O Caso Dos Exploradores de Cavernas
O Caso Dos Exploradores de Cavernas
O Caso Dos Exploradores de Cavernas
O primeiro a proferir seu voto foi o ministro presidente Truepenny, que condenou
todos eles à sentença de morte, porque é assim que está na lei positivada. Esse seria
o “único curso a ser tomado sob a lei vigente”. Aqui já podemos identificar aquilo que
costumamos chamar de positivismo exegético, que pressupõe a lei positiva como sendo
a única fonte de Direito.
Ocorre que, com a pretensão de superar o positivismo do presidente, Foster acaba por
tomar uma atitude também positivista, ainda que não exegética, pois separa o
Direito entre o que ele é e o que ele deveria ser, a partir de seu próprio critério de
moralidade. Uma vez que deixa de aplicar a lei, não por uma questão de Direito, mas
por uma questão de moral, incorre em discricionariedade.
Introdução
Pretende-se com a leitura da presente obra aguças a curiosidade dos acadêmicos que
adentram à Universidade, inaugurando-os no pensamento jurídico, levando-os,
gradativamente, à formação de uma consciência crítica, a partir do contato com os mais
atraentes temas da Ciência do Direito, suscitados pela obra ‘’O Caso dos Exploradores
de Cavernas’’.
Fuller inspirou-se para a criação de seu caso fictício em dois casos reais, polêmicos
às suas épocas: U.S. v. Holmes (1842) e Regina v. Dudley & Sthephens (1884).
Ambos os casos se originaram de naufrágios em alto mar e têm como local de
acontecimentos os botes salva-vidas, onde os sobreviventes se envolvem em
homicídios, que mais tarde são levados à apreciação da Justiça. No caso do ‘’US. V.
Holmes’’, os homicídios foram praticados para aliviar a carga do bote salva-vidas, que
estava ameaçado pela superlotação dos sobreviventes embarcados. Já no processo
‘’Regina v. Dudley & Stephens’’, os homicídios foram praticados como força de obter
alimento para os sobreviventes a beira da morte pela fome.
Pode-se facilmente perceber que os fatos que enriquecem a obra de Fuller foram
emprestados destes dois casos: o estado de desespero e da falta de esperança dos
envolvidos, a escolha da vítima pela sorte, o homicídio seguido de canibalismo (em um
dos casos), a simpatia dos réus e a comoção popular provocadas na sociedade, defesas
baseadas no estado de necessidade, condenações no júri e até a possibilidade de perdão.
Como na valiosa lição do Mestre André Franco Montoro, a ficção de Fuller nos ensina
que, ao nos depararmos com um caso jurídico complexo, não devemos nos prostrar
escravos dos ditames da norma posta, mas sim ter a consciência que ‘’... a realidade
social e a justiça, como valor fundamental, estão presentes em todos os momentos da
vida do direito: na elaboração de normas, na sua intepretação e aplicação, nas sentenças,
pareceres, petições e recursos. Aceitar as normas jurídicas estabelecidas como
inexorável imposição dos detentores do poder é negar ao jurista outra tarefa, que não
seja a de executor mecânico das mesmas, significa desnaturar o direito e, mais do que
isso, traí-lo. ‘’
Imediatamente uma expedição de resgate foi enviada para o local. O esforço do grupo
responsável pela remoção dos escombros foi, várias vezes, frustrado por outros
desmoronamentos. Todos os recursos da tesouraria da Sociedade Espeleológica logo se
exauriram no esforço de resgate, e a soma de oitocentos mil, levantados, parcialmente,
por subscrição popular e outra parte por concessão legislativa, foram gastos antes que os
homens presos na caverna fossem resgatados.
Era sabido que os exploradores carregavam com eles escassas provisões, e desde que,
também, não estariam disponíveis animais ou vegetação dentro de tal caverna, nos quais
eles poderiam subsistir, ansiedade existiu desde o começo de que eles teriam encontrado
a morte devido à desnutrição, antes que o acesso a eles pudesse ser obtido.
Da liberação dos exploradores presos, descobriu-se que no vigésimo terceiro dia, após
entrarem na caverna, Whetmore foi morto pelos seus companheiros de exploração. Dos
depoimentos dos réus, que foi aceito pelos jurados, parece que foi Whetmore quem,
primeiramente, propôs que deveriam usar como nutrientes, sem o qual a sobrevivência
seria impossível, a carne de um dos presentes na expedição. E, também, foi Whetmore
quem primeiro propôs de se usar algum método para tirar a sorte.
Do meu entendimento, não acredito que nossa lei nos complete a conclusões
monstruosas, que tais pessoas sejam assassinos. Acredito, muito pelo contrário, que ela
declara que eles devam ser inocentados de qualquer crime. Apresento minha conclusão
baseada em duas bases independentes, ambas as quais são, sozinhas, suficiente para
justificar a absolvição de tais réus.
Assim, concluo que na hora que a vida de Roger Whetmore foi terminada por esses
réus, eles estavam usando a singular linguagem dos autores do século XIX, fora do
‘’estado da sociedade civil’’, mas no ‘’estado natural’’. Isto tem a consequência de que
a lei aplicável a eles não é a promulgada e estabelecida pelo Commonwealth, mas sim,
da lei derivada daqueles princípios que eram apropriados para a condição em que eles se
apresentavam. Não hesito em dizer que sob tais princípios eles são inocentes de
qualquer crime. O que essas pessoas fizeram foi realizado em consecução a um
acordo por todos eles, e primeiramente proposto pelo próprio Whetmore.
Assim, naturalmente, é perfeitamente claro que essas pessoas agiram de forma a violar a
formulação literal do estatuto que declara que ‘’aquele que de vontade própria retira a
vida de outrem’’ comete assassinato. Mas um dos mais antigos fragmentos da sabedoria
jurídica está no fato de que uma pessoa poderá violar a letra da lei, sem violar a própria
lei. Todas as proposições da lei positiva, contidas em um estatuto ou na jurisprudência,
deverão ser interpretadas, razoavelmente, sob a luz das evidências propostas.
O estatuto perante nós para interpretação nunca foi aplicado literalmente. Há séculos
atrás ficou estabelecido que matar em legítima defesa é uma escusa para a punição. Não
há nada no estatuto que sugira essa exceção. A correção de erros legislativos ou
negligências não é para suplantar o desejo do legislativo, mas, sim, para fazê-lo
efetivo.
Assim, concluo que em todos os aspectos sob os quais este caso poderá ser visto, esses
réus são inocentados do crime de assassinato de Roger Whetmore, e que a condenação
deverá ser negada.
Ao analisar a opinião do meu colega Foster, acho que está crivada de contradições e
falácias. Vamos começar com a sua primeira preposição: estas pessoas não estariam
sujeitas à nossa lei porque eles não estariam no ‘’estado da sociedade civil’’ e sim em
‘’estado natural’’.
Não estou certo do porquê de tal situação, se é por causa da grossura das rochas que os
prendiam, ou da fome. Se essas pessoas passaram da jurisdição da nossa lei para a ‘’lei
natural’’, em qual momento isto ocorreu? Essas incertezas na doutrina proposta pelo
colega são capazes de produzir dificuldades reais para definição. Essas dificuldades
podem parecer obra da imaginação, mas elas somente servem para mostrar a natureza
fantasiosa da doutrina que está levantando para eles.
Por qual autoridade poderemos nós decidir em um ‘’Tribunal Natural’’? Se tais pessoas
estiveram, realmente, sob a lei natura, então como virá nossa autoridade para explanar e
aplicar tal lei? Pois, certamente, nós não estamos no estado natural.
Vamos examinar o conteúdo desse código natural que meu colega propõe que nós
adotemos como nosso e aplica-lo para este caso. É um código sob o qual uma pessoa
poderá fazer um acordo válido, dando poderes para seus companheiros consumirem seu
próprio corpo. Por estas considerações faz-se impossível para que possa aceitar a
primeira parte do argumento do meu colega.
Chego agora, na segunda parte da opinião do meu colega, na qual ele pretende
demonstrar que os réus não violaram as disposições do N.C.S.A. A essência do
argumento poderia ser colocada nos seguintes termos: nenhum estatuto, indiferente da
linguagem, deverá ser aplicado de maneira que esteja em contradição à sua proposta.