Moda e Identidade
Moda e Identidade
Moda e Identidade
BAURU
2017
2
BAURU
2017
3
____________________________________________________________
Professora Dra. Angela Maria Grossi
(Orientadora e presidente da Banca)
____________________________________________________________
Professora Dra. Érika de Moraes
____________________________________________________________
Professora Ms. Liliane De Lucena Ito
BAURU
2017
4
AGRADECIMENTOS
DEDICATÓRIA
RESUMO
ABSTRACT
The fashion journalism has past for many changes across the history. Your contest
goes beyond the clothing boundaries and direct the public to an universe that clothing part
have meaning when allied to culture, behavior and feminine body. Thus, the fashion magazine
becomes an essential material for the study of society, assisting in proving the construction of
the identity of woman, This study aims to evaluate the aesthetic standards established by the
magazine Vogue Brazil by means of the content analysis method in order to understand the
social role of the magazine. However, it should be stressed that the media are only one piece
in the operation of collectivity and social relations. The society and its cultural processes,
including the fashion trend, also help in thes practice. Thus, Vogue Brazil, allied to the social
system, interferes in the construction of the feminine identity, establishing and disseminating
aesthetic standards. However, it can be seen that the processes has been evolved over the
years and the magazines has addressed important social patterns such as freedom of gender,
women's empowerment and representativeness.
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ………………………………….…………………............…….…….….11
2 PANORAMA DA MODA………………………………………………............…..….…..14
2.1 A brasilidade…………………………………………………………............…...….....21
3 IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO……………………………..…................……...…25
3.2 A representatividade……………………………………………….…………...............32
4.1 Evolução…………………………………………………………....………............…..40
4.2 Características……………………………………………………….............….……...45
5 REVISTA VOGUE……………………………………………...…...........................……..52
5.2 Metodologia…………………………………………………………...…...............…..56
5.2.1 Análise……………………………………………………………….............…...58
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS………………......………………………....…............……...88
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS………………………………………............……......91
11
1 INTRODUÇÃO
Chapéu palheta, boina, boné de pala, chapéu de feltro e chapéu redondo. Chapéu-coco
para os homens de negócios e cartola para os trabalhadores. Havia uma época em que não
podia sair de casa sem chapéu. O acessório era tão importante que bastava olhar para cabeça
de alguém para descobrir sua classe social, sua profissão ou status.
As regras de vestimenta não ficavam restritas aos homens, as mulheres também
estavam submetidas ao código estabelecido pelas roupas. De acordo com Crane (2009), as
mulheres de classe média do século XIX usavam luvas, sombrinhas, enquanto as mulheres da
classe operária tinham como acessório o lenço e o xale.
A moda é a forma como nos expressamos para o mundo. Ela é capaz de funcionar
como uma ferramenta de comunicação para representar nossas crenças e nossa cultura. Ao
longo da história, o vestuário foi utilizado para determinar classes sociais, gêneros, povos e
nações. As peças de roupa inseridas numa lógica social e mercadológica contribuem para a
produção de sentidos e transformação da sociedade.
O desenvolvimento da indústria têxtil contribuiu para a democratização da moda. A
produção em larga escala permitiu a criação de estilos próprios. A distinção do status por
meio da indumentária não é tão significante quanto no passado. A evolução da moda
acarretou no surgimento de “novas profissões e ou mesmo especializações, dentre as já
existentes, para atender à demanda social no campo da criação, produção e comercialização”.
(SILVA, 2007, p. 02). A moda se torna objeto de estudo entre diversas pesquisas, inclusive no
campo jornalístico.
Os estudos buscavam compreender como as roupas e os acessórios interferiam na
esfera social. A partir da década de 1950, um novo conceito emerge nas ciências sociais: a
identidade. Entretanto, foi somente na década de 1970 que o assunto torna-se alvo de
discussão entre os estudiosos. A nova configuração social provoca diversas questões a
respeito do papel da moda na contemporaneidade. Inicia-se uma investigação para
compreender de que forma a moda poderia interferir no processo de construção da identidade
feminina.
O jornalismo segue a nova ordem social, analisando, documentando e relatando todos
os acontecimentos que envolvem a moda. Sendo assim, a revistas de moda também tornam-se
importantes agentes na construção de sentidos desse campo, contribuindo para o seu
desenvolvimento e interferência nas relações sociais.
12
2 PANORAMA DA MODA
A palavra estilo é utilizada para definir uma forma de expressão que agrupa um
conjunto de traços específicos e constrói uma identidade, de acordo com Elman (2008).
Segundo a autora a palavra também reflete uma estética original.
Segundo Sant’Anna (2007), o vestuário é um meio para a criação de um estilo e o
estabelecimento de uma moda, considerada pela autora parte integrante da cultura. Dessa
maneira, a moda brasileira reflete seu estilo, servindo como ferramenta de transmissão de sua
história e ideologia. As peças são os signos e ao combiná-las, somos capazes de criar um
discurso.
Desta forma, as roupas, por serem signos que carregam em si uma série de
significados atrelados à beleza, à juventude, à feminilidade ou masculinidade, à
riqueza e distinção social ou à marginalidade, à alegria ou tristeza etc., imprime ao
seu portador uma escolha diária de posicionamento no conjunto maior das teias de
significados compostos como cultura. A apropriação desse signo permite desde a
exaltação dele própria a sua contestação irônica. (SANT’ANNA, 2007, p.75).
O predomínio do estilo europeu se estende até o século XX, no qual as peças eram
importadas. Os artefatos possuíam características adequadas ao estilo de vida francês,
incompatível com o clima do Brasil.
Toda roupa usada pelas pessoas de posse era importada. Enxovais de casamento
completos desembarcavam no Cais do Pharoux, atual Praça XV, vindos de Paris. Por
isso tínhamos luvas, espartilhos, chapéus com plumas e outros enfeites indicados para
o inverno – sem contar os pesados tecidos europeus – em pleno verão de quarenta
graus. Pela Rua do Ouvidor desfilavam mademoiselles, vestidas de capas de pele e
totalmente paramentadas para enfrentar os rigores do gelo e da neve. Para se adaptar à
moda, a mulher precisava fazer o corpo sofrer, martirizar-se. (JOFFILY, 1999, p.15).
Em 1884, com a criação da Tarifa Alves Branco, que estabeleceu taxas de 20% a 60%
para diversos artigos importados, a realidade da moda brasileira sofreu modificações. A lei
estimulou a produção nacional, alavancando a indústria têxtil. As primeiras fábricas de tecido
surgiram na Bahia, estado responsável pela produção de algodão. No estado de São Paulo, as
primeiras indústrias surgiram na região de Sorocaba.
No século XX, as cidades refletem o desenvolvimento da produção têxtil. Surge uma
nova sociedade industrial, que transforma o panorama da moda.
urbanismo incluía ruas e centros comerciais que facilitavam o acesso a vários bens de
consumo, de forma segmentada, para atender às diversas camadas sociais. (BRAGA,
PRADO, 2011, p. 45).
Poiret criou figurinos para companhias de balé e ópera, o que o colocou em contato
com indumentárias orientais, que lhe inspiraram a incluir em suas coleções quimonos,
calças em estilo turco e estampas com característica oriental. Ao compor novas formas
de vestir para a mulher ocidental das primeiras décadas do século XX, atendeu às
necessidades de uma sociedade urbana crescente. (BRAGA, PRADO, 2011 p.90).
Mas essas figuras de vanguarda, como a escritora poeta e jornalista Patrícia Galvão,
mais conhecida como Pagu, e Tarsila do Amaral, eram minoria. O conservadorismo
era a regra geral. Conservadora também era a educação recebida pelas moças,
obrigadas a saber escrever (mais importante ainda do que falar, para as mulheres da
época) o idioma francês, bordar, fazer tricô, crochê, tocar piano. (JOFILLY, 1999,
p.17).
17
Nessa época, surge a Casa Canadá, que marcou a história da moda no Rio de Janeiro.
As peças importadas de Paris e vendidas para todo o território brasileiro cederam lugar às
criações autorais produzidas pelo salão de modas Canadá de Luxe, em 1944. Proprietárias do
novo empreendimento, as irmãs Mena Fiala e Cândida Gluzman, ditavam as tendências e
foram as primeiras a realizar um desfile de moda no Brasil. As mulheres da alta sociedade
18
vestiam as peças assinadas pela Casa Canadá. Entretanto, as criações ainda eram inspiradas na
moda francesa, que também era influenciada pelos Estados Unidos.
Em 1947, Christian Dior lança, em Paris, o New Look, com seus bustos moldados
brotando de finas cinturas, quadris redondos, saias amplas, longas, com fartas anáguas
e ombros estreitos. Dior fez a alegria da indústria de tecidos francesa, que nunca
vendera tanto pano. Paris se encheu de compradores do mundo inteiro. O nome New
Look foi dado pela redatora da revista Harper’s Bazaar. Era marcante a influência
americana no pós-guerra tanto na cultura como na economia francesa. (JOFFILY,
1999, p.20).
A Casa Canadá também possuía um time de modelos, com padrão de beleza rígido
além de serem exclusivas do local. Além disso, o Rio de Janeiro era cenário de outras maisons
entre elas a Casa Sopler e a Imperial Modas. Um estilo próprio da Casas Canadá surgiu
apenas no período da Segunda Guerra Mundial, que dificultou as importações de peças
francesas. De acordo com Braga e Prado (2011), Mena Fiala passou a desenhar os modelos da
marca Etiqueta Canadá, adotando um estilo próprio, utilizando bordados feitos com fios de
ouro, prata e pedrarias. De acordo com Catoira e Seixas (2013), foi durante esse mesmo
período que o estilo brasileiro evoluiu e ganha uma proporção internacional, ainda que,
divulgado de modo folclórico, pela cantora Carmen Miranda.
Os anos 1950 dão continuidade ao American Way of Life. As atrizes do cinema e dos
musicais produzidos por Hollywood conquistaram as mulheres brasileiras. O estilo de Audrey
Hepburn, Grace Kelly e Marilyn Monroe influenciaram a moda no Brasil. Além das criações
da Casa Canadá, novas tendências entram em cena.
A moda dos anos 50 incorpora várias tendências, como, por exemplo, as calças
compridas justas na altura do tornozelo, próprias para andar de lambreta, o meio de
transporte da vanguarda. Já as saias rodadas pediam meias soquete e mocassins ou
sapatilhas, e podia ser complementadas pelos conjuntos de banlon e pelo lencinho no
pescoço. (JOFFILY,1999, p.21-22).
Na década de 1970 o país inicia a busca por uma identidade. A criação de uma moda
brasileira se torna necessária na luta pela afirmação de seu povo. A identidade de um
indivíduo ou sociedade é formulada a partir do contexto histórico e social no qual estão
inseridos e confere a esse grupo um modo de diferenciação entre os demais. A moda é
importante no processo de representatividade.
Como a moda é um fenômeno social e cultural, cabe à ela refletir o gosto de uma
época, de uma década, ou melhor dizendo, de um determinado período histórico. E a
moda é um signo das formas de expressão, que também se mostram em outros
domínios, como na música, na literatura, no cinema, na pintura, etc. (JOFFILY,
1999,p.28-29).
A moda prêt-à-porter invade os anos 1990, com criações de estilistas graduados nas
escolas de moda. O período também é marcado pela criação do calendário de moda nacional,
com o surgimento das semanas de moda. O Rio de Janeiro foi a primeira cidade brasileira que
propõe um calendário de desfiles de moda. A Semana de Estilo Leslie, que levava o nome de
seu patrocinador, o fabricante de linho Linifício Leslie. A primeira edição foi realizada no
Jockey Club e idealizada pela jornalista Eloysa Simão e o arquiteto Giorgio Knapp, com o
objetivo de promover marcas cariocas. Após três edições, A Semana de Estilo Leslie se torna a
Semana de Estilo BarraShopping, após ser patrocinada pelo grupo Renasce/Multiplan. O
grupo deixa de patrocinar o evento, que recebe o nome de Fashion Rio. "A Semana
BarraShopping de Estilo obedeceu, em seus dois primeiros anos – 1996 e 1997 -, ao
calendário da moda, realizando eventos semestrais para lançar coleções outono/inverno e,
depois primavera verão, respectivamente no começo e no meio do ano" (BRAGA; PRADO,
2013, p.542).
Em São Paulo, no ano de 1994, surge o Phytoervas Fashion, patrocinado pela marca
da empresária Cristiana Arcangeli. Segundo Braga e Prado (2011) o evento lançou estilistas
hoje consagrados, como Alexandre Hercovitch e Fause Haten. Com o fim do Phytoervas
Fashion, surgem a Semana de Moda, em 1997, que originou a Casa dos Criadores, evento
que revelou a nova geração da moda brasileira e era organizada pelo jornalista André Hidalgo.
No ano de 1996, foi lançado o evento MorumbiFashion – Calendário Oficial da Moda
Brasileira, realizado pela empresa Luminosidade, do produtor Paulo Borges. Com a saída do
patrocinador, o evento se tornou o São Paulo Fashion Week, evento de maior visibilidade do
país.
2.1 A brasilidade
Assim, vemos que a moda é um conjunto de relações que cria uma imagem estética
e não é arbitrária, ou seja, tem uma razão de ser. Ela se adapta a novos ritmos de
vida, noções de tempo, novos meios de comunicação, de informação, de transporte.
A modernização exige do traje, do acessório (inclusive, joias, bijuterias, sapatos,
meias, cintos e bolsas) e do penteado/corte de cabelo adaptações a esse ritmo de
andar, a essas noções de tempo, às comunicações que tendem à velocidade, e a
aceleração. (JOFFILY, 1999, p.27).
Nesse sentido, o período abrange tudo o que está na moda e isso inclui a música, a
literatura e os hábitos que estão em evidência. De acordo com Joffily (1999), o hábito de
fumar por exemplo, foi sinônimo de estilo até o final da década de 1980. Os heróis e
personalidades importantes eram flagradas fumando. Somente após a década de 1990, o
hábito se tornou repulsivo e houve uma pressão social em relação aos fumantes.
Nos anos 1990, neste final de século e de milênio, fumar se tornou um ato anti-
social condenável. O filme (imortal) Casablanca, com Ingrid Bergman e Humphrey
Bogardt, retrata uma época em que só se conseguia viver uma paixão quando
envolvida em densas nuvens de fumaça e cigarro. (JOFFILY, 1999, p.29).
22
As revistas segmentadas, entre elas Elle, Vogue Brasil e Manequim, ressaltam a cultura
brasileira e garantem visibilidade ao vestuário nacional.
Neste contexto, percebemos que ao longo do tempo houve o desenvolvimento de um
culto ao corpo feminino, no qual o valor atribuído à aparência tornou-se foco das revistas de
moda.
3 IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO
modificou a incorporação da moda nas sociedades. Segundo Rosa (2014), as sociedades pré-
modernas que viviam na Europa até o século XVIII avaliavam o luxo enquanto sistema
regulado, capaz de organizar as classes e estabelecer uma hierarquia. O vestuário era a
bússola que indicava o papel social de cada um. O luxo significava a desordem. Nessas
sociedades, seu excesso resultava na ruína da diferenciação entre os grupos sociais. A palavra
de ordem era contê-lo e restringi-lo a uma parcela de indivíduos que pertenciam a uma classe
social específica. Isso porque, a concepção de desordem atribuída ao luxo significava, de
acordo com o autor, “querer apropriar-se do ser – do prestígio – reservado a um indivíduo de
uma condição superior”. (ROSA, 2014, p.141).
A ideia de luxo moderno facilitou a existência de uma moda liberal. Anteriormente,
havia uma preocupação em frear o luxo para impedir a perda da identidade de um grupo
social. No presente, a prioridade é valorizar os desejos dos indivíduos e é essa preocupação
que preserva e constrói nossa identidade. Abandona-se a identidade da classe social em
detrimento das preferências do indivíduo.
Nas sociedades nas quais se regulava o desejo através dos signos visíveis, a
identidade pessoal, isto é, a pertença à identidade de certa condição, preexistia ao
objeto de luxo, o qual era sobretudo uma marca ou selo distintivo dessa identidade
de condição. Pelo contrário, como se verá com maior detalhe, o luxo e a moda
tornaram-se uma forma de adquirir uma identidade. Luxo e moda deixaram de ser
signos manifestando visivelmente uma identidade de condição coletiva para
passarem a ser uma forma de adquirir uma identidade individual. (ROSA, 2014, p.
141-142).
Inovação capital, que mostra como a relação modelo/cópia se tornou como que um
traço estruturante da moda moderna. O luxo deixa de ser algo que um indivíduo está
obrigado a exibir, algo baseado numa norma exterior aos indivíduos, para passar a
ser a cópia de um outro indivíduo que aparece como um modelo – e, potencialmente,
um número cada vez mais amplo de indivíduos podia aspirar a, copiando o
manequim, tornaram-se eles próprios modelos para os outros. (ROSA, 2014, p. 146).
27
de moda, e em que grau aceitam ou rejeitam essas imagens como significativas para
a construção de sua própria aparência. (CRANE, 2009, p. 53).
A moda exerce um papel social na luta pela liberdade feminina. Seu caráter simbólico,
segundo Crane (2009), se configura numa ferramenta de comunicação não-verbal contra as
amarras do conservadorismo e restrição de direitos ao gênero feminino. Embora no século
XIX tenha surgido um estilo alternativo que misturava peças do vestuário feminino e
masculino, foi o tipo de trabalho que levou as mulheres a desafiar os padrões vitorianos.
Uma das principais revistas ao longo do século XX, a Vogue mostra em suas
fotografias as mudanças ocorridas na representação da mulher elegante e de seu
vestuário. Em 1947, suas fotografias de moda documentaram com grande precisão o
mundo da classe média alta. Essas fotos foram tiradas em locais identificáveis, como
ruas de cidades ou praias. Penas, coxas ou seios à mostra eram raros. Não havia
29
Na década de 1970, surge uma nova geração de revistas, caracterizadas pelo uso da
fotografia. As publicações acompanharam o desenvolvimento da imprensa, assim como as
práticas e processos culturais estabelecidos pela sociedade. "A revista impressa diz de um
casamento histórico entre um suporte e um fazer informativo de grande elaboração e, mais
que isso, corresponde a um meio de comunicação cuja relação com a sociedade contribuiu
para a definição de nichos de público a partir de segmentos sociais diversos" (TAVARES;
SCHWAAB, 2013, p.28).
Nesse sentido, as revistas de moda seguem a sociedade pós-moderna, na qual a
identidade é heterogênea, e ao se apropriar de bens culturais, a mulher constrói diversos
papéis. Oliveira (2013) aponta que “os produtos de moda adquiridos por meio de recursos
financeiros são os grandes formadores de identidade [...] Mesmo com as limitações
socioeconômicas, o indivíduo é pressionado a fazer uma escolha de estilo, e isto está atrelado
à estética, a principal formadora de identidade”. Entretanto, Crane (2009) defende que o pós-
modernismo não liberta o gênero feminino do controle social. Enquanto o século XIX
reprimia a exposição do corpo, o século XX traça um paradoxo: a repressão se origina da
exibição do corpo da mulher.
Algumas modelos retratadas nas revistas de moda são colocadas em poses ofensivas,
de conotação sexual e submissa. Goffman (apud CRANE, 2009, p.401) denomina essas
posições como códigos definidos por “ritualização da subordinação”, nos quais a mulher é
abordada como sujeito alienado e passivo. Entretanto, a interpretação dessas imagens pode ser
oposta à uma lógica repressiva. A exibição do corpo nem sempre é encarada como ofensa.
Segundo Crane (2009), a exposição pode revelar um controle próprio da mulher sobre seu
corpo e sua sexualidade. O olhar do espectador é responsável por atribuir diferentes
significados à uma mesma imagem. A identidade do receptor é o que define sua interpretação
a respeito do conteúdo apresentado na revista.
Por outro lado, Oliveira (2013), defende uma perspectiva diferenciada, na qual o
receptor é passivo. Para a autora, a identidade é um produto oferecido pelas revistas de moda,
na qual os leitores se apropriam e moldam sua personalidade. As revistas de moda são uma
ferramenta no processo de construção da identidade e seu conteúdo é capaz de vender um
30
estilo de vida. O público, por sua vez, sente a necessidade de se adequar à essa identidade
imposta pela revista para ser aceito socialmente.
A apropriação de itens de vestuário, calçados e acessórios com o intuito de construir
uma identidade pode resultar em sua ausência. Segundo Oliveira (2013), a busca incessante
por uma identidade aceita socialmente pode transformar o indivíduo em um ser sem
personalidade, fazendo uso de uma moda incompatível com sua essência. No entanto, Crane
(2009) defende que a moda pós moderna apresentada nas revistas de moda, ao oferecer uma
infinidade de estilos, traz uma libertação às mulheres, que possuem, dessa forma, o poder de
escolher entre uma variedade de identidades.
O discurso constituído pelo vestuário e seus acessórios passam pelo corpo. Cada
vestuário agregado a ele indexa, aponta, dirige o olhar e constrói uma visualidade
específica ao corpo vestido ou desnudo. Cada peça de roupa tem uma limitação
natural vinculada à anatomia humana; para servir ao seu intento – vestir – ela precisa
ser um duplo do corpo que, porém, é mais independente e pode propor novas
configurações plásticas, pela utilização de linhas de construção diferenciadas
propondo outras formas ao movimento natural. (SANT’ANNA, 2007, p.74).
A moda ampliou nossa visão sobre o corpo feminino. Conforme foi apresentado, o
corpo atrelado ao vestuário se torna uma ferramenta de comunicação. Os padrões estéticos
refletem mensagens dos traços socioculturais da sociedade. A era pós-moderna estende essa
discussão, permitindo novos estilos e padrões de beleza. Nesse sentido, é possível utilizar a
estética como ferramenta de análise de um grupo social.
O mito de Vênus é considerado para Queiroz (2004) o ponto de partida para os estudos
referentes aos padrões de beleza da história ocidental greco-romana. Segundo a autora, a
deusa da beleza foi retratada por diversos artistas, sendo o primeiro modelo de representação
dos padrões estéticos da época. A obra de Botticelli no período renascentista é a mais
tradicional. Os traços das obras de arte revelavam os padrões de beleza da época: corpo
robusto, quadril largo e seios pequenos.
Diferentemente da Vênus das pinturas, a mulher bela contemporânea é magra. A
modelo britânica Lesley Lawson, conhecida como Twiggy, foi pioneira nessa estética,
exaltando a extrema magreza.
Atualmente, a referência dos padrões de beleza são transmitidos pela mídia. Os meios
de comunicação são os mecanismos de construção da identidade e dos valores estéticos da
sociedade contemporânea, funcionando, segundo Oliveira (2013) como “uma extensão do
corpo, o corpo não fala apenas por si, mas sim por ferramentas midiáticas”. Nesse sentido,
mídia e sociedade se fundem para disseminar os parâmetros de beleza, que vão determinar a
32
3.2 A representatividade
O conceito de identidade sofreu alterações ao longo dos séculos. Segundo Hall (apud
QUEIROZ, 2004, p. 68), existem diversas abordagens a respeito da identidade e de seu
processo de construção. Entre as concepções acerca do tema, o autor apresenta o ponto de
vista sociológico, no qual a identidade corresponde à relação entre nossa essência e o convívio
social. A concepção se assemelha aos conceitos de Cuché (2009), nos quais o reconhecimento
de uma identidade própria, depende de uma análise do “outro” e de suas características.
33
Hall argumenta que são exatamente essas coisas que agora estão “mudando”. O
sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se
tornando fragmentado, composto não de uma única, mas de várias identidades,
algumas vezes contraditórias e não-resolvidas. Correspondentemente, buscam
articular as identidades que compunham “as paisagens sociais lá fora” e que
assegurava a conformidade subjetiva com as “necessidades” objetivas da cultura,
das mudanças estruturais e institucionais. O próprio processo de identificação,
através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais
provisório, variável e problemático. (QUEIROZ, 2004, p. 69).
34
A busca por uma identidade mutável em uma sociedade pós-moderna, além do papel
crucial dos valores sociais na formação das características dos indivíduos nos levam a refletir
a respeito do conceito de representatividade nas revistas de moda, compreendendo em que
medida a identidade de seus leitores é representada nos editoriais, fotografias, entre outras
reportagens. Dessa maneira, questionamos o jornalismo especializado em moda,
especialmente as revistas, a fim de decifrar a participação das pautas sociais nessas
publicações e sua interferência na formação da identidade dos indivíduos.
As revistas de moda e a interpretação de suas leitoras a respeito do conteúdo, sofreram
mudanças ao longo do século XX. Crane (2009) afirma que a hegemonia do jornalismo de
moda se configura como algo passível de diversas visões, definido pela autora como
“fenômeno multidimensional”. A realidade socioeconômica e a faixa etária também são
fatores determinantes para definir a opinião das mulheres sobre o conteúdo das revistas de
moda, além de descobrir até que ponto esse público se sente representado por esses meios de
comunicação e se essa mídia afeta sua autoestima e a construção de sua identidade. A autora
destaca uma pesquisa1 realizada com 45 universitários, sendo apenas três do sexo masculino,
para avaliar a interpretação do grupo acerca de fotografias e anúncios publicados na revista
Vogue.
Os resultados mostraram que as revistas de moda são a segunda fonte de informação
utilizada pelo grupo, a primeira consiste no ambiente social do qual os entrevistados fazem
parte. As respostas sobre as reportagens mostraram que mulheres mais velhas do grupo não se
sentem representadas nas imagens.
1
Grant D. McCracken, Culture and Consuption (Bloomington: Indiana University Press, 1988). O
estudo citado por Crane (2009) avaliou o processo de identificação e a representatividade em 18 fotografias dos
meses de fevereiro, março e setembro de 1997 da revista Vogue.
35
A etnia também é um elemento que interfere na interpretação das fotos. Crane (2006)
indicou que as mulheres negras não se sentiram representadas pelas modelos que, em sua
maioria, são brancas. De acordo com esse grupo, o biotipo não se encaixa com suas
características. Além disso, essas mulheres apresentaram uma facilidade maior para
identificar traços racistas nas publicações.
A capacidade de mulheres negras indicarem a existência de racismo nas fotografias, se
deve ao fato de que esse grupo se identifica com a modelo por meio da etnia. Quando o
indivíduo se sente representado pela modelo, seu grau de compreensão é mais sensível. As
opiniões revelam que o grupo sente a necessidade de uma maior representatividade no
jornalismo de moda, além de condenar estereótipos associados às modelos negras. Os dados
apresentados pela autora mostram que há uma carência em relação à representatividade de
certos grupos, sejam eles definidos por uma faixa etária ou etnia. As opiniões também
registram que as mulheres entrevistadas se contrapõem ao conceito de identidade pós-
moderno.
Esse estudo sugere que as mulheres respondem de forma crítica à imprensa de moda,
[...] em parte devido a valores e percepções tradicionais de comportamento pessoal
(outra forma de hegemonia) e também porque as concepções modernas de
identidade social continuam a moldar as percepções femininas da cultura pós-
36
Segundo Queiroz (2004) a mídia interfere nos valores estéticos corporais das
adolescentes, ainda que a realidade socioeconômica dessa faixa etária seja distinta. A autora
afirma que “a percepção que as adolescentes têm hoje de seus corpos é fruto de espectros
históricos, reafirmados por discursos de 'poder', ou seja, discursos institucionais capazes de
criar dispositivos pedagógicos hegemônicos”.
A autora realizou um estudo com dois grupos de adolescentes de níveis
socioeconômicos distintos. O grupo controle era representado por 20 adolescentes, alunas de
uma Escola Estadual da região central de Belo Horizonte. A análise destaca que a cultura de
massa é a principal fonte de informação desse grupo. As adolescentes foram questionadas
sobre a mídia e seus valores estéticos corporais a fim de concluir a interferência dos padrões
estabelecidos na construção da identidade dessas jovens.
As entrevistas mostraram que as adolescentes possuem uma imagem ideal de beleza,
que se difere das suas características corporais. Queiroz (2004) destaca que “a grande maioria
elegeu categorias estéticas estereotipadas para compor o perfil idealizado”, sendo elas: olhos
claros, nariz fino e cabelos lisos.
Os padrões midiáticos estabelecem traços diferentes das características das
participantes, ou seja, constata-se uma ausência de representatividade. No entanto,
diferentemente dos universitários do estudo apresentado por Crane (2006), as adolescentes
aceitam de maneira mais passiva esses valores e demonstram desejo de se adequar a esses
traços.
As peças eram confeccionadas com veludo, linho, seda, lã, entre outros. As fibras
brasileiras, por exemplo o algodão, eram desvalorizadas. Segundo Braga e Prado (2011) foi
somente durante o Estado Novo que os tecidos brasileiros começaram a ganhar mais espaço,
quando as classes trabalhadoras conquistaram direitos como o salário mínimo, em 1940,
surgindo produtos de baixo custo para essa nova camada de consumidores.
Uma de nossas primeiras peças propriamente brasileiras foi o maiô, que chegou às
praias na década de 1920 e deu origem à fama das roupas de banho do Brasil, populares no
mundo todo. Além dessa peça, o jeans foi outra vestimenta que ganhou destaque nas ruas,
38
A Semana de Arte Moderna, realizada em fevereiro de 1922 foi essencial na busca por
uma identidade nacional. Artistas como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Oswald de
Andrade produziram obras que retratavam a cultura do Brasil. De acordo com Braga e Prado
(2013) foi nesta época que surgiram o Partido Comunista Brasileiro (PCB), a primeira
transmissão de rádio do país e a apresentação dos Oito Batutas em Paris, grupo do qual fazia
parte Pixinguinha.
O estilo brasileiro também se destacou por meio de Carmen Miranda, que se inspirou
no figurino de baiana para compor suas peças. O sucesso da cantora contribuiu para a
divulgação do Brasil no âmbito internacional. Além disso, contribuiu para divulgação do
carnaval, marca da identidade cultural brasileira. De acordo com Braga e Prado (2011) “seu
sucesso se deu quase instantaneamente, após a gravação de Taí (Pra você gostar de mim), no
Carnaval de 1930”.
A década de 1970, foi marcada pelo surgimento do biquíni. Braga e Prado (2011)
consideram a criação da peça um produto da liberação feminina e da contracultura. As roupas
de banho fizeram sucesso nas praias do Rio de Janeiro e ganham destaque internacional.
Na década de 1990, a moda brasileira iniciou sua caminhada de uma forma mais
independente. Estilistas como Francisco Costa, Gustavo Lis, Inácio Ribeiro e Pedro Lourenço
levaram a identidade brasileira para a Europa.
Neste capítulo, veremos a evolução das revistas de moda desde seu início, quando
possuíam um caráter literário, até os dias hoje. Os ideais feministas e o avanço da fotografia
colaboraram para o seu desenvolvimento, influenciando na forma como a indumentária e o
corpo feminino são representados nas publicações. As revistas tornaram-se responsáveis pelo
processo de construção da identidade e da realidade social. Além disso, veremos as
particularidades do jornalismo especializado em moda, analisando seu texto e recursos
gráficos.
4.1 Evolução
No Brasil, as primeiras revistas vieram com a corte portuguesa no século XIX. Nesse
período, a colônia não permitia o desenvolvimento da imprensa. Entretanto, Scalzo (2006)
afirma que a primeira publicação genuinamente brasileira surgiu em 1812 na Bahia e foi
intitulada de As Variedades ou Ensaios de Literatura. Seu conteúdo resumia-se em artigos
científicos, literatura e novelas. A autora destaca também a criação da Museu Universal em
1837, como uma transformação no jornalismo de revista brasileiro. Com texto simples e a
presença de ilustrações, a Museu Universal apresentou um novo estilo de revista que
conquistou leitores.
41
Segundo Ali (2009), a primeira revista de moda surgiu na França, em 1672 e foi
intitulada de Le Mercure Galant. Com uma periodicidade semanal, informava seus leitores
sobre moda e etiqueta, além de divulgar o estilo de vida da corte de Luís XIV. Posteriormente,
em 1770, foi criada Lady’s Magazine. A publicação originalmente inglesa, era mensal e foi a
primeira do ramo a utilizar ilustrações coloridas. Nas páginas, as leitoras encontravam moldes
de roupas e notícias sobre moda e literatura.
Em 1827, o Brasil inaugura as publicações femininas, com a criação do Espelho
Diamantino, que além de oferecer notícias sobre moda, discutia política, arte e literatura.
Todas as publicações acompanhavam o desenvolvimento da sociedade e eram editadas de
acordo com seus valores.
No período de 1830, Louis Godey cria a Godey’s Lady’s Book, uma revista sobre
poesia, turismo, saúde, culinária e moda. A publicação americana incentivava a luta pelos
direitos das mulheres, oferecendo um conteúdo original.
Segundo Braga e Prado (2011), foi durante o governo de D. Pedro II que surgiram
diversas publicações de moda no Brasil. Nesse período, se destacam O Álbum Semanal,
Recreio do Bello Sexo e A Primavera. Na mesma corrente, em 1852, nasce o Jornal das
Senhoras. O veículo visava a emancipação feminina, além de publicar textos sobre teatro,
moda, poesia, entre outros temas culturais. Os autores ressaltam que foi o primeiro jornal
editado por mulheres.
Nesse momento, surge a primeira revista voltada para as mulheres de classe média. De
acordo com Ali (2009), a The English Woman’s Domestic Magazine apresentava dicas
42
Braga e Prado (2011) também dão destaque à revista O Cruzeiro, criada em 1928. A
publicação contava com uma seção dedicada ao público feminino inspirada nas pin-ups
americanas, ilustrações de mulheres em poses sensuais. O responsável pelos desenhos era o
artista Alceu de Paula Penna. A seção intitulada “As Garotas” tornou-se uma referência de
moda, incentivando o uso de saias curtas, shorts e maiôs de duas peças. O jornalismo de moda
de Alceu foi além de O Cruzeiro, colaborando também para a revista A Cigarra, onde o
artista passou a assinar os editoriais de moda.
Na década de 1930, surge no Brasil a revista Fon-Fon. Com periodicidade semanal,
possuía um suplemento intitulado de Fon-Fon Feminino, com croquis assinados pelo
figurinista J. Luiz, conhecido como “Jotinha”. No mesmo período, em 1931, nasce a primeira
revista técnica de moda do país. A Revista Têxtil era mensal e foi criada por José Haydu da
Silva Aranha.
O século XX também foi marcado pelo avanço do fotojornalismo, modernizando as
revistas de moda. Nascia uma nova forma de comunicação. De acordo com Braga e Prado
(2011), houve uma fragmentação entre revistas e jornais. As revistas utilizavam diversas
imagens e possuíam um formato diferenciado. Nesse sentido os desenhos de roupas cedem
espaço às fotografias, que tinham como objetivo vender os produtos expostos nos editoriais
“A fotografia passou a fazer parte do jornalismo durante a Primeira Guerra Mundial, quando o
telégrafo possibilitou a transmissão de fotos do campo de batalha para as redações de jornais e
revistas”. (ALI, 2013, p.359). De acordo com a autora, a França inovou na categoria das
revistas de moda criando a Elle. A publicação semanal oferecia um conteúdo sofisticado,
porém com dicas que fizessem parte da realidade de suas leitoras de classe média.
Na década de 1950 surge a revista Jóia, que discutia sobre moda, atualidades, leitura e
culinária. O veículo se destacou pela publicação de uma moda originalmente brasileira.
Em 1959, com o avanço da indústria têxtil no Brasil, surge a revista Manequim,
publicação responsável por falar sobre tendências e apresentar moldes impressos para
confecção de roupas. A revista permanece em circulação até hoje. A Manequim nasceu em
um período de avanço do jornalismo brasileiro. De acordo com Braga e Prado (2011), nessa
44
época a produção gráfica se tornou mais sofisticada e as revistas de moda foram inundadas
por imagens coloridas. Com a produção industrializada de roupas a manequim atestou um
avanço na moda nacional e internacional.
A década de 1960 foi marcada pela criação de duas revistas femininas importantes:
Cláudia, no Brasil e Cosmopolitan, nos Estados Unidos. Influenciadas pelos avanços
tecnológicos e a liberdade sexual, as revistas propagavam ideias feministas. Cláudia foi
pioneira em temas como o uso da pílula anticoncepcional e Cosmopolitan deu enfoque ao
empoderamento feminino, pois pela primeira vez uma revista direcionou sua atenção ao corpo
da mulher. Em 1973, a Cosmopolitan ganha a Nova, sua versão brasileira.
Em 1975, nasce a edição da revista Vogue no Brasil por meio da Editora Três. No
início a publicação era editada pela jornalista Regina Guerreiro. Em 2010, a revista foi
comprada pela editora Globo em uma parceria com a editora Condé Nast.
Na década de 1980, houve uma segmentação da imprensa surgindo a Moda Brasil e a
Cláudia Moda, revistas voltadas ao público que se interessava especificamente pelo assunto.
Em 1994, nasce a revista In Style, modificando o jornalismo de moda ao retratar o estilo de
vida das celebridades.
A partir dessa introdução histórica do jornalismo de moda e da imprensa feminina é
possível realizar uma análise a respeito do jornalismo especializado do setor no Brasil e no
mundo. O jornalismo, enquanto intérprete da realidade social e, ao mesmo tempo, ferramenta
responsável pelo processo de construção da identidade, retratou o público feminino ao longo
dos séculos, sendo um dos agentes transformadores do papel das mulheres na sociedade.
Nesse sentido, nota-se uma modificação dos padrões femininos, desde os aspectos físicos aos
comportamentais, nos quais as revistas são difusoras desses modelos. No século XX, com o
avanço da fotografia, o foco da mídia se volta para o corpo feminino estabelecendo padrões
de beleza, em muitos casos, incompatíveis com realidade das mulheres.
45
4.2 Características
A construção da realidade social por meio das revistas de moda se constitui em função
de três agentes importantes: os jornalistas, o público e a publicidade. Segundo Hinerasky
(2004) os veículos “atendem às necessidades imediatas, desejos e sonhos dos indivíduos e aos
interesses comerciais dos estilistas, fabricantes ou lojistas”. Todas as instâncias possuem um
papel fundamental na produção de sentidos. Para a autora, os anúncios, assim como as
reportagens elaboradas pelos jornalistas, contribuem para estabelecer significados, tecidos por
meio de fotografias, escolha das fontes e recursos gráficos. Os leitores consomem o produto e,
portanto, também influenciam no conteúdo, manifestando suas preferências a partir de
pesquisas de opinião, cartas do leitor, entre outros recursos. Nesse sentido, as revistas de
moda são fruto das transformações sociais, ao mesmo tempo em que auxiliam na construção
de diversos aspectos da cultura.
A caracterização da revista enquanto intérprete das questões sociais se deve à sua
periodicidade, variando entre publicações semanais, quinzenais, mensais ou bimestrais. O
rádio, a televisão, a internet e os jornais diários lidam com a velocidade da informação e o
furo de reportagem. Enquanto isso, as revistas possuem um jornalismo analítico, por meio de
uma cobertura aprofundada e opinativa.
Não dá para imaginar uma revista semanal de informações que se limita a apresentar
para o leitor, no domingo, um mero resumo do que ele já viu e reviu durante a
semana. É sempre necessário explorar novos ângulos, buscar notícias exclusivas,
ajustar o foco para aquilo que se deseja saber, e entender o leitor de cada publicação.
Nas redações de jornais ou de telejornais, quando acontece um terremoto, por
exemplo, tudo treme. É preciso correr e dar a notícia em cima da hora. Nas revistas,
a redação não treme. Ou treme bem menos. Se for para falar do terremoto, será
necessário descobrir o que ninguém sabe sobre ele, explicá-lo de forma diferente.
(SCALZO, 2006, p.41).
Nesse sentido, a capa literalmente “vende” a revista, conquistando seu leitor. Para os
autores, seu papel é fundamental para consolidar o posicionamento da revista e portanto, deve
dialogar com o seu conteúdo. “Sendo assim, qualquer revista deveria ser facilmente
48
identificada por sua capa, que não pode ser isolada do restante do projeto gráfico de sua
publicação”. (TRINDADE; VAZ, 2013, p.225).
As revistas de moda elaboram uma teia de significados, os quais dependem de
diversos atores sociais para produzirem efeito em nossa sociedade. Nesse ciclo verifica-se a
comunicação como ferramenta essencial nos veículos, seja por meio de recursos verbais ou
imagéticos. Os veículos apresentam ao leitor diferentes temas, promovendo reflexões a
respeito da sociedade. A postura do público, assim como a edição da revista, devem nortear os
efeitos da notícia.
Nas nossas sociedades, a mídia é, em grande parte, a que constrói a realidade social
(ALTHEIDE, 1976 e 1985). Mas precisamos levar em conta que não estamos diante
de um processo unilateral, mas que é gerado um reconhecimento dessa função por
parte do receptor do discurso. As notícias ajudam a construir a sociedade como se
fosse um fenômeno social compartilhado, já que no processo de descrição de um
fato relevante, a notícia o define como tal e lhe dá a forma necessária. (ALSINA,
2009, p.95).
Nesse sentido, Barthes (1967) estabelece um método para a interpretação das revistas
de moda. O autor identifica três espécies de vestuário nas publicações, as quais se comunicam
por meio de mecanismos divergentes.
O vestuário-escrito emprega as palavras e por meio da linguagem produz significados.
O vestuário-imagem, em contrapartida utiliza desenhos ou fotografias e apodera-se da
imagem. Embora tenham estruturas opostas, ambos expressam o mesmo sentido. O terceiro
vestuário sistematizado por Barthes (1967) implica em um vestuário real, que vai além da
linguagem e da imagem, consistindo em uma estrutura material, incapaz de ser representado
por fotos ou palavras.
massa e aponta que para compreendê-los é necessário ir além dos sinais e dos discursos e
estudar as fases de produção, interpretação e consumo da notícia. O estudo avança e envolve
os agentes sociais citados anteriormente.
Nas revistas de moda, a produção jornalística depende da informação compartilhada
entre jornalistas, leitores e anunciantes. No entanto, Hinesrasky (2009) ressalta que os editores
do veículo exercem um papel importante nas relações de poder entre o ciclo da moda e a
mídia. A autora considera relevante a opinião dos editores na reprodução de padrões de moda
e beleza, interferindo no mercado e gerando narrativas nas redes sociais. Por outro lado,
Joffily (apud HINERASKY, 2009, p.3) reconhece que os editores precisam estar atentos às
necessidades do público, considerando os aspectos socioculturais que envolvem a realidade
do leitor. Desse modo, o jornalista se encaixa no papel de intérprete da moda.
Em relação à linguagem, é necessário adequar o texto jornalístico de acordo com o
público. No caso das revistas de moda, a produção do texto pode ser livre, permitindo
expressões comuns aos leitores. O uso de palavras em inglês e gírias fazem parte das
reportagens e transmitem a identidade do veículo.
Comprar uma revista ou ser assinante de um título não só traduz um hábito cultural,
mas também indica maneiras sobre como tal ação configura mapas subjetivos de
apropriação do cotidiano, sendo a revista, ela mesma, uma referência e uma
companhia, cujos capital simbólico jornalístico e credibilidade (Berger, 2003)
condicionam posturas e posicionamentos entre sujeitos - midiáticos e sociais.
(SCHWAAB; TAVARES, 2013, p.39-40).
2
Disponível em: <http://inside.chanel.com/pt/paradox> Acesso em: 31 janeiro 2017
52
5 REVISTA VOGUE
O capítulo descreve a trajetória da revista Vogue desde sua primeira edição, em 1892,
até sua chegada no território brasileiro. Durante sua história, Vogue sofreu diversas
adaptações em seu conteúdo e projeto gráfico.
A revista foi a primeira publicação a abordar o tema estilo de vida, divulgando os
hábitos e as festas da elite. A partir disso, Vogue torna-se referência para o jornalismo
especializado em moda.
Em seguida, faremos uma análise de conteúdo da evolução da Vogue Brasil, ao longo
de cinco anos. Além de compreender seu papel no processo de construção da identidade e
representação da mulher brasileira.
A revista Vogue foi fundada nos Estados Unidos, em 1892, por Arthur Baldwin
Turnure. De acordo com Elman (2008), a publicação semanal voltada à elite de Nova York
surgiu com o objetivo de debater temas a respeito do estilo de vida desse grupo específico. A
autora ressalta que a Vogue oferecia aos leitores artigos de moda feminina e masculina,
resenhas de livros, teatro, música, arte e regras de etiqueta. Além disso, Ali (2009) frisa que a
Vogue era financiada por famílias milionárias, entre elas Astor e Vanderbilt. As publicações
eram caracterizadas por mostrar as festas e os bailes organizados pela elite.
Em 1909, a revista foi comprada por Condé Montrose Nast. Segundo Elman (2008), o
advogado e publicitário revolucionou a Vogue transformando a publicação em uma referência
para outros veículos. A revista passou por diversas modificações em seu projeto gráfico, que
se tornou mais elegante, com a presença de editoriais bem produzidos. No entanto, o público-
alvo permaneceu o mesmo.
Inicialmente, a circulação não passava de 14 mil revistas. Contudo, Ali (2009) destaca
53
que a veia publicitária de Nast ajudou a atrair anunciantes, interessados em vender seus
produtos de luxo aos leitores abastados. Naquele período, Nast ofereceu o cargo de diretora à
Edna Woolman Chase. “Nast e Edna Chase transformaram a Vogue na mais elegante revista
de moda com uma grande receita de publicidade e o mais importante título da Editora Condé
Nast, que publicava também Vanity Fair e House & Garden”. (ALI, 2009, p.339).
O sucesso da Vogue atravessou as fronteiras americanas e chegou à Europa. Segundo
Elman (2008), a revista ganhou a sua versão inglesa em 1916 e a francesa, em 1920. A autora
destaca a concorrência da revista com a Harper’s Bazaar, publicação que nasceu no ano de
1867 e até hoje é umas das mais importantes revistas de moda. Nesse sentido, Nast voltou sua
atenção à capa da revista, com o intuito de criar uma “marca” Vogue.
Segundo Elman (2008), a Editora Condé Nast foi visionária no sentido de captar a
curiosidade sobre o outro, bem como seus hábitos, rotina e posses. Divulgando informações
sobre o cotidiano da alta sociedade, Vogue encontrou a fórmula para o seu sucesso. A
trajetória da revista se encaixa no processo de construção da identidade, teorizado por Cuché
(1999), como é exposto no Capítulo 3 - Identidade e Representação. O autor ressalta a
importância da existência do outro para a formação de uma identidade própria. Desse modo,
Vogue desperta a curiosidade do público, o qual busca, na personalidade ou celebridade em
destaque, uma inspiração ou até mesmo, um modelo oposto ao seu estilo de vida. "Das
aristocráticas personagens que frequentavam as páginas da revista em 1892 às celebridades da
vida contemporânea, o que fazem, como fazem, o que vestem e os lugares que frequentam
formam uma imagem de espírito do tempo, onde as pessoas se orientam e se informam"
(ELMAN, 2008, p. 29).
De acordo com Ali (2009) durante o período marcado pelo ano de 1929, a Editora
Condé Nast foi adquirida pela família Newhouse. Nast “perdeu o controle da empresa com o
crash da bolsa de Nova York e suas finanças nunca mais se equilibraram”. (ALI, 2009, p.
339).
54
A versão brasileira da Vogue chegou ao Brasil em 1975, passados mais de oitenta anos
da data de seu lançamento nos Estados Unidos. Durante todo esse tempo, a revista sofreu
diversas modificações até chegar no território nacional, especialmente em relação à identidade
e representação das mulheres em suas reportagens.
Durante o século XIX, de modo geral, as revistas utilizavam desenhos para ilustrar
suas páginas. No caso das revistas de moda, as roupas eram retratadas em ilustrações e
moldes, de forma que o público utilizasse essas gravuras para produzir suas próprias
vestimentas, em um período no qual não havia produção em série.
5.2 Metodologia
exploratória, promovendo diversas visões a respeito do tema. A partir disso, fazer uma
seleção das unidades de análise e posteriormente, um processo de categorização, no qual é
preciso codificar os dados e transformá-los em categorias que possibilitam a identificação e
discussão dos conteúdos, a partir de outras visões que possam auxiliar na comprovação da
análise.
O objeto da pesquisa é a análise dos padrões estéticos estabelecidos pela revista Vogue
Brasil, a fim de compreender o papel social do veículo na construção da identidade feminina.
O objetivo é entender até que ponto o jornalismo especializado em moda e os aspectos
culturais são responsáveis na construção da realidade social e representação da mulher.
Para estudar a evolução do papel da revista Vogue Brasil, foram selecionadas como
corpus da pesquisa, cinco edições entre o período de 2012 a 2016: Edição Nº 405 -
Maio/2012, Edição Nº 418 - Junho/2013, Edição Nº 426 - Fevereiro/2014, Edição Nº 446 -
Outubro/2015 e Edição Nº 453 - Maio/2016.
O processo de seleção das unidades de análise foi realizado com base no tema. Para
tanto, foram selecionadas edições que abordassem assuntos relativos à problemática da
identidade feminina e poderiam ser úteis para elucidar as questões do estudo. Nesse sentido,
foram escolhidas revistas cujo tema dialogava com conceitos de representatividade,
identidade, culto ao corpo, valores estéticos e estereótipos.
As análises das edições foram divididas por ano. As capas e as matérias de capa foram
selecionadas para a análise de conteúdo, uma vez que a capa é um dos elementos mais
importantes no processo de construção de sentidos e da identidade da revista. Desse modo, foi
realizada uma categorização das capas, por meio de quadros, levando em consideração:
edição, as chamadas de capa, os recursos gráficos, os conceitos de representatividade e
identidade e por fim, os valores estéticos difundidos por meio das imagens. A categorização
das matérias de capa também foram realizadas por meio de quadros divididos entre as
categorias: título, linha fina, classificação, recursos gráficos, conceitos de identidade,
representatividade e valores estéticos.
Em seguida, foi realizada uma análise dos resultados obtidos, comparando as edições
com o intuito de identificar as características semelhantes e opostas entre elas.
58
5.2.1 Análise
Hinerasky (2006) considera a moda “um meio de comunicação por si só, [...] capaz de
configurar identidades”. Nesse sentido, o jornalismo especializado em moda está inserido em
diversos processos culturais, incentivando o debate entre mídia e cultura. Para a autora essa
relação de interdependência ocorre em uma sociedade que valoriza a imagem e o consumo.
De acordo com Ali (2009) as imagens complementam o texto, estabelecendo um poder
de comunicação, além de emocionar e seduzir o leitor. A imagem de capa deve ser capaz de
traduzir a identidade da revista. No caso da Vogue Brasil (Quadro 1), a revista utiliza uma
celebridade ou modelo para representar sua marca.
No mês de maio de 2012, a revista escolheu a atriz Sharon Stone (Imagem 1) para
ilustrar sua capa. Nesta edição, a revista completa trinta e sete anos atuando no mercado
brasileiro. A atriz de cinquenta anos representa a valorização da maturidade da Vogue Brasil.
Por outro lado, não há uma exaltação da identidade nacional, visto que a personalidade em
destaque não é de origem brasileira. Assim, surgem questões a respeito da mensagem que a
revista pretende passar ao seu leitor, como por exemplo, se há uma preocupação da Vogue
60
Em relação ao design, a capa mantém os elementos gráficos, de modo que o leitor seja
capaz de identificar a revista, estabelecendo uma relação de confiança entre a publicação e o
leitor. A tipografia, comum nas edições da Vogue possui serifa, elemento que segundo Ali
(2009) é responsável por trazer elegância e auxiliar a leitura. “A serifa cria uma espécie de
corredor horizontal de letra para letra que ajuda os olhos a moverem-se suave e rapidamente
de um grupo de palavras para outro”. (ALI, 2009, p. 114).
O logotipo também permanece o mesmo. As chamadas variam a cor e o tamanho da
fonte de acordo com o grau de importância. Nesse caso, a chamada de capa relacionada à
matéria com Sharon Stone possui um tamanho maior em relação às outras chamadas. O
alinhamento varia entre esquerda e direita, de acordo com a posição da chamada.
As cores da capa variam entre neutras (branco e preto) e quentes (laranja). O fundo,
também neutro confere destaque à foto da capa, evidenciando os detalhes e as cores da roupa,
que estão coordenadas com as cores das chamadas.
A escolha de Sharon Stone como entrevistada (Imagem 2), faz uma analogia entre a
identidade da revista, que nessa edição (Quadro 2) especial chega aos trinta e sete anos, e a
identidade da atriz de cinquenta anos. Stone, assim como Vogue Brasil, lida com o processo
de envelhecimento de forma leve.
LINHA FINA Sem nunca ter feito plástica, tão fascinante e sexual
quanto na época de Instinto Selvagem, Sharon Stone fala
à Vogue sobre maternidade, sexo, envelhecimento, seu
recém-descoberto amor pelo Brasil e a luta para
encontrar a cura para a Aids.
Cada grupo tem uma beleza e saúde a conquistar, pois seduzir é uma arma de poder.
Não apenas o capital pecuniário e de saberes permite a reprodução de grupos no
poder, mas também o capital-aparência, na possibilidade de herança dos traços de
sedução de uma geração a outra. (SANT’ANNA, 2007, p.78).
vemos que existe uma notável preocupação em relação à idade. Para ilustrar a valorização da
aparência o único recurso gráfico utilizado é a fotografia (imagem 2).
TÍTULO Corpo
Outro exemplo, é o modelo Andrej Pejic que desfila para marcas femininas e
masculinas. Especialmente no caso de Casey Legler, a moda, aliada à mídia exerce um papel
na luta pela igualdade de gêneros. De acordo com Crane (2009), é uma ferramenta de
comunicação não verbal contra a restrição de direito das mulheres. Entretanto, há um fator
que chama atenção é a capa da edição, na capa da revista (Imagem 3), os nomes dos modelos
não ganham destaque e não são citados na chamada, visto que a capa é importante na
construção de sentidos e para definir a identidade do produto, seria essencial que a revista
destacasse os modelos, de modo que o leitor percebesse que estes também representam a
Vogue Brasil.
69
são o preto e o branco, porém algumas frases estão em vermelho para dar destaque ao
conteúdo.
Nas revistas de moda as peças de roupa ganham um novo significado junto ao corpo
feminino e aos processos culturais. A indumentária torna-se uma ferramenta de estudo da
sociedade, compondo o processo de construção da identidade. De acordo com Hinerasky
(2004), a revista, seus elementos gráficos e a cultura são responsáveis pela produção de
sentidos.
A chamada principal da capa (Imagem 6) destaca a moda de rua, que somada às peças
de luxo e artigos esportivos criam um estilo rebelde e irreverente. Para imprimir essa
personalidade, a revista escolhe a modelo e atriz Cara Delevingne. Com milhões de
seguidores nas redes sociais, a modelo que desfilou para várias marca de luxo e possui uma
carreira bem sucedida, gosta de tatuagens e não segue as tendências da moda. Dona de um
estilo próprio, Cara sem dúvida é a personificação do estilo rebelde que a revista pretende
passar.
A roupa bordada de paetês utilizada pela modelo contrasta com o colar grosso que
leva no pingente a palavra em inglês hot, que em português significa quente. O fundo da capa
consiste nas casas coloridas do morro Dona Marta no Rio de Janeiro e ajudam a compor a
tendência da moda de rua sofisticada. A chamada principal “Cara Delevingne leva sua
irreverência aos morros do Rio e mostra que high fashion combinado com esporte nunca deu
tanto samba.” também faz um trocadilho com a palavra samba, que nesta situação, significa
uma harmonia entre a identidade de Cara Delevingne, a identidade brasileira e o estilo
composto pela moda de rua sofisticada.
Para ganhar destaque na capa colorida, as cores neutras são utilizadas nas chamadas e
no logotipo da revista, variando entre o uso de branco e preto. O tamanho da fonte varia de
acordo com o grau de importância das chamadas, que estão alinhadas à esquerda e à direita
Jackson.
Imagem 7 - Foto do ensaio de Cara Delevingne com os integrantes do grupo “Os Leleks”, Vogue Brasil -
Fevereiro/2014.
Imagem 8 - Ensaio de Cara Delevingne no morro Dona Marta, Vogue Brasil Fevereiro/2014.
Na imagem da capa (Imagem 9) Ricardo Tisci aparece, deitado num colchão, entre as
modelos Mariacarla Boscono e Naomi Campbell. O objetivo de Vogue Brasil é produzir uma
analogia entre o termo “gangue” e a imagem de capa. Nesse sentido, Tisci está com uma
expressão séria e imponente, representando o líder de uma gangue.
As modelos usam acessórios e peças da sua coleção para a Givenchy. As duas estão
com áreas do corpo expostas e com as pernas em cima do estilista. A mão de Ricardo Tisci
77
está em cima da perna de Naomi Campbell, refletindo uma identidade submissa às modelos.
Além disso, as duas possuem uma ausência de expressão facial, demonstrando uma identidade
passiva. De acordo com Goffman (apud CRANE, 2009, p.401), essas posições fazem parte da
“ritualização da subordinação”, na qual a mulher é identificada como um sujeito passivo.
Crane (2009) afirma que essa caracterização pode ser construída para agradar o olhar
masculino. A presença da modelo Naomi Campbell é importante para a representação da
mulher negra nas capas de revista de moda. Entretanto, a modelo aparece em uma situação na
qual a mulher está submissa.
A edição apresenta claramente a nova tendência da Vogue a partir da década de 1970,
na qual o corpo feminino se destaca em relação às roupas dos modelos. Entretanto, o corpo de
Ricardo Tisci, ao contrário, não está em evidência, refletindo uma exposição apenas do corpo
feminino.
O fundo branco da capa dialoga com as roupas das modelos e de Ricardo Tisci. As
peças e o lençol transformam-se em um único objeto, gerando dúvida onde começa e termina
cada peça de roupa. Para destacar o logotipo, a revista utilizou a cor preta, que combina com o
cabelo escuro das modelos. O tamanho das chamadas de capa varia de acordo com o grau de
hierarquia. As cores utilizadas são o preto e o dourado.
O estilo de Ricardo Tisci trouxe a moda de rua e as “tribos de estilo” (CRANE, 2009,
p.45) para a Givenchy. Segundo Marina Morena, empresária e amiga do estilista, suas peças
são “pop chiques e incríveis”. Seu trabalho se liberta da identidade fixa e constrói uma moda
sem gênero ou personalidade específica, democratizando o luxo. Segundo Rosa (2014) a ideia
de luxo moderno contribuiu para uma moda liberal. Nesse sentido, a divisão da moda por
classes sociais não são mais importantes do que as preferências dos indivíduos.
O ensaio fotográfico traduz a personalidade do estilista por meio de suas criações,
usadas por Naomi Campbell e Mariacarla Boscono. O corpo das modelos está sempre em
evidência nas fotos representando padrões estéticos de magreza e beleza.
Naomi Campbell estreia a capa da edição de aniversário da Vogue Brasil. Com uma
feição imponente, a modelo britânica aparece na foto em uma pose na qual passa a impressão
de estar dançando. Pela terceira vez Naomi posa para a versão brasileira da Vogue. No
entanto, essa edição é um dos raros momentos em que modelo aparece com os cabelos
naturais. As cores da sua roupa, que possui detalhes de franjas, tranças e estampas étnicas
dialogam com vestes típicas das tribos africanas. O sapato, uma sandália com tiras coordena
com as tiras da blusa.
81
O fundo da foto (Imagem 11), se mistura com as roupas da modelo. Os tons terrosos e
a luz natural dão destaque à Naomi. As core frias estão presentes em sua maquiagem azul, que
combina com o céu. O logotipo vibrante na cor laranja confere o toque final à capa da revista.
As chamadas possuem um toque simples e a fonte está em branco.
Desse modo, Naomi é a personificação da identidade da mulher negra contemporânea,
que ainda precisa lidar com o racismo e os estereótipos. Além disso, a roupa também produz
uma mensagem, remetendo à origem africana e sua cultura. Seu olhar encara o leitor,
ressaltando a importância de sua presença na capa de uma das grandes revistas de moda do
país. Nesse sentido, corpo e indumentária se completam produzindo diversos significados,
provando que aparência e poder estão intimamente ligados.
A modelo seduz o público da revista, passa uma mensagem a este, afirmando uma
mensagem de resistência ao preconceito e a luta pelo reconhecimento da beleza negra e de sua
força. Moda e representatividade se unem para construir um posicionamento sobre questões
socioculturais.
A Vogue Brasil convidou onze mulheres negras para contar suas histórias, além de
realizar um editorial ao lado da modelo Naomi Campbell (Imagem 12). Marina Silva, Maju
Coutinho, Alcione, Sonia Gomes, Heloísa (Zica) Assis, Fabiana Claudino, Lane Marinho,
Adriana Couto, Cris Vianna, Nathalia Santos e Luislinda Valois descreve suas conquistas e as
dificuldades de ser uma mulher negra no Brasil.
Os aspectos físicos são importantes na construção de sentidos. O cabelo e a
maquiagem em tons quentes de Naomi Campbell chamam a atenção mostrando
personalidade, como mostra a imagem 12.
estereótipos e preconceitos. Assim, na (Imagem 14), Maju pede silêncio, um gesto em alusão
ao racismo.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
contexto social, uma vez que os valores e ideais dominantes são capazes de transformar as
publicações. Assim sendo, as revistas de moda e a sociedade se unem em um processo
denominado de midiatização, no qual as duas instâncias se mesclam para estabelecer relações
sociais e interferir na construção da realidade social. O processo é um trabalho coletivo, que
depende da circulação da informação e do reconhecimento do público.
A análise de conteúdo da Vogue Brasil, uma das maiores revistas de moda do país,
permitiu elucidar essas questões e verificar a disseminação de padrões de beleza e valores
estéticos estabelecidos pela revista.
O recursos textuais e imagéticos, especialmente a fotografia, são responsáveis por
instituir o discurso da revista. Nota-se que a Vogue Brasil exerce um papel importante nas
relações de poder da sociedade. A publicação é capaz de atribuir valor aos bens culturais. A
investigação, categorização e análise de suas capas, reportagens e editoriais examinados,
constataram que artigos de moda quando aliados à presença de uma celebridade, são capazes
de produzir novos discursos.
A análise de conteúdo mostrou que a revista Vogue Brasil, aliada à moda e aos
processos culturais e sociológicos, auxilia na construção da identidade feminina,
estabelecendo e disseminando padrões de beleza. Previamente, é necessário mencionar, que a
revista admite a existência de diversas identidades que compõem um único indivíduo e que
podem ser flexíveis de acordo com o sistema cultural.
Dentre os valores estéticos identificados, podemos citar, a magreza, a beleza, a
juventude e a sensualidade. A valorização da aparência e a submissão da mulher também são
características que aparecem em algumas publicações, como por exemplo, a edição de 2015.
Ao longo dos anos, nota-se que a revista também se preocupa em abordar diversas
questões sociais, entre elas o racismo, a acessibilidade, a liberdade de gênero, quebra de
estereótipos e a identidade da mulher brasileira. Ainda há um longo caminho a ser percorrido,
entretanto, a análise das publicações revelou uma evolução no conteúdo Vogue Brasil. A
revista tem se esforçado para produzir e difundir uma moda inclusiva, que atenda às
demandas e às pautas sociais.
A pesquisa científica é importante para produzir novos conhecimentos,
proporcionando debates relevantes para a sociedade, contribuindo assim, para o seu progresso
em diversas áreas. Nesse sentido, esse estudo foi significativo para ampliar os saberes do
campo jornalístico e estimular discussões a respeito do processo de interação entre a mídia e a
sociedade, especialmente no que se refere ao jornalismo especializado em moda.
90
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALI, Fátima. A arte de editar revistas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2009.
BRAGA, João; PRADO, Luís André do Prado. História da moda no Brasil: Das influências
às autorreferências. São Paulo: Disal, 2011.
BUITONI, Dulcília, Schroeder. Revista e segmentação: dividir para reunir. In: SHWAAB.
Reges; Frederico de Mello B. A revista e seu jornalismo. Porto Alegre: Penso, 2013.
CALIXTO, Pedro; CAVALCANTE, Ricardo Bezerra; Pinheiro, Marta Macedo Kerr. Análise
de conteúdo: considerações gerais, relações com a pergunta de pesquisa, possibilidades e
limitações do método. Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.24, n.1, p. 13-18, jan./abr. 2014.
CAMPOS, Claudinei José Gomes. Método de Análise de Conteúdo: ferramenta para análise
de dados qualitativos no campo da saúde. Rev Bras Enferm, Brasília, p.611-614, set/out,
2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reben/v57n5/a19v57n5.pdf. Acesso em: 02
fev. 2017.
CATOIRA, Maria Luiza Bei; SEIXAS, Cristina Araújo de. Panorama da moda no Brasil e
suas interfaces com a moda internacional. Revista de Design, Inovação e Gestão
Estratégica, v.4, Nº3, p.1-15, 2013.
CRANE, Diana. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas.
Tradução: Cristina Coimbra. 2ª Ed. São Paulo. São Paulo: Editora Senac, 2009.
ENGLAND, Katy. Friends & Family. Vogue Brasil, São Paulo, n 446, p. 238-249, 2015
FLORES, Ana Marta Moreira; HINERASKY, Daniela Aline. Os editores de moda “em
revista”: um estudo de caso sobre o site Erika Palomino e a Revista Elle. In: X Anais
Intercom Sul - X Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul. Blumenau, 2008.
CALZA Márlon Uliana Calza; GRUSZYNSKI, Ana. Projeto gráfico: a forma de um conceito
editorial. In: SCHWAAB, Reges; TAVARES, Frederico de Mello B. A revista e seu
jornalismo. Porto Alegre: Penso, 2013.
HENDERSEN, Violet. Caras e Bocas. Caras e Bocas. Vogue Brasil, São Paulo, n 426, p. 150,
Fevereiro, 2014.
HINERASKY, Daniela Aline. “Deu na revista” a São paulo Fashion Week na passarela.
Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sul2007/resumos/R0527-2.pdf.
Acesso em: 15 jan. 2017.
JOFFILY, Ruth. O Brasil tem estilo? Rio de Janeiro: Ed. Senac Nacional, 1999.
MANELIS, Michele. Furacão Cinquentinha. Vogue Brasil, São Paulo, n 405, p.331-339. Mai,
2012.
OLIVEIRA, Talita Souza Moda: um fator social. Dissertação (Mestrado). Escola de Artes,
Ciências e Humanidades, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
SILVA, Aldo Clécius Neres da. Oráculos da modernidade: o jornalismo de moda e sua
relevância social. In: Anais do III Colóquio de Moda, 2007, Vitória da Conquista - BA.
TRINDADE, Vanessa Costa; VAZ, Paulo Bernardo. Capas de revistas e seus leitores: um
novo contexto em cartaz. In: SCHAAB, Reges; TAVARES, Frederico de Mello B. A revista
e seu jornalismo. Porto Alegre: Penso, 2013.
VOGUE BRASIL. São Paulo: Edições Globo Condé Nast, n 405, maio, 2012.
VOGUE BRASIL. São Paulo: Edições Globo Condé Nast, n 418, junho, 2013.
VOGUE BRASIL. São Paulo: Edições Globo Condé Nast, n 426, fevereiro, 2014.
VOGUE BRASIL. São Paulo: Edições Globo Condé Nast, n 446, outubro, 2015.
VOGUE BRASIL. São Paulo: Edições Globo Condé Nast, n 453, maio, 2016.