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A Ordem Mundial Do Pós-Guerra Fria Autor Ricardo Antonio Soldera

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9, 10, 11 e 12 de novembro
2020

A Ordem Mundial do Pós-Guerra Fria


Os fundamentos do capitalismo contemporâneo
Ricardo Antonio Soldera
X Encontro de Pós-Graduação em História Econômica & 8ª Conferência
Internacional de História Econômica

A Ordem Mundial do Pós-Guerra Fria


Os fundamentos do capitalismo contemporâneo

Ricardo Antonio Soldera1

Resumo
A ordem mundial do pós-Guerra Fria está baseada nos vínculos estabelecidos entre a alta
finança estadunidense atuante a nível global, a burguesia estadunidense ligada à
tecnologia de ponta do complexo industrial-militar e o governo dos Estados Unidos. Essa
classe promove o aprofundamento da economia transnacional por meio da abertura
comercial e financeira e combate ferozmente a classe trabalhadora.
As burguesias transnacionais dos países centrais foram beneficiadas pela nova ordem e
aderiram prontamente à hegemonia estadunidense. Ao mesmo tempo, uma economia
mundial foi consolidada. A empresa transnacional se tornou global e o seu comando
central subordina diferentes cadeias produtivas pelo planeta.
As classes dominantes dos países periféricos tiveram de se submeter à ordem
estabelecida. Apesar da resistência inicial, elas foram aliciadas por meio de pressões
econômicas, chantagens militares e pelas novas fontes de riqueza e consumo conspícuo e
participam ativamente da abertura comercial e financeira.
A classe trabalhadora sofreu reduções salariais, perda de empregos e direitos sociais em
todos os países. Os movimentos trabalhistas foram colocados na defensiva pelos poderes
das novas legislações e pelo desemprego produzido pelos ajustes fiscais. Com a
desintegração da União Soviética, o espectro do comunismo afastou-se definitivamente
da Europa, desfazendo os últimos medos das classes dominantes.

Palavras chave
Hegemonia, ordem mundial, alta finança, burguesias transnacionais, classe trabalhadora

Abstract
Post-Cold War world order is based on the links established between American finance
at a global level, the American bourgeoisie linked to the cutting-edge technology of the
industrial-military complex and the United States government. This class promotes the
deepening of the transnational economy through commercial and financial openness and
fiercely fights the working class.
1
Graduação em Relações Internacionais e em Economia pela FACAMP. Mestre e doutorando em História
Econômica pelo PPGDE do IE/UNICAMP. Bolsista CAPES.

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X Encontro de Pós-Graduação em História Econômica & 8ª Conferência
Internacional de História Econômica
Transnational bourgeoisies of the central countries benefited from the new order and
readily joined the American hegemony. At the same time, a world economy was
consolidated. The transnational company has become global and its central command
subordinate different production chains across the planet.
Ruling classes in the peripheral countries had to submit to the established order. Despite
initial resistance, they were enticed through economic pressure, military blackmail and
new sources of wealth and conspicuous consumption and actively participate in
commercial and financial openness.
Working class has suffered wage cuts, job losses and social rights in all countries.
Labor movements were put on the defensive by the powers of the new laws and the
unemployment produced by fiscal adjustments. With the disintegration of the Soviet
Union, the specter of communism has definitely moved away from Europe, dispelling the
last fears of the ruling classes.
Keywords
Hegemony, world order, high finance, transnational bourgeoisies, working class.

1. A reconstituição da hegemonia estadunidense


As aflições sofridas pelo establisment político dos Estados Unidos ao longo da década de
1970 chegaram ao máximo em 1979. O poder e prestígio do país foram duramente
afetados com a Revolução Iraniana e o humilhante episódio dos diplomatas
estadunidenses mantidos como reféns. Além disso, ocorreram revoluções comunistas na
Nicarágua e em Granada, os países membros da OPEP fizeram o segundo choque dos
preços do petróleo e as tropas da União Soviética invadiram o Afeganistão Hobsbawm,
(2008); Arrighi, (2012); Fiori (1998).
Todos esses infortúnios trouxeram uma nova crise de confiança no dólar. A histeria
dominou a população e o debate privado nos Estados Unidos. No mesmo ano de 1979, as
empresas, bancos privados, bancos centrais e outros investidores pararam de aceitar
dólares como moeda mundial. Tornou-se clara para Paul Volker a real possibilidade do
colapso do dólar. A situação caminhava para uma crise financeira e uma pressão para
remonetizar o ouro Arrighi (2012); Hobsbawm (2008).
Os reveses do ano de 1979 finalmente convenceram o governo dos Estados Unidos de
que era hora de abandonar os confrontos com a alta finança privada, oriundos desde a
implantação do New Deal a partir de 1933, e de “buscar sua assistência por todos os meios
disponíveis, para recuperar a vantagem na luta global pelo poder”. A partir do último ano
da presidência de Carter e, especialmente a partir da presidência de Reagan, Washington
optou por vincular-se com os bancos e as empresas transnacionais estadunidenses. O
governo dos Estados Unidos e a alta finança forjaram uma nova “aliança memorável”.
No último ano da presidência de Carter, Washington fez uma brusca mudança nas
políticas monetárias efetuadas pelo Federal Reserve, sob a gestão de Paul Volker. Foi

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apenas um preâmbulo de toda uma série de medidas com o objetivo de restabelecer a
confiança no dólar e centralizar novamente a gestão do dinheiro mundial, agora sob
controle privado, nos Estados Unidos. A primeira medida foi a elevação da taxa de juros
a um patamar bem acima da inflação corrente para competir agressivamente pelo capital
circulante mundial (Arrighi, 2012, p. 325, 331 e 334).
Para impulsionar a nova regulamentação financeira, Reagan, que assumiu a presidência
em 1980, encontrou respaldo nas forças conservadoras da Grã-Bretanha com Margaret
Thatcher, eleita desde 1979, e nas forças conservadoras da Alemanha Ocidental com a
eleição de Helmuth Kohl em 1982. Estavam definidos os interesses de classe e a ideologia
orientadores da reconstituição do poder estadunidense. O New Deal estava encerrado e
Washington devolveu à Wall Street o comando das finanças Fiori (1998); Mariutti (2011).
Para centralizar novamente o capital circulante nos Estados Unidos, a política de juros
altos e manutenção do dólar forte de Washington foram complementadas e suplementadas
por um grande impulso na nova regulamentação financeira, proporcionando às empresas
e instituições financeiras estadunidenses ou de qualquer origem uma liberdade de ação
praticamente irrestrita nos Estados Unidos. Depois de migrar para Londres e outras praças
offshore ao redor do mundo, finalmente a elite financeira de Nova Iorque pôde se
centralizar novamente em sua própria casa na década de 1980, passando a desfrutar de
tanta liberdade de ação quanto em qualquer outro lugar, com a vantagem da proximidade
social e política do maior centro de poder mundial. A partir de então, o capital circulante
mundial se fixou nos títulos de dívida pública dos Estados Unidos negociados em dólar
em Wall Street, vistos como os títulos mais seguros do mercado Arrighi (2012); Campos
(2009).
Os fundamentos da Era de Ouro do capitalismo foram destruídos. As políticas do Estado
do Bem-estar Social baseadas na negociação entre empresários e trabalhadores
sindicalizados, a “economia mista” e a criação de uma burocracia estatal com o objetivo
de garantir a seguridade social foram atacadas. As novas políticas eram determinadas
pelos interesses patrimoniais das grandes burguesias globais interligados
transnacionalmente pelas redes financeiras sediadas em Wall Street Mariutti (2011).
Era o início das novas regulações financeiras e ajustes fiscais nos novos governos
conservadores. O Federal Reserve aboliu os controles dos movimentos de capitais de
curto prazo. Pouco tempo depois, os governos dos Estados Unidos e Grã-Bretanha
liberaram as taxas de juros. Um vasto processo de novas regulações monetária e
financeira permitiu o surgimento da interconexão global dos mercados de obrigações nos

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quais os governos lançavam títulos de dívida pública com o objetivo de financiar os seus
déficits. Em um efeito dominó, essas políticas passaram a ser adotadas nos demais países
centrais, mesmo em governos social-democratas e socialistas Fiori (1998).
O governo Reagan trouxe os adeptos da Guerra Fria novamente ao poder, aprofundando
a insanidade da febre militar e a retórica apocalíptica contra a União Soviética. A Segunda
Guerra Fria voltou ao radicalismo com a chegada de Reagan ao poder. Washington
decidiu agir em quatro frentes. Primeiro, apoiou as forças anticomunistas em todos os
lugares do planeta, intervindo em Angola, no Afeganistão, Nicarágua e Etiópia. A
segunda medida foi instalar uma nova rede de mísseis MX de médio alcance na Europa.
Uma segunda rede de mísseis foi instalada, sob controle da OTAN, com o objetivo de
ameaçar a União Soviética e controlar a rebeldia dos aliados europeus. A terceira medida
foi implantar o projeto militar da “Strategic Defense Initiative”, conhecido como “Guerra
nas Estrelas”. A quarta medida foi o reconhecimento diplomático da China, de acordo
com política externa outrora elaborada por Nixon e Kissinger Fiori (1998); Hobsbawm
(2008).
Os Estados Unidos também se voltaram para alvos de menor importância estratégica na
primeira metade da década de 1980, completando o redisciplinamento da periferia.
Washington se alinhou à Grã-Bretanha na Guerra das Malvinas e impôs um ajuste
econômico nos países endividados, especialmente da América Latina. Ao final da década,
a superpotência hegemônica armou uma guerra entre Irã e Iraque: seus principais
adversários no mundo do fundamentalismo islâmico Fiori (1998).
A União Soviética começou a desmoronar quando foi desafiada à nova corrida
armamentista na Segunda Guerra Fria. O país não podia mais arcar com esse tipo de
dispêndio e com a presença militar global. Mikhail Gorbatchev chegou ao poder em 1985
com o objetivo de mudar a situação do país. Seu objetivo imediato era encerrar o mais
cedo possível o confronto da Segunda Guerra Fria. E conseguiu êxito, convencendo os
governos do Ocidente de que a União Soviética não tinha intenção de continuar com a
insana corrida armamentista Hobsbawm (2008); Mariutti (2011); Arrighi (2012). A partir
da conferência na Islândia, a Guerra Fria caminhou para o seu desfecho. Hobsbawm
descreve os eventos da seguinte forma:

A Guerra Fria acabou quando uma ou ambas superpotências reconheceram o sinistro absurdo da corrida
nuclear, e quando uma acreditou na sinceridade do desejo da outra de acabar com a ameaça nuclear.
Provavelmente era mais fácil para um líder soviético que para um americano tomar essa iniciativa, porque,
ao contrário de Washington, Moscou jamais encarara a Guerra Fria como uma cruzada, talvez porque não
precisasse levar em conta uma excitada opinião pública. Por outro lado, exatamente por isso, seria mais

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difícil para um líder soviético convencer o Ocidente de que falava sério. (...). Para fins práticos, a Guerra
Fria terminou nas duas conferências de cúpula de Reykjavik (1986) e Washington (1987). (Hobsbawm,
2008, p. 246).

As políticas de Ronald Reagan claramente tinham o objetivo de apagar as humilhações


sofridas pelos Estados Unidos na década de 1970. O seu governo quis demonstrar a
inquestionável supremacia e invulnerabilidade do país e o fez com gestos de poderio
militar contra alvos de menor importância. As forças armadas estadunidenses invadiram
Granada em 1983, realizaram maciços ataques aéreos e navais na Líbia, em 1986 e
invadiram o Panamá, em 1989. A própria guerra do Golfo contra o Iraque, em 1991, pode
ser entendida como uma compensação tardia pelos choques dos preços do petróleo em
1973 e 1979 Hobsbawm (2008); Fiori (1998).
Ao mesmo tempo, as novas regulações financeiras ganhavam novo fôlego com a fácil
reeleição de Reagan, Thatcher e Kohl, e com a maioria dos governos europeus apoiando
as novas diretrizes econômicas, políticas e sociais. O governo da Grã-Bretanha liberou o
seu mercado de capitais em 1986. Washington tentou organizar o livre comércio
internacional a partir da Rodada Uruguai e apresentou planos de renegociações de dívidas
para os países periféricos. O FMI e o Banco Mundial assumiram novas funções, tornando-
se instituições especializadas na administração coordenada das políticas econômicas dos
países endividados Fiori (1998).
As forças ultraconservadoras iniciam um programa de políticas econômicas e reformas
institucionais com o objetivo de abrir as economias dos países periféricos a partir de 1989,
especialmente dos países ex-socialistas e da América Latina. Trata-se do “Consenso de
Washington”. Os programas incluíam privatizações do setor público e concatenação de
seus programas de estabilização econômica com a oferta de capital dos bancos e empresas
transnacionais. Com o passar dos anos, as elites destes países se submeteram e se
ajustaram à nova realidade, começando a competir pelos investimentos estrangeiros por
meio de políticas de desregulação econômica e desoneração fiscal cada vez mais
agressivas Fiori (1998).
Enfim, amparadas pelo governo dos Estados Unidos, as grandes burguesias dos países
centrais pressionaram pela abertura comercial e financeira de alguns países do Oriente
Médio, do antigo bloco soviético e, especialmente da América Latina. As classes
dominantes destes países foram aliciadas por meio de pressões econômicas, chantagens
militares e pelas novas fontes de riqueza e consumo conspícuo. A abertura foi comandada
por uma lógica patrimonial envolvendo a privatização de empresas públicas e/ou a sua

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abertura para o capital externo, além da aquisição de empresas privadas. O principal setor
de atuação do capital transnacional foi o de serviços e utilidades públicas Mariutti (2011).

2. A quebra da unidade da classe trabalhadora e a vingança do capital contra o


trabalho
A combinação de pleno emprego com massificação do consumo característica dos “anos
dourados” transformou completamente a vida dos operários nos países centrais. Eles não
mais se viam como pobres ao comparar o seu próprio padrão de vida com o de outrora ou
de seus pais. Além disso, os novos bens e serviços tornaram privativas muitas das
atividades antes realizadas no espaço público: a televisão tornava desnecessário ir ao jogo
de futebol, o vídeo K7 tomava o lugar do cinema, o telefone substituía as conversas com
amigos na praça ou feira. Durante a Era de Ouro, alguma riqueza ficou ao alcance da
maioria. Os jovens operários podiam gastar com algum luxo como automóveis e alta-
costura antes do casamento e as despesas domésticas dominarem seu orçamento. As
diversões outrora disponíveis aos milionários se tornaram disponíveis na mais modesta
sala de visitas Hobsbawm (2008).
A prosperidade e a privatização destruíram a pobreza e a coletividade fundamentais na
constituição da classe trabalhadora. Hobsbawm resume a questão da seguinte forma:

Em suma, o pleno emprego e uma sociedade de consumo orientados para um verdadeiro mercado de massa
colocavam a maior parte da classe operária nos velhos países desenvolvidos, pelo menos durante parte de
suas vidas, bem acima do patamar abaixo do qual seus pais, ou eles próprios, tinham vivido outrora, quando
se gastava a renda sobretudo com necessidades básicas. (Hobsbawm, 2008, p. 301).

O diagnóstico neoliberal apontava as crises da década de 1970 como crises de


governabilidade provocadas pelos excessos das democracias de massa estimuladas pelas
políticas de gasto público, em especial de gasto social. Neste sentido, os governos de
centro e moderadamente social democrata foram responsabilizados pela inflação,
estagnação econômica e aumento das dívidas públicas gerados, em maior ou menor grau,
pelo gasto público com seguridade social. Como justificativa para retirar o capitalismo da
crise, a direita ultraconservadora transformou em políticas de valor universal o equilíbrio
fiscal, nova regulamentação dos mercados, a abertura das economias nacionais e a
privatização dos serviços públicos. Eles também apontaram a necessidade de diminuir a
participação dos trabalhadores nas decisões governamentais e impor disciplina ao mundo
do trabalho. Os governos Estados Unidos e da Grã-Bretanha começaram a combater
ferozmente muitas paralisações dos trabalhadores e reformaram as legislações

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trabalhistas, reduzindo os direitos dos sindicatos e a possibilidade de realização de greves.
Alguns anos mais tarde, os governos de ambos dos países fizeram ajustes fiscais e na Grã-
Bretanha um programa de privatizações foi iniciado na segunda metade da década de
1980 Fiori (1998); Hobsbawm (2008).
Políticos e ideólogos voltaram ao laissez-faire de forma ultrarradical, criticando e
tentando reduzir as funções sociais do Estado a qualquer preço. Eles argumentam que os
serviços prestados pelo poder público são indesejados ou podem ser prestados pelo
“mercado” de forma melhor, mais eficiente e mais barata. Neste sentido, o Estado
começou a abandonar serviços públicos como os correios, cadeias, escolas, fornecimento
de água, policiamento e até mesmo exército para repassá-los a empresas privadas
operando com fins lucrativos. Os funcionários públicos são substituídos por trabalhadores
com contratos comerciais Hobsbawm (2013).
Com o fim do período do pleno emprego, as fissuras entre os diferentes setores da classe
operária se alargaram. As pressões para retirada das políticas de proteção social
penalizaram os setores mais fracos da classe trabalhadora. Além disso, os supervisores e
trabalhadores qualificados tiveram mais facilidade em se adaptar às novas tecnologias. A
situação dos trabalhadores mais qualificados chegava a permitir que eles se beneficiassem
com o livre mercado. Assim, quando na Grã-Bretanha de Thatcher a proteção social
estatal começou a ser desmantelada e os sindicatos começaram a ser combatidos, 20%
dos operários menos qualificados ficaram em situação pior que a dos operários do final
do século XIX. Já os 10% dos operários que eram mais qualificados contavam com
rendimentos três vezes maiores que os 10% com rendimentos inferiores Hobsbawm
(2008).
As transformações nos processos produtivos e as fronteiras cada vez maiores entre
trabalho braçal e não braçal dissolveram a unidade da classe operária. Na Grã-Bretanha,
foi revivida a antiga divisão vitoriana entre pobres “respeitáveis” e “não-respeitáveis”. O
governo Thatcher dependia do rompimento dos trabalhadores qualificados com o Partido
Trabalhista. Isso foi possível com a nova realidade da classe trabalhadora. Para os
operários qualificados, os seus impostos estavam servindo para subsidiar a subclasse que
vivia dos mecanismos de proteção social. Pela primeira vez, os trabalhadores
“respeitáveis” e qualificados viram-se como defensores da direita. A quebra na unidade
da classe trabalhadora fez desmoronar o bloco trabalhista Hobsbawm (2008).
Foi o início de uma vingança do capital contra o trabalho. Os trabalhadores e sindicatos
foram derrotados, sofrendo reduções salariais, perda de empregos e direitos sociais em

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todos os países, mesmo naqueles governados por partidos socialistas como a Espanha,
França, Itália, Grécia e Portugal. Os movimentos trabalhistas foram colocados na
defensiva pelas novas legislações e desemprego produzido pelos ajustes fiscais. Com a
desintegração da União Soviética, o espectro do comunismo afastou-se definitivamente
da Europa, desfazendo os últimos medos das classes dominantes. Os movimentos
trabalhistas chegaram a desaparecer da política da Europa e dos Estados Unidos na década
de 1990. O antigo consenso em torno do crescimento econômico, pleno emprego e busca
pela redução da desigualdade foram substituídos pelo novo consenso em torno do
equilíbrio macroeconômico, competitividade global e eficácia empresarial e individual
Fiori (1998).

3. A consolidação da economia transnacional/mundial


A corrida armamentista da Guerra Fria foi uma das grandes responsáveis por impulsionar
a vanguarda da concorrência capitalista “para novas fronteiras: a tecnologia da
informação (telemática), robótica, eletroeletrônica, genética, nanotecnologia, química
fina e novos materiais” (Mariutti, 2014, p.11).
A amplitude e o alcance da economia transnacional, nascente ao final da década de 1960,
atingiram um patamar superior com a aplicação das tecnologias do complexo eletrônico
nos processos industriais. O desenvolvimento da microeletrônica esteve no cerne desta
onda de inovações:

A aplicação (ou criação por meio dela) da microeletrônica de uma base tecnológica comum a uma
constelação de produtos e serviços agrupou um conjunto de indústrias, setores e segmentos na forma de um
“complexo eletrônico”, densamente intra-articulado pela convergência intrínseca da tecnologia da
informação. A formação desse poderoso cluster de inovações capazes de penetrar amplamente (uso
generalizado), direta ou indiretamente, todos os setores da economia configura a formação de um novo
paradigma tecnológico (...) (Coutinho, 1992, p. 70).

Uma das principais tendências da expansão do complexo eletrônico foi a formação de


alianças tecnológicas entre empresas concorrentes como uma forma de competição. O
objetivo destas alianças é dividir os crescentes custos e riscos de P&D, devido aos ciclos
de vida cada vez menores dos produtos e processos, além de dividir os custos da luta para
impor padrões de mercado. Essas alianças são consolidadas através de acordos de
cooperação, projetos conjuntos, consórcios de pesquisa, joint ventures, etc. As
associações tecnológicas são feitas predominantemente entre empresas concorrentes de
mesma origem nacional ou regional, inclusive como forma de enfrentar a concorrência
para a conquista de mercados mundiais. Coutinho (1992). Todavia, merece destaque a

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ocorrência de alianças tecnológicas entre empresas concorrentes de diferentes origens
nacionais. Nas palavras de Luciano Coutinho:

Há contudo a ocorrência (visivelmente minoritária, porém significativa) de alianças entre protagonistas de


diferentes origens (ou, como alguns autores preferem, alianças trilaterais), envolvendo empresas japonesas,
européias, americanas. Essas alianças tendem a ocorrer como resultado de duas características: (a)
envolvem empresas que operam e concorrem em mercados mundiais, isto é, fazem parte de oligopólios
globais; (b) envolvem em geral, empresas fortes em segmentos distintos de mercado e que apresentam alto
grau de complementaridade em seus perfis tecnológicos, de tal forma que os benefícios da cooperação
tendem a superar os riscos de erosão das bases de mercado de cada protagonista. As parcerias
supranacionais mais freqüentes na área do complexo eletrônico envolvem as seguintes empresas líderes:
ATT, IBM, GTE, Motorola, Siemens, Toshiba, Fujitsu, NTT. (Coutinho, 1992, p. 85-6).

É necessário destacar que as alianças tecnológicas entre empresas concorrentes como um


todo não significam uma tendência indiscriminada para a ampliação da cooperação de
forma não competitiva. As alianças tecnológicas possuem caráter pragmático e
temporário com o objetivo de conseguir vantagens oriundas da inovação ou imposição de
padrões benéficas ao grupo. A aliança tecnologia entre algumas empresas de determinada
indústria obriga as empresas rivais a se organizarem de forma semelhante. Portanto, as
alianças tecnológicas entre empresas concorrentes devem ser vistas como uma forma de
intensificação da concorrência oligopolista Coutinho (1992).
O avanço das telecomunicações e seu entrelaçamento com a informática possibilitaram
formar redes internas capazes de informar e controlar funções em diferentes níveis. Com
esses avanços tecnológicos, as empresas conseguiram reduzir seu tamanho organizacional
e os custos de transação entre as suas próprias hierarquias e passaram a gerenciar de forma
eficaz a coordenação das suas operações. A informatização das redes internas das
empresas viabilizou a prática extensiva de aquisição de produtos e serviços de todos os
recursos do mesmo grupo empresarial, especialmente dos conhecimentos das atividades
de P&D. Com a evolução da telemática, as empresas transnacionais abandonaram as suas
clássicas estruturas multidivisionais, “em busca de novos arranjos globais, combinando-
se formas de descentralização regional ou por grupos de produtos com centros de serviço
globais para finanças, trading, P&D, processamento de dados, transportes” (Coutinho,
1992, p. 76).
A internalização das inovações da microeletrônica e da telemática permitiu às empresas
transnacionais mudarem de estratégia. Foi possível integrar as cadeias produtivas da
matriz e das filiais de forma a focar nas etapas mais nobres da produção e garantir maior
controle e rentabilidade. As etapas não prioritárias e menos estratégicas da produção

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passaram a ser terceirizadas para empresas e regiões de menor valor agregado ou força
de trabalho mais barata. A empresa transnacional se tornou global e o seu comando central
subordina diferentes cadeias produtivas e subcontratadas pelo planeta. Neste sentido, as
filiais das empresas transnacionais se desvincularam dos nexos locais com o objetivo de
formar um sistema produtivo mundial integrado à matriz e cada vez mais independente
das particularidades dos países hospedeiros. A empresa transnacional se fragmentou em
várias partes, por diversos países, passando a integrar uma rede única corporativa Campos
(2009).
As grandes empresas passaram a se concentrar nas operações financeiras e Pesquisa e
Desenvolvimento, criando uma ampla, diversificada e fragmentada rede de produção
transnacional baseada na terceirização. Diante das novas tecnologias e da integração dos
mercados nacionais, as empresas transnacionais elevaram substancialmente a sua
capacidade gerencial, aprimorando as cadeias de suprimento e distribuição, promovendo
economias de escala e escopo, reduzindo estoques e desperdícios. Essas transformações
possibilitaram a aceleração o ciclo de produção e a rápida adaptação às flutuações de
mercado e padrões de consumo Mariutti (2014).
Com a abertura comercial e financeira, as empresas transnacionais adotaram uma
estratégia financeira e tecnológica global amparada por uma administração regional de
produção e comércio. A concorrência entre produtos de tecnologia de ponta se concentrou
nos países centrais e regiões da Ásia. A produção de recursos naturais, componentes
rudimentares e a montagem de produtos de nível tecnológico baixo ou intermediário se
concentrou nos países periféricos. Esse novo padrão de investimentos e produção
consolidou as operações intrafirmas, alterando definitivamente o comércio internacional
Mariutti (2011).
A consolidação da economia transnacional aprofundou a diferenciação entre os
capitalistas transacionais e nacionais. Os capitalistas globais se beneficiam da ordem
estabelecida. São capazes de reduzir custos de produção utilizando força de trabalho mais
barata dos países periféricos. A economia transnacional gerou um exército de reserva de
trabalhadores a nível global, possibilitando aos grandes capitalistas mundiais explorar na
periferia força de trabalho com a mesma qualificação da encontrada nos países centrais,
mas por uma fração do preço Hobsbawm (2013). Os capitalistas nacionais, por sua vez,
continuam restritos à atuação local, sem a alternativa de distribuir a sua produção e
explorar força de trabalho a nível global.

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A diferenciação entre trabalhadores estabelecidos e não estabelecidos também foi
aprofundada. Trabalhadores com formação superior e profissionais do setor de alta
tecnologia têm a possibilidade de conseguir emprego em economias de alta renda. Mas a
grande maioria da população não possui alternativa senão integrar o exército global de
reserva de trabalhadores. Os trabalhadores dos países centrais sofrem pressões de todos
os lados. Os mais qualificados competem com os trabalhadores dos países periféricos de
mesma qualificação, mas que recebem uma fração do seu salário. Os trabalhadores sem
qualificação dos países centrais concorrem com os imigrantes vindos das grandes zonas
globais de pobreza. Além disso, o que restou do Estado do Bem-estar Social dos países
centrais têm dificuldades cada vez maiores de proteger o padrão de vida dos seus
trabalhadores Hobsbawm (2013).
A economia transnacional aumentou das desigualdades sociais no interior dos países e
entre eles. Esse surto de desigualdade e extrema instabilidade social estão na base das
tensões sociais e políticas do início do século XXI. Em busca de melhores condições de
vida, uma massa crescente de trabalhadores imigra das regiões mais pobres para as mais
ricas do planeta, especialmente para a Europa e os Estados Unidos, intensificando a
xenofobia. Para as populações locais, esse crescente fluxo imigratório representa uma
ameaça à sua identidade cultural e oportunidades de vida, reforçando a longa tradição de
hostilidade e resistência aos imigrantes Hobsbawm (2013).
Enfim, o globo se tornou uma unidade operacional única e as antigas economias nacionais
sujeitas às políticas de Estados territoriais nada mais são do que complicadores para as
empresas transnacionais Hobsbawm (2008). A empresa transnacional se consolidou,
desvinculando-se quase que completamente dos Estados nacionais. As grandes
burguesias passaram a efetivamente atuar de forma global

4. O alinhamento das classes sociais e da ordem mundial do pós-Guerra Fria


A fração de classe hegemônica estadunidense elevada à condição de classe hegemônica
da ordem mundial do pós-Guerra Fria é formada basicamente por três setores: a alta
finança atuante a nível global, a burguesia ligada à tecnologia de ponta do complexo
industrial-militar estadunidense e o establisment político dos Estados Unidos sediado em
Washington. Eles estão articulados da seguinte forma:

O financiamento do complexo industrial-militar, fonte da supremacia política dos EUA e mecanismo de


manutenção da liderança industrial em setores de ponta, depende da centralidade de Wall Street e dos
títulos públicos norte-americanos na alta finança internacional. Esta por sua vez, por penetrar no interior

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das diversas sociedades civis, ajuda a sustentar, de dentro para fora, o status quo da política internacional.
(Mariutti, 2009, p. 62).

Trata-se de uma conexão entre os interesses econômicos privados das grandes empresas
de origem estadunidense e o governo dos Estados Unidos. A preponderância militar
estadunidense é o pilar fundamental da distribuição de poder na ordem mundial do pós-
Guerra Fria e dissuade os países mais relevantes a iniciar qualquer projeto nacional
autárquico capaz de questionar a ordem estabelecida. Neste sentido, o poder militar e
econômico da classe hegemônica estadunidense é capaz de desestruturar forças sociais
nacionalistas ou alianças entre grupos de Estados capazes de atacar o status quo. Os
planejadores de Washington operam de maneira a prevenir a formação de uma hegemonia
regional na Europa ou Ásia através da “manipulação do equilíbrio de poder e de uma
combinação entre coerção e sedução econômica” (Mariutti, 2009, p. 62).
A classe hegemônica estadunidense conseguiu a aquiescência e se vinculou com as
grandes burguesias transnacionais oriundas da Europa Ocidental e do Japão por meio de
dois movimentos. Primeiro, a classe hegemônica estadunidense simplesmente beneficiou
a consolidação da economia transnacional já em curso na década de 1980 por meio da
promoção da abertura comercial e financeira em todo o globo. Segundo, fomentando e
apoiando o combate generalizado à classe trabalhadora e movimentos comunistas
também a nível global.
As grandes burguesias globais (em geral de origem europeia e japonesa) consentiram
prontamente com a nova ordem em construção e se vincularam à classe hegemônica
estadunidense. As concessões e benefícios gerados pela abertura comercial e financeira,
além do feroz combate aos movimentos trabalhistas e comunistas acelerou o
deslocamento da produção por diversas partes do mundo e a conquista de novos mercados
às grandes burguesias mundiais.
Uma série de fatores veio a consolidar os vínculos entre as grandes burguesias
transnacionais na ordem mundial contemporânea, garantindo uma coesão mínima entre
essas grandes burguesias de forma a constituir uma classe de atuação global.
O entrelaçamento entre as grandes burguesias dos países centrais oriundo da
internacionalização produtiva da década de 1950; a interconexão global entre os
mercados cambiais, financeiros, de valores e títulos de dívida pública, facilitada pela
desregulamentação financeira; o investimento das burguesias oriundas de distintos países
em títulos da dívida pública dos Estados Unidos e as alianças tecnológicas envolvendo
empresas originárias dos Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão em torno dos

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oligopólios com produtos e serviços portadores das tecnologias da terceira revolução
industrial resultaram em um intenso processo de interpenetração patrimonial entre as
grandes burguesias dos países centrais. Nas palavras de Luciano Coutinho:

A interpenetração patrimonial entre as economias capitalistas pode ser visualizada pela posição líquida
“devedora” do grande capital americano vis-à-vis os seus competidores: isto é, o total de ativos de
propriedade americana no resto do mundo é, desde 1986, inferior ao total de ativos sob controle estrangeiro
nos EUA. Isso se deve, principalmente, aos pesados influxos de investimentos japoneses e europeus na
economia americana. Paralelamente, efetuaram-se significativos investimentos japoneses na Europa. Essa
interpenetração capitalista em grande escala tem funcionado, em larga medida, como fator de aglutinação
internacional de interesses das “superburguesias” nacionais – por exemplo, uma “derrocada” do mercado
de capitais ou do mercado financeiro norte americano não apenas afeta a burguesia dos EUA mas também
impõe perdas significativas para os grandes capitalistas japoneses e europeus que detêm parte não
desprezível da propriedade desses ativos naquele país. (Coutinho, 1992, p. 81-2).

Neste sentido, a ordem mundial do pós-Guerra-Fria caracteriza-se pela “gestação de uma


classe dominante com um caráter progressivamente transnacional” (Mariutti, 2009, p.
70). Apesar de não estarem completamente desvinculadas de seus países de origem, as
grandes burguesias globais consolidaram vínculos cada vez mais efetivos entre si por
meio do processo de interpenetração patrimonial, tornando-se uma classe com algum grau
de coesão.
Os vínculos transnacionais que unem as essas classes proprietárias são bastante fortes,
mas a sua existência depende da classe hegemônica estadunidense, ou seja, da simbiose
entre o grande capital estadunidense, da preponderância militar de Washington e da
estrutura monetária e financeira global centrada no dólar Mariutti (2009). Neste sentido,
diante da classe hegemônica estadunidense “estão entrelaçados os interesses do capital
financeiro de distintas origens nacionais” (Braga & Cintra, 2007, p. 254).
A consolidação da economia transnacional teve como consequência a reestruturação das
sociedades nacionais e o aprofundamento, senão a consolidação, da estrutura de classes
global. Neste contexto, podemos dizer que a ordem mundial do pós-Guerra Fria é
“dirigida por uma classe transnacional de administradores que consiste em diversas
frações (norte-americana, europeia, japonesa)” (Cox, 2007, 369).
Os vínculos transnacionais que unem a classe hegemônica estadunidense com as grandes
burguesias da Europa Ocidental e do Japão são tão profundos e a hegemonia global
estadunidense está tão arraigada que se tornou possível administradores estadunidenses,
europeus e japoneses dirigirem conjuntamente o capitalismo contemporâneo. Apesar de
tamanha sobreposição de interesses, jamais esteve suspensa a rivalidades imperialista
entre as burguesias dos países centrais assentada em seus respectivos Estados nacionais.
Simplesmente, as disputas imperialistas se tornaram mais complexas neste contexto de

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extrema sobreposição de interesses baseados na interpenetração patrimonial e na
consolidação da economia global.
A consolidação da economia transnacional e a abertura comercial e financeira conferem
às burguesias mundiais um poder de aliciamento gigantesco. A economia transnacional
gera nichos de mercado que podem ser aproveitados pelas burguesias nacionais. Por isso,
esses grupos não resistem aos investimentos estrangeiros e lutam por ele tentando se
associar, mesmo de forma subordinada, às burguesias transnacionais com o objetivo de
se tornarem seus fornecedores na produção transnacional. Além disso, os governos
tentam a todo custo atrair investimentos das grandes burguesias globais para gerar
empregos em seus países e para conseguir dólares para financiar as contas nacionais
Mariutti (2009).
Contudo, de forma alguma a nova ordem estabelecida está baseada na dissolução do
Estado nacional. A ordem mundial do pós-Guerra Fria tem como pilar a preponderância
militar dos Estados Unidos e o dólar. Além disso, apesar de alguma resistência inicial, as
classes dominantes de grande parte dos países se associaram à classe hegemônica mundial
e às “redes plutocráticas incrustadas nas sociedades dos países desenvolvidos” e
participam ativamente da abertura comercial e as novas regulamentações financeiras
(Mariutti, 2011, p. 30, nota 6).
A classe dominante transnacional, os trabalhadores extremamente qualificados e até
mesmo parte de seus serviçais mais destacados se tornaram mais um pilar conservador
das sociedades nas quais eles penetram, produzindo uma

(...) tendência crescente à diversificação do consumo que redefiniu o papel de boa parte da classe média,
convertendo-a em estafetas de luxo, destinados a prover, de forma resignada e subserviente, as
extravagâncias dos muito ricos. Não é de se estranhar, portanto, por que a reação conservadora teve tanto
sucesso. Os interesses da classe proprietária transnacional se mesclam aos de seus serviçais mais destacados
em pontos muito precisos: i) a concentração de renda mediada pelo consumo conspícuo, base de toda esta
forma de sociabilidade; ii) a desregulamentação financeira; iii) um sistema fiscal baseado no deslocamento
dos impostos da cúpula da base da sociedade; iv) a contenção da inflação e a “disciplina” fiscal do Estado;
e v) privatização seletiva: a esfera privada investe nas atividades sob domínio público mais lucrativas e
transfere o ônus das atividades menos rentáveis para o Estado. (Mariutti, 2009, p. 71).

Nas últimas décadas ficou claro a emergência da China como potência global e a sua
articulação com os Estados Unidos. A China se tornou grande receptora de investimento
direto estrangeiro das empresas transnacionais dos países centrais, especialmente das
empresas de origem estadunidense. O país se tornou o elo final de toda uma cadeia
produtiva na Ásia cujos destinos finais das exportações são os próprios países centrais,
em especial, os Estados Unidos. O baixo custo da força de trabalho chinesa permitiu

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baratear os produtos finais, reduzindo a inflação e estimulando o consumismo nos Estados
Unidos. Com os dólares oriundos deste enorme saldo comercial, a burguesia chinesa se
tornou a maior compradora de títulos de dívida pública estadunidense desde meados da
década de 1990, financiando o déficit público da potência hegemônica. Ao mesmo tempo,
as empresas transnacionais chinesas expandem as suas operações comprando terras e
mineradoras nos países periféricos e ampliam seu controle sobre recursos naturais
Mariutti (2011); Campos (2009).
Contudo, a articulação sino-estadunidense traz consigo muitas contradições. As finanças
públicas dos Estados Unidos são pressionadas pelo déficit comercial gerado pelas
importações de produtos. A sociedade estadunidense sofre com a perda de empregos e a
precarização do trabalho devido à fuga das grandes empresas para a Ásia. A princípio, a
relação com os Estados Unidos parece conferir muito poder à China devido ao acesso ao
mercado estadunidense e controle sobre grande parte das economias asiáticas
exportadoras de commodities para o seu mercado interno. Porém, a China é dependente
do mercado consumidor dos Estados Unidos e dos serviços dos bancos de origem
estadunidense para administrar as suas reservas em dólar. Mariutti (2011). Além disso, o
crescimento econômico e, em certa medida, a Pesquisa & Desenvolvimento da China
estão atrelados às empresas transnacionais oriundas dos países centrais.
Mas a grande burguesia de origem estadunidense é a maior beneficiada pela ordem
estabelecida. As suas empresas transnacionais produzem na China utilizando grandes
economias de escala e força de trabalho ultra explorada. Depois exportam seus produtos
para o mundo todo, em especial para os próprios Estados Unidos, auferindo grandes
lucros. Além disso, a grande burguesia de origem estadunidense consegue escapar das
tributações em ambos dos países e deposita os seus lucros nas praças offshore Mariutti
(2011).
Todavia, a crise econômica iniciada em 2007 começou a abalar os fundamentos da ordem
mundial do pós-Guerra Fria. Mas a alta finança dos países centrais está conseguindo se
salvar da crise por meio da pilhagem sistêmica do setor público. De forma autoritária, os
problemas causados pela iniciativa privada estão sendo impostos à população. Neste
sentido, fica bem claro que a chamada globalização nada mais é que uma etapa do
imperialismo no pós-Guerra Fria. O poder e a arbitrariedade do Estado são ampliados em
escala transnacional em uma relação entre a preponderância dos Estados Unidos e as
outras grandes potências para administrar preservar o capital global Mariutti (2013);
Mariutti (2014).

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A despeito do discurso sobre o Estado mínimo ou a sua não intervenção na economia, ou
ainda de um poder público enfraquecido pelos poderes transnacionais, fica cada vez mais
evidente que o Estado continua a ter papel fundamental no capitalismo contemporâneo.
Ellen Wood resume a questão da seguinte forma:

Aqui, a alegação não é que o poder do capital em condições de “globalização” tenha fugido ao controle
estatal e tornado o Estado territorial cada vez mais irrelevante. Pelo contrário, meu argumento é que o
Estado é hoje mais essencial do que nunca para o capital, mesmo – ou especialmente – na sua forma global.
A forma política da globalização não é um Estado global, mas um sistema global de Estados múltiplos, e a
forma específica do novo imperialismo vem da relação complexa e contraditória entre o poder econômico
expansivo do capital e o alcance mais limitado da força extraeconômica que o sustenta. (Wood, 2014, p.18).

Na mesma linha de argumentação, Sampaio Júnior afirma que o Estado está mais forte
do que nunca para defender os interesses do grande capital, em detrimento das suas
funções de atender as necessidades da população. Nas palavras do autor:

Quando é para defender e impulsionar os interesses do grande capital, o poder estatal se revela mais forte
do que nunca. O que ficou definitivamente comprometido é o caráter público do Estado, sua atuação em
função de interesses que, de que alguma forma, contemplem as necessidades do conjunto da população.
(Sampaio Jr., 2011, p. 9-10).

A hegemonia estadunidense na ordem mundial do pós-Guerra Fria está comprometida


por ao menos duas fontes. A primeira são as tensões na sociedade estadunidense. Apesar
de não conseguir se contrapor politicamente à plutocracia vinculada à alta finança, aos
grandes varejistas, à indústria do entretenimento e às empresas transnacionais, a ampla e
heterogênea camada dos descontentes com a ordem estabelecida está cada vez mais
insatisfeita. A segunda fonte é o limite da superioridade militar dos Estados Unidos.
Nenhum país pode fazer frente aos Estados Unidos em uma guerra convencional devido
à sua capacidade de destruição contra países urbano-industriais. Mas uma guerra contra
países de poderio militar significativo, como a Rússia e a China, poderia abalar as redes
plutocráticas e a economia transnacional vinculada à alta finança. Washington só pode
recorrer à força contra países militarmente irrelevantes Mariutti (2013).
A Rússia começou a reagir à expansão da OTAN liderada pelos Estados Unidos em 2008.
O país parecia estar prestes a se tornar mais um Estado falido. Mas o governo Putin se
esforçou para reconstruir o Estado russo. Contudo, se essa reconstrução for bem-sucedida,
a Rússia pode não continuar satisfeita com o seu status quo de potência regional. Até
agora a reconstrução mostra relativo sucesso. A capacidade militar da Rússia atraiu
Washington para novas negociações sobre a diminuição conjunta de armamentos
nucleares Mariutti (2009); Hobsbawm (2013).

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A China aumentou o seu arsenal nuclear e variou os seus meios de lançamento garantindo
a dissuasão nuclear. Pequim testou com sucesso um míssil anti-satélite em 2007. Outra
iniciativa foi o projeto “Carrier-Killer”, um míssil potencialmente capaz de destruir os
porta-aviões estadunidenses no Oceano Pacífico. Se esses satélites forem destruídos, seria
difícil monitorar a movimentação das topas chinesas. Se os porta-aviões estadunidenses
forem destruídos, Washington teria de recorrer às bases aéreas localizadas nos países
aliados vizinhos da China. Mas esses países poderiam recusar apoio aos Estados Unidos
frente à uma China hostil Mariutti (2013).
A própria superioridade dos Estados Unidos em armamentos nucleares e convencionais
coloca o país diante de um paradoxo. Quanto maior a sua superioridade militar, mais
atrativas as armas nucleares se tornam para os países menos poderosos devido à sua
capacidade de dissuasão a custos relativamente baixos. Além disso, a assimetria militar
dos Estados Unidos com relação aos países mais fracos engendra como resposta a
generalização das táticas de guerrilha e o terrorismo Mariutti (2013).
Neste sentido os fundamentos da Ordem Mundial do pós-Guerra Fria estão mostrando
fissuras dentro e fora dos Estados Unidos:

No espaço interno, a intensificação do conflito social é a regra em praticamente todos os Estados. A


articulação entre a elevação da temperatura política no plano interestatal e a tensão no interior das
sociedades é um claro sinal de que mudanças profundas estão acontecendo. E é exatamente este quadro de
tensão generalizada que abre espaço para as possibilidades emancipatórias, isto é, a deflagração da luta
anticapitalista, travada simultaneamente em todos os flancos. Entretanto, por outro lado, é exatamente essa
percepção da possibilidade de mudança que engendra os movimentos de cunho reacionário e, sobretudo, o
reforço do militarismo e dos movimentos estatais de vigilância e repressão aos movimentos sociais (...)
(Mariutti, 2014, p. 12).

Apesar dos abalos e crescente descontentamento social, os fundamentos da ordem


mundial do pós-Guerra Fria ainda permanecem. Resta saber se os movimentos
anticapitalistas terão poder para transformar a realidade.
CONCLUSÃO
A ordem mundial do pós-Guerra Fria está baseada na reconstituição da hegemonia
estadunidense a partir dos vínculos estabelecidos entre o grande capital estadunidense, a
burguesia estadunidense ligada ao complexo industrial-militar e Washington. A classe
hegemônica estadunidense recolocou Wall Street e o dólar no comando das finanças
globais. E conseguiu a aquiescência das burguesias transnacionais da Europa Ocidental e
do Japão promovendo a abertura comercial e financeira, além do combate a movimentos
trabalhistas e comunistas.

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Porém, uma série de fatores podem alimentar possíveis movimentos contra hegemônicos
à ordem estadunidense. A crise econômica que se arrasta desde 2007, a crescente
insatisfação da classe trabalhadora tanto nos países centrais como periféricos, as novas
formas de ataques terroristas e guerrilhas e a ascensão da Rússia e da China como
potências. Na última década a somatória de insatisfações com a ordem mundial aumentou
ainda mais. Movimentos populares contra o neoliberalismo explodiram no Brasil em 2013
e no Chile em 2019. As tensões na Venezuela atraíram a Rússia e a China para o solo
latino americano, tradicional área de influência dos Estados Unidos. Por fim, a epidemia
de COVID-19 pode chegar a fomentar movimentos anti sistêmicos.
Uma crise generalizada pode afastar definitivamente as burguesias da Europa Ocidental,
Japão, e até mesmo da China da classe hegemônica estadunidense. Este cenário turbulento
pode perturbar a sobreposição de interesses que sustentam a economia transnacional e a
estrutura monetária e financeira centrada no dólar. As fontes de financiamento do
militarismo estadunidense estariam comprometidas, debilitando um dos principais
fundamentos da ordem mundial do pós-Guerra Fria.

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