thesis, Nova school business and economics, Portugal.
Pereira, Pedro e Pedro Martins (2001). “Portugal.” In Education and
Earnings in Europe - a Cross Country Analysis of Returns to Education
- pp. 213-233, edited by C. Harmon, I. Walker, e N Westergaard.
Cheltenham, UK: Edward Elgar Publishing.

77
2.4. Qual é o impacto da concentração regional de
capital humano nos salários e no retorno do
capital?

Pedro Freitas

1. Motivação

O investimento em educação gera dois tipos de retornos, os privados


e os sociais. Por retornos privados entende-se os ganhos salariais
associados ao investimento individual em educação. Por sua vez
os retornos sociais resultam do impacto positivo na produtividade
associado à concentração geográfica de trabalhadores com um nível
de educação mais elevado, ou como se designa na literatura, exter-
nalidades de capital humano. A medição do nível destes retornos
sociais é relevante para medir o retorno do investimento em educação,
retorno este que justifica o investimento público nesta área. Este
conceito foi inicialmente apresentada por Marshall (1890) e depois
desenvolvida num trabalho seminal por Lucas (1988), que avançou a
hipótese destas externalidades de capital humano terem a magnitude
suficiente para explicar as diferenças de crescimento económico entre
diferentes regiões. Diversos trabalhos empíricos focaram-se nesta
questão, em particular usando dados dos Estados Unidos, tendo en-
contrado diferentes resultados. Acemoglu e Angrist (2000) usam
várias medidas de extensão da escolaridade obrigatória para medir a
magnitude das externalidades de capital humano, concluindo acerca
da sua baixa dimensão. Ciccone e Peri (2006) concluem que um
aumento de um ano do nível estadual de educação média, leva a
uma aumento do salário médio em 2%, enquanto que Moretti (2004)
estima que uma variação positiva de 1 p.p. da percentagem de tra-
balhadores com formação superior numa cidade leva a aumentos da
produtividade entre 0.4% e 1.9%. Iranzo e Peri (2009) tentam recon-
ciliar estes diversos resultados, desenvolvendo um modelo teórico
com uma aplicação empírica, que mostra um impacto nulo devido
à concentração estadual de trabalhadores com o ensino secundário
e um impacto positivo devido à concentração de trabalhadores com
uma educação superior. (Sousa et al., 2015), num estudo anterior para
Portugal estimam que o aumento de um ano da educação média ao

79
O Crescimento Económico Português

nível do município é responsável pelo aumento do salário médio em


3%.
Neste capítulo, analisamos como a concentração de trabalhadores
com formação de ensino secundário e formação superior geram ex-
ternalidades de capital humano ao nível do município. Estimamos,
como a concentração de trabalhadores qualificados afeta diferentes
inputs dentro da empresa, nomeadamente a produtividade de tra-
balhadores com diferentes níveis de educação e a produtividade do
capital físico.
Esta questão é particularmente relevante num país como Portugal
que fez, ao longo das últimas décadas, substanciais investimentos
em educação, por forma a reduzir o diferencial educacional em re-
lação a outras economias desenvolvidas. Desde a implementação da
democracia em 1974, Portugal estendeu a escolaridade obrigatória
por duas vezes, primeiro para 9 anos (em 1986) e mais tarde para 12
anos de escolaridade (em 2013). Por forma a acomodar este vasto
número de novo alunos, o número de escolas públicas que oferecem
o 3º ciclo do ensino básico e ensino secundário aumentou de 277
em 1972 para 1727 em 2017, período durante o qual investimento
em educação aumentou de 1.3% para 3.7% do PIB. Tal levou a uma
queda da taxa de analfabetismo de 25.7% em 1970 para 5.2% em
2011. Adicionalmente, entre 1998 e 2018, a percentagem da população
entre 15 e 64 anos com formação equivalente ao ensino secundário
aumentou de 10.3% para 21.9% e a percentagem da população com
educação superior aumentou de 6.1% para 18.7%.
Apesar desta relevante evolução, Portugal apresenta uma
distribuição geográfica heterogénea da percentagem de
trabalhadores com formação de ensino secundário e superior. No
sector privado, a média municipal da percentagem de trabalhadores
com o ensino secundário entre 2005 e 2013 é de 21.2%, sendo o
desvio padrão observado de 5.4 p.p. Na mesma linha, a média da
percentagem de trabalhadores no município com educação superior
é de 14.3% para um desvio padrão de 7.02 p.p.
Portugal apresenta ainda uma escolaridade média da sua
população abaixo da referência de outros países europeus, contudo a
evolução portuguesa ao longo do tempo levanta a questão acerca de
como este investimento em educação se tem traduzido não só em
maiores retornos privados de educação mas como foi capaz de criar
spillovers regionais, alavancando o crescimento e produtividade das
empresas locais

80
Capital humano

2. Metodologia

Neste capítulo usamos dados que ligam empregador e empregado


(Quadros de Pessoal), juntamente com informação financeira e con-
tabilística das empresas portuguesas (IES) entre 2005 e 2013, totali-
zando cerca 490.000 estabelecimentos observados ao longo de 9 anos.
Ilustramos na Figura 20. a relação quadrática entre os retornos do
trabalho e do capital em relação à concentração de trabalhadores
com formação de ensino secundário e superior no município. Ob-
servamos uma relação positiva e consistente entre salários horários
e concentração municipal de trabalhadores qualificados, contudo a
relação em termos do retorno do capital é menos acentuada.
Contudo, é provável que esta simples relação esteja enviesada de-
vido a diferentes fatores que a influenciam, tais como variáveis rela-
cionadas com a empresa, a sua localização ou tendências específicas
de uma determinada região. Compilamos então informação acerca
do número de horas trabalhadas por trabalhadores com diferentes
níveis educacionais, bem como os seus respetivos salários, a idade
média dos trabalhadores na empresa, a proporção de mulheres, pro-
porção de trabalhadores em regime efetivo, nível de vendas da em-
presa e o seu valor de stock de capital. Este conjunto de informação
é usado para estimar a seguinte equação:

Yj,r,m,t = βXj,r,m,t + γSm,t + T rendr + ηr + αj + j,m,r,t (9)

Esta especificação considera cada empresa, j, na região ao nível


NUTSIII r, município, m, no período t. Yj,r,m,t é tido como: a) salário
horário médio de um trabalhador sem formação de ensino secundá-
rio; b) logaritmo do salário horário médio de um trabalhador com
formação de ensino secundário; c) logaritmo do salário horário médio
de um trabalhador com formação superior; d) retorno por unidade
de capital. Xj,r,m,t é um conjunto de controlos; Sm,t corresponde ao
nível de concentração municipal de trabalhadores com uma determi-
nada escolaridade; T rendR é uma tendência temporal específica por
região (NUTSIII). ηr e αj controlam para fatores constantes ao longo
do tempo ao nível da região,r e empresa, j. j,m,r,t representa os
fatores residuais. Consideramos dois tipos de concentração de capital
humano, Sc,t : a) Percentagem de trabalhadores com o ensino supe-
rior no município ; b) Percentagem de trabalhadores com formação
equivalente ao ensino secundário, também no município. O impacto
da concentração de capital humano é medido pelo parâmetro γ na
equação acima.
Contudo, importa garantir a correta identificação do efeito não
enviesado da concentração dos trabalhadores mais escolarizados na

81
O Crescimento Económico Português

2.2

2.2
2

2
Ln(salário médio)

ln(salário médio)
1.8

1.8
1.6

1.6
1.4

1.4
10 15 20 25 30 0 10 20 30 40
% de trabalhadores com o ensino secundário % de trabalhadores com ensino superior

(a) Salário horário (média por empresa) (b) Salário horário (média por empresa)

.35
.35
Retorno por unidade de capital

Retorno do capital
.3
.3

.25
.25 .2

.2

10 15 20 25 30 0 10 20 30 40
% de trabalhadores com o ensino secundário % de trabalhadores com ensino superior

(c) Retorno do capital (d) Retorno do capital

Figura 20: Relação quadrática entre salários médios, retorno do fator capital
e concentração de trabalhadores qualificados
Nota: Devido à grande quantidade de observações utilizada, as Figuras ilustram
binscatters, significando que cada ponto não representa uma empresa, mas um bin
que agrega um conjunto de empresas concentrada naquela secção da Figura.

produtividade da empresa. Por exemplo, se as empresas mais pro-


dutivas tendem a se concentrar em regiões urbanas, onde a con-
centração de trabalhadores mais qualificados é maior, então o im-
pacto sobre a produtividade não é necessariamente devido à con-
centração de trabalhadores qualificados, mas devido a características
endógenas da empresa. Por forma a filtrar corretamente o impacto
da concentração de trabalhadores mais qualificados, exploramos o
choque exógeno criado pelo vasto aumento de escolas secundárias
no país. Investigação anterior, nomeadamente (Duflo, 2001) estuda
os impactos a longo-prazo de um vasto programa de construção de
escolas. Combinando informação recolhida nos arquivos do Ministé-
rio da Educação e directamente através de contactos com as escolas,
foi possível recolher as datas de construção das mais de 400 escolas
secundárias públicas no território continental português. Esta infor-
mação é sumariada na Figura 21, que ilustra o número de escolas
secundárias existentes em 1970 e em 2018. É patente que em 1970,
o maior número de escolas secundárias se encontrava em torno dos

82
Capital humano

(15,20] (15,20]
(10,15] (10,15]
(8,10] (8,10]
(6,8] (6,8]
(4,6] (4,6]
(2,4] (2,4]
(1,2] (1,2]
(.7,1] (.7,1]
(.5,.7] (.5,.7]
(.2,.5] (.2,.5]
[0,.2] [0,.2]

(a) Número de escolas por município - (b) Número de escolas por município -
1970 2018

Figura 21: Distribuição municipal de escolas - 1970 e 2018

centros urbanos de Lisboa e Porto. Desde então, não só o número


de escolas secundárias aumentou em torno dos principais centros
urbanos, mas em muitos municípios do interior do país, a primeira
escola secundária foi construída.
Baseado nesta fonte de variação criamos uma variável instrumental,
que mede o número de escolas, que em média, estava disponível
nos diferentes municípios, durante a idade escolar dos trabalhadores.
Desta forma, tentamos recuperar um choque exógeno na variação da
oferta escolar, que nos permite isolar o verdadeiro efeito da concen-
tração de escolaridade nos salários e no retorno do capital. Seguindo
esta abordagem, reportamos os resultados obtidos na Tabela 6. Di-
ferentes resultados são encontrados quando consideremos a concen-
tração municipal de trabalhadores com o ensino secundário ou com
uma formação superior. O aumento de um ponto percentual na
percentagem municipal de trabalhadores com o ensino secundário
aumenta os salários entre 0.2% e 0.9%. Este impacto é visível para
os salários dos trabalhadores com diferentes tipos de qualificações,

83
O Crescimento Económico Português

Escolaridade Escolaridade
Ensino Secundário Ensino Superior
Salários
Sem ensino secundário 0.002*** 0.000***
(0.000) (0.000)
Com ensino secundário 0.007*** 0.002***
(0.000) (0.000)
Formação superior 0.009*** 0.003***
(0.000) (0.000)
Returno do capital 0.017 0.006
(0.062) (0.022)

Tabela 6: Resultados IV acerca da concentração de trabalhadores qualifica-


dos (parâmetro γ)
Notas: Cada estimação de salários é ponderada pelo número de horas trabalhadas
pelos trabalhadores na empresa com o respetivo nível de qualificação. A estimação
do retorno do capital é ponderada pelo stock de capital físico na empresa. Desvios
padrões entre parênteses. * significativo a 10%; ** significativo a 5%; *** significativo
a 1%.

mas em particular para aqueles com o ensino secundário completo ou


com o ensino superior . No caso do aumento de um ponto percentual
na percentagem municipal de trabalhadores com ensino superior, o
impacto sobre os salários tem uma magnitude menor, sendo próximo
de zero para os trabalhadores sem ensino secundário completo e
apresentando um impacto entre 0.2% e 0.3% para os restantes tra-
balhadores. Em relação às estimações sobre o retorno do capital,
o aumento de um ponto percentual na percentagem municipal de
trabalhadores com o ensino secundário ou superior revela-se como
positiva mas não significativa. Contudo quando restringimos os da-
dos, excluindo as empresas com menor e maior nível de retorno
de capital, encontramos um impacto na ordem do aumento de 0.01
euros por unidade de capital por cada ponto percentual adicional na
concentração municipal de trabalhadores qualificados.
Alterações do sistema de educação são uma reforma estrutural
frequentemente apontada para Portugal. Apesar do atraso em relação
aos seus principais parceiros europeus, a evolução nas ultimas dé-
cadas do número de alunos que finalizam uma educação secundária
ou superior é significativa. Espera-se que este investimento gere con-
centração de conhecimento responsável pelo aumento da produtivi-
dade nas diferentes regiões do país. Esta é a questão a que tentámos
responder, usando informação acerca da produtividade do trabalho e

84
Capital humano

capital nas empresas portuguesas, e construindo uma variável que


claramente reflita o investimento que o país fez em educação: o
aumento do número de escolas secundárias ao longo do território.
Concluímos que trabalhadores com diferentes níveis de ensino vêem
os seus salários serem positivamente afetados pela concentração mu-
nicipal de trabalhadores com o ensino secundário. Por sua vez, a con-
centração de trabalhadores com o ensino superior, tem um impacto
menor e concentrado nos trabalhadores com o ensino secundário ou
superior completo. Os efeitos encontrados sobre os níveis de retorno
de capital revelam-se, em geral, como não significativos.Esta dife-
rença no nível de retorno social entre a concentração de trabalhadores
com ensino secundário e superior, espelha que o investimento no
prosseguimento de estudos depois do 12º ano parece produzir um
retorno privado significativamente mais alto do que o retorno social.
Os nossos resultados tentam contribuir para a compreensão das
razões por detrás das diferenças económicas entre regiões, mostrando
que a concentração de trabalhadores qualificados aumenta a produ-
tividade do trabalho da empresa. Tal facto ilustra a necessidade de
uma política regional integrada, tendo em conta as disparidades na
distribuição de qualificações no território.

Referências

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Externalities? Evidence from Compulsory Schooling Laws.”
NBER Macroeconomics Annual, 2000 (15), 9–59.
Ciccone, A. e G. Peri (2006). “Identifying Human-Capital Externali-
ties: Theory with Applications.” Review of Economics and Statistics,
73, 381–412.
Duflo, Esther (2001). “Schooling and Labor Market Consequences
of School Construction in Indonesia: Evidence from an Unusual
Policy Experiment.” American Economic Review, 91(4), 795–813.
Iranzo, S. e G. Peri (2009). “Schooling Externalities, Technology, and
Productivity: Theory and Evidence from U.S. States.” Review of
Economics and Statistics, 91 (2), 420–431.
Lucas, R. (1988). “On the Mechanisms of Economic Development.”
Journal of Monetary Economics, 22, 3–42.
Marshall, Alfred (1890). “Principals of of Economics.” New York:
Macmillan.
Moretti, E. (2004). “Workers’ Education, Spillovers, and Productivity:
Evidence from Plant-Level Production Functions.” American
Economic Review, 94 (3), 656–690.
Sousa, S., M. Portela, e C. Sá (2015). “Education Spillovers in
Portugal.” Working Paper, Universidade do Minho.

85
3.1. Qual é o contributo da dinâmica das empresas
e da mobilidade laboral para a variação dos
salários reais?

Sónia Félix, Pedro Portugal

1. Introdução

A abordagem moderna da economia do trabalho desvendou uma


inesperada turbulência nos fluxos de emprego e de trabalhadores por
detrás da estabilidade no emprego agregado (Blanchard e Diamond,
1992; Davis, Haltiwanger, e Schuh, 1998). Mesmo em mercados de
trabalho esclerosados, como o português, em que os fluxos de em-
prego e de trabalhadores são cerca de um terço dos fluxos nos Es-
tados Unidos, a intensidade destes está bem acima do que se teria
pensado ao observar simplesmente a evolução do emprego agregado
(Blanchard e Portugal, 2001).
A identificação do contributo dos fluxos de emprego e de traba-
lhadores é importante para melhor compreender a dinâmica do cres-
cimento agregado dos salários reais. Nesta linha, a entrada e saída
de empresas no mercado e a entrada e saída de trabalhadores nas
empresas revelam os contributos da restruturação do emprego e da
mobilidade laboral para o crescimento dos salários reais. Adicional-
mente, ao decompor o crescimento dos salários reais em diferentes
componentes, é possível separar a sensibilidade cíclica dos salários
reais associada a novas empresas e novas contratações daquela que
é relativa a empresas estabelecidas e trabalhadores que permanece-
ram na mesma empresa em dois anos seguidos. A presença de con-
tratos implícitos pode impedir as empresas de acomodar plenamente
choques adversos no mercado do produto bem como nas condições
do mercado de trabalho local aquando da fixação dos seus salários.
No entanto, esta restrição não está presente na contratação de novos
trabalhadores, contribuindo para que a ciclicidade dos salários reais
dos trabalhadores recém-contratados seja mais acentuada do que a
dos trabalhadores que permaneceram na mesma empresa em dois
anos seguidos (Carneiro, Guimarães, e Portugal, 2012).
Worker churning, ou seja, a diferença entre fluxos de trabalhadores e
de emprego, pode ser excessiva e ineficiente em mercados de trabalho

89
O Crescimento Económico Português

muito segmentados, como o português, devido à utilização elevada


de contratos com termo certo. Os contratos com termo certo podem
ser usados por diversas razões: para selecionar trabalhadores, aco-
modar choques adversos no mercado do produto, ou evitar o paga-
mento de custos de despedimento (Portugal e Varejão, 2010). Seja
como for, o uso generalizado de contratos com termo certo pode levar
a que os salários de entrada sejam sistematicamente inferiores aos
salários dos trabalhadores que permaneceram na mesma empresa,
acentuando o contributo negativo da mobilidade laboral para o cres-
cimento dos salários reais.

2. Metodologia empírica

Neste ensaio será considerada a decomposição proposta por Foster,


Haltiwanger, e Syverson (2008) que permite quantificar a importância
da restruturação do emprego e da mobilidade dos trabalhadores para
a variação agregada dos salários reais. Em particular, será analisado o
impacto de alterações na composição do emprego e dos trabalhadores
no mercado de trabalho no crescimento dos salários reais.
A análise será realizada em dois passos. No primeiro passo,
quantifica-se o contributo relativo da variação within empresa, da
reafetação entre empresas estabelecidas (between), das entradas e das
saídas de empresas para o crescimento dos salários reais. De
seguida, decompõe-se o crescimento agregado dos salários reais ao
nível do trabalhador considerando o agregado de empresas que
permaneceram no mercado.
A ideia central da decomposição é que o crescimento agregado
dos salários reais (∆Wt ) entre o ano t e o ano s, t = s + 1, pode
ser decomposto em crescimento dos salários dentro da empresa (Wi )
e restruturação do emprego. Esta última resulta de variações nas
quotas de emprego entre empresas que permaneceram no mercado
(Bi ), da entrada de empresas no mercado (Ni ), e da saída de empresas
do mercado (Xi ).
Desta forma, no primeiro passo, a variação dos salários reais pode
ser escrita como:

∆Wt = Wi + Bi + Ci + Ni + Xi (10)

em que i representa a empresa. Nesta decomposição, Wi representa o


crescimento médio ponderado dos salários reais dentro da empresa.
O termo Bi mede um efeito entre empresas e indica alterações nas
quotas de emprego entre empresas que permaneceram no mercado,
ponderado pela taxa de crescimento dos salários reais. Este efeito é

90
Mercado de trabalho

positivo (negativo) se as empresas com um nível real de salários rela-


tivamente elevado aumentaram (diminuíram) as suas quotas de em-
prego. O termo Ni quantifica o contributo das empresas novas para
o crescimento médio dos salários reais. Este contributo é positivo se
o nível real de salários das empresas novas no seu ano de criação é
superior ao nível real de salários das empresas que permaneceram
no mercado. O efeito da saída de empresas do mercado é capturado
pelo termo Xi e é positivo se o nível real de salários das empresas que
saem do mercado é inferior ao nível real dos salários das empresas
que permaneceram no mercado. A magnitude dos efeitos de entrada
e saída de empresas no mercado dependerá das quotas de emprego
das empresas novas e das que saem, respetivamente. O termo Ci é
uma covariância.
No segundo passo, a variação real dos salários (Wi ) nas empresas
que permaneceram no mercado será decomposta ao nível do traba-
lhador para obter os contributos das novas contratações de traba-
lhadores (Nj ), saídas de trabalhadores (Xj ) e dos trabalhadores que
permaneceram na mesma empresa em dois anos seguidos (Wj ). A
decomposição ao nível do trabalhador é dada por:

Wi = Wj + Nj + Xj (11)

em que j representa o trabalhador. Neste passo, as fontes de varia-


ção salarial são a variação within dos salários dos trabalhadores que
permaneceram na empresa, ou seja, daqueles que trabalharam na
mesma empresa em dois anos seguidos (Wj ), os salários das novas
contratações (Nj ), ou seja, daqueles que trabalharam na empresa no
ano t mas não no ano s, e os salários dos trabalhadores que saíram
da empresa (Xj ), ou seja, daqueles que trabalharam na empresa no
ano s mas não no ano t, para cada empresa que permaneceu no mer-
cado. A componente within reflete a taxa de crescimento salarial real
média dos trabalhadores que permaneceram dois anos seguidos em
empresas que permaneceram no mercado, a componente de entrada é
positiva se o nível salarial dos trabalhadores recém-contratados é em
média superior ao dos trabalhadores que permaneceram na empresa
que os contratou, e a componente de saída é positiva se o nível salarial
dos trabalhadores que saíram da empresa é em média inferior ao dos
trabalhadores que permaneceram nas empresas de onde estes saíram.

3. Dados

Este ensaio tem por base a informação microeconómica muito rica ao


nível da empresa-trabalhador do inquérito Quadros de Pessoal (QP).
Esta base de dados foi criada pelo Ministério do Trabalho, da Soli-

91
O Crescimento Económico Português

dariedade e da Segurança Social e consiste num inquérito conduzido


anualmente e dirigido a todos os estabelecimentos com pelo menos
um trabalhador por conta de outrem. A informação está disponível
para o período entre 1982 e 2017 para cada trabalhador, à excepção
de trabalhadores da função pública e empregados domésticos.
A informação detalhada dos QP está disponível ao nível do esta-
belecimento (localização, setor de atividade económica e dimensão),
da empresa (localização, setor de atividade económica, dimensão,
volume de vendas, ano de criação e enquadramento legal), e de cada
um dos seus trabalhadores (género, idade, escolaridade, profissão,
salários – incluindo o salário base, diuturnidades, outras prestações
regulares e irregulares, remuneração de horas extra – número de
horas normais, número de horas extra e antiguidade na empresa).

4. Resultados

4.1. Fluxos de emprego

Na Figura 22 são apresentados os fluxos de emprego no mercado


de trabalho português no período entre 2005 e 2017. Os fluxos de
emprego são decompostos de acordo com a dinâmica de mercado
das empresas e dos trabalhadores. Em particular, na Figura 22 es-
tão representados os contributos das novas empresas, empresas que
saíram do mercado, trabalhadores que permaneceram na empresa em
dois anos seguidos (stayers), entradas e saídas de trabalhadores para
a variação do emprego.
Documentamos dois resultados principais. Em primeiro lugar, a
criação e a destruição de emprego são notórias no período em análise.
Em segundo lugar, a criação e a destruição de emprego parecem estar
positivamente correlacionadas, ou seja, períodos de maior criação de
emprego são também períodos de maior destruição de emprego.

4.2. Fontes de variação de salários

Nesta secção apresentamos os resultados da decomposição do cres-


cimento salarial ao nível da empresa e do trabalhador. As Figuras
23 e 24 representam o contributo da restruturação do emprego e da
mobilidade laboral para a variação salarial agregada, respetivamente,
no período em análise.
A decomposição do crescimento salarial de acordo com a dinâmica
de mercado das empresas é apresentada na Figura 23 e sugere que,

92
Mercado de trabalho

2 500

2 000

1 500

1 000

500

- 500

-1 000
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Entradas Saídas Stayers em empresas que permaneceram no mercado Entradas de trabalhadores Saídas de trabalhadores

Figura 22: Fluxos de emprego (em milhares).

em geral, o crescimento agregado do salário real é inferior ao dos


trabalhadores que permaneceram na mesma empresa em dois anos
seguidos. Significa isto que a restruturação do emprego e a mo-
bilidade laboral têm um impacto negativo no crescimento real dos
salários. A restruturação do emprego tem um papel importante na
variação real dos salários. O contributo das novas empresas para
o crescimento real dos salários é negativo, ou seja, o salário real
médio nas novas empresas é inferior ao das empresas estabelecidas.
Em contraste, o contributo das empresas que saem do mercado é
positivo, sugerindo que o salário real médio das empresas que saem
do mercado é inferior ao das empresas estabelecidas.
Estes resultados são consistentes com um efeito de limpeza “cleans-
ing effect” através do qual os recursos são reafetados a empresas mais
produtivas. A componente between sugere que no período entre 2005
e 2008 as empresas que pagavam salários mais elevados aumentaram
as suas quotas de emprego enquanto o oposto aconteceu entre 2013 e
2016.
Os resultados na Figura 24 sugerem que a mobilidade laboral é
importante para explicar o crescimento salarial em determinada em-
presa (variação within). Os resultados indicam que os trabalhadores
recém-contratados têm em média salários mais baixos do que os tra-
balhadores que permaneceram na empresa, afetando negativamente
a variação salarial agregada. Por outro lado, o efeito das saídas de
trabalhadores é positivo, refletindo o facto dos salários dos traba-
lhadores que saíram serem mais baixos do que os dos trabalhado-
res que permaneceram nas empresas. No geral, o efeito líquido da

93
O Crescimento Económico Português

8%

6%

4%

2%

0%

-2%

-4%

-6%
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Within Between Covariância Entradas Saídas Variação total

Figura 23: Decomposição da variação dos salários reais ao nível da empresa.

8%

6%

4%

2%

0%

-2%

-4%

-6%

-8%
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Stayers Entradas Saídas Variação total

Figura 24: Decomposição da variação dos salários reais ao nível do


trabalhador.

entrada/saída de trabalhadores tem um impacto negativo no cresci-


mento real dos salários.
Um resultado notável é a indicação de que a ciclicidade do cres-
cimento salarial parece estar correlacionada com as dinâmicas no
mercado de trabalho. De acordo com os resultados da decomposição
ao nível da empresa, a componente das entradas é mais afetada pelo

94
Mercado de trabalho

ciclo económico. No agregado, a correlação entre o crescimento mé-


dio dos salários reais e a taxa de desemprego para as empresas que
se mantêm no mercado é de -0,20. Para as empresas que se mantêm
no mercado esta correlação é de -0,31, para as empresas que saem
do mercado é de -0,27 e para as novas empresas esta correlação é de
-0,49. Quando a decomposição é realizada ao nível do trabalhador,
a sensibilidade cíclica do crescimento real dos salários dos trabalha-
dores que permaneceram na mesma empresa em dois anos segui-
dos é a mais elevada (a correlação é de -0,41), a dos trabalhadores
recém-contratados é de -0,26, e a dos trabalhadores que saíram das
empresas é a mais baixa (a correlação é de -0,20).
A análise do papel da mobilidade laboral no crescimento salarial
também sugere que a componente within foi significativamente afe-
tada pela crise económica, enfatizando a ligação entre a ciclicidade
da restruturação do emprego, da mobilidade laboral e do crescimento
dos salários reais.
Em resumo, os resultados revelam as fontes do crescimento salarial
agregado e mostram que alterações na composição do emprego e
dos trabalhadores no mercado de trabalho são importantes fatores
de variação salarial.

5. Em resumo

Neste ensaio mostramos que numa base anual o principal fator de


variação salarial é a variação salarial within empresas estabelecidas
no mercado. A reafetação entre empresas estabelecidas (variação
between) tem um papel reduzido. Uma vez que o salário médio das
empresas que entraram e saíram do mercado é em média inferior
ao salário médio das empresas que permaneceram em atividade, o
contributo da restruturação do emprego é negativo. Por outro lado,
uma vez que o salário médio dos trabalhadores recém-contratados
e dos trabalhadores que saíram das empresas é inferior ao dos tra-
balhadores que permaneceram nas empresas em dois anos seguidos,
o contributo da mobilidade laboral é também negativo. O salário
real agregado é pró-cíclico uma vez que as suas componentes são
também pró-cíclicas. A sensibilidade cíclica dos salários reais dos
trabalhadores contratados por novas empresas é mais acentuada do
que a dos trabalhadores de empresas estabelecidas.

95
O Crescimento Económico Português

Referências

Blanchard, Olivier e Peter Diamond (1992). “The flow approach to


labor markets.” National Bureau of Economic Research.
Blanchard, Olivier e Pedro Portugal (2001). “What hides behind
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Carneiro, Anabela, Paulo Guimarães, e Pedro Portugal (2012).
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firm, and job title heterogeneity.” American Economic Journal:
Macroeconomics, 4(2), 133–52.
Davis, Steven J, John C Haltiwanger, e Scott Schuh (1998). “Job
creation and destruction.” MIT Press Books, 1.
Foster, Lucia, John Haltiwanger, e Chad Syverson (2008). “Realloca-
tion, firm turnover, and efficiency: selection on productivity or
profitability?” American Economic Review, 98(1), 394–425.
Portugal, Pedro e José Varejão (2010). “The Hidden Side of
Temporary Employment: Fixed-term Contracts as a Screening
Device.” Banco de Portugal Working Papers w201029.

96
3.2. De que forma a rigidez à baixa dos salários
afetou o desemprego durante a crise económica?

Fernando Martins, Pedro Portugal

1. Um caso paradigmático de rigidez à baixa dos salários

“Thus, uniquely among the studies we survey, Portugal appears to be the


canonical example of Keynes’s premise that nominal wages cannot be cut. “

Elsby and Solon, Journal of Economic Perspectives

A redução dos salários nominais é ilegal em Portugal. Esta proi-


bição encontra-se plasmada no Artigo 129º do Código do Trabalho.
Este enquadramento legal, que é único entre os países desenvolvidos,
torna Portugal um exemplo conspícuo de rigidez à baixa dos salários
nominais (RBSN).
O conceito de RBSN, um elemento central do chamado desem-
prego keynesiano ou estrutural, foi considerado como pouco rele-
vante durante o período em que as taxas de inflação eram relati-
vamente altas. Na verdade, em regimes de inflação mais alta, as
empresas têm maior margem de manobra para ajustar os salários
reais, sem necessidade de colocar pressão sobre os salários nominais.
Mais recentemente, porém, com taxas de inflação sistematicamente
abaixo de 2% na maioria dos países desenvolvidos, a importância
da RBSN e, consequentemente, da curva de Phillips, ressurgiu muito
vividamente no debate académico (Devicienti et al. (2007), Galí (2011),
Blanchard (2016) e Fallick et al. (2016)). No centro do debate estão as
consequências económicas que surgem da incapacidade de ajustar
os salários reais sempre que a ocorrência de choques económicos
negativos recomende a redução dos salários nominais. A resistência
em aceitar ou propor reduções dos salários nominais pode resultar
de vários fatores, como o impacto sobre motivação dos trabalhadores,
de considerações sobre a sua justiça, dos efeitos psicológicos associa-
dos ou, simplesmente, da existência de proibições legais. Seja como
for, na presença de RBSN, a deslocação para dentro da curva da
procura de trabalho não gera uma redução salarial, levando a um
novo equilíbrio de emprego dado pelo lado curto do mercado (o lado
da procura) e, portanto, com desemprego involuntário.

97
O Crescimento Económico Português

Enquanto a evidência empírica sobre a importância da RBSN é


abundante mas ambígua (Elsby e Solon (2018)), a relação entre a
RBSN e o desemprego é muito mais escassa (Fehr e Goette (2005)).
O caso “canónico” português foi explorado pela primeira vez por
Carneiro et al. (2014), onde se mostra que a frequência elevada de
congelamentos salariais está associada a uma dramática destruição
de emprego. Nunes (2016) estende o modelo estatístico de Fehr e
Goette (2005), usando uma base de dados microeconómica que con-
cilia empresas e trabalhadores, para mostrar a existência de uma forte
relação entre a frequência de congelamento dos salários nominais e
as taxas de inflação e de desemprego. O autor estima que a RBSN
durante a crise económica em Portugal aumentou os custos reais do
trabalho entre 7% e 8%.
No presente exercício, revisitamos os dados atualizados para Por-
tugal para caracterizar a evolução da distribuição das variações dos
salários nominais. Discutiremos igualmente a relação entre a incidên-
cia dos congelamentos dos salários nominais e a severidade do de-
semprego e, por implicação, a natureza da curva de Phillips durante
a crise económica em Portugal e posterior recuperação.

2. A definição dos salários

O mercado de trabalho português é frequentemente considerado


como sendo um caso extremo de rigidez à baixa dos salários (Elsby e
Solon (2018), Behr e Pötter (2010), Holden e Wulfsberg (2008) e
Dickens et al. (2007)). Esta rigidez decorre, acima de tudo, do fato da
legislação do trabalho impedir reduções dos salários nominais - uma
disposição legal introduzida na década de 1950 e que se manteve
inalterada até hoje. Esta restrição é uma idiossincrasia do mercado
de trabalho português, sendo uma das suas principais
singularidades. O Artigo 129º do Código do Trabalho estipula que "é
proibido ao empregador diminuir a retribuição, salvo nos casos
previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação
coletiva de trabalho”. O Artigo 258º esclarece que o conceito de
retribuição compreende a retribuição base e outras prestações
regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro
ou em espécie. Como regra geral, somente podem ser reduzidas as
importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de
viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras
equivalentes, assim como as gratificações ou prestações
extraordinárias concedidas pelo empregador como prémio pelos
bons resultados obtidos pela empresa (Artigo 260º).

98
Mercado de trabalho

Para além desta característica da formação salarial, o mercado de


trabalho português é também fortemente influenciado pelos resul-
tados da contratação coletiva, que é maioritariamente definida ao
nível setorial. Embora os instrumentos de regulamentação coletiva
sejam negociados por sindicatos e representantes dos empregadores,
ambos com baixa representatividade, os seus resultados afetam todo
o setor. De facto, por lei, estes instrumentos apenas são vinculativos
para os trabalhadores que preencham o chamado "princípio da dupla
afiliação" (estejam sindicalizados num dos sindicatos subscritores do
acordo e, simultaneamente, trabalhem numa empresa signatária do
mesmo acordo ou se encontre representada por alguma das asso-
ciações patronais envolvidas) eles têm sido tradicionalmente alarga-
dos pelo Ministério do Emprego a todas as empresas de cada sector
através de portarias de extensão. Tipicamente, estes instrumentos
estabelecem patamares mínimos de retribuição para as diferentes ca-
tegorias e níveis profissionais que são aplicáveis a todas as empresas
de um dado setor, pelo que a extensão do seu âmbito é equivalente à
fixação de um conjunto de salários mínimos totalmente vinculativos.
Estas extensões, que também ajudam a explicar a grande diferença
entre a taxa de sindicalização e o grau de cobertura dos instrumen-
tos de regulamentação coletiva, tendem a promover o nivelamento
das condições de trabalho, pois exigem que todas as empresas de
um setor, independentemente da sua situação específica, tenham que
aplicar o mesmo conjunto de padrões mínimos negociados por um
subconjunto de empresas e trabalhadores desse setor com baixa re-
presentatividade. Uma vez em vigor a portaria de extensão, as empre-
sas e trabalhadores envolvidos devem seguir os termos e condições
do acordo subjacente, incluindo a possibilidade de pagamento de
salários mais elevados.13
Finalmente, subjacente ao processo de negociação coletiva
encontra-se um salário mínimo nacional com caráter mandatório e
que é a base para as negociações salariais para todos os
trabalhadores da economia.14 A existência de um salário mínimo
nacional com caráter mandatório, a fixação de níveis mínimos de
retribuição em sede de contratação coletiva cujo âmbito é
sistematicamente alargado através de portarias extensão e a
proibição legal de efetuar reduções nos salários nominais criam uma
situação de extrema rigidez à baixa dos salários em Portugal.

13 Para piorar a situação, quando a portaria de extensão é aprovada, as disposições


salariais têm habitualmente aplicação retroativa, obrigando as empresas a pagar os
montantes em atraso.
14 O salário mínimo para trabalhadores formalmente classificados como aprendizes é
igual a 80% do salário mínimo nacional.

99
O Crescimento Económico Português

3. Base de dados

A análise empírica apresentada neste exercício é baseada na infor-


mação obtida a partir dos Quadros de Pessoal do Ministério do Tra-
balho para o período entre 2004 e 2017. Trata-se de uma base de
dados longitudinal com informação ao nível do trabalhador e da em-
presa construída com base num inquérito anual obrigatório dirigido
a todas as empresas portuguesas que tenham trabalhadores assala-
riados. Sendo de caráter obrigatório, a informação não padece dos
habituais enviesamentos de não resposta frequentemente associados
aos inquéritos às empresas e às famílias.
Uma das características da base de dados que a torna singular é a
riqueza da sua informação, dado que inclui características sobre os
estabelecimentos (identificador do estabelecimento, localização, setor
e número de trabalhadores), sobre as empresas (identificador da em-
presa, localização, setor, forma legal, propriedade, ano de fundação,
número de trabalhadores, volume de vendas e capital) e sobre os
trabalhadores (identificador da segurança social, género, idade, esco-
laridade, ocupação, situação profissional, categoria profissional, anti-
guidade, salário, horas normais e horas extras e o tempo decorrido
desde a última promoção).
Algumas restrições foram impostas. As principais foram a exclusão
dos indivíduos que não se encontravam a trabalhar em tempo inte-
gral, que tinham menos de 16 anos e mais de 65 anos, e que tinham
um salário nominal menor do que o salário mínimo nacional em cada
ano. As variações salariais são calculadas apenas para os trabalhado-
res que permaneceram empregados em pelo menos dois anos conse-
cutivos. Indivíduos empregados na agricultura, caça, silvicultura e
pesca foram igualmente excluídos.

4. A distribuição salarial

A Figura 25 ilustra a distribuição salarial em Portugal em 2017.15 É


notória uma elevada percentagem de trabalhadores com remuneração
igual ao salário mínimo nacional. O salário mínimo nacional foi
mantido congelado entre 2011 e 2014, mas aumentou acentuadamente
desde então. Entre 2014 e 2019, o aumento foi de 24%. De acordo
com o Relatório de Acompanhamento do Acordo sobre a Retribuição

15 A análise salarial apresentada neste exercício tem como referência a evolução do


salário base. Ao contrário do salário total, o salário base é menos sensível a
alterações nas horas trabalhadas, tipicamente mais voláteis, na medida em que não
é afetado por alterações no trabalho suplementar, pagamentos por turnos ou outros
pagamentos que dependam do número de dias úteis em cada mês.

100
Mercado de trabalho

10 15 20 25 30 35 40
Percentagem
5
0

500 1000 1500 2000 2500


Salário base

Salário base Salário mínimo


Salário médio Salário mediano

Figura 25: Distribuição dos salários base em Portugal em 2017


Nota: Setor privado excluindo agricultura, caça, pescas e produção florestal.

Mínima Mensal Garantida divulgado pelo Ministério do Trabalho e


tendo por base a informação dos registos da Segurança Social, em
junho de 2018, a percentagem de trabalhadores que auferiam o salário
mínimo nacional era de 22% (40% para os novos contratados), o que
compara com uma percentagem de 13% quatro anos antes. A Figura
1 também mostra que a diferença entre a mediana da distribuição
salarial e o salário mínimo é reduzida. Tal sugere que o salário
mínimo tem vindo a ganhar uma importância acrescida na estrutura
dos salários em Portugal e os seus aumentos estão a tornar-se cada
vez mais vinculativos para as empresas.

5. Congelamentos salariais

O nível de rigidez salarial à baixa observado em Portugal pode ser


particularmente prejudicial num cenário recessivo e com baixa
inflação: se as empresas não conseguirem adaptar-se às condições
económicas mais adversas baixando os salários (reais), o único canal
de ajustamento que resta será a redução do emprego ou, no limite, o
encerramento.16 De facto, foi este fenómeno que foi observado
durante a recente crise: um grande número de trabalhadores viu os
seus salários serem congelados, o que num cenário de baixa inflação

16 Dias et al. (2013) mostram que, quando questionadas sobre a forma como reduziram
os custos do trabalho durante a crise económica, 72% das empresas portuguesas
afirmaram que diminuíram o número de trabalhadores, tendo esta sido a principal
estratégia seguida.

101
O Crescimento Económico Português

Figura 26: A distribuição do crescimento dos salários base em Portugal em


2012
Nota: A linha vertical diz respeito à taxa de inflação em 2012.

significou que os salários reais apenas sofreram pequenos


ajustamentos, tornando inevitáveis as reduções significativas
registadas pelo emprego (Carneiro et al. (2014)).
A Figura 26 revela que, apesar da gravidade da crise, o salário
base nominal da grande maioria dos trabalhadores que mantiveram
o emprego não diminuiu. Como vimos, tais reduções seriam ilegais.
Dada essa restrição17 , as empresas tinham a opção de congelar os
salários base na esperança de que a inflação, apesar de baixa, per-
mitisse alguma redução dos salários reais. Esta foi, de facto, uma
estratégia muito comum utilizada pelas empresas em Portugal du-
rante a crise. A Figura 26 mostra que 75% dos trabalhadores tiveram
o seu salário base congelado em 2012. Apesar da recente diminuição,
a percentagem de salários base congelados em Portugal anualmente
é consideravelmente maior do que a observada em países como o
Reino Unido ou os Estados Unidos (Elsby et al. (2016)).18 Isto indicia
17 Em 2012, a percentagem de trabalhadores do setor privado cujo salário base foi
reduzido ter-se-á situado em cerca de 3%, um valor que reflete possíveis erros
de medida mas também a redução de salários acordada entre a administração e
os trabalhadores de uma importante instituição financeira. Se considerássemos
um conceito de remuneração mais alargado, englobando por exemplo bónus
e outros pagamentos monetários ligados ao desempenho, a percentagem de
trabalhadores com redução de salário ter-se-ia situado em 21%. Importa referir que
as componentes remuneratórias além do salário base têm um peso relativamente
reduzido em Portugal, particularmente nas empresas de menor dimensão.
18 A percentagem de congelamentos salariais pode estar envieasada pelos aumentos
significativos observados no salário mínimo nacional desde 2014. Se excluirmos este
efeito, a percentagem de salários base congelados é superior.

102
Mercado de trabalho

a existência de um grau substancial de rigidez dos salários nominais


no mercado de trabalho português.

6. Os congelamentos salariais têm efeitos reais?

A frequência de congelamentos salariais é muitas vezes usada como


uma proxy da relevância da RBSN. Enquanto que para valores baixos
da incidência de congelamentos salariais podemos argumentar que
tal poderá refletir em parte o efeito dos chamados custos de menu e
não tanto a rigidez salarial, para a dimensão dos valores que apresen-
támos não parece haver dúvidas que a proporção de congelamentos
salariais refletirá em larga medida a RBSN. No entanto, a rigidez
salarial, por si só, pode não ter impactos reais na economia se as
empresas ajustarem as variações salariais futuras de modo a com-
pensar o aumento dos custos reais do trabalho associados à inca-
pacidade de reduzir os salários nominais. Neste caso, a RBSN não
estaria associada a um aumento do desemprego. A Figura 27 sugere
claramente que este não é o caso. Entre 2004 e 2017, a incidência de
congelamentos salariais e a taxa de desemprego tiveram movimentos
que coincidiram fortemente, sugerindo que a presença de RBSN pode
ter gerado um aumento do desemprego. A evidência ao nível da
empresa apresentada por Carneiro et al. (2014) mostra que a incidên-
cia de congelamentos dos salários nominais está associada a taxas
de contratação mais baixas e a taxas de mortalidade das empresas
superiores. Em suma, a evidência apresentada na Figura 27 sugere
a presença do chamado desemprego keynesiano, em particular em
períodos recessivos com baixa inflação.

7. O ressurgimento da curva de Phillips

A elevada proporção de congelamentos salariais sugere que as varia-


ções dos salários observadas ao nível agregado são em grande me-
dida determinadas pela percentagem de salários com variação nula.
De facto, a correlação linear entre as variações agregadas do salário
nominal (para os trabalhadores que permanecem na mesma empresa
durante pelo menos dois anos consecutivos) e a incidência de conge-
lamentos salariais é de -0,97. De forma não surpreendente, quando
fazemos a representação gráfica das variações dos salários nominais
em relação à taxa de desemprego, observamos uma relação bastante
significativa (Figura 28). A curva de Phillips que daqui resulta corres-
ponde fielmente à versão estilizada habitualmente apresentada na li-
teratura, onde a inflação salarial (e não a variação da inflação salarial)
é contrastada com a taxa de desemprego. Este resultado é consistente

103
O Crescimento Económico Português

80
2012

Percentagem de salários base congelados
2013

70

2015
60
2014

50
2011

2016
40
2010
2017 2009

30 2004 2005
2006
2007
2008
20
8 10 12 14 16 18
Taxa de desemprego (percentagem da população ativa)

Figura 27: Percentagem de congelamentos do salário base e taxa de


desemprego em Portugal (2004-2017)

5
Taxa de crescimento do salário base (percentagem)

2008

4 2007
2004
2005
2009
2006
3 2017

2016 2010

2 2014
2015
2011

1 2013 2012

0
8 10 12 14 16 18
Taxa de desemprego (percentagem da população ativa)

Figura 28: Taxa de crescimento do salário base e taxa de desemprego em


Portugal (2004-2017)

com a indicação de que a curva de Phillips observada para os Estados


Unidos está viva e recomenda-se (Blanchard (2016)), sugerindo o
ressurgimento do típico trade-off entre o desemprego e a inflação,
nomeadamente a noção de que a inflação pode ser um importante “lu-
brificador" dos ajustamentos no mercado de trabalho (Schmitt-Grohé
e Uribe, 2013).

104
Mercado de trabalho

8. Quando a RBSN morde

O problema dos ajustamentos contemporâneos dos salários foi


ilustrado graficamente. No pico da recessão, a distribuição das
variações salariais apresentou uma dramática concentração de
variações iguais a zero. Como a taxa de inflação era muito baixa, a
margem para reduzir os salários reais sem implicar reduções nos
salários nominais era bastante limitada. Nestas circunstâncias, uma
percentagem muito grande de trabalhadores tiveram os seus salários
nominais congelados, numa dimensão sem paralelo em outras
economias desenvolvidas. Enquanto isso, a taxa de desemprego
aumentou para níveis sem precedentes, levantando-se a
possibilidade de que a RBSN possa ter efeitos reais. Nesse sentido,
mostrámos que o nível extremo de RBSN contribui para que se
observe no mercado de trabalho português uma relação do tipo
curva de Phillips. Em suma, a crise económica em Portugal foi um
período em que a rigidez à baixa dos salários nominais, cujos efeitos
tinham sido relativamente incipientes até então, se tornou
verdadeiramente prejudicial, com as consequências a
manifestarem-se na sua plenitude apenas posteriormente. Essas
consequências incluíram uma dramática destruição de emprego, um
forte aumento do desemprego, a emergência da chamada deflação
salarial reprimida ("pent-up wage deflation") e uma crise nas relações
laborais.

Referências

Behr, Andreas e Ulrich Pötter (2010). “Downward Wage Rigidity


in Europe: A New Flexible Parametric Approach and Empirical
Results.” German Economic Review, 11, 169–187.
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American Economic Review, 106(5), 31–34.
Carneiro, Anabela, Pedro Portugal, e José Varejão (2014). “Catas-
trophic job Destruction during the Portuguese Economic Crisis.”
Journal of Macroeconomics, 39(PB), 444–457.
Devicienti, Francesco, Agata Maida, e Paolo Sestito (2007).
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Implications.” Economic Journal, 117(524), 530–552.
Dias, Daniel A., Carlos Robalo Marques, e Fernando Martins (2013).
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Evidence from survey data.” Labour Economics, 23(C), 40–49.
Dickens, William T., Lorenz Goette, Erica L. Groshen, Steinar
Holden, Julian Messina, Mark E. Schweitzer, Jarkko Turunen, e
Melanie E. Ward (2007). “How Wages Change: Micro Evidence
from the International Wage Flexibility Project.” Journal of
Economic Perspectives, 21(2), 195–214.

105
O Crescimento Económico Português

Elsby, Michael W. e Gary Solon (2018). “How Prevalent Is


Downward Rigidity in Nominal Wages? International Evidence
from Payroll Records and Pay Slips.” NBER Working Papers
25393, National Bureau of Economic Research, Inc.
Elsby, Michael W. L., Donggyun Shin, e Gary Solon (2016). “Wage
Adjustment in the Great Recession and Other Downturns:
Evidence from the United States and Great Britain.” Journal of
Labor Economics, 34(S1), 249–291.
Fallick, Bruce C., Michael Lettau, e William L. Wascher (2016).
“Downward Nominal Wage Rigidity in the United States
During and After the Great Recession.” Finance and Economics
Discussion Series 2016-1, Board of Governors of the Federal
Reserve System (US).
Fehr, Ernst e Lorenz Goette (2005). “Robustness and real conse-
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52(4), 779–804.
Galí, Jordi (2011). “The Return Of The Wage Phillips Curve.” Journal
of the European Economic Association, 9(3), 436–461.
Holden, Steinar e Fredrik Wulfsberg (2008). “Downward Nominal
Wage Rigidity in the OECD.” The B.E. Journal of Macroeconomics,
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Nunes, André (2016). “Wage Adjustments under Extreme Down-
ward Nominal Wage Rigidity.” Master thesis, Nova Scholl of
Business and Economics).
Schmitt-Grohé, Stephanie e Martin Uribe (2013). “Downward
Nominal Wage Rigidity and the Case for Temporary Inflation
in the Eurozone.” Journal of Economic Perspectives, 27(3), 193–212.

106
3.3. Quais as implicações da reforma das
indemnizações por despedimento em Portugal?

Fernando Martins

1. Motivação

As reformas operadas no mercado de trabalho português entre 2011


e 2014 foram inquestionavelmente abrangentes e profundas, tendo
sido um elemento central do Programa de Ajustamento Económico e
Financeiro acordado entre Portugal e a Troika em maio de 2011. Este
pacote de reformas do mercado de trabalho é considerado como um
dos mais profundos levados a cabo nos países da União Europeia
nos útimos anos. Apesar de algumas das medidas e reformas iniciais
terem sido entretanto revertidas existe um entendimento geral de que
o mercado de trabalho em Portugal está atualmente mais flexível do
que antes de 2011.
Antes das reformas, Portugal era considerado como um caso ex-
tremo entre os países da OCDE relativamente ao grau de rigidez da
legislação de proteção do emprego dos trabalhadores com contratos
sem termo. Tal refletia inter alia o elevado valor das indemnizações
por despedimento e uma definição muito restritiva de despedimento
com justa causa, o que tornava particularmente difícil às empresas
despedirem trabalhadores com contratos sem termo. Para além disso,
o mercado de trabalho em Portugal era igualmente caraterizado por
um hiato significativo entre a legislação de proteção do emprego
aplicável aos contratos sem termo e a aplicável aos contratos com
termo, contribuindo para a segmentação no mercado de trabalho. Do
ponto de vista dos trabalhadores, esta segmentação reduz o incentivo
para estes investirem em formação especificamente orientada para as
suas funções profissionais, para além de aumentar a desmotivação;
do ponto de vista das empresas, tal aumenta a rotatividade dos tra-
balhadores e os custos de recrutamento, para além de afetar negati-
vamente a produtividade.
A legislação de proteção do emprego (LPE) diz respeito ao con-
junto de legislação que regula a contratação e o despedimento de
trabalhadores. Tipicamente, a LPE procura encontrar um equilíbrio
entre, por um lado, a necessidade de flexibilidade que permita às

107
O Crescimento Económico Português

empresas ajustarem o nível e a composição da sua força de trabalho


de acordo com as alterações tecnológicas e as condições da procura e,
por outro lado, a proteção contra aos custos que estão frequentemente
associados ao despedimento de trabalhadores. Estes custos dizem
respeito tanto aos trabalhadores (redução de rendimento e possível
obsolescência das suas capacidades técnicas específicas) como à so-
ciedade na sua globalidade (pagamento de subsídios de desemprego
ou financiamento de políticas ativas de emprego e apoio à procura
de emprego). A LPE fornece um mecanismo que assegura que as
empresas internalisam pelo menos uma parte destes custos ao mesmo
tempo que evita uma rotatividade excessiva e ineficiente dos trabalha-
dores. No entanto, a LPE pode ser prejudicial para a produtividade
se impuser constrangimentos excessivos aos fluxos no mercado de
trabalho, com impacto negativo sobre a afectação eficiente dos traba-
lhadores aos postos de trabalho em que podem ser mais produtivos.

2. A reforma da legislação de proteção do emprego

As reformas levadas a cabo em Portugal permitiram que a legislação


de proteção do emprego relativa aos contratos sem termo se
aproximasse da média da OCDE. Entre 2008 e 2013, Portugal
registou a maior queda do índice LPE da OCDE que mede o grau de
restritividade da proteção do emprego relativa aos despedimentos
individuais e coletivos (Figura 29). Um dos aspetos centrais entre as
alterações operadas na legislação portuguesa foi a redução do valor
das indemnizações por despedimento, a introdução de um novo
motivo para efetuar despedimentos individuais (inadaptabilidade
mesmo sem alteração das caraterísticas do posto de trabalho) e o
novo critério baseado no desempenho para despedir um trabalhador
em caso de extinção do posto de trabalho, em oposição ao anterior
critério assente na antiguidade dos trabalhadores. Estas reformas
ajudaram a reduzir o grau de proteção do emprego nos
trabalhadores com contrato sem termo em Portugal e, deste modo,
reduzir o hiato legislativo face aos trabalhadores com contrato com
termo.
É interessante verificar que as reformas no mercado de trabalho
mais emblemáticas e resilientes foram tomadas no domínio dos
custos de despedimento. A evidência obtida em alguns inquéritos
mostra que estas são as medidas que as empresas consideram ter
maior impacto na economia mas também a área onde reformas
adicionais são consideradas urgentes. As indicações preliminares
sugerem que as recentes alterações na LPE estarão a encorajar a
procura de trabalho por indivíduos empregados - um indicador
avançado das transições entre empregos (Orsini e Nuñez (2014)) e a

108
Mercado de trabalho

4,5

4,0

3,5

3,0

2,5
Escala 0‐6
2,0

1,5

1,0

0,5

0,0
EE

DE
AT

CZ
DK

LU

PT

UK
FR

EL
HU

PL

ES

US
BE

IE
FI

IT

SI

SE

OCDE
NL

SK
2013 2008

Figura 29: Índice LPE da OCDE relativo à restritividade dos despedimentos


individuais e coletivos.
Fonte: OCDE.

ter um impacto positivo nas taxas de contratação das empresas. O


impacto nas taxas de separação estará eventualmente a ser mitigado
pela existência de cláusulas que tornam estas alterações apenas
aplicáveis aos novos contratos.
Apesar das alterações ao Código do trabalho em Portugal terem
sido relativamente extensas, a redução significativa nas indemniza-
ções por despedimento, em particular nos contratos sem termo, de-
verá ser aquela reforma que produzirá resultados mais notórios, pelo
menos no curto prazo. Do ponto de vista das empresas, é esperado
que as indemnizações por despedimento mais reduzidas contribuam
para aumentar as taxas de contratação e de despedimento; do ponto
de vista dos trabalhadores, é esperado que aumente a procura de
emprego nos individuos empregados e as transições entre empregos.
Esta secção discute as possíveis implicações desta reforma particular
e partilha alguma evidência preliminar sobre o seu impacto no mer-
cado de trabalho português.

109
O Crescimento Económico Português

3. A reforma das indemnizações por despedimento em Portugal

No início da atual década, as indemnizações por despedimento em


Portugal aplicadas aos contratos sem termo apresentavam um dos
níveis mais elevados entre os países da OCDE. Perante uma situa-
ção de despedimento, todos os trabalhadores independentemente da
respetiva antiguidade tinham direito a receber uma indemnização
mínima equivalente a três meses de salário, sem qualquer limite su-
perior. As indemnizações por despedimento eram menores para os
contratos com termo em relação aos contratos sem termo. Este sis-
tema funcionava com um desincentivo à contratação de trabalhadores
com contrato sem termo e contribuía para impedir uma afetação
eficiente dos trabalhadores. Tal devia-se não só aos elevados custos
de despedimento para as empresas mas também porque o montante
das indemnizações criava um menor incentivo à procura de novas
oportunidades de trabalho por parte dos trabalhadores, mesmo se
estas se revelassem mais adequadas face às suas competências.
Neste contexto, é interessante observar que, de acordo com um
inquérito conduzido em 2014 pelo Banco de Portugal no âmbito da
sua participação na Wage Dynamics Network (WDN),19 o valor elevado
dos custos de despedimento foi referido como a segunda principal
razão que leva as empresas a manifestarem relutância em contratarem
trabalhadores com contrato sem termo (Figure 30). As respostas
tiveram o período 2010-2013 como referência.
Entre 2011 e 2013, o montante das indemnizações por despedi-
mento foi reduzido do equivalente a 30 dias de salário base acrescidos
de eventuais diuturnidades para o equivalente a 12 dias de salário
base por cada ano de antiguidade. Adicionalmente, foi eliminada
a obrigatoriedade de pagamento de um valor mínimo equivalente
a três meses de salário base e introduzido um limite superior ao
valor a ser pago em caso de despedimento.20 As indemnizações por
despedimento relativas aos contratos com termo foram igualmente

19 A Wage Dynamics Network (WDN) é uma rede de investigação criada em 2006


no âmbito do Eurosistema e reativada em 2013 com o principal objetivo de
avaliar os ajustamentos no mercado de trabalho. Nesta terceira vaga da WDN,
os 25 bancos centrais participantes conduziram um inquérito sobre as práticas de
definição salarial que atualiza os dois inquéritos anteriores realizados em 2007
e 2009. A principal motivação para este novo inquérito foi o de aprofundar o
conhecimento sobre a forma como as empresas responderam ao último período
recessivo (2011-2013) e em que medida estas respostas dependeram do que sucedeu
entre 2007 e 2009 e se foram influenciadas pelas reformas estruturais entretanto
implementadas. Os principais resultados para Portugal, assim como os detalhes
sobre o inquérito podem ser encontrados em Martins (2015).
20 Foi fixado um limite superior equivalente a 20 vezes o salário mínimo nacional para o
salário de referência a ser usado na definição do montante da indemnização (salário
base acrescido de diuturnidades), ao mesmo tempo que foi estabelecido que o valor

110
Mercado de trabalho

Acesso a
 financiamento

Falta de
qualificações

Nível dos
salários

Custos de
contratação

Custo das
matérias‐primas

Legislação
do trabalho

Custos de
despedimento

Impostos sobre
o trabalho
0,00 0,20 0,40 0,60 0,80
proporção entre 0 e 1

Figura 30: Principais obstáculos à contratação de trabalhadores com con-


trato sem termo (proporção de empresas que considera cada
opção como relevante ou muito relevante)

reduzidas, embora em menor extensão.21 Ainda assim, o montante


das indemnizações por despedimento nos contratos com termo per-
manece inferior ao dos contratos sem termo.
Uma caraterística importante da nova legislação sobre as indem-
nizações por despedimento é a de que as novas regras apenas se
aplicam aos novos contratos. No curto prazo, tal implica que os
contratos assinados antes de 2011 não são abrangidos pelas novas
regras. Existe evidência na literatura (veja-se, por exemplo, von Below
e Thoursie (2010)) de que as alterações na legislação de proteção do
emprego podem levar a uma redução do emprego no curto prazo,
na medida em que o seu impacto é primeiramente concentrado nas
separações e só depois nas contratações. Uma forma de evitar uma
redução excessiva do emprego no curto prazo é através da introdução
de cláusulas que façam aplicar as alterações na legislação apenas aos
novos contratos (grandfathering clauses). O aspeto menos positivo é

da indemnização não poderá exceder em 12 vezes este salário de referência, ou seja,


240 vezes o salário mínimo nacional mensal.
21 Foram reduzidas de três dias por mês de antiguidade nos contratos com duração
igual ou inferior a seis meses e de dois dias por mês de antiguidade nos contratos
com duração superior a seis meses para 18 dias por cada ano de antiguidade
acrescido de 12 dias por ano de antiguidade nos contratos com duração superior
a três anos.

111
O Crescimento Económico Português

o de que os potenciais benefícios das reformas podem demorar um


tempo considerável até serem observáveis. Obviamente, tal apenas se
aplica aos contratos sem termo, na medida em que nos contratos com
termo, devido à sua menor duração, as novas regras encontram-se
inteiramente em vigor.

4. Evidência preliminar sobre o impacto da redução das indemni-


zações por despedimento

Avaliar o impacto de cada uma das reformas do mercado de trabalho


está longe de ser uma tarefa fácil. Em primeiro lugar, porque foram
introduzidas ao longo de um período de 4 anos, o que dificulta a iden-
tificação de uma data que trace claramente a linha entre o período
anterior e posterior às reformas. Em segundo lugar, porque foram
combinadas com outras reformas, que também podem ter afetado
o mercado de trabalho. Em terceiro lugar, porque ainda decorreu
pouco tempo desde que as reformas foram implementadas, o que
pode tornar prematura uma avaliação conclusiva. Finalmente, porque
o período após 2013 se caracterizou por uma melhoria considerável
das taxas de emprego e de desemprego, que foi melhor do que o espe-
rado dado o ritmo de recuperação. Portanto, devemos ser cautelosos
ao estabelecer qualquer tipo de causalidade entre as reformas e o
desempenho do mercado de trabalho, em particular porque não é
fácil separar o impacto das reformas do efeito cíclico da economia.
Para obter uma indicação preliminar sobre a perceção das empresas
acerca do impacto das reformas do mercado de trabalho, o inquérito
da WDN pediu às empresas portuguesas para compararem a facili-
dade em tomar um conjunto de decisões em 2014 relativamente ao
que sucedia antes de 2011. Mais especificamente, as empresas foram
questionadas sobre se consideravam mais fácil ou mais difícil: i)
despedir trabalhadores, coletivamente, individualmente, temporaria-
mente ou por razões disciplinares; ii) ajustar o horário de trabalho;
iii) recrutar novos trabalhadores; ou iv) deslocar trabalhadores para
outras posições ou locais. Excetuando a capacidade de mobilidade
geográfica e os despedimentos por razões disciplinares, uma fração
não negligenciável de empresas respondeu que a sua capacidade de
realizar estas ações se tornou mais fácil ou muito mais fácil (Figura
31). Em particular, 32% das empresas afirmaram que a possibilidade
de realizar despedimentos individuais se tornou mais fácil ou muito
mais fácil do que antes das reformas. É verdade que os números
não são esmagadores, mas, em qualquer caso, são em geral mais
altos do que os obtidos em outros países da Europa mediterrânea
que também implementaram reformas abrangentes no mercado de
trabalho (Izquierdo et al. (2017)).

112
Mercado de trabalho

Mobilidade
funcional

Mobilidade
geográfica

Ajustamento de
horários

Recrutamento de
novos trabalhadores

Despedimentos
temporários

Despedimentos
disciplinares

Despedimentos
individuais

Despedimentos
coletivos
0,00 0,10 0,20 0,30 0,40
proporção entre 0 e 1

Figura 31: Proporção de empresas que considera cada ação mais fácil ou
muito mais fácil em 2014 face a 2010

Estes resultados são amplamente consistentes com os obtidos num


inquérito semelhante conduzido pelo FMI em 2015 (IMF (2016). Este
inquérito abrangeu não apenas as reformas no mercado de trabalho
mas também as reformas em outras três áreas que foram objeto de
alterações entre 2011 e 2014 (mercado do produto, setor público e se-
tor financeiro). Aos entrevistados foi solicitado que indicassem a sua
perceção acerca do impacto de um conjunto reformas sobre as perspe-
tivas de competitividade e crescimento das suas empresas, bem como
a importância que atribuíam a algumas medidas adicionais em cada
área de reforma. No caso das reformas do mercado de trabalho, a
lista incluía o aumento do horário de trabalho, a flexibilidade dos
horários de trabalho, as alterações na negociação coletiva, a redução
dos custos de contratação e despedimento e a maior eficácia das
políticas ativas de emprego e dos centros de emprego. Em geral,
as reformas do mercado de trabalho tiveram melhor avaliação do
que outras áreas de reforma, embora os resultados em muitos casos
não tenham sido significativos. No entanto, as reformas que foram
avaliadas como tendo o maior impacto positivo nas empresas foram o
aumento da flexibilidade dos horários de trabalho e as mudanças nos
custos de contratação e despedimento, que incluíam a nova legislação
sobre despedimentos e a redução das indemnizações por despedi-

113
O Crescimento Económico Português

mento. Estas foram particularmente importantes para as empresas


exportadoras e nas PME.
No entanto, os inquéritos do FMI e da WDN não distinguem o
impacto da redução das indemnizações por despedimento de outras
alterações nos custos de despedimento. Num exercício preliminar, a
OCDE (OECD (2017)) estima o impacto das reduções das indemniza-
ções por despedimento sobre a probabilidade de procura de emprego
por parte de indivíduos empregados, bem como na probabilidade
das empresas contratarem e despedirem. A análise baseia-se na in-
formação recolhida no Inquérito ao Emprego (IE) e nos Quadros de
Pessoal (QP) do Ministério do Ministério do trabalho, Solidariedade e
Segurança Social. Os resultados sugerem que a redução das indemni-
zações por despedimento aumentou a procura de um novo emprego
por indivíduos empregados, assim como as taxas de contratação das
empresas. Em particular, com base nos dados trimestrais do IE, o
exercício estima que uma redução de 1 ponto percentual (p.p.) nas
indemnizações por despedimento aumenta a procura de emprego
em 0,075 pp e a taxa de contratação em 0,13 pp.22 Estes impactos
são estimados usando modelos de regressão ao nível da empresa,
onde a variável dependente - uma variável dummy que indica se um
trabalhador está à procura de um novo emprego ou, no caso das
empresas, se estas fizeram alguma contratação ou separação - é regre-
dida sobre a diferença média entre os montantes das indemnizações
por despedimento antes e após a reforma e sobre outras variáveis que
caracterizam o trabalhador e a empresa.
Os resultados baseados em dados anuais dos QP também revelam
um impacto positivo da redução do valor das indeminizações por des-
pedimento sobre as taxas de separação, embora consideravelmente
menor do que o impacto nas taxas de contratação. Em particular,
os resultados sugerem que uma redução de 1 p.p. no valor das
indemnizações aumenta a taxa de separação em 0,04 p.p. e a taxa
de contratação em 0,29 p.p.23 Mesmo que estes sejam coeficientes
relativamente pequenos, é importante mencionar que a diferença es-
timada entre os montantes das indemnizações no anterior sistema
e o montante efetivo atual é de 5,6% (considerando que as novas
regras só se aplicam aos novos contratos), enquanto a diferença entre
os montantes médios das indemnizações no anterior sistema e os
montantes médios quando as regras se aplicarem a todos os contratos
em vigor será de 25,6%.

22 A percentagem média de trabalhadores que procura emprego em cada trimestre é


de 6,6% enquanto a taxa média de contratação por trimestre é de 3,8%.
23 De acordo com os dados dos QP, em média ocorrem 14,2% de separações por ano e
16.2% de novas contratações.

114
Mercado de trabalho

5. Considerações finais

Apesar dos progressos consideráveis nos últimos anos, Portugal con-


tinua a ser o país da OCDE com a legislação mais restritiva relativa-
mente ao despedimento individual de trabalhadores com contratos
sem termo. Embora as reformas tenham diminuído o fosso legislativo
entre contratos sem termo e com termo, a dualidade continua a ser
evidente e a segmentação do mercado de trabalho deverá continuar
a ser uma característica distintiva do mercado de trabalho português.
Isso acontece porque existe um conjunto de incentivos à contratação
de trabalhadores com contrato com termo que não sofreu qualquer
alteração. Despedir um trabalhador com contrato sem termo implica
mais do que apenas pagar uma indemnização, uma vez que envolve
igualmente custos processuais consideráveis. De acordo com Centeno
e Álvaro Novo (2012), estes custos representam mesmo a principal
diferença em relação aos contratos com termo. Estes procedimentos
administrativos podem estender substancialmente a duração dos pro-
cessos de despedimento, pelo que em muitas ocasiões é provável que
as empresas mantenham a preferência em contratar trabalhadores
com contratos com termo. A este respeito, é ilustrativo observar que,
apesar do desempenho notável do mercado de trabalho português
nos últimos anos, a percentagem de contratos com termo no emprego
total por conta de outrem permanece bastante estável em torno dos
18%.
Progressos adicionais ao nível da redução do grau de restritividade
da LPE relativa aos contratos sem termo em Portugal provavelmente
exigirá mudanças mais profundas na legislação do mercado de traba-
lho. Clarificar o significado de "justa causa" seria muito importante,
em particular as condições sob as quais as empresas podem despedir
trabalhadores com base em razões económicas. A França em 2017,
sob a chamada “reforma de Macron”, e a Espanha em 2012 (OECD
(2013)) fizeram importantes progressos neste domínio.

Referências

Centeno, Mário e Álvaro Novo (2012). “Excess worker turnover and


fixed-term contracts: Casual evidence in two-tier system.” Labour
Economics, 19(3), 320–328.
IMF (2016). “From crisis to convergence: charting a course for
Portugal.” Departmental Paper Series.
Izquierdo, Mario, Juan Francisco Jimen, Theodora Kosma, Ana
Lamo, Stephen Millard, Tairi Rõõm, e Eliana Viviano (2017).
“Labour market adjustment in Europe during the crisis: microe-
conomic evidence from the Wage Dynamics Network survey.”

115
O Crescimento Económico Português

Occasional paper series, European Central Bank.


Martins, Fernando (2015). “What Survey Data Reveal about Price
and Wage Rigidity in Portugal.” LABOUR, 29(3), 291–309.
OECD (2013). “The 2012 labour market reform in Spain: A
preliminary assessment.” OECD Publishing.
OECD (2017). “Labour market reforms in Portugal 2011-2015: A
preliminary assessment.” OECD Publishing.
Orsini, Kristian e Sonia Vila Nuñez (2014). “The impact of the
Spanish labour market reform on the on-the-job search rate?”
ECFIN Country Focus, 11(7).
von Below, David e Peter Skogman Thoursie (2010). “Last in, first
out?: Estimating the effect of seniority rules in Sweden.” Labour
Economics, 17(6), 987–997.

116
4.1. O que revelou a crise sobre os gestores em
Portugal?

Sharmin Sazedj

1. Motivação

Um dos maiores desafios da economia portuguesa tem sido o fraco


crescimento da produtividade nas últimas décadas, mesmo durante o
ciclo recente de recuperação económica (ver Banco de Portugal, 2017).
Vários estudos empíricos e teóricos procuram explicar os considerá-
veis diferenciais de produtividade entre países ou entre empresas
do mesmo país. Um estudo notável de Bloom et al. (2016) atribui
aproximadamente 30% destas diferenças às práticas de gestão. Vários
estudos teóricos relacionam a heterogeneidade dos gestores com di-
ferentes níveis de produtividade e, mais recentemente, a crescente
disponibilidade de dados permitiu confirmar alguns destes resulta-
dos empiricamente.
Diferentes práticas de gestão podem ser associadas a diferentes
estilos de gestão, que por sua vez, podem ser mapeados nas caracte-
rísticas dos gestores de topo. Com efeito, muitos autores encontram
uma ligação forte entre as características observáveis dos gestores –
como o nível de educação, a experiência ou antiguidade – e o desem-
penho da empresa, ou em particular, a produtividade da empresa.
Adicionalmente, as características não observáveis poderão também
desempenhar um papel importante, nomeadamente as preferências
de risco, flexibilidade ou motivação para mudança. No entanto, para
além de ser mais exigente analisar o impacto destas características,
dada a sua natureza não observável, o seu valor também pode variar
sob diferentes circunstâncias. Mais especificamente, em períodos
de incerteza e crise, algumas características podem ganhar relevân-
cia. Neste contexto, esta secção pretende explorar uma base de mi-
crodados e: 1) caracterizar os gestores de topo (CEO) em Portu-
gal, traçando um retrato claro das suas características observáveis;
2) examinar a recente crise económica e o desempenho dos CEO
recém-chegados e analisar se as suas características intrínsecas se
tornaram mais valiosas sob tais circunstâncias extremas.

119
O Crescimento Económico Português

2. Dados

A presente análise baseia-se nos Quadros de Pessoal (QP) e na In-


formação Empresarial Simplificada (IES). QP é uma base de micro-
dados longitudinal compilada pelas autoridades portuguesas com
informação sobre trabalhadores e empregadores, incluindo todas as
empresas privadas e trabalhadores em Portugal no período entre 1985
e 2016. Trata-se de um inquérito obrigatório para todos os estabe-
lecimentos com pelo menos um trabalhador assalariado e contém
informação relativamente à empresa (incluindo o tamanho, vendas
e capital da mesma) e ao trabalhador (incluindo género, idade, edu-
cação, horas trabalhadas e remuneração mensal). Cada trabalhador
é classificado segundo a Classificação Nacional de Profissões, o que
nos permite identificar os diretores gerais e gestores executivos. Adi-
cionalmente, recorremos a dados anuais da IES para obter informação
relativa ao Valor Acrescentado Bruto (VAB) das empresas. IES é o
sistema através do qual empresas reportam informação obrigatória
à Autoridade Tributária e às autoridades estatísticas. Os dados co-
brem o período desde 2005 e o universo de empresas não-financeiras
portuguesas.

3. Uma caracterização dos CEO em Portugal

A percentagem de mulheres CEO tem vindo a aumentar lentamente


em Portugal durante as últimas décadas, permanecendo num nível
bastante baixo (Figura 32a). Em 2016, cerca de 30% dos CEO no mer-
cado de trabalho português eram mulheres. A incidência de mulheres
é relativamente homogénea em empresas de todos os tamanhos, mas
é relativamente maior no escalão etário mais baixo e no setor de
serviços.
Em termos de escalão etário, cerca de 60% dos CEO têm entre 35
e 54 anos. A Figura 32b mostra que, como esperado, a percenta-
gem de gestores mais jovens tem vindo a decrescer. É expectável
que esta tendência se mantenha no futuro dadas as perspectivas de
envelhecimento da população ativa portuguesa e o aumento do nível
de escolaridade médio que atrasa a entrada no mercado de trabalho
e por conseguinte a promoção a cargos de gestão. No que respeita à
repartição por empresas, a maior diferença observa-se nas empresas
grandes, onde os escalões etários mais baixo e elevado são menos
prevalecentes do que nas restantes empresas.
Tem-se observado um aumento geral do número médio de anos
de escolaridade em Portugal, o que também é visível entre os CEO,
embora em menor medida, dado serem em média mais velhos do que

120
Gestão e organização das empresas

100

80

60

40

20
1995 2000 2005 2010 2015
Homens Mulheres

(a) Género

100

80

60

40

20

0
1995 2000 2005 2010 2015

Menos de 25 anos 25-34 anos


35-44 anos 45-54 anos
55-64 anos 65 anos ou mais

(b) Escalão etário

Figura 32: Repartição dos CEO por género e escalão etário (percentagem)
Fonte: Quadros de Pessoal.

os restantes trabalhadores. Uma comparação do nível de escolaridade


dos CEO com os restantes trabalhadores (Figura 33a), revela que
os CEO têm, em média, mais anos de escolaridade, principalmente
devido à maior proporção de licenciados. Como esperado, os níveis
médios de educação são mais elevados entre os CEO mais jovens.
No que se refere à repartição por tamanho da empresa, observa-se
um padrão claro de que quanto maiores as empresas, e geralmente
as responsabilidades dos gerentes, mais elevado o nível médio de
escolaridade do CEO (Figura 33b). O mesmo se verifica se conside-
rarmos empresas com capital estrangeiro: mais de 60% dos CEO têm
educação superior e apenas cerca de 5% têm menos do que o ensino
secundário. No entanto, importa referir que a grande maioria das

121
O Crescimento Económico Português

100
75
50
25
0

Trabalhadores CEO
Básico - 1º e 2º ciclos Básico - 3º ciclo
Secundário Superior

(a) CEO e os restantes trabalhadores


100
75
50
25
0

Micro Pequena Média Grande

Básico - 1º e 2º ciclos Básico - 3º ciclo


Secundário Superior

(b) Repartição pelo tamanho da empresa

Figura 33: Repartição dos CEO por nível de escolaridade em 2016 (percenta-
gem)
Fonte: Quadros de Pessoal.

empresas em Portugal são micro ou pequenas empresas (sem capital


estrangeiro), pelo que a proporção de CEO com nível de escolaridade
inferior ao ensino secundário ainda é elevada. O nível de escolaridade
é frequentemente utilizado como um indicador de capital humano ou
da capacidade de um indivíduo (ver Barro e Lee, 2013), que são por
sua vez fundamentais para a produção e o crescimento da empresa.
Autores como Bloom e Van Reenen (2010) associam níveis mais altos
de educação a melhores práticas de gestão e, portanto, a melhores
resultados para a empresa.
Com respeito à antiguidade no cargo, vários autores argumentam
que o impacto no desempenho da empresa pode ser descrito como

122
Gestão e organização das empresas

100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0
1995 2000 2005 2010 2015

CEO proprietário CEO não-proprietário

(a) Evolução dos CEO proprietários


100
75
50
25
0

Micro Pequena Média Grande

CEO não-proprietário CEO proprietário

(b) Repartição pelo tamanho da empresa em 2016

Figura 34: CEO proprietários (percentagem)


Fonte: Quadros de Pessoal.

um U invertido (ver Hambrick e Fukutomi, 1991; Luo et al., 2013).


Com o decorrer do tempo, à medida que os gestores se tornam
míopes, avessos ao risco e excessivamente apegados a soluções
anteriores, a antiguidade começa a prejudicar o desempenho da
empresa (Henderson et al., 2006). Em Portugal, a antiguidade média
na empresa em 2016 foi de cerca de 11 anos. No entanto, em
empresas maiores, a antiguidade tende a ser consideravelmente
maior na empresa e menor no cargo. Com efeito, as empresas
maiores parecem ter uma taxa de rotatividade dos CEO mais
elevada, mas uma proporção maior de promoções internas.
Embora, tradicionalmente, a habilidade fosse frequentemente asso-
ciada à educação ou aos anos de experiência adquirida, mais recente-

123
O Crescimento Económico Português

mente tem sido associada a uma experiência diversificada. De acordo


com Kevin Murphy (2004), Custódio et al. (2013) e Kaplan et al. (2012),
que comparam CEO generalistas e especialistas, os primeiros estão
associados a um melhor desempenho da empresa. Nesse sentido,
podemos considerar a experiência em outros setores de atividade
como uma medida de diversificação. Em 2016, cerca de 50% dos
CEO tinham trabalhado anteriormente em pelo menos dois setores
de atividade, enquanto apenas 10% tinham experiência de mais de
dois setores. Em média, os CEO com níveis mais altos de educação
são também aqueles que têm uma experiência mais diversificada.
Finalmente, outra característica marcante do mercado português
de gestores é a predominância daqueles que são simultaneamente
proprietários das empresas. A percentagem dos CEO proprietários
diminuiu nas últimas décadas, atingindo aproximadamente 60% em
2016, dos quais cerca de 80% são responsáveis pelas micro-empresas.
A Figura 34a sugere haver duas mudanças de nível na evolução dos
CEO proprietários em torno dos períodos de crise económica, ou
seja, em 2003 e durante a crise económica e financeira mais recente.
A Figura 34b mostra a repartição dos gestores proprietários/
não-proprietários por tamanho de empresa e, como esperado,
apenas 1% das empresas grandes são geridas pelos proprietários.
Fabisik et al. (2018) considera que empresas com maior percentagem
de participação do CEO valem menos. A evidência empírica
também aponta para um pior desempenho das empresas familiares
geridas por um membro da família face a empresas geridas
externamente. Da mesma forma, empresas geridas pelo fundador
também apresentam piores resultados.

4. O desempenho da empresa em períodos de crise: o papel do


CEO

O impacto de algumas características do CEO no desempenho da em-


presa pode ser estável ao longo do tempo, no entanto, outras alteram
o seu valor acrescentado, conforme as circunstâncias. Por exemplo,
sob condições extremas, como uma crise económica severa, o contexto
no qual as empresas operam muda drasticamente e a capacidade de
inovar e abandonar práticas antigas de gestão torna-se especialmente
valiosa. No entanto, existem poucos estudos que analisem este tipo
de mudanças.
Num artigo recente (Sazedj et al., 2018), argumenta-se que, du-
rante ‘tempos normais’, existe um trade-off na escolha entre um CEO
recém-chegado ou uma solução interna experiente. O recém-chegado
– uma contratação recente externa – pode trazer iniciativas inovadoras

124
Gestão e organização das empresas

e arrojadas para a empresa, mas começa com um défice de conhe-


cimento e vai precisar de tempo para ‘aprender fazendo’ (learning
by doing). Por outro lado, a solução interna experiente já domina
a forma habitual de gerir o negócio, mas pode ter dificuldade em
abandonar as práticas de gestão estabelecidas quando surgem cir-
cunstâncias desafiadoras e pode tornar-se uma vítima da chamada
armadilha da experiência. As empresas escolhem os CEO de modo
a maximizar o valor líquido de seu desempenho inter-temporal, para
um determinado conjunto de expectativas sobre o futuro. No en-
tanto, quando circunstâncias inesperadas, como uma grande crise, se
materializam, a combinação ótima ex-post de características do CEO
muda. Com efeito, as velhas práticas e estratégias de gestão podem
ser insuficientes para inovar e gerar crescimento, enquanto assumir
riscos e adotar soluções criativas se torna mais valioso.
Neste estudo estima-se o impacto dos CEO recém-chegados na
produtividade das empresas, durante o Programa de Assistência
Económica e Financeira em Portugal. A análise é focada num
período de crise económica severa – de natureza inesperada e sem
precedentes, em termos de alcance e magnitude, e exógeno às
empresas – que é a base da estratégia de identificação. A
profundidade e a natureza inesperada da crise impediram ações
preventivas por parte das empresas, incluindo contratações
antecipadas de gestores. A grande maioria das empresas não
mudou de CEO antes do início da crise. Assim, ter um
recém-chegado à frente da empresa no início da crise é considerado
um evento exógeno que nos permite desvendar o impacto sobre a
produtividade da empresa de outros fatores não observáveis
correlacionados.
Recorrendo a uma estimação de ‘diferença em diferenças’
(difference-in-differences) resumida na Figura 35a, podemos identificar:
i) o choque negativo comum a todas as empresas, em termos de VAB
por trabalhador; ii) o hiato de produtividade, prévio à crise, entre as
empresas geridas por recém-chegados e as restantes; e iii) o
diferencial adicional específico ao período da crise. Esta análise
revela que as empresas geridas por recém-chegados superam outras
empresas durante o período de crise, independentemente de se
tratar de um CEO proprietário ou não-proprietário. Além disso, não
encontramos nenhuma diferença significativa de produtividade no
período anterior à crise, sugerindo que diferenças não observáveis
entre os recém-chegados e os restantes CEO, como preferências de
risco ou incentivos diferentes, desempenham um papel menor
durante ‘tempos normais’, quando as práticas de gestão tradicionais
são suficientes e estratégias inovadoras não são fundamentais.

125
O Crescimento Económico Português

Crise

Recém-chegado

Crise*
Recém-chegado

-20 -10 0 10 20
CEO não-proprietário CEO proprietário

(a) Diferença em diferenças


15
10
5
0

VAB por Vendas por VAB por unidade


trabalhador trabalhador vendida

CEO não-proprietário CEO proprietário

(b) Propensity Score Match

Figura 35: Recém-chegados e a produtividade das empresas (percentagem)


Notas: Pontos e barras representam os coeficientes estimados e as linhas
representam os intervalos de confiança de 95%. À esquerda, os pontos representam
i) o choque negativo comum a todas as empresas, em termos de VAB por trabalhador
(crise); ii) o hiato de produtividade, prévio à crise, entre as empresas geridas
por recém-chegados e as restantes (recém-chegado); e iii) o diferencial adicional
específico ao período da crise (crise*recém-chegado).
Fonte: Quadros de Pessoal.

Como teste adicional de robustez, recorremos a um método de


pareamento, designado de Propensity Score Matching, para garantir
que os resultados obtidos não advêm de um enviesamento da se-
leção amostral. Idealmente, pretende-se comparar a produtividade
de uma empresa gerida por um recém-chegado durante a crise com
o desempenho da mesma empresa caso não tivesse optado por um

126
Gestão e organização das empresas

recém-contratado. Uma vez que o contra-factual não é observável,


construímos um contra-factual hipotético, estimando a probabilidade
de uma empresa ser gerida por um recém-chegado dadas as caracte-
rísticas da empresa e do gestor prévias à crise, através de um modelo
Probit. Deste modo identifica-se a empresa mais semelhante, cujo
resultado corresponde ao contra-factual não observável.
Consideram-se três indicadores de produtividade, nomeadamente:
produtividade aparente do trabalho, medida como VAB e vendas
por trabalhador, e VAB por unidade vendida. Depois, compara-se
o desempenho de cada empresa gerida por um recém-chegado com o
contra-factual anteriormente estimado, com base na empresa mais se-
melhante. Globalmente, a evidência sugere que as empresas geridas
pelos recém-chegados apresentam um desempenho superior durante
a crise (Figura 35b). Em particular, empresas que são aparentemente
iguais ex-ante observam um VAB por trabalhador entre 6 e 10% mais
elevado durante a crise, se gerida por recém-chegados. Este resultado
aumenta para 8-13% quando a produtividade é medida em termos
de vendas por trabalhador. Finalmente, concluímos também que os
recém-chegados geraram mais valor por unidade vendida durante
a crise do que empresas semelhantes no grupo de controlo, indi-
cando ganhos significativos de eficiência. Estes números são esta-
tisticamente e economicamente significativos.

5. Considerações finais

Os CEO desempenham um papel fundamental na definição das es-


tratégias das empresas e, consequentemente, impactam significativa-
mente o desempenho e a produtividade das mesmas.
Esta secção mostra que os CEO em Portugal ainda têm níveis de
educação relativamente baixos, pelo que uma via promissora para
aumentar a produtividade das empresas seria através de políticas
credíveis que melhorem o sistema educacional, tornando-o mais ade-
quado ao mercado atual e às mudanças tecnológicas em curso. Adi-
cionalmente, a elevada percentagem de CEO proprietários e a antigui-
dade média alta também revelam a incapacidade das empresas em se
adaptar por completo aos desenvolvimentos do mercado, sugerindo
que há espaço para uma realocação mais eficiente das habilidades dos
CEO às empresas.
Além destas características observáveis, há um conjunto de
atributos não observáveis que podem ser relevantes em tempos de
crise, apesar de não desempenharem um papel importante em
‘tempos normais’. Mais especificamente, argumentamos que os CEO
recém-chegados apresentam uma vantagem significativa na gestão

127
O Crescimento Económico Português

das empresas em momentos difíceis, independentemente de seu


défice relativo de conhecimento em relação à empresa. Estes
resultados desafiam as definições tradicionais de capital humano
baseados na senioridade e antiguidade, sugerindo que a experiência
acumulada na empresa não é fundamental em períodos de
dificuldade económica, quando comparada à flexibilidade,
adaptabilidade e disposição do CEO recém-chegado em assumir
riscos e inovar.
Estudos futuros devem concentrar-se em compreender as práticas
de gestão dos CEO recém-chegados e avaliar maneiras de facilitar
transições nos cargos de gestão de topo à medida que surgem crises
ou, mais genericamente, criar os incentivos apropriados para fazer os
CEO seguirem as melhores práticas de gestão sob todas as circuns-
tâncias.

Referências

Banco de Portugal (2017). “Produto potencial: desafios e incertezas.”


Boletim Económico, Tema em Destaque, 41–67.
Barro, Robert J. e Jong Wha Lee (2013). “A new data set of
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Gestão e organização das empresas

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129
4.2. Uma empresa que contrata um gestor
experiente melhora o seu desempenho?

Giordano Mion, Luca David Opromolla, Alessandro Sforza

1. Motivação

“Os gestores são maestros de uma orquestra de inputs [...] Tal como um mau
maestro pode causar uma cacofonia em vez de uma sinfonia, uma má gestão
pode dar lugar a operações de produção discordantes.”

– Chad Syverson, What Determines Productivity (2011)

A maioria dos homens de negócio, profissionais e decisores políti-


cos - bem como os fãs de futebol! - provavelmente concordaria com
a citação acima. O que é definitivamente menos consensual é a
magnitude do efeito, i.e. qual a importância dos gestores na deter-
minação do desempenho de uma empresa, e quais as características
dos gestores que são cruciais para a determinação do desempenho
desse. Consideremos, por exemplo, uma empresa que começa a
exportar logo após ter recrutado um gestor com experiência consoli-
dada no mercado externo. Podemos atribuir a entrada bem-sucedida
da empresa no mercado externo à chegada do gestor? Parece natural
fazê-lo. No entanto, a maioria de nós estaria menos certa quanto
a essa conclusão se soubesse que a empresa obteve, em simultâneo,
uma certificação de qualidade ISO 9001, que tornou os seus produtos
mais competitivos - e, portanto, mais apetecíveis para o mercado ex-
terno - transformando a empresa num local de trabalho mais atrativo
- e, portanto, mais desejável para os gestores experientes.
Então, que importância teve o gestor? E, se houve uma contribuição
positiva, estaria ela relacionada com a experiência adquirida no pas-
sado pelo gestor em matéria de exportação ou com alguma capaci-
dade intrínseca do gestor, tal como a educação, a liderança e a ca-
pacidade de comunicação? Uma resposta precisa para todas essas
questões é importante, tanto para as empresas que procuram atuar no
mercado externo como para os decisores de políticas que se preocu-
pam com a solidez do sistema educacional e a eficiência do mercado
de trabalho.

131
O Crescimento Económico Português

Esta secção, baseado em Mion e Opromolla (2014) e Mion et al.


(2016), mostra que as empresas com um gestor experiente em expor-
tações são mais propensas a iniciar (ou a continuar) a exportar, e são
mais suscetíveis de exportar mais. A presença de um gestor com ex-
periência em exportação revela-se tão importante quanto a produtivi-
dade da empresa, especialmente no que diz respeito a empresas cujos
produtos são mais difíceis de avaliar, ou que dependem fortemente
de financiamento externo ou que competem com produtos chineses.
A literatura que estuda o modo como os gestores e as práticas de
gestão afetam o desempenho da empresa é relativamente recente e
está em rápido crescimento. Bloom e Van Reenen (2010), Bloom
et al. (2013), Bloom et al. (2016) e Guiso e Rustichini (2017), entre
outros, determinaram que melhores gestores e melhores práticas de
gestão conduzem a um melhor desempenho da empresa. Artopoulos
et al. (2013) explicam como a transmissão de práticas comerciais dos
pioneiros na exportação aos seguidores pode levar a um crescimento
sustentado das exportações.

2. Enquadramento analítico

A análise baseia-se numa base de dados que inclui todas as empresas


transformadoras, bem como os seus trabalhadores, localizadas em
Portugal, entre 1995 e 2006. Além de algumas características básicas
da empresa, como a dimensão, a idade e a sua produtividade, o
conjunto de dados indica-nos se a empresa está a exportar, para que
países, e o número de exportações por destino. Sabemos igualmente
se a empresa emprega um gestor com experiência em exportações
para um país específico (França, por exemplo) ou na exportação de
um produto específico (por exemplo, sapatos). Esta última infor-
mação resulta do facto de se poder seguir os trabalhadores, incluindo
os gestores, de um ano para outro, o que nos permite saber, por
exemplo, se o gestor já trabalhou numa empresa que exporta para
França ou que exporta sapatos.
Com base nos dados acima indicados, seguimos uma estratégia
muito simples - mas poderosa – uma estratégia de três etapas para
entender como a entrada de uma empresa num determinado mer-
cado externo (por exemplo, França, sapatos) depende da presença
de um gestor com experiência em exportar para esse mercado. A
título de exemplo, consideremos uma empresa em 2002. O primeiro
passo é verificar se a empresa emprega um gestor com experiência
em exportação para qualquer um dos seguintes mercados: (1) Es-
panha, (2) Outros cinco principais destinos das exportações da UE
(Itália, França, Alemanha, Reino Unido), (3) Outros destinos da UE,

132
Gestão e organização das empresas

(4) Outros destinos da OCDE, (5) Comunidade dos Países de Língua


Portuguesa (CPLP), (6) China, e (7) Resto do Mundo. Suponha que
esta empresa em particular tinha em 2002 um gestor com experiência
em exportar para a China, e um gestor com experiência em expor-
tações para os países da CPLP. A Figura 36 resume esta situação:
os mercados com as bandas diagonais são aqueles para os quais a
empresa possui um gestor com experiência em exportação (China, e
CPLP).
O segundo passo é verificar para que mercados a empresa começa
a exportar em 2002. Suponhamos que esta empresa em particular
começa a exportar para a China, países da CPLP e Espanha. A
Figura 36 resume novamente essa situação: os mercados com uma
componente cinzenta escura são aqueles em que a empresa entra em
2002.
O último passo é constatar que a nossa empresa está mais suscetível
de começar a exportar para os países para os quais ela dispõe de um
gestor com experiência em exportações: 2 em 2 contra 1 em 5. O
poder desta abordagem reside no facto de que, ao explorar a varia-
ção do destino da exportação para uma determinada empresa num
determinado ano, isso permite-nos controlar todas as características
da empresa que podem variar com o tempo - tanto as observadas,
como a produtividade e a dimensão, como as que não podem ser
observadas, como a aquisição de uma certificação ISO 9001 que torna
a empresa mais competitiva em todos os mercados - o que pode afetar
a decisão de exportar ou não e confundir os nossos resultados.
Ainda que muito poderosa, tal estratégia pode nem sempre ser
suficiente, já que não tem em consideração os fatores de
tempo-empresa-destino. Por exemplo, poderia acontecer que a
empresa anterior tivesse feito, em 2002, alguns investimentos que a
tornaram mais competitiva, em particular nos mercados chinês e
CPLP, e atraído gestores com experiência nesses mercados
específicos. A fim de ultrapassar essa questão potencial, voltemos ao
nosso exemplo acima indicado e verifiquemos se a empresa recrutou
um gestor com experiência no domínio das exportações para a China
ou para os países da CPLP em 1999, ou seja, três anos antes do
período que nos interessa. Se tiver sido esse o caso, é provável que a
empresa continue com esses gestores em 2002. Ao mesmo tempo,
podemos ter a certeza de que tais gestores não foram contratados
em 1999, em antecipação do que se iria passar três anos depois.
Em termos mais técnicos, utilizamos os dados acima descritos para
executar uma regressão de variável instrumental, em que a variável
dependente é uma variável dummy (nominal) igual a um, sempre
que uma empresa começa a exportar para um determinado mercado

133
CPLP
OECD

O Crescimento Económico Português

Espanha
Resto do  Outros 
mundo UE top 5

Outros 
China
UE

Outros 
CPLP
OCDE

Figura 36: Entrada na exportação e presença de gestores com experiência


em exportação

num determinado ano; a principal covariável de interesse é outra


variável dummy igual a um, se a empresa recrutar um gestor com
experiência em exportação para aquele mercado num determinado
ano; o instrumento é o terceiro lag (desvio) da mesma covariável
principal; e onde controlamos os efeitos fixos para o ano-empresa
e o ano-destino.
A utilização do terceiro desvio da principal covariável como instru-
mento parece ser uma boa estratégia. Apoia-se na forte evidência
relativa aos custos fixos afundados (incluindo os específicos do mer-
cado) associados à atividade de exportação e, portanto, ao facto de o
período de tempo correspondente às decisões de hoje das empresas
que afetam os resultados das exportações amanhã (como criar ou
aumentar os investimentos na qualidade e/ou produtividade) é de
cerca de 2 anos.
Os resultados, detalhadamente relatados em Mion et al. (2016)),
mostram que a presença de um gestor com experiência específica em
matéria de exportação aumenta em 2-4% a probabilidade de começar
a exportar, o que constitui um número muito elevado, uma vez que
poucas empresas começam a exportar num determinado ano.24 Da
mesma forma, constatamos que a presença de um gestor com ex-

24 2-4% corresponde aproximadamente a metade da probabilidade incondicional de


iniciar a exportação para um destino específico ou para um produto específico.

134
Gestão e organização das empresas

periência específica em exportação aumenta a probabilidade de se


continuar a exportar, e aumenta o nível de exportações em cerca de
57% para exportações para um determinado destino, na condição da
sua permanência.

3. Considerações finais

O que determina o sucesso de uma empresa no mercado externo?


O conhecimento do mercado externo específico, incarnado num ges-
tor, parece ser um fator importante. Se for esse o caso, quando
uma empresa tem sucesso na entrada num mercado externo, ela
cria um corpo de conhecimento que é absorvido pelos seus gesto-
res e pode beneficiar outras empresas quando os gestores mudam
de emprego. Noutras palavras, o conhecimento e a experiência de
exportação adquiridos numa empresa parecem ser bastante portáteis.
Nessa medida, se o ambiente regulatório permite às empresas mais
eficientes aproveitar as oportunidades nos mercados externos, e per-
mite um funcionamento saudável do mercado de trabalho, então tal
pode levar a um melhor desempenho e, potencialmente, a um maior
crescimento.

Referências

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135
4.3. Quão importantes são as decisões
organizacionais na produtividade de uma
empresa?

Lorenzo Caliendo, Giordano Mion, Luca David Opromolla, Esteban


Rossi-Hansberg

1. Motivação

Medir e compreender as diferenças e variações na produtividade das


empresas e, portanto, do país, é uma tarefa difícil - e importante.
Economistas, em todo o mundo, documentaram diferenças relevantes
e persistentes na produtividade entre empresas: Syverson (2004), ao
observar a variação na produtividade com base nas receitas de fábri-
cas americanas em setores de atividade económica a um nível deta-
lhado, constatou que a fábrica situada no percentil 90 da distribuição
de produtividade produzia quase o dobro da fábrica no 10º percentil.
A evolução da produtividade está também no centro do debate
académico e político, tanto em Portugal quanto no estrangeiro. O
modo como a produtividade aumenta com a idade da empresa - o
perfil etário-produtivo - é bastante heterogéneo entre os países: nos
EUA, as fábricas mais antigas são muito maiores e mais produtivas
do que as mais recentes, e essa diferença é (muito) menor nos países
em desenvolvimento (Hsieh e Klenow, 2014). A nível agregado, o
crescimento da produtividade parece ter abrandado em várias econo-
mias avançadas: o crescimento da produtividade do trabalho nos
EUA apresentou uma média de 1,3% ao ano entre 2005 e 2015, contra
2,8% na década anterior (Syverson, 2017).
Esta secção, baseado em Caliendo et al. (2015a), aborda todas essas
questões, e mostra que uma melhor compreensão da organização
interna de uma empresa pode permitir um melhor entendimento
das diferenças de produtividade entre as empresas Portuguesas, bem
como a evolução da produtividade global a nível da empresa. O
ponto de partida é que a produtividade de uma empresa pode de-
pender da forma como esta organiza a sua produção: a forma como
diferentes inputs e fatores de produção são combinados com tecnolo-
gias específicas, dada a procura de produtos da empresa, determina
a eficiência da sua produção.

137
O Crescimento Económico Português

Algumas dessas decisões organizacionais são tomadas em reação


a choques relacionados com a procura (por exemplo, uma mudança
na moda), a mudanças no ambiente institucional em que a empresa
opera (por exemplo, mudanças repentinas em termos de regulamen-
tação) ou a choques relacionados com a produtividade (por exemplo,
o encerramento de um importante fornecedor). Isso cria um desafio
de medição: para entender como as mudanças na organização da em-
presa afetam a sua produtividade, temos de reconhecer que podem
ter sido desencadeadas por choques externos que afetam também
a produtividade. Como separar os dois canais? Comecemos por
analisar, de seguida, um exemplo no mundo real.

2. Como é que uma reorganização, desencadeada pelo aumento de


competitividade, afeta a produtividade?

O primeiro passo a dar é distinguir entre produtividade baseada


em quantidade e produtividade baseada em receitas. A distinção
é fundamental, pois a primeira mede a eficiência de uma empresa
em transformar inputs e fatores — como capital, bens intermédios,
e trabalho — em outputs, enquanto a outra mede a eficácia de uma
empresa em transformar inputs e fatores em vendas e, portanto, mede
também qualquer variação de preço, eventualmente relacionada com
margens de lucro (markups) que resulte do poder do mercado. Uma
vez que temos a capacidade de distinguir entre a produtividade de
uma empresa baseada em quantidade e a produtividade baseada
em receitas, podemos estudar como uma mudança na organização
da empresa afeta qualquer uma delas. Em ambos os casos, iremos
concentrar-nos nas mudanças de produtividade na empresa, em re-
sultado da sua reorganização: isto é extremamente útil, pois permite
evitar as dificuldades de comparação da produtividade baseada na
quantidade - expressa em unidades dos bens específicos produzidos
por uma empresa – entre as empresas.
Consideremos, então, o caso de uma empresa portuguesa que pro-
duz "pullovers tricotados e em malha de crochet" - assim como outros
artigos semelhantes - que reduziu fortemente o seu quadro de pessoal
entre 2002 e 2005, em consequência do aumento da concorrência,
após a entrada da China na Organização Mundial do Comércio. O
volume vendido pela empresa caiu 50%, com os preços a subir 30%.
Como as mudanças na organização de uma empresa são inerente-
mente irregulares, a empresa adaptou-se à nova situação competitiva
ao adotar uma estrutura organizacional um pouco mais pequena para
a dimensão do seu novo mercado: simplificou a sua estrutura orga-
nizacional ao despedir um número de gestores e funcionários com
tarefas secundárias, e concentrou-se nos seus principais especialistas,

138
Gestão e organização das empresas

mantendo as suas "costureiras e bordadeiras". Em resultado dessa


mudança significativa na organização da empresa, a produtividade
baseada na quantidade caiu 53%, mas a produtividade baseada na
receita - afetada pelos preços - aumentou 9,2%.
O aumento da concorrência da China estimulou uma mudança
específica na organização dessa empresa de vestuário - a amplitude
do controlo, ou seja, o número de trabalhadores de produção, por
gestor, aumentou - e teve um impacto negativo importante na sua
produtividade baseada na quantidade, e um impacto positivo mais
modesto na sua produtividade baseada em receitas. No remanescente
da secção, demonstraremos que esse tipo de ajustamento é típico e
que as reorganizações são importantes, não apenas para se entender
como a produtividade muda para uma determinada empresa, mas
também para entender a evolução da produtividade agregada.

3. Desafios de dados e econométricos

Três características da empresa foram cruciais para o exemplo ante-


rior: a organização, a produtividade baseada em receitas e a produ-
tividade baseada em quantidade. Felizmente, o conjunto de dados
disponíveis para as empresas portuguesas permite-nos medir as três.
A nossa medição da organização da empresa fundamenta-se na
teoria das hierarquias baseadas em conhecimento, desenvolvidas em
Rosen (1982), Garicano (2000) e, num contexto de equilíbrio com em-
presas heterogéneas, em Garicano e Rossi-Hansberg (2006) e Caliendo
e Rossi-Hansberg (2012). Esta teoria sublinha que o conhecimento,
interpretado como a capacidade de resolver problemas, é um input
chave para a produção. Dado que as pessoas têm um tempo limitado
para trabalhar, então, para suavizar essa restrição de tempo, elas
podem trabalhar em equipa e especializar-se na solução de diferentes
tipos de problemas: trabalhadores com menos conhecimentos lidam
com tarefas rotineiras de produção, economizando assim o tempo do
pessoal especializado na gestão de tarefas.
Em Portugal - assim como em França (Caliendo et al., 2015b) -
quando as empresas se reorganizam, estas gerem as características do
conhecimento da sua força de trabalho de modo a poupar custos de
mão-de-obra: quando uma empresa se expande consideravelmente,
recruta especialistas com uma boa formação e transforma em rotina
posições de nível inferior, para as quais a empresa passa a contratar
funcionários menos qualificados / formados. O aumento da massa
salarial, associado à contratação de gestores de nível superior é com-
pensado pela redução nos salários médios associados a empregos de
nível mais baixo. O oposto acontece quando uma empresa sofre uma

139
O Crescimento Económico Português

redução substancial: a empresa de vestuário que considerámos de-


cidiu reduzir a sua dimensão e concentrar-se em menos gestores e em
relativamente mais "costureiras e bordadeiras", porque o seu mercado
ficou bastante mais reduzido. Conseguimos detetar esta mudança na
organização graças aos Quadros de Pessoal, um conjunto de dados
empregador-empregado que cobre o universo das empresas situadas
em Portugal, com informações sobre todos os seus trabalhadores.
Especificamente, para qualquer empresa e qualquer ano, podemos
afetar cada um dos trabalhadores da empresa a um dos quatro níveis,
desde trabalhadores de produção até à alta administração.
A teoria das hierarquias baseadas no conhecimento tem
implicações evidentes na evolução da produtividade da empresa,
que corresponde ao que observamos nos dados. Consideremos a
evolução da produtividade baseada nas receitas para uma empresa
em crescimento. Quando uma empresa cresce, mas não o suficiente
para se reorganizar, a produtividade baseada nas receitas aumenta,
impulsionada pelo aumento do preço cobrado. Contudo, quando a
empresa altera a sua organização acrescentando um nível de
gestores, a produtividade baseada nas receitas cai, pois os preços
refletem custos marginais mais baixos. As mudanças na organização
da empresa podem ser vistas como investimentos irregulares (ou
desinvestimentos), que se tornam rentáveis quando o mercado de
uma empresa é suficientemente importante para suportar o custo
fixo mais elevado associado a uma organização mais complexa. Em
Caliendo et al. (2015a) mostramos, entre outras coisas, que as
implicações da teoria são consistentes com a evolução de uma
medida simples de produtividade baseada nas receitas, no valor
acrescentado por trabalhador, num amplo espectro de setores.
Ao reconhecer que a organização de uma empresa é um dos inputs
que afetam a produção, há que enfrentar dois desafios. Primeiro, ao
estimar a produtividade de uma empresa, é necessário controlar a me-
dida da organização da empresa, em vez de simplesmente controlar
o número de trabalhadores ou a massa salarial. Segundo, devemos
ter em conta o facto de a organização de uma empresa ser endógena
e poder depender de choques de produtividade não observados pelo
econometrista. Em Caliendo et al. (2015a), indicamos como resolver
esses dois problemas, quando se calcula várias medidas de produtivi-
dade baseada nas receitas e na quantidade.
Antes de passarmos aos resultados, há que abordar aquilo a que
muitas vezes se designa o "elefante na sala", em muitas discussões
em economia: a causalidade. Até agora, discutimos como construir
medidas de produtividade que incorporem o papel da organização
da empresa, com base numa teoria que associa o aumento do número
de níveis de uma empresa ao aumento da produtividade baseada

140
Gestão e organização das empresas

na quantidade e à redução da produtividade baseada nas receitas.


Na medida em que a organização de uma empresa, semelhante ao
que geralmente é assumido com o capital, não muda muito no curto
prazo, então podemos interpretar, como causal, a relação entre o
número de níveis de gestão de uma empresa e a sua produtividade.
Contudo, podemos também ser mais exigentes. Em Caliendo et al.
(2015a) aplicamos duas estratégias diferentes para instrumentar a
reorganização de uma empresa e fazer com que os nossos resultados
sejam mais robustos. Em primeiro lugar, recorremos a uma estraté-
gia de variável instrumental, consistindo na utilização de um vasto
leque de instrumentos representados por choques de procura e de
custo, bem como por taxas de câmbio reais e padrões de exportação
e importação de uma empresa, que prevêem mudanças organizacio-
nais, mas que não estão correlacionadas com os atuais choques de
produtividade. Em segundo lugar, utilizamos a supressão de quotas
em subindústrias do setor têxtil e do vestuário, que resultaram da
entrada da China na OMC, como instrumento da reorganização de
uma empresa. Em ambos os casos, obtemos um conjunto consistente
de resultados, que serão resumidos no ponto seguinte.

4. A organização é fundamental

Os nossos principais resultados fundamentam-se nas abordagens de


produtividade baseada nas receitas de Wooldridge (2009), e nas abor-
dagens de produtividade baseadas na quantidade de Forlani et al.
(2016), alargadas para explicar a organização da empresa, e a es-
tratégia de variáveis instrumentais acima delineadas. Concluímos
que, em resultado de uma procura exógena ou de um choque de
produtividade, que faz com que a empresa se reorganize e adicione
um nível de gestão, a produtividade baseada em quantidade aumenta
em cerca de 8%, enquanto que a produtividade baseada em receitas
baixa para cerca de 7%. Estes efeitos são de grande magnitude e
extremamente significativos e robustos para definições alternativas
de produtividade e diferentes estratégias empíricas.
Os resultados são ainda mais importantes quando são
considerados dois factos adicionais. Em primeiro lugar, as
reorganizações são bastante frequentes nos dados e, portanto, são
potencialmente um importante impulsionador da produtividade da
empresa: cerca de 12% das empresas numa faixa reorganiza-se
adicionando um nível de gestão, e aproximadamente o mesmo
número faz downsizing, deixando cair um. Isto não é exclusivo do
mercado português: Caliendo et al. (2015b), utilizando dados para a
França, encontram padrões semelhantes.

141
O Crescimento Económico Português

Segundo, os efeitos da reorganização são importantes para enten-


der a dinâmica da produtividade agregada: a reorganização é respon-
sável por um aumento na produtividade baseada em quantidade,
quando as empresas se reorganizam adicionando níveis de gestão,
de cerca de 8,3%, enquanto o aumento médio de produtividade para
essas empresas foi de 6,5%. Da mesma forma, quando as empresas
reduzem o número de níveis de gestão, a reorganização responde por
mais de 100% da mudança global na produtividade das empresas em
downsizing!

5. Considerações finais

Os resultados apresentados nesta secção sublinham a importância de


se reconhecer que a organização das empresas constitui um elemento
chave no processo de produção, o que permite entender melhor a
razão por que algumas empresas são muito mais produtivas do que
outras, e para racionalizar a mudança na produtividade das empresas
em expansão e em redução.
Uma implicação da análise é que a ausência de reorganização para
crescer – possivelmente devido a obstáculos institucionais ou a di-
ficuldades de gestão - pode resultar na incapacidade de explorar
melhorias de produtividade disponíveis. Tal pode ser crucial, espe-
cialmente porque concluímos que a reorganização é uma fonte de
primeira ordem de ganhos globais de produtividade na economia.

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143
5.1. Que importância tem o acesso ao
financiamento para o desempenho das empresas
em períodos de crise?

Sudipto Karmakar

1. Motivação

Que importância tem o acesso ao financiamento para o desempenho


das empresas portuguesas? O que determina a oferta de crédito dos
bancos? Todas as empresas são uniformemente afetadas ou existe
grande heterogeneidade? Estas questões são extremamente impor-
tantes para os decisores políticos. Tornam-se ainda mais relevantes
em cenários de crise, quando a disponibilidade de crédito é escassa
e a procura global é baixa. Num cenário ideal, gostaríamos que
as empresas mais produtivas continuassem a ter acesso ao crédito,
uma vez que essas “boas” empresas são o motor do crescimento.
Nesta secção, abordamos algumas destas questões, concentrando-nos
num episódio de crise específico, tentando retirar daí algumas lições.
Concentrar-nos-emos, especificamente, na crise da dívida soberana,
que teve início na primavera de 2010.
Até ao início de 2010, a sustentabilidade da dívida soberana não era
uma preocupação para os mercados. Contudo, na primavera de 2010,
quando o governo grego solicitou à UE/FMI um pacote de ajuda para
suprir as suas necessidades financeiras para o resto do ano, os mer-
cados começaram a duvidar da sustentabilidade da dívida soberana
emitida por outros países periféricos da zona euro, tais como a Itália,
Portugal e a Irlanda (Bottero et al. (2015)). Os spreads de swaps de
risco de incumprimento sobre obrigações soberanas portuguesas au-
mentaram drasticamente e os bancos portugueses perderam o acesso
aos mercados internacionais de dívida, que tinham constituído uma
fonte importante de financiamento. Esta interrupção súbita deveu-se
sobretudo às preocupações do investidor relativamente ao contágio
da crise na Grécia. O aumento repentino dos spreads dos CDS por-
tugueses significou que os bancos que estavam mais expostos ao
setor público viram o risco nos seus balanços aumentar, o que está

147
O Crescimento Económico Português

relacionado com a discutida interdependência entre os bancos e a


dívida soberana (Brunnermeier et al. (2011)).25
O súbito aumento do risco da carteira de ativos pode afetar as
atividades creditícias dos bancos através de dois canais: o canal de
capital e o canal de financiamento. No caso de Portugal, o canal de
financiamento parece predominar. Ele opera unicamente no lado do
passivo, onde os bancos de maior risco têm dificuldade em renovar
o crédito nos mercados de capitais. Este aumento nos custos de
financiamento dos bancos é então repercutido nos clientes, como se
poderá observar na Figura 37.26
A Figura 38a mostra o financiamento de mercado dos bancos por-
tugueses em percentagem do passivo, enquanto que a Figura 38b
apresenta as taxas de juro aplicadas aos empréstimos de curto prazo
(além de Portugal, referimos igualmente outros países da zona euro,
para efeitos comparativos). Ao longo da secção, veremos como os
bancos que ficaram expostos de modo diferente aos mercados de
capitais se comportaram também de maneira diferente, em termos de
concessão de crédito. Documentamos também os efeitos reais sobre
as empresas portuguesas que sofreram uma queda no crédito durante
o mesmo período.
Existe uma corrente da literatura que procura estudar os efeitos
reais dos choques financeiros (Chodorow-Reich (2014), Bofondi et al.
(2018), Bentolila et al. (2018), Acharya et al. (2014), etc.). No contexto
de Portugal, Buera e Karmakar (2018) analisam a oferta de crédito e
os seus efeitos reais imediatamente após a crise da dívida soberana,
conseguindo identificar dimensões importantes da heterogeneidade
das empresas que determinam o seu desempenho no decorrer de
um episódio de crise. Mais precisamente, concluíram que as empre-
sas altamente alavancadas, com um valor substancial de dívida de
curto prazo nos seus balanços, sofreram uma retração significativa
durante a crise. Essas empresas viram o seu crédito reduzido e não
conseguiram aceder a fontes alternativas de financiamento. Ideias
semelhantes existem noutros trabalhos recentes (Giroud e Mueller
(2017) e Benmelech et al. (2018)).

25 Para mais informação, consultar Reis (2013).


26 O canal de capital é ativo se os ativos forem avaliados a preços de mercado. Um
aumento súbito no grau de risco conduziria a um esgotamento dos fundos próprios
do banco (permanecendo o passivo mais ou menos constante), o que teria um
impacto negativo na concessão de crédito.

148
Investimento e financiamento

20
% de financiamento de mercado
10 15 5

2005 2008 2011 2014


(a) Financiamento bancário

8
Taxas de empréstimos <1 ano

0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

PT DE GR IE, IT, ES (média não ponderada)

(b) Spreads

Figura 37: Financiamento bancário e spreads de crédito

2. Dados e resultados

O principal conjunto de dados utilizado nesta análise é a Central de


Responsabilidades de Crédito, gerida pelo Banco de Portugal. Esta
base de dados contém informação muito detalhada, ao nível de cada
empréstimo, sobre todos os empréstimos comerciais e industriais con-
cedidos a sociedades não financeiras por todos os bancos que operam
em Portugal. O conjunto de dados é abrangente, pois o limiar de
exclusão para um empréstimo é de apenas 50 euros. Utilizamos tam-
bém informações mensais, detalhadas, sobre os balanços dos bancos.
Avançaremos em duas etapas: examinamos, em primeiro lugar, os

149
O Crescimento Económico Português

Taxa cresccimento crédito (%)


Variáveis (1) (2) (3) (4)

Financiamento de mercado -0.648*** -0.349** -0.277** -0.303**


(0.111) (0.142) (0.124) (0.138)
Rácio de liquidez -0.991 0.068*** 0.077***
(1.942) (0.020) (0.0246)
Rácio de capital -0.282 0.394*** 0.453***
(0.174) (0.131) (0.133)
Rendibilidade do Ativo (ROA) 1.027 1.056 0.914
(2.284) (1.203) (1.208)
Rácio de banco central -1.599** -0.215 -0.341
(0.760) (0.752) (0.812)
Dimensão 0.049*** 0.060***
(0.010) (0.011)
Montante do Emp. 09:T4 -0.061***
(0.014)

Observações 422,523 422,523 305,190 305,190


R-squared 0.020 0.029 0.373 0.380
Relações bancárias >1 Não Não Sim Sim
Efeitos fixos empresa Não Não Sim Sim

Tabela 7: Financiamento de garantias do banco e oferta de crédito


Notas: A variável dependente é a taxa de crescimento dos empréstimos entre a
empresa ´i´ e o banco ´j´ entre o 4T2009 e o 4T2010. O financiamento de mercado é o
rácio de financiamento de mercado sobre ativos totais. O rácio de liquidez é o rácio
de caixa, reservas e ativos líquidos como fração do total de ativos. A rendibilidade
do ativo e o rácio de capital corresponde aos lucros antes de impostos e o capital de
base normalizados pelo total de ativos, respetivamente. O rácio do banco central é a
fração do passivo financiado pelo financiamento do banco central. Dimensão é o log
de ativos bancários. O montante do empréstimo do 4T:09 mede a força da relação
banco-empresa antes da incidência do choque. As colunas 1 e 2 consideram todas as
empresas, enquanto as colunas 3-4 consideram apenas as empresas com pelo menos
duas relações bancárias. Os desvios-padrão, entre parênteses e agrupados ao nível
do banco. ***, ** e * indicam níveis de significância de 1%, 5% e 10%, respetivamente.

efeitos da oferta de crédito bancário e, de seguida, voltar-nos-emos


para o lado das empresas e debatemos as dificuldades encontradas
por determinados grupos de empresas no refinanciamento das suas
dívidas, o que afetou significativamente o seu desempenho. A dis-
cussão da segunda parte é puramente baseada na análise realizada
em Buera e Karmakar (2018).

150
Investimento e financiamento

2.1. Oferta de crédito

A regressão estimada é dada por:

%∆Li,j,09:Q4−10:Q4 = Fin_mercadoj,09:Q4 + Bj,09:Q4 + αi + i,j (12)

A variável dependente, %∆Li,j,09:Q4−10:Q4 , é a taxa de crescimento


do crédito para cada par empresa-banco (i-j). A principal variável ex-
plicativa é Fin_mercadoj,09:Q4 e representa o rácio do financiamento
de mercado no total dos ativos do banco ’j’ antes da crise. Bj,09:Q4
é um vetor com controlos adicionais ao nível do banco enquanto αi
é um vetor de efeitos fixos de empresa para controlar pelo lado da
procura. Os resultados são apresentados na Tabela 7. Na coluna
1, analisamos se os bancos com uma maior percentagem de financia-
mento de mercado reduzem mais o crédito às empresas entre 2009:Q4
e 2010:Q4. Tal como mostram os resultados da coluna 1, utilizando
o total dos empréstimos às empresas, observa-se uma redução subs-
tancial do crescimento do crédito se o banco financiador tiver uma
maior exposição aos mercados internacionais de capitais. Na coluna
2, adicionamos um conjunto de controlos ao nível dos bancos. Nas
colunas 3 e 4, restringimos a amostra às empresas que obtiveram
crédito de pelo menos dois bancos diferentes, após dezembro de 2009.
O coeficiente associado ao financiamento de mercado reduz-se mas
mantém-se significativo ao nível de 1%, transmitindo a ideia de que
o efeito é muito mais forte se incluirmos empresas com apenas uma
relação bancária.
Poder-se-ia temer que os resultados pudessem ser mais impulsio-
nados por determinadas condições do lado da procura do que por
fatores do lado da oferta. Talvez as empresas mais fracas, com menor
procura de crédito, estivessem a obter crédito de bancos com um
nível mais elevado de financiamento de mercado. Para abordar esta
questão, incluímos efeitos fixos ao nível da empresa, nas colunas 3 e 4,
para controlar a heterogeneidade das características observáveis e não
observáveis. A intuição aponta para que mantenhamos a empresa
constante e nos questionemos se, no caso de dois bancos que em-
prestam à mesma empresa no 4T2009, a redução no crédito é maior
naqueles com um maior rácio de financiamento de mercado. Conse-
quentemente, estamos em condições de manter constante a procura
de crédito observada e não observada e isolar o efeito de oferta de
crédito. Em termos de magnitudes económicas, um aumento no
desvio padrão no rácio de financiamento de garantias leva a uma
descida de cerca de 4% no crescimento do crédito.
Nas colunas 3 e 4, observa-se também que os bancos bem capitaliza-
dos e os que apresentam rácios de liquidez mais elevados reduziram

151
O Crescimento Económico Português

menos a concessão de crédito e apresentaram maior capacidade de


absorção dos choques. Verificamos igualmente que os efeitos foram
mais fracos nos bancos de maior dimensão, o que indica que pode-
riam ter outras fontes de financiamento alternativas, a razão pela qual
a sua oferta de crédito foi menos afetada. Finalmente, na coluna 4,
controlamos o crédito entre a empresa e o banco em 4T2009 e encon-
tramos resultados semelhantes, que apontam para a natureza volátil
do financiamento de mercado e seus consequentes efeitos sobre os
mutuários. Os bancos com exposições relativamente mais elevadas
aos mercados de capitais tiveram dificuldade em obter financiamento
e, por isso, tiveram de fazer mais cortes nas suas operações. Contudo,
é importante salientar que este não foi um fenómeno generalizado.
Os resultados são muito mais fracos em bancos maiores com fontes
de financiamento alternativas e em bancos com rácios de capital e de
liquidez mais elevados. Os desvios-padrão são agrupados (cluster) ao
nível dos bancos mas os resultados são também robustos caso tal não
ocorra.

2.2. Efeitos reais

A evolução do mercado de crédito é importante na medida em que


tem efeitos reais. Se as empresas tiverem facilidade em substituir
a perda no financiamento bancário noutra fonte, não haverá um de-
clínio real na atividade económica. Assim, agora que documentámos
os efeitos da oferta de crédito, vamos concentrar-nos no lado real. A
discussão nesta subsecção baseia-se em Buera e Karmakar (2018) e
o leitor é aconselhado a ler o artigo, para mais informações. Aqui,
iremos discutir apenas os principais resultados e as conclusões.
Os efeitos da crise da dívida soberana sobre as empresas não foram
uniformes. As empresas que se encontravam significativamente mais
alavancadas e as que mantinham um valor relevante de dívida de
curto prazo nos seus balanços encontraram dificuldades em obter
novo crédito dos bancos, na sequência da crise.27 Por outro lado, não
houve redução significativa no crédito às empresas nos quartis infe-
riores da estrutura de endividamento e vencimento da dívida, o que
definitivamente parece ser um desenvolvimento positivo nos merca-
dos de crédito. Para se ter uma ideia das magnitudes, consideremos
uma empresa altamente alavancada que estava a obter crédito de dois

27 A alavancagem foi definida como a soma de todos os passivos que vencem juros
divididos pelo total de ativos, enquanto a dívida de curto prazo consistia na dívida
a vencer no ano seguinte. Uma empresa altamente alavancada foi definida como
sendo a que apresentava um índice de alavancagem superior a 47% no 4T2009. Uma
empresa com uma dívida de curto prazo elevada foi definida como sendo a que tem
uma dívida total superior a 53% da dívida total a vencer num horizonte de um ano.

152
Investimento e financiamento

bancos em simultâneo, um dos quais com uma exposição soberana


no decil superior (altamente exposto), enquanto que o outro tinha
uma exposição soberana no decil inferior (menos exposto). O banco
altamente exposto cortou o crédito à empresa altamente alavancada
em mais 3,5 pontos percentuais do que o banco menos exposto. O
número ficaria em 4,7 pontos percentuais para empresas de elevada
dívida de curto prazo. Os autores documentam também que tais
empresas não conseguiram o financiamento instantaneamente noutra
fonte, por exemplo, crédito comercial. Se fosse esse o caso, não se en-
contraria nenhum efeito no desempenho das empresas, porque estas
poderiam continuar as suas operações sem qualquer perturbação.
Este não foi o caso. As empresas "frágeis" não conseguiram obter fi-
nanciamento através de outros bancos ou empresas, pelo que tiveram
de reduzir a dimensão das suas operações e, portanto, reportar taxas
de crescimento inferiores em termos de emprego, ativos fixos e bens
intermediários. Para se ter uma ideia da amplitude, uma empresa al-
tamente alavancada contraiu mais 1,7 pontos percentuais, em termos
de emprego, do que sua contraparte com uma alavancagem inferior.
O valor era de 7,2 pontos percentuais no caso de ativos e de 3,9 pontos
percentuais em termos de bens intermediários. Esses números não
são negligenciáveis e dão uma noção de como os choques financeiros
se manifestam ao interagirem com as características da empresa. Os
efeitos são qualitativamente similares para empresas com um elevado
grau de endividamento de curto prazo nos seus balanços, embora de
forma quantitativamente menor.
Os resultados acima referidos apontam para o facto de que a ala-
vancagem e a maturidade mais curta da dívida parecem ser duas
dimensões importantes da heterogeneidade das empresas que influ-
enciam o seu crescimento e desempenho. Após documentarem tais
resultados, os autores dão um passo atrás e questionam: o que deter-
mina a distribuição dessas variáveis? É imperativo responder a esta
pergunta para que se possam formular recomendações de política
sólidas.
Os autores analisam teoricamente esta questão utilizando um mo-
delo simples de tomada de decisão das empresas. No modelo, as
empresas têm de emitir dívida para financiar uma oportunidade de
investimento. Podem escolher uma combinação otimizada de dívida
de curto e de longo prazo. Se a empresa emitir o montante ótimo
de dívida de longo prazo, então ficará protegida contra variações da
taxa de juros nos períodos intercalares (choque financeiro).28 Nesse
sentido, a dívida de longo prazo atua como uma ferramenta de segu-
rança na proteção contra os choques. Por outro lado, devido a um
28 Se o status quo é mantido, é o bom estado, mas se as taxas de juro forem mais altas,
equivale à materialização do mau estado

153
O Crescimento Económico Português

prémio de maturidade positivo, a dívida de longo prazo é onerosa.


Este trade-off gera uma solução interna para o montante de dívida de
longo prazo emitida. Os autores explicam que as empresas podem
estar a emitir acima do valor ótimo da dívida de curto prazo por
duas razões: podem estar à espera de fluxos de caixa mais altos no
futuro ou a taxa de juro da dívida de longo prazo é muito elevada.
As implicações dos dois casos são muito díspares. No primeiro caso,
o montante abaixo do ideal de dívida de longo prazo é exatamente
compensada pelos fluxos de caixa e, nesse caso, não há efeitos reais,
mesmo que o choque adverso se materialize. No segundo cenário,
esse não é o caso e, se o choque adverso ocorresse, a empresa teria que
se refinanciar no pico da crise (sem fluxos de caixa e sem suficiente
dívida de longo prazo), o que daria lugar a graves efeitos reais. Por
último, os autores voltam aos dados e documentam que a estrutura
de maturidade da dívida das empresas portuguesas é muito mais
sensível às taxas de juro específicas das empresas do que aos fluxos
de caixa. Este último exercício dá mais suporte aos resultados obtidos
anteriormente, no exercício empírico.

3. Observações finais

O acesso ao financiamento constitui um fator determinante para o


desempenho e o crescimento das empresas, especialmente em tempos
de crise, quando os bancos e as fontes de financiamento alternati-
vas são relativamente escassas. Acabamos de analisar a veracidade
desta afirmação tomando como exemplo a recente crise da dívida
soberana. Verificámos que os bancos que viam o risco nos seus
balanços a crescer, reduziram a concessão de empréstimos, mas esse
efeito foi atenuado para os bancos com rácios de capital e liquidez
sólidos. Na realidade, as empresas com valores de alavancagem
e de dívida de curto prazo significativamente mais elevados foram
as que encontraram dificuldades em se refinanciarem no pico da
crise e registaram, portanto, um baixo desempenho em termos de
crescimento. Portanto, o montante global da dívida (alavancagem)
e a estrutura de maturidade revelam-se dimensões importantes da
heterogeneidade das empresas. No decorrer de discussões recentes
no Eurosistema, tem sido prestada muita atenção à alavancagem das
empresas, mas a combinação da carteira de dívida em termos de
curto prazo versus longo prazo é um indicador igualmente impor-
tante do desempenho das empresas, que deve ser acompanhado e
discutido em maior detalhe.

154
Investimento e financiamento

Referências

Acharya, Viral, Tim Eisert, Christian Eufinger, e Christian Hirsch


(2014). “Real Effects of the Sovereign Debt Crisis in Europe:
Evidence from Syndicated Loans.” C.E.P.R. Discussion Papers,
(10108).
Benmelech, E, C Frydman, e D Papanikolaou (2018). “Financial
Frictions and Employment during the Great Depressions.”
Journal of Financial Economics.
Bentolila, S, M Jansen, G Jimenez, e S Ruano (2018). “When Credit
dries up: Job losses in the Great Recession.” Journal of the
European Economic Association, 16(3), 650–695.
Bofondi, M, L Carpinelli, e E Sette (2018). “Credit Supply during
a Sovereign Debt crisis.” Journal of the European Economic
Association, 16(3), 696–729.
Bottero, Margherita, Simone Lenzu, e Filippo Mezzanotti (2015).
“Sovereign debt exposure and the bank lending channel: impact
on credit supply and the real economy.” Bank of Italy, Economic
Research and International Relations Area, (1032).
Brunnermeier, M, L Garicano, R Lane, P, M Pagano, R Reis, T Santos,
D Thesmar, S Van Nieuwerburgh, e D Vayanos (2011). “European
Safe Bonds (Esbies).” www.euronomics.com.
Buera, Francisco e Sudipto Karmakar (2018). “Real Effects of
Financial Distress: The Role of Heterogeneity.” Working Paper,
Bank of Portugal, (6/18).
Chodorow-Reich, Gabriel (2014). “The Employment Effects of
Credit Market Disruptions: Firm-level Evidence from the 2008-9
Financial Crisis.” The Quarterly Journal of Economics, 129(1), 1–59.
Giroud, X e M Mueller, H (2017). “Firm Leverage, Consumer
Demand, and Employment Losses During the Great Recession.”
The Quarterly Journal of Economics, 132(1), 271–316.
Reis, R (2013). “The Portuguese Slump and Crash and the Euro
Crisis.” Brookings Papers on Economic Activity.

155
5.2. Qual é o impacto de restrições de
financiamento nas decisões de investimento e
saída de mercado das PME portuguesas?

Luísa Farinha, Sónia Félix

1. Motivação

[...], credit conditions remain very heterogeneous across countries and


sectors. According to the latest ECB survey on credit access by small- and
medium-sized enterprises (SMEs), supply constraints remain especially
strong for SMEs in stressed countries. The percentage of financially
constrained but viable SMEs – i.e. those with positive turnover in the last
six months seeking a bank loan – varies from a minimum of 1% in
Germany and Austria to a quarter of the total population in Spain and as
much as a third in Portugal.

Mario Draghi, Forum on Central Banking do BCE, 2014

A crise financeira global e a crise da dívida soberana em Portugal


conduziram a um processo de ajustamento económico caracterizado
pela forte contração da atividade económica e pela revisão em baixa
das expectativas dos agentes económicos. Os bancos portugueses
foram severamente afetados por restrições de financiamento nos mer-
cados internacionais e por requisitos mais exigentes de capital e con-
tribuíram para o processo de ajustamento da economia portuguesa.
De acordo com o Inquérito aos Bancos sobre o Mercado de Crédito
(Bank Lending Survey - BLS), a diminuição do crédito resultou do au-
mento da restritividade nos critérios e termos e condições aplicados
aos empréstimos e da diminuição da procura de crédito por parte das
empresas.
As restrições de financiamento têm implicações importantes na
dinâmica de mercado das empresas. As empresas podem ter que
operar numa escala mais pequena do que a desejada, podem perder
oportunidades de investimento e podem não conseguir fazer face a
necessidades temporárias de liquidez na presença de choques nega-
tivos. Apesar da heterogeneidade subjacente à dinâmica de mercado

157
O Crescimento Económico Português

das empresas ainda não estar plenamente compreendida, a relação


entre esta e os agregados macroeconómicos está amplamente docu-
mentada (Hopenhayn e Rogerson, 1993; Melitz, 2003; Klette e Kortum,
2004).
A literatura teórica enfatiza a importância de restrições de finan-
ciamento na dinâmica de mercado das empresas, nomeadamente nas
decisões de investimento e de saída do mercado. Fazzari et al. (1988)
explicam a evolução do investimento agregado com base na presença
de restrições de financiamento. Albuquerque e Hopenhayn (2004)
apresentam uma teoria de restrições de financiamento endógenas e
mostram que estas são um determinante importante do crescimento
e da sobrevivência das empresas. Cabral e Mata (2003) documentam
que a distribuição da dimensão das empresas da indústria transfor-
madora em Portugal é bastante enviesada para a direita, tornando-se
menos assimétrica com a passagem do tempo. A explicação para este
padrão baseia-se na presença de restrições de financiamento para as
empresas mais pequenas e mais novas. Cooley e Quadrini (2001) con-
sideram um modelo de dinâmica setorial com choques permanentes
e fricções nos mercados financeiros, e documentam que a combinação
destes pode explicar a dependência da dinâmica de mercado das
empresas na sua dimensão e idade. Adicionalmente, os modelos de
dinâmica de empresas documentam que as empresas mais peque-
nas podem ser mais sensíveis a uma deterioração das condições do
mercado de crédito em períodos de recessão (Perez-Quiros e Tim-
mermann, 2000) e a uma maior restritividade da política monetária
(Gertler e Gilchrist, 1994).
A literatura empírica sobre a importância da estrutura de capital
das empresas na sua dinâmica de mercado é reduzida. Mata et al.
(2010) documentam que as empresas com maior fração de dívida de
longo prazo sobrevivem mais. Farinha et al. (2018) estabelecem este
argumento para novas empresas. Farinha e Prego (2013) mostram
que as decisões de investimento das empresas estão correlacionadas
com a sua posição financeira. Carreira e Teixeira (2016) usam dados
ao nível da empresa para Portugal e mostram que as condições do
mercado de crédito no período entre 2004 e 2012 explicam a saída das
empresas do mercado, especialmente no caso das empresas grandes,
e a variação do emprego.
Farinha e Félix (2015) estimam um modelo de desequilíbrio para
avaliar a presença de restrições de financiamento e documentam que
aproximadamente 15% das PME portuguesas foram afetadas por res-
trições de financiamento parciais no período entre 2010 e 2012, ou
seja, foi-lhes concedido crédito bancário mas em montante inferior
ao solicitado. As autoras estimam ainda que neste período cerca
de 32% das PME não obteve empréstimos bancários apesar da sua

158
Investimento e financiamento

procura latente de crédito ser positiva. As estimativas sugerem que as


PME portuguesas procuraram crédito principalmente para financiar
a sua atividade operacional e não para investimento, sendo as PME
de menor dimensão e com menos capacidade para se financiarem
internamente as que procuraram mais crédito bancário. Por sua vez,
os bancos concedem mais crédito às empresas com mais capacidade
de gerar rendimento que lhes permita pagar a dívida e às empresas
com mais ativos para usar como colateral. A relevância dos emprés-
timos bancários como fonte de financiamento das PME portuguesas
sugere que estes resultados podem ter implicações importantes para
a dinâmica das empresas e dos mercados.
Esta Secção apresenta-se em duas partes. A primeira parte
baseia-se em Farinha e Félix (2015) e descreve o modelo de
desequilíbrio para o mercado de crédito estimado pelas autoras para
o período entre 2010 e 2012. Na estimação do modelo de
desequilíbrio para o mercado de crédito consideram-se apenas as
PME por ser o grupo de empresas que mais depende dos
empréstimos bancários como fonte de financiamento e que menos
acesso tem a fontes de financiamento externas. Na segunda parte da
análise, estima-se o impacto das condições de crédito da empresa
nas suas decisões de investimento e na probabilidade de saída do
mercado. Esta segunda parte segue o trabalho desenvolvido em
Félix (2018).

2. A procura e a oferta de crédito

2.1. O modelo de desequilíbrio

A primeira parte desta secção baseia-se na estimação de um modelo


de desequilíbrio para o mercado de crédito, que assume que a taxa de
juro observada não garante que a oferta é igual à procura de crédito.
O modelo de desequilíbrio é composto por três equações:

• Uma equação para a procura de novos empréstimos: NL?d =


fd (Xd bd ; ud );
• Uma equação para a oferta de novos empréstimos:
NL?s = fs (Xs bs ; us );
• Uma equação que relaciona a quantidade observada de crédito
com a procura e a oferta de crédito não observadas: NL =
min(NL?d ; NL?s ).

Assume-se que a procura de crédito depende de um conjunto de


variáveis Xd que compreendem a atividade económica da empresa,

159
O Crescimento Económico Português

a disponibilidade de fontes alternativas de financiamento (internas


e externas) e o custo da dívida bancária. Assume-se ainda que a
oferta de crédito é determinada por um conjunto de variáveis Xs
que medem o risco de crédito específico da empresa e o colateral
disponível. Os termos ud e us representam os fatores não observados
que afetam a procura e a oferta de crédito e assume-se que têm média
zero e variância σ2d e σ2s , respetivamente. Assume-se ainda que estes
dois termos podem estar correlacionados entre si. Este sistema de
equações é estimado usando o estimador de máxima verosimilhança.
As variáveis consideradas na análise têm por base os dados da
Informação Empresarial Simplificada - IES - que compreendem infor-
mação económica, financeira e contabilística das empresas e abrange
o universo de empresas não-financeiras portuguesas. Os detalhes
formais do modelo e a descrição detalhada dos determinantes da
procura e da oferta de novos empréstimos são apresentados em Fari-
nha e Félix (2015).
Assume-se que uma empresa é afetada por restrições de financia-
mento, ou seja, é parcialmente racionada quando a probabilidade da
procura latente de crédito ser superior à oferta de crédito é maior do
que 0,5. O modelo foi estimado para as PME no período entre 2010 e
2012.29

2.2. Restrições de financiamento

De acordo com as estimativas do modelo, cerca de 15% das PME por-


tuguesas com empréstimos bancários foram afetadas por restrições
de financiamento parciais, ou seja, o crédito que lhes foi concedido é
inferior à sua procura de crédito. As restantes estimativas do modelo
de desequilíbrio são reportadas na Tabela 8. De acordo com as esti-
mativas do modelo, as empresas mais afetadas foram as mais jovens
e mais pequenas e os setores de atividade económica mais afetados
foram a construção e o comércio.

29 As autoras consideram a amostra de PME portuguesas no período entre 2005 e


2012. O período relevante para a estimação começa em 2010 porque se impõe
na estimação do modelo de desequilíbrio que as empresas estejam pelo menos
quatro anos consecutivos na amostra. Adicionalmente, as autoras consideram
a estratégia de estimação a la Rivers e Vuong (1988) para limitar os problemas
de endogeneidade subjacentes à utilização de algumas variáveis e consideram as
primeiras diferenças desfasadas um e dois períodos temporais como instrumentos
das variáveis endógenas.

160
Investimento e financiamento

Restrições de
financiamento parciais
(em % do n.º de empresas
com empréstimos bancários)

PME 15
Empresas micro 19
Empresas pequenas 13
Empresas médias 9
PME jovens 26
Indústria transformadora 12
Construção 21
Comércio 16
Hotelaria e restauração 9
Informação e comunicação 11
Outros serviços 14

Tabela 8: PME afetadas por restrições de financiamento parciais.


Nota: O modelo foi estimado para o período entre 2010 e 2012.

3. Restrições de financiamento e dinâmica de mercado

3.1. Metodologia empírica

A segunda parte desta secção segue de perto o trabalho apresentado


em Félix (2018). A autora apresenta um modelo muito simples para
investigar em que medida a presença de restrições de financiamento
afetou as decisões de investimento e de saída de mercado das empre-
sas. A análise é realizada em dois passos: no primeiro passo, a autora
considera as estimativas do modelo de desequilíbrio para o mercado
do crédito estimado em Farinha e Félix (2015), para identificar as em-
presas afetadas por restrições de financiamento parciais no período
entre 2010 e 2012; e no segundo passo, a autora estima o impacto das
condições de crédito da empresa nas suas decisões de investimento e
na probabilidade de saída do mercado.
Considera-se a seguinte equação para estimar o impacto de restri-
ções de financiamento no investimento e na probabilidade de sobre-
vivência da empresa:

yit =β0 + αi + δs + λt + β1 RestriçõesFinanciamentoit +


(13)
β2 Dimensãoit + uit ,

161
O Crescimento Económico Português

em que yit assume duas variáveis: saída do mercado e taxa de in-


vestimento da empresa i no ano t. A saída de uma empresa no ano
t é identificada pela sua ausência da IES nesse ano, desde que essa
ausência não seja uma intermitência de reporte. A taxa de investi-
mento da empresa é o rácio entre a variação do ativo fixo líquido de
depreciações entre o ano t − 1 e o ano t e o ativo total da empresa.
A variável RestriçõesFinanciamento assume duas especificações alter-
nativas: a probabilidade da empresa ter sido afetada por restrições
de financiamento estimada em Farinha e Félix (2015); e uma variável
binária igual a um quando a probabilidade da procura latente de
crédito ser superior à oferta de crédito é maior do que 0,5, e zero
caso contrário. A variável Dimensão é uma variável categórica com
categorias micro, pequenas e médias empresas.30 Os termos δs e
λt denotam um conjunto de efeitos fixos para o setor de atividade
económica e para o tempo, respetivamente. O termo αi denota um
vetor de efeitos fixos da empresa e permite controlar para a heteroge-
neidade (observada e não observada) específica da empresa, desde
que seja constante ao longo do tempo.31 Os detalhes formais do
método de estimação são apresentados em Félix (2018).

3.2. Probabilidade de saída

Félix (2018) estima que as empresas afetadas por restrições de finan-


ciamento têm maior probabilidade de saída do mercado. Em particu-
lar, o efeito marginal estimado pelo modelo complementary log-log é
0,034, o que significa que quanto maior a probabilidade da empresa
ser afetada por restrições de financiamento, maior a probabilidade de
sair do mercado. A autora mostra ainda que a probabilidade de saída
do mercado para as empresas que foram afetadas por restrições de
financiamento parciais no período entre 2010 e 2012 é em média 1,61
pontos percentuais mais elevada, ceteris paribus. A taxa de saída do
mercado média para as empresas na amostra neste período é aproxi-
madamente 2,5% e, portanto, esta estimativa sugere que a probabili-
dade de sobrevivência das empresas com restrições de financiamento
é 64% mais baixa do que a das restantes empresas.
As estimativas sugerem ainda que a presença de restrições de fi-
nanciamento contribuiu para explicar a dinâmica do investimento no
período entre 2010 e 2012. Os resultados sugerem que o aumento
de um desvio-padrão na probabilidade da empresa ser afetada por

30 A classificação de empresas de acordo com a sua dimensão segue a classificação


europeia de PME.
31 Os efeitos fixos da empresa são incluídos somente na especificação da taxa de
investimento, uma vez que a variável saída do mercado se trata de um estado
absorvente, o que levaria à inconsistência dos efeitos fixos.

162
Investimento e financiamento

restrições de financiamento contribui para diminuir a taxa de investi-


mento em 1,6 pontos percentuais. Adicionalmente, de acordo com as
estimativas do modelo, a taxa de investimento das PME identificadas
como parcialmente racionadas é em média 2,7 pontos percentuais
mais baixa do que a das restantes empresas, ceteris paribus.
Em resumo, estes resultados estão de acordo com a literatura
teórica e empírica e sugerem que as restrições de financiamento são
importantes para explicar a dinâmica de mercado das empresas,
nomeadamente as suas decisões de investimento e de saída do
mercado, no período entre 2010 e 2012.

4. Considerações finais

Esta secção contribui para a literatura empírica sobre o impacto de


restrições de financiamento na dinâmica de mercado das empresas ao
analisar as decisões de investimento e de saída de mercado das PME
portuguesas afetadas por restrições de financiamento no período en-
tre 2010 e 2012. Os resultados sugerem que a probabilidade de so-
brevivência das empresas afetadas por restrições de financiamento
parciais é consideravelmente mais baixa do que a das restantes em-
presas. Estima-se ainda que a taxa de investimento das empresas
está negativamente correlacionada com a presença de restrições de fi-
nanciamento no mercado de crédito. Estes resultados estão de acordo
com a literatura teórica que sugere que as restrições de financiamento
têm um papel importante na dinâmica de mercado das empresas e
destaca a importância da diversificação nas fontes de financiamento
das PME portuguesas.

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164
5.3. Os choques no crédito bancário são relevantes
para as decisões de investimento das empresas?

João Amador, Arne Nagengast

1. Motivação

A avaliação do impacto dos choques nos bancos sobre o investimento


das empresas é um aspecto importante quando se trata de discutir
o crescimento económico. Em particular, investimentos baixos num
cenário de empréstimos bancários reduzidos podem ser um impedi-
mento ao crescimento. Embora a taxa de retorno dos investimen-
tos realizados pelas empresas e seus níveis de endividamento sejam
preocupações muito relevantes, a capacidade de apoiar os esforços
de investimento das empresas é uma tarefa básica para qualquer
sistema bancário. Estas considerações aplicam-se também à economia
portuguesa, especialmente perante um cenário de fraco investimento
e baixos níveis de capital por trabalhador. No entanto, identificar
a origem das variações no crédito é difícil, uma vez que o volume
total de empréstimos numa economia é função da procura e oferta de
crédito.
Esta secção, baseada em Amador e Nagengast (2016), adota a
metodologia sugerida por Amiti e Weinstein (2018) e mostra que os
choques de oferta de crédito têm um impacto considerável ao nível
da empresa, bem como no investimento agregado em Portugal. Os
choques adversos nos bancos prejudicam o investimento ao nível da
empresa em função da sua estrutura de capital e dimensão. Para a
economia como um todo, os choques granulares no sistema bancário
explicam uma parcela considerável da dinâmica do investimento
agregado.

2. O quadro analítico

Embora os estudos iniciais de identificação de choques de oferta de


crédito sejam baseados em dados agregados, as contribuições mais
recentes têm feito uso da disponibilidade crescente de bases de
dados de empréstimos por banco e empresa, explorando a variação

165
O Crescimento Económico Português

entre bancos de um evento exógeno que afeta os empréstimos, bem


como o facto das empresas obterem os seus empréstimos a partir de
diferentes instituições de crédito (por exemplo, Amiti e Weinstein
(2011); Chava e Purnanandam (2011); Jimenez et al. (2012); Schnabl
(2012); Chodorow-Reich (2014); Iyer et al. (2014); Miyakawa et al.
(2015); Dwenger et al. (2015); Kaoru et al. (2015); Paravisini et al.
(2015)). O principal obstáculo para aplicar as abordagens anteriores
a outros países é a dificuldade de encontrar instrumentos adequados
para identificar choques de oferta de crédito. Mesmo que esses
instrumentos estejam disponíveis, a análise é geralmente limitada ao
estudo de um episódio específico. Outra deficiência é que, embora
esses estudos tratem de forma convincente o problema de
identificação do choque no nível da empresa, permanecem em
silêncio relativamente ao efeito agregado na oferta de crédito.
Em Amador e Nagengast (2016), a identificação de choques
bancários é feita aplicando a metodologia proposta por Amiti e
Weinstein (2018) a um vasto conjunto de dados de empréstimos ao
nível empresa-banco. A metodologia decompõe a taxa de
crescimento das relações de crédito individuais entre choques
bancários, da empresa, da indústria e comuns, agregando para a
taxa de crescimento do crédito bancário na economia como um todo.
A Figura 38 representa um conjunto estilizado de relações
empresa-banco e visa fornecer a intuição básica subjacente à
estratégia de identificação. O argumento baseia-se no facto de que
cada banco serve uma sub-amostra de empresas e cada empresa
trabalha com um subconjunto de bancos. Deste modo, se existe um
choque numa relação entre banco e empresa, a fonte pode ser
atribuída à empresa caso o banco se comporte normalmente com
todos os seus outros clientes. Inversamente, se a empresa continua a
obter crédito de outros bancos em circunstâncias normais, tal
significa que o choque deve ser atribuído ao banco. Em síntese, a
metodologia explora a variação dos empréstimos das empresas entre
diferentes bancos.
Em comparação com uma abordagem simples de efeitos fixos, a
existência de uma restrição de soma nesta metodologia tem a van-
tagem de a tornar mais eficiente e fornecer estimativas agregadas
consistentes com a decomposição dos choques no nível micro.
A metodologia utilizada para separar os choques de oferta e de
procura de empréstimos requer dados sobre as empresas com
múltiplas relações bancárias, ou seja, a disponibilidade de
informações de empréstimos ao nível banco-empresa. Além disso, a
fim de avaliar o efeito de choques nos bancos sobre as decisões de
investimento das empresas, controlando pelas suas características,
são necessárias informações de balanço e demonstração de

166
Investimento e financiamento

Bancos Empresas

Choque de empresa #1
Choque bancário #1
Choque de empresa #2
Choque bancário #2
Choque de empresa #3
Choque bancário #3
Choque de empresa #4

Choque de empresa #5

Figura 38: Relações de crédito entre bancos e empresas


Notas: Este diagrama apresenta um conjunto estilizado de relações de crédito entre
bancos e empresas. Cada banco serve um subconjunto de empresas e cada empresa
trabalha com um subconjunto de bancos. Essa variação (juntamente com restrições
de soma) permite a identificação de choques bancários e de empresas. Se um choque
é observado num nódulo (uma relação banco-empresa), a fonte é atribuída à empresa
caso o banco se comporte normalmente com outros clientes, em vez disso, se a
empresa obtém crédito em circunstâncias normais noutras instituições, o choque é
atribuído ao banco.

resultados, ou seja, torna-se necessário ligar as informações do


credor-mutuário com outras características da empresa. As bases de
dados de registos de crédito e de balanços, num contexto em que
existe um identificador de empresa comum, permitem construir
uma base de dados microeconómica muito rica para Portugal para o
período 2005-2013.

3. Resultados

3.1. Choques bancários e investimento ao nível da empresa

Para quantificar o efeito dos choques dos bancos sobre o investimento


das empresas, usamos uma regressão de investimento tradicional
com cash flow e crescimento de vendas no ano anterior, que é uma
proxy normalmente utilizada para o Q de Tobin das empresas não co-
tadas (Whited, 2006; Bloom et al., 2007; Kaoru et al., 2015). Além disso,
incluem-se sempre efeitos fixos de empresa e anuais para controlar
pelas características não observadas no nível da empresa, bem como
pelos fatores comuns variáveis no tempo que afetam o investimento
em todas as empresas. A Tabela 38 apresenta os resultados de base,
bem como vários testes de robustez e especificações alternativas. Em

167
O Crescimento Económico Português

(1) (2) (3)


Variável dependente: Amostra Amostra Maiores
Investf,t /Capitalf,t−1 inteira inteira empresas

Cash Fl.f,t /Capitalf,t−1 0.0260∗∗∗ 0.0257∗∗∗ 0.00385∗∗∗

Cresc. vendasf,t−1 0.0388∗∗∗ 0.0295∗∗∗ 0.00104

Choque bancáriof,t 0.146∗∗∗ 0.0396


(0.00835) (0.0628)

Choque bancáriof,t × 0.147∗∗∗ 0.301∗∗


Média rácio emprés-ativof (0.0259) (0.143)

Choque de empresaf,t 0.133∗∗∗ 0.137∗∗∗


(0.00277) (0.0156)

Choque de empresaf,t × 0.142∗∗∗ 0.0451


Média rácio emprést-ativof (0.0142) (0.0419)

Choque de indústriaf,t 0.498∗∗∗ 0.141∗∗∗


(0.0293) (0.0545)
Efeitos fixos
Ano Sim Sim Sim
Firm Sim Sim Sim
Observações 656246 656246 21415
R2 0.356 0.388 0.418

Tabela 9: Investimento ao nível da empresa


Notas: Desvios padrão robustos entre parêntesis. ***p<0.01, **p<0.05 *p<0.1. São
eliminados os percentis 2.5 nos dois extremos da distribuição de cada variável. A
média empréstimo-ativo é definida para cada empresa como a média do rácio de
empréstimos sobre ativo no período amostral. As maiores empresas são as que se
situam nos três percentis superiores do volume de crédito, em cada ano.

consonância com a literatura, encontramos uma associação positiva


entre o investimento de uma empresa, o seu cash flow e as oportu-
nidades de investimento. Na coluna 2, acrescentamos o choque do
banco, empresa e indústria resultantes da decomposição dos emprés-
timos das empresas.32
Uma vez que nem todas as empresas têm a mesma estratégia de
financiamento, o efeito dos choques dos bancos sobre o investimento
difere provavelmente em função da dependência das empresas aos
empréstimos bancários. Por exemplo, um dado choque bancário
afetará menos as empresas que se financiam pouco nos bancos em
relação à sua dimensão do que aquelas que dependem quase inteira-

32 Não podemos incluir separadamente o choque comum, já que ele não varia entre as
empresas e, assim, já está absorvido no efeito fixo do ano.

168
Investimento e financiamento

mente do financiamento bancário. A fim de contabilizar as diferenças


na dependência bancária, incluímos um termo de interação com a
proporção média de empréstimos bancários em relação ao total de
ativos.33
A coluna 2 da Tabela 9 mostra que o coeficiente dos choques dos
bancos interagido com o rácio médio empréstimo-activo é positivo,
indicando que uma maior exposição a empréstimos bancários está
associada a um efeito mais pronunciado de choques bancários. En-
contramos igualmente um coeficiente positivo dos choques bancários
considerados autonomamente, o que significa que mesmo empre-
sas com poucos empréstimos bancários teriam financiado mais pro-
jetos de investimento na ausência de choques negativos na oferta
de crédito dos seus bancos. Como esperado, tanto o choque de
empresa quanto sua interação com o rácio médio empréstimo-ativo
apresentam um coeficiente positivo. Tal implica que o canal de en-
dividamento da empresa, por exemplo, capturando mudanças na
rendibilidade marginal do capital ou alterações na sua avaliação de
risco, têm um forte impacto sobre o investimento, que é mais pro-
nunciado para empresas altamente dependentes da oferta de crédito
bancário. Da mesma forma, encontramos um coeficiente positivo
para o choque da indústria, sugerindo que as oportunidades de in-
vestimento surgem frequentemente ao nível de indústrias específicas.
Por exemplo, elas podem estar relacionadas com o preço de bens
de investimento específicos da indústria ou a choques de procura e
produtividade comuns a todas as empresas da mesma indústria.
Repetimos o exercício de decomposição incluindo apenas as
maiores empresas no nosso conjunto de dados e na coluna 3
apresentamos os resultados para essa análise adicional. Neste caso,
o coeficiente dos choques bancários é estatisticamente indistinguível
de zero. Empresas muito grandes beneficiam relativamente às
restantes quando as condições de crédito se estreitam, enquanto as
pequenas empresas não possuem fontes alternativas de
financiamento e podem sofrer na presença de condições de
financiamento adversas, mesmo que sua exposição a empréstimos
bancários seja relativamente baixa. Os coeficientes das restantes
variáveis não mudam de sinal. Os choques dos bancos interagidos
com a relação média entre empréstimos bancários e ativos tornam-se
mais importantes, enquanto os choques da empresa se tornam
menos importantes. Da mesma forma, o coeficiente de choques da
indústria é menor, indicando que a sua dinâmica parece ser um
pouco menos importante do que para empresas menores.

33 Como a média entre empréstimos bancários e ativos é invariante no tempo, não


podemos incluí-lo separadamente na regressão, uma vez que já está absorvida no
efeito fixo da empresa.

169
O Crescimento Económico Português

A ampla cobertura das empresas na base de dados suporta os re-


sultados de Amiti e Weinstein (2018) e torna possível analisar de que
forma o efeito dos choques de oferta de crédito varia entre empresas
com características diferentes. As pequenas empresas são muito mais
vulneráveis ao impacto negativo dos choques nos bancos sobre o
investimento, principalmente por dois motivos. Primeiro, os seus
empréstimos bancários contraem-se mais do que nas grandes empre-
sas, já que são menos capazes de substituir os seus empréstimos de
outros bancos. Além disso, elas têm uma parcela maior de créditos
de curto prazo e podem por isso ser consideradas mais arriscadas
do que empresas maiores. Em segundo lugar, embora as fontes alter-
nativas de financiamento mitiguem o impacto adverso dos choques
nos bancos sobre o investimento, as pequenas empresas são quase
inteiramente dependentes destes créditos e, portanto, sentem o peso
total das perturbações na oferta de crédito dos seus bancos.

3.2. Choques bancários e dinâmica do investimento agregado

Uma característica importante da metodologia proposta por Amiti


e Weinstein (2018) é que ela também fornece uma decomposição
das taxas de crescimento dos empréstimos em choques bancários,
empresariais, industriais e comuns ao nível agregado. A Figura 39
apresenta os resultados agregados desta decomposição para dados
trimestrais entre 2005 e 2014. A série do choque bancário agregado
é caracterizada por duas contrações pronunciadas durante as quais
os valores se tornam negativos, indicando que os bancos maiores em
Portugal foram particularmente atingidos por choques idiossincráti-
cos na última década.
A fim de avaliar a importância relativa dos choques, podemos
correlacioná-los com a taxa de crescimento do investimento excluindo
habitação. O choque bancário agregado explica 37 a 38 por cento da
dinâmica do investimento, enquanto o choque agregado comum e de
empresa são muito menos importantes (representando cerca de 1 a 3 e
10 a 12 por cento, respectivamente). Assim, a análise também fornece
evidência sobre a importância dos choques bancários granulares na
explicação das flutuações do investimento agregado em Portugal.

170
Investimento e financiamento

15

10

Percentagem
0

-5

-10

-15

-20
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Choque das empresas Choque dos bancos

Figura 39: Choque agregado das empresas e dos bancos

4. Notas finais

Em termos gerais, os choques na oferta de crédito bancário têm um


efeito negativo e robusto no investimento da empresa média em Por-
tugal. Além disso, as pequenas empresas são muito mais vulneráveis
ao impacto negativo dos choques nos bancos sobre o investimento. O
sistema bancário em Portugal - como na maioria dos outros países
- é muito concentrado. Os dez maiores bancos representam mais
de três quartos do volume total de empréstimos na base de dados.
Tal implica que os choques idiossincráticos nessas instituições não se
dissipam no agregado, podendo ter um efeito considerável no total
de empréstimos e, portanto, no investimento.
O esforço em curso para reduzir o nível de crédito em incumpri-
mento na economia portuguesa e a recapitalização dos bancos deverá
reduzir a prevalência de choques bancários, tendo assim um impacto
positivo no investimento. Além disso, a diversificação das fontes de
financiamento das empresas, com um maior papel para os mercados
de capitais, será benéfica para as proteger de choques adversos nos
bancos.

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172
5.4. Estará o crédito bancário a ser alocado às
empresas mais produtivas?

Nuno Azevedo, Márcio Mateus, Álvaro Pina34

1. Enquadramento

O crescimento económico a longo prazo depende em larga medida


da capacidade de alocar recursos às empresas mais produtivas,
permitindo-lhes investir e expandir-se. Os bancos desempenham um
papel de relevo nesta alocação, especialmente em economias como
as da União Europeia, fortemente dependentes de crédito bancário.
A eficiência na afetação de crédito bancário terá, assim,
consequências importantes para a prosperidade de um país.
Uma ineficiente afetação de recursos, especialmente no que diz
respeito ao crédito, é ainda mais preocupante na medida em que
poderá estar associada a um ciclo vicioso. Com efeito, a proliferação
de empresas de baixa produtividade tende a congestionar os merca-
dos, prejudicando a entrada ou o crescimento de concorrentes mais
eficientes (Caballero et al. (2008); Adalet McGowan et al. (2017)). O
apoio dos bancos a essas empresas através de empréstimos sucessivos,
que é uma causa da referida proliferação, implica assim um prolonga-
mento da má alocação do crédito e poderá refletir-se na diminuição
do crédito disponível para as empresas mais produtivas.
A presente secção, com base em Azevedo et al. (2018), analisa duas
questões relacionadas. Em primeiro lugar, como é que o stock de
crédito concedido pelos bancos a operar em Portugal se encontra
distribuído pelas empresas portuguesas, tendo em conta os seus dife-
rentes níveis de produtividade. Em segundo lugar, em que medida
uma eventual má alocação do crédito influencia negativamente a re-
alocação para as empresas mais produtivas.
As ligações entre a afetação de crédito e a produtividade têm parti-
cular relevância para Portugal. Apesar de nos últimos anos se terem
registado desenvolvimentos positivos, como a crescente afetação de
novos empréstimos bancários a empresas com menor risco (que ten-
dem a ser mais produtivas) e, desde 2016, uma redução substancial

34 Álvaro Pina trabalhava no Banco de Portugal quando esta Secção foi redigida.

173
O Crescimento Económico Português

do volume de empréstimos improdutivos, ou NPL (Banco de Portu-


gal (2017), Banco de Portugal (2018a)), continuam a existir desafios
importantes. O peso relativo dos empréstimos improdutivos nos
balanços dos bancos continua a ser dos mais elevados na área do
euro (Banco de Portugal (2018a)).35 Além disso, diversos estudos
têm documentado o agravamento da afetação ineficiente de recur-
sos na economia portuguesa na primeira década deste século (Dias
et al. (2016); Gopinath et al. (2017); Reis (2013)), com uma melhoria
moderada em alguns setores desde então (Dias e Marques (2018)).
No entanto, estes estudos, ao contrário do nosso, não analisaram
conjuntamente a informação contabilística das empresas e o crédito
concedido pelos bancos.

2. Dados

A nossa amostra resultou da conjugação de duas bases de dados do


Banco de Portugal de cobertura praticamente universal para Portugal
no período 2006-2016: a Central de Balanços e a Central de Respon-
sabilidades de Crédito (CRC). A primeira tem por base o reporte
anual da Informação Empresarial Simplificada (IES) sobre variáveis
de balanço e demonstração de resultados das empresas. Com estes
dados classificamos as empresas em setores (64 no total) e calcu-
lamos a produtividade de cada empresa. De forma mais técnica,
calculamos a denominada produtividade total dos fatores (TFP) com
base numa função de produção em que o valor acrescentado bruto
(VAB) depende do emprego (L) e do stock de capital (K, medido como
o valor contabilístico dos ativos tangíveis e intangíveis, líquido de
depreciação). Da CRC obtemos os empréstimos por liquidar em fim
de ano (produtivos ou não) concedidos a empresas por instituições
de crédito a operar em Portugal. Para além disso, agregamos as
instituições de crédito individuais em nove grupos distintos: os oito
maiores grupos bancários e um nono grupo, residual, que abrange
o resto do sistema bancário (estes grupos serão adiante designados
simplesmente por bancos).
A fim de maximizar a cobertura do crédito concedido, a nossa
amostra inclui também as empresas com empréstimos por liquidar
que não reportem dados contabilísticos (IES). A base de dados resul-
tante abrange cerca de 95% do total do crédito por liquidar às so-
ciedades não financeiras registado na CRC (os 5% remanescentes são
explicados sobretudo pela exclusão de alguns setores de atividade
devido a dificuldades técnicas na estimação da produtividade).
35 Dever-se-á encarar com cautela as comparações internacionais dos créditos
improdutivos (NPL), pelo facto da definição dos NPL envolver algum grau de
subjetividade e não ser, por isso, totalmente harmonizada entre países.

174
Investimento e financiamento

3. Afetação do crédito a empresas com diferentes níveis de produ-


tividade

Com base na nossa base de dados, não foi possível calcular a produ-
tividade para todas as empresas, impossibilidade que é mais evidente
no caso das empresas que não reportaram a informação da IES. A
nossa estratégia para caracterizar a afetação de crédito consistiu então
em classificar as empresas em sete categorias diferentes e avaliar
quais delas têm, ou provavelmente terão, uma produtividade muito
baixa. As empresas nestas categorias serão designadas como empre-
sas não produtivas.
As categorias são definidas com base no seguinte: i) se as empresas
reportam IES, ii) os valores das três variáveis chave para a estimação
da produtividade (valor acrescentado bruto, emprego e stock de ca-
pital) e iii) se as empresas são zombie. Estas últimas são empresas
antigas e financeiramente frágeis, que frequentemente se mantêm
em funcionamento graças ao apoio dos bancos, que lhes concedem
crédito sucessivamente para adiar o inevitável reconhecimento de
perdas (“empréstimos novos para reembolsar empréstimos antigos”).
Tendo por base Adalet McGowan et al. (2017), consideramos que uma
empresa é zombie se tiver pelo menos 10 anos de idade e, durante
três anos consecutivos, um resultado operacional inferior aos juros
suportados.
A Tabela 10 apresenta, para 2016, o número de empresas incluídas
em cada uma das sete categorias definidas - aquelas consideradas
não produtivas encontram-se a sombreado. A produtividade (TFP)
pode ser calculada para as empresas que registem, simultaneamente,
valores positivos de valor acrescentado, emprego e stock de capital.
Pode ser maior ou menor, mas não há razão para encarar estas em-
presas, no seu conjunto, como não produtivas, à exceção das que
cumprem os critérios de zombie (que, com efeito, apresentam muito
menor produtividade). Pelo contrário, a produtividade não pode ser
calculada para empresas com valor acrescentado positivo, stock de
capital positivo e emprego nulo, mas esta ausência de pessoal pode
estar associada a razões tecnológicas e não à baixa produtividade
(tomemos o exemplo de um parque eólico). Contudo, quando as
empresas apresentam valor acrescentado ou stock de capital negativo
ou nulo, a sua produtividade é motivo de preocupação: a capacidade
de estas empresas criarem valor é provavelmente muito baixa, e uma
situação de amortização total da maquinaria (stock de capital igual a
zero) não augura nada de bom para a eficiência das operações. Uma
última categoria inclui as empresas sem reporte de IES, ausência que
frequentemente persiste por muitos anos. Estas empresas podem es-
tar a enfrentar dificuldades, subsistindo com atividade semi-informal,

175
O Crescimento Económico Português

Zombies Não zombies


VAB, K, L >0 9.903 185.584
Empresas com
reporte de IES VAB, K >0, L=0 ou omisso 745 14.597
VAB 6 0 ou K 6 0 19.763 128.716
Empresas sem reporte de IES
48.166
mas com empréstimos por liquidar

Tabela 10: Número de empresas em cada uma das 7 categorias | 2016


Nota: As categorias consideradas não produtivas encontram-se a sombreado (para
mais pormenores, ver texto).

N.º Obs Média Desv. P. P10 P25 P50 P75 P90

Por setor a 2 dígitos (S) 512 25,2 15,2 8,8 14,9 22,8 31,8 46,3
Por banco (B) 72 36,5 8,5 26,2 30,3 36,2 43,4 48,1

Tabela 11: Percentagem do crédito bancário afeto a empresas não produtivas


| Estatísticas descritivas, 2008-2015

ou inclusivamente tendo já encerrado (deixando empréstimos por


pagar). Estas empresas são, por conseguinte, consideradas não pro-
dutivas.
Os resultados apresentam evidência de uma afetação ineficiente
dos empréstimos bancários, uma vez que uma percentagem signi-
ficativa do crédito por liquidar está associado a empresas de muito
baixa produtividade (Figura 40). Esta percentagem aumentou entre
2008 e 2013, com o agravamento da recessão, tendo posteriormente
diminuído.36 Menos de metade deste crédito está associado a em-
presas zombie, o que reforça a relevância do conceito mais lato de
empresas não produtivas. Além do mais, o peso das empresas não
produtivas no crédito bancário supera o seu peso no stock de capital
ou no emprego (Azevedo et al. (2018)).
A afetação ineficiente do crédito é especialmente elevada na cons-
trução e no imobiliário, mas é também uma preocupação em muitos
outros setores (Figura 41). A dispersão na percentagem de crédito
afeto a empresas não produtivas é maior entre setores do que entre
bancos, onde, não obstante, ela é substancial (Tabela 11). A secção
seguinte estuda a forma como esta dispersão influencia as variações
no crédito.
36 A percentagem de crédito afeto a empresas sem reporte de IES estará algo
sobrestimada no último ano considerado (2016), dado que i) algumas empresas,
provavelmente, apenas terão reportado a IES após o prazo estabelecido e ii) outras
empresas têm um prazo de reporte mais tardio devido ao facto de o exercício
económico não coincidir com o ano civil. Em nenhum dos casos foi considerado
o reporte mais tardio.

176
Investimento e financiamento

50

40

30

20

10

0
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Firms without IES reporting
Non‐zombie firms with GVA <=0 or K <=0
Zombies

Figura 40: Peso das empresas não produtivas no total do crédito bancário a
empresas | Em percentagem

14
Peso (%) do setor no total do crédito

12

10

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Peso (%) das empresas não produtivas no crédito

Figura 41: Peso (%) das empresas não produtivas no total do crédito
bancário a empresas por setor de atividade a dois dígitos | 2016
Nota: Os setores da construção e imobiliário estão assinalados num tom
mais escuro.

4. Reafetação do crédito para empresas de maior produtividade

Por forma a analisar a reafetação do crédito estimamos um modelo


econométrico que mede a resposta do crescimento do crédito à pro-
dutividade das empresas. Adicionalmente, procuramos analisar de
que forma essa resposta é influenciada pela percentagem do crédito
afeto às empresas não produtivas. O crescimento do crédito corres-
ponde (aproximadamente) à variação percentual entre os anos t − 1
e t do crédito por liquidar concedido à empresa i pelo banco b.
A produtividade das empresas corresponde (aproximadamente) ao
desvio percentual da TFP da empresa i face à média do respetivo

177
O Crescimento Económico Português

setor em t − 1 (utilizar a produtividade em t causaria problemas de


simultaneidade, uma vez que tal produtividade poderia depender do
crescimento do crédito). A percentagem de crédito afeto a empresas
não produtivas (também em t − 1) é definida por setor e por banco, e
representada respetivamente por S e B (ver Tabela 11).
O modelo econométrico também tem em consideração a idade e a
dimensão da empresa, choques específicos aos setores não
observáveis e variáveis no tempo (resultantes, por exemplo, do ciclo
económico) e caraterísticas dos bancos não observáveis e variáveis
no tempo.
A resposta do crédito à produtividade dependerá dos coeficientes
estimados e das percentagens S e B. O crescimento do crédito não
dependerá apenas da produtividade, mas também das variáveis men-
cionadas no parágrafo anterior. Contudo, se todas estas variáveis
forem iguais para um par de empresas, a diferença esperada no cres-
cimento do crédito entre uma e outra empresa apenas dependerá i) da
resposta do crédito à produtividade (que será dependente do setor e
do banco) e ii) da diferença na produtividade entre as duas empresas.
No que se segue, centramo-nos nesta diferença no crescimento do
crédito a fim de sintetizar os resultados econométricos.
Consideremos então duas empresas das mesmas classes de idade
e de dimensão, a operar no mesmo setor e a contrair crédito junto
do mesmo banco. Uma é mais produtiva (situando-se no percentil
75 – P75 – da distribuição estatística da produtividade das empre-
sas) e a outra menos produtiva (no P25). A diferença entre as duas
empresas no crescimento do crédito irá, assim, depender de o setor
das empresas ter S elevado ou baixo e de o banco mutuante ter B
elevado ou baixo. Se S for elevado (isto é, se as empresas operam num
setor em que um grande volume de crédito está afeto a empresas não
produtivas), digamos 46%, no P90 da distribuição setorial (Tabela 11),
a diferença no crescimento do crédito será de 3,3 pontos percentuais
(p.p., Figura 42, painel da esquerda). Este resultado é compatível com
um crescimento do crédito de 7% para a empresa mais produtiva e de
3,7% para a menos produtiva, ou com um crescimento do crédito de
1% e -2,3%, respetivamente. Pelo contrário, se S for baixo, digamos
9% (no P10), a diferença no crescimento do crédito entre a empresa
mais e menos produtiva aumenta para 6,0 pp. Realizando um exer-
cício semelhante para B (Figura 42, painel do centro), é possível
verificar que uma maior percentagem de empréstimos a empresas
não produtivas na carteira de crédito do banco mutuante também
reduz a diferença no crescimento do crédito entre as duas empresas.
Como seria de esperar, considerar valores elevados face a valores
baixos tanto de S como de B produz um maior contraste (Figura
42, painel da direita), com o desvio da diferença no crescimento do

178
Investimento e financiamento

7.0
              Setores diferentes 7.0
       Bancos diferentes 7.0
Setores e bancos diferentes
6,7
6,0
5,7

4,3
3,3
2,6

0.0 0.0 0.0


S no P10 S no P90 B no P10 B no P90 S e B no P10 S e B no P90

B no P50 S no P50

Figura 42: Diferença no crescimento do crédito entre uma empresa mais


produtiva e uma empresa menos produtiva| Pontos percentuais
Notas: B representa o peso do crédito concedido por banco a empresas não
produtivas. S denota o peso do crédito bancário ao setor s alocado a empresas
não produtivas.

crédito entre a empresa mais e menos produtiva a atingir cerca de 4


pp (6,7 menos 2,6 pp). Este desvio diminui para cerca de 2,5 pp se o
modelo econométrico for reestimado sem as empresas dos setores da
construção e imobiliário.
Concluímos assim que a afetação ineficiente do crédito existente
(isto é, valores elevados de S e B) pode prejudicar significativamente
a reafetação do crédito, ao enfraquecer a resposta do crescimento do
crédito à produtividade das empresas.

5. Interpretação dos resultados

A afetação de crédito depende quer da oferta quer da procura de


crédito. As decisões de oferta tomadas pelos bancos podem
ocorrer-nos em primeiro lugar, mas as decisões de procura tomadas
pelas empresas não deverão ser esquecidas. Por exemplo, nos
últimos anos, algumas empresas portuguesas têm obtido cada vez
mais financiamento nos mercados de capitais internacionais (Banco
de Portugal (2018b)), o que provavelmente as levou a reduzir a
procura de empréstimos concedidos por bancos a operar em
Portugal. Um aumento dos fundos próprios através da retenção de
lucros, como aconteceu nas PME (micro, pequenas e médias
empresas) portuguesas nos últimos anos, pode também pesar sobre
a procura de crédito.
As múltiplas decisões de oferta e procura tomadas em diferentes
momentos no tempo, quando os empréstimos por liquidar foram
concedidos, estão subjacentes à afetação de crédito observada num
determinado período. Uma percentagem elevada de crédito afeto
a empresas não produtivas pode refletir más decisões no momento
da concessão dos empréstimos, mas também o impacto de aconteci-

179
O Crescimento Económico Português

mentos posteriores. Por exemplo, uma crise económica profunda, na


sequência de uma longa acumulação de desequilíbrios pela economia
portuguesa, ajuda a explicar o aumento acentuado da percentagem
de crédito afeto a empresas não produtivas entre 2008 e 2013 (Figura
40). Por seu turno, é provável que más decisões de procura e de oferta
de crédito tenham contribuído para o peso de quase 30% do crédito
a empresas não produtivas no total do crédito a empresas em 2008
(Figura 40), quando a pior fase da crise ainda estava para vir.
A reafetação do crédito reflete igualmente o efeito conjunto da
oferta e da procura, que o nosso modelo econométrico não tenta sepa-
rar, o que nos obriga a uma interpretação cautelosa do impacto nega-
tivo da afetação ineficiente do crédito na capacidade de resposta do
crédito à produtividade. Não obstante, algumas explicações possíveis
podem ser adiantadas. Uma carteira de crédito de fraca qualidade
pode levar os bancos, para atrasar o reconhecimento de perdas, a
manter a concessão de crédito às mesmas empresas não viáveis ou
a adiar o abate ao ativo de empréstimos que provavelmente nunca
serão reembolsados. No entanto, o reforço de medidas de super-
visão, especialmente desde 2016, refreou este comportamento.37 A
nível setorial, efeitos de congestionamento (resultantes da prolifera-
ção de empresas de baixa produtividade) podem ajudar a explicar
um enfraquecimento da reafetação: as empresas saudáveis têm mais
dificuldades em crescer (por exemplo, dado que as empresas inefi-
cientes que não encerram conservam alguma quota de mercado) e,
por conseguinte, reduzem a sua procura de financiamento (junto dos
bancos e de outras fontes), enquanto os bancos, conscientes da baixa
rentabilidade das empresas no setor em questão, podem também
restringir a oferta de crédito.

6. Conclusões

Apesar de desenvolvimentos positivos registados desde 2013, como


uma reorientação nos novos empréstimos de empresas de maior
para empresas de menor risco, ainda existe uma afetação ineficiente
de crédito na economia portuguesa: uma grande percentagem do
crédito por liquidar concedido por bancos residentes a empresas não
financeiras encontra-se afeto a categorias de empresas que têm, ou é
provável que tenham, uma produtividade muito baixa. Além disso,
foi possível concluir que o peso do crédito associado a estas
empresas prejudica a reafetação de crédito: a resposta positiva do
crescimento do crédito à produtividade das empresas torna-se mais
37 Por exemplo, alguns dos principais bancos vincularam-se ao cumprimento dos
planos de redução de NPL apresentados às autoridades de supervisão (Banco de
Portugal (2018a)).

180
Investimento e financiamento

fraca, e o fluxo de crédito para as empresas eficientes (relativamente


às ineficientes) regista, assim, um abrandamento. Entre outras
limitações, muitas das quais são discutidas em diferentes Secções
deste livro, esta reafetação mais lenta pode dificultar o investimento
e o crescimento das melhores empresas.
A reafetação do crédito para as empresas mais produtivas deverá
acontecer em simultâneo com o reequilíbrio da estrutura de finan-
ciamento das empresas, no sentido de um maior recurso aos fundos
próprios e de um menor recurso a dívida. Apesar dos progressos sig-
nificativos a este nível desde 2012, especialmente para as PME, as em-
presas portuguesas ainda estão altamente endividadas (e, concomi-
tantemente, pouco capitalizadas) em comparação com os padrões eu-
ropeus. Este enquadramento pode dissuadir o investimento, e torna
a economia mais vulnerável a choques adversos (Banco de Portugal
(2017)). Por conseguinte, uma melhor afetação de crédito e uma
maior capitalização das empresas constituem uma dupla alavanca
não só para um sistema bancário mais resiliente mas também para
um crescimento económico mais forte.

Referências

Adalet McGowan, M., Dan Andrews, Valentine Millot, et al. (2017).


“The Walking Dead?: Zombie Firms and Productivity Perfor-
mance in OECD Countries.” OECD Economics Department
Working Papers No. 1372.
Azevedo, Nuno, Márcio Mateus, e Álvaro Pina (2018). “Bank credit
allocation and productivity: stylised facts for Portugal.” Working
Paper 25, Banco de Portugal.
Banco de Portugal (2017). Relatório de Estabilidade Financeira
Dezembro.
Banco de Portugal (2018a). Relatório de Estabilidade Financeira
Junho.
Banco de Portugal (2018b). Boletim Económico Maio.
Caballero, Ricardo J, Takeo Hoshi, e Anil K Kashyap (2008). “Zombie
lending and depressed restructuring in Japan.” American Eco-
nomic Review, 98(5), 1943–77.
Dias, Daniel A e Carlos Robalo Marques (2018). “Every cloud has
a silver lining: micro-level evidence on the cleansing effects of
the Portuguese financial crisis.” Working Paper 18, Banco de
Portugal.
Dias, Daniel A, Carlos Robalo Marques, e Christine Richmond
(2016). “Misallocation and productivity in the lead up to the
Eurozone crisis.” Journal of Macroeconomics, 49, 46–70.
Gopinath, Gita, Şebnem Kalemli-Özcan, Loukas Karabarbounis,
e Carolina Villegas-Sanchez (2017). “Capital allocation and
productivity in South Europe.” The Quarterly Journal of Economics,
132(4), 1915–1967.

181
O Crescimento Económico Português

Reis, Ricardo (2013). “The Portuguese Slump and Crash and the
Euro Crisis.” Brookings Papers on Economic Activity, pp. 143–193.

182
6.1. O que nos diz a margem preço-custo e o poder
negocial dos trabalhadores sobre os mercados em
Portugal?

Ricardo Pinheiro Alves, Carlos Figueira

1. Motivação

O crescimento económico sustentado e o maior bem-estar agregado


requerem a alocação eficiente de recursos na economia, que é re-
forçada por um maior nível de concorrência nos mercados. Por isso,
e numa perspectiva de política pública, é crucial identificar os merca-
dos com um baixo grau de concorrência.
A avaliação da concorrência é especialmente relevante para a econo-
mia portuguesa. Em primeiro lugar, uma configuração competitiva
débil favoreceu uma alocação excessiva de recursos em sectores pro-
tegidos da concorrência externa antes da crise mais recente, afetando
negativamente a produtividade e o bem-estar. Mais recursos foram
desviados de atividades orientadas para a exportação, contribuindo
para o crescimento dos desequilíbrios externos. Em segundo lugar,
durante o último programa de assistência económica e financeira, Por-
tugal comprometeu-se com uma série de reformas estruturais, muitas
delas com o objectivo de aumentar a concorrência nos mercados do
produto. Por estas razões, torna-se necessário avaliar a evolução
recente dos indicadores de concorrência.
O markup (margem preço-custo) é um indicador normalmente uti-
lizado para medir o grau de concorrência num determinado mercado.
Ao medir a diferença entre o preço de venda e o custo de produção de
um bem ou serviço, podemos avaliar a capacidade das empresas em
aumentar os lucros pela manutenção de preços acima dos seus custos
marginais. Uma margem positiva implica a rejeição da hipótese de
mercados perfeitamente competitivos, sinalizando que as empresas
detêm poder de mercado.
No entanto, a concorrência perfeita no mercado do produto tam-
bém exige a existência de concorrência perfeita no mercado de tra-
balho, situação em que os trabalhadores são pagos exatamente de
acordo com a sua produtividade. Há evidência empírica significativa

185
O Crescimento Económico Português

de que essa condição não se verifica e, mais importante, manter esse


pressuposto levará à persistente subestimação do poder de mercado
das empresas.
Esta coluna avalia a evolução da concorrência no mercado do pro-
duto em Portugal entre 2010 e 2016, através da estimação de markups,
tanto no mercado do produto como no mercado de trabalho. Os
resultados evidenciam a necessidade de abordar as imperfeições do
mercado de trabalho e do produto de forma integrada. Adicional-
mente, confirmamos que há uma margem significativa para aumen-
tar a concorrência na economia portuguesa. Durante o período em
análise, as margens preço-custo estimadas exibem um padrão estável,
enquanto o poder negocial dos trabalhadores apresenta uma tendên-
cia de queda, o que significa que a capacidade dos trabalhadores em
extrair parte dos lucros dos seus empregadores diminuiu significati-
vamente.

2. Enquadramento metodológico

A metodologia utilizada para estimar os markups é baseada nos tra-


balhos de Hall (1988) e Roeger (1995). Ambos foram inspirados pela
contribuição seminal de Solow (1957), que introduziu a contabilidade
do crescimento para determinar o papel do progresso tecnológico,
e foram mais longe ao deixarem cair o pressuposto de concorrência
perfeita no mercado do produto, tornando assim possível a estimação
de markups.
Ao assumir uma função de produção neoclássica simples e
seguindo os mesmos pressupostos de Solow (1957), é possível
derivar o resíduo de Solow, que corresponde à diferença entre o
crescimento total do produto e a parte que é explicada pela
acumulação de capital, trabalho e inputs intermédios. Assumindo
certos pressupostos, o resíduo de Solow seria exatamente igual ao
progresso tecnológico, mas ao deixar cair o pressuposto de
concorrência perfeita no mercado do produto, essa equivalência
deixa de existir.
No entanto, num cenário de concorrência imperfeita, o resíduo de
Solow pode ser decomposto numa componente tecnológica e num
markup. Dado que a componente tecnológica é inobservável, Roeger
(1995) propôs considerar a diferença entre o resíduo de Solow (pri-
mal) e o seu dual, que é derivado da função de minimização de
custos da empresa, de forma a que seja possível eliminar o parâmetro
não observado e, consequentemente, estimar de forma consistente os
markups.

186
Mercado do produto

No entanto, tanto Roeger (1995) como Hall (1988) assumiram mer-


cados de trabalho perfeitamente competitivos, onde o poder negocial
dos trabalhadores seria nulo. Como há evidência empírica de que os
markups são significativamente subestimados nestas condições, a sua
abordagem foi modificada de forma a ter em conta também a existên-
cia de concorrência imperfeita no mercado de trabalho (Crépon et al.
(2005); Abraham et al. (2009)).
No contexto de um mercado de trabalho imperfeito, é possível
assumir que os salários e o número de trabalhadores são escolhidos
simultaneamente de acordo com um problema simples de negociação
eficiente, que envolve a partilha do excedente entre empresas que têm
como objetivo a maximização do lucro e trabalhadores cuja utilidade
depende do emprego e dos salários.
Nesta coluna, obtemos estimativas consistentes para os markups
pois consideramos simultaneamente as imperfeições nos mercados
do produto e de trabalho (através da estimativa conjunta das
margens preço-custo e do poder negocial dos trabalhadores,
respetivamente) existentes na economia portuguesa, durante o
período 2010-2016. Deste modo, seguimos de perto Amador e Soares
(2017), que realizaram um exercício semelhante para um período
anterior.
Assumindo concorrência imperfeita no mercado de trabalho e cal-
culando a diferença entre o resíduo de Solow (SR) e o resíduo de
d

Solow do problema dual SR , obtém-se a equação 14, que per-
mite estimar conjuntamente o markup (µ) e o poder negocial dos
trabalhadores (φ). Nesta equação, o coeficiente que traduz o poder
negocial dos trabalhadores deve assumir valores entre 0 e 1, em que
um mercado de trabalho competitivo corresponde a φ = 0, enquanto
φ = 1 implica que o excedente gerado pela empresa é totalmente
transferido para os trabalhadores. Em consequência, os mercados
com estimativas de poder negocial fora do intervalo [0, 1] não foram
considerados.

 
d 1
SR − SR = 1 − [(∆p + ∆q) − (∆r + ∆k)] +
µ
(14)
φ
αL − 1 [(∆l + ∆w) − (∆r + ∆k)]

1−φ

Ao incluir o último termo relativo a um mercado de trabalho im-


perfeito, é melhorada a consistência das estimativas. A exclusão
desse termo induziria um enviesamento em baixa, que seria tanto
maior quanto maior o poder  negocial (φ), a proporção dos custos de
L
trabalho na produção α e a diferença entre a taxa de crescimento
nominal do trabalho e do capital [(∆l + ∆w) − (∆r + ∆k)].

187
O Crescimento Económico Português

A estimação da equação 14 permite testar a hipótese de concor-


rência perfeita nos mercados de produto da economia portuguesa,
para o período 2010-2016. A especificação de referência deste estudo
corresponde a estimativas OLS com erros padrão agrupados por em-
presa, uma vez que se espera que as observações da mesma empresa
estejam correlacionadas ao longo do tempo.
Além disso, foram estimadas regressões de efeitos fixos e aleatórios
para cada mercado para garantir a robustez dos resultados. O mo-
delo de efeitos fixos foi estimado para controlar erros de medição
relacionados com a empresa, por exemplo associados ao pressuposto
sobre o custo de capital. O modelo de efeitos aleatórios foi estimado
para assegurar que os resultados permanecem inalterados indepen-
dentemente dos pressupostos da estimativa. Por fim, o procedimento
de dois passos de Heckman foi utilizado de forma a avaliar o pos-
sível enviesamento de seleção da amostra, associado à exclusão de
empresas que registaram resultados operacionais negativos.
Os dados utilizados foram extraídos das contas anuais das empre-
sas portuguesas reportadas no âmbito da Informação Empresarial
Simplificada (IES), para o período 2010-2016. Em consonância com
Amador e Soares (2017), algumas observações foram eliminadas da
base de dados para garantir estimativas robustas. As empresas que re-
portaram resultados operacionais negativos em quatro ou mais anos
consecutivos foram retiradas para que a estimativa seja consistente
com a hipótese de maximização do lucro no longo prazo. Além disso,
os setores “Agricultura e Indústria Extractiva”, “Educação” e “Saúde”
não foram considerados devido ao seu peso reduzido no valor acres-
centado bruto total (VAB) ou ao peso significativo do Estado no seu
funcionamento regular.

3. Resultados

Os resultados mostram que a hipótese de concorrência perfeita é


largamente rejeitada nos mercados de produto em Portugal, confir-
mando Amador e Soares (2017) e Folque (2017). Considerando um
nível de significância de 5 por cento, as margens estimadas são esta-
tisticamente significativas para cerca de 92 por cento dos mercados.
Para a especificação de referência, as margens preço-custo variam
entre um mínimo de 4 por cento e um máximo de 65 por cento. Em-
bora as estimativas mostrem um alto nível de heterogeneidade entre
os mercados, como era esperado, vale a pena realçar que o ranking
que é obtido nas diferentes especificações permanece praticamente
inalterado, o que significa que a identificação dos mercados menos
competitivos é robusta. A robustez dos resultados nas diferentes

188
Mercado do produto

50

40

Poder Negocial
30

20

10

0
0 10 20 30 40 50 60 70
Margem Preço-custo

Figura 43: Imperfeição no mercado do produto e de trabalho

especificações é especialmente relevante do ponto de vista da política


pública.
Os resultados também confirmam evidência empírica anterior so-
bre as estimativas da margem preço-custo, que se tornam maiores
quando os mercados de trabalho são considerados imperfeitamente
competitivos, isto é, quando os trabalhadores detêm algum poder
negocial. Nesse caso, a estimativa do markup captura o excedente
dos consumidores que é transferido para as empresas devido ao seu
poder de mercado, incluindo a parte que é transferida para os traba-
lhadores por via do seu poder negocial.
A subestimação média é de cerca de 14 pontos percentuais (p.p.),
o que está de acordo com os resultados de Amador e Soares (2017)
e Bassanetti et al. (2010), que encontraram uma subestimação de 11
p.p. e 10 p.p., respectivamente. No entanto, a correlação entre os
markups estimados em concorrência perfeita e os obtidos no caso de
concorrência imperfeita é muito elevada (cerca de 82 por cento).
Tal como no caso das estimativas para as margens preço-custo, as
estimativas do poder negocial dos trabalhadores são, de um modo
geral, consistentes nas diferentes especificações estimadas, embora
em alguns mercados as estimativas de efeitos fixos se distanciem do
modelo de referência.
Para além disso, a Figura 43 mostra uma correlação positiva entre
a imperfeição do mercado do produto e no mercado de trabalho
(cerca de 80 por cento), o que é consistente com a literatura empírica
anterior.
Segundo Dobbelaere (2004), a correlação positiva entre as margens
preço-custo e o poder negocial dos trabalhadores pode ser explicada

189
O Crescimento Económico Português

de duas formas diferentes. Uma explicação é que um elevado poder


negocial leva a um aumento dos salários e a uma redução das rendas
obtidas pela empresa. Consequentemente, algumas empresas saem
do mercado e há uma diminuição do grau de concorrência no mer-
cado do produto (e, em consequência, um aumento nas margens
preço-custo). Por outro lado, o poder negocial dos trabalhadores
tende a ser maior quando existem rendas que podem ser extraídas
das empresas, ou seja, se houver forte concorrência no mercado do
produto (o que significa que as margens são baixas) e, por isso, não
existir excedente para ser extraído, os trabalhadores tendem a exercer
menos pressão negocial.
A Figura 44 apresenta a evolução das duas variáveis em análise
durante o período 2012-2016, utilizando tanto o VAB como o emprego
como base para a ponderação dos mercados. Apesar de uma ligeira
diferença nos níveis, pode ver-se que as margens preço-custo são, em
ambos os casos, relativamente estáveis durante o período conside-
rado.
No entanto, os resultados sobre a evolução do poder negocial dos
trabalhadores mostram uma clara redução durante o período em
análise (que é mais pronunciada quando se usa a variável emprego
como ponderador). Essa diminuição significativa do poder negocial
dos trabalhadores ocorreu em todos os setores e, em consequência, na
economia em geral, e pode estar associada às reformas realizadas no
mercado de trabalho. Este resultado implica uma menor capacidade
dos trabalhadores para capturar parte do excedente extraído pelas
empresas aos consumidores. De facto, essa diminuição pode ser
parcialmente explicada pela ligeira diminuição nos markups.
A Tabela 12 apresenta as margens preço-custo e as estimativas do
poder negocial dos trabalhadores para as diversas indústrias, calcu-
ladas com base na agregação de mercados individuais usando o VAB
e o emprego como ponderadores, para os anos 2012 e 2016.
A nível sectorial, pode ainda observar-se que as estimativas da
margem preço-custo aumentam quando se considera que os mer-
cados de trabalho são imperfeitamente competitivos. No entanto,
e ao contrário do que acontece ao nível dos mercados individuais,
algumas indústrias não apresentam uma correlação positiva entre as
margens preço-custo e o poder negocial dos trabalhadores.
Os sectores com as maiores margens preço-custo em 2012 são
“Eletricidade, Gás e Água”, “Transportes e Comunicações” e
“Outros serviços”. Os dois primeiros são setores de rede e intensivos
no uso de capital, onde se espera que as economias de escala
desempenhem um papel importante e, assim, os lucros estejam
acima da média da economia. O sector “Outros serviços” inclui um

190
Mercado do produto

31

29

27

25

23

21

19

17

15
2012 2013 2014 2015 2016

Margem Preço-custo Poder Negocial

(a) Ponderação pelo VAB

31

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27

25

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17

15
2012 2013 2014 2015 2016

Margem Preço-custo Poder Negocial

(b) Ponderação pelo emprego

Figura 44: Evolução das margens preço-custo e do poder negocial dos


trabalhadores (total da economia)

conjunto variado de serviços, e registou uma redução significativa


nas margens de lucro entre 2012 e 2016, possivelmente associada às
reformas implementadas no mercado do produto.
Por outro lado, para todo o período, a margem preço-custo mais
baixa é de longe a do setor “Comércio” (cerca de 16 por cento),
uma indústria atomizada composta por muitas unidades pequenas e
apenas algumas grandes que competem agressivamente nos preços.
Este setor também tem o menor poder negocial porque é o setor
onde a maior proporção de trabalhadores ganha valores próximos
do salário mínimo.
Tanto os setores industriais como os não-industriais apresentam
uma tendência decrescente a nível dos markups, entre 2012 e 2016.
Seria de esperar que as margens fossem menores na indústria devido
à maior exposição à concorrência internacional. No entanto, isso só
acontece quando o VAB é a base para agregação. O decréscimo foi

191
O Crescimento Económico Português

Margens preço-custo Poder negocial


2012 2016 2012 2016
VAB Emprego VAB Emprego VAB Emprego VAB Emprego
Total da economia 30.29 27.48 29.11 26.57 20.43 21.48 18.63 19.71
Setor transacionável 29.42 29.27 28.58 28.24 22.13 22.67 20.31 21.10
Setor não-transacionável 31.08 25.87 29.65 24.97 18.90 20.42 13.36 17.85
Setor transformador 28.73 28.75 28.42 27.80 22.10 22.66 21.47 21.30
Setor não transformador 30.89 26.88 29.42 25.94 19.79 20.93 17.37 18.89
dos quais
Eletricidade e abast. de água 54.26 39.34 49.91 38.66 16.54 13.66 5.97 9.51
Construção 30.93 30.89 28.62 28.25 25.72 25.62 24.01 23.69
Comércio 15.51 15.75 15.30 15.68 12.21 12.61 11.89 12.30
Transp. e comunicações 32.60 32.65 31.76 31.10 22.35 24.06 20.98 22.24
Outros serviços 36.05 33.57 25.60 26.48 25.60 26.48 22.45 22.18

Tabela 12: Margens preço-custo e poder negocial dos trabalhadores por setor
(2012-2016) (em percentagem)

mais significativo no setor não industrial, em especial no setor da


“Eletricidade”.
Em relação à comparação entre os setores transacionável e não
transacionável, os resultados dependem da variável que é usada para
ponderar as estimativas. Em 2016, ao considerar o VAB como vari-
ável de ponderação, o setor não transacionável possui uma margem
preço-custo superior à do setor transacionável. Quando o emprego é a
variável usada para ponderar as estimativas, acontece o oposto. Uma
vez que as estimativas são muito próximas, não há evidência sufi-
ciente de uma diferença significativa entre as margens preço-custo em
cada setor. No entanto, é de salientar que as margens preço-custo nos
sectores não transaccionáveis diminuem neste período, o que é posi-
tivo na perspectiva de evitar a sobre alocação de recursos nesses mer-
cados, com potencial influência negativa no crescimento económico
em Portugal.

4. Comentários finais

Esta coluna mostra que os mercados de trabalho e do produto por-


tugueses estão longe do paradigma de concorrência perfeita. Neste
sentido, os resultados sugerem que devem ser implementadas re-
formas que visem fortalecer a concorrência em ambos os mercados.
Além disso, essas reformas devem combater a imperfeição dos mer-
cados de trabalho e de produtos de uma forma integrada.
Não obstante, os resultados devem ser interpretados com cautela.
A análise dos mesmos deverá ser baseada na sua evolução e nas
comparações relativas entre setores e não nos níveis das estimativas.

192
Mercado do produto

Além disso, os níveis dos coeficientes estimados podem mudar signi-


ficativamente com atualizações da base de dados.

Referências

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gaining power in tradable and non-tradable sectors.” Empirical
Economics, 53(2), 669–694.
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mark-ups and rents allocation.” Bank of Italy Temi di Discussione
(Working Paper), 781.
Crépon, Bruno, Rozen Desplatz, e Jacques Mairesse (2005).
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French manufacturing firms.” Annals of Economics and Statistics,
79-80, 583–610.
Dobbelaere, Sabien (2004). “Estimation of price-cost margins and
union bargaining power for Belgian manufacturing.” Interna-
tional Journal of Industrial Organization, 10(22), 1381–1398.
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Ministério da Economia, Gabinete de Estratégia e Estudos.
Hall, Robert (1988). “The relation between Price and Marginal Cost
in U.S. Industry.” Journal of Political Economy, 96(5), 921–947.
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difference between primal and dual productivity measures?
Estimates for U.S. Manufacturing.” Journal of Political Economy,
103(2), 316–330.
Solow, Robert (1957). “Technical Change and the Aggregate
Production Function.” Review of Economics and Statistics, 39,
312–320.

193
6.2. Estarão as empresas zombie a limitar o
crescimento das empresas viáveis?

Ana Fontoura Gouveira, Christian Osterhold

1. Motivação

O crescimento da produtividade tem vindo a abrandar: a taxa de


crescimento anual média do PIB por hora trabalhada em Portugal
reduziu-se de mais de 2% no início dos anos 90 para menos de 1%
na última década (Figura 45). Dada a contribuição fundamental da
produtividade para as melhorias dos padrões de vida, é importante
compreender as causas deste abrandamento, que não é exclusivo de
Portugal. Apesar das novas tecnologias de informação e comuni-
cação, do aumento da participação das empresas nas cadeias de valor
globais e de uma força de trabalho cada vez mais qualificada, este
padrão é visível em vários países da OCDE.
Um dos fatores explicativos do que é conhecido como “paradoxo
da produtividade” prende-se com o crescente bloqueio dos mecanis-
mos de difusão tecnológica, associados a dinâmicas de “winner takes
it all” - em que uma ou poucas empresas dominam o mercado. As
empresas abaixo da fronteira tecnológica deixam de conseguir apren-
der com as empresas de melhor desempenho e, por essa razão, não
conseguem convergir. Com base em dados ao nível da empresa para
Portugal, verifica-se precisamente que a desaceleração do crescimento
da produtividade não é transversal a todos as empresas (Figura 46):
enquanto as empresas mais produtivas dentro de cada setor contin-
uam a crescer, as outras permanecem estagnadas.
Outro fator explicativo está relacionado com limitações ao processo
de destruição criativa, o que se traduz em menor entrada de novas
empresas no mercado, menor saída e menos oportunidades para as
melhores empresas crescerem. A investigação internacional recente
corrobora este canal, documentando uma deficiente afetação dos fa-
tores de produção capital e trabalho. Esta tendência é também visível
para Portugal, tanto entre setores (Reis, 2013; Benigno e Fornaro,
2014) - em particular no que diz respeito aos não transacionáveis -
como intra setores (Dias et al., 2014; Gopinath et al., 2017). Estes
desenvolvimentos resultam de constrangimentos institucionais, que

195
O Crescimento Económico Português

2
02.5
1.5
1
0.5

1987-1996 1997-2006 2007-2016

Figura 45: Crescimento anual médio da produtividade, em % (PIB por hora


trabalhada)
Fonte: OECD.
1.2
Produtividade do trabalho (2008=1)
0.9 1.0 1.1

2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015


Empresas de fronteira Restantes empresas

Figura 46: Produtividade ao nível da empresa - empresas de fronteira e


restantes empresas
Notas: Valor acrescentado bruto por hora trabalhada. As empresas da fronteira são
as 10% mais produtivas dentro de cada setor.
Fonte: Cálculos dos autores com base na IES.

criam as condições para que empresas não viáveis permaneçam no


mercado. Os trabalhos focados na estagnação macroeconómica do
Japão na década de 1990 (Caballero et al., 2008; Hoshi e Kashyap,
2004) enfatizam os efeitos negativos dessas empresas - as chamadas
zombies - na economia. Elas não só reduzem a produtividade agre-
gada de forma direta, uma vez que são empresas menos produtivas,
mas também dificultam o crescimento das empresas saudáveis, cap-
tando financiamento e capital humano e congestionando os mercados.
Estudos recentes para os países da OCDE reavivaram a análise do

196
Mercado do produto

impacto das empresas zombie na economia (Adalet McGowan et al.,


2017a/b), corroborando os resultados encontrados para o Japão.
Para agir, é essencial compreender os mecanismos institucionais
que potenciam a prevalência destas zombies. A literatura aponta para
o papel do sistema bancário, que em determinadas circustâncias pode
promover uma deficiente afetação de recursos (Storz et al., 2017 e
Acharya et al., 2017). As fricções financeiras prejudicam as empresas
mais vulneráveis, que não são necessariamente as menos produtivas
(Duval et al., 2017). Além disso, promovem - à custa das empre-
sas saudáveis - a sobrevivência de empresas que deveriam sair do
mercado, uma vez que as empresas com pior desempenho estão as-
sociadas a bancos também mais fragilizados (Schivardi et al., 2017).
Embora a promoção da saúde bancária seja certamente parte da res-
posta, a redução das barreiras à saída e à reestruturação constitui
outro elemento importante, pelo seu efeito na redução do número
de zombies (Adalet McGowan et al., 2017b) e pelos incentivos criados
junto dos credores (nomeadamente, os bancos) para o início atem-
pado de processos de reestruturação (Andrews e Petroulakis, 2017).
Esta secção, que tem por base o estudo de Gouveia e Osterhold
(2018), visa avaliar o impacto das empresas zombie na economia por-
tuguesa e o papel das políticas públicas para reduzir a sua prevalên-
cia. São documentados três resultados principais: (i) em alguns se-
tores, a presença de zombies é elevada; (ii) a prevalência destas em-
presas tem limitado o crescimento de empresas viáveis, em particular
as mais produtivas; e (iii) a redução nas barreiras à saída e à reestru-
turação fomentou um mecanismo de saída do mercado mais eficaz
e a reestruturação das empresas com maior potencial, permitindo
uma redução do peso das zombies e potenciando o crescimento da
produtividade.

2. Metodologia e resultados

2.1. Dados

Os dados ao nível da empresa usados nesta capítulo baseiam-se na In-


formação Empresarial Simplificada (IES) disponibilizada pelo Banco
de Portugal. A IES contém informação contabilística anual numa
base individual para o universo das empresas a operar em Portu-
gal. Considera-se o período 2006-2015 e os setores abrangidos pe-
los códigos NACE 10-83, excluindo os 64-66. Agricultura, indústria
extrativa, setor financeiro e atividades não mercantis - saúde, edu-
cação e administração pública - foram excluídos. Observações com
valores negativos ou nulos para o volume de negócios, ativo, ativos

197
O Crescimento Económico Português

tangíveis, número de trabalhadores, trabalhadores remunerados, ho-


ras trabalhadas ou custos com o pessoal foram eliminados. Os valores
nominais foram deflacionados usando dados setoriais do Instituto
Nacional de Estatística.

2.2. O peso das empresas zombie

Para avaliar o seu peso na economia, é fundamental definir quan-


titativamente uma zombie. Em termos económicos, trata-se de uma
empresa não viável que, confrontada com a concorrência das ou-
tras empresas no mercado, é forçada a sair ou, quando possível,
a reestruturar. A literatura oferece diferentes possibilidades para
operacionalizar este conceito (ver Adalet McGowan et al., 2017a). Na
presente análise, segue-se a definição da OCDE, segundo a qual uma
empresa é classificada como zombie se (i) o resultado operacional for
inferior às despesas com juros durante pelo menos três anos conse-
cutivos e (ii) estiver em atividade há mais de 10 anos. A primeira
condição identifica as empresas que não geram fluxos suficientes
para pagar a dívida e a segunda impede que empresas em início de
atividade (como as start-up) sejam, indevidamente, classificadas como
zombies (uma vez que, por definição, uma zombie é uma empresa que
permanece no mercado por um período prolongado, apesar de não
ser viável).
Com base nesta definição, é possível concluir que, em Portugal, o
peso das empresas não viáveis no número total de empresas foi de
6,5% em 2008, aumentando para 8,5% em 2013. A partir de 2013, o
número relativo diminuiu, sendo cerca de 6% em 2015.38 Estes pesos
não são, no entanto, boas medidas da importância das empresas
zombie na economia. Recorrendo à informação disponível na IES,
verifica-se que estas empresas não são apenas menos produtivas do
que as empresas saudáveis do seu setor; são também empresas de
maior dimensão. A sua relevância económica é, portanto, melhor cap-
tada por medidas de congestionamento que levem em consideração
o seu tamanho relativo.
Foram, por isso, construídas duas medidas de congestionamento
de fatores produtivos em empresas zombie a nível setorial: o peso
dos ativos tangíveis das empresas zombie no total de ativos tangíveis
do respetivo setor; e a parcela de trabalhadores empregados por
38 O padrão observado em Portugal é semelhante ao de outros países, como Espanha,
Bélgica ou Itália (Adalet McGowan et al., 2017a). No entanto, uma comparação
direta com os resultados obtidos para outros países não é informativa, uma vez que
os níveis obtidos em diferentes estudos dependem da exata definição de zombies
utilizada e da amostra de setores e empresas consideradas (por exemplo, alguns
estudos focam-se em empresas com 10 ou mais trabalhadores).

198
Mercado do produto

zombies no total dos trabalhadores do setor (Figuras 47 e 48). Estas


medidas demonstram que (i) a prevalência de zombies, medida pelos
recursos capturados por estas empresas, é elevada, sendo em algumas
indústrias de mais de 20% do capital tangível e do total de traba-
lhadores empregados no setor; (ii) existem diferenças importantes
entre os setores: por exemplo, enquanto em consultoria e atividades
científicas apenas 5% do trabalho e 9% do capital está afetado a
empresas zombie, estes valores sobem para 23% e 27% para o caso do
alojamento e restauração; e, finalmente, (iii) na maioria dos setores
(mas não em todos), assistiu-se a uma redução do congestionamento
a partir do pico de 2013.39
Globalmente, estes resultados são consistentes com os obtidos para
outros países da OCDE, sugerindo semelhanças entre o fenómeno
das empresas zombie nos diferentes países. As zombies são, em média,
maiores e menos produtivas do que as empresas viáveis, reduzindo,
por isso, a produtividade agregada. Além disso, a evidência sugere
existirem distorções que impedem a sua saída do mercado, uma vez
que estas empresas permanecem ativas e captam uma parte relevante
dos fatores produtivos, num contexto de elevada heterogeneidade
setorial.

2.3. O impacto nas empresas viáveis

Para avaliar o impacto do congestionamento dos fatores produtivos


em empresas zombie no investimento e no crescimento do emprego
da empresa não-zombie típica, estimou-se a seguinte equação:

δYi,s,t =β0 + β1 nzombiei,s,t + β2 nzombiei,s,t × RCs,t


(15)
+β3 CEi,s,t−1 + EFs,t + εi,s,t

onde δY representa o crescimento do stock de capital tangível ou do


emprego na empresa i no setor CAE a 2-dígitos s no ano t. A variável
nzombie identifica as empresas não-zombie. RC é o peso setorial dos

39 Para facilitar a leitura destas Figuras, a informação foi agregada por ramo de
atividade dos códigos de letra da CAE. Na parte analítica subsequente, usa-se uma
desagregação setorial mais detalhada, a dois dígitos. Indústrias (e peso no volume
de negócios em 2015): C - Indústria transformadora (27%); D - Fornecimento de
eletricidade, gás, vapor e ar condicionado (4%); E - abastecimento de água e gestão
de resíduos (1%); F - Construção (5%); G - Comércio e reparação de veículos (43%); H
- Transporte e armazenamento (5%); I - Alojamento e restauração (3%); J - Informação
e comunicação (5%); L - Atividades imobiliárias (1 %); M - Atividades de consultoria,
científicas e técnicas (3%); N - Atividades administrativas e de apoio (3%).

199
O Crescimento Económico Português

Peso do stock de capital detido por zombies (em %)


10 15 20 25 30 35 40
5
0

C D E F G H I J L M N
Ramo de atividade
2015 2013

Figura 47: Peso do stock de capital tangível das empresas zombie no stock
total do setor
Fonte: Cálculos dos autores com base na IES.
Peso do emprego em empresas zombie (em %)
30
25
20
15
10
5
0

C D E F G H I J L M N
Ramo de atividade
2015 2013

Figura 48: Peso do emprego em empresas zombie no emprego total do setor


Fonte: Cálculos dos autores com base na IES.

recursos - capital ou trabalho, conforme a especificação - capturados


por empresas zombie.40

40 CE representa um conjunto de características da empresa, nomeadamente a idade, o


número de trabalhadores (como medida de tamanho) e o crescimento do volume de
negócios (como medida do potencial de crescimento). São também incluídos efeitos
fixos cruzados ano e setor a dois digítos (FE) para controlar para choques setoriais.
Os desvios-padrão robustos são agregados por setor-ano. A estrutura de efeitos
fixos implica que o impacto absoluto do congestionamento setorial causado pelas
empresas zombie não possa ser estimado. O coeficiente β2 capta, por isso, o efeito na
empresa não-zombie média relativamento ao efeito nas empresas zombie, não sendo
por isso o efeito absoluto.

200
Mercado do produto

Os resultados apontam para um β2 negativo, o que sinaliza que o


investimento da empresa saudável típica (em relação ao investimento
das zombies a operar no mesmo setor) é negativamente afetado pelos
recursos - capital ou trabalho - capturados por zombies. Por exemplo,
o diferencial de crescimento do stock de capital tangível entre uma
não-zombie e uma zombie é 0,9pp menor no setor têxtil do que no
setor de consultoria (o capital congestionado nos têxteis está próximo
de 20% enquanto é de cerca de 10% no setor da consultoria). Não
há, no entanto, efeito sobre o crescimento relativo do emprego da
empresa média não-zombie, o que pode refletir a relativa flexibilidade
do capital em comparação com o trabalho.
Embora a avaliação do impacto na empresa média seja informa-
tiva, é importante perceber os efeitos do congestionamento de fatores
produtivos em empresas zombie ao longo de toda a distribuição da
produtividade. Na ausência de distorções, espera-se que as empresas
mais produtivas cresçam mais do que as menos produtivas. Numa
especificação alternativa que leva em conta os diferenciais de pro-
dutividade entre empresas, verifica-se que uma maior proporção de
capital afetado a zombies limita essa reafetação de recursos para as
empresas mais produtivas, tanto em termos de investimento como
de crescimento do emprego. Estes resultados estão provavelmente
associados à redução do financiamento disponível para não-zombies, o
que dificulta o investimento e o crescimento das empresas saudáveis
e, por essa via, limita também o crescimento do emprego. Não se
encontra evidência de efeitos do congestionamento do fator trabalho.

2.4. O papel da política pública

Para avaliar o impacto da redução das barreiras à saída e à reestru-


turação de empresas nas dinâmicas do tecido empresarial português,
os dados ao nível da empresa usados nas secções anteriores foram
complementados com um novo indicador sobre regimes de insolvên-
cia nacionais desenvolvido pela OCDE. Este indicador está disponível
para 2010 e 2016, variando entre 0 e 1 e aumentando com a severidade
das barreiras (Adalet McGowan et al., 2017b). Tendo por base as
alterações ao regime de insolvências em Portugal - em particular
em 2012 e 2014-2015 - foi possível anualizar o indicador. Portugal
registou, de acordo com este indicador, uma das maiores melhorias
entre os países da OCDE.
Como as barreiras são mais relevantes para setores com taxas na-
turais de entrada e saída de empresas mais elevadas, foi também
construída uma variável de exposição setorial, usando dados para
os EUA e para o Reino Unido (SDBS Business Demography Indicators),

201
O Crescimento Económico Português

dois dos países menos regulamentados e nos quais a taxa de entrada


e saída observada se aproximará da natural. A estratégia de identi-
ficação baseia-se no pressuposto de que as indústrias mais expostas
às barreiras à saída e à reestruturação (o grupo de tratamento) são
mais afetadas por mudanças nessas políticas em comparação com as
indústrias menos expostas (grupo de controlo):

Si,s,t =β0 + β1 zombiei,s,t−1 + β2 zombiei,s,t−1 × Bt−1 × Exps


(16)
+β3 CEi,s,t−1 + EFs,t + εi,s,t

onde S indica se a empresa i do setor s saiu do mercado no ano t.


B representa as barreiras impostas pelo regime de insolvências e Exp
denota a exposição setorial a essas mesmas barreiras. Zombie iden-
tifica as empresas zombie.41 Estimando esta equação, encontra-se um
β2 negativo, o que implica que as empresas zombie em setores mais
expostos às barreiras à saída apresentam, depois das reformas que
reduziram essas barreiras, maior probabilidade de sair do mercado.
Regimes de insolvência adequados devem não apenas fomentar a
saída de empresas não viáveis, mas também a reestruturação das
empresas zombie mais produtivas, com potencial de restruturação.
Com uma especificação alternativa focada exclusivamente nas em-
presas zombie e levando em conta os seus níveis de produtividade
individual, é possível confirmar que este efeito está também presente
em Portugal.

3. Considerações finais

A permanência em actividade das chamadas empresas zombie cons-


titui um entrave ao crescimento das empresas viáveis. Potenciar a
saída dessas empresas menos produtivas é certamente relevante para
o funcionamento eficiente da economia, mas é necessário considerar
todas as suas implicações. Em Portugal, as empresas zombie são
responsáveis por uma parte significativa do emprego: em alguns
setores, mais de 1 em cada 5 trabalhadores estão empregados numa
empresa zombie; em particular em algumas regiões, esse número au-
menta para 1 em cada 3. A combinação de políticas públicas deve, por
isso, dar resposta aos importantes custos sociais associados à saída de
empresas do mercado. Esta é uma realidade que afeta não apenas o
41 CE representa o conjunto de controlos ao nível da empresa, nomeadamente a idade,
o número de trabalhadores (como medida de tamanho), o crescimento do volume
de negócios (como medida das oportunidades de crescimento) e a produtividade
relativa dentro do setor. São incluídos efeitos fixos cruzados ao nível setor-ano (EF)
e os desvios padrão robustos são agrupados ao mesmo nível.

202
Mercado do produto

capital humano mas também o capital físico: em algumas indústrias,


mais de 25% do capital tangível é detido por empresas zombie. A sua
saída do mercado implica que parte desse capital seja perdido, uma
vez que é capital específico da empresa em questão.
Relativamente à melhor afetação dos fluxos de capital, existem
importantes complementaridades entre a saúde dos bancos e regimes
de insolvência adequados. Estes últimos reduzem os incentivos dos
credores - nomeadamente, do setor bancário - a prolongar as re-
lações comerciais com as empresas não-viáveis, fomentando o início
atempado dos processos de insolvência e promovendo a resolução
dessas empresas. No entanto, importa recordar que as empresas
zombie são, em média, de maior dimensão que as não-zombie, tendo,
por isso, mais recursos que podem ser usados como garantia nos
empréstimos bancários. Se os critérios de financiamento dos bancos
se concentrarem na existência dessas garantias, e não na qualidade
do projeto apresentado ou da empresa, os empréstimos a empresas
zombie continuarão a ser uma realidade. A política pública assume,
também aqui, um papel relevante, sobretudo num contexto em que
os ativos intangíveis - que não podem ser usados como garantia -
se tornam cada vez mais importantes para as empresas. Devem,
por isso, ser consideradas medidas que potenciem a correção das
assimetrias de informação no mercado de financiamento bancário,
por exemplo através de sistemas eficazes de garantias públicas ou
através da promoção de opções alternativas de financiamento - em
particular no contexto de iniciativas supranacionais, como a União
dos Mercados de Capitais na União Europeia.

Referências

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204
6.3. Quão importante é a reafetação de recursos
para o crescimento da produtividade?

Carlos Robalo Marques

1. Introdução

A evolução da produtividade agregada depende não apenas do pro-


gresso técnico ao nível da empresa, mas também do uso eficiente dos
fatores de produção entre empresas. Por esse motivo, a contribuição
da reafetação de fatores de produção para o crescimento da produtivi-
dade tem sido reconhecida como uma questão muito importante na
literatura. Alguns trabalhos recentes sugerem mesmo que o declínio
na reafetação dos fatores de produção é importante para explicar a
desaceleração da produtividade global desde o início deste século
(Decker et al., 2017; Decker et al., 2018).
Esta secção utiliza dados ao nível da empresa para avaliar a im-
portância da reafetação de recursos para o crescimento da produ-
tividade total dos fatores (TFP) em Portugal, ao longo da última
década (2006-2015). Para quantificar o efeito de reafetação, a produ-
tividade é decomposta nas contribuições feitas pelos vários grupos
de empresas que operam na economia. Em cada ano, estas empresas
podem ser classificadas em três grupos: empresas que iniciaram a
atividade nesse ano (designadas por empresas novas ou entrantes),
empresas que cessaram a atividade nesse ano (empresas cessantes)
e as restantes empresas, que já se encontravam em atividade e sobre-
vivem para o ano seguinte (designadas por empresas incumbentes ou
sobreviventes). O crescimento da produtividade de um dado setor
de atividade pode ser visto como o resultado de ganhos de eficiên-
cia dentro das empresas sobreviventes (efeito within), das melhorias
na eficiência da reafetação de recursos entre estas empresas (efeito
between) e ainda da melhoria na reafetação de recursos através da
entrada e saída de empresas do setor.
O exercício conduzido nesta secção permite concluir que a reafe-
tação total de recursos, envolvendo o efeito between entre as empresas
sobreviventes e a contribuição de empresas entrantes e cessantes, teve
um impacto claramente positivo sobre o crescimento da produtivi-
dade no setor transacionável (indústria e serviços transacionáveis),

205
O Crescimento Económico Português

mas um impacto negativo no setor não transacionável (serviços não


transacionáveis). O desempenho negativo da reafetação total de re-
cursos no setor não transacionável explica só por si o crescimento
negativo da produtividade neste setor, bem como a contribuição ne-
gativa da reafetação total de fatores para a economia como um todo.
Este resultado, que evidencia o contraste entre os setores transa-
cionáveis e não transacionáveis, sugere que a implementação de políti-
cas de melhoria da concorrência no setor não transacionável poderia
trazer maiores ganhos de produtividade, decorrentes de uma maior
contribuição da reafetação de recursos.

2. Os dados

O exercício utiliza dados retirados da Informação Empresarial Sim-


plificada (IES). A IES existe desde 2006 e abrange praticamente o
universo das empresas não financeiras portuguesas. Os dados da IES
fornecem informações muito detalhadas sobre os balanços e demons-
trações de resultados das empresas. Depois de limpar o conjunto
de dados original descartando empresas que não reportam números
estritamente positivos para as variáveis relevantes e excluindo indús-
trias com menos de 10 empresas (para evitar problemas de estimação),
ficamos com 202 ramos de atividade (definidos ao nível dos 3 dígitos
da CAE). Para obter variáveis a preços constantes (valor bruto da pro-
dução e consumos intermédios em termos reais), usamos deflatores
de preços ao nível do ramo de atividade, pois os preços ao nível da
empresa não estão disponíveis.
É importante ter em conta que o uso de deflatores de preços ao
nível do setor ou ramo de atividade pode ter implicações importantes
para a interpretação de nossa medida de produtividade, apresentada
mais à frente. Se as empresas operam num ambiente de produtos
diferenciados, deve haver uma relação inversa entre a produtividade
e o preço estabelecido pela empresa. Isso significa que a nossa me-
dida de produtividade, porque é calculada usando um preço ao nível
do ramo de atividade, tende a subestimar a produtividade das em-
presas mais produtivas e a sobrestimar a produtividade das empresas
menos produtivas. Um fenómeno semelhante pode ocorrer no caso
das empresas novas. A evidência na literatura (Foster et al., 2008)
sugere que estas empresas tendem a fixar preços mais baixos do que
as empresas mais antigas. Nessa situação, o uso de deflatores de
preços definidos ao nível do ramo de atividade subestima a produção
real das novas empresas em relação à das empresas incumbentes e,
por esta via, afeta a medida da contribuição destas empresas para o
crescimento da produtividade agregada.

206
Mercado do produto

3. Produtividade total dos fatores

Neste exercício, analisamos a produtividade total dos fatores (TFP)


definida na produção (valor bruto da produção). Em consonância
com a maior parte da literatura, assume-se que a produção da em-
presa i no ano t é dada por uma função de produção Cobb-Douglas
com três fatores de produção. A partir da função de produção esti-
mada, calculamos a produtividade ao nível de empresa, T FPit , como:

lnT FPit = lnQit − αlnKit − βlnLit − γlnMit (17)

onde Qit , Kit , Lit and Mit representam a produção em termos


reais, o stock de capital em termos reais, o emprego e os consumos
intermédios em termos reais, respetivamente. A produtividade agre-
gada (a nível setorial ou para o total da economia) é calculada através
de uma média ponderada das produtividades individuais:
X
Pt = θit pit (18)
i

onde pit = ln(T FPit ) e os pesos θit somam 1. Uma vez que pit
é definida em logaritmos naturais, ∆Pt = Pt − Pt−1 , a nossa variável
de interesse, representa uma taxa de variação.
Um ponto importante que interessa mencionar tem a ver com a es-
colha dos pesos θit a serem usados na equação (18). Para calcular as
medidas agregadas da TFP, a literatura tem utilizado essencialmente
dois tipos de pesos: produção (ou valor acrescentado bruto) e o fator
composto da função de produção (Foster et al., 2001; Bartelsman e
Dhrymes, 1998). Para este exercício, definimos os pesos θit usando
β γ
o logaritmo do fator composto, Kα it Lit Mit . Os logaritmos são usados
para levar em conta a presença de outliers nos dados e impedir que
os resultados sejam dominados por um pequeno número de grandes
empresas. A transformação logarítmica comprime a distribuição dos
pesos em torno da média, diminuindo o peso relativo das empresas
maiores e aumentando o peso relativo das empresas menores. Deste
modo, a nossa medida de produtividade agregada, que é robusta à
presença de outliers, pode ser vista como representando a produtivi-
dade de uma empresa “típica”.

4. Decomposição da produtividade

Para avaliar a importância da reafetação de recursos para o cres-


cimento da produtividade, recorremos à conhecida decomposição

207
O Crescimento Económico Português

dinâmica de Olley-Pakes (Melitz e Polanec, 2015). Representemos


por St , Et e Xt os três grupos de empresas que operam na economia
no período t: sobreviventes, entrantes e cessantes, respetivamente. Se
usarmos θRt e PRt para denotar o peso agregado e a produtividade
média das empresas do grupo R (R = St , Et , Xt ), a decomposição
dinâmica de Olley-Pakes para o crescimento da produtividade pode
ser escrita da seguinte forma:

∆Pt =∆PS + ∆CovS + θE,t (PE,t − PS,t )+


(19)
θX,t−1 (PS,t−1 − PX,t−1 )

P P
onde CovS = i∈S (θit − θS )(pit − PS ), PS = ( i∈S pit )/Ns e θS =
1/NS , com NS denotando o número de empresas sobreviventes. PS
representa a produtividade média não ponderada das empresas so-
breviventes e θS o peso médio dessas mesmas empresas.
Nesta decomposição, os dois primeiros termos representam a
contribuição das empresas sobreviventes para o crescimento da
produtividade. O crescimento da produtividade ao longo do tempo
deste grupo de empresas é decomposto na soma de duas
componentes: uma que capta mudanças na distribuição da
produtividade (mudanças na média não ponderada, PS ), geralmente
chamado o efeito within e outro que capta a reafetação de fatores de
produção entre as empresas sobreviventes (variação no termo
"covariância", CovS ), geralmente designado como efeito between. O
efeito within pode ser visto como resultando da inovação ou da
criação de tecnologias melhores e mais eficientes, bem como da
adoção de novas práticas de gestão pelas empresas. O efeito between,
por sua vez, reflete o resultado da reafetação de recursos,
nomeadamente capital e trabalho, de empresas menos produtivas
para empresas mais produtivas, dentro do sector ou ramo de
atividade.
O terceiro e quarto termos da decomposição representam as con-
tribuições para o crescimento da produtividade resultante da entrada
e saída de empresas, respetivamente. Note-se que as novas empre-
sas contribuem positivamente para o crescimento da produtividade
se e só se tiverem maior produtividade média do que as empresas
sobreviventes, no período t. Por sua vez, as empresas cessantes con-
tribuem positivamente para o crescimento da produtividade se e só
se tiverem uma produtividade média menor do que a das empresas
sobreviventes no período t-1.

208
Mercado do produto

Sobreviventes Entrada Reafetação Variação


Setores Within Between Total Entrada Saída líquida total total
(1) (2) (3) (4)=(2)+(3) (5) (6) (7)=(5)+(6) (8) (9)=(4)+(7)
Indústria 1.0 3.8 4.7 8.9 -6.6 2.4 6.2 7.2
Serviços
-8.1 -1.7 -9.7 14.3 4.3 18.7 17.0 8.9
transacionáveis
Serviços não
3.8 -0.8 3.0 -26.8 18.6 -8.3 -9.1 -5.3
transacionáveis
Total da economia 0.5 -1.0 -0.5 -11.4 7.6 -3.8 -4.8 -4.3

Tabela 13: Decomposição da produtividade (contribuições acumu-


ladas, 2006-2015)
Notas: O total da economia inclui também a agricultura e construção, mas exclui
eletricidade, gás e água. A distinção entre serviços transacionáveis e serviços não
transacionáveis foi feita de acordo com o critério estabelecido em Amador e Soares
(2012). Para além da indústria, os autores classificaram como transacionáveis os
ramos de atividade para os quais o rácio de exportações sobre vendas era superior
a 15%.

5. Resultados empíricos

5.1. Contribuições dos diferentes tipos de empresas

Os valores acumulados para o período 2006-2015 das contribuições


para o crescimento da TFP dos três grupos de empresas identifica-
dos pela decomposição dinâmica de Olley-Pakes encontram-se na
Tabela 13 (colunas (2) a (6)). Um resultado importante refere-se à
contribuição da entrada e saída de empresas. A produtividade para o
total da economia durante o período de 2006-2015 foi muito negativa-
mente afetada pela contribuição das entradas e muito positivamente
afetada pela contribuição das saídas. O facto de as empresas novas
terem contribuído negativamente e as empresas cessantes terem con-
tribuído positivamente para o crescimento da produtividade significa
que as empresas que entram e as empresas que saem em cada ano são,
em média, menos produtivas do que as empresas que sobrevivem.
O resultado relativo às empresas cessantes está em linha com as
expectativas: é de esperar que as empresas que saem do mercado
sejam, em média, menos produtivas do que as que sobrevivem. No
entanto, existem situações em que o oposto pode ocorrer. Devido
à existência de restrições de crédito, muitas empresas com produ-
tividade elevada podem ter que fechar, especialmente em situações
de crise financeira (Hallward-Driemeier e Rijkers, 2013; Eslava et al.,
2015). A constatação de que as novas empresas são, em média, menos
produtivas do que as empresas incumbentes, embora aparentemente
inesperada, é relativamente comum na literatura empírica (Foster et
al., 2016). No entanto, a análise por setor de atividade mostra dife-
renças significativas no que diz respeito à contribuição das entradas

209
O Crescimento Económico Português

e saídas. Na indústria e serviços transacionáveis, as empresas novas


surgem como mais produtivas do que as empresas sobreviventes,
contribuindo positivamente para o crescimento setorial da TFP. Pelo
contrário, as empresas novas são menos produtivas do que as em-
presas sobreviventes nos serviços não transacionáveis, contribuindo
negativamente para o crescimento da produtividade neste setor.
A semelhança do papel desempenhado pelas empresas novas na
indústria e nos serviços transacionáveis merece ser sublinhada. Estas
empresas são mais produtivas do que as incumbentes nestes dois se-
tores (os quais, em conjunto, representam a quase totalidade do setor
transacionável da economia), mas menos produtivas do que as em-
presas sobreviventes no setor não transacionável (serviços não transa-
cionáveis). Por sua vez, a contribuição para o crescimento da TFP
das empresas cessantes é claramente menor no setor transacionável
(positivo, mas claramente menor nos serviços transacionáveis do que
nos serviços não transacionáveis e até negativa indústria). A maior
contribuição da entrada de empresas novas, juntamente com a menor
contribuição das empresas cessantes no setor transacionável, pode
estar associada à maior concorrência internacional enfrentada por
esse setor, exigindo níveis relativamente mais altos de TFP para entrar
e sobreviver no setor (note-se que a sobrevivência no setor transa-
cionável depende da produtividade das empresas que competem nos
mercados internacionais e não tanto da produtividade das empresas
domésticas que operam no mesmo setor).

5.2. Reafetação de recursos

A contribuição total para o crescimento da produtividade resultante


da reafetação de fatores de produção é geralmente entendida como a
soma das contribuições resultantes da reafetação de fatores entre
empresas sobreviventes (efeito between) e das contribuições advindas
das empresas novas e cessantes. Assim, nos termos da decomposição
dinâmica de Olley-Pakes, definimos a reafetação total como:

Reafetação total = efeito between + entrada + saída

= efeito between + entrada líquida

Um ponto importante a notar no Tabela 13 (coluna 3) é que a con-


tribuição acumulada resultante da reafetação de fatores entre empre-
sas sobreviventes (efeito between) é positiva na indústria, mas negativa
no setor dos serviços (transacionáveis e não transacionáveis), o que

210
Mercado do produto

1.08 1.08
1.06 1.06
1.04 1.04
1.02 1.02
1.00 1.00
0.98 0.98
0.96 0.96
0.94 0.94
2006 2008 2010 2012 2014 2006 2008 2010 2012 2014
Between Entrada líquida Reafetação total Between Entrada líquida Reafetação total

(a) Total da economia (b) Indústria

1.20 1.20

1.15 1.15

1.10 1.10
1.05 1.05
1.00 1.00
0.95 0.95
0.90 0.90
2006 2008 2010 2012 2014 2006 2008 2010 2012 2014
Between Entrada líquida Reafetação total Between Entrada líquida Reafetação total

(c) Serviços transacionáveis (d) Serviços não transacionáveis

Figura 49: Produtividade agregada - reafetação de recursos


Nota: O total da economia também inclui agricultura e construção, mas exclui
serviços de eletricidade, gás e água.

faz com que o seu efeito acumulado durante o período para o total
da economia seja ligeiramente negativo (-1.0 %). Por outras palavras,
a TFP sugere que, na indústria, as empresas mais produtivas au-
mentaram a sua quota de mercado (medida em termos de fatores
de produção), com um aumento correspondente na TFP agregada,
mas o mesmo não aconteceu nos serviços. Em relação à contribuição
da entrada líquida de empresas para o crescimento da TFP - soma
das contribuições das entradas e saídas - esta é positiva no setor
transacionável (2.4 p.p. na indústria e 18.7 p.p. nos serviços transa-
cionáveis), mas negativa no setor não transacionável (-8.3 p.p.), neste
último caso, devido à forte contribuição negativa das entradas.
A Figura 49 mostra a evolução ao longo do tempo da contribuição
do efeito between, da entrada líquida e da sua soma (reafetação to-
tal). A Tabela 13 (coluna 8) e a Figura 49 mostram que a reafetação
total de recursos teve um impacto claramente positivo sobre o cresci-
mento da produtividade no setor transacionável (indústria e serviços
transacionáveis), mas negativo nos serviços não transacionáveis . A
evolução negativa da reafetação total nos serviços não transacionáveis
foi responsável não só pelo desempenho negativo da produtividade
registado no próprio setor (coluna (9) da Tabela 13), mas também
pela evolução negativa da reafetação total registada para a economia
como um todo (coluna (8) da Tabela 13).

211
O Crescimento Económico Português

6. Observações finais

O exercício conduzido nesta secção utiliza a produtividade total dos


fatores (TFP) definida na produção (valor bruto da produção). Ou-
tras medidas de produtividade, utilizadas na literatura, envolvem a
produtividade do trabalho e a TFP definida no valor acrescentado
bruto (VAB). É bem sabido que a produtividade do trabalho pode
diferir significativamente da TFP, dependendo da evolução do stock
de capital por trabalhador, e que o TFP definida na produção também
pode diferir da TFP definida no VAB, dependendo da evolução dos
consumos intermédios.
Por outro lado, a análise do crescimento da produtividade foi feita
com base na decomposição dinâmica de Olley-Pakes. Esta decom-
posição tem uma característica atraente em relação a outras decom-
posições: pode ser mais diretamente ligada a modelos teóricos, que
foram desenvolvidos para analisar o padrão de reafetação das quotas
de mercado entre empresas e as suas consequências para a produ-
tividade agregada (Bartelsman et al., 2013). No entanto, existem
outras decomposições na literatura que diferem da decomposição
dinâmica de Olley-Pakes no modo como quantificam as contribuições
das entradas, saídas, e efeitos whitin e between (Foster et al., 2001).
Assim, é importante ter em conta que as conclusões desta secção,
relativas à contribuição da reafetação de recursos para o crescimento
da produtividade, podem estar dependentes da medida de produtivi-
dade e do tipo de decomposição utilizadas.

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213
6.4. Influenciará a atividade exportadora das
empresas a sua probabilidade de sobrevivência?

Mónica Borges Simões, Paulo M. M. Rodrigues

1. Motivação

A relação entre restrições ao crédito e a dinâmica empresarial, em


particular a sobrevivência, é um tópico importante no contexto do
crescimento económico português. Em geral, existe forte evidência
na literatura de que o impacto das variáveis financeiras na sobre-
vivência das empresas é significativo. Desenvolveram-se enquadra-
mentos teóricos que incluem as variáveis financeiras para explicar os
mecanismos através dos quais as restrições de crédito influenciam a
sobrevivência. Receitas, estrutura financeira e garantias são variáveis
frequentemente utilizadas nestes modelos (veja, por exemplo, Albu-
querque e Hopenhayn, 2004, Cabral e Mata, 2003, Farinha e Santos,
2006, Mata et al., 2010 e Mata e Freitas, 2012).
Além das variáveis financeiras, também as características das
empresas desempenham um papel importante na sua sobrevivência
(Mata e Portugal, 1994, e Farinha e Santos, 2006). Empresas
exportadoras são frequentemente vistas como mais resilientes do
que empresas não exportadoras, particularmente durante recessões.
Vários estudos analisaram a probabilidade de sobrevivência das
empresas exportadoras e não exportadoras, e a conclusão é que as
empresas exportadoras apresentam maior probabilidade de
sobrevivência do que as empresas não exportadoras (para uma
revisão da literatura veja-se Wagner, 2011). No entanto, apenas um
número reduzido de trabalhos analisou se a probabilidade de
sobrevivência difere entre empresas exportadoras e não
exportadoras controlando para a situação financeira. É importante
separar estes dois efeitos dado que constrangimentos financeiros
podem influenciar a decisão de exportar (Pontes e Guariglia, 2008, e
Görg e Spaliara 2014). Até à data, nenhum dos estudos sobre o
impacto da atividade exportadora na sobrevivência utilizaram dados
de empresas portuguesas.
Este capítulo é baseado em Simões (2017), e tem como objetivo
estudar o impacto das restrições financeiras na sobrevivência das

215
O Crescimento Económico Português

empresas portuguesas e determinar se a probabilidade de sobrevivên-


cia difere entre empresas exportadoras e não exportadoras, e entre
empresas que se iniciam como exportadoras, empresas exportadoras,
empresas não exportadoras e empresas que deixam de exportar.
Os resultados sugerem que variáveis como a alavancagem, a renta-
bilidade e a disponibilidade de ativos que possam ser apresentados
como colateral são relevantes para a sobrevivência de uma empresa.
Empresas com maior alavancagem, menor retorno dos ativos e menor
percentagem de ativos que possam ser utilizados como garantia têm,
em média, uma probabilidade de sobrevivência mais baixa quando
comparadas com as outras empresas. Contudo, os resultados suge-
rem que após controlar para a situação financeira, as empresas expor-
tadoras têm, em média, uma probabilidade de sobrevivência maior
do que as empresas não exportadoras. As empresas que deixam
de exportar, constituem o grupo com a menor probabilidade de so-
brevivência. Estas empresas apresentam os indicadores financeiros
mais desfavoráveis comparativamente às empresas exportadoras e
empresas não exportadoras, e são também as mais propensas a encer-
rar quando se controla para a situação financeira. As empresas ex-
portadoras são mais reativas a variações nas variáveis financeiras.
Mesmo assim, empresas que sobrevivem e se tornam exportadoras
têm taxas de risco (hazard rates) mais baixas do que empresas que
nunca decidiram exportar, quer se considerem ou não as variáveis
financeiras.

2. Dados

Nesta análise utilizou-se a base de dados Informação Empresarial Sim-


plificada (IES) compilada pelo Banco de Portugal. A IES inclui in-
formação dos balanços das empresas bem como outra informação
empresarial (e.g. ano de constituição, distrito e setor de atividade)
reportada por cada empresa. No entanto, como para algumas empre-
sas não existem dados em determinados anos (devido por exemplo,
a atrasos nos relatórios), para colmatar este problema optou-se pelo
seguinte procedimento: se uma empresa respondeu no período t-1
e no período t+1, mas não existe informação para o período t, a
empresa é considerada ativa e a média dos valores das variáveis em
t-1 e em t+1 é usada para calcular a informação referente ao período
t; se uma empresa não respondeu no período t nem no período
t+1, é classificada como encerrada no período t-1; e finalmente, uma
empresa também é classificada como encerrada no período t se tiver
indicado a intenção de fechar o negócio no período t. Consequente-
mente, apenas informação para o período 2008-2012 é utilizada, uma
vez que os últimos dois anos são necessários para a verificação se a

216
Mercado do produto

empresa fechou ou não. Foram também excluídas empresas com in-


formação incompleta ou inconsistente nas variáveis de interesse, bem
como empresas que reportaram valores para as variáveis financeiras
acima do percentil 99 (esses valores extremos são considerados como
o resultado de erros de reporte ou choques extremos). Além disso,
apenas empresas com valores positivos para o volume de negócio e
ativos foram utilizadas.
Em 2010, foi implementado em Portugal um novo conjunto de
regras contabilisticas, cujas orientações foram concebidas para serem
coerentes com os padrões internacionais. Esta alteração originou uma
quebra nas variáveis financeiras e como consequência, a definição de
algumas das variáveis difere antes e depois de 2010. Assim, para
se realizar uma análise rigorosa, a amostra foi dividida em duas
subamostras: uma que considera a informação até 2010 e outra que
inclui a informação para o período entre 2011 e 2012.
Para criar a base de dados final, os índices financeiros foram cal-
culados numa base anual para cada empresa. O rácio da dívida em
relação ao total de ativos foi a medida de alavancagem considerada,
e os lucros foram definidos como o retorno sobre ativos, ou seja, a
relação entre os lucros antes de juros e impostos sobre o ativo total.
Como a IES não tem uma medida direta de garantia, utilizaram-se os
ativos fixos como proxy e para cada empresa em cada ano, utilizou-se
o rácio entre os ativos fixos e os ativos totais.
Foi também criada uma variável indicadora da actividade exporta-
dora de cada empresa. Esta variável é igual a 1 se as exportações da
empresa em análise forem positivas e é zero no caso contrário. Depois
de 2010 o número de empresas com informação omissa sobre as
exportações foi semelhante ao número registado antes de 2010, deste
modo, considerou-se como zero os valores omissos para esta variável.
Gerou-se também para cada empresa uma variável adicional para
avaliar a ligação entre a sobrevivência e a atividade exportadora. Em
particular, considerou-se a actividade exportadora de uma empresa
como uma variável categórica com quatro classificações possíveis: i)
exportadora, ii) não exportadora, iii) deixa de exportar e iv) ini-
ciante. Uma empresa é classificada como exportadora se exportou
no período t, t-1 e no período t-2 (caso ativa); se uma empresa não
registou exportações nos períodos t, t-1 e t-2 (caso ativa) a empresa
é classificada como não exportadora; se uma empresa exportou no
período t-1 mas não apresentar exportações no período t é conside-
rado que deixou de exportar; finalmente, se uma empresa não tiver
exportado no período t-1 mas registar exportações no período t é
classificada como iniciante.

217
O Crescimento Económico Português

2008 2009 2010 2011 2012


Não exportadora 8.5 6.8 6.6 7.4 7.6
Exportadora 4.8 4.1 3.5 4.1 3.9

Cessa as exportações 9.6 10.3 8.8 8.1 9.0


Exportadora 4.6 4.0 3.3 3.9 3.8
Não exportadora 8.4 6.7 6.5 7.3 7.5
Inicia a exportação 5.4 4.6 4.0 4.5 4.3

Tabela 14: Evolução das taxas de mortalidade das empresas por actividade
exportadora
Fontes: IES e cálculos dos autores.

As variáveis de controlo para as características individuais das em-


presas, idade e dimensão (vendas reais), foram logaritmizadas para
tomar em consideração possiveis não linearidades. Nos casos em
que a especificação foi considerada insuficiente, também se utilizou
o quadrado do logaritmo. A escolha das vendas reais como proxy da
dimensão, procura aproximar a classificação utilizada pela Comissão
Europeia.42 Na análise também foram utilizadas variáveis de controlo
para o mercado (dummies da indústria).
Para reduzir a endogeneidade, todas as variáveis financeiras e a
dimensão foram desfasadas temporalmente um periodo. Além disso,
com o objectivo de medir o impacto da situação financeira sobre
a sobrevivência, apenas empresas que registaram valores positivos
para as variáveis em pelo menos um dos anos da amostra foram
incluídas na análise. Os setores que não apresentaram pelo menos
uma empresa com exportações em cada ano foram excluídos.
A Tabela 14 apresenta a evolução das taxas de mortalidade ao longo
dos anos para empresas exportadoras e não exportadoras. Como se
pode observar a taxa é superior no caso das empresas não exportado-
ras. Em relação à atividade exportadora, as empresas que deixam de
exportar têm a maior taxa de mortalidade e as empresas exportadoras
a menor.
A Tabela 15 apresenta as médias amostrais das variáveis das em-
presas por tipo de atividade exportadora. Em média as exportadoras
são maiores, mais antigas, têm maiores lucros, e menores garantias
e alavancagem. As empresas não exportadoras têm valor médio de
dívida mais elevado.
42 Na literatura são utilizadas diferentes medidas para a dimensão (e.g. o número de
empregados, as vendas reais ou os ativos).

218
Mercado do produto

Emp. não Emp. Emp. cessa Emp. Emp. Emp.


export. export. atividade export. não inicia
export. export. export.
Idade (S1) 2.409 2.629 2.533 2.687 2.397 2.431
(0.774) (0.759) (0.695) (0.740) (0.780) (0.790)

Idade (S2) 2.431 2.600 2.518 2.650 2.423 2.432


(0.761) (0.756) (0.705) (0.744) (0.765) (0.771)

Dimensão (S1) 12.27 13.76 12.90 14.01 12.22 12.89


(1.690) (1.675) (1.428) (1.577) (1.701) (1.709)

Dimensão (S2) 11.97 13.43 12.55 13.70 11.91 12.55


(1.657) (1.760) (1.476) (1.658) (1.663) (1.804)

Colateral (S1) 65.69 63.32 61.33 64.41 66.12 59.62


(50.61) (46.23) (46.28) (46.69) (50.99) (44.44)

Colateral (S2) 31.16 25.26 25.66 24.94 31.70 26.32


(28.39) (21.91) (23.98) (21.32) (28.73) (23.75)

Lucros (S1) 0.805 3.112 1.463 3.451 0.741 1.960


(14.54) (10.53) (12.75) (9.906) (14.70) (12.35)

Lucros (S2) −1.786 1.659 −1.127 2.213 −1.850 −0.199


(19.92) (14.10) (17.60) (13.07) (20.13) (16.98)

Alavancagem (S1) 23.17 21.14 21.38 21.30 23.34 20.63


(22.16) (17.07) (18.59) (16.70) (22.47) (18.25)

Alavancagem (S2) 39.60 30.99 34.16 30.18 40.13 33.71


(34.48) (24.44) (29.26) (23.20) (34.90) (28.03)

Observações 213627 58588 18781 45272 194846 13316

Tabela 15: Valores médios das variáveis financeiras e da idade e dimensão


da empresa por atividade exportadora
Notas: (S1) - amostra de 2008-2010; (S2) - amostra de 2011 -2012; Erros padrão entre
parêntesis; As variáveis estão logaritmizadas.
Fontes: IES e cálculos dos autores.

3. Modelo empírico

Na estimação da probabilidade de sobrevivência das empresas, há


várias características importantes a ter em consideração antes de se
escolher um modelo. Primeiro, com base na informação disponível
em 2012, é impossível saber quando é que a maioria das empresas na
amostra encerrará a sua actividade, ou seja, os dados são censurado à
direita. Em segundo lugar, em 2008 (primeiro ano da amostra) todas
as empresas foram incluídas independentemente da sua idade, o que
significa que os dados também são truncados à esquerda. Em terceiro
lugar, os dados utilizados são de periodicidade anual e, portanto,
não é possível determinar a data exata de encerramento da activi-
dade da empresa, só é possível identificar que o seu encerramento
se deu após o início do período e antes deste terminar, assim deve
também ser tomado em consideração que o intervalo é censurado.
Finalmente, também é importante incorporar heterogeneidade nos
modelos, dada a sua relevancia para a explicação da sobrevivência.

219
O Crescimento Económico Português

O modelo discreto de sobrevivência utilizado para analisar a relação


entre a sobrevivência e a atividade exportadora foi

log hi (t, Π|v) =δ(t) + βYit + αXit + ηWit +


(20)
γX∗it Wit + ωZit + θi
onde o risco (hazard) depende do risco base que caracteriza cada
empresa, v(θi = f(v)), (t) e Yit correspondem à idade e dimensão
da empresa i, Xit é um vetor de variáveis financeiras, Wit são indi-
cadores da atividade exportadora da empresa i, Zit são indicadores
de mercado e β, α, η e ω são vetores de coeficientes da regressão.
Note-se que o termo de interação é γX∗it Wit = γ1 Alavancagemit ×
Atividade exportadorait + γ2 Lucrosit × Atividade exportadorait +
γ3 Garantiait × Atividade exportadorait , e Π inclui Yit , Xit , Wit e
Zit .

4. Resultados

O impacto das variáveis financeiras - alavancagem, lucro e colateral


- é relevante e estatisticamente significativo na decisão de encerra-
mento das empresas. Os resultados sugerem que empresas com
maior alavancagem têm, em média, maior probabilidade de encer-
rarem a atividade, o que é consistente com os resultados encontrados
na literatura (e.g., Fotopolis e Louri, 2000, Bridges e Guariglia, 2008,
Görg e Spaliara, 2014), incluindo resultados anteriores que utilizaram
dados portugueses (Farinha e Santos, 2006, Mata et al., 2010, e Mata
e Freitas, 2012).
Observa-se também que empresas com maior return on assets
(lucros) têm em média, uma maior probabilidade de sobrevivência
(veja-se também Mata e Freitas, 2012, Fotopolis e Louri, 2000, Pontes
e Guariglia, 2008). As garantias são também um fator importante de
sobrevivência. Quanto maior o seu valor, maior é, em média, a
probabilidade de sobrevivência. Na literatura, têm sido utilizadas
várias variáveis como proxy para a garantia das empresas; por
exemplo, os ativos fixos (Fotopolis e Louri, 2000); e os tangíveis, que
incluem não apenas ativos fixos mas também os stocks (Farinha e
Santos, 2006, e Bridges e Guariglia, 2008). Os resultados obtidos
sugerem que a sobrevivência depende da robustez das empresas, i.e.,
empresas com menos alavancagem e maiores lucros e colateral têm
uma probabilidade maior de sobrevivência.
Os resultados indicam ainda que, controlando para a situação
financeira, as empresas exportadoras têm, em média, uma
probabilidade de encerramento mais baixa do que as empresas

220
Mercado do produto

2008 -2010 2011 -2012

.06
.04
.035

.05
.03

.04
h

h
.025

.03
.02

.02
.015

.01
0 20 40 60 80 100 0 20 40 60 80 100
age age

Non-exporter Exporter Non-exporter Exporter


.08

.1
.08
.06

.06
h

h
.04

.04
.02
.02

0 20 40 60 80 100 0 20 40 60 80 100
age age

Exiters E. markets Cont. export Exiters E. markets Cont. export


Cont. non-export Starters Cont. non-export Starters

Figura 50: Taxas de risco (hazard rates)

não-exportadoras. Existem vários estudos que analisaram a ligação


entre a sobrevivência das empresas e as exportações, no entanto,
apenas Bridges e Guariglia (2008) controlam para a situação
financeira das empresas. Os seus resultados são consistentes com os
obtidos neste estudo.
Realizou-se também uma análise mais detalhada do impacto da
atividade exportadora considerando empresas que deixam de expor-
tar, exportadoras, não exportadoras e iniciantes. Depois de contro-
lar para a situação financeira, as empresas que deixam de exportar
têm, em média, menor probabilidade de sobrevivência. Empresas ini-
ciantes têm a maior probabilidade de sobrevivência, o que sugere que
a decisão de iniciar a exportação e a saída não é tomada no mesmo
ano. Empresas que exportam continuamente apresentam uma maior
probabilidade de sobrevivência quando comparadas com empresas
não exportadoras, esta diferença é particularmente relevante no úl-
timo período (2011-2012). A tabela 15 também indica que as médias
amostrais das variáveis financeiras diferem consoante a atividade ex-
portadora da empresa. Isto sugere que, o impacto da actividade
exportadora sobre a sobrevivência se realiza através de dois canais
- o financeiro e o não financeiro.

221
O Crescimento Económico Português

A Figura 50 apresenta a taxa de risco -hazard rate- (probabilidade


de encerramento em função da idade) utilizando as estimativas dos
coeficientes da regressão, a média das variáveis financeiras para cada
tipo de actividade exportadora e o impacto da atividade. As figuras
confirmam as conclusões anteriores i.e., que as empresas que deixam
de exportar têm taxas de risco mais elevadas, e as empresas iniciantes
têm as taxas mais baixas. As empresas que exportam continuamente
têm menor probabilidade de encerramento quando comparadas com
as não exportadoras.
A actividade exportadora de uma empresa é relevante para explicar
a sua sobrevivência mesmo quando controlando para as variáveis
financeiras. Contudo, os resultados também sugerem que a decisão
de exportar tem riscos associados dado que os mercados de expor-
tação apresentam as taxas de risco mais elevadas. Uma possível
explicação é a necessidade de um investimento inicial elevado, sendo
uma grande parcela irrecuperável. Não ter sucesso pode compro-
meter a capacidade da empresa honrar os seus compromissos com
as instituições financeiras ou reduzir os seus recursos internos para
níveis insustentáveis.
Os resultados das características individuais das empresas também
são consistentes com a literatura, uma vez que empresas mais anti-
gas e maiores têm uma probabilidade maior de sobreviver. Além
disso, os resultados sugerem que as interações entre as variáveis
financeiras e a actividade exportadora são particularmente relevantes
quando a estimação utiliza todas as indústrias. Os resultados indicam
ainda que a redução da probabilidade de sobrevivência após uma
diminuição da garantia ou lucros será maior para as empresas que
deixam de exportar do que para as empresas que iniciam a actividade
exportadora ou empresas não exportadoras, no entanto, espera-se
que o impacto na sobrevivência após um aumento da alavancagem
seja menor para as que deixam de exportar.
Deve notar-se que, mesmo na presença de interações, os
indicadores de actividade exportadora permanecem estatisticamente
significativos, com o mesmo sinal e ordenação.

5. Conclusão

Como esperado, os resultados indicam que empresas com menor


alavancagem, maiores lucros e maiores garantias são mais propensas
a sobreviver do que as suas homólogas. A análise sugere também
que após controlar para a situação financeira, características das em-
presas, como a idade e a dimensão, características do setor e efeitos
macroeconómicos, as exportadoras são mais propensas a sobreviver

222
Mercado do produto

do que as empresas não exportadoras, e que as empresas que deixam


de exportar apresentam uma menor probabilidade de sobrevivência
do que as empresas que exportam continuamente, não exportadoras,
e as iniciantes.
As empresas exportadoras são mais robustas, têm taxas de mor-
talidade mais baixas, menor alavancagem e maiores retornos. Isso
pode ser relevante para a definição de políticas. Deste modo, remover
barreiras à internacionalização é importante para fortalecer a econo-
mia. Convém, no entanto, também realçar que a decisão de exportar
comporta riscos para a empresa.

Referências

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contracts and firm dynamics". The Review of Economic Studies.
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223
O Crescimento Económico Português

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224
7.1. Quão diferentes são as estratégias de
dinamização das exportações com origem na
procura e na oferta?

Paulo Júlio, José R. Maria

1. Motivação

A internacionalização é um objetivo estratégico para muitos países, in-


cluindo Portugal. Em vez de estarem condicionadas por restrições de
procura determinadas pela economia doméstica, as empresas podem
beneficiar entre outros fatores da procura mundial e de estratégias de
diversificação por vários mercados. A economia doméstica acaba na-
turalmente por beneficiar, dados os efeitos no emprego, rendimento,
consumo e, em última análise, no bem-estar.
As estratégias de internacionalização concretizadas através de um
aumento das exportações dependem da capacidade das empresas
encontrarem novos mercados e, se necessário, ampliarem a escala de
produção num ambiente altamente competitivo. Tais metas exigem
que as empresas adotem as melhores práticas e incorporem inovações
tecnológicas, em prol da sua sobrevivência. Investir em produtos de
elevada qualidade, menos vulneráveis a alterações de preço, é uma
condição necessária para alcançar um posicionamento mais vantajoso
nos mercados internacionais.
O aumento da Produtividade Total dos Fatores (doravante TFP) é
outro desenvolvimento desejável. As condições em que a economia
opera e a qualidade das instituições encontram-se entre as princi-
pais forças motrizes da evolução da TFP. O objetivo é, naturalmente,
promover a transição de setores de baixa qualificação, mão-de-obra
intensiva, baixa produtividade e, portanto, de baixos salários, para
setores de elevado valor acrescentado na fronteira tecnológica, como
meio de alcançar melhores padrões de vida.
Esta Secção apresenta uma análise de equilíbrio geral que resulta
de estímulos do lado da procura e da oferta visando um aumento
das exportações nacionais. A avaliação analítica baseia-se no modelo
Portuguese Economy Structural Small Open Analytical model (PESSOA),
um modelo dinâmico estocástico de equilíbrio geral (usualmente de-

227
O Crescimento Económico Português

signado "DSGE," a partir da designação "Dynamic Stochastic General


Equilibrium"), o qual foi especialmente concebido para o contexto
macroeconómico da economia portuguesa. O modelo, estimado por
Júlio e Maria (2017a) com dados para Portugal e para a área do euro,
apresenta uma estrutura de produção multissetorial, características
não-ricardianas, concorrência imperfeita e várias fricções nominais,
reais e financeiras. Ao permitir alterações permanentes nos parâ-
metros estruturais, os modelos DSGE fornecem um ambiente privi-
legiado para avaliar um conjunto diverso de alterações estruturais
(as quais dão origem a um novo estado estacionário), incluindo um
aumento no grau de competitividade nos mercados do trabalho e do
produto (Almeida et al., 2010), estratégias de consolidação orçamental
(Almeida et al., 2013), ou efeitos que decorrem do envelhecimento da
população (Castro et al., 2017).43 As estimativas aqui apresentadas
contêm simultaneamente uma "dimensão qualitativa," dado que estão
dependentes do modelo utilizado e das simulações efetivamente sele-
cionadas, e uma "dimensão quantitativa real," dado que são obtidas
através de um modelo estimado.
O rácio entre as exportações portuguesas e o PIB (Produto Interno
Bruto) da área do euro (este último inalterado por hipótese,
reflectindo o quadro da pequena economia), evolui ao longo do
tempo no modelo PESSOA devido a uma componente exógena
determinada pelo lado da procura, ou devido a alterações
endógenas na taxa de câmbio real. Esta Secção compara os
principais efeitos associados a um aumento desta componente
exógena com os obtidos a partir de um aumento exógeno da TFP, i.e.,
um choque de procura e outro de oferta. O primeiro traduz, por
exemplo, uma estratégia promocional bem sucedida que introduz
produtos nacionais no plano mundial e gera um aumento
permanente no nível da procura externa. O segundo apresenta um
efeito indireto favorável sobre as exportações devido a uma maior
eficiência das empresas. As simulações assumem um aumento
gradual dos choques e uma posterior estabilização em cerca de 2.9 e
0.9 por cento acima do nível registado no estado estacionário inicial,
respetivamente. Estes aumentos tomam em consideração o percentil
75 de todos os choques temporários que foram estimados no
período 1999–2017, o que permite avaliar o que aconteceria se esses
aumentos assumissem uma natureza permanente.
Os resultados sugerem que os choques de procura e oferta parti-
lham algumas características. As exportações aumentam em ambos
43 Os modelos DSGE são atualmente um instrumento de análise utilizado em diversas
instituições responsáveis pela formulação de política, tais como o Riksbank (Adolfson
et al., 2008), o Bundesbank (Gadatsch et al., 2015), o Banco da Finlândia (Kilponen
et al., 2016), o Banco Central Europeu (Christoffel et al., 2008), o Banco Central do Brasil
(de Castro et al., 2011), ou a Comissão Europeia (Ratto et al., 2009).

228
Internacionalização

os casos e, tal como esperado, o PIB, o emprego e o stock de capital


aumentam no curto, médio e longo prazos. A balança comercial
apresenta melhorias em ambos os casos no longo prazo. Outra con-
clusão idêntica é que a resposta macroeconómica ultrapassa o período
temporal a partir do qual a variação dos choques tende para zero, i.e.,
a economia continua a evoluir para maiores níveis de produção após
os choques de procura e oferta terem alcançado os novos níveis de
longo prazo.
Os choques diferem, no entanto, em vários aspectos. O choque
de procura é mais expansionista no curto e médio prazos, o que é
determinado por taxas de investimento mais elevadas, de forma a
responder ao facto da produção de bens de exportações ser intensiva
em capital (o aumento do emprego é praticamente igual). Nos prazos
mais curtos, o choque da TFP apresenta efeitos limitados sobre o
PIB devido à sua natureza desinflacionária, que aumenta as despesas
reais de juros dos agentes endividados e, por conseguinte, gera efeitos
negativos no consumo privado. Nos prazos mais longos, no entanto,
os impactos acumulam e os efeitos multiplicativos tornam-se conside-
ráveis. No longo prazo, as estimativas apontam para um aumento do
PIB perto de 1.3% em relação ao valor do estado estacionário inicial
para ambos os choques. A elasticidade do choque de TFP é porém
muito mais elevada do que a elasticidade do choque de procura (1.61
versus 0.47).44
Finalmente, enquanto o choque de procura provoca um aumento
permanente nos níveis de preços domésticos e uma apreciação da
taxa de câmbio real, o oposto ocorre com o choque de oferta. Os
impactos no comércio internacional estão de acordo com o esperado:
enquanto o efeito de preço no choque de procura reduz as expor-
tações e aumenta as importações, o oposto acontece no choque de
oferta. No longo prazo, as importações aumentam na sequência do
choque de procura, dado o conteúdo importado das exportações, mas
diminuem na sequência do choque de oferta, dado o efeito dominante
associado ao comportamento dos preços.

2. O modelo PESSOA: características fundamentais

A economia portuguesa é modelada através de um sistema de


equações estilizado em que a solução representa uma situação de
equilíbrio nos mercados de trabalho, do produto e financeiro.45 A
Figura 51 apresenta as principais interações entre os agentes do

44 A elasticidade do choque da procura supera o rácio de exportações no PIB português


devido à presença de efeitos favoráveis de equilíbrio geral.
45 Para mais detalhes, consultar Júlio e Maria (2017a,b).

229
O Crescimento Económico Português

A economia portuguesa

Famílias

Estado

Empregadores

Produtores de capital
Produtores de bens intermédios
Empresários
Bancos

C - Distribuidor I - Distribuidor X - Distribuidor G - Distribuidor

Restante área do euro Banco Central


Agentes externos

Figura 51: Uma representação estilizada do modelo PESSOA


Notas: O identificador C representa os bens de consumo, I os bens de investimento,
G os bens consumidos pelo Estado, X os bens de exportação, e M os bens de
importação. Os exercícios de simulação avaliados nesta Secção consideram um
aumento da TFP, que afecta diretamente os produtores de bens intermédios, e na
competitividade não preço das exportações, que afecta diretamente o produtor de
bens finais X - Distribuidor.

modelo PESSOA. Os empregadores contratam serviços de


mão-de-obra às famílias para os disponibilizar aos produtores de
bens intermédios.
As empresas produtoras de bens finais (denominados
“distribuidores”) combinam bens intermédios domésticos com bens
importados para produzir quatro tipos de bens finais.
Os bens de consumo são adquiridos pelas famílias, os bens de
consumo público pelo Estado, os bens de investimento pelos produ-
tores de bens de capital, e os bens de exportação pelos distribuidores
estrangeiros. Os aspetos essenciais da atividade de intermediação
financeira estão representados nas interações entre produtores de
bens de capital, empresários e bancos.
O comércio internacional e os fluxos financeiros ocorrem apenas
com o resto da área do euro, a qual está imune a quaisquer desen-
volvimentos na economia doméstica, real ou nominal. As taxas de
juro são fixadas pelo Banco Central.

230
Internacionalização

O modelo PESSOA foi estimado utilizando métodos Bayesianos


com observações trimestrais de Portugal e da área do euro para o
período 1999:1–2015:4. A base de dados contém vinte e quatro séries
temporais, incluindo valores reais e nominais para o produto interno
bruto, consumo privado, consumo e investimento públicos, investi-
mento privado, exportações, importações, salários e horas trabalha-
das. O sector externo foi estimado através de um modelo VAR que
inclui a inflação, o produto interno bruto e a taxa de juro da área do
euro.
O comportamento estocástico do modelo é determinado por vinte
e quatro choques estruturais, entre eles os choques temporários de
TFP e de competitividade não-preço das exportações. A capacidade
de oferta dos produtores de bens intermédios está dependente do
U
choque de TFP Aα t , cujo impacto na produção do bem intermédio
Zt decorre de uma função de produção Cobb-Douglas que combina
capital Kt e mão-de-obra Ut , nomeadamente
U  1−αU U 
Zt = A α
t Kt (Tt Ut )α , (21)

em que Tt representa o nível da tecnologia mundial, e αU = 0.54.


O aumento da TFP implica uma deslocação da curva da oferta dos
produtores de bens intermédios. Por outras palavras, as empresas
têm a capacidade de aumentar a produção com os mesmos níveis
de utilização de capital e trabalho. Estratégias de inovação, com
sucesso, ou melhorias no plano institucional, podem justificar este
tipo de evolução.
O rácio entre as exportações portuguesas YtX e o PIB estrangeiro
Yt∗ evolui ao longo do tempo devido a uma componente exógena
α∗t —um efeito de competitividade não-preço—e devido a alterações

endógenas na taxa de câmbio real ϑξt . Em suma,

YtX ∗
∗ = α∗t · ϑξ
t , (22)
Yt

em que ξ∗ = 1.62 é um parâmetro estimado. O aumento da compe-


titividade não-preço das exportações implica uma deslocação ascen-
dente da curva da procura dirigida aos exportadores nacionais. Por
outras palavras, os agentes estrangeiros estão dispostos a comprar,
pelo mesmo preço, bens domésticos adicionais. As características
deste choque são compatíveis com uma estratégia de marketing que
publicite internacionalmente, com sucesso, os produtos domésticos.
A Figura 52 apresenta os choques temporários no período
1999–2017. Os resultados da estimação revelam que o choque na TFP
é menos persistente que o choque de procura, apresentando

231
O Crescimento Económico Português

amplitudes de variação menores, em parte devido à evolução do


rácio das exportações portuguesas no PIB da área do euro. O
percentil 75 implica um aumento da oferta e da procura em torno de
0.9 e 2.9 por cento, respetivamente, em relação aos valores do estado
estacionário inicial. A Figura 52 apresenta ainda o percentil 90, o
qual se situa em 2.2 e 5.8 por cento, respectivamente.46
Os contributos para a taxa de crescimento do PIB, apresentados
na última coluna da Figura 52, atribuem uma relevância maior ao
choque sobre as exportações.

3. Aumento das exportações para a área do euro e choque tecnoló-


gico

3.1. As simulações

Para calibrar as simulações desta Secção utilizou-se o percentil 75 de


todos os choques temporários apresentados na Figura 52. O objetivo
é investigar o que aconteceria se estes choques tivessem adquirido
uma natureza permanente. Assumiu-se acréscimos graduais nestes
parâmetros estruturais, tal que o aumento se situa em torno de 60 por
cento nos cinco anos iniciais. O nível de cada estímulo encontra-se
relativamente estabilizado depois de quarenta trimestres (dez anos).
É importante referir que estas hipóteses de trabalho são arbitrárias
e representam apenas valores de referência. No entanto, o exercício
de simulação permite avaliar as alterações estruturais na economia
portuguesa que têm por base aumentos permanentes nos níveis de
oferta ou procura.
A transição para o novo estado estacionário é conhecida e total-
mente antecipada pelos agentes económicos assim que o choque é
observado.

3.2. Impactos no PIB, trabalho e capital

A Figura 53 apresenta resultados de equilíbrio geral do modelo,


nomeadamente os impactos no PIB real, stock de capital e fator
trabalho. Os resultados sugerem duas conclusões essenciais. Em
primeiro lugar, os impactos macroeconómicos têm lugar ao longo de
um período temporal superior ao dos choques. Enquanto a
competitividade não-preço das exportações e o choque tecnológico

46 O desvio padrão dos choques temporários de TFP situa-se em 2 por cento e de


exportações em 5 por cento.

232
Internacionalização

Contribuições para o
Choque de TFP Choque de procura
crescimento do PIB
U
6 Estimativa 15 Estimativa 4.0 Choque TFP Aαt
Percentil 90 (2.2) Percentil 90 (5.8) Choque de procura α∗
t
Percentil 75 (0.9) Percentil 75 (2.9) 3.0
4 10
2.0
2 5 1.0

0 0 0.0
−1.0
−2 −5
−2.0

−4 −10 −3.0
−4.0
−6 −15

1999 2004 2009 2014 1999 2004 2009 2014 1999 2004 2009 2014

Figura 52: Choques de procura e oferta no modelo PESSOA


Notas: Os choques de TFP e de exportações têm periodicidade trimestral. As
contribuições para o crescimento do PIB tem periodicidade anual (em pontos
percentuais).

PIB Stock de Capital Emprego


2.5 2.5 2.5

2.0 2.0 2.0

1.5 1.5 1.5

1.0 1.0 1.0

0.5 0.5 0.5

0.0 0.0 0.0

−0.5 −0.5 −0.5

−1.0 −1.0 −1.0

−1.5 −1.5 −1.5


Y5 Y10 Y20 Y30 Y5 Y10 Y20 Y30 Y5 Y10 Y20 Y30

Aumento da competitividade não-preço Aumento de TFP

Figura 53: PIB, stock de capital e emprego


Notas: Todos os choques são permanentes, determinísticos e antecipados assim que
o choque é observado. Cada Figura apresenta desvios em relação aos valores do
estado estacionário incial. O identificador Yi refere-se ao valor médio obtido com
base nos cinco anos anteriores terminado no ano i.

estabilizam após dez anos no novo nível do estado estacionário,


todas as principais variáveis macroeconómicas estão ainda longe dos
seus novos valores de longo prazo. Por exemplo, o PIB após dez
anos aumenta menos de 50 por cento do seu valor de longo prazo.
Em segundo lugar, o ganho de competitividade não-preço é mais
expansionista no curto e médio prazos do que o aumento da TFP. O
aumento significativo da procura de exportações requer mais capital
e trabalho para expandir a produção de mercadorias que serão expor-

233
O Crescimento Económico Português

tadas. Uma vez que o rendimento futuro, e por conseguinte a riqueza,


são indiretamente impulsionadas, as famílias aumentam o consumo
no curto prazo. No caso do choque da TFP, as respostas de curto e
médio prazos estão severamente limitadas uma vez que o consumo
privado é negativamente afetado pela desinflação (ver próxima sub-
secção). Os salários reais mais elevados, no entanto, não deixarão de
se repercutir favoravelmente nos níveis de consumo. Em comparação
com o choque de competitividade, as empresas aproveitam neste caso
o nível mais elevado de tecnologia para alcançar os mesmo níveis de
produção com uma acumulação de capital mais modesta.
Em suma, os dois choques têm efeitos benéficos e duradouros na
produção, riqueza e emprego, sugerindo que os decisores de política
económica devem de facto empenhar-se em criar condições que in-
centivam o progresso tecnológico e estratégias de internacionalização
que visem um aumento das exportações.

3.3. Outros impactos

Os efeitos qualitativamente semelhantes sobre o PIB, capital ou traba-


lho escondem diferenças importantes em outras variáveis.
Apesar de ambos os choques produzirem o mesmo impacto no PIB
no longo prazo, as elasticidades de longo prazo são muito diferentes.
Estas situam-se em 0.47 por cento no caso do choque de procura e
em 1.61 por cento no caso do choque de oferta, i.e. as propriedades
amplificadoras do choque de TFP são 3 vezes superiores, dado que
os bens intermédios são utilizados na função de produção de todos
os bens finais, incluindo os bens de exportação. Se as simulações
estivem assentes no percentil 90, apresentado na Figura 52, o impacto
no PIB seria mais acentuado em ambos os casos mas o impacto do
choque de TFP seria muito superior comparativamente ao choque
de procura. As elasticidades permaneceriam inalteradas dado que o
modelo é linear.
Outra diferença fundamental reside no impacto sobre os preços.
O choque de procura é inflacionista, enquanto o choque de oferta é
desinflacionista. Isto acarreta efeitos opostos sobre as taxas de juros
reais e, portanto, sobre o consumo. O aumento da inflação esperada
reduz a taxa de juro real e aumenta a procura de bens de consumo,
refletindo em grande parte a melhor posição financeira das famílias,
que são devedoras líquidas. O custo de financiamento externo das
empresas também se reduz, o que origina efeitos favoráveis sobre a
procura de capital e, portanto, de bens de investimento. O oposto
ocorre com o choque de tecnologia, o qual aumenta a taxa de juro
real, restringindo os impactos via riqueza e consumo privado.

234
Internacionalização

A evolução da taxa de juro real acima descrita tem, no entanto,


um carácter temporário. Dado que a resposta macroeconómica da
economia portuguesa não tem qualquer influência nos valores nomi-
nais de equilíbrio da União Monetária, as taxas de juros nominais
permanecem inalteradas. A versão relativa da lei do preço único
verifica-se no longo prazo, pelo que qualquer processo inflacionário
interno vis-à-vis a área do euro deve ser totalmente anulado, em
algum momento do tempo, através de um processo de desinflação
e vice-versa. A inflação e, portanto, a taxa de juro real devem assim
convergir para o valor inicial (idêntico ao da área do euro). Contudo,
os choques permanentes como os implementados nesta Secção vio-
lam a versão absoluta da lei do preço único, i.e. a inflação retorna ao
seu valor pré-choque, mas o nível de preços não.
Alterações permanentes no nível de preços têm efeitos
importantes sobre a taxa de câmbio real e consequentemente na
competitividade-preço. Uma maior competitividade não-preço
aumenta a balança comercial, mas conduz a uma apreciação
permanente da taxa de câmbio real que reduz o impacto inicial. Em
contraste, um aumento da TFP não afeta diretamente a balança
comercial, mas desencadeia uma depreciação permanente com
efeitos favoráveis sobre o comércio internacional. Os resultados
também sugerem que a maior produção, baseada num melhor nível
tecnológico, não exige importações adicionais a longo prazo, apenas
mais capital e emprego.

4. Alguns ressalvas

As simulações efetuadas são condicionais em várias hipóteses de tra-


balho que justificam alguma discussão. Em primeiro lugar, os resul-
tados dependem da hipótese de que todos os agentes beneficiam de
uma capacidade perfeita de antecipar o futuro. Isto implica que os
resultados a curto prazo devem ser vistos como resultados otimis-
tas, uma vez que as expetativas de produção futura se traduzem
em maior riqueza e, portanto, numa expansão da procura agregada
corrente, que por sua vez justifica uma maior procura de capital e
trabalho.
Em segundo lugar, o sistema bancário é demasiado simples, uma
vez que se abstrai de restrições de oferta de crédito ou de fricções no
sistema bancário, as quais podem limitar a capacidade das empresas
expandirem o seu balanço.
Em terceiro lugar, a taxa de utilização do capital permanece inal-
terada durante o período em que decorre a simulação. Esta hipótese
evita que os empresários optem por níveis anormais de utilização

235
O Crescimento Económico Português

de capital, usualmente decorrentes de choques permanentes. Os


resultados poderiam ser ligeiramente diferentes caso fosse permitido
aos empresários escolher otimamente o nível que maximiza o lucro
líquido (de impostos) por unidade de capital.
Finalmente, as exportações dependem, no modelo, do PIB da área
do euro e não de uma procura externa mundial ponderada, onde
os pesos poderiam ser definidos pela importância de cada país no
comércio português.

5. Considerações finais

Este capítulo argumenta que Portugal deverá beneficiar quer de um


aumento da procura externa, quer de um aumento de eficiência das
empresas nacionais. Ambos os fatores aumentam a produção, o
capital, o emprego e promovem uma melhoria na balança comercial.
Existem no entanto algumas diferenças assinaláveis. O aumento
da procura é mais expansionista no curto e médio prazos, o que pode
tornar esta a estratégia de internacionalização preferida. Choques
do lado da oferta, no entanto, contemplam efeitos multiplicativos de
longo prazo superiores que não devem ser ignorados. Enquanto o
aumento da procura conduziria a uma apreciação da taxa de câmbio
real, o aumento da produtividade total dos fatores conduziria a uma
depreciação real.

Referências

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economy model.” Journal of Economic Dynamics and Control, 32(8),
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competition in the non-tradable goods and labour markets: the
Portuguese case.” Portuguese Economic Journal, 9(3), 163–193.
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Cláudia Rodrigues Braz (2017). “Aging And Fiscal Sustainability
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open-economy model for forecasting and policy analysis.”
Working Paper Series 944, European Central Bank.

236
Internacionalização

de Castro, Marcos, Solange Gouvea, Andre Minella, Rafael dos


Santos, e Nelson Souza-Sobrinho (2011). “SAMBA: Stochastic
analytical model with a bayesian approach.” Working Papers
Series 239, Banco Central do Brasil.
Gadatsch, Niklas, Klemens Hauzenberger, e Nikolai Stähler (2015).
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Júlio, Paulo e José R. Maria (2017a). “Output and inflation in the
Portuguese post-2008 period: A narrative from an estimated
DSGE model.” Working Paper 15, Banco de Portugal.
Júlio, Paulo e José R. Maria (2017b). “Output in the Portuguese
post-2008 period: A general equilibrium narrative.” Banco de
Portugal Economic Studies, III(2), 53–69.
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(2016). “The Aino 2.0 model.” Research Discussion Paper
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Ratto, Marco, Werner Roeger, e Jan in’t Veld (2009). “QUEST III:
An estimated open-economy DSGE model of the euro area with
fiscal and monetary policy.” Economic Modelling, 26(1), 222–233.

237
7.2. Como é que as empresas exportadoras
reagiram à crise?

Paulo Soares Esteves, Miguel Portela, António Rua

1. Motivação

As exportações portuguesas quer de bens quer de serviços registaram


um comportamento notável na última década, em particular durante
a crise económica e financeira, contribuindo assim para o crescimento
da economia. Este comportamento não foi observado noutros países
europeus que também foram afetados pela crise internacional, pelo
que a sua compreensão pode ser crucial para avaliar o (in)sucesso dos
respetivos programas de ajustamento.47
O assinalável desempenho das exportações portuguesas pode ser
ilustrado pela evolução do seu peso no PIB (Figura 54a). Depois de
permanecer estável entre 25 e 30 por cento desde a segunda metade
dos anos 80, este indicador aumentou significativamente nos últi-
mos dez anos, alcançando um valor de cerca de 45 por cento em
2017 (veja-se Banco de Portugal (2017) para uma análise da evolução
recente do grau de abertura da economia portuguesa ao comércio
internacional).
Naturalmente, este tipo de indicador é influenciado por um efeito
denominador, dada a expressiva queda do PIB durante a crise. No
entanto, outros indicadores apontam no mesmo sentido. A quota de
mercado das exportações aumentou 25 por cento desde 2007 (Figura
54b). Com a exceção da Irlanda, este desempenho foi claramente mais
favorável do que o observado noutros países europeus também afeta-
dos pela crise. Esta evolução não pode ser explicada por alterações
de preços relativos, na medida em que a evolução da taxa de câm-
bio real efetiva não justifica nem o comportamento das exportações

47 A importância da reação das exportações foi imediatamente destacada em 2010, num


memo do FMI datado de 4 de Maio do economista-chefe Olivier Blanchard para Poul
Thomsen, diretor do departamento europeu do FMI, citado em Blustein (2016): "...In
the absence of a strong export rebound, there is nothing that can support growth against the
negative contribution of public sector...with a recession deeper and longer than projected,
followed by a period of sluggish growth...".

239
O Crescimento Económico Português

50%
175 50%
Irlanda
160 35% Total Irlanda
40% Bens 160 35% Total
Serviços 40% Bens
150 Serviços
30%
Portugal 30%
Portugal
125 6%
125 125 6%
20%
Espanha 20%
Espanha
104 12% 104 12%
Itália 100
9% 10% Itália 10%
88 88 9%

Grécia 85 12% Grécia 85 12%


0% 75 0%
2013 2015 2017 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2007 2009 2011 2013 2015 2017 1950 1960 1970 1980 1990 2
te o período (custos de trabalho unitários) Depreciação real durante o período (custos de trabalho unitários)

(a) Exportações/PIB (b) Quotas de mercado, 2007=100

Figura 54: Rácio exportações/PIB e quotas de mercado das exportações


Fontes: AMECO, INE e Pinheiro (1999).

portuguesas nem as diferenças de performance das exportações dos


vários países (com a exceção da Irlanda).
Esta secção argumenta que o comportamento das exportações por-
tuguesas esteve relacionado com o forte choque negativo da procura
interna. De uma forma simples, perante condições adversas no mer-
cado interno, as empresas portuguesas procuraram reorientar as suas
vendas para o mercado externo. Deste modo, a crise acabou por
proporcionar condições para um maior aprofundamento do processo
de internacionalização das empresas portuguesas.
Esta perspetiva é suportada por investigação aplicada recente. Do
ponto de vista macroeconómico, foi documentado que este efeito
é significativo e que a relação entre exportações e procura interna
é assimétrica sendo mais forte quando a procura interna diminui,
sugerindo que os ganhos de quota de mercado não serão revertidos
aquando da recuperação da economia. Do ponto de vista microe-
conómico, também foi encontrada uma relação negativa com base em
dados ao nível da empresa. Adicionalmente, os resultados sugerem
que esta relação depende do setor de atividade e da dimensão da
empresa.

2. Da perspectiva macroeconómica para os dados ao nível da em-


presa

Com base em dados macroeconómicos, os resultados empíricos


disponíveis apontam para uma relação negativa entre procura
interna e exportações. Com efeito, Esteves e Rua (2015) apresentam
evidência dessa relação para a economia portuguesa, utilizando

240
Internacionalização

dados trimestrais de 1980 até 2012. Mais ainda, Bobeica et al. (2016)
estenderam esses resultados para um painel de 11 países da área do
euro, com base em dados trimestrais entre 1995 e 2013.48 Esteves e
Prades (2018) confirmam a evidência anterior com dados anuais de
1997 até 2014, argumentando que este efeito pode ser diferente entre
os vários países, dependendo negativamente do nível de
concentração setorial das exportações, o que permite explicar o
menor sucesso do ajustamento da economia grega.49
Adicionalmente, os estudos acima mencionados apontam para que
o efeito da procura interna nas exportações seja assimétrico, sendo
maior e mais significativo quando a procura interna diminui. Este
resultado sugere que uma recuperação da procura interna pode não
implicar um efeito negativo nas exportações. Uma possível expli-
cação para esta assimetria prende-se com a existência de incerteza
e de custos de entrada enfrentados pelas empresas aquando da sua
chegada a novos mercados, os quais podem contribuir para que as
empresas não abandonem esses mercados aquando de uma retoma
da procura interna.
Complementarmente a esta evidencia baseada em dados agrega-
dos, Esteves et al. (2018) exploram informação ao nível da empresa
durante o recente período de crise económica e financeira. Doravante,
a discussão baseia-se em Esteves et al. (2018) destacando-se os princi-
pais resultados obtidos com os dados microeconómicos.

3. Modelo e dados

Com base num modelo de concorrência monopolística de uma em-


presa que vende para os mercados interno e externo, as condições de
maximização do lucro permitem definir uma função onde as receitas
de exportação da empresa i no período t (Xit ) dependem da sua
procura externa relevante (FDit ) e, de uma forma não linear, do rácio
entre a procura interna (DDit ) e a procura externa, i.e.,

DDit α2
 
α1
Xit = αi0 FDit 1 + (23)
FDit

Assim, a elasticidade das exportações face à procura interna con-


verge assintoticamente para α2 enquanto a elasticidade face à procura
externa converge para α1 – α2 .
48 A Grécia foi excluída devido à falta de dados com periodicidade trimestral.
49 O caso de um país exportador de petróleo é um exemplo muito simples e ilustrativo.
Neste caso, as exportações de petróleo não dependerão do seu consumo interno, na
medida em que esse consumo é tipicamente insignificante quando comparado com
as exportações.

241
O Crescimento Económico Português

Os resultados econométricos baseiam-se no período compreendido


entre 2009 e 2016. A informação referente às exportações por em-
presa resulta do apuramento das estatísticas de comércio externo do
Instituto Nacional de Estatística (INE), considerando-se uma desagre-
gação de oito dígitos.
A procura externa é calculada com base nas importações de 213
países, obtida da base de dados BACI com um nível de desagregação
de seis dígitos da nomenclatura do Sistema Harmonizado. Essa infor-
mação é agregada de acordo com a importância relativa dos vários
mercados nas exportações de cada uma das empresas. Deste modo,
é calculada uma procura externa diferenciada para cada empresa,
levando em consideração a sua especialização por produtos e mer-
cados geográficos.
As vendas para o mercado interno são usadas como uma medida
da procura nacional, sendo obtidas da Informação Empresarial Sim-
plificada (IES), que também inclui muitas outras variáveis, nomeada-
mente o sector de atividade. A amostra contempla 3655 empresas
num total de 19381 observações.

4. Resultados

De uma forma geral, os resultados confirmam a existência de uma


relação negativa entre procura interna e exportações já identificada
anteriormente com base em dados macroeconómicos. Nos anos mais
recentes, as empresas reagiram às condições adversas do mercado
interno através de um aumento das vendas para o exterior. Os resul-
tados são robustos a amostras alternativas e a diferentes métodos de
estimação. Mais ainda, a utilização de dados micro permite perceber
melhor esta relação, que depende do sector de atividade e da dimen-
são da empresa.
Em primeiro lugar, refira-se que as elasticidades das exportações
não são constantes, nem ao longo do tempo nem entre empresas
(Figura 55). Em particular, dependem do rácio entre vendas nos
mercados interno e externo. Naturalmente as exportações de uma
empresa não deverão reagir à procura interna se essa empresa não
vende para o mercado interno. Este resultado é igualmente consis-
tente com o efeito acima referido relacionado com a concentração das
exportações. Se as exportações estiverem muito concentradas num
determinado produto, a importância das vendas internas pode ser
muito pequena e logo o efeito desta realocação será irrelevante. A
reação tenderá a ser maior quanto maior for a margem de realocação.

242
Internacionalização

Elasticidades de exportação
das empresas
0.53 ----------------------------------------------------

Vendas internas/Exportações
0
2 4 6 8 10
−0.18 ----------------------------------------------------

Procura interna
Procura externa

Figura 55: Estimativas das elasticidades das exportações


Fonte: Esteves et al. (2018).

Em segundo lugar, deve ser realçado que esta realocação das ven-
das depende do sector de atividade. O Figura 56a apresenta a esti-
mativa do parâmetro subjacente à elasticidade das exportações em
relação à procura interna (α2 ) bem como o respetivo intervalo de con-
fiança a 95 por cento, para 18 sectores da indústria transformadora.
Os resultados apontam de uma forma generalizada para uma relação
negativa entre exportações e procura interna. No entanto, entre os
sectores onde esse efeito é estatisticamente significativo, a magni-
tude da estimativa varia substancialmente. Esta heterogeneidade re-
alça a importância de se considerar a informação sectorial quando se
procura compreender a evolução do total das exportações.
Finalmente, a importância da dimensão da empresa é também ana-
lisada para cada um dos sectores. Considerando os tercis da dis-
tribuição da dimensão da empresa (pequena, média e grande), a
relação negativa entre procura interna e exportações parece ser maior
e estatisticamente mais significativa para as maiores empresas (Figura
56b).

5. Considerações finais

Portugal atravessou uma crise severa durante os últimos anos. O


programa de assistência económica e financeira ampliou os efeitos

243
O Crescimento Económico Português

(a) Estimativas por sector

(b) Estimativas por dimensão da empresa

Figura 56: Estimativas do parâmetro subjacente à elasticidade das expor-


tações em relação à procura interna
Notas: Códigos da indústria: 10, Produtos alimentares; 11, Bebidas; 13, Têxteis;
14, Vestuário; 15, Calçado; 16, Madeira e cortiça; 17, Papel e produtos de papel;
18, Publicações e reproduções; 19 & 20, Combustíveis e químicos; 21, Produtos
farmacêuticos; 22, Borracha e plástico ; 23, Outros produtos minerais não metálicos;
24 & 25, Metais básicos e produtos de metais (exc. maquinaria e equipamento); 26 &
27, Computação, comunicações e material elétrico; 28, Máquinas e equipamento; 29
& 30, Veículos a motor; 31, Mobiliário; 32, Outras manufaturas.
Fonte: Esteves et al. (2018).

da recessão de 2008-2009 tendo a procura interna contraído de uma


forma sem precedentes. Simultaneamente, as exportações registaram
um crescimento substancialmente acima da procura externa, o que
não é passível de ser explicado pela evolução da taxa de câmbio real.
Os resultados de investigação aplicada, quer com dados macroeco-
nómicos quer com dados ao nível da empresa, sugerem uma reação
significativa das empresas portuguesas. Face a um expressivo choque
negativo, assistiu-se uma realocação de vendas do mercado interno
para o externo. Os resultados também sugerem que esta realocação
não será revertida, uma vez que as empresas não deixarão de apostar

244
Internacionalização

nos mercados externos num contexto de incerteza e de custos de


entrada que já foram suportados. Aliás, como referido em Banco
de Portugal (2017), apesar do assinalável aumento durante o período
mais recente, a economia portuguesa continua menos aberta do que
outras com características similares (tais como área, tamanho e locali-
zação geográfica).
A reação das empresas portuguesas a um choque muito adverso
revela uma assinalável capacidade de ajustamento face a novas con-
dições. Em particular, a ocorrência de uma profunda deterioração do
mercado interno acabou por resultar num tecido empresarial mais ori-
entado para o mercado externo, levando a uma importante alteração
estrutural da economia portuguesa. Esta alteração deve ser suportada
e potenciada por forma a melhorar as perspetivas de crescimento
económico.

Referências

Banco de Portugal (2017). “Grau de abertura da economia por-


tuguesa: evolução recente e perspetivas.” Boletim Económico,
junho, Banco de Portugal, 30-33.
Blustein, Paul (2016). Laid low: inside the crisis that overwhelmed Europe
and the IMF. Centre for International Governance Innovation.
Bobeica, Elena, Paulo Soares Esteves, António Rua, e Karsten Staehr
(2016). “Exports and domestic demand pressure: a dynamic
panel data model for the euro area countries.” Review of World
Economics, 152(1), 107–125.
Esteves, Paulo Soares, Miguel Portela, e António Rua (2018). “Does
domestic demand matter for firms’ exports?” Banco de Portugal
Working Paper, no. 26.
Esteves, Paulo Soares e Elvira Prades (2018). “Does export concen-
tration matter in economic adjustment programs? Evidence from
the euro-area.” Journal of Policy Modeling, 40(2), 225–241.
Esteves, Paulo Soares e António Rua (2015). “Is there a role for
domestic demand pressure on export performance?” Empirical
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Pinheiro, Maximiano (coord.) (1999). Séries Longas para a Economia
Portuguesa — Pós II Guerra Mundial, versão revista e prolongada para
1994 e 1995. Banco de Portugal.

245
7.3. Quão importante é o papel da entrada e saída
nos mercados internacionais?

João Amador, Luca David Opromolla

1. Motivação

As economias apresentam forte dinâmica empresarial quando anali-


sadas ao nível micro. Essa dinâmica também se traduz na entrada
e saída de empresas nos mercados internacionais, expansão ou con-
tração dos cabazes de exportação e importação, bem como em ter-
mos do conjunto de mercados fornecedores e fornecidos. Além da
entrada e saída de empresas, mercados e bens - a designada margem
extensiva, a mudança na escala de operações por empresas que per-
manecem em mercados com os mesmos bens - a designada margem
intensiva, é muito relevante. No entanto, as empresas recém-nascidas,
quando sobrevivem ao primeiro ano de vida, tornam-se empresas que
permanecem e podem ser bastante diferentes das mais antigas. Deste
modo, seguir as gerações de empresas que participam no comércio
internacional é outra maneira de estudar a dinâmica do comércio e,
em última análise, o crescimento económico português.
Esta secção baseia-se em Amador e Opromolla (2017) para avaliar
o contributo das mergens intensiva e extensiva nas dimensões da
empresa destino e produto, para as exportações e importações de
bens no período 1995-2014. Adicionalmente, descrevemos o com-
portamento das gerações de participantes no comércio nos últimos
20 anos, com ênfase no impacto de eventos como o grande colapso
do comércio e o programa de assistência económica e financeira por-
tuguês.
A literatura sobre as margens no comércio internacional é
demasiado extensa para poder ser aqui listada. As contribuições
seminais são atribuídas a Eaton et al. (2004), Schott (2004), Bernard
et al. (2007). No que diz respeito às gerações de empresas
participantes no comércio internacional, existe reduzida literatura
pois tais estudos requerem bases de dados que acompanhem
detalhadamente a atividade externa das empresas durante um
período relativamente longo de tempo. Uma exceção é o trabalho de

247
O Crescimento Económico Português

Empresas que 
entram
Produtos existentes
Destinos adicionados
Novos produtos Exportações 
em t+1

Produtos adicionados

Empresas que continuam Destinos que continuam Produtos que continuam

Produtos abandonados
Exportações 
em t Destinos abandonados

Empresas que 
saem

Figura 57: As margens do comércio

Wagner (2012) que analisa as gerações de exportadores alemães que


começaram a exportar entre 1998 e 2002.

2. Metodologia

A análise dos cabazes de produtos e destinos no comércio é possi-


bilitada pela utilização de uma base de dados que inclui todas as
transações relativas a exportações e importações por parte de em-
presas localizadas em Portugal, numa base mensal, de 1995 a 2015,
agregando para o total das exportações e importações portuguesas
de bens, tal como reportadas pelo Instituto Nacional de Estatística.
Na análise é tida em conta a existência de limiares de reporte para
as exportações e importações, os quais foram alterados várias vezes
nas duas décadas estudadas. De modo a dispor de um conjunto
comparável de empresas e para evitar atribuir a sua entrada e saída a
alterações no limiar de resposta, foi identificado o valor mais alto
que vigorou no conjunto do período e aplicado a todos os anos,
após ajustamento pela inflação com base no índice de preços no
consumidor. Definimos produtos a quatro dígitos de acordo com
a classificação Harmonized System. Tal permite evitar problemas de
classificação relacionados com revisões na Nomenclatura Combinada
e ainda permite considerar um conjunto de mais de 1000 produtos
potenciais.
As taxas de crescimento das exportações e importações totais por-
tuguesas são decompostas no contributo de três dimensões: a de-
cisão de entrar/ permanecer/ sair dos mercados de exportação/ im-
portação, a decisão de onde exportar/ importar e a decisão sobre
o que exportar/ importar. Consistentemente com o que foi feito

248
Internacionalização

em Amador e Opromolla (2013), começamos por decompor o cres-


cimento total das exportações no contributo de “entrada”, “saída”
e “permanência” de exportadores, ou seja, nas margens extensiva e
intensiva na dimensão da empresa. Seguidamente, consideramos o
produto que as empresas decidem exportar em destinos que “per-
manecem” e “entram”. Em primeiro lugar distinguimos entre produ-
tos exportados “adicionados”, “abandonados” e que “permanecem”
por empresas em “destinos que permanecem”, ou seja, a margem
extensiva e intensiva ao nível da empresa na dimensão do produto.
Finalmente, separamos a variação nas exportações associadas a novos
destinos em produtos já vendidos pela empresa em alguma localiza-
ção, i.e. produtos já existentes, e produtos que não foram vendidos
pela empresa em alguma localização, i.e. novos produtos. O dia-
grama na Figura 57 sumariza a decomposição.

3. Resultados

3.1. Margens do comércio

Os painéis da Figura 58 mostram a contribuição de margens inten-


sivas e extensivas para as taxas anuais de crescimento das expor-
tações e importações no período 1997-2014. A margem intensiva
inclui o crescimento das exportações (importações) de produtos que
permanecem em destinos (origens) que permanecem por empresas
que permanecem. A soma das barras correspondentes às partes de
entrada e saída da margem extensiva definem o crescimento das ex-
portações (importações) devido à entrada líquida de empresas, produ-
tos e destinos (origens). O resultado mais importante é que a margem
intensiva é o principal impulsionador das taxas de crescimento nos
dois fluxos comerciais. As contribuições da entrada e saída bruta de
empresas, destinos e produtos são grandes, mas seu efeito líquido é
pequeno em termos anuais.
A Figura 59a apresentam o contributo das margens intensiva e
extensiva para o crescimento acumulado das exportações e das im-
portações para o período 1996-2014. No que diz respeito ao lado
das exportações, após 18 anos a margem intensiva global representa
um peso assinalável do crescimento acumulado das exportações. As
exportações nominais de bens cresceram 89 por cento no período
1996-2014, enquanto as margens intensivas e extensivas aumentaram
23 e 55 por cento em termos acumulados, respetivamente. Uma ima-
gem relativamente semelhante é visível para as importações de bens.
As importações nominais de bens cresceram 80 por cento no período
referido, enquanto as margens extensiva e intensiva cresceram 27 e

249
O Crescimento Económico Português

30

20

Pontos percentuais
10

‐10

‐20

‐30
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Margem intensiva Margem extensiva ‐ entrada
Margem extensiva ‐ saída Total (amostra)

(a) Exportações

30

20
Pontos percentuais

10

‐10

‐20

‐30
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014

Margem intensiva Margem extensiva ‐ entrada
Margem extensiva ‐ saída Total (amostra)
(b) Importações

Figura 58: Margens intensiva e extensiva acumuladas

45 por cento, respetivamente. Assim, embora a margem extensiva


seja relativamente baixa em termos anuais, torna-se importante em
termos cumulativos.
A Figura 59a mostra um impacto muito forte do grande colapso
do comércio na margem intensiva mas não na margem extensiva.
Por exemplo, as empresas têm de afetar recursos para se adaptar
à legislação local, criar canais de distribuição e por vezes ajustar o
produto às preferências locais.
Uma análise semelhante mas conduzida para o lado das impor-
tações leva a resultados diferentes. O efeito do grande colapso no
comércio é menor do que nas exportações, sugerindo que as empresas

250
Internacionalização

200
190
180

Índice 1996=100
170
160
150
140
130
120
110
100 1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Margem intensiva Margem extensiva Total
(a) Exportações

200
190
180
Índice 1996=100

170
160
150
140
130
120
110
100
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Margem intensiva Margem extensiva Total
(b) Importações

Figura 59: Margem intensiva e extensiva acumuladas.

que importam têm menores custos em cortar as relações com fornece-


dores. Inversamente, o impacto negativo nas importações da crise da
dívida soberana na área do euro e do PAEF em 2010-2012 é visível na
margem extensiva e, especialmente, na margem intensiva.
No entanto, é importante referir que as conclusões baseadas no
impacto cumulativo das margens extensivas transmite uma
mensagem conservadora em termos do seu papel nos fluxos de
comércio. Por definição, um novo interveniente no comércio, um
novo destino (origem) ou um novo produto por parte de empresas
que permanecem são apenas contabilizados no período inicial. Após
o primeiro período tornam-se parte da margem intensiva. Deste
modo, as decisões dos intervenientes no comércio internacional com
idades diferentes alimentam a margem intensiva exatamente da

251
O Crescimento Económico Português

mesma maneira. Para compreender o diferente contributo dos novos


intervenientes e daqueles que permanecem para a evolução das
exportações e importações é necessário seguir cada geração
separadamente.

3.2. Gerações de exportadores e importadores

Uma abordagem importante na análise do crescimento das expor-


tações e das importações relaciona-se com o contributo das sucessivas
gerações de intervenientes no comércio internacional. É interessante
analisar o seu padrão de sobrevivência e de crescimento. Em segundo
lugar, é relevante avaliar se acontecimentos como o grande colapso
do comércio ou o PAEF português tiveram feitos duradouros nas
gerações de intervenientes no comércio internacional que surgiram
nesses anos.
A taxa de saída dos novos exportadores é particularmente elevada
no primeiro ano de vida, observando-se que um em cada três aban-
dona o mercado externo. Esta taxa de saída reduz-se para cerca
de 15 por cento no segundo ano e diminui lentamente depois disso.
Na nossa amostra, quase 60 por cento dos novos exportadores saem
nos primeiros cinco anos de atividade. O rácio das exportações por
empresa aumenta em média 70 por cento no primeiro ano de vida da
geração, significando que aquelas que sobrevivem aumentam forte-
mente as exportações. Esta taxa de crescimento reduz-se para uma
média de 10 por cento no segundo ano, estabilizando posteriormente
num intervalo entre 4 e 9 por cento.
O número anual de empresas e o valor das suas exportações em
cada geração são difíceis de representar de forma clara e informa-
tiva. Os painéis da Figura 60 apresentam as diferentes gerações
como sucessivas camadas sobrepostas. Deste modo, numa leitura
horizontal, a altura de cada camada traduz a evolução no número de
empresas por geração (painel a) e o valor das suas exportações (painel
b), enquanto uma leitura vertical permite decompor por geração o
número total de exportadores que começaram essa atividade após
1997, bem como as suas exportações.
A Figura 60a mostra que a dimensão de cada geração em termos
do número de empresas praticamente estabiliza após cerca de oito
anos, o que está em concordância com a informação sobre as taxas de
saída apresentadas acima. As gerações nascidas em 2008 e 2011, que
correspondem ao início do grande colapso no comércio internacional
e ao primeiro ano do PAEF português, seguem um padrão normal
em termos do número de exportadores e um bom desempenho com-
parativo em termos do total das exportações, especialmente a geração

252
Internacionalização

2500

2000 13
12
11
07 10
06 08 09
1500

Número de empresas
05
04
03
1000 02
01
00
99
500
98

Geração de 1997
0
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
(a) Número de exportadores

20000
13
18000 12

11
16000
07 10
14000 06 09
12000
Milhões de euros

05 08

10000 04
03
8000 02
01
6000
00
4000 99

2000 98
Geração de 1997
0
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
(b) Valor das exportações

Figura 60: Número de exportadores e valor exportado por geração por ano

de 2011. Tal parece indicar que as empresas que iniciam a exportação


em anos de crise e que conseguem sobreviver não são necessaria-
mente menos capazes que as restantes. Estes exportadores revelam
capacidade de agir em momentos de elevada incerteza e as tendências
estruturais relacionadas com a participação no comércio internacional
e os padrões de especialização podem dominar os efeitos das flu-
tuações macroeconómicas. No caso português as crises de 2008 e
2011 ocorreram num contexto de forte crescimento das exportações
que se havia iniciado alguns anos antes. Na verdade, as empresas
portuguesas estavam há algum tempo a ajustar ao novo padrão de
vantagens comparativas que se seguiu aos choques da concorrência
asiática e do alargamento da UE aos países do Centro e Leste da
Europa.
Relativamente às gerações de importadores de bens na economia
portuguesa (Figura 61), observa-se que o número inicial de empresas
em cada geração tem vindo a reduzir-se, em particular após 2008, mas

253
O Crescimento Económico Português

4500

4000
10
07 09 11 13
3500 08
06 12
05
3000

Número de empresas
04
2500 03
02
01
2000
00
1500 99

1000 98

500
Geração de 1997
0
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
(a) Número de importadores

25000

20000 13
08 09
07 12
06 11
Milhões de euros

10
15000 05

04
03
10000 02
01
00
5000 99
98

Geração de 1997
0
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014

(b) Valor das importações

Figura 61: Número de importadores e valor importado por geração por ano

parece ter aumentado o número das que sobrevivem. Em 2014, o peso


dos importadores nascidos nas gerações pós-1996 é relativamente
próximo, apesar da diferença em termos de idade. No entanto, o
valor das importações por geração evoluiu de forma relativamente
diferente. Por exemplo, as gerações pós-2008, e sobretudo as gerações
pós-2010, apresentam menores níveis de importações.

4. Comentários finais

Portugal apresenta uma demografia saudável das empresas que par-


ticipam no comércio internacional com elevadas taxas de entrada e
saída bruta e um papel significativo para a margem extensiva em

254
Internacionalização

termos acumulados. De facto, dinâmica de entrada e saída é uma ca-


racterística importante nos mercados, a fim de selecionar as melhores
ideias e as empresas mais eficientes. No entanto, apesar das altas
taxas de mortalidade no primeiro ano de vida, as gerações de ex-
portadores nas duas últimas décadas mostraram um caminho estável.
Assim, a tentação de apoiar cegamente as empresas recém-nascidas
deve ser evitada, porque é cara e não melhora necessariamente o
desempenho global das exportações.

Referências

Amador, Jo Luca Opromolla (2013). “Product and destination mix in


export markets.” Review of World Economics, 149(1), 23–53.
Amador, Jo Luca Opromolla (2017). “Trade Margins and Cohorts
of Traders in Portugal.” Economic Bulletin and Financial Stability
Report Articles.
Bernard, A., J. Jensen, S. Redding, e P. Schott (2007). “Firms
in International Trade.” Journal of Economic Perspectives, 21(3),
105–130.
Eaton, J., S. Kortum, e F. Kramarz (2004). “Dissecting trade: firms,
industries and export destinations.” American Economic Review:
Papers and Proceedings, 94(2), 150–154.
Schott, P.K. (2004). “Across-Product Versus Within-Product Special-
ization in International Trade.” Quarterly Journal of Economics,
119(2), 647–678.
Wagner, J. (2012). “The Post-Entry Performance of Cohorts of Export
Starters in German Manufacturing Industries.” International
Journal of the Economics of Business, 19(2), 169–193.

255
7.4. Quão heterogéneas são as empresas
portuguesas no comércio internacional de serviços
não turísticos?

João Amador, Sónia Cabral, Birgitte Ringstad

1. Motivação

O comércio internacional de serviços tem crescido fortemente nas


últimas décadas, conduzindo a um maior peso deste setor no total do
produto, emprego e comércio. À medida que novos desenvolvimen-
tos tecnológicos reduzem a necessidade de interações presenciais e
facilitam as ligações remotas, é expectável que, num futuro próximo,
mais trabalhadores comecem a prestar serviços ao exterior, mesmo
em tarefas que hoje exigem uma presença física (Baldwin, 2016).
Portugal tem registado um progressivo aumento da sua abertura
ao comércio internacional, observando-se também uma importância
crescente do comércio de serviços. Embora o turismo permaneça o
maior setor do comércio português de serviços, representado cerca
de 45% das exportações e 28% das importações, os serviços não turís-
ticos têm ganho importância na última década (Figura 62). Em 2015,
o comércio total português de serviços não turísticos representou
cerca de 13% do PIB, o que compara com um valor próximo de
9,5% na economia mundial. Adicionalmente, desde o início dos anos
2000, Portugal tem registado excedentes na balança de serviços não
turísticos, o que contrasta com os défices sistemáticos que se obser-
varam anteriormente. Em 2015, a balança portuguesa de serviços
excluindo turismo apresentou um excedente de 2,5% do PIB, tendo
as exportações e as importações representado 7,7% e 5,2% do PIB,
respetivamente.
Esta secção é baseada em Amador et al. (2018) que fornece um
retrato do comércio internacional português de serviços não turís-
ticos ao nível da empresa. A análise baseia-se em informação por
empresa-ano-serviço-país para o comércio internacional de serviços
não turísticos, tal como recolhida pelo Departamento de Estatística
do Banco de Portugal, combinada com informação sobre o balanço
das empresas para os anos de 2014 e 2015. Distinguimos entre em-
presas que apenas exportam (exportadores unidirecionais), que ape-

257
O Crescimento Económico Português

14
12

Percentagem do PIB
10
8
6
4
2
0
1985 1988 1991 1994 1997 2000 2003 2006 2009 2012 2015

Mundo Portugal
(a) Comércio internacional de serviços não turísticos

10
8
Percentagem do PIB

6
4
2
0
‐2
‐4
1985 1988 1991 1994 1997 2000 2003 2006 2009 2012 2015

Saldo Exportações Importações


(b) Exportações e importações portuguesas de serviços não turísticos

Figura 62: Comércio internacional de serviços não turísticos em percenta-


gem do PIB
Notas: Transações nominais da Balança de Pagamentos e PIB nominal expressos
em dólares norte-americanos correntes. As exportações e importações de serviços
excluem transações da balança de viagens e turismo.
Fonte: Base de dados CEPII-Chelem.

nas importam (importadores unidirecionais) e que realizam ambos


os fluxos internacionais de serviços (comerciantes bidirecionais). O
termo genérico importadores (exportadores) refere-se às empresas
que importam (exportam) serviços, independentemente da sua di-
mensão exportadora (importadora). Para simplificação, no remanes-
cente do texto, designamos os serviços não turísticos apenas como
serviços.
Concluímos que uma parte substancial dos comerciantes portugue-
ses está ativa em ambos os fluxos (45%). Além disso, existe uma

258
Internacionalização

elevada concentração dos valores das exportações e das importações


nestas empresas: os comerciantes bidirecionais representam 90% do
total do comércio internacional de serviços não turísticos. Compa-
rando com as empresas que apenas exportam e que apenas importam,
os comerciantes bidirecionais tendem a ser mais produtivos e mais
rentáveis. Adicionalmente, tal como identificado para o comércio
internacional de bens, as empresas que vendem múltiplos serviços
e têm vários países parceiros são cruciais na explicação do nível do
comércio internacional português de serviços. Em suma, estes factos
confirmam um elevado grau de heterogeneidade ao nível das empre-
sas no comércio de serviços em Portugal.

2. Estatísticas descritivas agregadas

A Tabela 16 apresenta as empresas e os valores do comércio de acordo


com 10 categorias alargadas de serviços, correspondendo a 2-dígitos
da EBOPS e baseadas nos 29 tipos de serviços considerados na base
de dados. Em termos de número de empresas, os “Outros serviços
fornecidos por empresas” constituem a maior categoria tanto para
exportadores como para importadores, seguida por “Transportes” no
lado da exportação e “Telecomunicações, informática e informação”
no lado da importação. Estas duas últimas categorias de serviços es-
tão em terceiro lugar no ranking do número de importadores e expor-
tadores. Em termos de valor transacionado, os “Transportes” repre-
sentam quase metade do valor exportado (48,2%), seguidos por “Ou-
tros serviços fornecidos por empresas” (30,6%). No lado das impor-
tações, os “Outros serviços fornecidos por empresas” lideram (35,7%)
e os “Transportes” posicionam-se em segundo (27,5%). Os serviços de
“Telecomunicações, informática e informação” constituem a terceira
maior parcela das exportações e das importações (10,6% e 15,6%,
respetivamente). Assim, o comércio internacional de serviços não
turísticos em Portugal é dominado por três categorias principais de
serviços: “Outros serviços fornecidos por empresas”, “Transportes”
e “Telecomunicações, informática e informação”. Dentro destas cate-
gorias agregadas, os tipos de serviços mais importantes são “Trans-
portes aéreos”, “Serviços de telecomunicações”, “Serviços informáti-
cos”, “Serviços científicos e outros serviços técnicos”, “Serviços rela-
cionados com o comércio” e “Outros serviços fornecidos por empre-
sas”, tanto nas exportações como nas importações.
Para analisar a composição geográfica do comércio internacional
de serviços em Portugal, a Tabela 17 apresenta os dez maiores países
parceiros na exportação e importação em termos da sua
percentagem nos respetivos valores transacionados e número de
empresas. Os principais parceiros são quase idênticos nos lados da

259
O Crescimento Económico Português

Código Descrição Exportações Exportadores Importações Importadores


SB Manutenção e reparação 3,4 5,1 4,9 7,9
SC Transportes 48,2 19,1 27,5 11,6
SE Construção 4,4 6,7 1,5 2,8
SF Seguros e pensões 0,4 3,4 1,0 4,6
SG Serviços financeiros 0,5 2,2 1,1 5,3
Direitos de utilização
SH 0,5 1,4 9,1 2,9
de propriedade intelectual
Telecomunicações, informática
SI 10,6 8,3 15,6 17,9
e informação
Outros serviços fornecidos
SJ 30,6 50,0 35,7 41,0
por empresas
Serviços pessoais, culturais
SK 1,3 3,7 3,5 5,8
e recreativos
Bens e serviços das
SL 0,00 0,02 0,00 0,16
administrações públicas
Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Tabela 16: Categorias de serviços - pesos nos totais dos valores transaciona-
dos e dos comerciantes, 2014-2015
Notas: Os 29 tipos de serviços estão agregados em 10 categorias alargadas ao
nível de 2-dígitos da EBOPS 2010 para fins de apresentação. As empresas são
contadas cada vez que exportam/importam um tipo de serviço específico ao nível
desagregado de 29 tipos de serviços no ano corrente, o que implica que uma
empresa-ano pode aparecer mais do que uma vez nas categorias agregadas de
serviços listadas. O peso de cada categoria agregada de serviços representa a sua
fração percentual no respetivo total em ambos os anos.

exportação e da importação, dominando os países da União


Europeia (UE) e os países de língua oficial portuguesa. O Reino
Unido, Espanha e França são os principais destinos de exportação,
enquanto a Espanha, Reino Unido e Alemanha são as principais
origens das importações. É interessante constatar que a Espanha
representa uma parcela maior das importações do que das
exportações portuguesas (17,7% versus 11,1%). Adicionalmente, a
Espanha é também o país ao qual está associado o maior número de
exportadores e importadores. Relativamente aos países não
europeus, Angola e Brasil são mais importantes em termos de
exportações do que de importações, enquanto os EUA têm uma
maior relevância nas importações do que nas exportações.

3. Características das empresas portuguesas no comércio interna-


cional de serviços

A Tabela 18 apresenta a distribuição conjunta dos valores


transacionados e dos comerciantes de acordo com o seu tipo e
categoria de dimensão. As quatro categorias de dimensão são
definidas de acordo com a classificação oficial da UE, que combina o

260
Internacionalização

Países Exportações Exportadores Países Importações Importadores


Reino Unido 12,1 5,9 Espanha 17,7 14,2
Espanha 11,1 10,5 Reino Unido 13,4 8,8
França 10,3 7,6 Alemanha 10,2 7,5
Alemanha 7,9 6,8 EUA 9,0 5,0
Angola 7,2 2,9 França 8,4 8,0
Brasil 5,7 1,6 Países Baixos 6,2 5,3
EUA 5,5 3,2 Suíça 4,1 2,9
Suíça 4,8 3,2 Bélgica 3,9 3,8
Países Baixos 3,7 4,7 Irlanda 3,3 3,6
Itália 3,3 3,4 Brasil 3,3 1,7
Outros 28,4 50,1 Outros 20,6 39,1
Total 100,0 100,0 Total 100,0 100,0

Tabela 17: Principais países parceiros - pesos nos totais dos valores
transacionados e dos comerciantes, 2014-2015
Notas: As empresas são contadas cada vez que exportam/importam com um país
parceiro diferente no ano corrente, o que implica que uma empresa-ano pode
aparecer mais do que uma vez nos países listados. A parcela de cada país representa
a sua fração percentual no respetivo total em ambos os anos.

número de empregados, o volume de vendas e a dimensão total do


balanço. As empresas grandes são responsáveis pela maioria dos
fluxos do comércio internacional de serviços em Portugal,
representando 63% das exportações e 67% das importações. No
entanto, a maioria dos comerciantes de serviços são micro e
pequenas empresas. Em particular, cerca de metade dos
exportadores unidirecionais são micro-empresas, enquanto mais de
40% das empresas que apenas importam são pequenas. O peso das
grandes empresas é superior no grupo dos comerciantes
bidirecionais, representando mais de 11% do total de empresas. A
distribuição das empresas e dos valores do comércio internacional
de serviços está em linha com a evidência disponível para o
comércio internacional de bens em Portugal (Amador e Opromolla,
2013).

A Figura 63 apresenta as distribuições marginais dos comerciantes


e dos valores transacionados nas dimensões de serviços e países
parceiros. A maioria das empresas portuguesas transaciona apenas
um serviço no exterior: cerca de três-quartos do total de
exportadores portugueses vende apenas um tipo de serviço e cerca
de metade dos importadores compra apenas um serviço. No
entanto, estas empresas são responsáveis por parcelas muito
inferiores do comércio internacional, 39,8% para as exportações e
16,5% para as importações. A diversificação é maior em termos de
países parceiros do que em termos de tipos de serviços

261
O Crescimento Económico Português

Exportações Exportadores
Por tipo de empresa
Dimensão Só Exp Exp & Imp Total Só Exp Exp & Imp Total Só Exp Exp & Imp
Micro 1,7 2,5 4,1 19,2 14,4 33,6 49,7 23,4
Pequena 3,1 10,2 13,2 14,2 24,1 38,2 36,7 39,2
Média 2,3 17,4 19,6 4,5 16,0 20,5 11,7 26,0
Grande 3,9 59,1 63,0 0,7 7,0 7,7 1,9 11,4
Total 10,9 89,1 100,0 38,6 61,4 100,0 100,0 100,0
Importações Importadores
Por tipo de empresa
Dimensão Só Imp Exp & Imp Total Só Imp Exp & Imp Total Só Imp Exp & Imp
Micro 0,3 2,3 2,6 8,9 14,5 23,4 23,4 23,4
Pequena 1,4 8,3 9,8 16,6 24,2 40,8 43,5 39,2
Média 1,8 18,6 20,4 10,2 16,1 26,2 26,6 26,0
Grande 2,8 64,4 67,2 2,5 7,0 9,5 6,5 11,4
Total 6,4 93,6 100,0 38,2 61,8 100,0 100,0 100,0

Tabela 18: Distribuição conjunta dos valores transacionados e dos comerci-


antes por tipo de empresa e categoria de dimensão
Notas: Cada célula representa a percentagem do total de exportadores (importa-
dores) ou exportações (importações) associada a empresas-ano pertencentes a uma
determinada classe de dimensão (categoria em linha) e tipo de empresa (categoria
em coluna) em 2014-2015. As quatro classes de dimensão são definidas de acordo
com a classificação oficial da UE.

transacionados. As empresas que têm apenas um país de destino


representam 38,0% do total de exportadores e 5,9% do total das
exportações de serviços em Portugal. As proporções são
semelhantes do lado das importações: as empresas com um único
país fornecedor representam 37,6% do total de importadores e 8,3%
do total de importações. Considerando simultaneamente ambas as
dimensões, as empresas que exportam apenas um serviço para um
país representam 34,5% do total de exportadores mas apenas 4,2%
do total de exportações. Do lado das importações, as empresas com
apenas um serviço e um país fornecedor representam 30,8% dos
importadores e constituem 5,1% do total das importações.

Inversamente, as empresas que transacionam múltiplos serviços


são responsáveis por uma parte desproporcionalmente elevada do
valor total. As empresas que exportam mais de 3 tipos de serviços
representam 3,8% dos exportadores e 37,6% das exportações (16,7%
e 66,8% para importadores e importações, respetivamente). Este as-
peto é particularmente evidente na dimensão geográfica: as empresas
que exportam para mais de 50 destinos representam apenas 0,9%
dos exportadores mas são responsáveis por 40,3% das exportações,
enquanto as empresas que importam de mais de 50 países represen-

262
Internacionalização

100
90
80
70

Percentagem
60
50
40
30
20
10
0
% exportadores % exportações % importadores % importações
1 2 3 >3

(a) Número de serviços

100
90
80
70
Percentagem

60
50
40
30
20
10
0
% exportadores % exportações % importadores % importações
1 2 3 4‐10 11‐50 >50

(b) Número de países

Figura 63: Distribuição dos valores transacionados e dos comerciantes por


número de serviços e países parceiros, 2014-2015
Notas: Para o número de serviços, os valores representam a percentagem do total de
exportadores (importadores) e exportações (importações) associada a empresas-ano
que exportam (importam) um dado número de serviços em 2014-2015. No que
diz respeito ao número de países parceiros, os valores representam a percentagem
do total de exportadores (importadores) e exportações (importações) associada a
empresas-ano que exportam (importam) para (de) um determinado número de
países parceiros em 2014-2015.

tam 0,4% do total de importadores e 31,5% do total de importações.


Quando as dimensões de serviços e países parceiros são consideradas
em conjunto, as empresas que exportam mais de 3 serviços para mais
de 50 países representam apenas 0,3% do total dos exportadores mas
constituem 27,9% do total das exportações. Os valores são semelhan-
tes nas importações, pois as empresas que compram mais de três
serviços de mais de 50 países representam 0,2% dos importadores e
31,1% do valor das importações.

263
O Crescimento Económico Português

.03
.02
.01
0

0 20 40 60 80 100 120 140 160 180

Só Exporta Só Importa Exp & Imp

(a) Produtividade do trabalho


.07
.06
.05
.04
.03
.02
.01
0

-5 0 5 10 15 20 25 30 35

Só Exporta Só Importa Exp & Imp

(b) Rentabilidade

Figura 64: Distribuição da produtividade do trabalho e da rentabilidade,


2014-2015
Notas: A produtividade do trabalho é medida em milhares de euros e definida como
o valor acrescentado bruto de uma empresa dividido pelo número de empregados.
A rentabilidade é definida como o rácio dos ganhos antes de juros, impostos,
depreciação e amortização (acrónimo em inglês: EBITDA) no total dos ativos de uma
empresa. As empresas-ano com valores abaixo do percentil 5 e acima do percentil
95 são excluídas.

Os dois painéis da Figura 64 reportam as distribuições da produ-


tividade do trabalho e da rentabilidade para os três tipos de comer-
ciantes de serviços. A produtividade do trabalho é definida como o
valor acrescentado por trabalhador e a rentabilidade é definida como

264
Internacionalização

o rácio dos ganhos antes de juros, impostos, depreciação e amortiza-


ção (acrónimo em inglês: EBITDA) no total dos ativos, que é uma
medida aproximada do cash-flow operacional baseada na informação
da demonstração de resultados. Este é um indicador frequentemente
utilizado para a avaliação da rentabilidade e utilizável para pequenas
e grandes empresas. Foram testadas medidas alternativas como os
ganhos antes de impostos sobre o ativo e as margens preço-custo,
tendo sido obtidos resultados semelhantes. Todas as distribuições da
produtividade do trabalho são marcadamente enviesadas à direita,
mas os comerciantes bidirecionais tendem a apresentar níveis de pro-
dutividade mais elevados. Adicionalmente, as empresas que apenas
importam serviços parecem ser um pouco mais produtivas do que
as que apenas exportam. A distribuição das taxas de rentabilidade
é mais próxima da normal, embora a distribuição dos comercian-
tes bidirecionais apresente menor densidade nas rentabilidades mais
baixas. Assim, este conjunto de empresas tende a ser não apenas
mais produtivo mas também mais rentável do que os comerciantes
unidirecionais.

4. Considerações finais

O aumento do peso das exportações portuguesas no PIB tem sido um


dos desenvolvimentos positivos dos últimos anos. Este percurso assi-
nala uma reorientação dos recursos para o setor transacionável, con-
solidando assim o processo de correção dos desequilíbrios externos
da economia portuguesa. Adicionalmente, os serviços não turísticos
têm-se tornado progressivamente mais transacionáveis e contribuem
para esta transformação estrutural da economia portuguesa. A estru-
tura dos comerciantes de serviços assemelha-se à observada para os
comerciantes internacionais de bens, com as empresas multi-serviço e
multi-país a desempenharem um papel importante. Além disso, cerca
de 45 por cento dos comerciantes portugueses de serviços participam
simultaneamente em exportações e importações, representando cerca
de 90 por cento do valor total do comércio. Comparando com as
empresas que apenas exportam e que apenas importam, estes comer-
ciantes bidirecionais tendem a ser mais produtivos e mais rentáveis.

Referências

Amador, João, Sónia Cabral, e Birgitte Ringstad (2018). “Interna-


tional trade in services: Evidence for Portuguese firms.” Working
Paper 10-2018, Banco de Portugal.

265
O Crescimento Económico Português

Amador, João e Luca David Opromolla (2013). “Product and


destination mix in export markets.” Review of World Economics,
149(1), 23–53.
Baldwin, Richard (2016). The Great Convergence:Information Technol-
ogy and the New Globalization. The Belknap Press of Harvard
University Press, Cambridge, Massachusetts.

266
7.5. O que distingue as dinâmicas empresariais no
turismo das de outros setores?

Filipe B. Caires, Hugo Reis, Paulo M. M. Rodrigues

1. Introdução

A dependência dos países face ao setor do turismo tem diversas


implicações no seu desempenho económico geral (ver, inter alia,
Eugenio-Martin, Morales e Scarpa, 2004 e Andraz, Gouveia e
Rodrigues, 2009). De acordo com o Conselho Mundial de Viagens e
Turismo (World Travel and Tourism Council - WTTC), a contribuição
geral do turismo e viagens para o PIB mundial foi de USD 2,570.1bn
(3.2% do PIB mundial). Esta contribuição é no entanto
substancialmente mais elevada quando os efeitos indiretos e
induzidos são tomados em consideração. A contribuição total foi de
facto de USD 8,272.3bn (10.4% do PIB), o correspondente a 9.9% do
emprego (incluindo efeitos mais abragentes de investimento, cadeia
de abastecimento e efeitos de rendimento associados), ou seja,
313,221,000 empregos (WTTC, 2018).
O turismo representa também um papel central no desempenho
económico de Portugal. De acordo com o WTTC (2018), o contributo
total do turismo para o PIB em 2017 foi de USD 38.0bn (EUR 33.5bn),
o correspondente a 17.3% do PIB, e espera-se que cresça a uma taxa
anual de 2.4% atingindo os 20.5% do PIB em 2028. A contribuição
total para o emprego foi de 967,500 empregos em 2017, cerca de
20.45% do emprego total, sendo esperado que este valor cresça a uma
taxa anual de 1.3% até aos 1,151,000 empregos (24.9% do emprego
total) em 2028. Cerca de um quarto do investimento estrangeiro em
Portugal é motivado pelo setor do turismo.
A importância do setor do turismo em Portugal foi ainda destacada
numa recente edição do Boletim Económico do Banco de Portugal
(Dezembro 2018). De acordo com a Conta Satélite para o Turismo
publicada pelo Instituto Nacional de Estatística, a despesa em tu-
rismo em percentagem do PIB em Portugal aumentou 3 pontos per-
centuais entre 2008 e 2015, correspondendo a 12% no último ano.
Adicionalmente, o Valor Acrescentado Bruto gerado pelo turismo
cresceu de modo mais acentuado que o resto da economia, levando

267
O Crescimento Económico Português

a um aumento na sua importância relativa ao longo deste período.


No que toca ao mercado de trabalho, a importância das atividades
relacionadas com o turismo também cresceu. No plano geral, os indi-
cadores disponíveis sugerem que a relevância deste setor nos diversos
agregados macroeconómicos aumentou novamente entre 2015 e 2017.
Dada a importância do turismo como uma das principais
atividades económicas em Portugal e a sua influência no
desenvolvimento dos restantes setores da economia, esta secção
caracteriza a demografia e dinâmicas das empresas relacionadas
com esta atividade.

2. Dados e definições de Turismo

Este estudo recorre a microdados ao nível da empresa e cobre o


período entre 2006 e 2017. Os dados são obtidos através da Infor-
mação Empresarial Simplificada (IES), que inclui informação do balanço
e demonstração de resultados reportados anualmente ao Ministério
da Justiça, Ministério das Finanças, Banco de Portugal e Instituto
Nacional de Estatística, cobrindo potencialmente o universo das em-
presas não-financeiras portuguesas. Os dados sobre dormidas de
turistas foram recolhidos do Eurostat.
De forma a identificar os setores com maior exposição à atividade
turística, seguimos as definições propostas pelo Eurostat. Um
primeiro grupo mais abrangente de atividades que oferecem
serviços tanto a turistas como a não turistas, Turismo Total, inclui
atividades de três grupos principais: Transportes, como comboios e
taxis; Alojamento, Restauração e Similares, como hotéis, restaurantes
e bares; e Atividades Administrativas e de serviços de Apoio, como
aluguer de veículos e agências de viagens.
Um segundo grupo, Turismo Intensivo, foi definido de modo a con-
seguir isolar o efeito específico do turismo e inclui apenas atividades
que oferecem serviços sobretudo a turistas. Além do Transporte
Aéreo de Passageiros e Agências de Viagens, este grupo inclui ainda
três tipos de alojamento: Estabelecimentos Hoteleiros; Residências
para férias e outros alojamentos de curta duração, onde se incluem
aluguer de casas para férias, alojamento local, turismo rural e outros
de curta duração relacionados com as plataformas digitais; e Parques
de campismo e caravanismo. A Tabela 19 contém uma lista detalhada
das atividades incluidas em cada um dos grupos.

268
Internacionalização

Código Turismo Turismo


Descrição
NACE Total Intensivo
Transporte interurbano de
H491 x
passageiros por caminho de ferro
Transporte ocasional de
H4932 x
passageiros em veículos ligeiros (taxi)
Outros transportes terrestres
H4939 x
de passageiros, n.e
Transportes marítimos
H501 x
de passageiros
Transportes aéreos
H5110 x x
de passageiros

Estabelecimentos
I5510 x x
hoteleiros
Residências para férias
I5520 x x
e outros alojamentos de curta duração
Parques de campismo e
I5530 x x
de caravanismo
Restaurantes (inclui atividades de
I5610 x
restauração em meios móveis)
Estabelecimentos de
I5630 x
bebidas

Aluguer de veículos
N771 x
automóveis
Aluguer de bens recreativos
N7721 x
e desportivos
Agências de viagem, operadores
N79 x x
turísticos, outros serviços de reservas

Tabela 19: Definições de turismo


Nota: Códigos de Setor de acordo com o NACE Rev.2 e CAE Rev.3.
Fonte: "Tourism Industries - economic analysis" - Eurostat.

3. Caracterização das empresas

O boom do turismo em Portugal ao longo da última década tem vindo


a evidencar a importância desta atividade na economia. Entre 2012 e
2017 o número de dormidas em Portugal cresceu significativamente
(cerca de 40%), tendo ultrapassado os 70 milhões em 2017. O acen-
tuado crescimento da procura é observável em todos os sub-setores e
particularmente na categoria principal - Estabelecimentos hoteleiros.
Ainda assim, o aumento da importância da categoria de Residências
para férias e outros alojamentos de curta duração, onde se incluem as
atividades de alojamento local como, por exemplo, Airbnb, destacou-a
como uma componente não-negligenciável na estrutura do setor do
turismo. Durante a última década o número de dormidas em ou-

269
O Crescimento Económico Português

16%

14%

Variação Anual do Nr de Empresas
12%

10%

8%

6%

4%

2%

0%

‐2%

‐4%
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Serviços (excluindo turismo) Indústria Turismo Total Turismo Intensivo

Figura 65: Número de empresas - Taxa de crescimento anual


Fonte: IES.

tros alojamentos de curta duração aumentou mais do que 5 vezes,


atingindo quase 6 milhões de estadias, o correspondente a 8% do
total do alojamento turístico em 2017.

3.1. Turismo

Na Figura 65 é possível observar o aumento considerável do número


de empresas no setor de Turismo Intensivo, tendo este mais do que
duplicado entre 2012 e 2017. É importante evidenciar a sua forte
contribuição, particularmente ao longo dos últimos cinco anos, para
a evolução e dinamismo do setor do turismo no seu todo. O número
de empresas nesta categoria ultrapassou os 10,000 em 2017, repre-
sentando cerca de 7% do total do setor dos serviços. Esta evolução
positiva é bastante mais acentuada do que a verificada no setor dos
serviços globalmente, e contrasta com a modesta evolução observada
no setor da Indústria.
Relativamente ao número de trabalhadores, a evolução positiva que
se verifica no setor do turismo é idêntica àquela observável no setor
dos serviços. Entre 2005 e 2017, o número de trabalhadores cresceu
cerca de 30%, o correspondente a mais de 80 mil indivíduos e cerca
de 8% do total de trabalhadores nos serviços. Quer relativamente ao
número de empresas quer relativamente ao número de empregados,
o principal responsável pela evolução do grupo Turismo Intensivo são
os alojamentos de curta duração, como por exemplo Airbnb.

270
Internacionalização

3000

2500

2000

Nr de Empresas
1500

1000

500

0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Alojamento mobilado para turistas Turismo no espaço rural


Colónias e campos de férias Outros locais de alojamento de curta duração

Figura 66: Número de empresas - Residências para férias e outros alojamen-


tos de curta duração, subcategorias
Fonte: IES.

3.2. Alojamentos de curta duração

As Figuras 66 e 67 ilustram, respetivamente, o número de empre-


sas e trabalhadores nos vários tipos de alojamento que compõem a
categoria de residências para férias e outros alojamentos de curta
duração. Desde 2008 e particularmente no período entre 2014 e 2017,
o desenvolvimento desta categoria contribui significativamente para
a evolução do grupo Turismo Intensivo no seu todo. Na sub-categoria
de Alojamento mobilado para turistas, em particular, o número de em-
presas cresceu mais do que quatro vezes entre 2014 e 2017. No
mesmo período, o número de trabalhadores aumentou mais de 40%.
Esta sub-categoria inclui as atividades de alojamento de curta du-
ração associadas às plataformas digitais de alojamento local (como o
Airbnb, por exemplo), sugerindo um impacto significativo do desen-
volvimento deste mercado na economia Portuguesa.50
A difusão deste tipo de alojamento motivou o desenvolvimento de
um enquadramento legal próprio para esta atividade,51 que a definiu
como categoria autónoma e clarificou as regras e requisitos a cumprir
para a sua criação e operações.52

50 Estes números são conservadores na medida em que não consideram os trabalhado-


res por conta própria, que contribuem também para os desenvolvimentos recentes
das atividades de alojamento de curta duração.
51 Decreto-Lei nº128/2014, de 29 de Agosto.
52 Embora não seja obrigatório criar uma empresa para oferecer serviços de alojamento
local razões de natureza fiscal e/ou logística podem levar os cidadãos a fazê-lo.

271
O Crescimento Económico Português

6000

5000

Nr de Trabalhadores
4000

3000

2000

1000

0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Alojamento mobilado para turistas Turismo no espaço rural


Colónias e campos de férias Outros locais de alojamento de curta duração

Figura 67: Número de trabalhadores - Residências para férias e outros


alojamentos de curta duração, subcategorias
Fonte: IES.

Sendo indubitável que o aumento do número de empresas de ativi-


dades de alojamento local resulta das dinâmicas do mercado, a im-
plementação dos enquadramentos legal e fiscal supracitados pode
ter influenciado o aumento do número de empresas registadas nesta
atividade, quer por evidenciar a oportunidade de negócio, criar in-
centivos para que indivíduos/organizações com atividade montada
deixassem de operar na economia paralela ou por dispoletar a trans-
formação do modelo de negócio de outras empresas de turismo que,
dado o novo contexto, viram vantagens em explorar atividades de
alojamento local.
A plataforma Airbnb começou em 2008 como um conceito sim-
ples que permitia combinar benefícios económicos tanto para turis-
tas como para residentes das áreas de destino. Hoje em dia a sua
presença nos destinos turísticos urbanos é muito significativa tendo
a si associadas, naturalmente, consequências positivas e negativas. A
criação, desenvolvimento e maior disponibilidade de infraestruturas,
soluções de retalho e opções de entretenimento são exemplos posi-
tivos do impacto social e cultural do turismo. Por outro lado, o
aumento da procura e competição para a utilização destas e outras
previamente existentes - por exemplo, estacionamento - ilustram pos-
síveis consequências negativas associadas a esses mesmos desenvolvi-
mentos (Quijones, 2015; Croft, 2015).

272
Internacionalização

4. Sobrevivência das empresas

Empresas situadas em destinos turísticos de maior dimensão estão as-


sociadas a uma maior probabilidade de sobrevivência relativamente
àquelas que se encontram em mercados menores, isto porque o grau
de diferenciação do produto bem como a velocidade de inovação e
produtividade tipicamente aumentam com a dimensão (Ritchie and
Crouch, 2005). Uma maior oferta de hotéis na mesma região significa
que empresas com diversas unidades se encontram menos expostas
a choques idiossincráticos na procura, uma vez que uma súbita ex-
pansão ou contração sentidos por uma das unidades será com maior
probabilidade compensado com o choque oposto noutra unidade,
resultando numa maior taxa de ocupação em termos globais. O
mesmo será dizer que uma maior oferta de hotéis ajuda a neutralizar
flutuações na procura ao nível da empresa. Sendo o setor do turismo
caracterizado por um grande número de pequenos negócios e uma
oferta altamente fragmentada, destinos em que um número reduzido
de líderes de mercado seja complementado por uma vasta rede de
pequenas empresas conseguem beneficiar de condições de mercado
relativamente estáveis. Assim, é expectável que as taxas de sobre-
vivência dos incumbentes sejam mais elevadas em mercados mais
concentrados.
A sobrevivência a longo prazo das empresas de turismo depende
em maior grau de práticas de inovação estratégica que produzam
competências dinâmicas e adaptáveis que, por sua vez, fomentem o
desenvolvimento de inovações, e em menor grau das inovações em
si (Abernathy e Utterback, 1978; Trott, 1998). Evidência empírica que
elucide como atingir inovação ao nível da empresa permanece escassa
(Markides, 1998), sendo esse ainda um dos problemas centrais para a
maioria das empresas de pequena dimensão.
No contexto da economia portuguesa, entre 2008 e 2016 as taxas
de sobrevivência das empresas no grupo Turismo Intensivo foram as
mais elevadas53 (apresentando taxas entre 93.8% e 95.3% ao longo
deste período), seguindo-se a Indústria, Turismo Total e finalmente os
restantes Serviços (apresentando o último taxas entre os 93.4% e 92%).
De acordo com a Tabela 20, o Turismo Intensivo apresenta as maiores
taxas de natalidade de empresas entre 2011 e 2017, sendo significati-
vamente mais altas que as dos restantes setores (18.95% em 2017).
Na Indústria, observamos taxas de natalidade relativamente estáveis
entre 2008 e 2017 (entre 5.4% e 7.3%). As taxas de mortalidade

53 A taxa de sobrevivência é definida como a fração de empresas a operar no ano t-1


que permanece em operação no ano t e que mantém nos dois períodos a mesma
atividade principal (NACE REV.2 2-dígitos).

273
O Crescimento Económico Português

Taxa de natalidade 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Serviços 10,90 9,09 10,25 10,04 8,92 9,66 9,39 10,45 10,28 11,05
Indústria 6 5,43 5,56 6,66 6,40 7,16 6,81 7,31 6,62 6,17
Turismo Total 7,97 7,55 7,69 8,61 8,60 9,80 9,34 10,68 10,60 11,63
Turismo Intensivo 7,49 8,13 8,29 10,56 11,36 11,75 12,13 15,98 15,82 18,95
Taxa de mortalidade 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Serviços 5,72 6,36 7,69 7,76 6,88 7,63 7,81 7,24 7,18 7,02
Indústria 5,43 5,98 7,42 7,57 6,29 7,56 7,14 5,95 5,94 6,03
Turismo Total 4,98 6,12 7,05 6,96 6,18 7,63 7,70 7,37 7,37 7,79
Turismo Intensivo 3,78 4,51 5,29 5,68 4,84 5,78 5,62 5,16 5,37 5,91

Tabela 20: Taxas de mortalidade e natalidade, percentagem

Idade média 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Serviços 10,51 10,58 10,71 11,03 11,34 11,51 11,83 11,98 12,09 12,10
Indústria 14,16 14,48 14,81 15,26 15,67 15,86 16,13 16,19 16,31 16,37
Turismo Total 14,38 14,55 14,77 15,08 15,38 15,48 15,68 15,61 15,50 15,28
Turismo Intensivo 13,88 14 14,18 14,22 14,43 14,29 14 13,68 13,16 12,37
Idade mediana 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Serviços 6 7 7 8 8 8 9 9 9 8
Indústria 10 11 11 11 12 12 12 12 13 14
Turismo Total 8 8 9 9 10 10 11 12 12 11
Turismo Intensivo 10 10 10 10 11 10 10 10 9 7

Tabela 21: Idade média e mediana das empresas


Nota: Idade média e mediana das empresas em anos.

das empresas não variam substancialmente entre os quatro setores


considerados, embora o Turismo Intensivo pareça apresentar as mais
baixas (5.9% em 2015) e o Turismo Total as mais elevadas entre 2011 e
2015 (7.37% e 7.79%).
A Tabela 21 mostra que a idade média das empresas tem vindo a
aumentar nos setores dos Serviços e da Indústria, e a diminuir no
Turismo Total e, desde 2011, no Turismo Intensivo. O decréscimo
observado é provavelmente resultado do aumento pronunciado das
taxas de natalidade neste grupo observável desde 2011. Analisando
alternativamente a mediana, uma medida mais robusta a valores
extremos, a Tabela 21 mostra que é nos serviços que se encontram
empresas geralmente mais jovens, e na Indústria as mais antigas.
Analogamente àquilo que se observa para a idade média e medi-
ana, verificamos também através da Tabela 22 que a Indústria apre-
senta a mais alta idade média e mediana aquando da morte das
empresas e os Serviços apresentam o valor mais baixo. Importa notar
que as empresas no Turismo Intensivo apresentam a segunda mais alta
idade média e mediana aquando da sua morte.

274
Internacionalização

Idade média 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Serviços 7,79 7,79 7,86 8,17 8,04 8,34 8,55 9,03 9,19 9,65
Indústria 12 11,92 12,18 12,91 13,37 13,6 13,68 13,26 13,88 13,86
Turismo Total 9,17 9,36 9,06 9,73 9,38 9,92 10,48 10,98 10,67 10,91
Turismo Intensivo 12,77 10,29 12,6 10,84 10,69 11,3 10,74 13,5 10,97 10,2
Idade mediana 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Serviços 5 5 5 5 5 5 5 6 6 6
Indústria 8 8 8 8 9 10 10 10 10 9
Turismo Total 5 6 6 6 5 5 6 6 6 6
Turismo Intensivo 8 7 8 8 7 6 7 8 7 6

Tabela 22: Idade média e mediana das empresas no período de morte


Notas: Idade em anos. Considera-se que uma empresa “morre" no ano t se não
opera consecutivamente nos anos t+1 e t+2. Adicionalmente, é considerada morta
no ano t se trocar a sua atividade principal entre t e t+1 (NACE REV.2 2-dígitos).

Diversos estudos sobre a sobrevivência de empresas nos setores


da Indústria e Serviços permitiram estabelecer uma série de “factos
estilizados". A dimensão inicial de uma empresa parece ter uma
relação positiva com a sua duração. A probabilidade de saída de-
cresce com a dimensão e idade. Existem diversas razões que explicam
porque empresas mais pequenas e jovens se encontram expostas a
um risco de saída mais elevado. Empresas maiores e mais antigas
possuem mais recursos (humanos e capitais) e maior experiência na
gestão, tendo maior capacidade de sobreviver a choques externos.
Ademais, empresas mais antigas e maiores tipicamente dominam
maiores quotas de mercado, são mais diversificadas e resistentes, o
que as torna menos susceptíveis a flutuações na procura. Custos
irrecuperáveis como investimentos em ativos tangíveis e intangíveis
diminuem as barreiras à entrada e saída aumentando a capacidade
de sobreviência das empresas de turismo já estabelecidas no mercado
(Bull, 1997).

5. Considerações finais

Esta secção descreve as dinâmicas empresariais nos setores relaciona-


dos com o turismo no contexto da economia portuguesa. Demons-
tramos que o setor do turismo está a crescer e a sua importância na
economia portuguesa a aumentar. Evidenciamos ainda de forma par-
ticular a crescente importância das atividades recentes de alojamento
de curta duração dentro do setor turístico.
Assim, torna-se evidente que um dos principais desafios para os
decisores políticos reside no crescimento significativo da economia
colaborativa no setor do Turismo. Os desenvolvimentos estabelecidos

275
O Crescimento Económico Português

com maior sucesso são aqueles do alojamento partilhado, impulsiona-


dos por plataformas como Airbnb. O sucesso das plataformas digitais
constitui agora uma fonte de competição significativa aos operadores
tradicionais, que o enfrentam como sério desafio. O mesmo é desta-
cado pelo relatório da OCDE sobre “Tourism Trends and Policies" ,
publicado em 2016. Neste contexto, importa relembrar que os dife-
rentes agentes são afetados de diferentes formas. Específicamente, é
essencial que os decisores políticos na área do turismo consigam com-
preender a natureza da economia colaborativa a fim de desenvolver
uma abordagem adequada nas áreas da regulação, política fiscal e
crescimento económico.
Por último, a demografia das empresas no setor do turismo não
difere vincadamente dos restantes setores da economia. Este facto
corrobora a ideia de que o turismo é um setor estabelecido, que não
envolve necessariamente maior risco que outros negócios. Assim,
existe espaço para ganhos de produtividade e um acrescido contri-
buto para o produto potencial português.

Referências

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development evidence from Crete. Tourism Management, 23(4),
333-341.
Andraz, J.L., P.M.D.C.B. Gouveia and P.M.M. Rodrigues (2009),
Modelling and Forecasting the UK Tourism Growth Cycle in
Algarve, Tourism Economics, 15(2), pp. 323-338.
Ateljevic, J. and Li, L. (2009). Tourism Entrepreneurship - Concepts
and Issues. In J. Ateljevic and S. Page (eds.), Tourism and en-
trepreneurship: international perspectives (pp. 9-32). Oxford:
Butterworth-Heinemann.
Eugenio-Martín, J. L., Martín-Morales, N. and Scarpa, R. (2004).
Tourism and economic growth in Latin American countries: A
panel data approach. FEEM Working Paper.
Johns, N., and Mattsson, J. (2005). Destination development through
entrepreneurship: a comparison of two cases. Tourism Manage-
ment, 26(4), 605-616.
Schmallegger, D. and Carson, D. (2010). Is tourism just another
staple? A new perspective on tourism in remote regions. Current
Issues in Tourism, 13(3), 201-221.
Thomas, R., Shaw, G. and Page, S. (2011). Understanding small
firms in tourism: A perspective on research trends and chal-
lenges. Tourism Management, 32(5), 963-976.

276
Internacionalização

World travel and Tourism Council (2018). Travel and tourism eco-
nomic impact 2018-Portugal.
World travel and Tourism Council (2018). Travel and tourism eco-
nomic impact 2018-Worldfo.

277
8.1. Que custos de contexto estão associados à
produtividade das empresas portuguesas?

João Amador, Sónia Cabral, Birgitte Ringstad

1. Motivação

O enquadramento institucional de uma economia, definido como a


legislação existente e os seus custos inerentes, tem um forte impacto
no funcionamento das empresas nos diferentes setores de atividade e
no desempenho económico agregado. Lloyd e Lee (2016) apresentam
uma revisão da literatura recente sobre a importância das instituições
para explicar as diferenças de taxas de crescimento entre países. Con-
tudo, os custos de contexto são frequentemente negligenciados ou
mal interpretados na análise microeconómica. Uma razão para tal é a
relativa escassez de informação ao nível da empresa sobre a avaliação
dos custos de contexto. Outra razão é a ausência de uma definição
clara e consistente, bem como de uma tipologia prática e exaustiva
dos custos de contexto e dos seus impactos.
A Figura 68 apresenta as principais categorias de custos de con-
texto, tal como sugerido em OECD (1997), e destaca que estes custos
afetam praticamente todos os agentes económicos, incluindo o setor
público e as famílias. No entanto, as empresas tendem a concen-
trar a maior parte da atenção da análise económica devido ao seu
papel crucial na criação de emprego e valor acrescentado. As áreas
sombreadas a cinzento na Figura 68 correspondem a diferentes tipos
de impactos da regulação sobre as empresas. Embora não estejam
detalhadas no diagrama regulações específicas, é fácil concluir que
os custos de contexto impostos às empresas são bastante diversos
na sua natureza, incluindo desde procedimentos de licenciamento ao
funcionamento do sistema judicial, assim como regras do mercado
de trabalho e de acesso a financiamento. A terminologia utilizada
na literatura para a identificação destes custos de contexto é ampla,
incluindo termos como "custos regulatórios", "custos institucionais",
"custos da burocracia" e "ambiente de negócios".
Esta secção discute a relação entre diversos custos de contexto e
a produtividade do trabalho das empresas portuguesas, tal como
desenvolvido em Amador et al. (2019). Utilizamos dados detalhados

281
O Crescimento Económico Português

Custos económicos colocados pela regulação

Setor público
Setor privado
(desenvolver, administrar e 
(conformidade com a regulação)
reforçar)

Empresas Famílias

Custos administrativos  Eficiência ou custos 
Custos de capital
com a regulação indiretos

Internos Externos

Figura 68: Principais categorias de custos de contexto


Fonte: OECD (1997), The OECD Report on Regulatory Reform.

do Inquérito aos Custos de Contexto (IaCC) para 2014, um inquérito


realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). O inquérito
abrange nove domínios de custos de contexto ("início de atividade",
"licenciamentos", "indústrias de rede", "financiamento", "sistema ju-
dicial", "sistema fiscal", "carga administrativa", "barreiras à interna-
cionalização", "recursos humanos") e inclui várias questões sobre o
nível dos diferentes obstáculos em cada domínio. As questões sobre
o nível dos obstáculos têm uma natureza qualitativa, expressa numa
escala de resposta com 5 níveis: 1 - não constitui um obstáculo; 2
- obstáculo muito reduzido; 3 - obstáculo reduzido; 4 - obstáculo
elevado; 5 - obstáculo muito elevado. Existe igualmente uma questão
complementar sobre a importância de cada um dos nove domínios
para a atividade das empresas.
Em INE (2015) fornece uma análise dos principais resultados agre-
gados e uma descrição detalhada da metodologia utilizada no in-
quérito. Em 2018, o INE publicou uma segunda edição do mesmo
inquérito (INE, 2018) e os resultados de ambas as edições são muito
semelhantes. Em ambas as edições do IaCC, cerca de cinco mil empre-
sas não financeiras foram inquiridas sobre as suas perceções quanto
ao nível de diferentes custos de contexto. O IaCC baseia-se numa
amostra aleatória estratificada por classe de dimensão (definida em
termos de emprego e volume de negócios) e sector de actividade prin-
cipal. Logo, a amostra é representativa da estrutura das empresas por-
tuguesas não financeiras. Para cada questão individual do inquérito,
um indicador agregado (o indicador de obstáculo) é calculado como
a média ponderada das respostas de todas as empresas ao longo dos
5 níveis considerados, variando assim entre 1 e 5.

282
Custos de contexto

Indicador global

Indústrias de rede
Financiamento
Barreiras à internacionalização
Recursos humanos
Carga administrativa
Início de atividade
Sistema fiscal
Licenciamentos
Sistema judicial

1 2 3 4 5

Não constitui um obstáculo = 1   Obstáculo muito elevado= 5
2014 2017

Figura 69: Indicadores compósitos dos nove domínios de custos de contexto


em Portugal
Notas: O indicador compósito para cada um dos nove domínios de custos de
contexto foi calculado como a média simples dos respectivos indicadores de
obstáculo. Para mais detalhes, ver INE (2015) e INE (2018).
Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE).

A Figura 69 apresenta os indicadores compósitos para cada um


dos nove domínios de custos de contexto em 2014 e 2017 (calculados
como uma média simples dos respectivos indicadores de obstáculo),
bem como o indicador global (calculado levando em conta a questão
adicional que avalia a importância que as empresas atribuem a cada
um dos nove domínios de custos de contexto para a sua atividade,
bem como o seu peso no estrato correspondente em termos de
volume de negócios). O indicador global atingiu um valor de 3,04 e
3,05 em 2014 e 2017, respetivamente, sinalizando assim uma
avaliação global intermédia dos custos de contexto por parte das
empresas portuguesas. Em 2014, quanto aos domínios de custos de
contexto, o "sistema judicial" apresentou o maior indicador
compósito (3,7), seguido de "licenciamentos" e "sistema fiscal" (3,5 e
3,3, respetivamente).

2. Quadro analítico

Foi utilizado um procedimento de Item Response Theory (IRT) com um


modelo de resposta gradual para itens ordenados para obter o obs-
táculo latente associado a cada domínio de custos de contexto para
cada empresa (ver Rasch (1980) e Birnbaum (1968) para contribuições
seminais sobre métodos IRT). A distribuição do obstáculo latente foi

283
O Crescimento Económico Português

normalizada com média zero e desvio padrão igual a um. Foi im-
plementada igualmente uma partição de empresas que corresponde
à sua resposta na questão complementar sobre a importância de cada
domínio de custos de contexto para a sua atividade. As respostas
das empresas a esta questão para cada domínio são agrupadas em
duas categorias: "importante", que corresponde aos dois níveis mais
elevados na escala de resposta (4 - importante e 5 - muito impor-
tante); e "não importante", correspondendo aos três níveis restantes
(1 - nada importante, 2 - pouco importante e 3 - indiferente). Esta
informação foi integrada com o Sistema de Contas Integradas das
Empresas (SCIE) para obter informação sobre as características das
empresas.
Estimamos um conjunto de regressões descritivas que relacionam
os obstáculos regulatórios com o desempenho da empresa. A re-
gressão para cada um dos nove domínios de custos de contexto é:

logYit = α + β0 di + β1 Xi + β2 Xi ∗ di + γj + γt + it , (24)

em que Yit é a produtividade do trabalho, em logaritmos, da em-


presa i no ano t de 2010 a 2016. A produtividade do trabalho é
definida como valor acrescentado bruto por trabalhador. di é uma
variável dummy com valor um para as empresas que respondem que
o domínio de custos de contexto é importante ou muito importante
para a sua atividade em 2014 e zero em caso contrário, i.e. empresas
na categoria "importante". Xi representa o obstáculo latente do IRT
associado ao respectivo custo de contexto para a empresa i em 2014.
O termo de interação na regressão permite que a ligação entre o
obstáculo latente e a variável de desempenho seja diferente entre as
empresas que consideram o domínio como importante para a sua
atividade e as que não o fazem. Efeitos fixos por setor e por ano
estão incluídos em γj e γt , respetivamente. O controlo para o setor
de atividade principal da empresa é definido ao nível de 2 dígitos
da Classificação Portuguesa das Atividades Económicas (CAE), in-
cluindo 77 setores diferentes. it corresponde a um termo de erro
robusto à heteroscedasticidade utilizando o estimador de variância
de Huber-White.

3. Custos de contexto e produtividade do trabalho

A Figura 70 apresenta os resultados para as regressões de mínimos


quadrados ponderados da Equação 24 usando pesos de amostragem,
com a produtividade do trabalho como variável dependente.

284
Custos de contexto

Os coeficientes da variável dummy da importância, β0 , medem a


diferença nos níveis médios de produtividade entre empresas que
consideram o custo de contexto como importante para a sua atividade
e aquelas que não o fazem, para um nível de zero do obstáculo latente.
Por exemplo, a diferença de produtividade entre empresas similares
que diferem apenas na sua avaliação da importância do custo de
contexto para a sua atividade é de −18, 78% (= 100 ∗ (exp(−0, 208) −
1)) no caso de "carga administrativa" e de −13, 76% para "barreiras à
internacionalização". Para "início da atividade" e "recursos humanos",
o coeficiente estimado também é negativo, enquanto o oposto ocorre
para "indústrias de rede" e "sistema fiscal".
O coeficiente do obstáculo latente, β1 , é significativo para todos os
domínios de custos de contexto, exceto "licenciamentos" e "barreiras
à internacionalização". Em todos os casos significativos, com exceção
de "início de atividade" e "carga administrativa", o coeficiente é ne-
gativo. Isto significa que um nível mais elevado do obstáculo latente
se associa a uma menor produtividade média das empresas que não
consideram o obstáculo como importante (di = 0). Por exemplo,
um aumento unitário do obstáculo latente de "sistema fiscal" está
associado a uma redução de 15, 63% da produtividade média das
empresas que não avaliam este custo de contexto como importante.
O coeficiente do termo de interação, β2 , capta a diferença na li-
gação do nível do obstáculo latente com a produtividade entre as
empresas que consideram o custo de contexto como importante e
as que não o fazem. Este coeficiente é significativo em quatro dos
nove domínios de custos de contexto. Para "início de atividade" e
"indústrias de rede", o coeficiente é positivo, enquanto para "finan-
ciamento" e "carga administrativa" é negativo. Por exemplo, no caso
de "financiamento", um aumento unitário do obstáculo latente está
associado a uma diminuição da produtividade média de 7, 92% para
empresas que não avaliam este domínio como importante e de 13, 83%
(= 100 ∗ (exp(−0, 0825 − 0, 0663) − 1)) para empresas similares que o
consideram como importante.
Apenas os obstáculos relacionados com "recursos humanos" são
identificados como tendo uma relação significativa e negativa em
termos quer da importância para a atividade das empresas quer do
nível do obstáculo latente. Como reconhecido na literatura, a regula-
mentação sobre contratações e despedimentos, segurança e a saúde
no local de trabalho e o acesso das empresas a competências e qualifi-
cações específicas dos trabalhadores parecem ter influência na pro-
dutividade. Este resultado não significa que barreiras como, por
exemplo, o sistema judicial não sejam importantes para as empresas,
simplesmente são-no independentemente do nível de desempenho
das mesmas.

285
O Crescimento Económico Português

Início de actividade -0.167

Licenciamentos 0.009

Indústrias de rede 0.101

Financiamento -0.041

Sistema judicial 0.030

Sistema fiscal 0.227

-0.208
Carga administrativa

-0.148
Bar. à internacionalização

-0.136
Recursos humanos

-0.3 -0.2 -0.1 0.0 0.1 0.2 0.3

(a) Dummy da importância

Início de actividade 0.031

Licenciamentos 0.010

Indústrias de rede -0.039

Financiamento -0.083

Sistema judicial -0.049

Sistema fiscal -0.170

Carga administrativa 0.178

Bar. à internacionalização -0.030

Recursos humanos -0.124

-0.3 -0.2 -0.1 0.0 0.1 0.2 0.3

(b) Obstáculo latente

Início de actividade 0.074

Licenciamentos 0.039

Indústrias de rede 0.073

Financiamento -0.066

Sistema judicial 0.014

Sistema fiscal 0.053

Carga administrativa -0.171

Bar. à internacionalização 0.050

0.000
Recursos humanos

-0.3 -0.2 -0.1 0.0 0.1 0.2 0.3

(c) Termo de interação

Figura 70: Produtividade do trabalho (2010-2016), custos de contexto e sua


importância (2014)
Nota: Apenas são apresentadas as estimativas significativas. As linhas horizontais
correspondem a intervalos de confiança de 90%.

286
Custos de contexto

4. Considerações finais

Os custos de contexto estão presentes em todas as economias e são


percebidos como um bloqueio ao desempenho das empresas. Uma
vez que os custos de contexto afetam as decisões das empresas, os
decisores de política devem elaborar legislação que minimize os seus
efeitos negativos, mas garantindo que os objetivos públicos são al-
cançados. A implementação das melhores práticas internacionais
pode ser uma boa abordagem, mas apenas se estas forem adaptadas
à realidade doméstica. Adicionalmente, mudanças frequentes no en-
quadramento institucional impõem um custo às empresas, dado que
estas consomem recursos no processo de ajustamento. Esta secção
mostra que existe uma associação negativa significativa entre a maio-
ria dos tipos de custos de contexto e a produtividade das empresas.
Por conseguinte, embora mantendo o objectivo básico de regulação,
há razões para reduzir estes obstáculos como forma de promover o
crescimento económico português.

Referências

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costs and performance of Portuguese firms.” Economic Bulletin
and Financial Stability Report Articles and Banco de Portugal
Economic Studies.
Birnbaum, Allan (1968). “Some Latent Trait Models and Their Use in
Inferring an Examinee’s Ability.” In Statistical Theories of Mental
Test Scores, edited by F.M. Lord e M.R. Novick, pp. 395–479.
Addison-Wesley, Reading.
INE (2015). Custos de contexto: a perspectiva das empresas 2015.
Instituto Nacional de Estatica (INE), Lisboa.
INE (2018). “Inquto aos custos de contexto 2017.” Destaque, Instituto
Nacional de Estatica (INE).
Lloyd, Peter e Cassey Lee (2016). “A Review of the Recent Literature
on the Institutional Economics Analysis of the Long-Run
Performance of Nations.” Journal of Economic Surveys, 32(1), 1–22.
OECD (1997). The OECD Report on Regulatory Reform. OECD
Publishing, Paris.
Rasch, Georg (1980). Probabilistic models for some intelligence and
attainment tests. University of Chicago Press, Chicago.

287
8.2. O que influencia a procura e a produtividade
na justiça económica?

Manuel Coutinho Pereira, Lara Wemans54

1. Motivação

O impacto do sistema judicial no crescimento económico tem sido


amplamente explorado na literatura. Neste âmbito, uma das ligações
particularmente relevantes entre a eficácia do sistema judicial e o
crescimento potencial materializa-se através dos custos de contexto
que as empresas enfrentam no desenvolvimento da sua atividade em
determinado país. Deste modo, o facto de as empresas portugue-
sas identificarem o sistema judicial como um dos constrangimentos
mais significativos à sua atividade (Instituto Nacional de Estatística,
2018), torna-o uma questão relevante na discussão do crescimento
económico português. Para além disso, e apesar de a elevada hete-
rogeneidade existente entre sistemas judiciais dificultar uma com-
paração direta da sua eficiência, os dados publicados regularmente
pelo Conselho da Europa (CEPEJ) indicam que o sistema de justiça
português se situa, em termos de eficiência, abaixo dos países que
apresentam os melhores desempenhos, apesar de alguma aproxima-
ção nos últimos anos (CEPEJ, 2018).
Historicamente tem existido uma disparidade entre o número de
processos entrados e findos na justiça cível, principalmente no que
respeita aos processos de cariz económico, o que justificará, em parte,
que a duração dos processos judiciais seja identificada pelas empresas
como um dos principais obstáculos ao desenvolvimento da sua ativi-
dade. A Figura 71 apresenta a evolução do movimento processual
nas últimas décadas, considerando separadamente os processos que
se destinam a definir a existência de um direito (ações declarativas)
e os processos que promovem o cumprimento de uma obrigação
anteriormente estabelecida (execuções).
Tem-se verificado uma redução considerável no número de proces-
sos declarativos entrados, que estará relacionada com a generalização
da injunção (um procedimento simplificado, que permite ao credor
obter um título executivo de modo a desencadear a recuperação da
54 Lara Wemans trabalhava no Banco de Portugal quando esta Secção foi redigida.

289
O Crescimento Económico Português

dívida), na medida em que a mesma funciona como um substituto


da ação declarativa para a maioria das dívidas. Este facto permitiu
que, a partir de 2000, o saldo processual na ação declarativa, ou seja, a
diferença entre o número de processos entrados e de processos findos,
se tornasse negativo, originando uma redução lenta mas contínua da
congestão neste tipo de processos. Por seu turno, no que respeita
às execuções foi apenas em 2013 que o número de processos findos
ultrapassou o de entrados (para mais detalhes, veja-se Secção 8.3),
permitindo uma redução das pendências. Contudo, uma maior apro-
ximação entre oferta e procura não tem sido suficiente para reduzir a
congestão para níveis mais razoáveis, devido às elevadas pendências
acumuladas no passado. De facto, o número de casos pendentes no
final de 2017 era ainda duas vezes superior ao número de processos
resolvidos nesse ano, o que inevitavelmente se traduzia em atrasos
significativos.
Esta secção analisa os fatores que influenciam a procura e a pro-
dutividade na justiça cível em Portugal, com enfoque no período
imediatamente anterior à mais recente alteração do mapa judiciário,
implementada em 2014. No que respeita à procura, existe evidência
de racionamento por fila de espera e de efeitos de interação espacial
significativos, com origem nas características socioeconómicas das co-
marcas vizinhas. No que concerne à produtividade, importa destacar
o impacto positivo do número de processos por juiz (procura), do
número de funcionários judiciais por juiz e da especialização. A
evidência apresentada baseia-se em Pereira e Wemans (2015, 2017).

2. Distribuição territorial da procura e dos recursos humanos

O número médio de processos cíveis entrados numa determinada


comarca pode ser visto como uma medida da procura por justiça
cível dirigida aos tribunais com jurisdição nessa mesma comarca. A
Figura 72 apresenta a relação entre esse indicador e o número de
juízes, para as comarcas pequenas e grandes. A restrição introduzida
pela regra de afetação de pelo menos um juiz a cada comarca é muito
determinante no grupo de comarcas pequenas, com a maioria destas
a apresentar, em média, um juiz, apesar da disparidade significativa
no número de processos entrados, que variam entre menos de 100 e
mais de 500 por ano. Pelo contrário, para as comarcas grandes existe
uma relação positiva entre a procura e o número de juízes.
As comarcas pequenas, nas quais a carga processual é, em mé-
dia, mais reduzida, poderiam apresentar indicadores de desempenho
mais favoráveis, mas não existe evidência de que tal se verifique, dado
que as medidas de congestão são relativamente independentes da di-

290
Custos de contexto

400

300

milhares de processos
200

100

-100

-200
1993

1995

1997

1999

2001

2003

2005

2007

2009

2011

2013

2015

2017
Saldo processual = Entrados - Findos Entrados Findos

(a) Ações declarativas

400

300
milhares de processos

200

100

-100

-200
1993

1995

1997

1999

2001

2003

2005

2007

2009

2011

2013

2015

2017

Saldo processual = Entrados - Findos Entrados Findos

(b) Execuções

Figura 71: Procura e oferta de justiça cível entre 1993 e 2017

mensão das comarcas. Assim, uma gestão mais flexível dos recursos
humanos, no espírito do novo mapa judiciário, implementado em
2014, poderá contribuir para aumentar a produtividade, promovendo
uma distribuição mais equilibrada da carga processual.

3. Dados e enquadramento metodológico

A evidência apresentada nesta Secção é baseada numa base de dados


de painel por comarca, que cobre o período de 1993 a 2013 e contém

291
O Crescimento Económico Português

500
400
300
200
100

(a) Comarcas pequenas


15000
10000
5000
0

(b) Comarcas grandes

Figura 72: Relação entre processos cíveis entrados e número de juízes


Notas: Foram excluídas do painel b as comarcas de Lisboa e Porto, que apresentam
um número médio de processos entrados muito elevado. Os painéis apresentam
valores médios para cada comarca.

informação sobre o movimento processual, os recursos humanos e


a duração dos processos findos nos tribunais judiciais de primeira
instância, para além de indicadores socioeconómicos. A partir de
2007, a base de dados inclui informação relativa à despesa com orde-
nados dos magistrados e, ao nível do círculo judicial (superior ao da
comarca), informação sobre o número de advogados inscritos.

292
Custos de contexto

De modo a estudar as determinantes da litigância, foi seguida


uma abordagem em duas fases. Numa primeira fase, investiga-se
o modo como a taxa de litigância (o número de processos per capita) é
influenciada por características que variam ao longo do tempo, como
a duração dos processos findos no ano anterior, tomando partido da
base de dados em painel. Seguidamente, utilizam-se os resultados
desta primeira regressão para analisar determinantes da litigância de
caracter estrutural, incluindo como variáveis explicativas, não apenas
as características da comarca, mas igualmente as relativas às comarcas
vizinhas (tomando em consideração a distância entre comarcas).
No que respeita às determinantes da produtividade, é utilizado
um indicador estritamente quantitativo: o rácio entre a produção -
número de processos cíveis resolvidos - e o número de juízes. Uma
limitação clara desta medida é a de ignorar, tanto a qualidade das
decisões, como a complexidade dos processos. Não foi possível ultra-
passar a primeira limitação referida por indisponibilidade de infor-
mação, enquanto a segunda limitação foi ultrapassada considerando
a heterogeneidade entre comarcas e a carga processual vinda de ou-
tras áreas de litigância.
A regressão que cobre as determinantes estruturais da litigância é
baseada num modelo econométrico, que considera efeitos de inter-
ação espacial (para mais informação sobre este assunto, ver Anselin
et al. (2004)). As restantes regressões seguem uma especificação de
painel dinâmico (Arellano e Bond, 1991), justificada pelo horizonte
temporal relativamente longo da amostra e pela necessidade de lidar
com variáveis não estritamente exógenas. Estas regressões incluem
efeitos fixos de comarca, para captar as suas características específicas,
assim como efeitos fixos de ano, que permitem ter em consideração as
especificidades de um determinado ano com um impacto transversal
a todas as comarcas.

4. Resultados

4.1. Determinantes da procura

Os resultados mostram que a duração dos processos tem um impacto


negativo na taxa de litigância, o que pode indicar a existência de um
efeito de congestão. Esta evidência é consistente com a existência
de racionamento por fila de espera, possivelmente mediado pelos
advogados, que utilizam o seu conhecimento relativamente aos úl-
timos processos findos para informar os potenciais litigantes sobre
a duração esperada do seu processo em particular. Para além disso,
a litigância em outras áreas tem um efeito positivo no número de

293
O Crescimento Económico Português

processos cíveis entrados, indicando que reformas noutras áreas de


litigância podem ter impactos significativos na justiça cível.
Relativamente às determinantes estruturais da litigância, a Figura
73a mostra o impacto percentual na taxa de litigância das diferenças
entre indicadores socioeconómicos da comarca. Os resultados apre-
sentados são comparáveis e independentes da unidade de medida
utilizada em cada indicador porque são apresentados os efeitos de
uma variação equivalente a um desvio-padrão em cada variável, o
que permite ter em consideração os diferentes graus de dispersão em
torno da média. Existem efeitos de interação espacial significativos na
formação da litigância. De facto, alguns indicadores socioeconómicos,
como a densidade de pequenas e médias empresas e o poder de
compra, aparentam ter um impacto mais significativo na litigância
quando provenientes de comarcas vizinhas do que da própria co-
marca, apesar da elevada incerteza em torno das estimativas. Esta
relevância dos efeitos de interação espacial refletirá, provavelmente,
a reduzida dimensão das unidades territoriais que serviam de base
à organização judicial no anterior mapa judiciário, face à extensão
geográfica em que ocorrem as transações entre agentes económicos.
Esta evidência reforça a necessidade de que a política de justiça seja
definida tendo em consideração uma extensão geográfica alargada.
A reforma do mapa judiciário, implementada em 2014, introduziu
alterações neste sentido, promovendo a agregação territorial e intro-
duzindo alguma flexibilidade na gestão dos recursos.
Adicionalmente, apresenta-se evidência de uma relação positiva
entre o desenvolvimento económico e a litigância, particularmente
visível para a taxa de analfabetismo e o poder de compra. Este facto
pode estar associado a um maior grau de formalismo nas transações
económicas nas regiões mais desenvolvidas. Por fim, a localização de
empresas funciona como um forte atrator de litigância e a diferença
entre comarcas vizinhas no que respeita à concentração de pequenas
e médias empresas desvia litigância entre elas.
A estimação dos efeitos da concentração de advogados na litigância
tem a limitação de que esta concentração pode igualmente ser posi-
tivamente influenciada pelo volume de litigância. A implementação
de um procedimento econométrico que tem este facto em conside-
ração, utilizando a distância entre uma determinada comarca e a
universidade de direito mais próxima como variável instrumental,
permite concluir que existe alguma evidência de indução da procura
por parte dos advogados. Contudo, este resultado deve ser interpre-
tado com precaução, devido à incerteza relativamente à eficácia do
procedimento seguido.

294
Custos de contexto

4.2. Determinantes da produtividade

A Figura 73b ilustra o impacto das variáveis mais relevantes na pro-


dutividade dos juízes. Existe evidência de uma resposta positiva da
produtividade dos juízes ao número de processos entrados por juiz,
indiciando que a mesma responde à pressão colocada pela procura
sobre o sistema judicial. Esta resposta da produtividade à procura
pode estar associada a uma tentativa por parte dos juízes de impedir
um aumento da congestão nas jurisdições a seu cargo. Porém, a
capacidade de resposta à procura é menor à medida que aumenta o
número de processos entrados por juiz, visto que o impacto estimado
para o termo quadrático é negativo. Este resultado seria expectável
tendo em consideração a utilização mais intensiva de recursos à me-
dida que o número de processos entrados aumenta. Por exemplo,
a combinação destes dois efeitos, calculada na média de processos
entrados por juiz, indica que mais 100 processos entrados levam a
um aumento de cerca de 50 no número de processos findos. No que
respeita a outros recursos humanos afetos à comarca, a produtividade
é também positivamente influenciada pelo número de funcionários
judiciais por juiz.
Um indicador de especialização, construído através de informação
sobre o movimento processual, tem um efeito positivo na produ-
tividade. Este indicador reflete, em cada comarca, a percentagem
de processos cíveis resolvidos em juízos (a unidade organizacional
abaixo da comarca) em que, num determinado ano, mais de 80 por
cento dos processos resolvidos pertenciam à área cível. Um indicador
alternativo de especialização, refletindo a especialização de jure em
alternativa à especialização de facto, não tem um impacto significativo.
Por fim, tirando partido da forte relação documentada entre salário
e senioridade para os magistrados portugueses, foi incluída numa
segunda estimação uma variável que pretende aproximar a experi-
ência dos juízes pelo salário médio, utilizando dados a partir de
2007. Existe evidência de um impacto negativo da senioridade na
produtividade, possivelmente refletindo fatores como os incentivos à
resolução de processos ou o equilíbrio entre quantidade e qualidade
das decisões judiciais.
Os fatores explicativos do desempenho do sistema judicial são al-
tamente complexos, sendo importante realçar que, apesar de este tra-
balho cobrir alguns fatores relevantes, existem muitos outros, como a
legislação, as regras processuais ou o comportamento dos diferentes
intervenientes que também poderão representar um papel crucial.

295
O Crescimento Económico Português

(a) Taxa de litigância

(b) Produtividade

Figura 73: Determinantes da litigância e da produtividade


Notas: Estimativas pontuais e intervalos de confiança a 95%. São consideradas
variações de um desvio-padrão em cada variável explicativa, de modo a tornar os
efeitos diretamente comparáveis. No painel b, os resultados da senioridade dos
juízes foram obtidos com dados de 2007 a 2013.

5. Observações finais

Este capítulo discute as determinantes da taxa de litigância e da


produtividade, contribuindo para uma melhor compreensão, tanto
da procura como da oferta de justiça cível em Portugal. As análises
quantitativas baseadas em dados por processo assumem uma relevân-
cia significativa na promoção de políticas públicas mais informadas
nesta área. Obviamente, os resultados destes estudos devem ser
entendidos como complementares aos obtidos por outras abordagens

296
Custos de contexto

científicas. Neste aspeto, uma abordagem multidisciplinar dos assun-


tos relacionados com a política de justiça é claramente benéfica.

Referências

Anselin, Luc, Raymond Florax, e Sergio Rey (eds.) (2004). Advances


in spatial econometrics: methodology, tools and applications. Springer.
Arellano, Manuel e Stephen Bond (1991). “Some tests of specification
for panel data: Monte Carlo evidence and an application to
employment equations.” Review of Economic Studies, 58, 277–297.
CEPEJ (2018). “European judicial systems – Edition 2018 (data
2016).” Council of Europe Publishing.
Instituto Nacional de Estatística (2018). Custos de contexto: a perspetiva
das empresas 2017.
Pereira, Manuel Coutinho e Lara Wemans (2015). “Determinantes
da litigância cível em Portugal.” Revista de Estudos Económicos do
Banco de Portugal, 1(1), 21–50.
Pereira, Manuel Coutinho e Lara Wemans (2017). “Produtividade
na justiça cível em Portugal: uma questão incontornável num
sistema congestionado.” Revista de Estudos Económicos do Banco
de Portugal, 3(1), 11–39.

297
8.3. Como se tem alterado a duração da execução
judicial de dívidas?

Manuel Coutinho Pereira, Lara Wemans55

1. Motivação

A eficácia da execução de dívidas através do sistema judicial é crucial


para o funcionamento de mercados importantes na economia, com
impacto, em particular, no investimento das empresas e no alisa-
mento do perfil de consumo das famílias ao longo do tempo. De
acordo com os valores disponíveis para a duração dos processos fin-
dos, Portugal compara mal com outros países, não obstante ter ocor-
rido uma melhoria nos últimos anos (CEPEJ, 2018). Ao mesmo tempo,
os inquéritos às empresas indicam que os atrasos no sistema judicial
se destacam entre os custos de contexto. Esta situação também pode
contribuir para as empresas portuguesas estarem particularmente ex-
postas ao risco de pagamento tardio por parte dos clientes (European
Payment Report 2017).
Nas últimas décadas, houve mudanças profundas no processo exe-
cutivo, que afetaram o papel dos diferentes intervenientes (Pimenta,
2012 e Pinto, 2013). Estas mudanças iniciaram-se com a reforma
de 2003 do Código de Processo Civil, que promoveu a desjurisdi-
cionalização da ação executiva. A reforma de 2003 estabeleceu a
figura do agente de execução, conferindo-lhe o papel de conduzir
este tipo de ações, ainda que o juiz mantivesse o controlo das mesmas
(Gomes, 2007). A implementação da reforma gerou bloqueios, uma
vez que a clarificação dos poderes dos diferentes intervenientes e
o estabelecimento de instrumentos para o seu bom funcionamento
só gradualmente foram realizados (Lourenço, 2017). Tais bloqueios
bem como a dificuldade em obter um equilíbrio entre os interesses
das partes nas execuções levaram a várias mudanças legislativas e
de procedimento ao longo dos anos e à promulgação de um novo
Código do Processo Civil em 2013.
As alterações à lei foram acompanhadas pela criação de instrumen-
tos de apoio à atividade dos agentes de execução, nomeadamente de
plataformas eletrónicas para a recolha de informações sobre os ativos
55 Lara Wemans trabalhava no Banco de Portugal quando esta Secção foi redigida.

299
O Crescimento Económico Português

detidos pelo devedor, e o estabelecimento do PEPEX (Procedimento


Extrajudicial Pré-Executivo) em 2014. Tal permitiu ao detentor de um
título executivo obter mais facilmente uma perceção sobre a viabili-
dade de uma execução antes de a intentar.
As frequentes alterações legislativas e o considerável investimento
na agilização dos procedimentos de execução de dívidas evidenciam
a elevada prioridade dada pelo legislador português à sua eficácia.
É assim apropriado avaliar a situação presente no que diz respeito
à duração das ações executivas - porventura a variável mais impor-
tante do ponto de vista dos agentes económicos. Esta questão é, no
entanto, difícil de responder com base nas estatísticas de duração
regularmente publicadas sobre os processos findos em cada ano. De
facto, dada a dimensão das pendências, tal indicador capta a situação
do sistema ao longo de um período que se estende muito antes do
ano de referência.
A disponibilidade de uma base de dados com informação ao nível
do processo possibilita lançar uma nova luz sobre essa questão e, ao
mesmo tempo, estudar o impacto das características dos processos
na respetiva duração. Pereira e Wemans (2018) realizam tal análise,
concluindo por uma redução considerável da duração das execuções
nos últimos anos. Esta Secção resume os principais resultados apre-
sentados nesse artigo.

2. Dados e enquadramento metodológico

Os dados subjacentes aos resultados apresentados nesta secção com-


preendem todas as execuções de dívidas civis e comerciais que foram
tramitadas nos tribunais judiciais de primeira instância em Portugal
entre 2007 e 2016 (excluem-se, principalmente, as execuções para
pagamento de multas, custas, coimas e prémios de seguro). Este
abrangente conjunto de dados inclui, em particular, os processos ini-
ciados antes de 2007 e que permaneciam por resolver no início do
período em análise, bem como os pendentes no final de 2016. A
base de dados compreende várias características das execuções, além
das datas em que estas foram intentadas e resolvidas. Tais caracte-
rísticas incluem informação sobre o exequente (empresa - incluindo
o estatuto de litigante de massa - ou indivíduo), a comarca onde a
ação findou ou se encontra pendente, e se a ação tramitou num juízo
especializado em execuções. Além disso, existe informação sobre o
valor da causa e o título executivo. Os diferentes títulos foram agrega-
dos em categorias homogéneas com um tratamento semelhante pelo
sistema judicial: sentenças judiciais, injunções, documentos autenti-
cados, documentos particulares, contratos e outros títulos.

300
Custos de contexto

A base de dados também contém informação sobre aspetos pro-


cessuais, designadamente a existência de apensos associados ao pro-
cesso na forma de oposições por parte do executado, embargos de
terceiro e reclamações de créditos. Finalmente, existe informação
sobre a modalidade de termo, a qual foi sistematizada em quatro
modalidades, a saber, cumprimento da obrigação (incluindo o paga-
mento da dívida em prestações), inexistência ou insuficiência de bens,
desistência ou falta de impulso do exequente e restantes modalidades
de termo. Com base na informação ao nível do processo, foram
calculadas, para a comarca como um todo, medidas de complexidade
da litigância e de congestionamento.
No que diz respeito à metodologia, aplicam-se aos dados diferentes
instrumentos de análise de duração. Ao nível descritivo, os resul-
tados apresentados são baseados na função de sobrevivência, que
representa a evolução da probabilidade de um processo continuar
pendente ao longo do tempo desde o seu início. Resultados adi-
cionais são baseados na função de risco, que constitui, juntamente
com a função de sobrevivência, um modo alternativo de caracterizar
a distribuição da duração. A função de risco mede a taxa instantânea
de resolução de um processo pendente, em termos probabilísticos,
num determinado momento após o início.
O impacto das diferentes variáveis explicativas é estudado com
base no modelo semi-paramétrico de Cox. O modelo de Cox as-
sume que as variáveis explicativas não alteram a forma da função
de risco, apenas a deslocam multiplicativamente por um fator de
proporcionalidade - o fator de risco relativo. Esta hipótese de propor-
cionalidade dos riscos pode, no entanto, ser parcialmente levantada
através da estimação de funções de risco específicas para os estratos
definidos por uma ou mais variáveis categóricas. Tal procedimento
foi seguido para o ano judicial de início do processo e a comarca
de resolução ou pendência (tendo a configuração territorial atual do
sistema judicial como referência). É possível, desta forma, não impor
riscos proporcionais em relação a estas variáveis, assegurando-se que
os coeficientes das restantes variáveis explicativas não são afetados
pela sua correlação com as características das comarcas, nem com
determinantes comuns partilhadas por todos os processos iniciados
num dado ano.

301
O Crescimento Económico Português

3. Resultados

3.1. Duração das execuções

A Figura 74a mostra a mediana da duração dos processos (período


de tempo durante o qual se espera que metade dos processos sejam
resolvidos), bem como o primeiro e terceiro quartis, calculada a partir
da função de sobrevivência numa base anual. A duração média au-
mentou ao longo dos anos iniciais, apresentando depois uma tendên-
cia decrescente, com reduções significativas sobretudo em 2011, 2013
e 2016. Houve um decréscimo particularmente acentuado em 2013,
nas durações mais longas, o que provavelmente reflete várias medi-
das tomadas neste período. Tais medidas incluem o estabelecimento
de unidades especiais para reduzir as pendências processuais em
alguns tribunais e a simplificação do termo das ações por inexistência
de impulso processual e por falta de bens penhoráveis (neste último
caso, para os processos apresentados antes de setembro de 2003).
Nas durações mais curtas - tempo necessário para resolver 25% dos
processos - houve uma redução constante desde 2010, de 25 meses
para apenas 9. Tal redução na duração é consistente com a evolução
do número de processos entrados líquido dos findos documentada no
secção 8.2. A figura 74a também mostra, para comparação, a mediana
da duração dos processos findos em cada ano. Em contraste com a
evolução descrita, este indicador permaneceu estável, em torno dos
40 meses.
A fim de retirar dos resultados o impacto das mudanças men-
cionadas nas regras que regem o termo dos processos devido à ina-
tividade do exequente, a figura 74b repete a análise precedente, mas
considerando como resolvidas apenas as ações que terminam com
o cumprimento da obrigação ou o reconhecimento da inexistência
de bens suficientes. As ações que terminam por razões imputáveis
ao exequente são tratadas como observações censuradas, já que o
tribunal não as resolveu efetivamente. Esta abordagem alternativa
confirma um forte decréscimo na duração média após 2010.

3.2. Perfil probabilístico de resolução das execuções

As figuras 75a e 75b mostram a intensidade probabilística de resolu-


ção dos processos (função de risco), respetivamente, para os períodos
anterior ao ano judicial de 2014 e a partir desse ano (este último
captando aproximadamente a situação atual).

302
Custos de contexto

100
8060
em meses
40 20
0

2007 2010 2013 2016

Percentil 25 Mediana
Percentil 75 Mediana - processos findos

(a) Todos os tipos de termo do processo


120
10080
em meses
60 40
20

2007 2010 2013 2016

Percentil 25 Mediana
Percentil 75

(b) Termo do processo com resolução efetiva

Figura 74: Duração dos processos executivos, 2007-2016


Nota: Percentis resultantes das funções de sobrevivência e - painel (A) - mediana da
duração dos processos resolvidos.

Antes do ano judicial de 2014, a função de risco evidencia uma


dependência positiva da duração (Figura 75a), ou seja, a taxa instan-
tânea de resolução dos processos pendentes aumenta com o tempo,
exceto para durações muito longas, quando já poucos processos per-
manecem por resolver. Nos anos judiciais subsequentes (Figura 75b),
a intensidade de resolução não tem uma tendência marcada, variando
num intervalo muito mais limitado. Além disso, tal intensidade é
maior neste segundo período, ao longo de um horizonte que vai
desde o início do processo até aproximadamente ao quinto ano de
duração, atingindo-se muito mais cedo a mediana dos processos re-
solvidos.

303
O Crescimento Económico Português

.04
.035 .03
função de risco
.02 .025
.015
.01

0 50 100 150 200


duração, em meses

(a) Período anterior ao ano judicial de 2014


.04
.035 .03
função de risco
.02 .025
.015
.01

0 50 100 150 200


duração, em meses

(b) Período com início no ano judicial de 2014

Figura 75: Taxa instantânea (probabilística) de finalização dos processos


Notas: Funções de risco e bandas de confiança a 95%, para durações até
15 anos, período que cobre o tempo de vida da generalidade dos processos.
A linha a tracejado indica a mediana da duração dos processos e a linha a
tracejado/pontilhado indica o percentil 90.

No regime anterior à reforma de 2003, a intervenção dos juízes em


todas as execuções seria uma razão para um perfil crescente da taxa
de risco, no pressuposto de uma atribuição de prioridade aos proces-
sos mais antigos. Embora a análise comece já em 2007, nessa data o
sistema tinha ainda um número significativo de processos pendentes,
quer entrados antes da reforma, quer na fase de transição para o
novo regime. Também é de esperar que o perfil estimado na Figura
75a reflita o ajustamento do sistema às novas regras, designadamente
quanto à formação de um corpo de agentes de execução capaz de

304
Custos de contexto

maior duração das ações menor duração das ações


Exequente (empresa)
indivíduo
empresa, litigante de massa
Valor da causa
Título (injunção)
sentença
documento autêntico(ado)
contrato
documento particular
outro título
Apensos (sem apensos)
reclamações de créditos
embargos/oposições
outros tipos
dois ou mais

0 .5 1 1.5
deslocamento multiplicativo da função de risco

Figura 76: Impacto das variáveis explicativas sobre a duração


Notas: Deslocamento multiplicativo na intensidade de resolução dos processos
ocasionado por uma variação dos regressores, para as variáveis binárias face
ao grupo omitido (entre parêntesis), para o logaritmo do valor da causa igual
a um desvio-padrão na mediana (correspondente, no caso de um aumento, a
uma passagem de cerca de 2 500 euros para 12 500 euros no valor da causa).
Estimativas pontuais e intervalos de confiança de 95% dos riscos relativos (hazard
ratios) estimados pela regressão de Cox.

responder ao volume de execuções entradas. No período amostral


mais recente, a maior intensidade de resolução nos primeiros anos de
tramitação dos processos e a ausência de uma tendência ascendente
também refletirão os procedimentos mais rápidos de identificação e
penhora dos bens do devedor, incluindo o impacto da eficácia desses
mecanismos na promoção do cumprimento voluntário numa fase ini-
cial.

3.3. Determinantes da duração das execuções

A Figura 76 apresenta o impacto das variáveis explicativas acima


mencionadas em termos do deslocamento da função de risco: por
exemplo, um deslocamento igual a 0.1, a partir de 1, para a esquerda
(direita) significa um aumento (decréscimo) de 10% na taxa de resolu-
ção de processos. Os processos intentados por litigantes de massa no
universo dos processos colocados por empresas tendem a prosseguir
mais rapidamente, e o mesmo se verifica para os processos intentados
por indivíduos relativamente a empresas, mas com uma diferença

305
O Crescimento Económico Português

menos marcada. O primeiro resultado pode resultar de os litigantes


de massa beneficiarem de uma maior experiência relativamente à
tramitação das execuções bem como de efeitos de escala. O segundo
resultado é difícil de explicar, uma vez que se espera que as empresas
estejam em geral mais familiarizadas com ações executivas do que os
indivíduos. É possível que tal reflita diferenças entre os processos
apresentados por indivíduos face a empresas associadas a variáveis
omitidas no modelo. Um valor da causa mais elevado tende a prolon-
gar as execuções, refletindo as especificidades da litigância associada
a dívidas mais altas, como uma maior complexidade e oposição do
devedor. No que diz respeito ao impacto dos diferentes títulos exe-
cutivos na duração, medidos face às injunções, os processos basea-
dos em documentos particulares e contratos tendem a requerer mais
tempo. Tal resultado poderia refletir um processo executivo menos
célere aplicável a alguns destes títulos relativamente às injunções,
em particular quando os mesmos assumem um valor acima de um
determinado limiar. No entanto, uma especificação alternativa, inter-
agindo o título com um indicador de valor da causa acima do limite
que determinou a aplicação de diferentes regras processuais, não
confirmou essa hipótese. A existência de apensos associados a uma
ação executiva tem um impacto negativo na respetiva celeridade, par-
ticularmente no caso das reclamações de créditos. Estimativas suple-
mentares considerando separadamente os períodos anterior ao ano
judicial de 2014 e a partir desse ano indicam um impacto comparativa-
mente maior no segundo período. Neste segundo período, existe uma
maior proporção de processos entrados sob o regime instituído pela
reforma de 2003 que, regra geral, não requer uma intervenção do juiz
nas ações executivas. Sempre que o processo tem apensos associados,
tal intervenção torna-se necessária o que tende a prolongar a respe-
tiva duração. Em contraste, no regime anterior à reforma de 2003, o
juiz tinha sempre de intervir. Outra especificação estimada incluiu
variáveis que aproximam o congestionamento e a complexidade da
litigância na comarca de termo do processo (assumindo-se agora uma
função de risco idêntica em todas as comarcas). Os coeficientes têm
os sinais esperados, com uma variação positiva em cada uma dessas
variáveis explicativas a determinar um aumento da duração das ações.
Os impactos são substanciais, em geral ainda mais fortes do que os
das características do processo, confirmando que a duração também
depende fortemente do volume e do tipo de litigância, como um todo,
dirigida às comarcas. Outro aspeto interessante é que os impactos
dessas variáveis na duração diminuem substancialmente quando a
estimação é confinada ao período com início no ano judicial de 2014.
A evidência de uma duração das execuções mais curta no período
mais recente continua a verificar-se quando se mantêm constantes as

306
Custos de contexto

características observadas das execuções, através de uma análise de


regressão.

4. Observações finais

A queda documentada na duração da ações executivas nos últimos


anos foi certamente influenciada por um conjunto muito significativo
de reformas nesta área implementadas ao longo do tempo, apesar de
não poder ser atribuída a uma medida de política específica. Além
disso, tal evolução reflete o impacto de outros fatores, nomeadamente
mudanças nas características não observáveis dos processos e fatores
exteriores ao sistema judicial, tais como mudanças na posição cíclica
da economia. Uma separação da contribuição de cada um desses
fatores está fora do âmbito desta Secção. A produção de evidência
empírica sobre as reformas da ação executiva poderá constituir um
estímulo para a implementação de reformas em outras áreas do sis-
tema judicial.

Referências

CEPEJ (2018). “European judicial systems – Edition 2018 (2016


data).” Council of Europe Publishing.
Gomes, Conceição (ed.) (2007). A ação executiva em avaliação:
Uma Proposta de Reforma. Observatório Permanente da Justiça
Portuguesa – Centro de Estudos Sociais da Universidade de
Coimbra.
Intrum Justitia (2017). “European Payment Report 2017.” Intrum
Justitia AB (Sweden).
Lourenço, Paula Meira (2017). “O processo executivo.” 40 anos de
políticas de justiça em Portugal, pp. 227–249.
Pereira, Manuel Coutinho e Lara Wemans (2018). “Quanto tempo
demora a execução de uma dívida no sistema judicial por-
tuguês?” Revista de Estudos Económicos do Banco de Portugal, 4(2),
1–28.
Pimenta, Paulo (2012). “Tópicos para a reforma do Processo Civil
Português.” Julgar, 17, 109–134.
Pinto, Rui (2013). “Notas breves sobre a reforma do Código de
Processo Civil em matéria executiva.” Revista da Ordem dos
Advogados, 73(1).

307
Índice remissivo

A crédito, 147–153, 157–163,


afetação / alocação, 127, 173, 165–167, 169–171,
176, 179–181, 195, 197, 173–181, 209, 215, 235
290 custos de contexto, 281–287,
alojamentos, 268–272 289, 299
área do euro, 14, 20, 22, 25–27,
29, 31–33, 40, 48, 174, D
228, 230–232, 235, 236, demografia, 48–50, 254, 268,
241, 251 276
desemprego, 26–29, 31, 32, 49,
B 53, 54, 70, 71, 75, 76,
bancos, 13, 18, 110, 147–154, 108, 112
157, 159, 165–171,
173–180, 197, 203, 230 E
barreiras, 201, 202, 223, 275, educação, 45, 50, 53–55, 57, 58,
285 66, 69–73, 75, 76, 79, 80,
bens, 13, 19, 20, 22, 32, 138, 153, 119–124, 127, 131, 197
169, 229–231, 234, 239, eficiência, 37–42, 44, 127, 131,
247–249, 253, 259, 261, 137, 138, 173, 175, 205,
265, 301, 302, 305 228, 236, 289
elasticidade, 38–40, 47, 48, 229,
C 234, 241–244
capital, 25–31, 37–44, 47, 48, emprego, 15, 16, 27, 40, 42,
79–82, 120–122, 138, 48–50, 63, 66, 69, 89,
141, 148, 150, 152, 154, 90, 92, 93, 95, 97, 101,
157, 158, 165, 169, 102, 107–109, 111–115,
174–176, 186–188, 190, 135, 139, 153, 158,
195, 199–201, 203, 207, 174–176, 187, 190, 192,
208, 212, 229, 232–236 199, 201, 202, 207, 227,
capital humano, 47–49, 79, 80, 229, 234–236, 257, 267,
122, 128, 196, 203 281, 282
CEO / gestores, 17, 120, 121, ensino / via vocacional, 69, 71,
123–125, 128, 131–135, 73–76
138–140 ensino secundário, 48, 53, 55,
concorrência, 25, 51, 138, 139, 56, 58, 70–75, 79–81,
185–192, 198, 206, 210, 121, 122
228, 241, 253 ensino superior, 16, 54–56, 58,
contabilidade do crescimento, 59, 62–65, 70, 73, 75, 76
38, 186 entrada de empresas, 90, 210

309
O Crescimento Económico Português

envelhecimento, 13, 14, 21, 46, L


49, 120, 228 legislação, 16, 71, 98, 107, 108,
escolaridade, 47, 48, 53, 56–59, 111, 113, 115, 250, 281,
61, 62, 64–66, 73, 74, 79, 287, 295
80, 120–122
M
Espanha, 66, 115, 132, 133, 198,
margem preço-custo /
260, 261
markups, 138, 186,
exportações, 132–135, 209, 217,
187, 189–192
218, 221, 227–229,
mercado, 12, 13, 15–20, 27, 55,
232–234, 236, 239–244,
56, 62–64, 66, 69, 75,
247–250, 252, 253, 255,
76, 90, 92, 95, 98, 99,
257–263, 265
103–105, 107–109, 112,
113, 115, 120, 171, 186,
F 187, 189, 191, 268, 281
financiamento, 13, 17, 19, 20, mercado de trabalho, 12, 13,
40, 59, 108, 132, 147, 15–17, 20, 27, 32, 55,
148, 150–154, 157–163, 56, 61–64, 66, 69, 75,
168–171, 179–181, 196, 76, 89, 90, 92, 94, 95,
201, 203, 234, 281, 282, 98, 99, 103–105,
285 107–109, 112, 113, 115,
120, 131, 135, 185–187,
I 189, 268, 281
importações, 229, 235, 242, mercado do produto, 27, 32,
248–252, 254, 257–263, 89, 90, 113, 185, 186,
265 189–191
modelo, 26, 28, 29, 32, 33, 47,
indústria, 63, 141, 158, 166,
79, 98, 114, 127, 153,
168, 169, 190, 191, 197,
158–160, 227, 228, 232,
199, 202, 203, 205, 206,
234, 236, 241, 272, 283,
209–211, 218, 222, 243,
293, 301, 306
282, 285
inflação, 26, 27, 29, 32, 34, 97, N
98, 101–103, 105, 234, não transacionável, 19, 192,
235, 248 206, 209–211
inputs, 37–42, 137, 138, 140,
186 O
insolvência, 201–203 oferta, 12, 13, 18, 71, 147, 148,
investimento, 30, 39, 40, 53–55, 150–152, 159, 160, 162,
59, 76, 79, 80, 157–159, 165, 166, 169–171, 179,
161–163, 165–171, 181, 180, 228, 229, 234, 236,
199, 201, 222, 229, 234, 273, 290, 296
267, 299, 300
P
PME, 114, 158–160, 162, 163,
J 179, 181, 294
justiça, 289–291, 294, 296, 297 prémio salarial, 56–58, 73, 74

310
Custos de contexto

preços, 25–27, 29, 32, 55, serviços, 120, 190, 191, 205, 206,
138–140, 148, 185, 206, 209–211, 230, 239, 268,
229, 235, 239, 248 270, 271, 274, 275
procura, 18, 19, 21, 25, 57, 58, sobrevivência, 158, 162, 163,
97, 107–110, 114, 137, 273
138, 141, 147, 148, 151, sobrevivência das empresas,
159, 160, 162, 165, 166, 215, 216, 219, 221
169, 179, 180, 218,
227–229, 233–236, T
240–244, 269, 272, 273, trabalho, 25–29, 31–33, 37–44,
275, 290, 294–296 47–49, 55, 56, 61–66, 69,
produtividade, 25, 26, 28, 29, 75, 76, 79, 81, 107–110,
37, 41, 42, 47, 51, 61, 112–115, 120, 127, 131,
79, 80, 107, 108, 119, 135, 137–139, 159, 161,
125–127, 132–134, 185–187, 189, 190, 192,
137–142, 169, 173–180, 195, 199–201, 208, 212,
185, 195–197, 199, 201, 228, 232–235, 247, 264,
202, 205–212, 227, 236, 265, 268, 281, 284–286
264, 265, 273, 276, 281, transacionável, 205, 206, 210
284–287, 290, 291, 293, turismo, 257, 258, 267–270, 272,
295, 296 273, 275, 276
produtividade total dos
Z
fatores (TFP), 14, 41,
zombie (empresas), 175, 176,
47, 48, 174, 175, 177,
196–204
205, 207, 209–212, 227
produto potencial, 25, 26, 28,
29, 31, 34, 276
progresso tecnológico, 37, 38,
40, 41, 44, 186, 234

Q
qualificações, 40, 59, 61, 62, 64,
65, 285
quota de mercado, 240

R
realocação, 242–244
recursos humanos, 282, 285,
290–292, 295
rigidez, 25, 97–99, 101, 103, 105,
107

S
saída das empresas, 158, 202
salários, 26, 27, 29, 32, 53–57,
61, 70, 73, 75, 79, 81, 82,
139, 187, 190, 227, 234

311

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