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Fundamentais Apreensao de Correio Eletronico - Católica PDF

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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

A Prova Digital em Processo Penal:


Apreensão de Correio Eletrónico
(Proposta de alteração do art. 17.º e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
687/2021)

Eunice Horta Rendeiro Martinho Clemente

Mestrado em Direito

Faculdade de Direito | Escola do Porto


Março de 2022
2
UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

A Prova Digital em Processo Penal:


Apreensão de Correio Eletrónico
(Proposta de alteração do Art. 17.º e Acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 687/2021)

Eunice Horta Rendeiro Martinho Clemente

Orientador: Prof.º Doutor Pedro Miguel Fernandes Freitas

Mestrado em Direito

Faculdade de Direito | Escola do Porto


Março de 2022

3
AGRADECIMENTOS

A primeira palavra de agradecimento será dirigida ao Dr. Pedro Miguel Freitas,


por toda a disponibilidade e, acima de tudo, pela orientação de excelência que me
presenteou. Um sentimento de eterna gratidão e admiração.

Aos meus pais, pelo amor sem limites, pela paciência e por todo o apoio
incondicional.

À minha avó, a quem dedico todo o meu percurso académico.

A todos os meus amigos, em especial ao Francisco e à Mariana, pelo apoio


incondicional, companheirismo e paciência. Obrigada por me ajudarem a manter os pés
na terra, pela presença constante e relembrarem-me sempre o que é realmente importante.

“Termino este percurso com a plena convicção de que existem pessoas que nos
inspiram a seguir o caminho e outras que nos mantêm inteiros enquanto o percorremos.”

4
RESUMO

As novas tecnologias de informação e comunicação levaram a que as sociedades


atuais se tornassem em verdadeiras e permanentes sociedades informacionais e
comunicacionais, pelo que a tecnologia tomou de assalto todas os aspetos do nosso dia-
a-dia.
Contudo, as comunicações eletrónicas, além dos inegáveis benefícios, expõem-
nos a novos e diversificados perigos, incitando a criminalidade informática para
categorias bastante evoluídas. Reconhecendo-se a natureza instável, dispersa e imaterial
características da prova digital, tornou-se imperativo adequar as leis penais aos novos
crimes praticados por meios informáticos, levando o legislador a acrescentar à
investigação criminal novos meios de obtenção de prova digital adaptados ao ambiente
eletrónico digital, de forma a garantir a integridade e força probatória desta prova.
Deste modo, as interceções e apreensões de correio eletrónicos configuram,
atualmente, um dos mais importantes meios de obtenção de prova no combate à
criminalidade informática, resultando num novo padrão de investigação criminal, pelo
que a criminalidade informático-digital, pelas suas características e natureza, não pode
ser investigada em termos clássicos.
Neste contexto, esta dissertação versa sobre as questões processuais respeitantes
à apreensão de correio eletrónico, procurando, com este estudo, analisar as disposições
processuais vigentes no ordenamento jurídico português que regulam a obtenção da prova
digital, pondo em questão a conciliação dos regimes dispostos tanto na Lei do Cibercrime,
como nas várias disposições processuais consagradas no Código de Processo Penal
relativas à obtenção da prova digital. Analisa-se, também, a proposta de alteração do art.
17.º da Lei do Cibercrime, bem como o recente acórdão do Tribunal Constitucional que
deu resposta à referida proposta.

Palavras-Chave: Prova Digital, Cibercrime, Lei do Cibercrime, Direitos Fundamentais,


Correio Eletrónico.

5
ABSTRACT

The new information and communication technologies transformed modern


societies into real and permanent informational and communicational societies, since
technology stormed every aspect of our daily lives.
However, electronic communications, albeit the undeniable benefits, expose us to
novel and diverse hazards, inciting evolved categories of cybercrime. Acknowledging the
unstable, disperse and immaterial nature of digital evidence it is imperative to adapt
criminal laws to the new crimes committed by electronic means, prompting the legislator
to add to criminal investigation new ways to obtain digital evidence, adapted to the digital
environment, to guarantee the proof’s integrity and evidential value.
Consequently, the electronic mail interceptions and apprehensions currently
configure one of the most important means to obtain proof when tackling cybercrime,
resulting in a new standard of criminal investigation, that cannot be investigated using the
traditional methods, due to its characteristics and nature.
In this context, this dissertation consists of the procedural matters regarding
electronic mail apprehensions, with the intention to analyse the current procedural
provisions in the Portuguese legal system that regulates the obtention of digital evidence,
bringing into discussion the conciliation of the regimes established in the Cybercrime
Law and in the various procedural provisions enshrined in the Code of Criminal
Procedure regarding the acquisition of digital evidence. The proposal to amend art. 17.º
of the Cybercrime Law, as well as the recent ruling by the Constitutional Court that
responded to the above-mentioned proposal, will also be analysed.

Keywords: Digital Evidence, Cybercrime, Cybercrime Law, Fundamental Rights,


Electronic Mail.

6
SIGLAS E ABREVIATURAS

AR – Assembleia da República
Art. – Artigo
Arts. – Artigos
Ac. – Acórdão
BVerfG – Tribunal Constitucional Federal da Alemanha
CEDH – Convenção Europeia dos Direitos do Homem
Cf. – Conferir
Cfr. – Confrontar
CP – Código Penal
CPP – Código de Processo Penal
CRP – Constituição da República Portuguesa
EMS – Enhanced Messaging Service
ENISA – European Union Agency For Cybersecurity
ISP - Internet Service Providers
JIC – Juiz de Instrução Criminal
LCC – Lei do Cibercrime
MMS – Multimedia Messaging Service
MP – Ministério Público
N.º - Número
OPC – Órgão de Polícia Criminal
p. – Página
pp. – Páginas
PR – Presidente da República
SMS – Shot Message Service
STJ – Supremo Tribunal de Justiça
SWGDE – Scientific Working Group on Digital Evidence
ss. – Seguintes
TC – Tribunal Constitucional
TRG – Tribunal da Relação de Guimarães
TRL – Tribunal da Relação de Lisboa

7
ÍNDICE GERAL

AGRADECIMENTOS ................................................................................................... 4

RESUMO......................................................................................................................... 5

ABSTRACT .................................................................................................................... 6

SIGLAS E ABREVIATURAS ....................................................................................... 7

ÍNDICE GERAL ............................................................................................................ 8

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 9

1. Breve contextualização da Prova no Processo Penal Português .............. 10


1.1. Os princípios reguladores da Prova .................................................... 10
1.2. Particularmente: a Cadeia de Custódia da Prova e os princípios da
Prova Digital ........................................................................................................... 13

2. A Prova Digital ............................................................................................. 20


2.1. Conceito e Características .................................................................. 20
2.2. As dificuldades colocadas pela Prova Digital .................................... 21
2.3. A Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro .............................................. 23

3. Os meios de obtenção da Prova Digital: a apreensão de correio eletrónico


26
3.1. Código de Processo Penal, os artigos 179.º e 252.º ............................ 27
3.2. Apreensão de correio eletrónico e registos de comunicações de
natureza semelhante (artigo 17.º da LCC) .............................................................. 29
3.2.1. Mensagens de correio eletrónico abertas e não abertas.............. 30
3.3. As competências do JIC e do MP relativas à apreensão de correio
eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante ............................. 35

4. Proposta de alteração do artigo 17.º (Decreto n.º 167/XIV) e Acórdão do


TC sobre a apreensão do correio eletrónico (Ac. n.º 687/2021) ............................ 41

CONCLUSÃO............................................................................................................... 47

BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 48

JURISPRUDÊNCIA CONSULTADA........................................................................ 53

8
INTRODUÇÃO

As novas tecnologias de informação e comunicação envolveram-se de tal forma


no nosso quotidiano, que se tornou possível efetuar compras, pesquisas, comunicações,
transações bancárias, entre tantas outras, com uma facilidade inacreditável. Foi uma
evolução tal que o ser humano, atualmente, não só se considera um ser social, como
também um ser tecnológico, de tal modo que, por exemplo, as redes sociais e de
telecomunicações quase se consideram meios indispensáveis à vida humana. Neste
sentido, compreende-se que é cada vez maior o número de pessoas com acesso aos novos
meios de comunicação eletrónica.
Contudo, todas as vantagens também acarretam desvantagens, isto é, a evolução
tecnológica e comunicacional foi adotada para a prática de novos crimes, tal como o
desenvolvimento tecnológico contribuiu para que os criminosos conseguissem ocultar as
suas identidades, bem como provas que levem à sua descoberta. Assim, podemos afirmar
que a cibercriminalidade representa uma nova realidade na sociedade globalizada, com
grandes impactos tanto no direito penal, como em processo penal.
Hoje em dia, as apreensões de comunicações eletrónicas configuram um dos mais
importantes meios de obtenção de prova no combate à criminalidade informática.
Contudo, este tipo de criminalidade, pelas suas características e natureza, não pode ser
investigado pelos modos tradicionais, sendo necessário adaptar os métodos de
investigação às novas características deste tipo de crimes.
Ora, o ordenamento jurídico português não dispunha de quaisquer normas
específicas sobre a recolha de prova em suporte eletrónico, ou mesmo qualquer referência
ao termo “correio eletrónico”, pelo que se recorria às normas gerais do CPP. Deste modo,
emergiu a necessidade de atualização normativa.
A reforma do CPP de 2007, através do artigo 189.º, n.º 1, no âmbito da
correspondência eletrónica, dispôs que o regime de escutas telefónicas seria
correspondentemente aplicável às conversações ou comunicações transmitidas por
correio eletrónico. Porém, foi a Lei n.º 109/2009 que veio regular a matéria do cibercrime
em Portugal, dispondo, no seu art. 17.º, que a apreensão de correio eletrónico e registos
de comunicações de natureza semelhante, reger-se-ia pelo “regime da apreensão de
correspondência previsto no Código de Processo Penal”.

9
No ano de 2021, a AR apresentou uma Proposta de Alteração ao atual art. 17.º da
LCC, cujo objetivo seria clarificar o modelo de apreensão de correio eletrónico,
particularmente, alterar o disposto no referido artigo relativamente à questão da
autorização pelo juiz, através de despacho prévio, de apreensão de correio eletrónico e
registos de comunicações de natureza semelhante.
Esta Proposta originou inúmeras controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais
quanto ao regime de recolha de correio eletrónico e de natureza semelhante, com relevo
na temática das competências do JIC e do MP, bem como quanto ao monopólio da
primeira leitura do teor do correio eletrónico, debatendo-se em torno da análise da
incidência da norma prevista no art. 179.º e do art. 252.º, ambos do CPP.
Nesse sentido, a presente dissertação tem por objetivo tratar do tema da prova
digital, mais concretamente, a apreensão de correio eletrónico em processo penal,
analisando as normas que regulam essa matéria, apresentando as principais
problemáticas, nomeadamente no tocante aos poderes do JIC e MP, analisando, a
proposta de alteração do art. 17.º da LCC, bem como o recente acórdão do TC relativo à
matéria em questão (Ac. n.º 687/2021).

1. Breve contextualização da Prova no Processo Penal Português


1.1. Os princípios reguladores da Prova

O estudo dos princípios reguladores de processo penal é de extrema importância,


pelo simples facto de constituírem parâmetros normativos do direito vigente, mas também
por motivos pedagógicos, uma vez que permite apreender os valores fundamentais em
que assenta o sistema processual penal vigente. Para além disso tem, também, uma grande
importância prática na aplicação do direito processual penal. De entre vários princípios
reguladores de processo penal, cumpre estudar os princípios relativos à prova.
Em primeiro lugar, um dos mais importantes princípios será o princípio da
legalidade da prova, consagrado no art. 125.º do CPP, estabelecendo que são admissíveis
as provas que não forem proibidas por lei. Ora, são provas proibidas por lei todas as que
são obtidas mediante tortura, coação, ofensa à integridade, abusiva intromissão na vida
privada, no domicílio, na correspondência e nas telecomunicações (art. 32.º, n.º 8, CRP).
Já no tocante aos métodos proibidos de prova, serão proibidos todos os métodos utilizados
de igual forma que as provas proibidas, porém, sem o consentimento do respetivo titular

10
(art. 126.º, n.º 1 e 3, CPP), com exceção de alguns casos previstos na lei, tais como os art.
177.º e 187.º do CPP.
A não verificação deste princípio resulta na “(...) nulidade das provas obtidas
através de métodos proibidos, não podendo as mesmas serem utilizadas.” 1 (art. 32.º, n.º
8, CRP, art. 126.º, n.º 1 e 3 e art. 118.º, n.º 1, CPP), sendo que à sanção “(...) acresce a
proibição de valoração da prova obtida através de métodos de prova proibidos, dispondo
expressamente o artigo 118º, nº 3, do CPP que as disposições sobre nulidades não
prejudicam as normas do Código relativas a proibições de prova.”2
De seguida, em matéria de apreciação da prova, cumpre saber se esta deve ter na
sua génese preceitos legais que predeterminem o valor a ser atribuído (princípio da prova
legal) ou se deve basear na sua livre valoração pela entidade competente (princípio da
livre apreciação da prova). Este último princípio encontra-se consagrado no art. 127.º do
CPP, que dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e livre
convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser de outra forma.
Mesmo sendo um princípio com especial relevo na fase de julgamento, uma vez
que nesta fase não valem provas que não forem produzidas ou examinadas em audiência
(art. 355.º, n.º 1, CPP), este princípio vale, também, para outras entidades, tais como para
o JIC e para o MP, pelo que se torna num princípio geral de processo penal com incidência
no decurso de todo o processo3.
Outros dos princípios de extrema importância para a prova em processo penal será
o princípio da investigação ou da verdade material. É sabido que o tribunal não está
limitado pela prova dos factos aduzida pela acusação e defesa, mas antes tem o poder-
dever de investigação oficiosa4. Ora, o princípio da investigação ou da “verdade
material”, consagrado no art. 340.º, n.º 1 do CPP, é o princípio segundo o qual o tribunal
investiga os factos sujeitos a julgamento, independentemente dos contributos da defesa e
da acusação, constituindo de forma autónoma as bases para a sua decisão5.
Sendo definido o objeto do processo pela acusação e delimitado o objeto do
julgamento, o tribunal deve procurar a reconstituição histórica dos factos de forma a
alcançar a verdade material, pelo que, o tribunal pode ordenar oficiosamente toda a
produção de prova que entenda necessária para a descoberta da verdade.

1
ANTUNES, 2021, p. 188.
2
Idem.
3
ANTUNES, 2021, p. 190.
4
SILVA, 2017, p. 99.
5
ANTUNES, 2021, p. 185.

11
Citando Germano Marques da Silva, este poder-dever de procurar a verdade é
“(...) justificado pela necessidade de procurar a verdade material, pois que ao processo
penal não bastaria uma verdade formal, ou seja, a reconstituição hipotética dos factos feita
apenas com base na contribuição probatória das partes, mas a verdade histórica, também
designada por verdade material”.6
No que toca aos direitos do arguido, a presunção de inocência é identificada como
o princípio in dubio pro reo, também conhecido por “benefício da dúvida”. Significa que
a questão da prova será sempre valorada a favor do arguido, isto é, o arguido tem sempre
o direito a ser absolvido ou a ser declarado inocente, caso não seja feita a prova absoluta
da sua culpabilidade7. Em bom rigor, é meramente um princípio lógico de prova, pois se
o tribunal não lograr a prova dos factos que constituem o objeto do processo, deve
considerar a acusação não provada e, consequentemente, não aplicar qualquer sanção ao
arguido, uma vez que a acusação é considerada infundada.
Este princípio encontra fundamento jurídico-constitucional no art. 32.º, n.º 2 da
CRP, ao declarar que todo o arguido presume-se inocente até trânsito em julgado da
sentença8. Produzida a prova, segundo o disposto nos art. 340.º e 341.º do CPP, o tribunal
aprecia a mesma, ao abrigo das regras da experiência e da sua livre convicção, que deve
ser sempre objetivável e motivável (art. 127.º, CPP). Desta forma, conclui de três formas:
ou que foi produzida prova dos factos imputados ao arguido, resultando em que os dados
foram dados como provados; caso contrário, que não foi produzida prova de tais factos,
pelo que os dados não são dados como provados; ou, ainda, apesar da prova produzida,
ficou aquém da dúvida razoável, pelo que se dá, também, os factos como provados.
Não menos importante, cumpre referir o princípio da não taxatividade9, uma vez
que o CPP consagra a regra da não taxatividade dos meios de prova. Contrariamente ao
art. 189.º do CPP italiano10, a lei portuguesa não estabelece um critério substantivo
especial para a admissibilidade das provas não previstas na lei, pelo que a admissibilidade
das provas não previstas na lei rege-se pelos critérios substantivos gerais do art. 340.º. Os
meios de obtenção de prova também se encontram subordinados a este princípio da não

6
SILVA, 2017, p. 100.
7
SILVA, 2017, p. 96.
8
ANTUNES, 2021, p. 193.
9
ALBUQUERQUE, 2011.
10
O art. 189.º, n.º 1, do CPP italiano afirma “Quando è richiesta una prova non disciplinata dalla
legge, il giudice può assumerla se essa risulta idonea ad assicurare l'accertamento dei fatti e non
pregiudica la libertà morale della persona. Il giudice provvede all'ammissione, sentite le parti sulle
modalità di assunzione della prova.”.

12
taxatividade. Porém, quando o meio de obtenção de prova acarretar um alto grau de
intrusão na privacidade do suspeito, ele deve ser previsto por uma lei expressa.
Resta considerar que a obtenção da prova digital deve seguir determinados
princípios reguladores autónomos11, que se cumulam com os princípios referentes à prova
no processo penal, suprarreferidos, pelo que a prova digital deve ver reconhecidos os
princípios específicos respeitantes às características da prova concreta, para além dos
princípios genéricos, como será analisado no ponto seguinte.

1.2. Particularmente: a Cadeia de Custódia da Prova e os princípios da


Prova Digital

O instituto da prova e respetiva cadeia de custódia tem uma relação umbilical com
os princípios constitucionais de processo penal, tal como afirma Miguel Reale “juízos
fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos,
ordenados num sistema de conceitos relativos a dada proporção de realidade”.12
A verdade processual penal não tem valor absoluto, não podendo ser alcançada a
qualquer preço, pelo que é necessário respeitar sempre a dignidade da pessoa humana,
bem como os direitos fundamentais, prevendo o CPP regras expressas.
De entre vários princípios, destaca-se o princípio do devido processo legal dotado
de todas as garantias processuais, estando a efetividade deste princípio diretamente ligada
à vigência de princípios constitucionais de processo penal, como é o caso dos princípios
da legalidade e da constitucionalidade da atuação dos operadores judiciários, o principio
da jurisdicionalidade de todo o processo, o princípio da prossecução do interesse público
e da prossecução dos direitos e interesses particulares, o principio da boa fé e da confiança
e, por fim, o principio da lealdade (transparência) da atividade dos autores judiciários.
“Estes princípios dão a roupagem e a força vinculativa à ação dos operadores judiciários
para que se garanta uma efetividade do princípio do devido processo legal com todas as
garantias de defesa.”13. Observa-se a opinião de Claus Roxin quando afirma que o
processo penal está abeberado de hierarquias éticas e jurídicas do Estado, de que não é
possível abdicar na procura por um valor não absoluto que é a verdade.14

11
International Hi-Tech Crime and Forensics Conference, https://www.fbi.gov/about-
us/lab/forensic-science-communications/fsc/april2000/swgde.htm/ , acedido a 04/05/2022.
12
REALE, 2010, p. 60.
13
VALENTE, 2021, p. 47.
14
ROXIN, Claus, Derecho Procesal Penal, 2000, p. 191 cit. por VALENTE, 2021, p. 47.

13
Outros dois princípios igualmente importantes são os princípios da identidade e
autenticidade na e da cadeia de custódia da prova. A cadeia de custódia da prova é
considerada uma técnica jurídico-processual que garante a identidade e a autenticidade
da prova de todo o processo penal, pelo que todo o procedimento está obrigado a respeitar
e promover os princípios constitucionais de processo penal diretamente ligados ao
instituto da prova, cuja violação vicia a sua utilização no processo. Assim, caso haja uma
ausência de controlo jurisdicional ou controlo efetivo na tutela e garantia destes dois
princípios em análise, resulta em proibições de produção de prova, ou seja, na
inadmissibilidade da prova e, caso seja submetida a julgamento, na inadmissibilidade de
valoração da prova.
Deste modo, é de concluir que a verdade não pode ser alcançada a todo o custo,
impondo-se que os autores judiciários (MP, juiz, polícia criminal, peritos, advogados,
entre outros) atuem dentro do quadro da legalidade material válida em cada momento e
espaço do processo penal15.
Fala-se de outro princípio igualmente relevante, o princípio da indisponibilidade
das competências. De uma forma mais concreta, é de extrema importância que os autores
judiciários e processuais ligados ao processo de aquisição, coleta e conservação da prova
façam um juízo de constitucionalidade que, desde logo, impõe um juízo de competência
constitucional da atuação do órgão de polícia criminal ou de polícia judiciária. É possível
afirmar-se que não é da competência dos elementos da polícia criminal a função de perito
criminal.
O princípio da indisponibilidade da competência para apurar, adquirir, recolher e
conservar a prova (custódia), para futuro exame pericial, deve verificar-se no quadro do
procedimento da cadeia de custódia da prova. Ou seja, a violação do lacre só é admissível
por perito criminal, não sendo submissível às funções da autoridade de polícia criminal
ou de qualquer outro órgão com funções de polícia judiciária, incluindo o delegado de
polícia16. Caso contrário, resulta numa violação deste princípio em apreço, sendo este
considerado um dos maiores limites ao poder de perseguir criminalmente alguém, bem
como ao poder de dirigir e controlar a atividade de investigação.
Nos termos do art. 151.º do CPP, o recurso à prova pericial está submisso ao
trabalho de um perito, tendo lugar quando a perceção ou apreciação dos factos exigem
especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos. Por outro lado, à polícia

15
VALENTE, 2021, p. 49.
16
Idem, p. 52.

14
criminal cabe proceder à descoberta, apreensão e conservação da prova (cf. art. 249.º, n.
º1, CPP e art. 272.º, n.º 2 e 3, em conjugação com o art. 202.º, n.º 3 da CRP).
Ademais, o elemento policial não pode aceder à coisa que se encontra sob cadeia
de custódia da prova, pelo que, tendo em conta o sentido dos art. 252.º e 179.º do CPP,
cabe-lhe garantir e tutelar a impenetrabilidade das provas apreendidas até à intervenção
dos peritos, para que não se criem dúvidas ou suspeitas sobre a identidade (originalidade)
e a autenticidade (integralidade) da prova apreendida.
Neste sentido, leva-nos a destacar outro princípio – o princípio do interesse
público na realização da justiça – uma vez que, apesar da realização da justiça deva ser
efetiva, é de realçar que essa mesma realização deve observar limites, tais como a
intocabilidade da integridade da prova, bem como a legalidade material e formal dos
métodos de obtenção da prova e das técnicas de conservação e manutenção, sem
quaisquer suspeitas de manipulação ou alteração do conteúdo da prova. Resumidamente,
a prova tem que parecer e ser honesta, imaculada.
A prossecução do interesse público na realização da justiça tem valores que não
podem ser afastados, como é o caso da atividade dos autores judiciários ter de respeitar a
legalidade material e processual, respeitar a confiança entre todos os cidadãos, obedecer
a uma ética republicada democrática que nega a justiça a todo o custo, devendo ter em
conta que este princípio em debate não é absoluto, pois tem como limite o princípio do
respeito dos direitos e interesses legítimos dos particulares (direito a um devido processo
legal submetido ao princípio da ampla defesa e do contraditório, conforme os art. 20.º, n.º
4 e 32.º, n.º 1 e 5, CRP).
Nesta sequência, desenvolvem um caráter de relevância o princípio da boa-fé e
confiança, tendo em conta que aos autores judiciários é imposta uma atuação de
confiança, de modo que a cadeia de custódia da prova seja respeitada e a prova possa ser
submetida à produção e valoração em sede de audiência de discussão e julgamento.
O princípio da boa-fé apresenta-se como “instrumento garantístico das
expectativas e da confiança dos particulares, geradas a partir de comportamentos”17 dos
órgãos do Estado, neste caso, da polícia criminal. Tal como defende Manuel Guedes
Valente, “o princípio da boa-fé não é, hoje, um mero princípio de intenção moral, mas
um verdadeiro princípio legitimador da atividade da administração da justiça por parte do
Estado, sendo de grande relevância muito em especial para a atuação da polícia

17
PINHEIRO e FERNANDES, 1999, p. 547.

15
criminal.”18. Desta forma, o instituto da prova e respetiva cadeia de custódia, exige à
autoridade policial uma atuação com base no respeito integral pelo princípio da boa-fé,
que se densifica no núcleo do princípio da lealdade.
Analisando este referido princípio da lealdade e citando Claus Roxin, será “o mais
alto princípio de todo o processo penal: o de exigência de fair trial, de um procedimento
leal”19. Um Estado de direito democrático que se baseia no respeito pela dignidade da
pessoa humana e na vontade popular exige aos operadores judiciários que, acima de tudo,
promovam, através das suas atuações, o respeito e a garantia dos direitos fundamentais
da pessoa, de forma a alcançar a paz jurídica e social e unifiquem a defesa da legalidade
democrática. Nas palavras de Germano Marques da Silva, este princípio deve traduzir
“uma maneira de ser da investigação e obtenção das provas em conformidade com o
respeito dos direitos da pessoa e a dignidade da justiça”20. Assim, este princípio será
integrante do processo penal, uma vez que impõe aos autores judiciários a obrigatoriedade
de atuação observando o respeito pelos valores da pessoa humana, tais como a sua
dignidade, integridade pessoal, a sua liberdade de formação e manifestação da sua
vontade perante a sociedade. Este princípio não se encontra plasmado nas Constituições,
porém afere-se do art. 32.º, n.º 8 da CRP ao proibir a admissibilidade de provas ilícitas
em processo penal.
Por último, mas não menos importante, é de referir o princípio da
jurisdicionalidade (art. 20.º, n.º 4, CRP e art. 6.º da CEDH) que impõe que certos atos e
diligências processuais sejam precedidos de ordem ou determinação judicial, isto é, exige
uma tutela reforçada por meio do princípio da jurisdicionalidade. Esta tutela não se esgota
na determinação ou ordem prévia judicial, uma vez que impõe uma série de
fundamentação da necessidade, imprescindibilidade e indispensabilidade de recurso a
este tipo de meios assentes na intimidade e na vida privada e familiar, por parte da polícia
criminal, do MP e do juiz que determina ou ordena esse ato ou diligência processual.
Em Portugal, o acesso a dados informáticos ou dados de tráfego incluídos em
sistemas informativos, carece de prévia autorização judiciária, devendo esta presidir à
diligência de pesquisa e apreensão dos dados informáticos, ao abrigo do art. 15.º, n.º 1,
conjugado com o art. 16.º, n.º 1 e 3, ambos da LCC. Só serão exceção a esta regra as

18
VALENTE, 2021, p. 60.
19
ROXIN, Claus, Derecho Procesal Penal, 2000, p. 13, 101 e 108, cit. por VALENTE, 2021, p.
61
20
SILVA, 2010, p. 53 e 161.

16
situações de elevada perigosidade, como é o caso de terrorismo, crime violento ou
organizado caso haja indícios da prática iminente de crime que coloque em risco a vida
ou integridade de qualquer pessoa, porém, com comunicação imediata à autoridade
judiciária competente para a apreciação e validação21. À polícia criminal não compete o
acesso a este tipo de conteúdo privado, sob pena de nulidade da diligência e das provas
meio obtidas, bem como da prova resultado, sendo esta nulidade de natureza insanável,
pelo que torna inexistente o ato e recolha da prova, sendo inadmissível como prova do
processo.
Assim, podemos concluir que esta atividade de obtenção e produção de prova tem
que observar o respeito pelos referidos direitos fundamentais, bem como pelas garantias
consagradas na CRP e na lei em geral. No entanto, a prova digital também é alvo de
princípios mais particulares. A este propósito, Benjamim Silva Rodrigues oferece um
elenco de princípios a observar, resultando na criação de um novo padrão de investigação
em processo penal22.
Além da aplicação dos princípios específicos que se prendem com a prova digital,
aplicam-se, também, os princípios vigentes em matéria processual penal, em geral, e em
matéria da prova em processo penal, em particular. Está, então, em causa o princípio da
cumulação dos princípios processuais penais em matéria probatória, juntamente com os
princípios particulares à prova digital, não sendo legítimo a omissão dos primeiros por
estes últimos, ou a preferência destes últimos em detrimento dos primeiros.
De seguida e de forma a garantir a integridade da prova obtida durante o processo
de recolha, armazenamento e tratamento, a prova digital deverá respeitar um princípio de
não alteração da prova no ato de recolha, ou seja, é exigido que, durante o processo de
investigação, o investigador não observe qualquer conduta que contamine os dados
obtidos com elementos alheios ao sistema ou rede informáticos investigados23. Com este
princípio, é aconselhado um especial esforço dos órgãos formais de controlo no sentido
de garantir que, mesmo não sendo com má-fé, se não introduzam alterações ou
contaminem os dados com elementos estranhos ao sistema ou rede informáticos, retirando
por completo a força probatória das provas recolhidas, anulando qualquer valor para o
processo.

21
VALENTE, 2021, p. 67.
22
RODRIGUES, 2011, p. 41 e ss.
23
RODRIGUES, 2009, p. 726.

17
Neste âmbito, é igualmente relevante o princípio da especialização ou qualificação
do pessoal adstrito à investigação forense digital, uma vez que as fases de acesso, recolha,
conservação e análise competem a entidades especializadas no núcleo dos órgãos formais
de controlo que, dotadas de conhecimentos técnico-científicos adequados, impedem o
corrompimento ou o mau manuseamento da prova e subsequente inadmissibilidade desta
no processo penal. Afirma Eoghan Casey que “A documentação é uma parte crítica de
cada etapa”24 e, também, “O controlo eficaz do caso também exige que os examinadores
documentem suas ações, não apenas no início, mas também durante todo o processo da
descoberta digital”25.
A integridade da prova refere-se à preservação desta numa forma completa, sem
quaisquer alterações intencionais ou não intencionais, ou seja, refere-se à preservação da
evidência na sua forma original. Porém, embora a integridade da prova seja um ideal na
análise digital, muitas vezes não é possível de se alcançar, uma vez que os dados se
modificam, inevitavelmente, em redes e sistemas de computador ativos durante as
investigações. Por isso mesmo, a documentação de todas as etapas da investigação é um
objetivo importante26. Assim, no seguimento desta ideia, outro princípio consiste na
garantia de documentação em todas as fases processuais (acesso, recolha,
armazenamento, transferência, preservação e apresentação ou repetição da prova digital).
A documentação de todas as fases de obtenção e valoração (no fundo, de
tratamento) da prova digital pretende exprimir a ideia de que se afigura indispensável,
uma vez que é o que permite a realização de uma “cadeia de controlo”27, ou seja, de
garantia de validade da prova digital. Por um lado, porque a repetição da prova pode, por
vezes, só ser exequível se for possível a análise da documentação das fases que
conduziram à sua produção. Por outro lado, a observância deste princípio conduz a um
controlo rigoroso da atividade dos órgãos responsáveis pela obtenção da prova digital.
Ademais, segundo o princípio de responsabilidade pessoal, cada profissional que
intervenha na investigação digital terá a responsabilidade de controlar pessoalmente a
cadeia de custódia das provas que ele recolher ou produzir, de forma a garantir a força
probatória das mesmas, sob pena de uma vez mais, se perturbar a força probatória daquela
evidência em particular. Com isto, ficam excluídos do acesso a objetos sob investigação

24
CASEY, 2010, p. 25.
25
Idem, p. 76.
26
ARNES, p. 6.
27
Noção adotada pelo SWGDE, https://archives.fbi.gov/archives/about-us/lab/forensic-science-
communications/fsc/april2000/swgde.htm, acedido a 04/03/2022.

18
qualquer terceiro alheio à investigação, pois a tendência é para a pessoalidade no
tratamento da prova digital, isto é, do profissional que legitimamente recolhe, manuseia,
analisa, apresenta e explica a prova ao processo em que ela se obtém e valora.
O caráter importantíssimo dado à prova digital resulta em que cada prova
recolhida, manuseada, analisada e fundamentada seja feita apenas por um perito ou
conjunto de peritos tecnicamente qualificados e identificados no processo.
Por fim, o último princípio que deverá regular a prova digital consiste numa
responsabilização repartida dos vários intervenientes na produção da prova no respeito
dos princípios orientadores em matéria de obtenção e valoração da prova. Por outras
palavras, cabe a cada órgão ou perito encarregue pela recolha e armazenamento da prova
digital, o dever de ser inteiramente responsável pelo material que se encontra sob a
investigação e custódia dele, ou seja, cada interveniente na produção ou obtenção de dada
prova tem que se assegurar pessoalmente do cumprimento dos princípios de produção,
análise e descrição da prova digital para, assim, em conjunto e de maneira complementar
com os restantes órgãos ou peritos, contribuir para a preservação e manutenção da
integridade, fiabilidade e valor probatório da prova obtida em ambiente digital.
Todavia, a Agência da União Europeia para a cibersegurança (ENISA) divulgou
cinco princípios fundamentais relativos à obtenção e recolha de prova digital: o princípio
da integridade dos dados (esta integridade dos dados deve ser preservada, garantindo que
os dados não sejam manipulados); o princípio da cadeia de custódia da prova (adotar uma
cadeia de custódia de forma a garantir a autenticidade e integridade da prova); o princípio
do apoio especializado (apoio que deve ser requerido sempre que o âmbito da prova
ultrapasse os conhecimentos dos investigadores); o princípio da formação profissional
(uma formação contínua e adequada de forma a garantir uma apreensão de prova íntegra
e eficaz); e, por último, o princípio da legalidade (garantir o respeito por todos os
princípios suprarreferidos, bem como o cumprimento da lei)28.
Para concluir, de forma a garantir a validade da prova digital ao longo do processo
de investigação, as fases processuais da prova deverão ser regidas por regras de
cumprimento imperativo, sendo relevante, por exemplo, a documentação de qualquer
operação efetuada, tal como foi suprarreferido, bem como a intervenção no processo das
entidades tecnicamente aptas para que seja garantida a validade da prova.

28
https://www.enisa.europa.eu/publications/electronic-evidence-a-basic-guide-for-first-
responders> , acedido a 04/03/2022.

19
2. A Prova Digital
2.1. Conceito e Características

Inserido no Livro III do CPP (Da Prova), entende-se que a prova é um dos
instrumentos fundamentais para a descoberta da verdade quando estamos perante um
crime. O art. 125.º do CPP consagra o princípio da admissibilidade de todas as provas
que não sejam proibidas por lei, pelo que, todas as provas de caráter digital são admitidas,
desde que a sua obtenção tenha sido feita dentro dos critérios da legalidade e objetividade.
Contudo, não existe uma aceção concreta para a figura da prova digital, no
entanto, destacam-se alguns autores que expõem uma definição deste conceito.
Começando por Benjamim Silva Rodrigues, define a prova digital como “qualquer tipo
de informação, com valor probatório, armazenada em repositório eletrónico-digitais de
armazenamento, ou transmitida em sistemas e redes informáticas ou redes de
comunicações eletrónicas, privadas ou publicamente acessíveis, sob a forma binária ou
digital”29. Por outro lado, segundo a opinião de Armando Dias Ramos, a prova digital
define-se como a “informação passível de ser extraída de um dispositivo eletrónico (local,
virtual ou remoto) ou de uma rede de comunicações. Pelo que esta prova digital, para
além de ser admissível, deve ser também autêntica, precisa e concreta”30.
Face ao exposto, de forma a assegurar a força probatória da prova digital, bem
como a sua validade, é imprescindível estudar as características e princípios que a
regulam. É de fácil perceção de que a prova digital necessita de ser tratada de uma forma
mais delicada, uma vez que ao mínimo descuido pode torná-la inutilizável. Tal como
refere Armando Dias Ramos, “(...) a apreensão da prova digital não requer o mesmo
tratamento que é dado quando se apreende uma carta ou um outro qualquer documento,
por exemplo.”31
No seguimento desta ideia, em 1999 realizou-se uma conferência em Londres
(International Hi-tech Crime and Forensic Conference), onde foram apresentadas, pelo
SWGDE, algumas definições, standards e princípios pertinentes, de forma a expressar à
comunidade forense internacional a natureza e a força probatória da figura da prova
digital. O propósito desta conferência teve que ver com o crescimento da era digital,
marcado pelo aparecimento de uma quantidade colossal de dispositivos eletrónicos para

29
RODRIGUES, 2009, p. 722.
30
RAMOS, 2014, p. 86.
31
Idem, p. 88.

20
além do computador. “Do ponto de vista da aplicação da lei, mais informações que
servem como moeda no processo judicial estão a ser armazenadas, transmitidas ou
processadas em formato digital.”32. Esta situação levou a que todas as nações tivessem a
capacidade de apreender e preservar as provas digitais para a sua própria defesa, pelo que
o SWGDE tentou definir estes standards e princípios sobre a prova digital.
Deste modo, em primeiro lugar, a prova digital terá que estar em conformidade
com o sistema legal probatório vigorante no processo penal português e, de forma a este
tipo de prova ser admitida noutros países, deverá estar, também, em conformidade com o
modelo vigente internacionalmente em matéria de prova digital.
Ademais, estando inserida num meio complexo e de apreensão complicada, este
tipo de prova deve apresentar-se numa linguagem simples, clara e precisa, observando os
termos fundamentais para a investigação. Não obstante, deve ser uma prova durável,
sendo que as entidades competentes devem tomar medidas de maneira a garantir a sua
conservação.
Por fim e de modo a garantir a sua integridade e força probatória, a prova digital
deverá ser produzida observando todos os critérios essenciais, mantendo o rigor e
inspirando segurança ao agente que dela fizer uso, pelo que, para tal, é primordial que se
verifique conformidade na produção de prova, devendo existir correspondência na
sequência dos princípios fundamentais da prova digital em todas as fases do processo.

2.2. As dificuldades colocadas pela Prova Digital

A prova digital integra várias condições que a tornam distinta, vulnerável e


especial e, tal como observa Rita Santos33, as técnicas de recolha e produção da prova
digital são diferentes das utilizadas na obtenção dos habituais meios de obtenção de prova,
pelo que as primeiras não se satisfazem com as técnicas habituais. A quantidade
gigantesca de informação digital que pode ser criada, modificada ou eliminada, em
qualquer parte do mundo, juntamente com o incessante avanço dos sistemas de
informação, impõe que a investigação se aperfeiçoe e se muna de instrumentos
específicos de forma a garantir a integridade deste tipo de prova em questão. Assim,

32
Retirado do site online do FBI: https://archives.fbi.gov/archives/about-us/lab/forensic-science-
communications/fsc/april2000/swgde.htm, acedido a 04/03/2022.
33
SANTOS, 2005, p. 24.

21
deduz-se que a prova digital deve ser recolhida o mais célere possível, observando todos
os cuidados exigidos, sob pena de perder a sua integridade.
O caráter temporário é analisado pela forma como a prova digital pode deixar de
existir com o decurso do tempo, e mesmo já existindo legislação que imponha aos
provedores de serviços de Internet (ISP’s) que façam a ressalva dos dados de tráfego34,
este caráter temporário continua a existir, pois basta que a prova não seja produzida, ou
seja, que não seja possível de chegar à mesma, ou que não seja salvaguardada no espaço
de um ano (período a que os ISP’s estão obrigados a guardar os dados relativos às
comunicações) para que toda a investigação seja um falhanço e não se identifiquem os
criminosos. Para além de temporária, a prova digital é frágil e modificável, resultando
numa necessidade acrescida de cuidados a ter.
É uma prova fungível porque os dados informáticos facilmente podem ser
substituídos por outros, pelo que, antes da sua recolha, deve ser rigorosamente
identificada, não correndo o risco de ser alterada ou de desaparecer, garantindo, assim, a
sua força probatória. Porém, existindo essas possibilidades de alteração ou
desaparecimento, este tipo de prova é considerado volátil e instável, tornando-se ainda
mais complicada a sua apreensão. É de grande volatilidade uma vez que podem ser
omitidas ou excluídas do suporte original, resultando uma maior dificuldade em encontrá-
las, sendo necessário o uso de ferramentas específicas para tal.
Não menos importante, este tipo de prova consiste numa prova imaterial, logo,
impõe ao investigador conhecimentos técnicos e científicos específicos, sendo que esta
necessidade deve-se, particularmente, à complexidade da prova digital.
Igualmente importante será mencionar o transporte de material que tenha sido
apreendido no âmbito das “buscas digitais”. Sendo considerado de enorme fragilidade,
deve ser, por exemplo, afastado de campos eletromagnéticos tais como altifalantes,
janelas ou bancos aquecidos, e deve ser transportado em sacos anti estáticos.
Quando não for passível de serem cumpridos todos os procedimentos necessários
para prova digital ter força probatória, poderá resultar no facto de não se conseguir
realizar uma perícia justa, por outras palavras, não será possível reunir elementos de prova

34
De acordo com o art. 2º, alínea c), da Lei 109/2009, dados de tráfico definem-se como “os dados
informáticos relacionados com uma comunicação efetuada por meio de um sistema informático, gerados
por este sistema como elemento de uma cadeia de comunicação, indicando a origem da comunicação, o
destino, o trajeto, a hora, a data, o tamanho, a duração ou o tipo de serviço subjacente”.

22
que, no âmbito de audiência e julgamento, possam ser valorados justamente e relevantes
para a discussão da causa.
As características excecionais da prova digital, mais concretamente o facto de ser
temporal, frágil, dispersa, volátil, alterável e imaterial, tornam a prova digital numa prova
complexa e carecida de uma especial interpretação, pelo que “as ações de investigação
criminal relativas à prova digital exigem aprofundados conhecimentos informáticos e,
muitas vezes, meios técnicos e tecnológicos de ponta.”35. Hoje em dia torna-se
indispensável falar-se da ciência forense digital, não só como meio de investigação, mas
especialmente para que se determinem procedimentos, princípios e regras que sustentem
a integridade, fiabilidade e inalterabilidade deste tipo de prova.

2.3. A Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro

Atualmente, sabe-se que as comunicações realizadas através da Internet


resultaram em mudanças profundas na forma como comunicamos, porém, também nos
expuseram a novos riscos, pelo que, a par desta evolução, seria imperativo adaptar as leis
penais à atual sociedade da informação, sendo criados novos tipos legais de crimes,
preenchendo-se lacunas legais no nosso ordenamento jurídico.
A prova digital carece de uma intervenção legislativa racional, o que não se
verifica na realidade, visto que a atual situação legislativa manifesta inconsistências.
Deste modo, a primeira lei que veio regular a matéria de cibercrime em Portugal foi a Lei
n.º 109/91, de 17 de agosto, a lei da criminalidade informática, que terá sido
expressamente revogada por ter se tornado desatualizada. A lei terá sido revogada, uma
vez que apenas tratava do direito substantivo relativo aos crimes informáticos, sendo que
as normas do CP seriam subsidiárias em relação aos crimes nela previstos, conforme
dispunha o art. 1.º da antiga lei. No tocante à matéria processual de cibercrime, esta era
regulada pelo artigo 189.º do CPP, sendo que este código sofreu uma reforma em 2007
através da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, de forma a abranger a recolha de prova
eletrónica, na medida em que o disposto nos art. 187.º e 188.º, relacionados com as escutas
telefónicas, “é correspondentemente aplicável às conversações ou comunicações
transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio

35
MILITÃO, p. 261.

23
eletrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática (...)”36. Entretanto,
com o passar do tempo e, consequentemente, com a evolução informática, a Lei n.º 109/91
desatualizou-se, pois foram emergindo novos crimes informáticos que não eram
regulados pela lei portuguesa, porém já seriam regulados por legislações europeias e
instrumentos internacionais.
Em Portugal, através da Resolução n.º 88/2009 da AR e Decreto n.º 92/2009 do
PR, ambos publicados a 15 de setembro, Portugal ratificou a Convenção sobre o
Cibercrime, adotada em Budapeste em 23 de novembro de 2001, sendo assim, aprovada
a atual Lei do Cibercrime, Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro.
Com a evolução dos crimes informáticos, os danos por eles causados podem fazer-
se sentir em múltiplas jurisdições, pelo que se deve encarar este tipo de crimes à escala
mundial, daí que, com esta Convenção, seja expressa a necessidade dos vários Estados se
dotarem de instrumentos processuais que ajudem a comprovar os crimes digitais, uma
vez que a cooperação internacional facilita e ajuda na recolha de prova. Assim, esta
Convenção foi criada com o intuito de harmonizar legislações e os crimes nelas previstos,
bem como estender às jurisdições dos Estados signatários determinados instrumentos
processuais de prova adequados à investigação de crimes informáticos e, não menos
importante, pretendeu facilitar a cooperação internacional e viabilizar investigações.
A LCC transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Decisão Quadro n.º
2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistema de
informação, adaptando, assim, o direito interno à Convenção sobre o Cibercrime. Desta
transposição para a ordem jurídica interna, a Lei n.º 109/2009 veio consagrar, nos termos
do seu art. 1.º, n.º 1, “disposições penais materiais e processuais, bem como as disposições
relativas à cooperação internacional em matéria penal, relativas ao domínio do cibercrime
e da recolha de prova em suporte eletrónico (...)”.
No âmbito da LCC, Pedro Venâncio defende que o catálogo de medidas
processuais deve ser observado de forma integrada, “analisado como um todo, pois em
muitos aspetos práticos se relacionam e complementam”37, visto que o objetivo será o
mesmo, ou seja, de aceder a dados informáticos essenciais à investigação.
Não obstante, seguindo a opinião de Germano Marques Da Silva, conclui-se que
a ordem pública sofre maior perturbação com a violação de direitos fundamentais do que
“(...) pela não repressão de alguns crimes, por mais graves que sejam, pois são sempre

36
Art. 189º, nº1, CPP.
37
VENÂNCIO, 2011, p. 99.

24
muitos, porventura maioria, os que não são punidos, por não descobertos, sejam quais
forem os métodos de investigação utilizados”38.
Ora, tendo em conta a Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 289/X/4ª, que
serviu de base ao texto da LCC, ao invés de se concretizar uma alteração das várias fontes
normativas relativas à criminalidade informática, optou-se por englobar num só diploma
legal todas as disposições relativas ao sector da cibercriminalidade, por ser a solução que
se mais se coaduna com a tradição portuguesa39.
Perante isto, o legislador português, tal como o legislador alemão, incluiu num
único diploma legal todo o conjunto de disposições relativas aos crimes informáticos.
Porém, como refere Manuel da Costa Andrade, o legislador alemão tem vindo ao longo
do tempo a “erigir um regime unificado e sistematizado dos meios ocultos de investigação
e assegurar o respeito, neste domínio, da área nuclear inviolável da intimidade.” 40, pelo
que os meios ocultos de investigação passam a não estarem regulados em leis
extravagantes. Seguindo esta linha de pensamento, João Conde Correia, em vez de “(...)
optar por poucas leis, simples e claras o legislador escolheu a via incerta da pluralidade e
da complexidade, gerando um sistema anárquico, onde, muitas vezes, nem a letra, nem o
seu espírito, nem, tão pouco, a sua história fornecem a bússola necessária para encontrar
o caminho mais seguro.”41.
Posto isto, é de notar que esta nova LCC se caracteriza como inovadora, uma vez
que, para além de ter previsto crimes informáticos que antes não eram regulados, incluiu
novos termos, tais como “dados informáticos”, “dados de tráfego” e “fornecedor de
serviços”. Além do mais, foi o primeiro diploma legal a contemplar na ordem jurídica
portuguesa, um regime específico de obtenção da prova digital, incluindo um conjunto de
novos e diferentes meios de obtenção de prova, de entre eles a preservação expedita de
dados (art. 12.º, LCC), a revelação expedita de dados de tráfego (art. 13.º, LCC) e a
injunção para apresentação ou concessão do acesso a dados (art. 14.º, LCC).
Como referido no Ac. do TRL, de 22 de Janeiro de 2013, a Lei n.º 109/2009, ao
prever um regime jurídico específico, conseguiu superar a lacuna da antiga lei da

38
ALVES; GONÇALVES, 2009, p. 71.
39
Exposição dos Motivos da Proposta de Lei nº. 289/X/4ª,
https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063484d364c793968636d356c6443397a6
158526c637939595447566e4c305276593356745a57353062334e4a626d6c6a6157463061585a684c7a453
24f544a684e7a63344c57457a4f4751744e474934595330344d5459304c544d345a4459315a6a59784e444
d304f53356b62324d3d&fich=1692a778-a38d-4b8a-8164-38d65f614349.doc&Inline=true, acedido a
04/03/2022.
40
ANDRADE, 2009, p. 24.
41
CORREIA, 2018, p. 23.

25
criminalidade informática que “(...) por não conter essas normas processuais que
adequassem o regime legal às particularidades da investigação “empurrou” a
jurisprudência para a interpretação de que só em relação a crimes de catálogo seria
possível a obtenção de certo tipo de dados como os dados de tráfego e mercê da
intervenção do juiz de instrução.” 42.
Além do mais, tal como é referido na Exposição de Motivos, era urgente
ultrapassar o regime de 2009, de modo a fornecer ao sistema processual normas que
possibilitassem a obtenção de dados de tráfego, bem como a realização de interceções de
comunicações em investigações de crimes praticados no ambiente virtual, pelo que esta
nova lei serviu como uma forma de corrigir uma lacuna que existia no sistema processual
penal português.
Ademais, esta lei do cibercrime veio adotar um regime processual não só aplicável
a processos relativos a crimes previstos na respetiva lei, como também a processos
relativos a crimes cometidos através de um sistema informático ou em qualquer processo
criminal em que seja útil proceder à recolha de provas digitais, ao abrigo do seu art. 11.º.
Importa, também, ter em conta que todas as medidas, sejam gerais ou excecionais,
bem como as obrigações previstas na LCC, cumulam-se com as que se encontram
estabelecidas no CPP, em tudo o que as não contrarie.
Para concluir, denota-se que a LCC, bem como os diplomas conexos, “tiveram em
vista responder aos apelos dos que reivindicavam a densificação, facilitação, agilização,
enfim, o eficientismo dessas medidas.”43
Deste modo, tanto se exige uma maior ponderação dos valores em sede de
interpretação e aplicação por parte das autoridades competentes, respeitando o princípio
da proibição do excesso, como também se exige bastante cuidado, por parte do julgador,
na apreciação das provas digitais, tendo em conta a delicadeza das mesmas.

3. Os meios de obtenção da Prova Digital: a apreensão de correio


eletrónico

42

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/7bd2dd8af10b34c380257b27003a5697?
OpenDocument, acedido a 04/03/2022.
43
MILITÃO, p. 281.

26
Cada vez mais se torna imprescindível a utilização de mensagens de correio
eletrónico e de natureza semelhante que são apreendidas em sistemas informáticos como
meio de prova no processo penal, em virtude da grande evolução eletrónica que se tem
vivenciado. Desta forma, a lei portuguesa assume que as mensagens de correio eletrónico
podem ser usadas como meio de prova, entre outras comunicações, reconhecendo a sua
importância como fontes de material probatório.
É, assim, importante analisar o regime jurídico de apreensão de correspondência
previsto nos arts. 179.º e 252.º do CPP, de forma a ser possível apreciar a sua
compatibilidade com o regime de apreensão de correio eletrónico previsto no art. 17.º da
LCC.
O regime previsto neste art. 17.º da LCC tem gerado dificuldades de
compatibilização com o disposto no CPP e tem dado lugar a interpretações doutrinais e
jurisprudenciais diversas, sobretudo quando a apreensão se faz na fase de inquérito.
Nos termos do art. 179.º, n.º 1, do CPP, o juiz só pode autorizar ou ordenar a
apreensão de correspondência quando estiver em causa um crime punível com pena de
prisão superior, no seu máximo, a 3 anos (alínea b)). Nos termos do n.º 3 da mesma norma,
o juiz que tiver autorizado ou ordenado a apreensão é a primeira pessoa a tomar
conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida. Se o juiz considerar que a
correspondência apreendida é relevante para a prova, fá-la juntar ao processo, caso
contrário, restitui-a ao seu titular, não podendo ela ser usada como meio de prova.
Já nos termos do art. 17.º da LCC, à apreensão de correio eletrónico e registos de
comunicações de natureza semelhante aplica-se “correspondentemente o regime da
apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal”.

3.1. Código de Processo Penal, os artigos 179.º e 252.º

O regime de apreensão de correspondência previsto no CPP aplica-se à


correspondência que se encontra em trânsito entre o remetente e o destinatário, pelo que
se assemelha à interceção em tempo real.
A inviolabilidade jurídico-constitucional da correspondência tem como objetivo
proteger os bens jurídico-fundamentais da pessoa e, por isso mesmo, a apreensão de
correspondência trata-se da “primeira forma especial de apreensão incluída no CPP”44.

44
CORREIA, 2019, p. 639.

27
Na verdade, o legislador limitou-se a criar algumas especificidades que tornam a
apreensão de correspondência mais rigorosa e menos frequente45, pelo que a norma será,
automaticamente, mais restritiva, uma vez que a CRP determina como garantia
fundamental o controlo das ingerências em direitos fundamentais por um juiz, portanto,
só são suscetíveis de serem praticados por outras autoridades judiciárias os atos que não
afetem diretamente tais direitos fundamentais (cf. art. 32.º, n.º 4, CRP).
O CPP, prevendo que “sob pena de nulidade, o juiz pode autorizar ou ordenar, por
despacho” a apreensão de cartas ou outro tipo de correspondência (art. 179.º, n.º 1), e indo
de encontro à doutrina e à jurisprudência, considera-se que a apreensão de
correspondência comum prevista no código em questão “só pode ser ordenada por um
juiz, por força do artigo 32.º, n.º 4 da Constituição”46, pelo que, interpretando de acordo
com a CRP, apenas o juiz possui a faculdade de decidir que se permite a intervenção em
direitos fundamentais do sigilo das correspondências e das telecomunicações, estando em
causa matéria de reserva de juiz autorizar ou ordenar a apreensão47.
Nas palavras de João Conde Correia “ao contrário das apreensões em geral que
podem ser decretadas pelo juiz, pelo MP (art. 178.º, n.º 3) ou, até, em certos casos mais
limitados, pelos próprios OPC (art. 178.º, n.º 4), exige-se aqui a intervenção judicial
prévia”48. O legislador considerou que os direitos fundamentais em causa (direito de
propriedade, sigilo da correspondência, vida privada) eram demasiados importantes e que
o grau de restrição seria demasiado elevado para poder confiar na decisão de outra
entidade, ainda que sujeita a eventual validação judicial oficiosa.
Será importante ter em conta que o regime de apreensão de correspondência
previsto no CPP consiste na “retirada do circuito normal do correio49 (o que implica que
o processo comunicacional esteja em curso) do suporte através do qual se efetua uma
comunicação postal ou telegráfica, impedindo que chegue ao seu destinatário”50, pelo que
este regime de apreensão de correspondência possa restringir o direito à inviolabilidade
da correspondência.
Porquanto, em casos excecionais, em que a demora na abertura de
correspondência pode resultar na perda de informações frutuosas e essenciais para a

45
Idem, p. 640.
46
ALBUQUERQUE, 2011, p. 509; CANOTILHO, MOREIRA, 2007, p. 544.
47
ANTUNES, 2021, p. 136.
48
CORREIA, 2019, p. 647.
49
ALBUQUERQUE, 2011, p. 509.
50
NUNES, 2021, p. 335.

28
investigação de um crime, o juiz pode autorizar a sua abertura imediata pelos OPC, em
contexto de medidas cautelares e de polícia, segundo o disposto no art. 252.º, n.º 2, do
CPP, sendo que o juiz detém o dever de validar a ordem por despacho fundamentado no
prazo de 48 horas.

3.2. Apreensão de correio eletrónico e registos de comunicações de


natureza semelhante (artigo 17.º da LCC)

Diversamente da apreensão de correspondência regulada no CPP, a apreensão de


correio eletrónico e de registos de comunicação de natureza semelhante, regulada no art.
17.º da LCC, aplica-se não à obtenção em tempo real, mas sim à obtenção de correio “que
já foi recebido pelo destinatário (ou que ainda não foi ou já fora remetido pelo remetente)
e que se encontra armazenado no sistema informático que foi legitimamente acedido pelas
autoridades (...)”51.
O conceito de correio eletrónico, segundo Rui Cardoso, define-se como “qualquer
mensagem textual, vocal, sonora ou gráfica enviada através de uma rede pública de
comunicações que possa ser armazenada na rede ou no equipamento terminal do
destinatário até que este a recolha” 52. Contudo, atualmente encontramos outros tipos de
comunicações eletrónicas (as tais comunicações de natureza semelhante) como as SMS,
EMS, MMS, conversas no Messenger, Whatsapp, Viber, Skype, etc.53
Perante isto, o legislador consagrou na LCC diversos meios de obtenção de prova
que permitem obter o conhecimento e o conteúdo deste tipo de comunicações, como é o
caso do art. 17.º desta lei em questão.
A origem deste artigo encontra-se na Proposta de Lei n.º 289/X/4ª, tendo ele a
mesma redação que o art. 19.º desta Proposta. A leitura da Exposição de Motivos da
Proposta demonstra que o Governo, reconhece a “desadequação da ordem jurídica
nacional às novas realidades a implementar”, pelo que não tencionou fazer apenas uma
extensão do regime das buscas e apreensões previsto no CPP à prova digital, mas sim
proceder a uma adaptação desse regime, “a forma como a busca e a apreensão estão
descritas no CPP exigiam alguma adequação a estas novas realidades”54.

51
Idem, p. 336.
52
CARDOSO, 2018, p. 181 e ss.
53
NUNES, 2021, p. 332.
54
CARDOSO, 2018, pp. 169 e 170.

29
Assim, com o art. 17.º, nasce um regime especial de apreensão de dados que tem
como objetivo permitir, em circunstâncias específicas, apreender o correio eletrónico e
outros registos de comunicação de natureza semelhante, sendo que estas normas têm
como tónica comum pretenderem adaptar para o ambiente digital e dos sistemas
informáticos as habituais diligências de busca e apreensão55.
Como já foi referido, o regime previsto neste art. 17.º da LCC tem gerado
dificuldades de compatibilização com o disposto no CPP, pelo que se colocam alguns
problemas. Um dos problemas tem que ver com o pressuposto relativo ao crime em causa
(crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos), o problema coloca-
se, desde logo, no facto de alguns dos tipos legais previstos na LCC não serem puníveis
com penas de prisão superiores a 3 anos.
Nas normas relativas à interceção de comunicações e à admissibilidade de ações
encobertas, o legislador refere expressamente que tais meios processuais podem ser
utilizados em processos relativos a crimes previstos na LCC (art. 18.º, n.º 1, alínea a), e
art. 19.º, n.º 1, alínea a)) e noutros processos por crimes que integrem o catálogo de crimes
referido em cada uma das normas (art. 18.º, n.º 1, alínea b), e art. 19.º, n.º 1, alínea b)).
Conclui-se, então, que foi opção do legislador permitir a apreensão de correio
eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante sem a limitação resultante
de o crime ser punível com pena de prisão superior a 3 anos, pelo que se permite a
utilização deste meio de obtenção de prova em processos relativos aos crimes previstos
na própria LCC (como, aliás, acontece também com a interceção de comunicações e as
ações encobertas).
Outra questão que se tem colocado está relacionada com a exigência de despacho
judicial prévio, que autorize ou ordene a apreensão de mensagens de correio eletrónico,
bem como saber se o juiz deve ser a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo
das mensagens de correio eletrónico apreendidas. Contudo, estes problemas serão
abordados mais adiante.

3.2.1. Mensagens de correio eletrónico abertas e não abertas

Atualmente, um tema que gerou enorme discussão relaciona-se com o facto de


saber se a analogia estabelecida com o regime que regula a apreensão de correspondência

55
VERDELHO, 2019, p. 741.

30
deve aplicar-se a todo o correio eletrónico, ou apenas às situações em que este não foi
ainda lido pelo destinatário, aplicando-se ao correio lido o regime da simples apreensão
de documentos.
Até à aprovação da LCC, seriam diversas as posições que afastavam qualquer
paridade entre as mensagens de correio eletrónico recebidas num sistema informático e o
conceito tradicional de correspondência ou carta.
Pedro Verdelho defendia que, quanto às mensagens recebidas, mas ainda não
lidas, seria compreensível conceder o mesmo tratamento que o correio físico contido em
envelopes não abertos (o dito correio tradicional), pelo que a sua apreensão só poderia
ocorrer nos casos previstos do art. 179.º do CPP. Porém, em relação às mensagens
recebidas e já lidas, considerando que já foram, justamente, abertas, lidas e guardadas no
computador a que se destinavam, não deveriam ter mais proteção do que as cartas em
papel recebidas, abertas e guardadas numa gaveta ou arquivo, portanto, não mereciam a
mesma proteção em relação às outras, no momento da sua apreensão56.
Questiona-se se, a partir do momento da leitura, a mensagem de correio eletrónico
ou de natureza semelhante, não passa a ser um documento eletrónico igual a qualquer
outro, “(...) sujeitando-se ao regime correspondente àquele a que ficam sujeitos os
documentos que o visado cria e arquiva no seu computador”57.
Como é possível observar, o art. 17.º da LCC não faz qualquer distinção entre
mensagens de correio eletrónico ou de natureza semelhante abertas e não abertas, sendo
que o aberto e não aberto (ou lido e não lido), não é uma forma banal de proteção do
conteúdo da mensagem, contrariamente ao que sucede com os envelopes no correio
corpóreo, “Não são envelopes ou invólucros das mensagens, mas simples filtros que o
utilizador por definir (de acordo com as suas preferências ou critérios), para mais
facilmente gerir o volume de mensagens de correio eletrónico recebidas”58.
Ora, no sentido do paralelismo entre correio eletrónico lido pelo destinatário e
simples documentos, Manuel da Costa Andrade defende que “depois de recebido, lido e
guardado no computador do destinatário, um e-mail deixa de pertencer à área de tutela
das telecomunicações, passando a valer como um normal escrito. E, como tal, sujeito ao

56
VERDELHO, 2004, p. 158.
57
Ac. do TC nº. 687/2021, p. 10.
58
CARDOSO, 2018, pp. 186-187.

31
mesmo regime em que se encontra um qualquer ficheiro produzido pelo utilizador do
computador e nele arquivado.”59.
Paulo Dá Mesquita segue a mesma linha de pensamento, assegurando que apesar
da redação pouco clara do art. 17.º, a remissão para as normas do CPP faz parecer que
“(...)a mesma reconduz o intérprete à teleologia do regime processual sobre a apreensão
de correspondência, pelo que não são objeto da sua tutela especial, nomeadamente,
mensagens de correio eletrónico já acedidas pelo destinatário”60.
Contudo, nunca será uma ideia consensual, já que na opinião de Rita Castanheira
Neves que, sendo a favor de uma maior garantia do correio eletrónico já lido, entende que
“a Lei do Cibercrime consagra uma distinção de regime para o e-mail armazenado, que
nem equipara à proteção da interceção do e-mail enquanto comunicação, nem à (falta de)
proteção dos normais escritos.(...) O que a Lei n.º 109/2009 faz é reconhecer ao correio
eletrónico apenas dois momentos, com separação entre um e outro desde a leitura do e-
mail pelo destinatário, mas conferindo, ao mesmo tempo, proteção acrescida ao segundo
momento, de armazenamento, fazendo coincidir os requisitos previstos para o regime da
correspondência”61.
Acontece que a matéria em questão contende com direitos fundamentais, mais
concretamente com o direito à inviolabilidade da correspondência e das
telecomunicações.62
A CRP, no seu art. 26.º, n.º 1, reconhece os direitos à identidade pessoal, ao
desenvolvimento da personalidade e à reserva da intimidade da vida privada e familiar.
Já no seu art. 34.º, n.º 4, consagra que “(...) o sigilo da correspondência e dos outros meios
de comunicação privada são invioláveis” (n.º 1) e que “É proibida toda a ingerência das
autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de
comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal”.
Para autores como Gomes Canotilho e Vital Moreira, “O conteúdo do direito ao
sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação privada (n.º 1 e 4) abrange
toda a espécie de correspondência de pessoa a pessoa (cartas postais, impressos), cobrindo
mesmo as hipóteses de encomendas que não contêm qualquer comunicação escrita, e
todas as telecomunicações (telefone, telegrama, telefax, etc.)” 63. Ademais, no âmbito do

59
ANDRADE, 2012, ponto 27.
60
MESQUITA, 2010, p. 118.
61
NEVES, 2011, pp. 276-277.
62
CARDOSO, 2018, p. 175.
63
CANOTILHO, MOREIRA, 2007, p. 544.

32
art. 34.º insere-se o correio eletrónico, uma vez que o segredo da correspondência abrange
as correspondências mantidas por via das telecomunicações, pelo que, na opinião destes
autores, todo o tipo de correspondência merece tutela jurisdicional.
Por outro lado, seguindo Manuel da Costa Andrade, a tutela do sigilo das
telecomunicações está diretamente ligada ao processamento da comunicação sob o
domínio da empresa provedora do serviço de telecomunicações, sendo que esta tutela “só
existe enquanto dura o processo dinâmico de transmissão, isto é, até ao momento em que
a comunicação entra na esfera de domínio do destinatário. Vale dizer, até ao momento
em que ela é recebida e lida pelo destinatário e, neste sentido, termina o processo de
telecomunicação à distância. Assim, depois de recebido, lido e guardado no computador
do destinatário, um email deixa de pertencer à área de tutela das telecomunicações,
passando a valer como um normal escrito”64.
Acontece que, no que respeita às mensagens de correio eletrónico ou de natureza
semelhante, é muito difícil ou mesmo impossível determinar quando é que termina a
comunicação e se a mensagem já foi ou não aberta/lida. Porém, não significa que não
existam direitos fundamentais dignos de tutela.
No Ac. 403/2015 do TC, foram idealizadas marcantes considerações sobre o
acesso aos dados das comunicações (mesmo depois de terminadas), constatando que tal
colide com o direito à autodeterminação comunicativa, protegido no art. 34.º da CRP, que
serve para defender vários bens jurídico-constitucionais, tais como o direito ao
desenvolvimento da personalidade e o direito à reserva da intimidade da vida privada e,
também, para proteger “a esfera pessoal perante as ingerências públicas ou privadas, ou
seja, o interesse das pessoas que comunicam em impedir ou em controlar a tomada de
conhecimento, a divulgação e circulação do conteúdo e circunstâncias da
comunicação”65.
João Correia, em conformidade com Manuel da Costa Andrade, Rita Castanheira
Neves e Pedro Verdelho, faz uma distinção entre e-mails lidos e não lidos (relacionando-
se com a distinção entre correspondência aberta e não aberta), muito embora a LCC não
a faça. Assim, conforme dispõe Rui Cardoso, “a correspondência merece tutela desde o
momento do envio, fechada, até ao momento da abertura pelo destinatário”66, pois, tal

64
ANDRADE, 2009, p. 158-159.
65
https://dre.pt/dre/detalhe/acordao-tribunal-constitucional/403-2015-70300353, acedido a
04/03/2002.
66
CARDOSO, 2018, p. 56-57.

33
como assegura Manuel da Costa Andrade, “é precisamente este facto – estar fechada –
que define a fronteira da tutela penal do sigilo de correspondência e dos escritos em
geral”67. Daí que a correspondência, depois da sua abertura, fica sujeita ao regime geral
de apreensão, previsto no art. 178.º do CPP.
Desta forma, o regime da proteção do sigilo da correspondência física do CPP só
vale enquanto a mesma estiver em trânsito e ainda não tiver sido aberta pelo destinatário,
pois “a partir desse momento (conclusão efetiva do processo de transmissão) o
destinatário dispõe dos meios necessários a evitar a intromissão estadual. Ele já não está
vulnerável, sujeito às falhas de reserva do operador ou à curiosidade estadual”68.
Destarte, os peritos informáticos demonstram que se pode marcar uma mensagem
como lida ou não lida com bastante facilidade, pelo que esta distinção entre correio
eletrónico lido e não lido, bem como as diferentes formas de tratamento defendidas por
João Correia, Manuel da Costa Andrade, Rita Castanheira Neves, Pedro Verdelho e Paulo
Dá Mesquita já não fazem grande sentido.
Assim, pactuamos com Rui Cardoso quando alega que alguns prestadores de
serviços de correio eletrónico “(...)continuam a ter regimes de lido/não lido, mas que,
contrariamente ao que sucede com a correspondência corpórea, podem ser facilmente
alteráveis (e infinitamente) pelo utilizador, com um clique. O correio eletrónico pode ser
arquivado pelo destinatário sem ser lido; pode ser arquivado juntamente com mensagens
enviadas e até rascunhos de mensagens eventualmente a enviar”69.
Por conseguinte, a doutrina tem evoluído para uma posição mais consensual,
desconsiderando a distinção entre correio eletrónico lido e não lido pelo destinatário, com
suporte na letra do artigo 17.º da LCC. “A consagração de um regime jurídico único,
especificamente desenhado para a figura do correio eletrónico, permite, aliás, ultrapassar
incongruências e antinomias que resultariam de um tratamento jurídico diferenciado entre
as mensagens guardadas no sistema informático do visado e as mensagens armazenadas
em nuvem, ou no sistema informático do prestador do serviço”70.
Deste modo, estamos a caminhar no sentido de uma disciplina de apreensão de
correio eletrónico em processo penal tendencialmente unitária, que permite encarar as
questões colocadas por tal realidade, levando em consideração os direitos fundamentais

67
ANDRADE, 2012, p. 758.
68
CORREIA, 2014, p. 41.
69
CARDOSO, 2018, p. 187.
70
Ac. do TC n.º 687/2021, p. 11

34
constitucionalmente tutelados (suprarreferidos), contribuindo para ultrapassar as
divergências provocados pelo enquadramento normativo dos e-mails nas fases e no tempo
em que foram guardados na conta, tanto na fase intermédia em que a mensagem não foi
ainda aberta ou lida pelo destinatário, como na fase final, em que depois de aberto e lido,
o e-mail é depositado no servidor, ao qual só é possível aceder através da Internet, isto é,
através de um ato de telecomunicação71.
“Por esta razão, e atendendo igualmente aos bens jurídico-constitucionais e aos
direitos fundamentais em causa, bem como à necessidade de uma compreensão atualista
da tutela jusconstitucional conferida pela CRP nesta matéria, atender-se-á ao regime
jurídico de apreensão de correio eletrónico sem proceder a este tipo de distinções”72.

3.3. As competências do JIC e do MP relativas à apreensão de correio


eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante

A reserva de juiz é a garantia de vários direitos fundamentais, recebendo atenção


do constituinte português ao contemplar que “toda a instrução é da competência de um
juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos atos
instrutórios que se não prendam diretamente com os direitos fundamentais” (art. 32.º, n.º
4, CRP). Assim, as reservas de juiz “traduzem-se em normas legais de competência que
conferem a um juiz o poder exclusivo e obrigatório para decretar medidas de ingerências
nos direitos individuais”73.
Ora, o instituto da reserva de juiz pressupõe que momento de pronuncia do juiz
deve ser, por regra, em momento prévio ao ato ou durante a execução do mesmo, e não
depois74. Contudo, podem ser deixadas à competência do MP “(...) todas as medidas de
ingerência que não afetassem direitos fundamentais, reservando-se para a autorização do
juiz apenas as medidas que atingissem diretamente aqueles direitos”75.
Tal como foi referido, duas grandes questões que se têm colocado estão
relacionadas com a exigência de despacho judicial prévio, que autorize ou ordene a
apreensão de mensagens de correio eletrónico, bem como saber se o juiz deve ser a

71
ANDRADE, 2012, ponto 28.
72
Ac. do TC n.º 687/2021, p. 11.
73
MATA-MOUROS, 2011, p. 53.
74
Idem.
75
Idem.

35
primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo das mensagens de correio eletrónico
apreendidas.
Ora, o problema surge quando o art. 17.º da LCC remete para a aplicação
correspondente do regime da apreensão de correspondência do CPP, regulada nos artigos
179.º e 252.º. Ambos os diplomas dispõem que o juiz pode autorizar (o requerimento do
MP no âmbito do inquérito) ou ordenar (quando o próprio juiz autoriza) por despacho a
apreensão de correio eletrónico (LCC) ou apreensão de correspondência (CPP), não
referindo se o despacho deve ser ou não prévio.
Pedro Verdelho76, assume que o MP e os OPC’s possuem a faculdade de ordenar
ou autorizar uma apreensão provisória ou cautelar das mensagens de correio eletrónico,
que será submetida e validada pelo juiz, não se exigindo uma prévia decisão judicial para
a apreensão.
Além do mais, na prática, na realização de uma busca, não se prevê quantos
computadores serão encontrados, bem como numa eventual pesquisa informática não se
prevê se serão encontrados e-mails, muito menos se esses e-mails serão de interesse para
a descoberta da verdade. Assim, de forma a não violar os direitos fundamentais, tais como
a reserva da intimidade da vida privada (art. 26.º, n.º 1, CRP) e a inviolabilidade e o sigilo
da correspondência (art. 34.º, n.º 1 e 4, CRP), deve haver despacho prévio do juiz (cf. art.
32.º, n.º 4 e 8, CRP e art. 179.º, n.º 1, alínea c) e n.º 3, CPP)77.
A lei não é expressa, mas é clara, uma vez que assume que é possível proceder-se
a uma apreensão de mensagens de correio eletrónico mesmo que não tenha havido
nenhuma anterior ordem judicial nesse sentido. Será esta a ideia que se retira do art. 17º
da LCC, quando prevê a possibilidade de o juiz autorizar a apreensão de mensagens que
se mostrem de grande importância para a descoberta da verdade, “se as mesmas forem
descobertas ou encontradas no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso
ilegítimo a um sistema informático.”78. Neste caso, o despacho judicial do juiz deverá ser
subsequente à chegada das mensagens ao conhecimento de quem está a orientar a
investigação. Esta apreensão é provisória uma vez que, caso o juiz entenda dever autorizar
a apreensão, a mensagem em causa será efetivamente apreendida e junta ao processo.

76
VERDELHO, 2009, pp. 743-744.
77
Idem.
78
VERDELHO, 2019, p. 743.

36
Caso contrário, “então a apreensão não se mantém, devendo o suporte das mensagens em
causa ser devolvido ou, se a apreensão tiver sido feita por cópia, destruído”79.
Este regime de apreensão permite que o procedimento seja mais flexível e célere
pois, de facto, as mensagens serão encontradas e apreendidas no decurso da pesquisa,
sendo fácil perceber que não é possível antecipar que, numa busca, se irá encontrar um
computador, muito menos saber se esse computador contenha mensagens de correio
eletrónico ou de natureza semelhante que tenham interesse para a investigação.
Entende-se que legislador não foi muito claro sobre este aspeto. No entanto, não
parece viável nenhuma outra interpretação da lei, pois de outra forma, optar-se-ia por uma
solução que exigiria a verificação, pelo juiz, de todas as mensagens de correio eletrónico,
de todos os computadores que fossem encontrados durante as investigações80. Esta
solução seria impossível tendo em conta a quantidade colossal de computadores que nos
dias de hoje se apreendem.
Deverá, então, entender-se, segundo Pedro Verdelho, que a lei permite que se faça
uma apreensão provisória de mensagens de correio eletrónico, no âmbito de pesquisas
informáticas realizadas, por exemplo, com autorização do MP, sendo depois tais
mensagens presentes ao juiz, para que este ordene a respetiva apreensão e junção ao
processo. Por essa compreensão, não se exigiria a análise imediata e anterior do juiz.
Contrariamente a esta ideia, defende João Correia que “Segundo o BVerfG, a
infiltração secreta em sistemas informáticos alheios, para efeitos de monitorização ou de
leitura de dados, será constitucionalmente admissível, mediante prévia autorização
judicial, em caso de perigo concreto para bens jurídicos individuais como a vida, o corpo
ou a liberdade ou para interesses coletivos, cuja ameaça afete os fundamentos ou a
sobrevivência do Estado de direito ou da própria existência humana”81.
Portanto, o legislador não tendo delimitado o âmbito dessa aplicação
correspondentemente, será da competência do juiz essa delimitação, sendo um dever o
juiz intervir sempre que estiverem em causa direitos fundamentais, conforme artigo 32.º,
n.º 4 da CRP.
Com efeito, pode-se afirmar que o direito da inviolabilidade da correspondência
possui como garantia a necessidade de prévio despacho judicial, para que sofra uma
eventual restrição.

79
Idem.
80
VERDELHO, 2019, p. 744.
81
CORREIA, 2014, p. 44.

37
Acontece que a LCC não sendo precisa sobre o facto de dever ser ou não o juiz o
primeiro a ter acesso ao conteúdo dos e-mails apreendidos, será necessário ter em conta
a análise da jurisprudência sobre o assunto. O Ac. do TRL de 11 de janeiro de 2011
determina que o regime geral do CPP sobre apreensão de correspondência deve ser
aplicado na sua totalidade, sem redução do seu âmbito à apreensão de correio eletrónico,
em conformidade com o que dispõe o art. 17.º da LCC.
Em contraposição, Rui Cardoso considera que “o art. 17º determina a
correspondente aplicação do regime de apreensão de correspondência do CPP, não a
aplicação integral. Esta só deve ser feita naquilo que não contrariar o já previsto na própria
LCC (...)”82, pois foi a intenção do legislador adaptar a busca e a apreensão previstas no
CPP às novas realidades.
Atentando a posição do Ac. do TRL, o art. 179.º, n.º 3 do CPP deve ver a sua
aplicação estendida ao conteúdo do correio eletrónico “(...) já convertido em ficheiro
legível, o que constitui ato da competência exclusiva do juiz de instrução criminal, nos
termos do art. 268º, nº1, al. d, CPP, (...) constituindo a sua violação nulidade expressa
absoluta e que se reconduz, a final, ao regime de proibição de prova. A tudo isto acresce
que a falta de exame da correspondência pelo juiz constitui uma nulidade prevista no art.
120º, nº2, al. d, CPP porque se trata de um ato processual legalmente obrigatório”83, pelo
que deve ser o JIC que tiver autorizado ou ordenado a apreensão dos e-mails também o
primeiro a tomar conhecimento do seu conteúdo, sob pena de nulidade e produção de
prova proibida que não pode ser valorada.
Porém, é feita uma ressalva em caso de urgência, previsto no art. 252.º, n.º 2 e 3,
do CPP, declarando que no caso da perda de informações úteis à investigação de um crime
ou em caso de demora, o juiz pode autorizar a abertura imediata de correspondência (e,
também, de correio eletrónico) pelo órgão de polícia criminal, sendo que o órgão de
polícia criminal pode ordenar a suspensão da remessa de qualquer correspondência nas
estações de correios e de telecomunicações, devendo a ordem policial ser validada pelo
juiz no prazo de 48 horas, sob pena de devolução ao destinatário ou caso a ordem não seja
validada.

82
CARDOSO, 2018, p. 66.
83

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/e5ed1936deb44eb180257824004ab09d
?OpenDocument, ponto 7, acedido a 04/03/2022.

38
Percebe-se que, mesmo em situação excecional, o juiz deve autorizar que o OPC
possa ler a correspondência antes dele, bem como deve autorizar, por despacho
fundamentado, uma eventual ordem desse órgão de suspensão da remessa. Esta
participação do juiz destaca seu papel de garante dos direitos fundamentais, conforme art.
32.º, n.º 4, CRP, o que não poderia ser diferente no âmbito da apreensão de correio
eletrónico.
Acórdão mais recente, mas seguindo o mesmo sentido será o Ac. do TRL de 6 de
fevereiro de 201884, reiterando o posicionamento do acórdão anterior, indicando que esta
questão vem sendo decidida no mesmo sentido há alguns anos pelo TRL.
Rui Cardoso85 invoca a violação da estrutura acusatória do processo penal (art.
32.º, n.º 5, CRP), porquanto que exigindo que seja o juiz a ler os e-mails e a selecionar o
que inclui no processo, seria o mesmo a determinar as provas que se incluem no processo,
o que não seria função do juiz da instrução, mas do MP (titular do inquérito). Haveria,
assim, usurpação de competências. No entanto, apesar de o MP ser responsável pelas
investigações e com a faculdade de decidir quais as provas mais relevantes para o
processo, percebe-se que o juiz também deve ter amplo conhecimento da causa, sendo
igualmente apto a realizar tal função. Além disso, o mesmo ocorre quando há apreensão
de correspondência tradicional do art. 179.º, CPP, uma vez que a correspondência é
entregue ao juiz, sendo ele a decidir quais provas se devem incluir ou não no processo
(art. 179.º, n.º 3, CPP). Dessa forma, não se verifica nenhum impedimento para que seja
o juiz da instrução o primeiro a ler o conteúdo dos e-mails apreendidos, indo de encontro
com a posição dominante dos acórdãos suprarreferidos, bem como com as disposições do
CPP.
Pedro Verdelho assume que a lei não foi clara nesse ponto, portanto, nas palavras
deste autor, “estaria a optar-se por uma solução processual inviável, que exigiria a
verificação, pelo juiz, de todas as mensagens de correio eletrónico, em todos os
computadores que fossem encontrados no decurso de pesquisas.” 86. Desta forma, não se
exige que seja o juiz o primeiro a ter conhecimento de todas as mensagens como acontece
com o correio físico, a letra da lei aponta antes para a possibilidade de quem procede à
pesquisa encaminhar para o juiz mensagens concretas, com relevância para o caso

84

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/a1b9fce5f23b342480258242004327a3?
OpenDocument, acedido a 04/03/2022.
85
CARDOSO, 2018, p. 68.
86
VERDELHO, 2009, p. 744.

39
concreto, decidindo, posteriormente, se apreenderá ou não. Pensamento que vai de
encontro com a opinião de Duarte Rodrigues Nunes87, seguindo a decisão do TRG quando
proferiu o entendimento de que o MP pode obter acesso ao teor do conteúdo das conversas
e apreender um SMS, antes da decisão do juiz da instrução88.
Caso se considere este entendimento o mais adequado, estar-se-ia a permitir que
um maior número de pessoas tivesse acesso aos dados do visado, pelo que resultava numa
maior vulnerabilidade dos seus direitos fundamentais de sigilo das comunicações, bem
como da reserva da intimidade de sua vida privada, contrariando-se o art. 32.º, n.º 4 da
CRP, que dispõe que o juiz pode delegar em outras entidades a prática de atos instrutórios
desde que não se prendam diretamente com os direitos fundamentais.
Já na opinião de Paulo Dá Mesquita89 e Rita Castanheira Neves90 não faz sentido
assegurar que é inviável o juiz ser o primeiro a ler os múltiplos e-mails, selecionando os
que são ou não relevantes para processo, mas que já seja viável fazê-lo quando se trata de
correio físico. Assim, como a regra do art. 179.º, n.º 3, CPP não contraria a LCC sendo
omissa neste âmbito, pode e deve ser o juiz o primeiro a ter conhecimento do conteúdo
dos correios eletrónicos apreendidos.
Com efeito, a ponderação deve ser realizada por um juiz e, citando Jorge
Figueiredo Dias, “É através desta ponderação e da justa decisão do conflito que se exclui
a possibilidade de abuso de poder – da parte do próprio Estado ou dos órgãos a eles
subordinados – e se põe a força da sociedade ao serviço e sob o controle do direito; o que
traduz só, afinal, aquela limitação do poder do Estado pela possibilidade de livre
realização da personalidade ética do homem que constitui o mais autêntico critério de um
verdadeiro Estado-de-direito”91.
Conclui-se, portanto, que subsiste a necessidade de um despacho prévio judicial
emanado por um juiz, para concretizar qualquer ingerência no sigilo de correspondência
eletrónica.

87
NUNES, pp. 347 e ss.
88
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/6aa96edf91e899b2802578a0
0054631f?OpenDocument, acedido a 04/03/2022.
89
MESQUITA, 2010, pp. 117 e ss.
90
NEVES, 2011, pp. 274-275.
91
DIAS, 2004, p. 59.

40
4. Proposta de alteração do artigo 17.º (Decreto n.º 167/XIV) e Acórdão
do TC sobre a apreensão do correio eletrónico (Ac. n.º 687/2021)

De acordo com o art. 17.º da LCC, aquando do decurso de uma pesquisa


informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontradas
mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o
juiz pode autorizar ou ordenar a apreensão dos que se aparentem ser de grande interesse
para a descoberta da verdade ou para a prova, sendo aplicado, correspondentemente, o
regime da apreensão de correspondência previsto no CPP.
Assim, o Decreto n.º 167/XIV teve como propósito clarificar o modelo de
apreensão de correio eletrónico e da respetiva validação judicial. Em particular, pretendeu
alterar o disposto no art. 17.º da LCC relativamente à questão da autorização pelo juiz,
através de despacho prévio, de apreensão de correio eletrónico e registos de comunicações
de natureza semelhante, passando a não ser necessário existir o tal despacho para a
autoridade judiciária proceder à apreensão.
Por um lado, visa esclarecer que a apreensão de mensagens de correio eletrónico
ou de registos de comunicações de natureza semelhante está sujeita a um regime
autónomo, que vigora em paralelo com o regime da apreensão de correspondência
previsto no CPP. Por outro lado, visa esclarecer que a apreensão de mensagens de correio
eletrónico ou de natureza semelhante guardadas num determinado dispositivo, embora
incidindo sobre dados informáticos de conteúdo especial, não é tecnicamente diferente da
apreensão de outro tipo de dados informáticos.
Assim, deve o MP, após a análise do respetivo conteúdo, apresentar ao juiz as
mensagens e registos “cuja apreensão tiver ordenado ou validado e que considere serem
de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, ponderando o juiz a sua
junção aos autos tendo em conta os interesses do caso concreto”92.
Esta solução procura replicar, no domínio das mensagens de correio eletrónico ou
de natureza similar, a solução presentemente aplicável aos dados e documentos
informáticos cujo conteúdo possa revelar dados pessoais ou íntimos, pondo em causa a

92

https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063484d364c793968636d356c6443397a6
158526c6379395953565a4d5a5763765247396a6457316c626e52766330466a64476c32615752685a47565
159584a735957316c626e52686369396d4e6a566b5a5751795a6930355a5459354c54526c4d3249744f444
d785a533169596a4d784d6a4e6b5a54597a4d5449755a47396a65413d3d&fich=f65ded2f-9e69-4e3b-
831e-bb3123de6312.docx&Inline=true, acedido a 04/03/2022.

41
privacidade do respetivo titular ou de terceiro. Acontece que o teor deste Decreto tem
gerado bastantes conflitos jurisprudenciais.
Com o Acórdão n.º 687/2021, o TC pronunciou-se pela primeira vez sobre o
regime de apreensão do correio eletrónico, tendo apreciado o Decreto n.º 167/XIV da AR,
na parte em que alterava o art. 17.º da LCC. Por unanimidade, o TC pronunciou-se pela
“inconstitucionalidade das normas constantes do seu artigo 5.º, na parte em que altera o
artigo 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, por violação das normas constantes
dos artigos 26.º, n.º 1, 34.º, n.º 1, 35.º, n.º 1 e 4, 32.º, n.º 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição
da República Portuguesa”.
Na fundamentação do Ac., o TC evidencia alguns problemas sobre o regime
vigente da prova digital, em especial sobre a apreensão de dados informáticos e, mais
ainda, sobre o regime vigente de apreensão de dados informáticos e a divisão de
competências nele feita entre MP e JIC na fase de inquérito.
Relativamente à questão controversa da exigência prévia (ou não) de despacho
judicial que decreta a apreensão de mensagens de correio eletrónico, Sónia Fidalgo93
afirma que as respostas têm sido diversas, pois há quem defenda que a apreensão só pode
ser feita na sequência de um despacho judicial, porém, também há quem entenda que a
lei não é expressa a este propósito, permitindo que se proceda a uma apreensão cautelar
ou provisória de mensagens de correio eletrónico mesmo que não tenha havido um
despacho judicial anterior.
Na ideia de Rui Cardoso, o Ac. evidencia o entendimento de que a apreensão de
correio eletrónico deve seguir o regime da apreensão de correio físico. Esse entendimento
é manifesto na leitura do art. 17.º ao remeter para o disposto no art. 179.º do CPP, que
seria substituída, na nova versão em causa, por uma previsão de aplicação subsidiária e
com as necessárias adaptações do disposto naquela norma do CPP. “(...) a aplicação
correspondente do regime do artigo 179.º do CPP deve hoje ser exactamente essa: de
aplicação subsidiária e com as necessárias adaptações. Só se pode aplicar esse regime
naquilo que não estiver especialmente previsto na LCC: a remissão para o CPP não pode
sobrepor-se ao regime especial de prova electrónica previsto na LCC.”94.
De facto, no Ac. em questão, o TC começa por afirmar que a restrição dos direitos
fundamentais em causa é possível, nos termos do art. 34.º, n.º 4 da CRP, uma vez que o
legislador constituinte “(...) entendeu que os valores jurídico-constitucionais em causa em

93
FIDALGO, 2019, p. 157.
94
CARDOSO, 2021, p. 148.

42
sede de processo penal o justificam – mesmo tratando-se de direitos aos quais se atribuiu
uma protecção de tal forma reforçada que não cedem noutras situações (...)” (ponto 41,
4§). Porém, posteriormente conclui que “(...) não se vê como possa afirmar-se que as
normas questionadas satisfaçam as exigências de excecionalidade, necessidade e
proporcionalidade que se impõem às leis restritivas de direitos fundamentais, por força
do artigo 18.º, n.º 2, da CRP. Na verdade, não se veem razões para afastar a intervenção
prévia do Juiz de Instrução Criminal, em fase de inquérito, no que respeita aos atos de
apreensão do correio eletrónico ou similar (...)” (ponto 44, 1§).
Ademais, adiante conclui ainda que a norma em questão “(...) é inconstitucional
por violação dos direitos fundamentais à inviolabilidade da correspondência e das
comunicações (consagrado no artigo 34.º, n.º 1, da CRP), à proteção dos dados pessoais
no âmbito da utilização da informática (nos termos do artigo 35.º, n.º 1 e 4, da CRP),
enquanto refrações específicas do direito à reserva de intimidade da vida privada,
(consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), em conjugação com o princípio da
proporcionalidade (nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da CRP) e com as garantias
constitucionais de defesa em processo penal (previstas no artigo 32.º, n.º 4, da Lei
Fundamental)” (ponto 46).
Rui Cardoso afirma no sentido de que a exigência de proporcionalidade e a
potencial ofensa aos direitos fundamentais, “nada têm que ver com a entidade que decide
o recurso ao meio de obtenção de prova/a utilização do meio de prova; não se confundem,
enfim, com a reserva de juiz prevista no n.º 4 do artigo 32.º”95. Estando em causa
prováveis intromissões em direitos fundamentais, a intervenção reservada ao JIC no
inquérito deverá “(...) consistir numa intervenção prévia, devendo ser vista como
excecional a intervenção do juiz que surge apenas após o início da execução da
medida.”96.
Acontece que a função do juiz será sempre de defesa dos direitos, liberdades e
garantias dos cidadãos legalmente protegidos, pelo que, estando em causa direitos
fundamentais aquando de qualquer apreensão, deve existir uma autorização prévia
judicial. Além do mais, o art. 34.º da CRP, no seu n.º 4, dispõe que “é proibida toda a
ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos
demais meios de comunicação...”, tratando-se de uma refração do direito da reserva à
intimidade da vida privada consagrado no art. 26º, n.º 1 da CRP.

95
Idem, p. 154.
96
Idem.

43
Outra questão que se tem colocado é a de saber se o juiz deve ser a primeira pessoa
a tomar conhecimento do conteúdo das mensagens de correio eletrónico apreendidas.
Ao entender-se que o JIC deve ser a primeira pessoa a tomar conhecimento do
conteúdo das mensagens apreendidas pode pôr em causa a própria coerência do sistema
de tutela de direitos, na medida em que nos casos de interceção de comunicações (art.
18.º da LCC) é permitido aos OPC’s e ao MP que sejam os primeiros a tomar
conhecimento do conteúdo das comunicações (art. 18.º, n.º 4, LCC e art. 188.º, n.º 1 a 4,
do CPP)97.
Não obstante, na opinião de Rui Cardoso, a exigência de que seja o JIC o primeiro
a conhecer o conteúdo das mensagens apreendidas e, consequentemente, a selecionar as
que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova,
viola a estrutura acusatória do processo penal. Porém, é de referir que um processo onde
vigore o princípio da investigação desenrola-se de forma diferente, uma vez que o JIC
tem a faculdade de “(...) investigar e esclarecer oficiosamente o facto submetido ou a
submeter a julgamento (...)”98, sendo compatível com os princípios da legalidade da prova
e da estrutura acusatória do processo, pelo que não há uma violação da referida estrutura
acusatória.
A nossa jurisprudência não tem sido sensível a estes argumentos, entendendo que
em causa está o direito à privacidade e ao sigilo da correspondência eletrónica (art. 26.º,
n.º 1, e art. 34.º, n.º 4, da CRP), considerando que a remissão do art. 17.º da LCC que se
faz para o regime de apreensão de correspondência previsto no CPP abrange o disposto
no n.º 3 do art. 179.º. Os tribunais têm entendido que o juiz que autoriza ou ordena a
diligência deve ser a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo das mensagens
apreendidas99, uma vez que o regime previsto no art. 179.º do CPP dispõe que as
apreensões de correspondência tradicional tanto necessitam de despacho judicial (art.
179.º, n.º 1), como dispõe que o juiz será a primeira pessoa a tomar conhecimento do
conteúdo da correspondência, o que constitui ato da competência exclusiva do JIC por
força do art. 268.º, n.º 1, alínea d), do CPP.
Ora, aplicando o regime do art. 179.º ao regime de apreensão de correio eletrónico
previsto no art. 17.º da LCC, significa que o regime previsto no CPP se estende ao

97
CARDOSO, 2018, p. 197 e ss.
98
ANTUNES, 2021, p. 186.
99
Neste sentido, os Ac. do TRL, processo n.º 5412/08.9TDLSB-A.L1-5, de 11-01-2011; Ac. do
TRL, processo n.º 184/12.5TELSB-R.L1-3, de 27-01-2021; e Ac. do TRL, processo n.º 1950/17.0T9LSB-
A.L1-5, de 06-02- 2018.

44
conteúdo do correio eletrónico, pelo que compete exclusivamente ao JIC tomar
conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo das mensagens apreendidas, constituindo
a sua violação numa nulidade expressa e absoluta, reconduzindo ao regime de proibição
de prova.
Porém, será difícil de acreditar ser possível encaminhar as mensagens até ao
conhecimento do JIC sem, pelo menos parcialmente, tomar conhecimento do seu
conteúdo, e de que este conseguirá tomar efetivo conhecimento de todas elas, sendo o JIC
quem verdadeiramente fará a seleção das mais pertinentes, não havendo qualquer garantia
nesse primeiro conhecimento do JIC, “Não pode transformar-se o JIC num super
investigador judicial a quem frequentemente se recorre para que faça novas pesquisas nas
mensagens de correio eletrónico à luz dos desenvolvimentos da investigação.” 100.
Segundo a opinião de Rita Castanheira Neves101, de forma a contrariar a
dificuldade prática que decorre do facto de o correio eletrónico ser geralmente apreendido
em grande número, deverá exigir-se que, durante a diligência, se tenha sempre em atenção
que, para que a mesma seja eficaz, devem seguir-se “critérios estritos de abrangência” e
apreender apenas as mensagens de correio eletrónico que se afigurem “realmente
determinantes para a prova”.
Claro é que a produção de prova e a sua apreciação estão em constante mudança,
pois o que num primeiro momento pode ser irrelevante, mais tarde poderá tornar-se numa
prova decisiva. É o que acontece com as escutas telefónicas (art. 187.º e 188.º do CPP),
quando o legislador permitiu que, até à acusação, o MP identifique e utilize quaisquer
comunicações que até ao momento não tiverem sido consideradas relevantes pelo JIC.
Desta forma, é inquestionável que deve haver intervenção do JIC, porém, na opinião de
Rui Cardoso, esta intervenção não tem que de ser necessariamente prévia, sendo a
posterior igualmente adequada à sua função garantística dos direitos fundamentais102.
Tendo em conta a matéria exposta, afigura-se inquestionável a intervenção do JIC
na apreensão de correio eletrónico, de forma a garantir a proteção dos direitos
fundamentais dos cidadãos, uma vez que, não só o CPP determina reservas da prática de
alguns atos materiais exclusivamente ao JIC (como é o caso das buscas em escritórios de
advogados serem presididas pelo juiz, previsto no art. 177.º, n.º 3, CPP), como também o

100
CARDOSO, 2021, p. 163.
101
NEVES, 2011, p. 275.
102
Idem, p. 165.

45
art. 179.º, n.º 3 do CPP determina que “o juiz que tiver autorizado a diligência é a primeira
pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida.”.
Deste modo, havendo despacho judicial que autorize a apreensão de correio
eletrónico, bem como o JIC ter o primeiro a ter conhecimento do conteúdo das mensagens
apreendidas, resulta numa dupla garantia dos direitos fundamentais, evitando uma
violação extrema e desnecessária dos direitos à privacidade e de correspondência por
outros órgãos estatais.

46
CONCLUSÃO

Sendo cada vez mais relevante a utilização, como meio de prova no processo
penal, das mensagens de correio eletrónico e registos de natureza semelhante que são
encontradas em sistemas informáticos, será matéria onde se requer, com particular
importância, a proteção de direitos fundamentais.
Por regra, a pesquisa, o conhecimento do conteúdo e a apreensão de correio
eletrónico exigem prévia intervenção do JIC. Tal intervenção prévia poderá ser
dispensada em situações excecionais.
As especificidades da apreensão de dados informáticos em geral e de correio
eletrónico em especial, bem como a dificuldade em determinar antecipadamente onde
irão ser encontrados dados de correio eletrónico, a dificuldade em separar a pesquisa que
vise obter dados de correio eletrónico das pesquisas que tenham outra finalidade, seriam
passíveis de justificar que, neste caso, a intervenção fosse apenas posterior.
No entanto, pode concluir-se que, como decorre do regime previsto no art. 179.º
do CPP, subsiste a exigência de despacho judicial prévio para a apreensão de correio
eletrónico, sendo considerado uma reserva absoluta do JIC. E, para além do despacho
judicial prévio, configura-se como necessário ser o JIC o primeiro a tomar conhecimento
do conteúdo das mensagens. Por regra, trata-se do primeiro órgão constitucionalmente
autorizado a ter acesso a este conteúdo, exercendo o controlo sobre direitos fundamentais.
Contudo, o MP e os OPC’s podem obter acesso, em primeira mão, ao conteúdo das
mensagens de forma excecional, respeitando o disposto no art. 252.º, n.º 2 e 3, do CPP.
Por tudo o que foi exposto, podemos concluir que quando em causa está uma
atuação restritiva no âmbito dos direitos fundamentais, a intervenção de um juiz é
essencial para uma tutela efetiva desses direitos, mesmo nos casos de conflitos de direitos
fundamentais, onde deve haver uma cedência parcial pela salvaguarda de outros direitos
jusconstitucionalmente consagrados. Ao abrigo da CRP, o juiz goza de uma competência
exclusiva e não delegável de garantia dos direitos fundamentais no âmbito do processo
criminal, pelo que a sua dispensa é constitucionalmente admissível apenas em situações
pontuais e definidas com exatidão, não resultando numa violação excessiva dos direitos
e, assim, ser passível de se resolver os conflitos que possam existir.

47
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22/09/2021, dos relatores, Juiz Conselheiro JOSÉ ANTÓNIO TELES PEREIRA e Juíza
Conselheira MARIA JOSÉ RANGEL DE MESQUITA.

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 403/2015, processo n.º 773/15, de


17/09/2015, do relator, Juiz Conselheiro JOSÉ ANTÓNIO TELES PEREIRA.

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 735/10.0GAPTL-


A.G1, de 29/03/2011, do relator, Juíza-Desembargadora MARIA JOSÉ NOGUEIRA.

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 5412/08.9TDLSB-A.L1-


5, de 11/01/2011, do relator, Juiz-Desembargador RICARDO CARDOSO.

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 581/12.6PLSNT-A.L1-


5, de 22/01/2013, do relator, Juíza-Desembargadora, ALDA TOMÉ CASIMIRO.

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 1950/17.0T9LSB-A.L1-


5, de 06/02/2018, do relator, Juiz-Desembargador JOÃO CARROLA.

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 184/12.5TELSB-R.L1-


3, de 27/01/2021, do relator, Juiz-Desembargador RUI TEIXEIRA.

53

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