Jani Schach de Cravalho - Lacan
Jani Schach de Cravalho - Lacan
Jani Schach de Cravalho - Lacan
IJUÍ/RS
2019
JANI SCHACH DE CARVALHO
IJUÍ/RS
2019
O ÉDIPO E SUA INCIDÊNCIA NAS ESTRUTURAS CLÍNICAS
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Profª Mestre Ana Maria de Souza Dias
__________________________________________
Profª Mestre Tania Maria de Souza
AGRADECIMENTOS
INTRODUÇÃO............................................................................................................. 8
1 O ÉDIPO DE FREUD E OS TRÊS TEMPOS EDÍPICOS DE LACAN....................10
1.1 A leitura de Freud.....................................................................................10
1.2 A releitura de Lacan.................................................................................14
1.2.1 Primeiro tempo do Édipo.........................................................15
1.2.2 Segundo tempo do Édipo........................................................17
1.2.3 Terceiro tempo do Édipo.........................................................19
2 O ÉDIPO E AS ESTRUTURAS CLÍNICAS.............................................................23
2.1 Psicose.....................................................................................................24
2.2 Perversão..................................................................................................26
2.3 Neurose.....................................................................................................27
2.3.1 Neurose Obsessiva....................................................................29
2.3.2 Neurose Histérica.......................................................................30
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................33
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................35
8
INTRODUÇÃO
traumática sedução da criança por um outro adulto, geralmente o pai, a causa dos
sintomas neuróticos.
Porém em 1897, Freud põe em questão a sua teoria quando escreve uma
carta a Fliess, revelando não mais acreditar nela. Paulo Vidal (2014) aponta algumas
razões que teriam levado Freud a essa dúvida, dentre elas, a de que seria loucura
generalizar todos os pais como perversos. Além disso, era impossível fazer emergir
as cenas inconscientes, pois mesmo o delírio não as revelava, e, a maioria dos
pacientes deixava o tratamento, antes de chegar às cenas infantis.
Freud recorre, então, à possibilidade de que as cenas de sedução infantil
relatadas pelos pacientes sejam fantasia1. A fantasia é uma ficção que tem sentido
na realidade de quem narra, porém na configuração da realidade impõe a falta do
referente, ou seja, onde se poderia verificar o fato, se encontra apenas o
fantasmático.
Após a morte de seu pai em 31/05/1897, Freud continua sua auto-análise.
Percebendo em si mesmo, sentimentos apaixonados pela sua mãe e certo ódio pelo
seu pai, constata que os impulsos hostis contra os pais são um elemento integrante
das neuroses. Reconhecendo estar no caminho certo em relação aos traumas
sexuais infantis, mas constatando que estes não eram verdadeiros e sim fantasia,
encontra no mito Edípico um ponto de apoio para efetivar sua teoria. Freud se serve
do Édipo para nomear o que conjectura estar no fundamento do recalcado2.
O Édipo, como mito, consiste na trama em que o rei chamado Laio, casado
com Jocasta tem um filho ao qual chama de Édipo. Tendo, porém Laio, sido
anteriormente advertido por um oráculo que, se esta criança crescesse, mataria o
próprio pai e desposaria sua mãe, resolve, logo após o nascimento, mandar um
criado levá-lo para ser morto na floresta. Este, porém, com pena da criança, resolve
pendurá-lo numa árvore amarrado pelos pés, sendo encontrado por um pastor de
ovelhas, que o levou para seus senhores em Corinto, onde fora criado como um
príncipe.
Édipo, já adulto, busca o oráculo para saber sobre sua origem e advertido por
este, que no futuro iria matar seu pai e casar com sua mãe, viaja para fugir do
1
A fantasia, para Freud, é uma representação, um argumento imaginário, que pode ser consciente, pré-
consciente ou inconsciente, que de forma disfarçada coloca em cena um desejo.
2
Lembranças ou representações que foram afastadas/rejeitadas da consciência, devido ao seu conteúdo
pulsional, e lançadas no inconsciente.
12
cumprimento desta previsão em relação aos que acredita serem seus pais
verdadeiros. Porém, no caminho encontra-se com Laio, seu pai, e sem saber quem
é, o mata. Logo depois decifra o enigma da Esfinge, que estava assolando a cidade
de Tebas, libertando-a desta. Em gratidão a cidade o torna rei, e o regente lhe
oferece a rainha Jocasta como esposa, com a qual se casa, sem saber que ela é
sua mãe.
Após alguns anos, recai uma peste sobre a cidade De Tebas e Édipo mais
uma vez consulta o oráculo, que o adverte de que o assassino de Laio deve ser
expulso da cidade, também prevê que este, ficará cego e se tornará mendigo. Édipo
empreende uma busca na cidade e por fim descobre ser ele próprio o assassino e
filho de Laio.
Ao descobrir ser filho de Laio e Jocasta, Édipo fura os próprios olhos e foge
da cidade, cumprindo a predição do Oráculo.
Para Freud, esse mito retrata a realização dos nossos próprios desejos
infantis, no sentido de que dirigimos nosso primeiro impulso sexual para a mãe e o
primeiro ódio e desejo assassino para o pai. Este conflito, porém, é recalcado no
processo de constituição psíquica, no que tange a teoria psicanalítica, ou seja,
levando em conta o inconsciente.
Freud assim articula sua ideia:
...a lenda grega capta uma compulsão que todos reconhecem,
pois cada um pressente sua existência em si mesmo. Cada
pessoa da platéia foi, um dia, um Édipo em potencial na
fantasia, e cada uma recua, horrorizada, diante da realização de
sonho ali transplantada para a realidade, com toda a carga do
recalcamento que separa seu estado infantil do estado atual.
Passou-‐me fugazmente pela cabeça a idéia de que a mesma
coisa estaria também na base do Hamlet [...] Como explicar sua
hesitação em vingar o pai através do assassinato do tio – ele,
o mesmo homem que manda seus cortesãos para a morte sem
nenhum escrúpulo e que é positivamente precipitado ao assas-
sinar Laertes? Como explicá-‐lo senão pela tortura que ele sofre
em vista da obscura lembrança de que ele próprio havia
contemplado praticar a mesma ação contra o pai, por paixão pela
mãe? Sua consciência moral é seu sentimento inconsciente de culpa.
(FREUD, 1986 [1887-‐1904], p. 273).
morto, que o pai desempenha seu papel, e Freud as considera como declinações
possíveis do que passaria a chamar de complexo de Édipo.
Édipo é vítima do trágico, paga o preço de uma falta que cometeu sem saber.
Para Freud, o trágico, na sociedade moderna, surge quando o sujeito que acredita
ser livre, autônomo, percebe que com suas escolhas adotou o caminho que queria
evitar. É nesse sentido que o mito do Édipo ainda nos atinge, mostrando que as
ações humanas são, muitas vezes, determinadas e regidas desde outra cena, o
inconsciente. Estas seguem os circuitos do desejo, os quais são motores do
aparelho psíquico e procuram restabelecer a experiência de satisfação primeira
(originária). Esse desejo do inconsciente é indestrutível e proveniente do tempo do
Édipo.
Para Freud, porém, apesar do desejo perfazer um circuito repetitivo e
independente da consciência, isso não significa que somos objetos de um
automatismo. Mas, a tragédia grega coloca o agente, o Édipo, no lugar de
ambiguidade: o herói trágico é objeto e sujeito, determinado e responsável,
constituindo-se assim, um circuito que inclui o sujeito.
O desejo incestuoso em relação à mãe, o ódio do pai como rival e o posterior
medo da castração, uma vez recalcados, por seu caráter ambivalente produzem no
sujeito, o que Freud denomina de Ética do inconsciente. Na qual, ao passo que as
pulsões impõem a busca por satisfação, a fantasia em torno destas questões impõe
limites.
Édipo, para Freud, é o que está no fundamento do recalcado, ao passo que a
vacilação de Hamlet se mostra como um sintoma, “um escrúpulo de consciência
derivado do desejo edípico recalcado - Édipo é a verdade de Hamlet, do neurótico.”
(Vidal, 2014, p. 80).
Conforme Vidal (2014), Freud coloca o Édipo como pré-condição na qual todo
sujeito humano deve se situar, e da qual precisa se separar, pelos efeitos da
intervenção paterna, possibilitando a inscrição na linha de gerações e o acesso a um
objeto não incestuoso. Situa, assim, o Édipo do lado das respostas aos problemas
com que a criança se defronta, e que lhe causam curiosidade, vontade de saber. De
forma que a criança busca produzir teorias para questões como: de onde vêm as
crianças? Qual a origem da diferença entre meninos e meninas?
14
Para dar conta dessas questões sobre as origens a criança elabora fantasias.
Dentre estas, a fantasia da cena primária 3, que procura dar conta da origem do
sujeito e o desejo parental que a originou; a fantasia de sedução, para dar conta do
caráter traumático do encontro com a sexualidade e o desejo do outro; e a fantasia
da castração, como resposta a diferença entre sexos, articulada pela ameaça
paterna de castração.
É frente ao complexo de castração que o Édipo sofre o recalque, ou seja, as
teorias sexuais infantis naufragam, sucumbem a amnésia, produzindo a divisão das
instâncias psíquicas em inconsciente e pré-consciente/consciente. Teoria que coloca
o inconsciente fora do consciente pela ação do recalque, não podendo emergir sem
sofrer distorções.
Ao utilizar-se do mito do Édipo, Freud pôde superar a descontinuidade com a
qual sua teoria havia se deparado - a impossibilidade de acesso a exatidão
(verdade) dos fatos pela via da narrativa dos sujeitos - compreendendo-a pela via da
ficção. Portanto, a leitura freudiana coloca um saber (mítico) no lugar da verdade.
3
Cena, que pode ser fantasmática ou real, na qual a criança testemunha o coito de seus pais.
4
Refere-se às diferentes relações com a satisfação que um sujeito desejante pode experimentar e esperar, no
uso de um objeto desejado. Para psicanálise o gozo se refere ao desejo inconsciente, o qual está constituído
pela nossa relação com linguagem. Para Lacan, o gozo não pode ser concebido de uma necessidade que pode
ser preenchida por um objeto, mas ele “é inter-dito, ou seja, é feito do próprio tecido da linguagem, onde o
desejo encontra seu impacto e suas regras.” (Chemama, 1995, p. 91)
15
uma metáfora” ele é o significante que vem no lugar de outro significante, ou seja, o
“pai”, vem no lugar do “desejo da mãe”. Assim, o Édipo aparece com a introdução do
elemento pai (nome-do-pai)5.
O Édipo significa para o sujeito um “enunciado do Impossível”. (Lacan, 1992).
Há um limite de estrutura inerente ao campo do simbólico, em que há sempre na
palavra uma verdade que lhe escapa, e toda vez que se tenta dizer aquilo que é
impossível de dizer, é ao mito, à ficção que se recorre. Outra impossibilidade que
Lacan aponta, é de que as palavras não conseguem abarcar de todo o gozo, assim,
aquilo que escapa do real, pode ser articulado no irreal do mito, da ficção (fantasia).
Lacan divide o Édipo em três tempos lógicos, que correspondem a uma
sequência lógica, relativa à passagem do Imaginário para o simbólico. Os quais são
base da continuação deste estudo.
5
O termo foi criado por Jaques Lacan, para designar o significante da função paterna. Constitui-se produto da
metáfora paterna, atribuindo a função paterna ao efeito simbólico de um puro significante, e designando
“aquilo que rege toda a dinâmica subjetiva, ao inscrever o desejo no registro da dívida simbólica”. (Chemama,
1995, p. 148).
6
Pulsão, como conceito da teoria psicanalítica, conforme Roudinesco (1998, p. 628) é “a carga energética que
se encontra na origem da atividade motora do organismo e do funcionamento psíquico inconsciente do
homem”. Nesse sentido, se constitui a energia fundamental do sujeito, a força necessária ao seu
funcionamento.
16
que os objetos são apresentados à criança são introjetados pelo ego, que os toma
para si ao passo que expele o que lhe causa desprazer. Essa passagem do exterior
para o interior é fantasmática, imaginária. Marca o tempo do autoerotismo que
posteriormente se transformará em narcisismo, no qual as pulsões auto-eróticas que
coexistiam de forma desorganizada e sem objeto específico, se juntam numa
unidade e investem num objeto: o ego.
O ego começa a ser esboçado na relação especular imaginária, sendo
conforme Lacan concretizado na experiência da criança ao perceber sua própria
imagem no espelho. A fase do espelho inicia-se por volta dos 6 meses de idade com
extensão até por volta dos 18 meses. Sendo que a terceira fase do espelho,
conforme Lacan, coincide com o primeiro tempo do Édipo, e designa um tempo em
que a criança forma uma representação de sua unidade corporal, identificando-se
com a imagem do outro. Nesse tempo, produz-se um ego especular, no qual a
criança consegue fazer uma demarcação da totalidade do seu corpo. A devolução
da imagem do espelho, pela mãe ou pelo outro, tem função de estruturação do
sujeito, na qual substitui a vivência do corpo despedaçado da fase anterior, pela
primeira demarcação de si, por um processo de identificação ao outro.
O estágio do espelho não diz respeito à experiência concreta da criança
frente ao espelho, mas sim, de um tipo de relação especular com outro. Lacan
chama essa relação mãe e filho, que caracteriza o imaginário, de dual. Essa fase por
não ser ainda mediada pela linguagem se esgota nesse jogo especular, em que a
primeira consciência se perde, pois ao procurar a realidade de si, a criança encontra
apenas a imagem do outro com a qual se identifica ou na qual se aliena.
O que caracteriza essa relação dual, portanto, é muito mais uma indistinção
entre o si e o outro, por mais que haja certa demarcação do próprio corpo, ainda não
há uma individualidade como sujeito. Ser o desejo do desejo do outro é o que
caracteriza a criança nessa fase. A criança ocupa um lugar de falo, de completude
da mãe, no qual se identifica especularmente com aquilo que é objeto do desejo da
sua mãe. A relação entre ambos é, portanto, marcada pela falta.
Conforme Garcia-Roza (1985), “nas sociedades patriarcais do Ocidente o falo
foi transformado num símbolo de poder e completude.” O órgão sexual masculino
(pênis) é considerado o representante do falo. Não podendo, porém, ser reduzido a
este órgão de forma concreta, pois ninguém é possuidor do falo. É, portanto, uma
17
7
Infans: designa a criança num tempo em que ainda não fala, anterior à aquisição da linguagem (simbolização).
18
um descolamento, no qual o que ela tem a oferecer lhe parece insuficiente. É nesse
encontro do jogo imaginário do engodo fálico e a pulsão real, que o complexo de
castração se apresenta como saída para criança.
A intervenção do pai introduz a ordem simbólica, a lei, ou seja, o assunto sai
das mãos da criança para ser resolvido em outro lugar. Lacan (1999, p. 233)
escreve: “O pai é aquele com quem não há mais chance de ganhar, senão aceitando
tal e qual a divisão das apostas”. Para Lacan, a castração é o signo e também o pivô
do drama do Édipo. Quando a criança faz a apreensão da ausência de um pênis na
mulher, isso se constitui para ela como uma privação. Noção que causa certa
angústia e faz um furo no real. É um momento de despertar, no qual emerge no
sujeito, um temor de ver extinguir-se nele o desejo.
A angústia gerada nesse processo surge a cada vez que o sujeito sente a
ameaça de ser descolado de sua existência, em que se percebe prestes a ser
capturado pela imagem do outro, pela tentação. Lacan, (1999, p. 231) considera
que: “... a angústia é correlativa do momento em que o sujeito está suspenso entre
um tempo em que ele não sabe mais onde está, em direção a um tempo onde ele
será alguma coisa na qual jamais se poderá reencontrar.”
A castração não se aplica de fato no real, mas sobre um objeto imaginário, de
forma que a castração implica na simbolização do objeto (pênis), ao que Lacan
(1999, p.224) afirma: “Indicar que alguma coisa não está ali, é supor sua presença
possível, isto é, introduzir no real, para recobri-lo, perfurá-lo, a simples ordem
simbólica”.
Neste segundo momento do Édipo, conforme Garcia-Roza (1985), o pai
intervém como privador, tanto da criança, quanto da mãe. Priva a criança do seu
objeto de desejo e a mãe do objeto fálico. A entrada do Pai em cena é mediada pelo
discurso da mãe, a qual precisa reconhecê-lo como homem e como representante
da lei. A mãe, portanto, precisa mostrar-se castrada, ou seja, em falta, e apontar o
seu desejo não unicamente para o filho, mas também para outro lugar (o Pai).
O pai desse tempo é o imaginário, é o pai terrível, interditor, onipotente. Que
ao ser aceito e reconhecido pelo discurso da mãe, passa a ser aquele que limita o
poder da mãe, produzindo a disjunção mãe-fálica/ criança-falo. Essa privação
permite a criança superar a perfeição narcisista do tempo anterior e ter acesso à lei
do pai.
19
Lacan (1999, p. 192) diz que nesse tempo se coloca para o sujeito uma
questão que é “nodal” no Édipo. Ele precisa posicionar-se frente a essa privação da
qual a mãe revela-se objeto, no sentido de “dar valor de significação, de aceitar, de
registrar, de simbolizar”. Para atravessar essa fase nodal, a criança precisa, no
plano imaginário, escolher entre ser ou não ser o falo. A não aceitação da privação
do falo, efetuada na mãe pelo pai, retém a criança numa posição de identificação
com o objeto da mãe, podendo essa estagnação, apresentar-se através de fobia,
neurose ou perversão.
Partindo do princípio de que não há sujeito sem que haja um significante
que o funde, é essencial que a mãe funde o pai como mediador daquilo que está
para além da sua própria lei, dos seus caprichos. É nisso que ele será ou não aceito
pela criança como aquele que priva ou não priva a mãe do objeto do seu desejo. O
que faz diferença é que a mãe faça valer a palavra do pai.
Conforme, Garcia-Roza (1985), pela linguagem o desejo é nomeado, surgindo
em seu lugar o símbolo. Esta simbolização produz a clivagem da subjetividade
infantil em Consciente/Inconsciente. Ao passo que a castração exercida pela função
paterna (Nome-do-Pai), produz o recalque do desejo de união com a mãe.
O acesso à linguagem pela criança possibilita a esta produzir um
afastamento da sua própria vivência e substituir o ser pelo ter, ou seja, sair da
posição de ser o falo da mãe, para ter um desejo limitado, satisfação parcial. A mãe
deixa de ser a lei para a criança, a qual, agora se submete ao pai como sendo, não
apenas representante, mas a própria lei. O pai passa a ser para a criança o falo, e é
vivido por esta como um outro singular, sendo, ainda representado no nível
imaginário.
A castração (simbólica) incide sobre um objeto imaginário, o falo, e é através
dela, que a criança pode constituir-se sujeito. Pois lhe dá a possibilidade de sair da
condição de assujeitamento, de objeto de satisfação do outro, para uma condição de
ser desejante.
portanto, apenas dupla (da criança e da mãe), mas também do pai. Ninguém é mais
o falo, assim como também ninguém é mais a lei. Tanto um como outro estão para
além de qualquer pessoa singular.”
Ocorre então, a substituição da identificação da criança com o eu ideal
narcisista, equivalente ao falo, pela identificação com o ideal do eu, ideal de
perfeição, encarnado pelo pai. O pai passa a ser o representante desse ideal, e a
criança não se identifica com o pai, mas com o que o pai representa. Conforme
Freud, apud Garcia-Roza, a criança se identifica com o superego do pai, e o
superego da criança é o efeito dessa identificação com o ideal do eu.
A interiorização da lei possibilita a criança constituir-se sujeito. Ao ser,
separada da mãe pelo interdito paterno, a criança, toma consciência de si como um
ser distinto, e então como sujeito, é introduzida na ordem da Cultura.
Conforme Lacan (1999, p. 200), é desta terceira etapa que depende à saída
do complexo de Édipo. Nesta, o pai intervém como aquele que tem o falo e não que
o é. Por isso, pode não apenas privar do objeto desejado (castração), mas pode dar
à mãe o que ela deseja, pois o possui. Com isso reinstaura a instância do falo como
objeto desejado da mãe.
Neste tempo o pai intervém como real e potente. Aquele que além de ser
castrador, aponta ao filho possibilidades. O qual por ser o detentor do falo, é
internalizado no sujeito como o ideal do eu, e, a partir daí começa o declínio do
complexo de Édipo.
Este desfecho, porém, é diferente para o menino e para a menina. O menino
passa por um processo de identificação metafórica com o pai, a qual lhe “dá o direito
de ser homem”, instituindo algo da ordem do significante que fica guardada de
reserva, e cuja significação se desenvolverá mais tarde. Já a menina, não precisa
passar por essa identificação, nem guardar o título de direito à virilidade, mas
sabendo onde está (no pai) e onde deve buscá-lo, vai em direção àquele que o tem.
O terceiro tempo do Édipo, então, é transposto à medida que se dá essa
identificação, na qual o menino se identifica com o pai como possuidor do pênis, e a
menina por reconhecer o homem como aquele que o possui.
Para a psicanálise só há sujeito a partir da clivagem da subjetividade nos dois
sistemas: inconsciente e pré-consciente/consciente, produzida pelo recalque. Antes
disso, o psiquismo infantil é dotado de representações que tem sua fonte na pulsão,
21
8
O fantasma “é o efeito do desejo arcaico inconsciente e matriz dos desejos atuais conscientes e
inconscientes”. (Chemama, 1995, p. 71)
9
Forma de expressar um desejo quando se quer obter alguma coisa de alguém, na qual, desejo é diferente de
necessidade. Na concepção lacaniana é o “desejo no sentido de desejo de um desejo”. (Roudinesco, 1998,
p.146)
24
2.1 Psicose
10
“Outro” escrito com letra maiúscula, “designa um lugar simbólico - o significante, a lei, a linguagem, o
inconsciente, Deus - que determina o sujeito, ora de maneira externa a ele, ora intra-subjetiva na sua relação
com o desejo”. Enquanto “outro” com letra minúscula refere-se ao “outro imaginário ou lugar da alteridade
especular”. (Roudinesco, 1998, p. 558)
25
Para que ocorra a metáfora paterna, na qual, o Nome-do-Pai (Lei) deve ficar
no lugar do significante desejo da mãe, a mãe precisa fundar pela palavra, o lugar
de um Outro, equivalente a Lei. Caso contrário, a criança fica aderida ao real, sem
abertura para o Nome-do-Pai, que é o significante-mestre na constituição da cadeia
de significantes.
Conforme Nasio (1997, p. 159): “A forclusão é a não resposta a uma
mensagem ou a uma demanda proveniente de uma pessoa em posição terceira em
referência à relação dual e imaginária entre o sujeito, futuro psicótico, e um
semelhante apaixonadamente amado ou odiado.”
A forclusão é, portanto, o nome que a psicanálise dá à falta de inscrição no
inconsciente do Nome-do-Pai (castração), que é uma experiência crucial, a qual, na
medida em que é simbolizada, permite a criança assumir seu próprio sexo e tornar-
se capaz de reconhecer seus limites. A falta de simbolização da castração acarreta
ao psicótico a incerteza da sua identidade sexual e uma perda de sentido da
realidade. Chaves (2018, p. 57) cita: “Na psicose, não há dívida, não há erros, não
há culpa. O que há na psicose fora da crise é errância, é um andar repetidamente a
ermo, cujo fim é a defesa face à angústia”.
A defesa na psicose, apesar de eficiente no momento, lança a pessoa num
estado grave de confusão alucinatória. A representação repudiada ou abolida
retornará inevitavelmente do exterior para o eu, acarretando diversas manifestações
clínicas e sintomáticas próprias da psicose. Assim, os significantes forcluídos
retornam de fora, pela via do real, podendo apresentar-se através de alucinações,
delírios e outras manifestações. Estes, conforme Nasio (2001), equivalem aos
sonhos, atos falhos e outras manifestações do inconsciente para o neurótico, nas
quais o sujeito se vê surpreendido por algo (desejos) que lhe escapa à consciência.
A diferença, porém, se coloca na vivência, enquanto o neurótico sabe que é seu
próprio inconsciente que se apresenta ali, o psicótico tem a certeza inabalável de
que é vítima de uma voz tirânica, externa ao sujeito, que o aliena. Sendo, porém,
justamente a parte renegada 11 da realidade que se apresenta por meio de
alucinações e/ou delírios, como uma realidade substitutiva, na tentativa de uma
organização psíquica. Calligaris (1989, p. 22) explica: “Um delírio é isso: o trabalho
11
Termo usado por Freud para designar o mecanismo de defesa pelo qual o sujeito se recusa a reconhecer a
realidade de uma representação negativa.
26
de constituir uma metáfora paterna, então uma filiação e a sua relativa significação,
lidando com uma função paterna não simbolizada, mas sim no real”.
2.2 Perversão
12
Termo proposto por Freud, para nomear um mecanismo de defesa em que o sujeito exterioriza
negativamente um desejo ou ideia que ele recalcou.
13
Lugar em que se supõe um saber, lugar do Pai na neurose, na qual, se supõe que haja ao menos um (o Pai)
que pode domar o gozo do Outro. Corresponde também a linguagem.
27
verdade, instrumento, pela apropriação do saber do pai (um que saiba domar o gozo
do Outro). Assim, ele não supõe o saber a um suposto sujeito, mas julga ele próprio
ter o saber sobre como dominar o gozo, e também, como utilizar o objeto para fazer
o outro gozar. Calligaris (1986, p.12) complementa: “...o perverso é ao mesmo
tempo, o objeto que se tornou instrumento, ...e também o sujeito do saber sobre o
bom uso desse instrumento.”
A perversão configura-se uma renegação ou um desmentido da castração,
com uma fixação na sexualidade infantil. Restringe-se à pulsão, não reconhece nem
a proibição do incesto, nem o recalque e nem a sublimação. O uso do fetiche, bem
como outros mecanismos de satisfação, funciona como tentativa de encobrir a falta,
porém, à medida que a recobre também a reafirma.
2.3 Neurose
...a aposta do neurótico é que haja “ao menos um” que saiba lidar com a
Demanda do Outro, então o saber vai ter um sujeito suposto, e a
problemática de defesa vai se jogar na relação (dívida, geralmente) de cada
sujeito com o “ao menos um” que sabe. É nessa relação que o sujeito se
constitui e obtém uma significação. (Calligaris, 1989, p. 14)
14
Posição de resposta à demanda do Outro, de falo.
28
É como se adquirisse uma dívida para com o Pai, de um crime que ele ignora qual
seja. E o medo da morte, sintoma presente na neurose obsessiva, se configura em
última instância um retorno da angústia de castração.
O trabalho defensivo do eu, na neurose obsessiva, consiste em separar da
representação seu afeto, enfraquecendo-a. O afeto, porém, permanece na esfera
psíquica, ligando-se à “falsas” representações, que dão origem a pensamentos
obsessivos como: rituais, cerimoniais, precauções, desvios, e outros. Ao que diz
Freud (1894, p. 59) “mas seu afeto, tornado livre, liga-se a outras representações
que não são incompatíveis em si mesmas, e graças a essa “falsa ligação”, tais
representações se transformam em representações obsessivas.”
Para Nasio (1991, p. 20), a neurose obsessiva consiste, então, em sofrer
conscientemente no pensamento, ou seja, “deslocar o gozo inconsciente e
intolerável para um sofrimento do pensar”. Nesse caso, a carga pulsional abandona
a representação dolorosa, e superinveste uma idéia consciente, instalando-se no
pensamento e invadindo a vida do sujeito obsessivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NASIO, Juan David. Édipo: o complexo do qual nenhuma criança escapa. Tradução
André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
VIDAL, Paulo. Édipo sem complexo, Hamlet edípico. Revista de psicologia ECOS:
estudos contemporâneos da subjetividade. Vol 4, n.1, 2014, p. 77-89. Disponível em:
<http://www.periodicoshumanas.uff.br/ecos/article/view/1295/976>. Acesso em 30 de
setembro de 2019.