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46-Texto Do Artigo-176-1-10-20201016

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ISSN 2307-3918

Artigo original

POLÍTICA DE POPULAÇÃO EM MOÇAMBIQUE: porquê e para quê?


Carlos Arnaldo e Rogers Hansine
Universidade Eduardo Mondlane (UEM), Moçambique

RESUMO: As políticas de população são programas ou conjunto de acções através dos quais os governos
influenciam directa ou indirectamente as variáveis demográficas de modo a promover um equilíbrio entre as
dinâmicas demográficas e socioeconómicas. O debate sobre a adopção de uma política de população nos países
pobres, e em particular nos da África subsaariana, tem estado na ordem do dia sobretudo desde os meados do
século XX. As rápidas transformações demográficas e os desafios socioeconómicos e políticos relativos ao
progresso social levaram as agências governamentais e não-governamentais internacionais a promover a adopção
e implementação de políticas de população nos países em desenvolvimento para reduzir o crescimento
populacional e impulsionar o desenvolvimento socioeconómico. No âmbito deste movimento, Moçambique
adoptou uma política de população em 1999, mas a sua implementação não foi efectiva. Com base na revisão de
literatura, este artigo discute a necessidade e a natureza de uma política de população para Moçambique tendo em
conta o contexto demográfico social e político do país. O processo de desenvolvimento económico de Moçambique
também dependerá da forma como o país irá lidar com a sua dinâmica demográfica, sobretudo da forma como irá
gerir a sua fecundidade, tanto em termos de discurso como de políticas e programas a adoptar.
Palavras-chave: Crescimento populacional, desenvolvimento socioeconómico, Moçambique, Política de
População.

POPULATION POLICY IN MOZAMBIQUE: why and what for?


ABSTRACT: Population policies are programs or set of action through which governments influence direct or
indirectly the demographic variables to promote the balance between demographic and socioeconomic
development dynamics. The debate about the adoption of a population policy in poor countries, particularly in
Sub-Saharan African countries has been on since the middle of the 20th century. Rapid demographic
transformations and socioeconomic and political challenges regarding social progress has led government and
non-government international agencies to promote the adoption and implementation of population policies in
developing countries to reduce the population growth and instigate socioeconomic development. In Light of this
movement, Mozambique adopted a population policy in 1999, but its implementation has not been effective. Based
on literature review, this paper discusses the need and the nature of a population policy in Mozambique taking into
account the demographic, social and political context of the country. Mozambique’s future economic development
will also depend on the way its demographic dynamics will be handled, particularly the way fertility will be
managed both in terms of discourse as well as the policies and programs to be adopted and/or implemented.
Key words: Population growth, socioeconomic development, Mozambique Population policy.
_______________________________
Correspondência para: (correspondence to:) carlos.arnaldo@uem.ac.mz

INTRODUÇÃO como isso deverá ser feito e para que


finalidade?
O presente artigo aborda os aspectos
teóricos e analíticos que informam a A dinâmica populacional tem sido alvo de
natureza das Politicas de População (PP) intervenções políticas desde a existência da
como forma de contribuir no debate teórico humanidade, primeiro para garantir um
sobre as questões demográficas tamanho populacional que conferisse poder
contemporâneas. A questão central do e vantagem militar para enfrentar as guerras
artigo é se Moçambique precisa ou não pela conquista de territórios que
influenciar a dinâmica da sua população e caracterizaram as sociedades antigas e,
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segundo, para garantir a mão-de-obra para o Por influência ou pressão de organizações


processo produtivo (DEMENY, 2003). internacionais, vários países Africanos
começaram a adoptar políticas nacionais de
Nessa altura, para compensar as perdas
população. As mudanças no tamanho,
devido a constantes guerras e elevada
estrutura e composição da população,
mortalidade, era fundamental incentivar a
associadas à distribuição espacial irregular
natalidade e reduzir a mortalidade. Com o
da população passaram a ser entendidas
advento da revolução industrial e
como factores essenciais na planificação de
consequente redução da mortalidade, a
acções relacionadas com a redução da
preocupação passou a ser o controle da
pobreza. Não menos importantes, foram as
natalidade pois, a redução da mortalidade e
preocupações inerentes à relação entre o
a manutenção de níveis elevados de
rápido crescimento populacional e a
natalidade propiciavam um crescimento
degradação ambiental, bem como a rápida
acelerado da população.
urbanização. Estas e outras preocupações
Nos países desenvolvidos, a redução da que procuram discutir a relação entre a
mortalidade e da natalidade foi população e o desenvolvimento
acompanhado por um gradual e consistente encontraram o espaço para uma articulação
processo de desenvolvimento formal nas políticas de população.
socioeconómico. Nesses países, em
Com base na revisão de literatura e revisão
particular os da Europa no Norte, a
parcial da PP e Estratégia Nacional de
associação entre mudanças demográficas e
Desenvolvimento (END), o presente artigo
socioeconómicas é de tal modo estreita que
discute a necessidade e a relevância de uma
é discutível discernir qual dos dois
PP para Moçambique tendo em conta o
fenómenos é causa ou efeito (ROSS, 1998).
contexto demográfico social e político do
O facto é que tais mudanças conduziram a
país. O carácter assimétrico da distribuição
um equilíbrio entre o desenvolvimento
espacial da população, o acelerado ritmo do
económico e o crescimento populacional.
crescimento populacional e a estrutura
Nos países em desenvolvimento, observa-se etária eminentemente jovem estão entre os
uma redução generalizada da mortalidade e factores demográficos que exercem uma
a manutenção de altas taxas de natalidade, o considerável pressão na distribuição, uso e
que vem acelerando o crescimento gestão dos recursos de que o país dispõe.
populacional. Para além disso, o nível de Por conseguinte, tem impactos no processo
desenvolvimento socioeconómico e a de desenvolvimento do país.
melhoria das condições de vida não têm
Ao se analisar a relevância da adopção da
registado progressos assinaláveis, o que fez
PP, não se faz somente por a PP ser um
com que a comunidade política
instrumento político cuja finalidade é
internacional advogue a adopção de
influenciar a dinâmica demográfica, mas
políticas para o controle do crescimento
também, como forma de aprofundar o
populacional, como um recurso necessário
debate sobre como Moçambique encara a
para os governos nos países em
relação entre a dinâmica demográfica do
desenvolvimento promoverem o bem-estar
país e o processo de desenvolvimento
da sua população (CHIMBWETE,
social, económico e político. Existe um
WATKINS e ZULU, 2005). Este debate,
potencial enorme para materialização do
sobre políticas de controle populacional,
chamado “dividendo ou bónus
tem estado na ordem do dia nos países em
demográfico”, um possível ganho
desenvolvimento desde os meados do
socioeconómico resultante das alterações
século XX e na África subsaariana
na estrutura etária da população. Desta
sobretudo a partir da década de 1980
forma, esta análise não se restringe a
(DEMENY, 2011; ROBINSON, 2015).
questão de haver ou não necessidade de
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Política de população em moçambique: porquê e para quê?

influenciar a dinâmica demográfica, mas necessidade do Estado adoptar uma PP se


também a questão de como influenciar e justifica pelo facto deste ter a função de
para que finalidade. promover o que é de interesse público. Por
exemplo, na Constituição dos Estados
O artigo está organizado da seguinte
Unidos da América (EUA) de 1789,
maneira: depois da introdução, a secção 2
algumas das funções do Estado, como o
faz uma resenha do surgimento e evolução
estabelecimento da justiça, segurança da
das PP no mundo. A secção 3 descreve o
tranquilidade interna, providência da
contexto e as motivações para a promoção
defesa, promoção do bem-estar geral e
da adopção de PP em África e a forma como
garantia dos benefícios da liberdade e
os países africanos lidaram com a pressão
prosperidade, dependiam da
da comunidade internacional, que advogava
regulamentação da imigração. Uma vez que
o controle do crescimento populacional. A
a imigração não pode ser gerida por
secção 4 aborda a história das medidas ou
indivíduos isoladamente, tornou-se de
programas com potenciar para influenciar a
domínio público, portanto cabendo ao
dinâmica demográfica em Moçambique
Estado a sua regulação (DEMENY, 2011).
incluindo a adoção da primeira e única PP
Este exemplo ilustra que a necessidade de
em Moçambique; a secção 5 discute a
regular a entrada e saída de pessoas não era
necessidade e a natureza de uma PP para
o fim último de controlo do movimento
Moçambique. As conclusões são
migratório dos EUA, nem tão pouco a
apresentadas na secção 6.
necessidade fundamental de adoptar essa
SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DAS PP. O que os EUA procuravam
POLÍTICAS DE POPULAÇÃO salvaguardar ao adoptar tal medida que hoje
podemos chamar de PP, era o bem-estar
Uma PP pode ser entendida como um público, por meio de acções que afectavam
conjunto de acções em forma de política a mobilidade dos indivíduos.
nacional ou programas específicos que são
aprovados pelos Estados para influenciar Embora a legitimidade dos Estados para
directa ou indirectamente as variáveis intervir no domínio demográfico possa ser
demográficas (DEMENY, 2003; questionável, a necessidade de influenciar a
ROBINSON, 2015). Através de actos dinâmica demográficas de modo a
sistemáticos que regulam as entradas salvaguardar o bem-estar público pode não
(nascimentos e imigrantes) e as saídas ser facilmente entendida pelos indivíduos a
(mortes e emigrantes) de indivíduos de/para quem tais medidas dizem respeito. Esta
população, um Estado pode influenciar as falta de entendimento tende a ser maior em
mudanças no tamanho, estrutura e alguns domínios demográficos que noutros.
composição da população. A necessidade Por exemplo, se a mortalidade é elevada,
de regular a dinâmica demográfica pelos podem ser adoptadas medidas para a
Estados depende dos impactos reais e reduzir, nesse caso, é altamente provável
potenciais que as mudanças no tamanho, que as pessoas cooperem sem muita
estrutura e composição da população têm no resistência. Contudo, se a distribuição
processo de desenvolvimento espacial da população é considerada
socioeconómico, isto é, do bem-estar da irregular, a necessidade de a corrigir por
população. meio de influência da mobilidade da
população, é provável que não seja bem
A formulação e a adopção de PP não tem aceite pela população, pois estas migram
sido livre de controvérsia, sobretudo no que por razões diversas, que não
concerne à legitimidade do Estado em necessariamente do bem-estar público real
regular os aspectos de vida privada das ou percebido.
pessoas. De acordo com Demeny (2011), a

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Entretanto onde a legitimidade de limites socioculturais mais ou menos


intervenção dos Estados é menos entendida amplos e subjectivos. Em cada contexto
é no domínio da reprodução. Se a taxa da sociocultural, as decisões individuais sobre
fecundidade é relativamente elevada e o a procriação reflectem o cálculo dos casais
Estado percebe que há impactos reais ou sobre os custos e benefícios de ter filhos.
potenciais com a redução daquela taxa, é Entretanto, tanto os custos como os
frequente que se levante a questão sobre a benéficos podem não se restringir ao casal
legitimidade que o Estado tem de interferir em causa e afectarem também os outros
na vida reprodutiva ou sexual dos membros da sociedade justificando, por
indivíduos. Isto prende-se com o facto de as isso, a intervenção do Estado no domínio do
escolhas reprodutivas serem determinadas, comportamento reprodutivo dos indivíduos
não apenas por factores biológicos, mas em defesa do bem-comum (DEMENY,
sobretudo por factores comportamentais e, 2003).
portanto, muito sensíveis a práticas A história das PPs no mundo é longa e
socioculturais. Em defesa do direito a remota desde a antiguidade. As sociedades
procriação livre da interferência do Estado, antigas eram caracterizadas por expansão
o argumento da reprodução como direito territorial, conquistas e abertura para
humano tem emergido de vários quadrantes receber pessoas de outros territórios.
da sociedade. Tal foi visível na Conferência Todavia, as sociedades modernas são
Internacional sobre População e caracterizadas pela competição com base
Desenvolvimento de 1994, no Cairo, nas competências e habilidades intelectuais
quando uma improvável aliança entre o (MACE, 2008). Portanto, se no passado um
movimento feminista e o malthusianismo maior número de habitantes era conotado
apareceu em defesa dos direitos sexuais e como riqueza e a intervenção do Estado
reprodutivos (HODGSON e WATKINS, sobre a natalidade era muito limitada, na
1997). Há países que actualmente se actualidade a quantidade de capital
debatem com taxas de fecundidade muito intelectual acumulado por cada individuo
baixas (por exemplo os países do sul da por meio da escolarização é crucial para a
Europa). Os seus esforços para influenciar o riqueza das nações. Assim, no passado, a
aumento da taxa de fecundidade não deixam maior influência sobre os padrões de
de ser controversos, pois nem todas as reprodução era feita pela interação social e
facções políticas estão de acordo com tais esperava-se que os indivíduos se
práticas. Ademais, nem todos cidadãos são comportassem dentro de padrões legal e
elegíveis para os benefícios que o Estado culturalmente aceites dentro do seu grupo
oferece aos indivíduos que procriam social (DEMENY, 2011). Actualmente,
(RAUTE, 2015) num contexto pós-industrial e onde a
Não obstante, a partir de 1950, nos países urbanização está mais presente, Mace
em desenvolvimento, a fecundidade (2008) sugere que limitar a fecundidade
agregada ter sido o alvo preferencial das parece ser essencial para o sucesso dos
PPs devido ao seu impacto decisivo no indivíduos e dos seus países.
rápido crescimento da população nesses Pode-se, portanto, constatar que a revolução
países e no mundo, um elevado ou baixo industrial, a urbanização e o
nível de fecundidade tem impactos directos desenvolvimento do capitalismo como
e indirectos na economia e no nível de bem- sistema de organização social e económica,
estar comum. Entretanto, a intervenção contribuíram para uma mudança radical no
política neste domínio é problemática tendo modo de pensar a relação entre população e
em conta que a fecundidade resulta de desenvolvimento. O pensamento de
decisões de fórum individual sobre Thomas Malthus, que viveu a fase crítica da
procriação, que são definidas dentro de revolução industrial e da explosão urbana
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Política de população em moçambique: porquê e para quê?

na Inglaterra, impactou profundamente a vida, que acompanharam a revolução


análise moderna da relação entre dinâmicas industrial, resultaram em um maior controle
demográficas e bem-estar. A obra de Eric da mortalidade. A queda da mortalidade,
Ross, “The Malthus Factor: Population, por seu lado, acelerou as taxas de
Poverty and Politics in Capitalist crescimento populacional. Malthus,
Development” permite situar a forte constatou que tal crescimento reduzia a
influência de Malthus no pensamento capacidade da economia para acomodar as
moderno das questões de população e necessidades de uma população cada vez
política na era moderna (ROSS, 1999) crescente, o que conduziria à deterioração
das condições de vida, que, por sua vez,
Malthus tornou-se celebre com a publicação
poderia resultar no aumento da mortalidade.
do “Ensaio sobre o princípio da população”,
Esta visão terá servido de base para se
em 1798, e as suas ideias a respeito das
ensaiar algumas medidas de controle
consequências do crescimento acelerado da
populacional. Abriu-se espaço para uma
população sobre o bem-estar influenciaram
reflexão intelectual e política sobre o custo
e continuam a influenciar o pensamento
e benefícios de manter famílias numerosas.
intelectual e sobretudo político sobre
O aumento da procura de mão-de-obra e da
dinâmica demográfica e bem-estar (ROSS,
renda tendiam a manter uma elevada
1998). Todavia, segundo Ross (1998), no
fecundidade, mas o aumento da literacia,
século XX, contradizendo Malthus, Ester
expectativa material e oportunidades de
Boserup sugeriu que a pressão demográfica
mobilidade social, a emancipação da
resultante do crescimento populacional
mulher e sua participação na força de
seria vantajosa pois estimulava a inovação,
trabalho, urbanização e a criação de um
especialmente no contexto agrário. Para ela,
sistema de segurança social na velhice pelo
o sucessivo aumento da população forçava
Estado provocariam o efeito contrário
a sociedade a inventar novas tecnologias
(DEMENY, 2011).
para satisfazer as necessidades. A posição
de Boserup foi antes de mais uma resposta O aumento da mortalidade relacionado com
ao pensamento Malthusiano referente aos as perdas da I Guerra Mundial e a pandemia
impactos negativos da pressão demográfica. de influenza, que se seguiu a esta Guerra e
Ela argumenta que, tendo em conta o a redução do número de nascimentos
contexto histórico e, a pressão demográfica durante os anos da guerra, levou a receios
pode ter impactos positivos, no que tange, de que a combinação de uma baixa taxa de
por exemplo, ao desenvolvimento de fecundidade e o aumento da mortalidade
técnicas e tecnologias agrícolas mais poderia levar a uma taxa de crescimento a
eficientes e eficazes. Não obstante, tem sido oscilar entre zero a valores negativos. Este
o pensamento de Malthus o que ganhou receio levou a alguma pressão para que os
ampla aceitação no seio da comunidade países Europeus adoptassem políticas de
intelectual e política internacional, estímulo a fecundidade (DEMENY, 2003).
possivelmente dado contexto liberal e Nesta linha, alguns países reforçaram o
industrial no qual Malthus assenta suas banimento do planeamento familiar e as
observações. Actualmente, controlar o penas para o aborto (DEMENY, 2011).
tamanho da população é visto como uma Entretanto, nos países menos
necessidade incontornável para assegurar a desenvolvidos, as questões populacionais
provisão adequada de alimentos, serviços só começaram a atrair atenção a partir dos
sociais básicos como educação, saúde, meados do século XX (DEMENY, 2003;
emprego e ainda reduzir a pressão sobre os UNITED NATIONS, 2003). Com a
recursos naturais (PHAM et al., 2013). redução da mortalidade e a permanência de
Em linhas gerais, o progresso tecnológico e níveis elevados de fecundidade, do nível
consequente melhoria das condições de das sociedades pré-modernas, as taxas de
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crescimento populacional aumentavam de nível internacional no primeiro quarto do


tal forma que a população poderia duplicar século XX.
ou triplicar em uma geração e o aumento da Em 1954, as Nações Unidas realizaram em
diferença entre o tamanho da população e o Roma aquela que seria a primeira de várias
nível de renda começou a ser visto como um conferências sobre população cujos
obstáculo ao desenvolvimento destes países impactos moldaram as questões de PP no
(DEMENY, 2003). Portanto, se até ao mundo. Esta conferência foi convocada
século XIX o tamanho e o crescimento da com o objectivo de promover a troca de
população eram tomados como elementos informação sobre as variáveis
importantes para avaliar o poder das nações demográficas, seus determinantes e
(BARRETT e FRANK, 1999), depois da consequências. Participaram dela diversos
segunda Guerra Mundial, a necessidade de intelectuais, com enfoque com os das áreas
regular o tamanho e controlar o crescimento de demografia e dos estudos de população.
da população se tornaram factores críticos A conferência teve um carácter
no discurso sobre a redução da pobreza no eminentemente académico, com cerca de
mundo subdesenvolvido. 400 apresentações e nenhum compromisso
Diversas conferências internacionais para político em termos de controlar o
entender a dinâmica demográfica, como crescimento da população foi assumido
influenciá-la e sobretudo a sua relação com abertamente (NOTESTEIN, 1954).
o desenvolvimento tiveram lugar ao longo
A segunda conferência convocada pelas
do século XX. Os debates sobre que
Nações Unidas teve lugar em Belgrado, em
políticas poderiam conduzir à redução da
1965. Esta foi co-organizada pelas Nações
fecundidade nos países subdesenvolvidos
Unidas e pela União Internacional para o
se intensificaram, em especial nos Estados
Estudo Científico da População (FINKLE e
Unidos (CHIMBWETE et al., 2005;
MCINTOSH, 2002). Esta conferência teve
DEMENY, 2003; ROMANIUK, 2012;
lugar numa altura em que o papel da United
UNITED NATIONS, 2003). A partir de
StatesAgency for
1960, várias iniciativas tiverem lugar nesse
InternationalDevelopment (USAID), no
sentido, bem como a criação de
financiamento de programas de controlo da
organizações governamentais e não-
população nos países em desenvolvimento,
governamentais internacionais dedicadas à
ganhava notoriedade. Os especialistas
promoção de um maior conhecimento da
participantes examinaram a questão da
dinâmica demográfica e a adopção de
fecundidade como um factor para a
medidas de controle de natalidade nos
planificação do desenvolvimento.
países em desenvolvimento (CONNELLY,
2003; MOSLEY e BRANIC, 1989; PHAM Em 1974, a terceira conferência das Nações
et al., 2013; ROBINSON, 2015; Unidas sobre população teve lugar em
ROMANIUK, 2012). Bucareste. Foi uma conferência
intergovernamental, na qual 135 países
A primeira conferência internacional da
estiveram representados com o objectivo de
população realizada em 1927, em Genebra,
discutir a relação entre população e
discutiu a questão do superpovoamento.
desenvolvimento. Diferentemente da
Esta conferência foi co-organizada pela
anterior que foi eminentemente académica,
Liga das Nações e MargaretSanger,
de Bucareste saiu um compromisso político
conhecida por ter popularizado a expressão
sobre a questão população e
“controle da natalidade” i. As questões sobre
desenvolvimento. O plano de acção da
o controlo dos nascimentos e do conferência de Bucareste reconheceu que as
crescimento populacional foram desde variáveis populacionais e o
então considerados temas pertinentes a desenvolvimento estão estreitamente
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Política de população em moçambique: porquê e para quê?

relacionados e, pela primeira vez, os diferente das anteriores. Enquanto as


Estados presentes concordaram que as PPs anteriores designaram-se por conferências
e os seus objectivos eram parte integrante sobre população, esta designou-se por
das políticas de desenvolvimento conferência sobre população e
socioeconómico ii. desenvolvimento (MCINTOSH e FINKLE,
1995). O seu nível de participação foi o
As conferências seguintes, no México
mais elevado de todas. Mais de 180 países
(1984) e Cairo (1994), foram marcadas por
participaram e um novo plano de acção foi
amplo consenso político sobre as questões
adoptado como um guia internacional das
demográficas, em especial, o controlo da
questões de população e desenvolvimento.
natalidade. Na conferência do México, foi
O novo plano enfatizou o laço indissolúvel
reafirmado o plano de acção de Bucareste,
entre população e desenvolvimento
acrescido da inclusão dos aspectos
reconhecendo a necessidade de satisfazer as
relacionados com os direitos humanos,
necessidades reprodutivas dos indivíduos,
como “bem-estar”, “condições de saúde”,
com base no princípio universal dos direitos
“educação” e emprego e sua relação com a
humanos não apenas em função dos
natalidade. O mais importante é que pela
interesses demográficos (FINKLE e
primeira vez foi reconhecido que era
MCINTOSH, 2002). Esta orientação
necessário reforçar a cooperação
marcou uma nova fase no discurso
internacional para promover mais eficácia
internacional sobre população e
no desenho de PPs e garantir que os seus
desenvolvimento e como as PPs passaram a
objectivos fossem atingidos. As PPs
ser formuladas. De instrumentos de
começam a ser interpretadas como uma
controlo de natalidade e, portanto, de
necessidade para o desenvolvimento. Nessa
controlo de crescimento demográfico, as
altura vários países africanos sentem-se
PPs passam a ser vistas como instrumentos
pressionados a começar a adoptarPPs.
de promoção dos direitos humanos, sexuais
A conferência do Cairo foi radicalmente e reprodutivos.

TABELA 1 - Principais conferências internacionais sobre População

Ano Cidade Pais Principais actores Assunto(s)


Liga das Nações e Margaret
1927 Genebra Suíça Superpovoamento
Sanger
Partilha de informações sobre
1954 Roma Itália Nações Unidas e Cientistas
as variáveis demográficas
Servia Nações Unidas e União
Relação entre população e
1965 Belgrado (antiga Internacional para o Estudo
desenvolvimento
Jugoslávia) Científico da População
Nações Unidas (135 países) e
União Internacional para o Relação entre população e
1974 Bucareste Roménia
Estudo Científico da desenvolvimento
População
Relação entre população e
1984 México México Nações Unidas (146 países)
desenvolvimento e PPs
Relação entre população e
desenvolvimento e PP a luz
1994 Cairo Egipto Nações Unidas (180 países)
dos direitos (humanos)
sexuais e reprodutivos
Fontes: Nações Unidas, 2017.

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As repercussões deste movimento global No entanto, a adopção das PPs nem sempre
sobre a população, particularmente nos foi o reflexo da vontade genuína dos
países menos desenvolvidos foram e têm Governos dos países africanos em reduzir o
sido profundas. A nível mundial, a crescimento populacional, mas sobretudo
fecundidade passou de 5 filhos por mulher uma necessidade de alcançar metas
no período 1950-55 para 2.5 filhos no simbólicas orientadas do exterior
período 2010-15. Durante o mesmo (CHIMBWETE et al., 2005; CONNELLY,
período, nos países menos desenvolvimento 2003; ROBINSON, 2015). Robinson
a fecundidade passou de 7 para 4.3 filhos (2015) apresenta três razões para a adopção
por mulher (UNITED NATIONS, 2017). de PPs nos países da África subsaariana: (i)
As trajectórias dos países (especialmente os as relações mais intensas com a comunidade
menos desenvolvidos) na redução da política internacional facilitaram a
fecundidade são diferentes. Nem todos os transmissão aos países africanos de normas
países adoptaram PPs e, entre os países que internacionais a respeito de valores, tais
adoptaram alguma forma de PP quer a como os direitos reprodutivos enquanto
natureza da política quer os graus de direitos humanos e ao mesmo tempo sobre
implementação tiveram e têm, o discurso vigente do período pós-segunda
características distintas. Guerra Mundial a cerca da relação entre
população e desenvolvimento; (ii) a pressão
POLÍTICAS DE POPULAÇÃO EM normativa e intensa das organizações
ÁFRICA internacionais para a formulação e adopção
Entre os países em desenvolvimento, os de PPs e; (iii) uma escolha racional dos
países da África subsaariana foram os Estados africanos em reduzir o crescimento
últimos a adoptar as PPs para a redução do da população como forma de acelerar o
crescimento da população. O primeiro país desenvolvimento socioeconómico.
africano a anunciar a adopção duma política Segundo a análise de Robinson (2015), a
de população foram as Maurícias em 1965, pressão normativa e coerciva das
seguiram-se o Quénia em 1967 e o Gana em organizações não governamentais
1969. Até 1974 apenas estes três países internacionais e das organizações doadoras
africanos tinham adoptado PPs teve maior influência. Esta (pressão
(CHIMBWETE et al., 2005; MOSLEY & normativa) baseava-se na crença da
BRANIC, 1989; ROBINSON, 2015). comunidade internacional de que o rápido
Entretanto, em 1999, quando Moçambique crescimento da população tinha
adoptou a sua política de população, cerca implicações negativas para o
de dois terços dos países Africanos também desenvolvimento socioeconómico. Desde
já haviam adoptado políticas com o as conferências internacionais de Bucareste,
objectivo de reduzir o crescimento da México e Cairo, começaram os programas
população (ROBINSON, 2015). de treinamento em demografia para
A adopção das PPs pela maioria dos países técnicos desses países e da promoção de
da região ocorreu entre 1980 e 1990 e PPs pelas organizações internacionais
explica-se pelo facto de ter sido nesse doadoras. Estas organizações, por um lado,
período em que cresceu a integração dos advogavam a adopção das PPs como um
países africanos na comunidade política mecanismo de promoção de direitos
internacional (ROBINSON, 2015), humanos e, por outro lado, como condição
provavelmente devido aos compromissos de acesso a fundos ou empréstimos das
políticos assumidos na conferência de organizações doadoras.
Bucareste, em 1974, e na seguinte no Embora a promoção de PPs por parte das
México, em 1984. organizações doadoras não significasse
uma imposição, a adoção de PPs facilitava
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Política de população em moçambique: porquê e para quê?

o acesso a fundos dessas organizações para implementação das PP em alguns contextos


apoiar a implementação de programas nas africanos.
áreas de população e outras áreas Todavia, onde e quando as PPs são
relacionadas (CHIMBWETE et al., 2005; adoptadas com relativo sucesso em África,
ROBINSON, 2015). Assim, a ligação dos Chimbwete et al. (2005), enfatizam que o
países a essas organizações exerceu uma papel dos líderes é crucial na apropriação,
pressão normativa sobre os Estados que legitimação e implementação. Portanto,
devido a sua fragilidade económica foi independentemente da pressão da
difícil de resistir. Isto parece explicar o comunidade política internacional,
facto de muitos países não terem geralmente promotoras e financiadoras das
implementado as PPs adoptadas. Por PPs em toda África, a instituições locais
exemplo, segundo Chimbwete et al. (2005), parecem ser o factor crucial que diferencia
o governo do Quénia adoptou uma PP em o trajecto na adopção e implementação das
1967 por pressão das organizações PPs entre os países africanos.
internacionais, mas não a implementou por
não concordar com a redução do Política de População em Moçambique
crescimento populacional ou porque as Embora a informação sobre medidas ou
elites e o público em geral não entendiam a programas com potencial para influenciar a
importância de controlar o crescimento dinâmica populacional em Moçambique
populacional através do uso de métodos de antes da independência em 1975 seja
planeamento familiar; por outro lado, o escassa, sabe-se que durante o tempo
Governo do Malawi opôs-se ao colonial, as questões relacionadas com a
planeamento familiar na base de que era população se centravam, na qualidade da
culturalmente inaceitável limitar o número mão-de-obra. As questões relacionadas com
de filhos que uma pessoa pode ter. a natalidade estavam adjacentes à política
A respeito da limitada implementação e dos de saúde, que estava virada essencialmente
limitados efeitos das PPs em África, para assegurar a (re)produtividade da mão-
Mbacke (1994, p.190) afirma que “o de-obra e redução dos elevados níveis de
comportamento reprodutivo dos africanos esterilidade. Assim, uma elevada taxa de
não é instintivo”. Mbacke pretende chamar crescimento natural e consequente estrutura
atenção para o facto de (i) o comportamento jovem da população eram implicitamente
reprodutivo não ocorrer num vácuo, isto é, aceites, como uma consequência desejada
desconectado do contexto social, cultural e de uma política de população (UNITED
económico e (ii) o controlo de fecundidade NATIONS, 1981).
não ser uma prática exclusiva das Desde 1770 o império colonial Português
sociedades ocidentais que se exporta para recolhia sistematicamente estatísticas sobre
outros povos em forma de PPs. Caldwell, a população das suas colónias, com a
Orubuloye e Caldwell (1992) finalidade de facilitar a tomada de decisões
demonstraram que, no contexto africano, o económicas e militares. O Governador da
controlo da natalidade teria o objectivo de colónia de Moçambique procedia ao envio
espaçar os nascimentos e não de limitá-los. de dados censitários para Lisboa. Neste
Para Mbacke (1994), tal explica-se pelo período, o que se considerava desafio
facto de num contexto de elevada demográfico em Moçambique era o
mortalidade infantil o espaçamento dos insuficiente número de nativos pois, a
nascimentos ser vital para assegurar a grandeza de um império era medido em
fecundidade elevada e a sobrevivência das termos da quantidade dos mesmos
crianças. Tal pode explicar, parcialmente os (WAGNER, 2010).
problemas de resistência e ineficácia na

Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 1, No 2, pp 1-21, 2019

9
C Arnaldo e R Hansine

Quando Moçambique obteve a sua mortalidade materno-infantil, através da


independência, em 1975, o discurso que promoção do espaçamento dos nascimentos
valorizava o crescimento da população que até pelo menos dois anos (UNITED
tinha prevalecido até ao século XIX, foi NATIONS, 1981). Em 1980, também teve
gradualmente substituído por outro, que lugar o primeiro Censo Populacional de
considerava que o controlo do crescimento Moçambique independente. Tal como em
da população era vantajoso. Assim, outros países africanos, em Moçambique o
Moçambique adoptou, no pós- papel da comunidade política internacional
independência, o regime socialista de na difusão ou na imposição de normas
planificação centralizada. Nestes regimes, internacionais sobre o comportamento
os Estados são os principais organizadores reprodutivo foi crucial. A adopção e
da produção de bens e serviços e podem ter implementação dos programas de saúde
mais poder de interferência directa nas materno-infantil em 1978/80 assim como a
questões demográficas incluindo realização do censo 1980 tiveram lugar
reprodutivas (GREENHALGH, 2003). pouco depois que o Fundo das Nações
Unidas para População (UNFPA) começou
A grande parte das políticas sociais em
oficialmente as suas actividades em
Moçambique tiveram como foco as áreas de
Moçambique em 1979.
educação e saúde. Entretanto, se por um
lado, nenhuma intenção consciente de A mortalidade, em geral, e a materno-
influenciar o crescimento populacional foi infantil, em particular, eram vigorosamente
implementada, excepto algumas políticas e combatidas, sobretudo no domínio da saúde
programas sobre saúde materno-infantil, pública. Entretanto não havia estratégias
condições de casamento e estatuto da para lidar com elevada fecundidade e a
mulher (ARNALDO et al., 2011), por outro rápida urbanização devido a guerra civil
lado, a redistribuição espacial da população (1976-1992) que forçou milhares de
foi considerada uma prioridade para Moçambicanos a migrarem para as cidades
permitir maior cobertura dos serviços em busca de refúgio. Como resultado da
sociais. As estratégias para a promoção do pressão internacional e dos desafios
povoamento concentrado eram demográficos que o país enfrentava, as
consideradas essenciais para facilitar a bases para uma possível formulação, a curto
provisão de serviços básicos como prazo, de uma política nacional de
educação e saúde, apesar dos efeitos população, como estratégia do
negativos da migração involuntária desenvolvimento do país foram
(ARAÚJO, 1988). Todavia a necessidade apresentadas no Relatório Nacional de
de controlar o crescimento populacional Moçambique sobre População e
somente viria a ganhar relevância nos anos Desenvolvimento, que foi preparado para a
de 1990 mediante a pressão da comunidade conferência Internacional com o mesmo
política internacional, tal como na nome, no Cairo, em 1994 (GOVERNO DE
generalidade dos países africanos. MOÇAMBIQUE, 1993). Nesse relatório, o
Governo reconhecia, que os esforços para
Em 1978 tinha sido oficialmente adoptado
obter um crescimento económico e social a
o programa de planeamento familiar, mas
ritmos superiores ao da população só
só se tornou num programa nacional em
podiam ser atingidos reduzindo o ritmo do
1980, quando os serviços de planeamento
crescimento demográfico. Já havia um
familiar começaram a ser disponibilizados
tácito conhecimento da situação
gratuitamente através do sistema nacional
demográfica em Moçambique e sobretudo
de saúde (ARNALDO, 2007). O programa
aceitação de que o rápido crescimento
estava (e ainda está) integrado no programa
populacional criava pressão sobre os
de saúde materno-infantil e o seu objectivo
serviços sociais e as oportunidades de
principal era de reduzir as elevadas taxas de
Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 1, No 2, pp 1-21, 2019

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Política de população em moçambique: porquê e para quê?

emprego. adoptou uma postura implícita na qual se


comprometia a respeitar os direitos
Depois da conferência de população e
(humanos) sexuais e reprodutivos, sem
desenvolvimento no Cairo, as PPs passam a
interferir na liberdade, que os indivíduos e
ser vistas como instrumentos de promoção
casais tem de decidir sobre a sua vida
dos direitos humanos e não apenas como
reprodutiva. O compromisso de colocar a
medida para controlar o crescimento
disposição da informação adequada e os
demográfico. O Governo Moçambicano,
meios para as pessoas gerirem a sua vida
influenciado pela advocacia do UNFPA
reprodutiva de acordo com os seus
adoptou a sua primeira e única PP em 1999
interesses respondia a pressão da
enfatizando que ela respeitava os direitos
comunidade internacional. Contudo, isso
sexuais e reprodutivos dos Moçambicanos.
não significava a adopção de medidas e
O debate internacional que se materializou
metas concretas para controlar o
sobretudo nas conferências internacionais
crescimento da população. Embora, o
sobre a população e desenvolvimento,
Estado tivesse reconhecido a necessidade
particularmente a conferência de Cairo em
de limitar o crescimento da população como
1994, terá dado ímpeto para a adoção duma
um factor crítico para acelerar a
PP em Moçambique. Porém, internamente,
prosperidade económica, simultaneamente
estava claro que o país não possuía
evitou impor metas de modo a não interferir
capacidade e articulação institucional
na liberdade dos cidadãos, no que diz
robusta e flexível para implementar
respeito a sua vida reprodutiva. Assim a
efectivamente a sua PP. Se por um lado, a
adopção da PP foi um passo na direção certa
maior parte dos recursos financeiros
aos olhos da comunidade política
provinham do exterior tal como em outros
internacional, porém é um instrumento
países Africanos, por outro lado, nem todos
muito limitado face as preocupações
os sectores da sociedade Moçambicana
identificadas, sobretudo no que concerne à
pareciam estar conscientes da relevância
fecundidade.
duma PP. Não raras vezes esta foi
interpretada como uma tentativa de Entretanto, a adopção da PP em 1999 foi
implementar uma agenda anti-natalista a fundamental para que a nível do Estado se
semelhança do que sucedia em outros países reconhecesse a necessidade de aprofundar o
Africanos (CHIMBWETE, WATKINS e entendimento sobre as dinâmicas
ZULU, 2005). demográficas e económicas. Nesse sentido,
se antes de 1999 podia-se falar, da lacuna
A PP moçambicana contém 11
existente pela falta de uma política de
preocupações das quais 6 estão relacionadas
população que servisse de instrumento
com a fecundidade, nomeadamente: o
orientador em matérias de população e
crescimento acelerado da população,
desenvolvimento, depois da sua aprovação,
estrutura da população jovem, elevada taxa
embora as preocupações da PP fossem
de dependência (jovem), elevada taxa de
claras, as estratégias para enfrentar estas
fecundidade, elevada taxa de mortalidade
preocupações foram débeis e, por
materna e infantil, baixo nível de
conseguinte, os seus objectivos não foram
conhecimento de métodos de planeamento
alcançados.
familiar e elevada pressão sobre o ambiente
(MOÇAMBIQUE. CONSELHO DE A relação entre população e
MINISTROS, 1999). desenvolvimento é enfatizada inúmeras
vezes na PP de Moçambique. Mais do que
A PP respondeu de forma implícita e neutra
um instrumento orientador sobre as
a estas preocupações. No lugar de um
prioridades do país no que concerne as
compromisso explícito para reduzir a
questões demográficas, a PP pretende ser
fecundidade, o Estado Moçambicano
um instrumento de promoção de
Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 1, No 2, pp 1-21, 2019

11
C Arnaldo e R Hansine

desenvolvimento. Este discurso enquadra- desenvolvimento, teve efeitos similares


se no discurso internacional sobre a relação (PAGE e CAMPOS, 1993).
entre população e desenvolvimento que Em Moçambique, como em muitos países
dominou a segunda metade do século XX. africanos, a PP foi adoptada como um
O discurso sobre população e documento independente, não estando, por
desenvolvimento foi impulsionado, em isso, os aspectos populacionais integrados
parte, pelo chamado milagre asiático que de forma explícita nos documentos
teve lugar entre 1960 e 1990 e consistiu no estratégicos de desenvolvimento. Por
rápido crescimento económico dos países exemplo, na nova Estratégia Nacional de
do sudeste asiático conhecidos como os Desenvolvimento de Moçambique (2015-
“tigres” ou “dragões asiáticos”, 2035), embora se reconheça que a estrutura
nomeadamente: Taiwan, Singapura, Hong demográfica jovem coloque desafios à
Kong e Coreia do Sul (BLOOM e economia nacional, em termos de acesso a
WILLIAMSON, 1998). Segundo Bloom, educação, saúde, abastecimento de água,
Canning e Malaney (2000), a trajetória transporte, emprego, protecção social
económica e demográfica desses países (MOÇAMBIQUE. Estratégia Nacional ....,
podia servir de inspiração para os países em 2014, p.7), não há nenhuma indicação sobre
vias de desenvolvimento se preocuparem se há pretensão em alterar a estrutura
com a relação entre dinâmica demográfica e demográfica de modo a fazer frente aos
prosperidade económica. Argumenta-se desafios indicados e nem tão pouco de
que a redução da fecundidade levou a retirar possíveis ganhos económicos da
transformação da estrutura demográfica que alteração da estrutura etária prevalecente.
era dominada por uma população jovem O facto da Estratégia Nacional de
para uma estrutura dominada por população Desenvolvimento fazer referências muito
em idade economicamente activa, superficiais as questões demográficas e não
naturalmente acompanhando esta transição fazer referências a política de população
demográfica com investimento na educação coloca questões sobre a coerência destes
e saúde resultou num massivo crescimento instrumentos em termos da visão do Estado
económico e desenvolvimento humano sobre as questões demográficas. Também
(PAGE e CAMPOS, 1993). pode levantar sérias dúvidas sobre a
Embora cada um dos “tigres asiáticos” seriedade e a prioridade com que se vê a PP
tenha especificidades no que concerne a em Moçambique, nos moldes em que ela
trajetória para a prosperidade económica, teria sido formulada e revista.
um dos denominadores comuns foi a Há desafios que estão identificados quer na
implementação de programas firmes de PP quer na Estratégia Nacional de
planeamento familiar. Chang (2003) diz Desenvolvimento, nomeadamente: a
que, para no caso do Taiwan, a transição estrutura da população muito jovem e as
demográfica durou 20 anos (1965-1985) e suas consequências económicas negativas,
durante esse período a fecundidade reduziu que parecem sugerir que há um
em 55%, como resultado dum intensivo entendimento tácito da dinâmica
programa de planeamento familiar. No caso demográfica em Moçambique e dos
da Coreia do Sul, Hae-Young (1980) afirma eventuais dilemas que a elas associadas.
que o planeamento familiar foi adoptado Contudo, não está claro que caminho
como parte integrante da política nacional Moçambique pretende seguir. Olhando para
(de desenvolvimento), conforme foi outros casos semelhantes, vê-se que, por um
associado a despenalização do aborto e ao lado, o modelo do sudeste asiático sugere
aumento da idade legal para o casamento. claramente que programas firmes de
Em Singapura e Hong Kong, o planeamento planeamento familiar tomando forma de PP
familiar, integrado nas estratégias de
Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 1, No 2, pp 1-21, 2019

12
Política de população em moçambique: porquê e para quê?

podem ter resultados desejados no que influenciar as tendências demográficas. A


concerne à alteração da estrutura adopção de uma PP e a sua natureza
demográfica. Por outro lado, nesse mesmo reflectem o entendimento de como a
contexto asiático, o planeamento familiar sociedade funciona. Tal é baseado em
pode ser incluído na Estratégia Nacional de paradigmas científicos e analíticos sobre os
Desenvolvimento, de tal modo que formular quais assentam os estudos de população e
e adoptar uma PP pode não ser a única desenvolvimento. Portanto, a reflexão que
forma e nem tão pouco a mais eficaz forma aqui fazemos é uma contribuição teórica no
de lidar com os desafios demográficos de campo demográfico. Especialmente sobre a
Moçambique. evolução do entendimento da relação entre
dinâmica demográfica e bem estar social,
MOÇAMBIQUE PRECISA DE UMA económico e político em Moçambique.
POLÍTICA DE POPULAÇÃO?
Será que Moçambique precisa
PORQUÊ E PARA QUÊ?
influenciar a sua dinâmica demográfica?
A questão que este artigo analisa é se
A dinâmica demográfica recente de
“Moçambique precisa ou não influenciar a
Moçambique, caracterizada por um
dinâmica da sua população”. Se precisa,
crescimento populacional elevado (acima
como isso deverá ser feito e para que
de 2,5% ao ano) fruto de uma contínua
finalidade? Esta pergunta, embora simples,
redução da mortalidade (embora continue
sugere respostas extremamente complexas
acima da média do continente) e uma quase
e remete à reflexão sobre a relação entre
constante fecundidade, tem levado a vários
dinâmica demográfica e o bem-estar. Por
desafios relacionados com a incapacidade
outras palavras, qual é a pertinência de
de o país acompanhar esse crescimento com
influenciar a dinâmica demográfica em
a provisão dos serviços essenciais para o
Moçambique? E de que modo tal influência
bem-estar da sociedade (ARNALDO e
pode ser feita para que se tenham impactos
MUANAMOHA, 2013). Portanto, à
positivos nas condições de vida da
aprovação da PP em 1999, é um sinal
população?
inequívoco, ainda que incipiente, dum certo
As sociedades não são homogéneas no que nível de entendimento prevalecente da
concerne à composição, estrutura e ritmo de relação entre as dinâmicas demográficas e
crescimento da população. Pode ser que os as socioeconómicas e ambientais.
países tenham dinâmicas demográficas
Embora a PP Moçambicana tenha sido
semelhantes. Contudo a relação entre a
produto exógeno, por ter surgido num
dinâmica demográfica e o desenvolvimento
período em que a nível internacional foram
se reveste da mesma importância para todas
envidados esforços para que os países,
as sociedades (MCINTOSH e FINKLE,
sobretudo os da África Subsariana
1995; LUTZ et. al, 2004). Por isso, as
actuassem no domínio demográfico, ela
reflexões teóricas sobre este assunto têm
representa o despertar, ainda que incipiente,
alimentado o debate sobre a adopção ou não
do entendimento sobre a inegável porém
de PP em diversos contextos ao longo das
complexa relação entre população e
últimas décadas. A adopção da PP foi e tem
desenvolvimento por um lado, e por outro,
sido relevante na medida em que abriu e
o reconhecimento da possibilidade e
continua a abrir espaço intelectual para, de
eventualmente da necessidade de
forma sistemática, analisar a dinâmica
estabelecer um equilíbrio entre a dinâmica
demográfica em Moçambique e sua relação
demográfica e o desenvolvimento
com bem-estar social, político e económico.
socioeconómico. Ou seja, de forma mais
Portanto, uma PP não é apenas um
específica na PP de Moçambique, foram
instrumento político através do qual directa
tomados como desafios de
ou indiretamente o Estado procura
Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 1, No 2, pp 1-21, 2019

13
C Arnaldo e R Hansine

desenvolvimento as dinâmicas simplesmente um instrumento que expressa


demográficas associadas às elevadas a visão Estatal sobre dinâmica demográfica,
natalidade e mortalidade (sobretudo a nem tão pouco um mero modo de articular
mortalidade materna e infantil) e a a natureza da intervenção pública no
distribuição irregular da população domínio demográfico. Ela deve articular
associada a migração campo-cidade e como a intervenção no domínio
razões de ordem política e histórica demográfico leva a promoção de melhores
(MOÇAMBIQUE. CONSELHO DE condições de vida. Ela deve expressar o que
MINISTROS, 1999). o Estado pretende alcançar e o modo como
pretende alcançar o equilíbrio entre a
No centro da dinâmica demográfica está o
dinâmica demográfica e bem-estar.
crescimento populacional, que em
Portanto, independentemente da forma que
Moçambique, devido a pouca expressão
ela toma, e mesmo se ela se designa por PP,
relativa da migração (ARNALDO e
ela é sempre necessária para orientar o
MUANAMOHA, 2013), resume-se ao
Estado na gestão da dinâmica demográfica,
crescimento natural resultante da diferença
pois sem tal gestão a promoção do bem-
entre natalidade e mortalidade. No passado,
estar pode estar comprometida. Por
como a mortalidade e natalidade eram
exemplo, nos países onde as taxas de
elevadas, o crescimento populacional era
fecundidade são muito baixas, por vezes
lento. Com a redução gradual da
abaixo do nível de reposição geracional,
mortalidade e manutenção da fecundidade,
adoptam-semedidas para incentivar a sua
criou-se um desequilíbrio que só pode ser
população a incrementar a fecundidade.
reestabelecido com o aumento da
Algumas medidas incluem compensação
mortalidade ou redução da fecundidade.
financeira directa e redução da carga fiscal
Como o aumento da mortalidade não é,
para as pessoas que tenham filhos (caso do
obviamente, uma opção válida, a alternativa
Japão e a Coreia de Sul) (TAN, MORGAN
a considerar só pode ser a redução da
e AGHENI, 2016) ou ainda a compensação
fecundidade. A elevada fecundidade produz
financeira directa e aumento do período da
uma estrutura etária jovem da população
licença de maternidade (caso da
que é responsável pela elevada razão de
Alemanha)(RAUTE, 2015; CYGAN-
dependência. Um maior número de
REHM, 2016). Outro exemplo,
dependentes impõe uma pesada pressão na
recentemente, depois de cerca de 35 anos da
despesa pública pela elevada e continua
política de um filho por família o governo
demanda de serviços básicos como de
Chinês recuou na sua decisão (FENG, GU e
educação, saúde sem falar da necessidade
CAI, 2016). A Política Chinesa de um filho
de criação de emprego, entre outros. Ao
é certamente um dos casos mais claros de
mesmo tempo, a elevada razão de
PP anti-natalista explícitas dos nossos dias.
dependência (fruto da elevada fecundidade)
Algumas vozes críticas sugerem que o
compromete a capacidade do país em
Governo Chinês tomou esta decisão (de
fortalecer as suas poupanças e sua
revogar a política de um filho) tardiamente.
capacidade de robustecer o investimento em
As consequências negativas da política de
outros sectores produtivos, pois a maior
um filho por família vem sancionando a
parte da sua despesa tende a se direcionar na
economia e a sociedade chinesa há pelo
satisfação de necessidades básicas, portanto
menos 10 anos. Todavia o mais importante
no consumo.
neste exemplo não é apenas o papel directo,
Embora a satisfação das necessidades mas extremo do Governo chinês em
básicas seja fundamental para o bem-estar influenciar a dinâmica demográfica no
socioeconómico, tal também depende de passado recente e actualmente. Embora
diversos factores, entre eles a dinâmica controversas, as decisões do Governo
demográfica. Portanto uma PP não é Chinês devem ser entendidas como medidas
Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 1, No 2, pp 1-21, 2019

14
Política de população em moçambique: porquê e para quê?

que almejam garantir o equilíbrio entre a implementaram políticas que resultaram na


dinâmica demográfica e o bem-estar no redução da fecundidade através de
contexto Chinês. implementação de programas fortes de
planeamento familiar.
No contexto Moçambicano, o que é
importante, é como são identificados os Todavia, o relevante numa PP não é
desafios demográficos, no que diz respeito simplesmente o facto de se pretender
a promoção do bem-estar. A PP, assim influenciar as dinâmicas demográficas, por
como estudos disponíveis, sugerem que a exemplo influenciar a redução de
elevada fecundidade pode ser um dos fecundidade e parar por aí. Ou seja, as
maiores desafios, no que concerne ao bem- razões e a finalidade de uma PP em
estar (FRANCISCO, 2011; ARNALDO e Moçambique e noutros contextos não deve
HANSINE,2015). É plausível que a ser algo estritamente analisado do ponto de
influência negativa da elevada fecundidade vista do impacto na dinâmica demográfica.
no bem-estar possa ser um desafio a ter em A relevância de uma PP deve ser analisada
conta nas políticas públicas. tendo em conta que uma PP é uma resposta
sistemática e coerente sobre como os países
Portanto, assumindo que a elevada
pretendem gerir a sua condição
fecundidade pode ser um desafio para o
demográfica para promover o bem-estar da
bem-estar, a questão que parece importante
população. O essencial é partir do ponto de
reflectir é quais podem ser as alternativas
vista que a dinâmica demográfica de um
para superar tal desafio? No exemplo já
país reflecte decisões individuais e
citado, sobre a política de um filho por
colectivas que podem ser influenciáveis. Ao
família na China no qual o Estado buscava
influenciar tais decisões, o Estado deve
desacelerar o crescimento demográfico
estar interessado que elas sejam para o bem
como forma de promover o bem-estar,
comum. Esta é uma questão importante que
embora os seus objectivos tenham sido
é em si mesma o fim último da PP,
aparentemente alcançados, também é
promover o bem-estar.
criticada (GREENHALGH, 2008). Assim,
parece que o modelo Chinês pode não ser o O que se pretende dizer é que, por exemplo,
mais adequado para lidar com a questão da se uma PP busca influenciar a redução de
transformação da estrutura etária em fecundidade, ela deve ilustrar como
Moçambique. Segundo Greenhalgh (2003), influenciando a redução de fecundidade, o
as críticas à política de um filho por família bem-estar da população tende a melhorar.
na China incluem a violação dos direitos Tendo em conta que em última estância é
humanos, aumento de infanticídios, dada à papel do Estado garantir o bem-estar dos
preferência por filhos e não filhas em seus cidadãos e as PP, que visam influenciar
algumas regiões do país, e posteriormente a a redução da fecundidade podem melhorar
crise no mercado de casamentos devido ao o bem-estar, tal PPé relevante e acima de
desequilíbrio na razão de sexo entre tudo prioritária. Portanto, é consoante a
potenciais nubentes, acrescido ao facto de a realidade demográfica que os países devem
baixa fecundidade ter trazido o problema do adoptar medidas para gerir a sua condição
rápido envelhecimento da população. demográfica. Porém, se tais medidas tomam
o nome de PP ou não é irrelevante. A
Não obstante, a situação demográfica
questão central, por exemplo, para muitos
Moçambicana não é sui-generis. Diversos
países africanos como Moçambique, é
países da África subsaariana partilham das
como influenciando a redução da
características demográficas observadas em
fecundidade pode melhorar o bem-estar da
Moçambique. Alguns desses países,
população?
Etiópia, Madagáscar, Ruanda e Malawi
(USAID, 2012a, 2012b), adoptaram ou A questão de como as condições de vida
Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 1, No 2, pp 1-21, 2019

15
C Arnaldo e R Hansine

podem melhorar com a redução da elevada, actuar no sentido de influenciá-la


fecundidade não deve ser entendida como para que reduza possibilita aclarar o
uma relação inversamente proporcional processo de planificação do Estado. A
entre fecundidade e bem-estar. Ou seja, mobilização e a alocação de recursos no
menores níveis de fecundidade se traduzem espaço e no tempo podem ser mais eficazes
automaticamente em melhores níveis de se for tomada em conta a pressão
bem-estar ou vice-versa. Para que a redução demográfica actual e aquela que se espera.
da fecundidade se traduza no bem-estar, ela Esses aspectos, são os que respondem à
deve ser acompanhada por políticas questão sobre a necessidade de uma PP
económicas e sociais concretas, que se focalizada na redução da fecundidade em
traduzam efectivamente numa expansão Moçambique. A adopção duma PP, como a
quantitativa e qualitativa dos bens e de Moçambique em 1999, nem sempre
serviços públicos. É insuficiente e seria constitui o meio mais coerente e eficaz de
problemático que uma PP identificasse lograr influenciar as variáveis
acções que conduzam ao declínio da demográficas.
fecundidade, sem ser acompanhada de uma
Cenários para a intervenção na
expansão quantitativa e qualitativa dos bens
dinâmica demográfica em Moçambique
e serviços públicos.
Aadopção pelo Estado de uma PP não é
Por exemplo, tendo em conta o necessariamente a única forma de se
conhecimento que existe sobre a dinâmica alcançar o impacto desejado sobre
da fecundidade em Moçambique, os adinâmica demográfica de modo a
desafios concretos a nível da escolarização, promover a melhoria das condições de vida.
saúde e emprego são enormes. Contudo, Não obstante, em Moçambique ou em
não é a mera redução da fecundidade que qualquer outro contexto, o impacto da
constitui uma resposta adequada para estes dinâmica demográfica sobre o bem-estar
desafios, embora ela possa reduzir a sua social, político e económico não pode ser
demanda. Por um lado, o país precisa de ignorado, a distribuição espacial da
implementar políticas socioeconómicas população Moçambicana, o seu ritmo do
coerentes e mais agressivas no que concerne crescimento, a sua composição por idade e
a expansão da educação, serviços de saúde sexo são factores determinantes do ponto de
e criação de postos de emprego. Assim, com vista de planificação do uso e gestão dos
uma PP direcionada em influenciar a recursos disponíveis. Portanto, há
redução da fecundidade é plausível que a necessidade de saber qual é o panorama
pressão demográfica futura reduza. Tal demográfico em Moçambique, bem como a
redução contribuirá para um acesso aos sua tendência e, a partir daí, discutir em que
serviços e bens públicos assumindo que eles medida a dinâmica demográfica pode ser
existam em quantidade e qualidade. influenciada. É nesse âmbito que se deve
Portanto, o resultado das políticas públicas apreender a discussão levada a cabo sobre a
de expansão do acesso aos serviços e bens necessidade de adoção ou não da PP.
públicos depende da actual e da futura Portanto, não se trata apenas de analisar a
pressão demográfica. relevância da PP como instrumento político.
Actualmente, a melhoria das condições de Esta análise é uma contribuição teórica
vida ainda constitui um desafio enorme em sobre a relevância de reflectir
Moçambique. Ao aprofundar o sistematicamente e de modo crítico e
entendimento da dinâmica demográfica profundo sobre a dinâmica demográfica em
actual e futura é possível definir com mais Moçambique e seu impacto no processo de
precisão a natureza das políticas sociais e desenvolvimento social, económico e
económicas e o impacto que se espera delas. político. Tendo em conta os aspectos acima
Portanto, num contexto de fecundidade referidos, para a promoção e equilíbrio
Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 1, No 2, pp 1-21, 2019

16
Política de população em moçambique: porquê e para quê?

entre a dinâmica demográfica e as questões demográficas, como a


desenvolvimento social, económico e fecundidade elevada, passam a ser
político em Moçambique, podem ser um dos factores-chave ao lado dos
considerados2 cenários de intervenção: aspectos económicos e políticos,
quando se discute desenvolvimento
(i) Cenário actual (revisão e
do país. Tal cenário anula a
implementação da PP de 1999):
necessidade de uma PP como um
neste caso, o país tem uma PP
documento único e específico. A
específica e promove a sua revisão
resposta aos desafios demográficos
para eliminar as ambiguidades e
é articulada com outros sectores e
definição de estratégias e medidas
socioeconómicos e políticos como
específicas para enfrentar os
um dos elementos para promover o
desafios identificados no âmbito da
bem-estar num instrumento
fecundidade, mortalidade e
importante como a Estratégia
distribuição espacial da população.
Nacional de Desenvolvimento. As
Por um lado, evita-se o extremismo
políticas e programas sectoriais, que
que pode ser comparável ao caso da
se inspiram ou se orientam pela
China mas, por outro, se respeitam
END, incorporam a dimensão
os direitos reprodutivos. Assim
demográfica, isto é, são elaboradas e
temos um cenário aberto e
implementadas tendo em conta os
indefinido onde vários actores
determinantes demográficos e como
podem interagir, cooperar e esperar
as políticas sectoriais, sejam na área
que as medidas adoptadas ou a
social ou económica, podem
adoptar resultem na desejada
influenciar tais determinantes.
redução da fecundidade e
mortalidade e promova uma
CONCLUSÃO
distribuição populacional mais
equilibrada. O grande desafio para A dinâmica demográfica é um dos factores
este cenário parece ser a definição chave do desenvolvimento socioeconómico
do posicionamento da política de de um país. As políticas para a sua
população na hierarquia dos integração na planificação estratégica geral
documentos estratégicos de de desenvolvimento são fundamentais. Em
orientação do Estado de modo a que Moçambique, o desafio demográfico
todos os sectores do Estado pertinente está relacionado com a estrutura
busquem na PP orientações demográfica muito jovem que leva a uma
estratégicas para alimentarem os taxa de dependência elevada. Esta estrutura
seus programas de intervenção. resulta de uma taxa de fecundidade elevada,
em torno de seis filhos por mulher, e para
(ii) Cenário integrador: neste caso, as além de uma capacidade produtiva limitada
preocupações sobre influenciar a o seu impacto é notável em termos de
dinâmica demográfica para demanda de serviços sociais como
melhorar as condições de vida da educação e saúde. Embora o potencial deste
população estão integradas na tipo de estrutura seja enorme, como já se
Estratégia Nacional de demonstrou nos países asiáticos, ao
Desenvolvimento (END). Deste beneficiarem do dividendo demográfico,
modo, a questão demográfica qualquer política demográfica que vise
relacionada com a redução da alterar a estrutura demográfica jovem deve
fecundidade (e também da incidir claramente na necessidade de
mortalidade) aparece de forma clara, reduzir a fecundidade com metas claras e
ampla e consistente na discussão intervenções firmes ao mais alto nível
sobre o desenvolvimento nacional;
Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 1, No 2, pp 1-21, 2019

17
C Arnaldo e R Hansine

político. reduzir a fecundidade são cruciais para o


alcance dos objectivos desejados no
As opções de atuação podem ser duas: (i) a
domínio demográfico.
revisão da actual política de população para
torna-la simples e como estratégia para a
REFERÊNCIAS
redução da fecundidade. Também deverá
ser definido o seu posicionamento na ARAÚJO, M. G. M. O Sistema de Aldeias
estrutura dos instrumentos de planificação Comunais em Moçambique:
estratégica do governo e os mecanismos de Transformações no Espaço Residencial e
articulação entre os diferentes sectores Produtivo. Maputo: Unni,1988.
relevantes de modo a facilitar a sua ARNALDO, C. Fecundidade e seus
implementação e (ii) a integração de Determinantes Próximos em
questões demográficas na estratégia Moçambique: uma análise dos níveis,
nacional de desenvolvimento e sua tradução tendências, diferenciais e variação regional.
para as políticas e programas sectoriais. Maputo: Texto Editores, 2007.
A experiência dos países asiáticos e ARNALDO, C.; R. HANSINE. Dividendo
africanos que lograram reduzir a sua demográfico em Moçambique:
fecundidade mostra que o foco deve ser em oportunidades e desafios. In BRITO, L. et
assegurar o acesso universal aos serviços de al. (ed.) Desafios para Moçambique 2015.
educação e planeamento familiar Maputo: Instituto de Estudos Sociais e
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educação reduz a demanda por muitos
filhos ao mesmo tempo que aumenta a ARNALDO, C.; R. C. MUANAMOHA.
capacidade de obter os meios necessários Tendências e desafios do crescimento da
para o exercício do controle da fecundidade. população em Moçambique. In
Por seu turno, o planeamento familiar, para ARNALDO, C.; CAU, B. M. (ed.)
além de reduzir a fecundidade, contribui Dinâmicas da população e saúde em
significativamente para a redução da Moçambique. Maputo: Centro de Pesquisa
mortalidade materna e infanto-juvenil. em População e Saúde, 2013, p.7-35.
O potencial para Moçambique beneficiar-se ARNALDO, C. et al. Crescimento
do dividendo demográfico e criar condições populacional e desenvolvimento sócio-
para o bem-estar de sua população, também económico em Moçambique. Maputo:
depende de como o país esta/irá gerir a sua Centro de Análise de Políticas e Centro de
dinâmica demográfica presente e futura, Estudos Africanos, Universidade Eduardo
sobretudo como a fecundidade será gerida Mondlane, 2011.
tanto em termos do discurso como das BARRETT, D.; FRANK, D. J. Population
intervenções político-programáticas. É control for national development: from
importante que nessa gestão o enfoque não world discourse to national policies.” In
seja somente a alteração da dinâmica Boli, J.; THOMAS, G. M. (ed.)
demográfica em si, mas as expectativas que Constructing World Culture:
tal alteração associada a expansão International Nongovernmental
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i
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ii

ulation.shtml, acedido a 31 de Julho de 2017. ulation.shtml, acedido a 31 de Julho de 2017.

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