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Liberdade Eteorias Sobre o Livre-Arbítrio

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Determinismo e Liberdade na Ação Humana: o Problema do Livre-

arbítrio
1. Esclarecimento Prévio dos Conceitos de Liberdade, Livre-arbítrio e
Responsabilidade

Se bem que não haja consenso entre os autores relativamente ao significado do


conceito de liberdade, é frequente utilizarem os conceitos de liberdade e livre-
arbítrio esses conceitos como sinónimos. Porém, se bem que relacionados, esses
conceitos não só não significam exatamente o mesmo, como não têm idêntico
alcance.
Uma maneira possível de definir o conceito de liberdade consiste em entendê-
la como a possibilidade que o sujeito tem de, autonomamente, dar uma direção e
um sentido à sua vida através das escolhas que faz.
Por sua vez, o livre-arbítrio ou liberdade da vontade consiste na
possibilidade que o sujeito tem de escolher entre alternativas possíveis.
Entendido neste sentido, o livre-arbítrio, sem esgotar a liberdade, é uma
dimensão e instrumento desta, uma vez que é pelas escolhas que faz, que o sujeito
concretiza a sua liberdade.
Como se depreende, liberdade e livre arbítrio não têm o mesmo alcance, uma
vez que é possível que alguém tenha livre arbítrio e não seja livre, como é o caso da
pessoa que entrega a carteira ao ladrão que a ameaça com uma pistola. Neste caso,
a pessoa tem livre-arbítrio, uma vez que pode escolher entre entregar ou não entregar a
carteira, apesar de não ser livre, dado que essa escolha lhe foi imposta e não decidida,
autonomamente, por si.

Verifica-se, também, a existência de uma relação estreita entre livre arbítrio e


responsabilidade.
Com efeito, se o livre-arbítrio designa capacidade e a possibilidade de escolha, a
responsabilidade consiste na capacidade de o sujeito responder pelas escolhas que
faz e pelas ações que pratica, assumindo as suas consequências. Ao assumir os seus
atos, o sujeito disponibiliza-se, quer para o elogio, quer para a censura.

Breve esclarecimento sobre o conceito de liberdade:

A Liberdade Humana como Liberdade Finita e Condicionada

 Não há para o homem liberdade absoluta;


 A liberdade humana, não é uma liberdade abstrata, entendida no sentido de se
“poder fazer tudo aquilo que se quer”, a qual, como tal, não existe, nem é
possível que exista (se existisse destruir-se-ia a si mesma, uma vez que, por
exemplo, se me apetecesse matar alguém, eu para ser livre deveria fazê-lo, mas
se a esse alguém lhe apetecesse matar-me, também ele o deveria fazer, acabando
os dois por, querendo ser livres, ficar prisioneiros do medo um do outro. É neste

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contexto que faz sentido a máxima segundo a qual “a minha liberdade termina
quando começa a liberdade do outro);
 No fundo, os limites da liberdade são, entre outras coisas, determinados pelas
leis legitimas e justas, que devem governar as sociedades
 Para além disso, a liberdade humana é sempre condicionada por fatores diversos,
nomeadamente de ordem biológica e sociocultural;
 Apesar de condicionada, porém, a liberdade humana não é determinada. É que
ser condicionado é diferente de ser determinado;
 Os condicionalismos limitam, mas não abolem a liberdade;
 Por mais condicionada que a pessoa esteja, permanece sempre uma margem se
não de liberdade, pelo menos de livre-arbítrio, que permita que o homem possa
ser, tanto quanto possível,
o Construtor do mundo e
o Construtor de si próprio.

2. O Problema do Livre-Arbítrio

No problema do livre-arbítrio, aquilo que fundamentalmente se discute é se


o ser humano é ou não livre nas decisões que toma, nas escolhas que faz e nas ações
que pratica1. Trata-se de saber se os condicionamentos biológicos, psicológicos e
histórico-culturais que “pesam” sobre o homem, eliminam ou não a sua liberdade.
É que, se bem que de uma maneira geral, pelo menos em muitas das escolhas
que fazemos (na escolha dos sapatos que calçamos, da sobremesa que comemos, etc.),
tenhamos a sensação de que somos livres, há quem defenda que o livre-arbítrio não
existe.
É o caso dos adeptos de uma certa perspetiva do determinismo, que
consideram que a ação humana é sempre resultado de antecedentes, isto é, de
causas próximas ou remotas, conhecidas ou desconhecidas, que fazem com que o
sujeito agente não possa deixar de fazer aquilo que faz.
Para esta perspetiva o comportamento humano explica-se, como qualquer
outro acontecimento da natureza, pelo mecanismo causa-efeito. Por essa razão não
faz sentido falar-se de liberdade. Quando pensamos que somos livres nas escolhas
que fazemos, estamos enganados, estamos a ser vítimas de uma ilusão.
No fundo, com a discussão do problema do livre-arbítrio, aquilo que se
pretende é saber se é ou não possível conciliar no ser humano determinismo e livre-
arbítrio, ou melhor, causalidade natural e liberdade.

As respostas a este problema dividem-se em dois grupos:


incompatibilismo e compatibilismo. As teorias incompatibilistas (das quais

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Se bem que ligados, não se devem confundir os conceitos de decisão e de ação. Com efeito, se a
primeira, que consiste na escolha de uma entre as várias possibilidades de ação, é um processo
puramente mental, a ação é a objetivação ou concretização da decisão.
Mas se a ação é a concretização da decisão, nem sempre a decisão se concretiza na ação, isto é, nem
sempre passa do plano mental/subjetivo, para o plano material/objetivo. É o que, por exemplo, acontece
com o aluno que decide estudar, mas não estuda.

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estudaremos duas, o determinismo radical e o libertismo) opõem os conceitos de
livre-arbítrio e de determinismo, considerando que onde há
causalidade/determinismo, não pode haver livre-arbítrio e, inversamente, onde
existe livre-arbítrio, não pode haver causalidade/determinismo. As teorias
incompatibilistas defendem, portanto, que é impossível conciliar livre-arbítrio e
determinismo causal. Por sua vez, as teorias compatibilistas (das quais estudaremos o
determinismo moderado) consideram que nas decisões humanas esses conceitos
não se excluem necessariamente, podendo, por isso, coexistir.

Colocado o problema do livre-arbítrio, há que referir que a discussão que se


trava em seu torno é deveras importante, uma vez que da forma como for resolvido
depende a possibilidade de se poderem ou não responsabilizar as pessoas por
aquilo que fazem.

2.1. Determinismo Radical


O determinismo radical é a teoria que defende uma conceção determinista
da natureza, considerando que tudo o que nela ocorre, acontece de uma forma
necessária, regular e constante, de acordo com leis fixas e invariáveis. Assim, da
mesma forma que todos os acontecimentos da natureza são causalmente
determinados, assim também as ações humanas são causalmente determinadas por
fatores genéticos, por fatores ambientais ou outros que eventualmente
desconheçamos.
De acordo com esta perspetiva, todos os acontecimentos do mundo, inclusive
todas as ações humanas, bem como as crenças e desejos que estão na sua base,
resultam necessariamente de circunstâncias anteriores que as causam, pelo que
não podem deixar de ocorrer da forma como ocorrem.
Considerando que livre-arbítrio e determinismo são realidade
incompatíveis, o determinismo radical ao afirmar a verdade do determinismo
causal (de acordo com o qual, se um acontecimento é causado/provocado/produzido por
outro, aquele não pode deixar de acontecer), exclui implícita e necessariamente o
livre-arbítrio. Efetivamente, se, todas as deliberações, decisões e ações que
efetuamos são, muitas vezes sem que nos apercebamos disso, determinadas por
causas que não controlamos, uma vez que ocorrem de acordo com o mecanismo
causa-efeito que regula tanto os fenómenos da natureza como as ações humanas, o
livre-arbítrio, isto é, a liberdade de escolha é impossível, não existe, é uma ilusão.
Na ignorância dos princípios da causalidade natural que o determinam,
pode até o homem, com a vivência da sensação de que decidiu uma coisa em vez de
outra, pensar que é livre e que as decisões que toma e as ações que efetua (escolher
uma camisola amarela em vez de uma azul, por exemplo) resultam de escolhas livres
por si efetuadas. Mas se o determinismo radical for verdadeiro e todos os
acontecimentos do mundo forem causalmente determinados por acontecimentos
anteriores e pelas leis da natureza, se a pessoa faz o que faz (se escolhe uma
camisola em vez de outra), é porque alguma causa, conhecida ou desconhecida fez
com que ela desejasse e fizesse isso mesmo que fez e não outra coisa.

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É o facto de não terem consciência das causas que agem sobre si e as levam
a decidir e a agir da forma como efetivamente decidem e agem, que leva a que as
pessoas tenham a ilusão do livre-arbítrio.

Objeções ao Determinismo Radical

a) Dificuldade de provar adequadamente que a sensação de livre-arbítrio


intuída no quotidiano, é uma ilusão

A tese segundo a qual não existe vontade livre no universo e de que, portanto,
o livre-arbítrio é uma ilusão, está em desacordo com a experiência de liberdade da
vontade que intuímos em muitas das escolhas que fazemos no quotidiano.
A experiência de liberdade que interiormente sentimos em pensamentos (p.
ex., penso na Revolução Francesa mas, logo de seguida, posso pensar no pai natal ou no
carnaval do Rio de Janeiro, sem que a isso nada me obrigue, mas simplesmente porque
eu quero) e escolhas (escolho um gelado de chocolate, mas poderia ter escolhido um de
morango; escolho uma camisola amarela, mas poderia ter escolhido uma castanha ou de
outra qualquer cor), bem ainda como a análise dos processos de deliberação e
decisão presentes na generalidade das escolhas que fazemos no quotidiano (devo
levar ou não chapéu de chuva? devo escolher bolachas desta ou daquela marca?),
apontam para o facto de que deve existir pelo menos alguma liberdade da vontade,
uma vez que parece que muitas das nossas decisões não são precedidas por
condições causais que as determinam, mas sim que são fruto de deliberações e
decisões que livremente fazemos.
Assim, dado que em muitas decisões que quotidianamente tomamos,
pressupomos espontaneamente a presença do livre-arbítrio, e dada a dificuldade
do determinismo radical em provar que essa sensação de liberdade é uma ilusão,
podemos até dizer que sentimos e cremos que o livre-arbítrio faz parte do próprio
processo de agir.

b) Dificuldade de provar adequadamente que todos os acontecimentos são


efeito de causas anteriores.

Se é certo que os fenómenos da natureza e algumas decisões humanas são


resultado de causas anteriores que fazem com que aconteçam, não é certo que o
mesmo aconteça relativamente a todas as decisões humanas, nomeadamente no
que respeita àquelas que, no quotidiano, intuímos como sendo fruto do nosso livre-
arbítrio. Na verdade, o determinismo radical não apresenta nenhuma prova
suficientemente convincente de que isso aconteça.

a) Impossibilidade da responsabilização moral

Se o determinismo radical fosse verdadeiro e o livre-arbítrio não existisse,


também a responsabilidade moral não poderia existir. Efetivamente, se as decisões
humanas fossem resultado de forças que atuam sobre o sujeito, sem que este lhes
pudesse resistir, ele e ninguém seria, no fundo, responsável por aquilo que faz. Com

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efeito, não se pode responsabilizar uma pessoa por ações que, por efeito de causas
interiores (doença mental, por exemplo) ou exteriores (por exemplo, o ladrão que
aponta uma arma) a obrigam e levam a que ela não possa deixar de fazer aquilo que
faz.

. Sem livre-arbítrio não há liberdade e sem liberdade não há responsabilidade.


Daqui resulta que deixariam de fazer sentido julgamentos seja de natureza ética,
seja de natureza jurídica. Esta conclusão, porém, estaria, em desacordo com as
situações da vida real em que é atribuída responsabilidade a quem crimes, ou com
as situações em que a sujeitos, pelas ações que praticam, são atribuídas censuras ou
louvores.

Se o determinismo radical fosse verdadeiro, cairíamos numa situação de


absoluta irresponsabilidade, situação que tornaria a vida social impossível. Fizesse-
se o que se fizesse, porque tudo seria fruto do determinismo e nada do livre-
arbítrio, ninguém poderia ser responsabilizado. Por exemplo, quem quer que fosse
que cometesse um crime poderia sempre alegar que isso aconteceu porque uma causa
irresistível agiu sobre ela fazendo com que não pudesse deixar de o cometer.

2.2. Libertismo
Como o determinismo radical, também o libertismo defende a existência de
incompatibilidade entre determinismo e livre-arbítrio. Ao contrário daquela teoria,
porém, o libertismo nega o determinismo causal em algumas decisões que
efetuamos, afirmando, por isso, a existência do livre-arbítrio.
O livre-arbítrio é, para o libertismo, um facto, uma evidência, de cuja
realidade temos experiência direta, nas múltiplas escolhas que fazemos no
quotidiano. Por exemplo, quando no supermercado escolhemos uma pasta de dentes
em vez de outra ou, numa sapataria, um par de sapatos em vez de outro. O libertista
defende que a escolha é inevitável e inerente ao nosso próprio existir. A cada
memento da nossa vida temos de fazer escolhas (por exemplo, neste momento escolhi
ler este texto, em vez de fazer outra coisa qualquer; de manhã, escolhi levantar-me e
vestir-me em vez de ficar na cama), e essas escolhas não são determinadas por outra
coisa que não a própria decisão ou escolha.
Dotado da capacidade de autodeterminação, pelas suas escolhas, o agente
dá livremente início a cadeias causais novas, assim delineando, de, de forma livre e
responsável, o sentido da sua vida, o seu presente e o seu futuro (por exemplo, a
escolha deliberada e livre de um aluno que prefere ficar em casa a estudar e fazer o
exame, em vez de ir a uma festa ou fazer uma viagem, dá lugar a uma serie de
consequências – satisfação de dever cumprido, passagem de ano, candidatura ao ensino
superior, etc. – diferente da que resultaria se a sua escolha tivesse sido a outra).
O libertismo admite até que que o determinismo seja verdadeiro para os
fenómenos da natureza que, causalmente determinados por acontecimentos anteriores,
obedecem a leis fixas e invariáveis. Mas de entre as coisas que o homem faz,
algumas, as ações, não são nem resultado do determinismo causal da natureza,

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nem aleatórias (fruto do acaso), mas livres, tendo para tal o ser humano capacidade
de, pelo menos em algumas escolhas que faz, decidir livremente, isto é, de decidir
atualmente, agora, no presente, à margem de todo o encadeamento causal vindo do
passado, e apenas em função da sua vontade, do seu querer, assente em razões
fruto de ponderação e deliberação racionais.
Ao defender que nas decisões racionais que toma há livre-arbítrio e não
causalidade, o libertista não só rejeita o determinismo, uma vez que as suas ações não
são o resultado de causas anteriores que as determinam, mas de decisões racionais e
livres, como também rejeita o indeterminismo, porquanto, sem serem fruto do acaso,
as ações humanas são o resultado de escolhas livres.
Decidindo e agindo em função de deliberações racionais, o sujeito demarca-
se da mais ou menos longa sequência de causas e efeitos e inicia novas cadeias
causais de acontecimentos (cadeias causais novas, porque não têm atrás de si outro
acontecimento, outra causa, que não seja a própria decisão de escolher), pelo que,
libertando-se da tirania do passado, molda, em certa medida, o futuro, um futuro
aberto e não pré-fixado.
Dotado de livre-arbítrio, o homem é um ser por natureza livre, uma vez que
em todas as circunstâncias da sua vida tem de efetuar escolhas (um aluno, por
exemplo, quando pela manhã veste uma peça de vestuário ou outra, ou na aula está
atento e se empenha nas tarefas ou não). A liberdade do ser humano é tal que mesmo
que o queira não pode deixar de ser livre, uma vez que recusar-se a escolher é já
fazer uma escolha, é escolher não escolher.

Objeções ao Libertismo

Os adversários do libertismo contestam essa teoria apresentando objeções


como as duas seguintes:

a) Dificuldade em provar que a ideia de que o livre-arbítrio é uma ilusão, é


falsa

De acordo com esta objeção, aquilo que faz com que as pessoas, apesar de
não terem livre-arbítrio pensem que o têm, é o facto de – ao contrário das situações
em que são obrigadas/constrangidas de forma visivelmente violenta, por exemplo, pelo
apontar de uma arma – as causas determinantes do seu agir nem sempre serem
fisicamente visíveis, o que leva a que, não se apercebendo delas, as pessoas pensem,
ilusoriamente, que são livres. Com efeito, o desconhecimento das causas de algo,
não equivale à inexistência dessas mesmas causas.
Ora, enquanto não conseguir apresentar um argumento suficientemente
convincente, que elimine a hipótese de a sensação de que temos livre-arbítrio é
falsa, o libertismo não pode fugir a esta objeção. Isso, até, porque, não se verifica na
teoria de que não temos livre-arbítrio qualquer contradição. Ela oferece uma
explicação logicamente coerente para as decisões que tomamos e as escolhas que
fazemos.

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b) Dificuldade em provar a incompatibilidade entre a teoria de que todos
os acontecimentos são efeito de causas anteriores e a existência de livre-
arbítrio.

Sendo uma teoria incompatibilista, isto é, uma teoria que defende a


impossibilidade da existência simultânea numa mesma decisão de determinismo e livre-
arbítrio, o libertismo, ao contrário do que tentará fazer o determinismo moderado, não
apresenta provas convincentes da incompatibilidade entre a existência de causas
anteriores às nossas decisões e o livre-arbítrio ou, por outras palavras, não apresenta
nenhuma prova decisiva de que as nossas decisões não possam ser ao mesmo tempo
efeito de causas anteriores e livres.

c) Objeção complementar:
A conceção de escolha presente no libertismo não é nem plausível, nem
viável.

A conceção de escolha presente no libertismo, isto é, a ideia de que para ser


livre uma escolha deve ser, neutra, puramente racional, sem antecedentes no
passado que a determinem, venham eles do mundo exterior ou do mundo interior
(corpo ou mente) do sujeito, é uma conceção puramente abstrata, que não encontra
concretização no mundo real, que não é plausível e não existe.
É que não sendo um ser angélico, puro espírito, o homem, enquanto ser-no-
mundo, ser espácio-temporalmente situado, não se pode furtar às influências que do
exterior ou do interior se fazem sentir sobre si. Nele, o corpo e a mente estão de tal
modo ligados que não é possível a absoluta separação que a escolha libertista (uma
escolha pura e exclusivamente racional) exige.
Na verdade, se para ser livre a escolha tivesse de ser absolutamente racional,
isto é, decorrente exclusivamente da ponderação de razões, numa situação em que a
razão não fosse capaz de deslindar motivos para preferir uma alternativa a outra,
o sujeito, incapaz de escolher, ou permaneceria definitivamente indeciso – como é o
caso do burro de Buridan, que, com a comida à frente, mas incapaz de se decidir,
acaba por morrer à fome (o paradoxo de Buridan consiste em imaginar um burro
com muita fome, à frente do qual e a igual distância foram colocados dois montes de
feno exatamente iguais, Dado que, apesar de esfomeado, o burro não consegue
encontrar qualquer razão para preferir um dos montes ao outro, acaba por, indeciso e de
tanto “pensar”, morrer à fome) –, ou entregar-se-ia ao acaso escolhendo
aleatoriamente uma das alternativas. Só que nesta situação não se poderia
verdadeiramente falar de escolha, uma vez que quando a opção é aleatória e o
acaso e o indeterminismo prevalecem, não existe rigorosamente escolha e, portanto,
não há livre-arbítrio.
Assim, se ao contrário do que o indeterminismo pretende, uma escolha
determinada por nada, isto é, indeterminada, não é realmente uma escolha,
também, ao contrário do que defende o libertismo, uma escolha livre dificilmente
se baseará em motivos exclusivamente racionais, sem a presença de fatores ligados

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a motivos, como crenças e desejos, situação que é bem ilustrada nas diversas
situações de escolha que fazemos no quotidiano. Por exemplo, quando numa loja
alguém escolhe uma determinada camisa em vez de outra, fá-lo também com base em
fatores ligados ao desejo e ao gosto, como a preferência pela cor, o modelo, o corte, e
não apenas com base em critérios estritamente racionais, como o preço, a natureza dos
materiais, a durabilidade, entre outros.

2.3. Determinismo Moderado


Ao contrário do determinismo radical e do libertismo, que são teorias
incompatibilistas, o determinismo moderado é uma teoria compatibilista, uma vez
que admite a existência simultânea de determinismo e livre-arbítrio, considerando
até que mesmo na hipótese de tudo estar determinado, nem por isso nós deixamos de
possuir livre-arbítrio.
A compreensão da perspetiva do determinismo moderado implica que se tenha
presente que esta teoria procede a uma revisão do conceito de liberdade. Esta deixa
de ser vista, como pretende o determinismo radical, como ausência de causalidade,
para passar a ser entendida como ausência de constrangimento (sou livre quando no
meu agir não sou obrigado ou constrangido). Para além disso, esta teoria estabelece a
distinção entre causas que o sujeito agente não controla e o obrigam à ação, sejam
estas causas de natureza externa (por exemplo, o polícia que obriga o condutor
faltoso a sair do carro, ou a falta de comida que impede alguém de se alimentar), ou de
natureza interna (por exemplo, doenças mentais, como a cleptomania que consiste
num impulso incontrolável que leva o sujeito a roubar) e causas que o sujeito agente
pode controlar. Trata-se neste caso de causas internas, de natureza psicológica, como
desejos e crenças, que, sem estarem fora do controlo do sujeito, o impelem a agir de
determinada maneira, permitindo que ele faça aquilo que quer (por exemplo, Madre
Teresa de Calcutá, quando decidiu viver com os pobres, acreditando ser essa a vontade
de Deus; o indivíduo que vai ao cinema ver um filme em vez de outro, porque esse é o
seu desejo, ou a pessoa que escolhe um gelado de baunilha, em vez de um do chocolate
ou de morango).
Para o determinismo moderado, portanto, todas as decisões que tomamos
são causalmente determinadas. Aquelas, porém, cuja causa imediata são fatores
exteriores, ou até interiores (por exemplo, doenças mentais), que o sujeito agente não
controla, não são livres. Pelo contrário, as decisões cuja causa imediata são motivos
internos, de ordem psicológica (não necessariamente fruto de deliberação racional,
como pretende o libertismo), que o sujeito pode controlar, como desejos e crenças,
são decisões livres.
Nesta perspetiva, determinismo e livre-arbítrio não se excluem, uma vez que
todas as decisões, mesmo as livres, são causalmente determinadas, sendo que nestas
o agente, motivado pelas suas crenças e desejos, decide de determinada forma,
mas, de acordo com o princípio das possibilidades alternativas, poderia ter decidido
de outra. Ao decidir e, consequentemente, ao agir da maneira como agiu, o sujeito,

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sem ser pressionado ou constrangido, fez aquilo que queria fazer. Sempre que decide
e age desta maneira, guiado pelo seu livre-arbítrio, o sujeito agente é responsável e
deve ser responsabilizado (censurado ou louvado) por aquilo que faz.

Objeção ao Determinismo Moderado

a) Dificuldade em provar que quem age livremente, age apenas em função do


seu livre-arbítrio

O determinismo moderado defende que temos livre-arbítrio e que o


manifestamos sempre que agimos livres de todo o constrangimento que, sem que o
possamos controlar, do exterior ou do interior nos impeça de fazer aquilo que
desejamos.
Os adversários do determinismo moderado consideram que não temos
nenhuma garantia de que quando pensamos que agimos livremente, movidos
apenas pelas nossas crenças e desejos, estas e estes não sejam, sem que disso nos
apercebamos, determinados por acontecimentos anteriores que os causam. Ora, se
assim for, e segundo os adversários do determinismo moderado não há nenhuma
evidência de que assim não seja, não temos livre-arbítrio, uma vez que, sem que o
saibamos, podemos estar a ser constrangidos. Nesse caso e a assim ser, a teoria do
determinismo moderado seria uma teoria falsa.
Para que se compreenda melhor esta objeção ao determinismo moderado, pense-
se na situação de dois jovens estudantes que se dirigem a uma livraria para
comprar, cada um deles, um livro. O primeiro, suponhamos que o João, comprou o
livro que acreditou ser bom e desejou comprar. O segundo, suponhamos que o
Alberto, comprou o livro que o pai lhe impôs que teria de comprar. Para os
defensores do determinismo moderado, João agiu livremente porque escolheu em
função das suas crenças e desejos, enquanto o Alberto não agiu livremente, uma
vez que foi constrangido na sua escolha pela imposição do pai. Os adversários desta
teoria consideram, porém, que pode dar-se o caso de nenhum dos dois jovens ter
agido livremente, uma vez que se o Alberto foi visivelmente constrangido pelo pai,
João poderá ter sido constrangido, nas crenças e desejos que presidiram à sua
escolha, por acontecimentos/causas anteriores, de que não tem consciência, que
desconhece, pelo que, se bem que pense que poderia ter feito outra escolha, ele não
poderia, de facto, ter feito uma escolha diferente daquela que fez.

b) Dificuldade em provar que determinismo e livre-arbítrio são compatíveis.

Os adversários de determinismo moderado, sejam os deterministas radicais,


sejam os libertistas, consideram que esta teoria é incapaz de provar adequadamente
que determinismo e livre-arbítrio possam ser compatíveis.
Assim, de acordo com o determinismo radical, nada garante que as crenças
e desejos, que para o determinismo moderado seriam, as causa das decisões livres que
tomamos, não sejam elas próprias determinadas por causas anteriores, facto que, a

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ser verdadeiro, exclui a possibilidade do livre-arbítrio e, portanto, a sua
compatibilização com o determinismo.
Por sua vez, para o libertismo, só são livres as decisões e as ações que são
fruto de deliberações puramente racionais e que, portanto, se encontram livres de
qualquer causa vinda do exterior ou do mundo interior do sujeito. Assim, dizer, como
faz o determinismo moderado, que uma ação livre é aquela que á causada por
crenças e desejos, é negar que seja fruto do livre-arbítrio (que é puramente
racional) e, portanto, que este e o determinismo sejam compatíveis.

c) Objeção complementar:
Possibilidade de o princípio das possibilidades alternativas ser falso.

Outra objeção ao determinismo moderado consiste em chamar a atenção para


o facto de que uma das premissas dessa teoria, conhecida como o “princípio das
possibilidades alternativas”, poder ser falsa. Este princípio, aquele em função do
qual o sujeito da ação pode ser responsabilizado, diz que se temos livre-arbítrio
então podemos, por vezes, agir de outra forma, isto é, podemos agir de determinada
maneira, mas, caso quiséssemos, poderíamos ter agido de outra.
Para que se possa compreender melhor esta objeção, atente-se nas duas
situações seguintes:
1.ª Situação:

Imagine-se que alguém inventa um dispositivo mecânico que permite, à


distância, controlar o cérebro e, desse modo, a vontade e o comportamento das
pessoas. Pense-se agora que o detentor da máquina quer que um determinado
sujeito roube a carteira a um transeunte que passa na rua e dispõe-se a acionar o
dispositivo para que ele faça efetivamente o roubo. Entretanto, sem que a máquina
tenha sido acionada, o mesmo sujeito decide, por sua própria iniciativa, efetuar
aquele roubo. Deverá esta pessoa ser condenada pela ação que praticou? Somos
tentados a dizer que sim, apesar de a pessoa em questão, se bem que sem que o
soubesse, não pudesse deixar de fazer aquilo que fez, porquanto, se o não fizesse por
sua própria iniciativa, a máquina obrigá-lo-ia a agir daquela maneira.
2.ª Situação:

Um jovem que integra um grupo de marginais decide ficar em casa, no seu


quarto, eventualmente a estudar, em vez de ir participar com os seus amigos numa
ação criminosa. Entretanto, para que o seu filho não pudesse sair de casa, o seu pai,
sem que o jovem se tenha apercebido, fechou à chave a porta do quarto de modo a
que, mesmo que o quisesse fazer, o jovem não pudesse sair. Merecerá o jovem ser
louvado por se haver recusado a participar na ação criminosa referida? Mais uma
vez, somos tentados a dizer que sim, mas repare-se que, também neste caso, o
jovem não tinha alternativa, uma vez que, se bem que o não soubesse, não poderia
ter agido de maneira diferente daquela que agiu.

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Será que os sujeitos das duas situações referidas agiram livremente? Somos
tentados a responder que sim, uma vez que eles fizeram aquilo que, por sua própria
iniciativa decidiram fazer. Mais, ainda, deverão os referidos sujeitos ser
responsabilizados, censurados no primeiro caso e louvados no segundo, por terem
decidido e agido como o fizeram? Mais uma vez, somos tentados a responder que
sim, uma vez que se agiram livremente, devem ser responsabilizados pelo que fizeram.
Porém, respondendo desta maneira, uma vez que os sujeitos em questão não
poderiam ter agido de maneira diferente daquela que agiram, teremos de admitir que
nem o livre-arbítrio nem a responsabilidade implicam o princípio das
possibilidades alternativas, que havíamos tomado como inerente àqueles conceitos,
permanecendo, assim, em aberto o problema da relação entre responsabilidade e
livre-arbítrio, entendido como possibilidade de se ter agido de maneira diferente
daquela como se agiu.

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