Arquitetura Mbyá-Guarani em Área de Mata Atlântica: Tipologia Arquitetônica Da Casa de Xaxim Do Tekoá Nhüu Porã - Maquiné/Rs
Arquitetura Mbyá-Guarani em Área de Mata Atlântica: Tipologia Arquitetônica Da Casa de Xaxim Do Tekoá Nhüu Porã - Maquiné/Rs
Arquitetura Mbyá-Guarani em Área de Mata Atlântica: Tipologia Arquitetônica Da Casa de Xaxim Do Tekoá Nhüu Porã - Maquiné/Rs
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Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil.
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Os nomes dos povos indígenas são escritos no singular, assim como as palavras na língua Guarani, pois
nesta língua não existe a forma plural (Felipim, 2001). Além disso, todas as palavras em Guarani são
oxítonas e, para uma melhor leitura, estarão acentuadas e destacadas em itálico, com exceção dos nomes
de grupo(s) ou subgrupo(s) e nomes próprios.
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Tekoá significa, na língua e na perspectiva Guarani, um espaço com paisagens e características
específicas relacionadas a ambientes ideais onde a comunidade pode viver segundo seu “modo de ser” –
tekó ou rekó. Na literatura, tekoá é traduzido normalmente como “, cujo o termo está relacionado à
imposição histórica de reservas indígenas fechadas (aldeamentos). Portanto, neste trabalho, assume-se o
termo “comunidade” por entender ser mais apropriado à perspectiva Guarani.
O Território Mbyá-Guarani no RS
O Território Mbyá-Guarani (Avy Mbyá Retã), reconhecido por eles com tal,
compreende regiões dos estados nacionais do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai -
extensa área que se conjuga ao Bioma Mata Atlântica. De acordo com Freitas (2004),
esse território corresponde a uma biorregião em cujos ecossistemas buscam viver e
reproduzir sua cultura diferenciada, priorizando áreas e espaços que apresentam
espécies da fauna e flora associadas à criação divina. A noção de território e seus
deslocamentos são diretamente relacionados aos mitos religiosos, principalmente a mito
da “Terra sem Mal” (Yvy Marãe´y) 4, no qual devem percorrer um percurso físico nesse
amplo território, em um sentido anti-horário, partindo do interior do Paraguai, passando
pelas regiões fronteiriças das Missões Jesuíticas, entre Argentina e Brasil, e chegando às
faixas litorâneas brasileiras, desde o Rio Grande do Sul até o Espírito Santo. Na visão
desse povo, esse território possui uma forma circular, cujo centro (Yvymbyté) se localiza
entre o leste e o sul do Paraguai, circundado por diversas comunidades, denominadas
tekoá.
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Lugar mitológico que integra diversos planos de realidade, além da realidade física do território
propriamente dita.
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O estudo de caso da pesquisa, o Tekoá Nhüu Porã consiste em uma das mais
importantes terras indígenas do Estado, por ser a maior, com 2.266,52 hectares
(homologada 2001), e estar localizada distante de áreas urbanas, abrangendo uma ampla
diversidade de recursos naturais, típicos do Bioma Mata Atlântica. Além disso, essa
comunidade foi uma das poucas que não aceitou receber recursos governamentais para a
construção de habitações, o que fez com que suas casas sejam todas construídas com
sua arquitetura autóctone.. Nessa comunidade, a “casa tradicional”, como os Mbyá-
Guarani a denominam, se caracteriza como uma tipologia arquitetônica específica desse
local, na qual o xaxim (Samambaiaçu) é utilizado com material construtivo,
diferenciada das demais comunidades do Estado.
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Os Nhandevá-Guarani, junto com os Mbyá-Guarani e os Kaiová-Guarani formam as três parcialidades
linguísticas e cultural dos Guarani, mantendo algumas diferenças de dialeto, costumes e rituais, bem
como a forma de ocupação do território (Felipim, 2003).
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Essa liderança veio a ser um dos mais importantes interlocutores culturais nos diálogos políticos e nas
pesquisas sobre a arquitetura autóctone dos Mbyá-guarani, inclusive para esse trabalho. Suas informações
foram coletadas através de entrevistas semiestruturadas e outros instrumentos metodológicos.
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RS Rural é fruto de um contrato entre o estado do Rio Grande do Sul, através da Secretaria de
Agricultura e Abastecimento (SAA) e o Banco Mundial (BIRD), desenvolvido de 1997 a 2004 (Soares,
2007).
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“Casa tradicional” foi o termo utilizado pelos interlocutores Mbyá para se referirem a suas tecnologias,
materiais, conceitos e conhecimentos construtivos; em oposição a outras formas de habitação advindas de
projetos ou políticas públicas (Casa do Governo).
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Devido à escassez de matérias primas de origem vegetal, que são prioritárias nas
construções das casas tradicionais, a maioria das comunidades no RS vem aceitando a
intervenção da sociedade não-indígena em suas áreas. Em 2005, conforme a EMATER,
o déficit habitacional nas comunidades indígenas no RS era de 239 casas e, por isso, a
Secretaria Estadual de Habitação (SEHAB) desenvolveu uma tipologia arquitetônica
residencial que buscou responder a algumas das características construtivas e
necessidades de uso dos indígenas no Estado, denominada como “casa do índio”. Para
os Mbyá-Guarani essa tipologia ficou denominada como “casa do governo”.
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Programa do Ministério de Minas e Energia, iniciado em 2003, que instalou gratuitamente redes de
energia elétrica em diversas comunidades no País, a fim de “acabar” com a exclusão elétrica.
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seu povo. Os mais velhos sofrem por não se adaptarem às construções consideradas não
tradicionais ou pelo fato inconveniente de estarem entre as duas culturas.
Além disso, a autora supracitada também aponta que eles acabam utilizando a
“casa do governo” para as atividades e os elementos da cultura não-indígena, como o
uso da televisão, fogão ou armários, enquanto a casa tradicional é utilizada para seus
costumes, como acender o fogo em seu interior. Essa dualidade ocorre somente quando
conseguem acessar alguns recursos naturais para construir uma casa tradicional e,
assim, acabam tendo duas casas. A figura 4 apresenta a casa do governo ao lado de
casas tradicionais nos Tekoá Ka´a Mirindy, no município de Camaquã, e no Tekoá
Koenjú, em São Miguel das Missões.
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Outra construção que cabe registrar ainda, mas que teve um impacto positivo, foi
uma casa desenvolvida pelos alunos da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, cujo
projeto buscou um maior diálogo intercultural e teve um resultado razoável por inserir
elementos construtivos tradicionais dos Mbyá-Guarani. Essa casa foi construída pelo
governo do Estado no Tekoá Anhetenguá, na capital, e foi denominado por eles de “casa
tatu”. O objetivo dessa casa era ser uma unidade habitacional, porém a comunidade
acabou utilizando-a como um centro cultural. A tipologia arquitetônica da “casa tatu”
consiste em estrutura de madeira e o uso da palha (capim santa-fé) como cobertura e
vedação lateral. A palha é um dos materiais naturais, tradicionalmente utilizado por
eles. Um dos aspectos mais importantes dessa casa é fato de ter sido prevista a
possibilidade de se fazer fogo de chão em seu interior, devido à possibilidade de
ventilação na cobertura. A figura 7 apresenta uma imagem externa e interna dessa casa.
Figura 8: Representação do tekoá como casa tradicional, por José Verá Rodrigues.
Fonte: ASSECAN, 2007.
taquara batida, enquanto nos demais tekoá é feita com o uso da palha. A figura 9 mostra
a tipologia arquitetônica da casa de xaxim no Tekoá Nhüu Porã e da casa de barro no
Tekoá Anhetenguá, (capital).
Ambas as tipologias são consideradas por eles como casas tradicionais. Cabe
mencionar que a casa em Guarani se denomina oga, ou oó. Historicamente, segundo
Weimer (2005), antes da colonização, essa denominação se referia ao espaço interno
que cada família nuclear tinha dentro de uma “casa grande” dos Tupi-Gurani. Essa casa
grande era denominada de maloca ou maioca. Esse autor explica que as dimensões
dessa casa grande variavam de acordo com o número de famílias nucleares existentes
em cada comunidade, as quais tinham um espaço interno delimitado por pilares e sem
divisórias, onde faziam um fogo próprio. De acordo com Rapoport (1972), cada
comunidade podia reunir dezenas ou centenas de pessoas, ao passo que hoje cada
família ocupava um espaço interno delimitado por pilares, sem divisórias e com um
fogo próprio. Portanto, segundo um olhar histórico, a trajetória das casas tradicionais
dos Mbyá-Guarani vem de um mesmo padrão habitacional dos Tupi-Guarani antes da
colonização. A figura 10 apresenta croquis esquemáticos do perfil construtivo da
maloca dos Tupi-Guarani e da oga dos Mbyá-Guarani.
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Para efeito de comparação, de acordo com Weimer (2005), as casas grandes dos
Tupi-Guarani podiam chegar a 200 metros de comprimento por cerca de 12 metros de
largura. Hoje, as casas tradicionais dos Mbyá-Guarani têm em torno de cinco metros de
comprimento por quatro metros de largura. Além disso, esse autor explica que os
materiais construtivos das casas grandes eram todos de origem vegetal, encontrados nos
ambientes onde viviam. Segundo ele, o barro foi um material construtivo incorporado
na cultura material indígena no Brasil após a colonização, tendo como origem a cultura
construtiva africana. Assim, a tipologia arquitetônica da casa tradicional com uso do
xaxim traz uma referência mais próxima àquela desenvolvida em um período pré-
colonial por ser totalmente construída com fibras naturais, representando um resgate
histórico da cultura construtiva indígena brasileira.
Segundo Simiema (2000: 228), “a casa deve ser vista como o resultado de
relações socioculturais concretizadas em um determinado tempo”. Nesse sentido, hoje,
tanto a casa tradicional construída com xaxim ou com barro consiste na expressão física
da cultura material e no resgate contemporâneo da memória viva dos Mbyá-Guarani no
RS. Essas representam o resultado do momento histórico atual que estão vivendo, no
qual buscam o desenvolvimento de estratégias próprias para a continuidade dos aspectos
de sua cultura material. Eles vêm estimulando tanto discussões internas sobre a história
construtiva desse povo, através da memória dos mais velhos, quanto discussões
externas, a partir de espaço políticos e acadêmicos que reconhecem suas
especificidades. As casas encontradas nos tekoá do RS representam a arquitetura
contemporânea dos Mbyá-Guarani possível de ser materializada e desenvolvida.
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A casa para os povos indígenas é percebida como um elemento vivo que tem
seus ciclos de vida e de morte associados às necessidades de cada grupo. Segundo
Rapoport (1972), a casa é considerada como um ente de extensão do próprio ser
indígena e se caracteriza para além de uma estrutura física com função utilitária. Na
realidade, a casa pertence ao contexto da comunidade, pois insere-se à trama dos
aspectos simbólicos que determinam a expressão material de uma cultura. Como
ressalva Costa (1989: 9), “não há povo sem cultura material, sem casas, ou pelo menos,
ideias referentes ao espaço ou à habitação”.
Para a descrição da tipologia arquitetônica da casa dos Mbyá-Guarani no Tekoá
Nhüu Porã, buscou-se como referência alguns aspectos relevantes orientados por
Baldus (1942), percussor de um roteiro para as primeiras incursões etnográficas sobre
comunidades e arquitetura indígenas no Brasil. Segundo esse autor, a tipologia
construtiva de uma casa deve ser definida por componentes físico-espaciais e
socioculturais, associados à compreensão e às necessidades a cada grupo cultural,
segundo sua cosmologia. Além disso, ele destaca que a tipologia construtiva está
relacionada ao conjunto da complexidade de determinantes externos do ambiente e dos
desejos internos humanos.
Considerando essas questões, apresenta-se aspectos gerais da tipologia da casa
tradicional em cinco itens: (i) implantação e orientação solar; (ii) forma e proporções;
(iii) espaços interno e externo; (iv) conforto ambiental; e (v) uso e durabilidade.
Utilizou-se como referência as dimensões e características da casa do cacique, que
permitiu a proximidade e o acesso ao espaço interno da casa10.
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A casa do cacique segue um mesmo padrão das demais casas do tekoá. Apenas a casa de reza é a que
tem algumas diferenças de dimensões por ser uma casa que abriga mais pessoas. Porém, o acesso a essa
casa não é permitido para não-indígenas, em nenhuma comunidade Mbyá-Guarani do RS.
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b) Forma e proporções
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Nos tekoá de São Paulo, a casa tradicional dos Mbyá-Guarani não tem a base retangular. A parte dos
fundos da casa é arredondada.
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De acordo com Freitas (2004: 99), é comum a domesticação dos animais silvestres como “animal
companheiro” entre as famílias, os quais convivem soltos e próximos às casas de seus criadores.
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d) Conforto ambiental
e) Uso e durabilidade
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algumas casas ficam sem uso por um determinado tempo, sendo reutilizadas
posteriormente pela família que a construiu ou por outra que possa chegar ao tekoá.
Há também a possibilidade da casa não ser mais utilizada por motivos pessoais,
como a morte de um parente. Assim, a casa deve voltar a se integrar ao ambiente natural
e isso é possível pelo fato de ser construída com as espécies vegetais, as quais são
decompostas, sem gerar resíduos.
Os materiais construtivos que servem de vedação lateral e cobertura, no caso, os
xaxins nas paredes e as taquaras na cobertura, duram menos tempo que os materiais
utilizados como estrutura. A estrutura é preferencialmente construída com espécies
arbóreas de maior durabilidade, ao passo que os demais materiais acabam necessitando
de um manejo mais frequente, com trocas ou reformas constantes.
Um aspecto-chave fundamental em relação à durabilidade da casa para os Mbyá-
Guarani, que determina a sua permanência no tekoá, refere-se à cultivo e à produção do
milho sagrado (avaxí ete). Eles usam os espaços de cultivo desse milho de forma
rotativa, buscando aproveitar ao máximo as áreas próximas às casas. Dessa forma, o
tipo de solo existente e as condições climáticas locais acabam determinando o aspecto
temporal e cíclico da durabilidade da casa, e, por conseguinte, a qualidade dos materiais
construtivos. Corroborando com Felipim (2001) e Costa (1993), quanto mais tempo eles
preveem ficar em um determinado tekoá, maior será a qualidade do espaço de moradia.
Quanto mais adequadas às características do ambiente (solo e clima) para o plantio do
milho sagrado, melhor será a qualidade e o acabamento das casas. Assim, a durabilidade
da casa é adequada aos períodos e ritmos em que esse povo dá aos deslocamentos.
Materiais construtivos
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Figura 15: Cedro utilizado como estrutura de pilar da casa e vigas de cobertura.
Fotos: Paulo de Fernandes (2003).
O caule do xaxim é utilizado como vedação lateral das paredes das casas do
Tekoá Nhüu Porã especificamente. Essa espécie vegetal foi associada a uma espécie de
Palmeira, ou Pindó eté (13). Cabe mencionar que essa palmeira, o pindó para eles, é o
material construtivo por excelência para ser utilizado nas casas tradicionais, pois tem
um valor simbólico-cultural citado em quase todos os principais relatos mitológicos da
cosmologia Guarani. Os Mbyá-Guarani utilizam o seu caule como material construtivo
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d) Cipós ou yxypó
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As espécies de cipós utilizados são identificadas e categorizadas pela etnia indígena, sendo uma gama
de espécies que nem sempre tem correspondência na classificação botânica.
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Tecnologia construtiva
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ainda verde no sentido longitudinal para que se abra e, dessa forma, eles possam
macerá-la facilmente com um pedaço de madeira. Zanin (2006) explica que esse
processo propicia romper as fibras da taquara, transformando-os em feixes de taquara.
As “telhas de taquara”, na realidade, correspondem a diversos desses feixes.
As ripas da cobertura, que apoiam essas telhas, também são de taquara, porém
de taquaras roliças cortadas ao meio (não macerada). Para tanto, os Mbyá-Guarani
cortam as taquaras ao meio, no sentido longitudinal, e as denominam de takuá pengue,
que significa “meia-taquara”. Eles utilizam essa mesma forma de cortar a taquara para
formar as telhas, pois dobram diversos feixes de taquara ao meio, encaixando-os e
agrupando-os ao longo de uma meia-taquara dentro dessa dobra. Dessa forma, ocorre a
montagem de uma das telhas de taquara.
Os feixes de taquaras (telhas) ficam dispostos, um ao lado do outro, formando
um plano que é levado sobre as ripas de meia-taquara da cobertura. As ripas são
colocadas sobre os caibros, com o corte voltado para dentro, facilitando o apoio sobre os
mesmos. Depois, eles fazem as amarrações de cipó para fixar as taquaras ao conjunto da
estrutura da cobertura. A colocação das telhas ocorre de baixo para cima, de um lado e
do outro da cobertura, acabando com a colocação de uma última telha sobre a cumeeira
(ijayte ru pinguá).
São empregadas diversas camadas sobrepostas de telhas de taquara (takuá oje
kava´ ekue) em ambos os lados da cobertura, buscando formar uma espessura adequada
à necessidade de durabilidade. A cobertura deve formar uma camada que permita a
saída de ar e fumaça de dentro da casa, mas não permitir a entrada da água da chuva. Ao
final do processo, também costumam colocar outras taquaras horizontais sobre todas as
telhas para a melhor fixação e amarração da cobertura como um todo. A figura 20
mostra um croqui esquemáticos das taquaras empregadas como elementos construtivos
da cobertura.
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Cabe ressaltar que, assim como técnica de usar a taquara batida como telha de
cobertura, o uso do xaxim como paredes não há referências, sendo técnicas singulares
desenvolvidas pelos Mbyá-Guarani no Brasil, específicas do Tekoá Nhüu Porã.
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Taipa de mão é uma das três denominações das técnicas associadas ao pau-a-pique, assim com a taipa
de sebe ou de sopapo. Na taipa de mão, o barro serve para “fechar as frestas formadas entre os galhos
verticais”, sendo amassado com os pés, mãos ou meio, até que adquira devida consistência e
posteriormente seja pressionado entre as frestas com a mão (Weimer, 2005: 262).
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a) Especialistas em construção
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Karaí refere-se tanto a um nome próprio quanto a uma de suas divindades, assim como ao papel de
liderança religiosa.
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terreno para ambas as áreas, deixando o espaço de casa subordinado ao espaço de roça.
Assim, marcam local onde será construída a casa e a limpam-no para iniciar as obras.
No posicionamento, eles deixam determinada a entrada da casa, deixando a porta
orientada para a posição Leste ou Oeste.
Ainda nas etapas prévias, os Mbyá-Guarani preparam os materiais construtivos
através da coleta e do tratamento das espécies vegetais que serão utilizadas. A coleta
ocorre preferencialmente durante a lua minguante, pois é o período em que a seiva das
plantas está concentrada nas raízes, evitando futuras rachaduras nas madeiras e
deixando-a mais resistente ao ataque de insetos, cupins, fungos e outros. O tratamento é
específico para cada espécie e para cada elemento construtivo. Zanin (2006) descreve
que as espécies arbóreas são cortadas nas dimensões adequadas e usadas na forma
roliça. Os pilares são lascados e recebem os entalhes necessários, se não precisarem de
forquilhas. As taquaras são cortadas e levadas ao sol para que sequem antes de serem
usadas.
Nas etapas das técnicas construtivas, o início das obras ocorre com a fundação.
Eles locam as cavas que receberam os pilares. São seis cavas de aproximadamente um
metro de profundidade, situadas paralelas no sentido longitudinal da casa. Uma parte da
terra retirada das cavas é colocada no centro da casa e a outra parte retorna,
posteriormente, às cavas de fundação para fixação dos pilares. Após a fundação, passam
para a estrutura principal da casa, a qual compreende três grupos de pilares e vigas
arquitravadas apoiadas nas forquilhas dos pilares.
A cumeeira é apoiada nos pilares centrais e os frechais nos pilares laterais. O
peso desses elementos é suficiente para a estabilidade estática de da estrutura como um
todo, sem que haja a necessidade da fixação com amarrações em cipó. Posteriormente
são instalados os caibros que são apoiados em encaixes entalhados nas vigas e
enlaçados com um mesmo cipó contínuo. Depois colocam os travessões verticais na
face da frente e dos fundos da casa, adequando o espaço da porta na frente. As
estruturas secundárias referem-se aos demais elementos construtivos auxiliares dos que
compõe a cobertura e as vedações laterais, os quais são fixados com encaixes e enlaces
de cipó. São instaladas as vigas de apoio das paredes à meia no sentido vertical para a
fixação dos xaxins e, no caso da fachada frontal, são colocadas vigas de suporte para o
acabamento do espaço da porta que servem como marco. Em seguida colocam sobre os
caibros as ripas de meia-taquara para apoiar e fixar as telhas de taquara batida.
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Considerações finais
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Mbyá-Guarani nos processos de gestão de políticas públicas são chave para que sejam
mais eficientes as intervenções externas em áreas indígenas. Para tanto, sugere-se dar
mais atenção e escuta a esse povo com muita calma, paciência e principalmente respeito
à sua sabedoria milenar.
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