O Papel Da Justica
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O Papel Da Justica
RESUMO
A aplicação dos princípios de justiça é restrita nos relacionamentos amorosos, contribuindo para a aceitação
da violência contra a mulher. Objetivou-se analisar se o papel de percepções de justiça e do sexismo no
apoio social que os estudantes universitários dão à violência doméstica. E se a crença do mundo justo é um
moderador do papel mediador da restrição do âmbito da justiça na relação entre o sexismo e a aceitação da
violência contra a mulher. Participaram 314 estudantes universitários. Os resultados demonstraram que as
pessoas mais sexistas, que também acreditam que o mundo é um lugar justo, são as que restringem mais o
âmbito da aplicação de justiça, ou seja, percebem o casamento como sendo excluído desse âmbito. Logo,
este estudo acrescenta dados importantes nos estudos sobre o papel do contexto social na legitimação das
desigualdades sociais.
Palavras-chave
Âmbito de justiça; sexismo; violência; discriminação justificada
ABSTRACT
The application of the principles of justice is restricted in romantic relationships, which contributes to the
acceptance of violence against women. The goal was to analyze whether perceptions of justice and sexism
play a role in the societal support university students give to domestic violence. And whether belief in a
just world is a moderator of the mediating role of restricting the scope of justice in the relationship between
sexism and acceptance of violence against women. 314 university students participated. The results showed
that the most sexist people, who also believe that the world is just, are those who restrict the scope of justice
the most, i.e., they perceive marriage as excluded from this scope. Therefore, this study provides important
data for studies on the role of social context in legitimizing social inequalities.
Keywords
Scope of justice; sexism; violence; justified discrimination
1
Correspondence about this article should be addressed to Tamyres Tomaz Paiva: tamyres.tomaz1@gmail.com
2
Conflicts of Interest: The authors declare that the research was conducted in the absence of any commercial or financial
relationships that could be construed as a potential conflict of interest.
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The Role of Justice in the Relationship of Sexism and Violence Against Women
O problema é que toda essa situação, e seu funcionamento, é percebido como justa,
legítima e necessária. Por exemplo, é muito comum o ditado popular que proclama que
“em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. É como se uma vez juntos
(casados, uniões de afeto ou qualquer convivência não formalmente institucionalizada)
conseguisse estabelecer um micro nicho sócio-psicológico à parte do resto das relações
sociais, com normas e princípios de justiça específicas e invioláveis nas suas regras de
funcionamento social. E, portanto, as normas implícitas e informais do casamento ou
união em parceiros são tidas como “pregado a prego”, que ninguém pode arrancar. Esse
modo próprio de funcionamento tem sido estudado na psicologia social como “Âmbito
Psicológico da Justiça” (Opotow, 1990). O âmbito da justiça também denominado de
comunidade moral (Opotow, 2016; Opotow & Weiss, 2000) é um processo psicológico
que está associado à preocupação dos indivíduos com a aplicação dos princípios de justiça
a um determinado grupo considerado uma entidade psicológica autônoma. No presente
artigo procuramos elucidar essa questão propondo analisar o papel de percepções de
justiça e do sexismo no apoio social que os estudantes universitários dão à violência
doméstica. Especificamente, propomos um modelo analítico sobre o papel legitimador de
percepções de justiça no suporte social à violência contra a mulher.
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próprio sofrimento e esta culpabilização ocorre porque as pessoas são motivadas para
perceber os eventos que ocorrem no mundo como se fossem justos, legítimos e
necessários (Correia, Pereira & Vala, 2018; Lerner & Simmons, 1966). É essa a idea
central da Teoria da Crença no Mundo Justo (CMJ; Lerner, 1980).
De acordo com essa teoria, a negação do sofrimento de vítimas inocentes e a
atribuição de responsabilidade ao seu próprio sofrimento podem ajudar a preservar a
percepção de que o mundo é um lugar justo (Correia & Vala, 2003; Lerner, 1980). Isto
ocorre porque, perante uma situação de injustiça, a CMJ motiva as pessoas a perceber as
vítimas de injustiças como indivíduos maus e indignos (Lerner & Miller, 1978). Por
exemplo, quando confrontadas com o sofrimento de uma vítima de agressão nas relações
íntimas, as pessoas re-equacionam a situação e adotam a solução mais confortável
psicologicamente. Elas agem de modo a justificar a agressão com o argumento de que a
vítima tem algum grau de responsabilidade pela sua situação, inferindo que ela “terá saído
com as amigas para viajar”, ou resolver “encontrar um velho amigo” ou até mesmo “pediu
divórcio sem que o companheiro lhe desse motivo” (Valor- Segura, et al., 2011). Isto
significa que as pessoas agem de maneira a legitimar as injustiças ocorridas na vida social,
sendo esse processo facilitado quando a vítima é membro de um grupo socialmente
desvalorizado, como é o caso das mulheres nas relações conjugais.
A motivação das pessoas para agirem assim pode estar relacionada não apenas
com a CMJ, mas principalmente com preconceito cultural (Devine, 1989; Glick & Fiske,
2001) e estrutural contra as mulheres. Esse preconceito, normalmente tipificado com o
rótulo de sexismo, prega a aceitação da violência sem ao menos precisar justificar o
porquê de o agressor cometer aquele ato violento (Valor-Segura, et al., 2011). Esse
processo faz com que o parceiro(a) dominante faça exercer a sua superioridade nas
relações íntimas amorosas, legitimando a restrição dos princípios de direitos igualitários
entre homens e mulheres (Opotow, 1990). Neste sentido, é possível que pessoas mais
sexistas sejam também as mais motivadas a perceberem que “em briga de marido e
mulher não se mete a colher” (Nader, 2017), i.e., restrinjam a sua aplicação da igualdade
universal e neguem a sua aplicação nas relações íntimas, especialmente no âmbito do
casamento. Sendo assim, ao restringirem o âmbito da justiça igualitária, as pessoas estão
mais propensas a aceitar a violência contra a mulher, e isto ocorre porque acreditam que
o mundo é um lugar justo para se viver. O modelo que apresentaremos mais à frente
detalha melhor esse processo quando considera o papel do sexismo na dinâmica da
relação entre percepção de justiça e aceitação da violência contra a mulher.
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O modelo da discriminação justificada (MDJ, Pereira & Vala, 2010) foi proposto
para explicar a discriminação que ocorre quotidianamente nas sociedades
contemporâneas. O modelo integra os principais insights descritos na Teoria da
Justificação do Sistema (TJS, Jost & Banaji, 1994), no Modelo da Supressão do
Preconceito (MSP, Crandall & Eshleman, 2003) e na Teoria da Dominância Social (TDS,
Sidanius & Pratto, 1999). A TJS postula que as pessoas são motivadas para reforçar o
sistema, percebendo a realidade social como justa, legítima, natural e inevitável, que são
elementos necessários para manter seu status quo (Jost, 2019). Esse postulado é coerente
com o que se prevê no modelo da supressão do preconceito (MSP; Crandall & Eshleman,
2003), o qual propôs que as pessoas buscam justificativas para expressar seu preconceito
genuíno suprimido pelas normas anti-preconceito. A TDS (Pratto, et al., 2006) sugere que
isto ocorre porque as pessoas recorrem a mitos legitimadores como crenças ideológicas
como forma de manter a formação de hierarquias entre as pessoas e os grupos, usando da
violência para reforçar a desigualdade.
Se, de um lado, a justificação do sistema propõe uma tendência conservadora para
defender e justificar o status quo simplesmente por que ele existe, podendo ser às custas
da própria pessoa ou do seu pertencimento grupal (Jost & Banaji, 1994). Por outro, a
teoria da dominância social propõe que as hierarquias sociais são reforçadas por meio de
ideologias de superioridade de grupos (e.g., brancos) em outros grupos (e.g., pretos)
(Pratto, et al., 2006; Sidanius & Pratto, 1999). Como por exemplo, as pessoas com
maiores índices de preconceito racial tende a perceber as políticas de favorecimento a
cotas no Brasil como uma ameaça real ao sistema de hierarquia social (Modesto et al.,
2017). Esses elementos combinados são integrados no MDJ, justificando e explicando o
porquê de o processo de discriminação ser tão acentuado em algumas categorias sociais
(Pereira, et al., 2019). E é neste sentido que o MDJ explica como e quando o preconceito
motiva as pessoas, consciente ou inconscientemente, a agirem de forma discriminatória
em relação a grupo-alvo (Pereira, et al., 2019).
Os estudos realizados nesse modelo mostraram que, quanto mais forte é o
preconceito contra um grupo-alvo num contexto em que a discriminação é socialmente
condenada, as pessoas mesmo assim discriminam (Lima-Nunes et al., 2013; Pereira et al.,
2018; Lima et al., 2019). Porém, elas negam a base preconceituosa de suas ações e fazem
isto usando argumentos aparentemente não preconceituosos. O “aparentemente” é porque
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Objetivos e Hipóteses
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restrição do âmbito da justiça e moderado pela crença no mundo justo. Isto é, objetivou-
se analisar o papel de percepções de justiça e do sexismo no apoio social que os estudantes
universitários dão à violência doméstica. Além disso, explorou-se em que medida a
crença do mundo justo pode funcionar como um fator moderador do papel da restrição
do âmbito da justiça na relação ente o sexismo e a aceitação da violência contra a mulher.
Figura 1
Modelo adaptado de Pereira, Matheus e Santos (2019)
Método
Participantes
Participaram 314 estudantes de graduação, sendo a maioria dos cursos das áreas
de humanas (42,8%), mais especificamente do curso de psicologia (24,8%), com idades
variando de 18 a 62 anos (M = 24,77; DP = 6,25). São também do sexo feminino (76,8%),
se autodeclararam solteiros (84,4%), heterossexuais (72,3%), pouco religiosos (51,6%) e
que pertence à classe média baixa (42,4%). Atualmente os respondentes estão namorando
(40,4%), há mais de 2 anos (56,6%). Este estudo e tamanho da amostra forneceram 80%
de poder para detectar um tamanho médio de efeito de 0,50 ou superior (isto é, equivalente
a η2p = 0,05 para efeitos de interação), calculado por WebPower (Zhang & Yuan, 2018).
Medidas
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justo”). Esta avalia a concordância com cada afirmação em uma escala de resposta
variando de 1 = concordo totalmente a 6 = discordo totalmente. Seu coeficiente de
consistência interna foi de 0,77.
Procedimentos
Considerações éticas
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Resultados
Para uma análise mais aprofundada, testamos as nossas hipóteses usando modelos
de mediação moderada (Hayes, 2013). Testamos seis modelos, sendo um para a violência
em geral e cinco outros representando cada um dos tipos de aceitação da violência contra
a mulher (VD). O modelo assume o sexismo como a variável independente, a restrição
do âmbito de justiça como a mediadora e a Crença do Mundo Justo como moderadora.
Testamos se o sexismo é um fator que se relaciona com a aceitação da violência contra a
mulher e se esta relação é mediada pela restrição do âmbito de justiça e moderada pela
crença no mundo justo
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Figura 2
Modelo de Mediação Moderada.
Nota. Valores de fora das setas representam + 1SD e dentro da seta -1SD da CMJ
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participantes com alta crença no mundo justo, o âmbito da justiça mediou a relação entre
o sexismo e a aceitação da violência contra a mulher (Efeito Mediado = 0,05; SE = 0,03;
CI95%: 0,01;0,11), o que indica que quanto maior é o sexismo, mais os participantes
restringem o seu âmbito de justiça, e quanto mais restringem esse âmbito, mais aceitam a
violência contra a mulher. Nos participantes com baixa crença no mundo justo, a relação
entre o sexismo e a aceitação da violência não foi mediada pelo âmbito de justiça (Efeito
Mediado = 0,00; SE = 0,02; CI95%: -0,04; 0,04).
Na figura 2C, percebemos que a CMJ não moderou a relação entre o sexismo e a
aceitação da violência psicológica. Tanto nos participantes com alta crença no mundo
justo (Efeito mediado = 0,02; SE = 0,02; CI95%: -0,01;0,08), quanto nos participantes
com baixa crença no mundo justo (Efeito mediado = 0,00; SE = 0,02; CI95%: -0,04;0,04).
Isso indica que os participantes não precisam da restrição do âmbito de justiça, os
participantes mais sexistas aceitam diretamente a violência psicológica.
Na figura 2D, percebemos que a CMJ moderou a relação entre o sexismo e a
aceitação da violência sexual. Nos participantes com alta crença do mundo justo, o âmbito
da justiça mediou a relação entre o sexismo e a aceitação da violência contra a mulher
(Efeito Mediado = 0,06; SE = 0,03; CI95%: 0,00;0,13), o que indica que quanto maior é
o sexismo, mais os participantes restringem o seu âmbito de justiça, e quanto mais
restringem esse âmbito, mais aceitam a violência contra a mulher. Nos participantes com
baixa crença no mundo justo, a relação entre o sexismo e a aceitação da violência não foi
mediada pelo âmbito de justiça (Efeito Mediado = -0,04; SE = 0,03; CI95%: -0,11; 0,00).
Na figura 2E, percebemos que a CMJ moderou a relação entre o sexismo e a
aceitação da violência patrimonial. Nos participantes com alta crença no mundo justo, o
âmbito da justiça mediou a relação entre o sexismo e a aceitação da violência contra a
mulher (Efeito Mediado = 0,05; SE = 0,04; CI95%: -0,01;0,16), o que indica que quanto
maior é o sexismo, mais os participantes restringem o seu âmbito de justiça, e quanto
mais restringem esse âmbito, mais aceitam a violência contra a mulher. Nos participantes
com baixa crença no mundo justo, a relação entre o sexismo e a aceitação da violência
não foi mediada pelo âmbito de justiça (Efeito Mediado = 0,00; SE = 0,03; CI95%: -0,05;
0,06).
Na figura 2F, percebemos que a CMJ não moderou a relação entre o sexismo e a
aceitação da violência moral. Tanto nos participantes com alta crença no mundo justo
(Efeito Mediado = 0,04; SE = 0,03; CI95%: -0,01;0,12), quanto nos participantes com
baixa crença no mundo justo (Efeito Mediado = -0,01; SE = 0,03; CI95%: -0,07; 0,05).
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Isso indica que os participantes não precisam justificar para poder aceitar, as pessoas mais
sexistas aceitam de forma direta a violência contra a mulher.
Discussão
que entendemos ser o adágio popular “em briga de marido e mulher não se mete a colher”
um exemplo típico de mito legitimador da violência contra a mulher.
As violências invisíveis como a psicológica e a moral não precisam de
justificativas, porque o preconceito (principalmente o sexismo hostil) por si é
suficientemente forte para motivar o apoio a esse tipo de violência, ou negar ser exemplo
de violência contra as mulheres (Rollero, et al., 2019). É importante notar que os
resultados aqui apresentados têm implicações importantes para a compreensão desse
fenômeno porque situa o problema dos tipos de violência no quadro geral dos estudos
sobre o papel do contexto social na legitimação das desigualdades sociais (e.g., Pereira &
Vala, 2010; Pereira & Souza, 2016; Pereira, et al., 2019). Isto significa que a violência
contra a mulher revela um engenhoso mecanismo de legitimação, o qual é baseado pelo
sexismo estrutural e motivado pela necessidade das pessoas de perceberam o mundo
como um lugar justo para se viver. Outra importante implicação dos nossos resultados
está no fato de que a percepção de justiça, aqui operacionalizada como a restrição ao
âmbito de justiça, foi fortemente predita pelo sexismo. Isto significa que a forma como
os participantes analisaram a violência doméstica, e as inferências que fizeram sobre as
questões de justiça envolvidas nessas relações, não ocorreu de forma aleatória. Esteve
condicionada ao sexismo, o qual certamente continua estruturando as relações de gênero
em nossa sociedade e reforçando as práticas machistas e hierarquizadoras que
caracterizam essas relações, produzindo subjetividades que continuam a sustentar
desigualdades sociais na contemporaneidade.
De fato, a violência contra as mulheres é marcadamente estrutural, normatizado
pela cultura, o que de certo modo impõe às mulheres uma restrição dos princípios de
justiça (Opotow, 2001). No presente estudo, dois casos (e.g., “Geraldo diz para os amigos
que Flora não se comporta como mulher casada” e João diz que “se você deixar de ser
minha, não será de ninguém”) foram legitimados como violências aceitáveis para o
contexto normativo por pessoas sexistas e que possuem alta crença no mundo justo. Isto
é, os participantes mais sexistas e que agem de modo a reforçar a sua crença de que as
mulheres mereceram aquilo que têm e têm o que merecem (Lerner, 1980). Um aspecto
relevante no presente estudo refere-se ao fato de a amostra que obtivemos envolver mais
mulheres do que homens, o que tipifica melhor a difusão do processo de legitimação da
violência doméstica. Este processo ocorre não apenas nos homens, mas também nas
mulheres. Às vezes, e em condições sociais muito desfavoráveis das mulheres em relação
aos homens, elas podem agir de forma a contribuir para a naturalização dessa violência.
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Um fenômeno similar foi verificado num estudo conduzido Correia et al. (2015), o qual
mostrou que as mulheres que mais se identificam com o seu grupo também foram as que
mais legitimaram o abuso que sofriam nas relações conjugais. Fazem isto simplesmente
porque parecem ter internalizado a ideologia sexista da superioridade do homem (Glick
et al., 2015). Nessa interface, a cultura age de modo a reforçar o maior valor social dos
homens, o que lhes permite perceber como justa a subordinação que as submete (Glick et
al., 2015; Rollero, et al., 2019). Um exemplo desse fenômeno se revela quando
proclamam os comportamentos por eles “considerados adequados” para ser uma boa
esposa e dona de casa e assim ser digna de um casamento (Burgess & Borgida, 1999;
Rollero, et al., 2019; Viki, et al., 2003). Essa ideia mascara a desigualdade estrutural a
fim de reduzir a angústia resultante da injustiça social (Opotow, 2001; Opotow, 2016).
No entanto este trabalho não está isento de limitações. Uma das limitações é que
este estudo é correlacional, necessitando de uma análise experimental e usar desenhos
longitudinais para o estudo mais aprofundando do papel da restrição do âmbito da justiça
no apoio social dado à violência contra as mulheres. Será necessário analisar,
especificamente, se é possível uma relação reversa ou mesmo circular entre as variáveis
proposta no modelo. Outra limitação está no fato de o nosso estudo envolver apenas
estudantes universitários, o que restringe a sua aplicabilidade para populações mais
amplas. Para atenuar essa limitação, aplicamos o estudo numa grande variedade de cursos
cuja quantidade não permitiu avaliar o peso de cada um deles nas relações entre as
variáveis de nosso modelo analítico. Entretanto, a diversidade de cursos ajuda a mitigar
enviesamentos típicos em estudos que analisam respostas de estudantes de um único curso
em poucas turmas. Finalmente, verificamos que essas áreas de conhecimento não
moderaram as relações entre as variáveis, sugerindo que o processo psicossocial que vai
do sexismo à aceitação da violência, mediado pela restrição do âmbito da justiça, ocorreu
na mesma intensidade nos participantes de cada uma das áreas do conhecimento.
Apesar dessas limitações, os resultados foram suficientemente fortes e coerentes
com estudos anteriores sobre o papel legitimador das percepções de justiça na
discriminação contra grupos minoritários (Lima-Nunes et al., 2013), especificamente
mostrando que pessoas que mais acreditam que o mundo é um lugar justo para se viver
(Lerner, 1980) são mais vulneráveis ao sexismo que internalizaram e mais facilmente
expressa esse sexismo na aceitação da violência contra a mulher. Elas fazem isso permeio
da restrição dos princípios de justiça, um elemento justificador na legitimação da
desigualdade social e moral.
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Received: 2021-04-06
Accepted: 2021-12-07
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